Investigação, 14(2):121-125, 2015 QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? 1. Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal / Curso de graduação em Medicina Veterinária da Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. Luisa Pucci Bueno¹, Ilan Munhoz Ayer¹, Tasso Vilela Lemos Viana¹, Denis Vinicius Bonato¹, Dayane Priscila Vrisman², Izabela Puerchi Ribeiro¹, Aulo Henrique Araujo¹, Augusto Ryonosuke Taira³, Lucas de Freitas Pereira¹, Vitor Foroni Casas¹, Felipe Farias Pereira da Câmara Barros², Pedro P. M. Teixeira¹*. *E-mail: [email protected] 2. UNESP-Univ Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Jaboticabal, São Paulo, Brasil. 3. UNICENTRO – Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, Paraná, Brasil. PRÉVIA Foi atendido a campo via hospital veterinário da FAEF/FAMED uma vaca nelore, adulta, com histórico de hiporexia, emagrecimento, sialorréia e segundo o proprietário ingestão de planta tóxica. CASO CLÍNICO Foi atendido em uma propriedade no Município de Garça-SP via Setor de clínica, cirurgia e reprodução do Hospital Veterinário da FAEF/FAMED, uma paciente da espécie bovino, nelore, adulto, fêmea, com 420 kg. O proprietário relatou que a vaca se “isolou do restante do rebanho”, “não estava se alimentando, porém bebendo água”, “respiração ofegante”, “salivando em demasia”, sendo esse estado já observado há 48 horas. Ressaltado pelo mesmo, que no piquete o qual se encontravam os animais foi observada a presença de Palicourea marcgravii, conhecida popularmente como Erva-de-rato ou Cafezinho, inclusive trazendo um exemplar da planta em mãos, retirado do piquete. ISSN 21774780 121 Investigação, 14(2):121-125, 2015 Ao chegar à propriedade, a paciente se encontrava no centro de manejo em posição quadrupedal, deambulando normalmente, apresentando sialorréia, anorexia, leve dispneia e taquicardia, hipomotilidade ruminal, desidratação leve e normotermia (38oC). O animal manifestava interesse por água, porém não apresentava movimentos de deglutição. Não foi possível realizar o procedimento de sondagem oro-ruminal, uma vez que foi apresentado resistência na região esofágica logo após a laringe. Na palpação notou-se um aumento de volume de consistência firme na região cervical ventral. Na observação dos demais animais do rebanho, nenhum apresentava sintomatologia similar, e também não se observou nenhum exemplar da planta tóxica no pasto. Na inspeção ambiental verificou-se no pasto a presença de árvores frutíferas como magueira (Mangifera indica) e laranjeiras (Citrus sinensis). 1. Qual o seu diagnóstico? 2. Quais os diagnósticos diferenciais? 3. Por que o paciente manifestou tal sintomatologia? 4. Quais exames a mais poderiam ser realizados? 5. Quais as opções de tratamento? ISSN 21774780 122 Investigação, 14(2):121-125, 2015 DISCUSSÃO 1. Qual o seu diagnóstico? Baseado nos sinais clínicos e exames realizados confirmouse o caso como obstrução esofágica por corpo estranho (Figura 1). Os bovinos estão constantemente susceptíveis à ingestão de grande variedade de corpos estranhos, tal fato se atribui as suas deficiências nutricionais, baixa sensibilidade de seus órgãos gustativos e o hábito de serem animais não seletivos na apreensão dos alimentos (Moraes et al., 2011). Os principais corpos estranhos encontrados no trato digestório dos bovinos que causam obstrução esofágica são as frutas (manga, laranja, jaca, abacate), os tubérculos (mandioca, batata) e as sobras dos hortifrutigranjeiros (Souza et al., 2011). Tais obstruções ocorrem devido ao extinto do animal em consumir rapidamente grandes quantidades de alimento em um curto espaço de tempo (Borges e Moscardini, 2007). Por isso são considerados não seletivos, já que utilizam a língua para a apreensão dos alimentos, dessa forma tendo uma maior probabilidade em ingerirem corpo estranho. 2. Quais os diagnósticos diferenciais? Dentre as principais afecções em esôfago que acometem os bovinos e que devem ser descartados nesse caso clínicos são: neoplasia, intoxicação por samambaia (carcinoma de células escamosas do trato digestório superior), intoxicação por Palicourea marcgravii, estenose provocada por pressão externa ao esôfago, raiva bovina e abcessos devem entrar no diagnóstico diferencial do presente relato. (Smith, 2006). O consumo excessivo de samambaia pode levar a uma síndrome clínica, porém menos comum que é o carcinoma de células escamosas do trato digestório superior. Essa neoplasia orofaringeana causa perda da condição corporal, sialorréia, tosse, halitose, tumefação palpável no órgão e resistência à passagem de sonda gástrica, semelhante ao presente caso