A terapia de restrição como forma de aprimoramento da função do

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ARTIGO
ORIGINAL
A terapia de restrição como forma de aprimoramento da
função do membro superior em pacientes com
hemiplegia
Constraint-induced therapy as an approach to the
improvement of upper limb in stroke patients
Marcelo Riberto1, Heloisa Moreira Monroy2, Harumi Nemoto Kaihami3, Priscilla Pereira dos
Santos Otsubo4, Linamara Rizzo Battistella5
RESUMO
A terapia de restrição consiste na imobilização do membro superior não comprometido de pacientes hemiplégicos
em decorrência de acidente vascular cerebral (AVC) como forma de estímulo ao uso do membro superior que
teve a sua força reduzida. Experimentos realizados em algumas amostras específicas de pacientes mostram
resultados promissores com essa abordagem. Este estudo teve o objetivo verificar seu efeito numa amostra de
pacientes hemiplégicos em processo de reabilitação. Foram selecionados pacientes com AVC há mais de 6
meses que se encontravam em processo de reabilitação e possuíssem força para extensão da mão e dedos de
pelo menos 10º de forma voluntária. A aplicação da restrição foi associada a 6 horas de terapia multidisciplinar
diariamente em dias de semana e orientada a manutenção das atividades nos finais de semana. Para avaliação
dos resultados foram usados os seguintes instrumentos: medida de independência funcional (MIF), teste motor
de Wolf (TMW), escala de avaliação das deficiências do AVC (EADAVC) e dinamometria de preensão.
Observou-se ganho estatisticamente significante na MIF (108,5 ± 6,4 versus 113 ± 7,3, p = 0,02) e TMW (10,5
± 6,4s versus 6,5 ± 3,7s, p = 0,006), mas não na EADAVC (56,7 ± 4,4 versus 59,4 ± 8,4, p = 0,16) ou
Dinamometria de pressão (16,2 ± 4,5 kgf versus 16,3 ± 5,4 kgf, p = 0,98). A conclusão deste estudo é que a
aplicação da técnica de restrição do membro superior em pacientes hemiplégicos pode resultar em ganhos
agudamente, indicando um caminho alternativo na abordagem das suas incapacidades.
PALAVRAS-CHAVE
hemiplegia, reabilitação, terapia de restrição, avaliação funcional, incapacidade, neuroplasticidade
ABSTRACT
Constraint induced therapy (CI-therapy) consists in the restriction of movements by the preserved upper limb
of stroke patients as a means of stimulation of the use of the weakened limb. Experiments performed in selected
samples have shown some promising results. This study aimed at verifying the effect of such approach in a
sample of stroke patients under rehabilitation. Patients were selected once their cerebral vascular injury had
happened at least 6 months previously, and they could perform a 10 degree extension of the wrist and finger
voluntarily. Beyond the restriction, 6 daily hours of therapy were performed and there was orientation to keep
up with the therapeutic activities at home in the weekends. Evaluating instruments were: Functional Independence
Measure (FIMTM), Wolf motor function test (WMFT), stroke impairment scale (SIAS) and hand grip
dynamometry. A statistically significant improvement could be observed in FIM (108,5 ± 6,4 versus 113 ± 7,3,
p = 0,02) and WMFT (10,5 ± 6,4s versus 6,5 ± 3,7s, p = 0,006), but not in SIAS (56,7 ± 4,4 versus 59,4 ± 8,4,
p = 0,16) or grip dynamometry (16,2 ± 4,5 kgf versus 16,3 ± 5,4 kgf, p = 0,98). We concluded that the use of
CI-therapy in stroke patients may acutely produce functional improvement, indicating an alternative pathway in
the approach to their disabilities.
