ACIDENTES COM ESCORPIÕES NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ENTRE 2007 E 2014* GUSTAVO FLEURY SÓCRATES GOMES PINTO, ANITA DE MOURA PESSOA, NELSON JORGE DA SILVA JR Resumo: os escorpiões têm se adaptado facilmente ao ambiente urbano, elevando assim o índice de acidentes nas capitais. As variáveis analisadas foram coletadas a partir do Sistema de Informações de Agravos Notificados. A ocorrência de acidentes na maioria com mulheres e o aparecimento de ocorrência com crianças reforçam a domiciliação desses acidentes. Palavras-chave: Escorpionismo. Ambiente urbano. Regiões brasileiras estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. T odas as espécies de escorpiões consideradas perigosas para o homem pertencem à família dos Buthidae, sendo essa, a mais importante, tanto em número de gêneros como de espécies. Contudo, apenas 25 espécies são consideradas capazes de provocar acidentes graves ou fatais (FUNASA, 2001; LOURENÇO, 2002). Os escorpiões pertencentes ao gênero Tityus são os de maior preocupação nos acidentes com humanos. No Brasil, três espécies do gênero Tityus têm sido responsabilizadas por acidentes humanos: T. serrulatus (escorpião -amarelo), T. bahiensis (escorpião-marrom) e T. stigmurus (escorpião do nordeste), entretanto a espécie T. serrulatus é a principal associada ao envenenamento e a periculosidade (CUPO et al., 2003; CAMPOLINA, 2006, RECKZIEGEL, 2013). Os escorpiões se adaptam com facilidade em ambientes quentes e úmidos onde há alimentação farta, e as zonas urbanas onde o crescimento acelerado e desorganizado resulta no acúmulo de lixo tornando o ambiente favorável, além de que a reprodução de alguns espécies ocorre por partenogênese, são fatores que facilitam a proliferação desses animais (CAMPOLINA, 2006; SILVA et al., 2013). 539 O mecanismo de ação do veneno está principalmente relacionado a alterações nos canais de sódio, despolarizando as terminações nervosas pós-ganglionares e desencadeando a liberação de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina de forma sistêmica, e por esse motivo as manifestações clinicas são muito variáveis (CUPO et al., 2003; CAMPOLINA, 2006; GUERRA et al., 2008). Para fins de orientações quanto a realização ou não de soroterapia, o escorpionismo humano pode ser classificado como leve, moderado e grave de acordo com os sinais e sintomas que o paciente vir apresentar. Dor local é um sintoma que aparece rapidamente após a picada, sendo o que leva o paciente a procurar atendimento médico, muitas vezes dentro da primeira hora. As manifestações sistêmicas também aparecem precocemente, cerca de duas ou três horas após o acidente, definindo assim a sua gravidade (CUPO et al., 2009). Para o tratamento sintomático, recomenda-se combater a dor local com o uso de anestésicos, ou sob a forma de bloqueio, podendo utilizar também, analgésicos oral ou parenteral, dependendo da intensidade da dor. Já o soro antiescorpiônico é indicado em todos os casos graves. Para os moderados, a conduta preconizada é que seja administrado apenas em crianças abaixo de sete anos, por se tratar de um grupo de risco (CUPO et al., 2009). O escorpionismo no Brasil tem se mostrado como o acidente por animal peçonhento de maior crescimento, com elevados índices de letalidade em crianças e idosos, acometendo em sua maioria, indivíduos em faixa etária economicamente ativa. As taxas anuais de incidência e mortalidade, para cada 100 mil habitantes, são de 17,7 e 0,028, respectivamente; sendo de 0,16% a taxa média anual de letalidade (RECKZIEGEL, 