clínico. Os casos crônicos, são bem incomuns, uma vez que ou ocorre o óbito em obstruções completas ou subdesenvolvimento, nos casos de obstrução parcial, geralmente descartando os animais. Para esta afecção, um procedimento de endoscopia bastaria para confirmação da afecção ou outro diagnóstico diferencial (Giles e Andrews, 2008). Outras possibilidades para o diagnóstico desse caso seria a intoxicação por Palicourea marcgravii. Segundo estudo realizado por Barbosa et al. (2003), antes das manifestações clínicas graves dessa intoxicação, os animais podem apresentar andar leve, permanência por muito tempo em decúbito esternal, taquicardia, jugular saliente e pulsando e dispneia. Já os sintomas graves foram andar desequilibrado e queda, decúbito lateral, movimentos de pedalagem intermitentes, tremores musculares, respiração ofegante e língua protusa. Figura 1: Corpo estranho esofágico em bovino. (A): Aspecto do animal após a retirada do corpo estranho esofágico (flecha vermelha) pela cavidade oral. (B): Espécie de manga (Mangifera indica) encontrada na porção inicial do esôfago do animal. ISSN 21774780 123 A estenose provocada por pressão externa ao esôfago está mais frequentemente associada pelo aumento dos linfonodos regionais (Eddy, 2008). Nesse caso, descartaríamos tal diagnóstico pela palpação dos linfonodos, verificando seu tamanho como normal. Doenças neurológicas como a raiva devem ser sempre consideradas quando há disfagia está presente e as devidas precauções devem ser tomadas (Guard, 2006). Abscesso também ser considerado como diagnóstico diferencial, uma vez que o aumento de volume pode ser confundido já que este pode estar com uma consistência parecida com o corpo estranho. Abscesso é o acúmulo de secreção encapsulada, que na maioria das vezes é altamente contaminado, sendo uma simples punção com agulha fina ou o uso da ultrassonografia uma técnica para diferenciar tal patologia (Silva et al., 2012). 3. Por que o paciente manifestou tal sintomatologia? A presença de qualquer corpo estranho no esôfago pode provocar obstrução parcial e/ou total do canal esofágico, fazendo com que o animal venha apresentar dificuldade na deglutição, ou mesmo fique impossibilitado se alimentar (Souza et al., 2011). Como a manifestação clínica do animal do animal foi observado há 48 horas, a ingestão propriamente dita do corpo estranho pode ter ocorrido há um tempo superior a esse. Com isso, o animal já apresentava certo grau de anorexia. A principal sintomatologia da obstrução esofágica é sialorréia seguida de meteorismo ruminal, pois o esôfago obstruído impede a deglutição da saliva e a eructação dos Investigação, 14(2):121-125, 2015 gases do rúmen. As vacas quando engasgadas encontranse naturalmente incomodadas e se observam em frequentes tentativas de deglutição com movimentos de mastigatório em excesso (Eddy, 2008). Com o desenvolvimento lento e incompleto da obstrução, anorexia e disfagia podem ser observadas. Em alguns casos, meteorismo ruminal pode ocorrer repetidamente, resolvendo-se espontaneamente ou após a passagem da sonda gástrica (Guard, 2006). 4. Quais exames a mais poderiam ser realizados? Como realizado, a passagem de sonda gástrica é uma opção, a fim de verificar possível se não sinal de obstrução externamente evidente, revelando o local da obstrução. Também pode ser feito exame radiográfico com contraste para identificar o local da estenose, a esofagoscopia é outra opção para identificar a natureza específica do corpo estranho, bem como avaliar a mucosa do órgão após a remoção do mesmo (Guard, 2006). Outra maneira Possibilidade tentativa na resolução em casos de obstrução seria pelo deslocamento desse corpo estranho para o rúmen, e posteriormente ser retirado via ruminotomia. Casos em que não seja possível o deslocamento do corpo estranho para o rúmen, pode-se realizar a retirada via esofagotomia (Souza et al., 2011). Ainda como método alternativo tanto para diagnóstico como para tratamento de corpo estranho em região esofágica é a utilização da endoscopia. Esse método permite a confirmação, identificação e localização do corpo estranho, e quando se tratar de objetos de passível deslocamento, a sua retirada. Por este método, também é possível a visualização das prováveis alterações desencadeadas pela compressão do objeto a mucosa (Gomez et al., 2014). Outro exame completar que pode ser solicitado na tentativa de confirmar a suspeita clínica é aspiração por agulha fina, diferenciando o diagnóstico de uma possível obstrução por abscesso (Silva et al., 2012). 