KEYWORDS
stroke, rehabilitation, CI-therapy, functional evaluation, disabilities, neuroplasticity
____
1 Médico fisiatra da Divisão de Medicina de Reabilitação
2 Terapeuta ocupacional da Divisão de Medicina de Reabilitação
3 Psicóloga da Divisão de Medicina de Reabilitação
4 Fisioterapeuta da Divisão de Medicina de Reabilitação
5 Médica fisiatra, Professora associada da Faculdade de Medicina da USP, Diretora da Divisão de Medicina de Reabilitação
Endereço para correspondência:
Rua Diderot 43 Vila Mariana São Paulo SP
04116-030
Fone: 5549-0111
Fax: 5549-0556
[email protected]
Recebido em 11/08/2004, Aprovado em 15/12/2004
Riberto M, Monroy H M, Kaihami H N, Otsubo P P S, Battistella L R - A terapia de restrição
como forma de aprimoramento da função do membro superior em pacientes com hemiplegia
ACTA FISIATR 2005; 12(1): 15-19
INTRODUÇÃO
portador de deficiência necessita para a realização de 18 tarefas,
podendo ser classificado como dependente total, nível 1, até
independente completo, nível 7, para cada uma das tarefas3. Essa
escala foi traduzida e validade no idioma português do Brasil,
assim como foram verificadas suas propriedades psicométricas por
Riberto e cols4,5. Os valores da MIF variam entre 18 (dependência
completa) até 126 (independência total).
. Escala de avaliação das deficiências do acidente vascular
cerebral (SIAS): trata-se de um instrumento que padroniza o exame
funcional de pacientes com hemiplegia devido a acidente vascular
cerebral, são observadas características de força, tônus,
sensibilidade, amplitude articular, equilíbrio, equilíbrio, dor, fala
e a capacidade funcional do lado preservado. Os resultados obtidos
com este instrumentos podem assumir valores de 0 (deficiência
mais grave) até 76 (normalidade).
. Teste de função motora de Wolf: consiste numa série de tarefas
que são solicitadas ao paciente que realize com o membro
acometido pela paresia. Cada uma das tarefas é cronometrada a fim
de se avaliar a destreza do paciente para a realização de cada uma
dessas atividades. Usa-se, para efeitos comparativos a mediana
dos tempos registrados para cada uma das tarefas6.
. Dinamometria de preensão: efetuada por meio de um
dinamômetro de preensão, solicitou-se a o que paciente realizasse
a preensão com força máxima por três vezes usando-se o valor
médio para as comparações.
Foram realizadas 6 horas de intervenção terapêutica por dia,
sendo 2 horas de terapia ocupacional, 2 horas de fisioterapia, 1
hora de acompanhamento psicológico e 1 hora de almoço.
Durante todo o período terapêutico a restrição no membro
superior preservado foi mantida por meio de uma órtese de mão
punho e dedos, com apoio ventral em termoplástico, que foi mantida
enfaixada e com a movimentação do segmento proximal do membro
superior limitada também pela supervisão constante dos terapeutas
e acompanhantes. A órtese deviria ser usada por 6 horas por dia,
sendo possível retirá-las na hora do almoço (quarta hora de
intervenção diária). A orientação para os finais de semana foi de
que o uso da restrição se mantivesse no mesmo regime. Os pacientes
e acompanhantes foram orientados quanto a aplicação e retirada
da restrição a fim de mantê-la nos finais de semana e após o período
de intervenção terapêutica.
O Serviço de Psicologia avaliou os pacientes e respectivos
cuidadores, considerando a capacidade de enfrentamento frente
ao programa intensivo. Tanto os pacientes quanto os cuidadores
foram atendidos diariamente, sendo que nos finais de semana foram
efetuados contatos telefônicos, com vistas a lidar com as
expectativas, com as tensões vivenciadas, as dificuldades devidas
à contenção, as mudanças corporais, e a continuidade das
atividades. Desta forma, ocorreram ganhos efetivos na
conscientização do potencial remanescente, na ampliação da
percepção sobre a deficiência e as capacidades.