2013). Diante do exposto, esse estudo tem por objetivo apresentar o perfil epidemiológico do escorpionismo em ambiente urbano através da análise de dados disponíveis no Sistema de Informações de agravos Notificados (SINAN). Para a realização do estudo, utilizou-se os dados disponíveis na base de dados eletrônica do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde (MS) correspondente aos anos de 2007 a 2014, atualizados até 17 de Abril de 2015. Foram abordadas variáveis como sexo e faixa etária dos acidentados, capital de ocorrência, classificação de gravidade e evolução do quadro clinico. Os dados demográficos da área de abrangência foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de sua base de dados eletrônica. Os indicadores de saúde (Incidência e Letalidade) foram calculados de acordo com as orientações da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2010). Para a tabulação e análise dos dados foi utilizado o Microsoft Excel 2013, e para apresentação dos resultados, dados brutos, mapa (elaborado para esse trabalho) e medidas simples de frequência. RESULTADOS E DISCUSSÃO 540 No período analisado foram registrados 86.011 acidentes com escorpiões nas capitais brasileiras, infelizmente esse número mostra uma variação para mais ou menos de acordo com a variável pesquisada. estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. METODOLOGIA estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. Em 2007 ocorreu um total de 7.601 casos e em 2014 esse número sobe para 13.577, com um pico de 14.808 em 2013. A taxa de aumento foi em torno de 178%. Do total, 82,97% ocorreram nas capitais da região Nordeste, com prevalência em Maceió, Recife, Natal, Fortaleza e João Pessoa, representando 78,92% do total geral e 95,13% na região (Figura 1, Tabela 1). As capitais da região Centro-Oeste notificaram 6.531 (7,59%) casos de acidentes com escorpião, sendo os municípios de Brasília, Campo Grande, Cuiabá e Goiânia responsáveis por 72,24% dos acidentes na região (Figura 1, Tabela 1). Nas capitais da região Sudeste o total de notificações foi de 5.701 totalizando 6,62% do total. Nesta região Belo horizonte foi a capital com maior índice, representando 86,23% do total de notificações (Figura 1, Tabela 1). As regiões Norte e Sul representaram os menores índices de registros, com apenas 2,78% e 0,04% respectivamente. Dentre elas, a cidade de Palmas obteve o maior número, correspondendo a 33,12% dos acidentes na região Norte (Figura 1, Tabela 1). Figura 1: Acidentes com escorpiões nas capitais brasileiras (período de 2007 a 2014) – Mapa: Pacheco, 541 Capitais 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Total % Aracaju 107 144 200 419 476 448 552 433 2.779 3,23 Belém 20 16 21 16 23 29 14 5 144 0,17 Belo Horizonte 210 453 637 809 713 625 726 743 4.916 5,72 Boa Vista 28 30 26 30 24 56 43 37 274 0,32 Brasília 124 174 211 285 360 431 492 506 2.583 3,00 Campo Grande 44 122 109 147 353 593 395 372 2.135 2,48 Cuiabá 36 82 129 165 182 141 150 93 978 1,14 Curitiba 3 3 1 5 2 1 7 1 23 0,03 Florianópolis 1 0 2 2 1 3 1 0 10 0,01 Fortaleza 442 257 423 706 1.849 1.862 2.494 1.331 9.364 10,89 Goiânia 98 122 109 112 80 110 115 89 835 0,97 João Pessoa 383 483 494 999 1.348 1.614 1.559 1.204 8.084 9,40 Macapá 29 20 39 45 45 56 33 46 313 0,36 2.600 3.065 3.580 4.293 21.520 25,02 17 62 109 129 449 0,52 2.019 2.170 2.162 2.357 14.267 16,59 Maceió 2.067 2.022 1.862 2.031 Manaus 3 Natal 87 10 1.004 1.065 1.712 1.778 Palmas 39 69 118 89 96 106 143 130 790 0,92 Porto Alegre 0 0 0 0 0 0 2 0 2 0,00 Porto Velho 1 5 