5. Quais as opções de tratamento? O tratamento de obstrução esofágica deve ser realizado o mais breve possível, porém sem causar maiores danos ao animal (Souza et al., 2011). Em alguns casos a retirada do corpo estranho pode ser realizada pela cavidade oral, como o ocorrido nesse caso relatado, pois o objeto encontrava-se na região proximal do esôfago. Para isso foi administrado xilazina na dose de 0,05 mg/kg via intravenosa para que após o relaxamento muscular, o animal permitisse a manipulação da região esofágica. ISSN 21774780 124 Corpo estranho em esôfago em bovino: Qual o seu diagnóstico? Foreign body in esophagus in cattle: What is your diagnosis? Investigação, 14(2):121-125, 2015 ABSTRACT RESUMO A obstrução esofágica em bovinos possui casuística considerável devido ao hábito alimentar dessa espécie, o qual o animal ingere altas quantidades de alimentos em um curto espaço de tempo, além de ser uma espécie com com pouco hábito seletivo quanto ao aprisionamento de alimento. A obstrução parcial ou total do esôfago dos ruminantes geralmente ocorre por componentes alimentares, que são insuficientemente mastigados, resultando no comprometimento da deglutição e principalmente da eructação. As obstruções de esôfago ocorrem principalmente por a frutas como abacate, laranja, manga e os tubérculos como mandioca e batata. Tal comprometimento pode desencadear meteorismo ruminal de variados graus de intensidade e gravidade. A sintomatologia apresentada com maior intensidade é a sialorréia, devido o comprometimento da deglutição, levando a um decréscimo do rendimento do mesmo. As complicações encontradas frequentemente são lacerações e rupturas do esôfago, faringite, estreitamento e desenvolvimento de divertículo, além de fístulas esofágicas, contudo as resoluções dos casos depende de alguns fatores, como o tempo e tipo da obstrução, da natureza e da localização do corpo estranho. O tratamento da obstrução esofágica parte do princípio de que o corpo estranho deve ser retirado o mais rápido possível acarretando o menor dano ao animal, evitando assim problemas maiores como a pneumonia aspirativa. Tal procedimento preconizam situações individualizadas, contudo preconiza-se a retirada do corpo estranho pela boca, ou então por manobra cirúrgica com acesso ao rúmen e em último caso por esofagotomia. Esophageum obstruction in cattle has high casuistry due to the eating habits of this species, where the animal demands to ingest a larger amount of food in a short period of time, besides being a species with a low selective habit in its mouthful. The partial or complete obstruction of the esophagus of ruminants usually occurs by food components, which are poorly chewed, resulting in swallowing impairment and especially the eructation. The obstructions of esophagus happens mainly due to fruits such as avocado, orange, mango and tubers such as cassava and potato. Such commitment can lead to the occurrence of ruminal meteorism of different levels of intensity and gravity. The simptomatology represented with the most intensity is the sialorrhoea, due to the swallowing impairment, leading to a decrease of the same yield. The complications found frequently are lacerations and rupture of the esophagus, pharyngitis, narrow and development of diverticulum and fistulas of the esophagus, however the resolutions of the cases depend of some factors, such as time and type of obstruction, the nature and placement of the foreign body. The treatment of the esophageal obstruction starts of the principal that the foreign body must be withdrawn as fast as possible leading to minimal damages to the animal, avoiding major problems as aspiration pneumonia, due to regurgitation of ingested food. Such procedure depends on the situation of each case, therefore it is advocated the removal of the foreign body through the mouth, or by surgical manipulation with ruminal access and in last case esophagotomy. Keywords: foreign body, cattle, esophageal obstruction, drooling, intake of fruits. Palavras-chave: corpo estranho, bovinos, obstrução esofágica, sialorréia, ingestão de frutas REFERÊNCIAS Barbosa JD, Oliveira CMC, Tokarnia CH, et al. 2003. Comparação da sensibilidade de bovinos e búfalos à intoxicação por Palicourea marcgravii (Rubiaceae). Pesquisa Veterinária Brasileira. 23(4):167-172. Gomez DE, Cribb NC, Arroyo LG, et al. 2014. Endoscopic removal of esophageal and ruminal foreign bodies in 5 Holstein calves. The Canadian Veterinary Journal. 55(10): 965-969. Borges JRJ, Moscardini ARC. 2007. Timpanismo Gasoso. In.: Riet-Correia F, Schild AL, Lemos RAA, Borges JR. Doenças de ruminantes e equídeos. Pallotti, Santa Maria, p. 336-343. Guard C. 2006. 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