A intervenção terapêutica consistiu na aplicação de
treinamentos específicos para a função do membro superior, seja
com relação a ganho de força, amplitude articular ou para a
realização de atividades de vida diária, conforme a capacidade de
A terapia de restrição (no inglês: constraint induced therapy,
CI-therapy ou forced use) é um recurso na abordagem de pacientes
com lesões hemisféricas no sistema nervoso central que
desenvolvem hemiplegia. Os primeiros indícios da sua utilidade
clínica partiram de experimentos clínicos realizados por Wolf e
cols. no qual uma série de pacientes com seqüelas decorrentes de
acidente vascular cerebral (AVC) e traumatismo cranioencefálico
(TCE), crônicos e já reabilitados, foi submetida a restrição por 23
horas ao dia por duas semanas, tendo-se observado ganhos na
função motora1. Taub e cols. foram os primeiros a apresentar um
ensaio clínico com este tema, no qual pacientes com lesões crônicas
do sistema nervoso central (SNC) já submetidos a reabilitação,
apresentaram melhora substancial da destreza e funcionalidade do
membro parético após um período de duas semanas de restrição do
membro não acometido. Esses autores ainda foram capazes de
demonstrar que a intervenção restritiva apresentava resultados
significantemente melhores em termos de destreza e funcionalidade
do membro superior acometido após 2 anos do experimento,
indicando ganhos de fato mais consistentes2.
O objetivo deste estudo foi verificar os efeitos da terapia de
restrição sobre uma amostra de pacientes brasileiros e verificar as
dificuldades resultantes da sua aplicação sobre pacientes ainda
em fase de reabilitação.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram considerados para participação no estudo os pacientes
vitimados por acidente vascular cerebral há mais que 6 meses, com
estabilidade clínica e capacidade de compreensão dos objetivos e
métodos aplicados no experimento. Outra exigência para a inclusão
no protocolo de estudo foi a existência de um acompanhante
durante todo o período de aplicação da técnica e que se dispusesse
a manter as intervenções terapêuticas em ambientes domiciliar.
Após a explicação sobre os objetivos do estudo, solicitou-se aos
pacientes que assinassem a termo de consentimento livre e
esclarecido para a realização do mesmo.
Quanto a características da deficiência instalada, era necessário
que o paciente apresentasse hemiplegia, não importando se o
membro superior afetado fosse o dominante ou não. O paciente
deveria ter esboço de força no membro superior acometido, sendo
capaz de ao menos estender dedos ou punho num arco superior a
10 graus. Não foram consideradas modalidades sensoriais no
hemicorpo afetado para a seleção desses pacientes.
Os pacientes foram avaliados na semana anterior ao início da
terapia experimental e no dia imediatamente após o final da
intervenção a fim de verificar as aquisições funcionais relacionadas
diretamente ao período de tratamento. As avaliações constaram de
aplicação dos seguintes instrumentos:
. Medida de independência funcional (MIF): trata-se de um
instrumento de avaliação da carga de cuidados que um paciente
16
Riberto M, Monroy H M, Kaihami H N, Otsubo P P S, Battistella L R - A terapia de restrição
como forma de aprimoramento da função do membro superior em pacientes com hemiplegia
ACTA FISIATR 2005; 12(1): 15-19
cada um dos pacientes.
O treinamento específico do membro superior acometido foi
realizado, durante as duas semanas de intervenção terapêutica,
com enfoque primordial à funcionalidade. O trabalho compreendia
conscientização corporal além de aspectos puramente motores. A
intervenção foi feita em grupo, através de atividades individuais
ou conjuntas, com a participação ativa dos acompanhantes,
conforme solicitação do terapeuta. Estes estavam presentes nos
atendimentos, ocasiões em que foram orientados quanto ao suporte
a ser dado aos pacientes dentro e fora da instituição (inclusive no
programa de atividades para o final e semana). Nos finais de semana,
os pacientes foram orientados para manter a restrição diária de 6
horas e continuarem as atividades conforme havia sido instruído a
semana por 2 horas. No seis meses após a intervenção terapêutica,
os pacientes foram orientados a continuar usando a restrição por 6
horas diariamente, mantendo as atividades.
A análise estatística dos dados quantitativos foi realizada por
meio do teste t pareado, utilizando-se o valor de 5% como nível de
significância.
versus 16,3 ± 5,4 kgf, p = 0,98), contudo apenas 4 pacientes foram
testados no início e no final do experimento com a dinamometria
de pressão.