6 6 2 12 18 13 63 0,07 1.545 1.497 1.823 1.510 14.651 17,03 Recife 542 32 2.862 1.899 1.640 1.875 Rio Branco 26 24 37 34 36 64 68 63 352 0,41 Rio de Janeiro 4 6 6 5 4 8 11 6 50 0,06 Salvador 1 0 72 79 75 75 57 27 386 0,45 São Luiz 0 1 0 0 1 0 3 1 6 0,01 São Paulo 63 56 64 76 76 134 129 114 712 0,83 Teresina 3 1 2 4 21 79 120 72 302 0,35 Vitória 3 3 5 7 1 0 2 2 23 0,03 Total 7.601 7.089 8.012 9.734 11.949 13.241 14.808 13.577 86.011 100,00 estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. Tabela 1: Acidentes com escorpiões nas capitais brasileiras (período de 2007 a 2014) Para maioria dos casos (94,94%), o quadro clinico foi considerado de intensidade leve, apenas 2,60% como moderados e 0,35% como graves. O tratamento se mostrou satisfatório, haja vista que 96,78% evoluíram para cura. Com relação a incidência, as capitais Rio Branco, Boa Vista, Macapá, Goiânia, Teresina e Manaus obtiveram as maiores taxas. No que se diz respeito aos óbitos, as regiões Nordeste e Centro-Oeste obtiveram a maior quantidade de registros, entretanto, a capital Porto Velho demonstrou alta taxa de letalidade (1,59 mortes para cada 100 habitantes). A média de letalidade é de 0,27 para o período (Tabela 2). Tabela 2: Indicadores de incidência e letalidade Região Sul Sudeste estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. Norte Nordeste Centro-Oeste Capitais População (2014) Registros Incidência Óbitos Letalidade Curitiba 1.864.416 23 1,24 - - Florianópolis 461.524 10 2,16 - - Porto Alegre 1.472.482 2 0,13 - - Belo Horizonte 2.491.109 4.916 0,19 3 0,06 São Paulo 11.895.893 712 5,98 - - Rio de Janeiro 6.453.682 50 0,77 - - Vitória 352.104 23 6,53 - - Palmas 265.409 790 0,29 - - Manaus 2.020.301 449 22,22 - - Rio Branco 363.928 352 96,72 - - Macapá 446.757 313 70,06 - - Boa Vista 314.900 274 87,01 - - Belém 1.432.844 144 10,04 - - Porto Velho 494.013 63 12,75 1 1,59 Maceió 1.005.319 21.520 2,14 1 0,00 Recife 1.608.488 14.651 0,91 5 0,03 Natal 862.044 14.267 1,65 4 0,03 Fortaleza 2.571.896 9.364 0,36 4 0,04 João Pessoa 780.738 8.084 1,03 1 0,01 Aracaju 623.766 2.779 0,44 2 0,07 Salvador 2.902.927 386 13,29 - - Teresina 840.600 302 35,92 3 0,99 São Luiz 1.064.197 6 0,56 - - Brasília 2.852.372 2.583 0,09 1 0,04 Campo Grande 843.120 2.135 0,25 2 0,09 Cuiabá 575.480 978 0,16 3 0,31 Goiânia 1.412.364 835 59,12 - - Total - 86.011 - 31 - 543 Em relação ao sexo, foram notificados 86.092 casos, e o sexo feminino representou 60,31% do total. Quanto a faixa etária, os intervalos mais expressivos foram de 20 a 39 anos, com 34,61%, e entre 40 a 59 anos, com 24,90%. Outro fato importante é a ocorrência de número significativo de acidentes nas faixas entre um e nove anos, com 12,04%, e nos idosos (acima de 60 anos), com 12%. Mesmo representando apenas 0,1% da população estudada, crianças menores de um ano estiveram presentes na amostra (Figura 2). 544 O estudo mostra que os acidentes com escorpiões nas capitais têm aumentado significativamente nos últimos anos, sugerindo que eles têm se adaptado cada vez mais ao ambiente urbano, o que torna esse, um problema de saúde pública. Observa-se que a distribuição geográfica dos acidentes por escorpiões é bastante peculiar, e pode estar influenciada pela urbanização e densidade demográfica. Trabalho realizado (SILVA et al., 2013), foram analisadas as fichas de notificação, obtendo informações quanto ao quadro clinico, mostram que os sintomas mais prevalentes são dor local, edema, hiperemia e parestesia, podendo estar associados ou não, sendo necessário apenas tratamento sintomático