DISCUSSÃO
A terapia de restrição encontrou o seu respaldo teórico na “teoria
de inatividade”, ou “desuso aprendido”. Segundo a qual, numa
fase aguda, logo após a instalação da lesão encefálica, o paciente
tentaria realizar atividades com o membro superior e não
conseguindo fazê-lo passaria a tentar cada vez menos, numa forma
de condicionamento inibitório. Uma vez que o processo de
reabilitação passou cada vez mais a preocupar-se com a realização
de tarefas e dar menor importância para os pequenos ganhos de
propriedades elementares do membro superior da fase subaguda e
crônica, como a força, destreza e sensibilidade, os sujeitos passaram
a ser cada vez mais estimulados a realizar suas tarefas com o membro
não acometido. Desta forma, se por um lado a dificuldade inicial
para o movimento já inibia a atividade voluntária do membro
acometido pela fraqueza, por outro lado o treinamento de
reabilitação voltado exclusivamente para a funcionalidade, sem
direcionar-se para a recuperação das deficiências, reforçava a
subutilização do mesmo2,7.
Partindo do modelo acima descrito, o mecanismo de
inatividade incluiria não apenas a fraqueza decorrente da lesão de
vias nervosas no SNC, mas também de comportamentos adquiridos.
Para reverter esses aspectos, seria necessário não apenas a redução
da lesão - ou o restabelecimento da força - e conseqüente redução
da deficiência, mas também um estímulo motivacional que
impelisse o sujeito a usar o membro. A fim de garantir que os
ganhos fossem decorrentes desse tipo de intervenção, os estudos
lançaram mão de pacientes crônicos e já submetidos a reabilitação.
Desta forma, o período de maior ganho e de maior
neuroplasticidade, referente aos meses iniciais após a instalação
da lesão já teria sido ultrapassado. No mesmo sentido, a
experimentação com pacientes já reabilitados garantiria que os
ganhos obtidos dever-se-iam apenas a capacidades adquiridas
especificamente pela intervenção de restrição, e não pelo efeito do
processo de reabilitação2,8.
A maior parte dos estudos envolvendo a terapia de restrição
foram desenhados com o objetivo de abordar apenas pacientes
com lesões crônicas, nos quais as intervenções de reabilitação já
houvessem chegado ao seu limite em termos de ganho em
independência funcional. Neste aspecto, é preciso levar em
consideração que, no Brasil, o atendimento de reabilitação que é
fornecido na fase aguda da instalação de acidentes vasculares
cerebrais costuma resumir-se a manutenção de amplitude articular
e cuidados respiratórios nas unidades de terapia intensiva, na fase
superaguda após o ictus. Após a alta dessa internação não é raro
observar pacientes que não são submetidos a qualquer tipo de
intervenção para ganho funcional até que procurem, tardiamente,
o centro de reabilitação5,9,10. Nesse sentido o potencial para
aquisição funcional em pacientes crônicos em nosso meio pode
ser superior ao de outros países onde a reabilitação ocorre na fase
RESULTADOS
Participaram do estudo 9 pacientes, sendo 4 mulheres e 5
homens, com média de idade de 48,3 ± 11,7 anos (27 – 66 anos), 5
com acometimento do membro dominante e 4 com acometimento
do membro não-dominante. O período médio desde a instalação
da incapacidade foi de 15,7 ± 10,7 meses, variando entre 6 e 36
meses. A tabela 1 apresenta as características dos pacientes relativas
a dominância, idade, tempo de lesão e topografia da lesão.
Tabela 1
Características clínicas dos pacientes participantes do programa.
Hemicorpo
Hemicorpo
dominante
acometido
F
D
D
AVCI
45
M
D
E
AVCI
64
F
D
D
AVCI
4
44
M
D
D
AVCH
5
66
F
D
D
AVCI
6
27
F
D
D
AVCH
7
47
M
D
E
AVCI
8
53
M
D
E
AVCI
9
44
M
E
D
AVCI
Paciente
Idade
sexo
1
45
2
3
Tipo de lesão
A evolução dos pacientes segundo os parâmetros estudados
mostrou que houve redução estatisticamente significante no tempo
mediano para a realização das tarefas no WMT (10,5 ± 6,4s versus
6,5 ± 3,7s, p = 0,006) e melhora da independência funcional na
realização de atividades diárias avaliada pela MIF (108,5 ± 6,4
versus 113 ± 7,3, p = 0,02), apesar de não ter sido observada alteração
estatisticamente significante na EADAVD (56,7 ± 4,4 versus 59,4
± 8,4, p = 0,16) ou na dinamometria de pressão (16,2 ± 4,5 kgf
17
Riberto M, Monroy H M, Kaihami H N, Otsubo P P S, Battistella L R - A terapia de restrição
como forma de aprimoramento da função do membro superior em pacientes com hemiplegia
ACTA FISIATR 2005; 12(1): 15-19
aguda e com objetivos diferentes.
O fato de não terem sido observados ganhos estatisticamente
significantes com relação a quantificação de deficiências por meio
da EADAVC aponta para a possibilidade de já ter sido ultrapassada
a fase de maior plasticidade neuronal, o mesmo pode ser dito a
respeito da dinamometria de pressão, porém em ambas medidas os
resultados podem ser negativos devido ao pequeno tamanho da
amostra estudada, o que favorece o aparecimento de resultados
falsamente negativos, os chamados erros estatísticos do tipo 2, nos
quais a escassez de dados não permite a identificação de diferenças
estatisticamente significantes11.
Por outro lado, o ganho funcional da mão e do membro superior
parético foi detectável em dimensão estatisticamente significante,
indicando uma melhora na destreza, velocidade e qualidade do
movimento. A experiência em reabilitação ensina, todavia, que
nem sempre que uma habilidade se encontra presente num paciente
ela é usada. A verificação do uso das habilidades recuperadas foi
evidenciada nos estudos norte-americanos por meio do MAL
(motor activities log), no qual os participantes do estudo deveriam
apontar com que frequencia passaram a usar o membro superior
afetado e qual era a sua impressão a respeito da qualidade do
movimento2. Em nosso estudo preferimos a utilização da MIF,
pois ela já é padronizada em nosso serviço, tem validade garantida
na literatura nacional4,5 e fornece a informação a respeito de como
o paciente vem realizando uma série de atividades no seu dia-adia. Apesar de não ser especificamente dirigida para o uso do
membro superior que havia sido alvo de intervenção, acreditávamos
que o paciente que passasse a usar seu membro acometido com
maior freqüência passasse a necessitar de menor carga de cuidados
por outras pessoas, o que implicaria num acréscimo da pontuação.
Trabalhos semelhantes com a intervenção sobre pacientes com
lesões encefálicas crônicas apresentaram ganhos estatisticamente
significativos na destreza manual após a intervenção de duas
semanas, tanto em estudos sem grupo controle1 quanto quando
comparados a um grupo controle, com quadros neurológicos
comparáveis, porém sem restrição2. Contudo, enquanto nesses
estudos a estimulação do membro parético foi feita apenas por
meio de atividades gerais 1 ou direcionadas aos problemas
apontados pelos pacientes por períodos prolongados durante o
dia7, em nosso estudo as atividades duraram apenas seis horas diárias,
das quais uma destinava-se ao almoço e outra ao atendimento
psicológico, portanto sem tarefas diretamente relacionadas à
movimentação ativa do membro parético.
Um estudo com uma amostra muito maior de pacientes (66) foi
desenvolvido com o objetivo de comparar a terapia de restrição
com a técnica neuroevolutiva padrão usada num serviço de
reabilitação holandês. Nesse estudo tanto os pacientes sob restrição
quanto os controles foram atendidos em grupos e em períodos de 6
horas diárias com estímulos bastante comparáveis em termos de
intensidade e freqüência. Observou-se ganho funcional em ambos
grupos, havendo diferenças estatisticamente significantes apenas
com relação ao subgrupo de pacientes sob restrição quando
apresentavam, associadamente, distúrbios sensoriais ou
heminegligência8.