local, o alto índice de acidentes caracterizados como de intensidade leve encontrados nesse estudo. Em alguns casos manifestações sistêmicas podem ocorrer, e sintomas vagais como diarreia, náuseas e vômitos são os mais relatados, além de cefaleia e sudorese, sintomas esses que podem ser justificados pela liberação de acetilcolina causando aumento das secreções do pâncreas e de mucosa gástrica, e o atendimento precoce e a administração do soro especifico garantem a eficácia do tratamento. Casos de complicações não são comuns (CAMPOLINA, 2006; GUERRA et al., 2008; BRASIL, 2009; SILVA et al., 2013). A eficácia do tratamento pode ser comprovada através do baixo índice letalidade, que no geral ficou em torno de 0,3 mortes/100 habitantes. estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. Figura 2: Faixa etária dos acidentados no período de 2007 a 2014 nas capitais brasileiras A prevalência dos casos para o sexo feminino retrata a característica urbana do escorpionismo nas capitais, o que corrobora com outros resultados (CAMPOLINA, 2006; GUERRA et al., 2008). Porém diverge dos dados encontrados no estado do Pará onde foi observada prevalência no sexo masculino em 50,8% (MAESTRI-NETO et al., 2008) e em Belo Horizonte com 55,2% (SOARES et al., 2002), sendo citado também pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2009). Essa mínima diferença na proporção do acidente com indivíduos do sexo feminino e masculino, pode estar relacionada com o tempo de exposição o ambiente domiciliar ou até mesmo no ato de vestir ou calçar. No que se diz respeito a faixa etária um fator importante é a ocorrência com crianças e idosos, esses dois grupos são mais susceptíveis a toxicidade do veneno, levando a complicações e em consequência ao óbito, por isso é grande importância do tratamento precoce dos sintomas aliado ao uso do soro antiescorpiônico (CAMPOLINA, 2006; CUPO et al., 2009). CONCLUSÃO Fica evidente que os casos de escorpionismo no Brasil possuem uma forte tendência ao espaço urbano. Esse aspecto reforça a ideia da domiciliação de espécies com uma estratégia reprodutiva melhor (partenogênese) e de serem também as espécies com maior toxicidade de veneno, bem como a associação desses com o acúmulo de lixo e entulhos nas grandes cidades. Embora seja considerado como de gravidade leve é um tipo de acidente que deve ser melhor revisto já que ainda há óbitos. Por fim, o Sistema de Notificação ainda pode ser considerado falho devido à falta de informações quanto a clínica dos casos, mesmo que geral, e a discrepância de casos de acordo com as variáveis. estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. ACCIDENTS WITH SCORPIONS IN THE BRAZILIAN CAPITAL CITIES BETWEEN 2007 AND 2014 Abstract: scorpions are becoming easily adaptable to urban environments increasing the accident rate in the capitals cities. The analyzed variables were collected through the System of Information of Notified Cases. The majority of occurrence of cases in women and children reinforce the case of household accidents. Keywords: Scorpionism. Urban environment. Brazilian regions. Referências BRASIL. Manual de controle de escorpiões. Ministério da Saúde. Brasília, DF. 2009. CAMPOLINA, D. Georreferenciamento e estudo clínico-epidemiológico dos acidentes escorpiônicos atendidos em Belo Horizonte no serviço de toxicologia de Minas Gerais. 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E-mail: [email protected]. estudos, Goiânia, v. 42, n. 4, p. 539-546, out/dez. 2015. * Recebido em: 01.06.2015. Aprovado em: 30.08.2015.