A terapia de restrição também foi usada para o tratamento de
crianças com paralisia cerebral com resultados satisfatórios logo
após o período de restrição que se mantiveram após 6 meses12.
Um estudo a respeito do uso da terapia de restrição em regime
ambulatorial, com sete sessões de duas horas, uma para terapia
ocupacional e uma para fisioterapia, dentro da rotina do serviço,
num período de duas a três semanas, somada a orientação para uso
da restrição em domicílio e estímulo para o uso do membro superior
parético implicou em resultados semelhantes aos nossos, com
ganhos no teste motor de Wolf13. Assim como em nosso estudo,
não havia grupo controle e não foram feitas avaliações repetidas
antes da intervenção pois os pacientes eram crônicos e porque o
teste motor de Wolf parece não ter grande efeito de aprendizado6.
Outra semelhança com os nossos métodos foi a quantidade de
intervenção, dimensionada pelo número total de horas de terapia,
enquanto em nosso trabalho esse valor é da ordem de 20 horas de
terapia voltada a parte física, sem contar o almoço, esses autores
atuaram apenas 14 horas diretamente sobre os pacientes, mas como
compensação orientaram a manutenção da restrição em casa.
Após o AVC, ocorre maciça reorganização cortical. Conforme
o uso que se faz dos segmentos corpóreos, as áreas homunculares a
eles relacionadas podem passar a ter representações diferentes em
dimensão ou atividade7. O mapeamento cortical por meio de
estimulação magnética transcraniana permitiu demonstrar aumento
da representação cortical de membros superiores de pacientes
hemiplégicos crônicos após o período de duas semanas de
restrição 14. Existem, também, evidências apontando para o
recrutamento do córtex motor ipsilateral ao membro parético em
pacientes com lesões encefálicas crônicas de origem vascular. Tais
ativações ipsilaterais foram observadas apenas três meses após a
terapia de restrição e seu aparecimento tardio foi associado a
mudança de comportamento motor na rotina diária desses
pacientes7.
Os mecanismos pelos quais a terapia de restrição promoveria
alteração sustentada do padrão de utilização do membro superior
parético ainda não são totalmente esclarecidos, mas a hipótese de
que o estímulo comportamental para o uso desse membro seja
responsável por modificações plásticas no sistema nervoso central
encontra suporte nos achados experimentais. Por meio de estímulos
motores semelhantes em animais foi possível evidenciar alterações
na atividade de fatores de crescimento neuronal após lesões no
sistema nervoso central15. O uso do membro enfraquecido por lesões
do córtex sensoriomotor em animais também parece ser responsável
por crescimento neuronal no córtex motor ipsilateral16.
Estudos neurofisiológicos recentes apontam para o fato de que
a redução da mobilidade do membro superior de pacientes
hemiplégicos não ocorre apenas em decorrência da lesão das vias
piramidais, mas também de uma inibição contralateral, promovida
pelo córtex motor sadio. Medidas inibitórias sobre a atividade
neuronal do hemisfério não lesado de pacientes com acidentes
vasculares cerebrais hemisféricos, por meio de estimulação
magnética transcraniana repetitiva, resultaram, agudamente, em
melhora da performance motora no membro superior parético desses
pacientes17,18.
18
Riberto M, Monroy H M, Kaihami H N, Otsubo P P S, Battistella L R - A terapia de restrição
como forma de aprimoramento da função do membro superior em pacientes com hemiplegia
ACTA FISIATR 2005; 12(1): 15-19
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu evidenciar os resultados da terapia de
restrição sobre pacientes subagudos e crônicos na realidade
brasileira, onde a reabilitação em geral ocorre tardiamente e em
ambiente ambulatorial. Foi possível observar ganhos na destreza e
independência funcional apontando para o método como opção
terapêutica útil no atendimento de pacientes com motricidade
residual do membro parético decorrente de acidente vascular
cerebral.
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