Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Fotossensibilidade A sensibilidade exagerada da pele à luz do sol é característica de vários distúrbios neurocutâneos de etiologia difusa: duas doenças auto-imunes, o lúpus eritematoso sistêmico e a dermatomiosite; deficiência nutricional de niacina; bem como vários distúrbios hereditários do metabolismo intermediário ou do reparo de DNA. Lúpus eritematoso sistêmico O lúpus eritematoso sistêmico é um distúrbio inflamatório multissistêmico crônico recidivante e remitente que se pensa resultar do comprometimento do controle da auto-imunidade. A genética do lúpus é complexa, sendo a suscetibilidade associada a certos alelos HLA classe II; a homo-zigocidade para deficiência de vários genes do complemento, bem como um locus de suscetibilidade demonstrado, porém não caracterizado no cromossomo 1. A fotos-sensibilidade é a manifestação cutânea mais comum do lúpus eritematoso sistêmico, geralmente demonstrada como rash malar. Menos freqüentemente, há rash discóide e ulceração oral. As complicações neurológicas são freqüentes e diversas no lúpus eritematoso sistêmico, afetando 70% daqueles com a doença. Os eventos predominam no SNC. Isto pode ser devido, em parte, a um artefato de definição de doença. Psicose e crises convulsivas são, cada entidade, elementos do esquema de diagnóstico da American Rheumatological Association, enquanto polineuropatia e miosite, não. Encefalopatia difusa é manifestação freqüente, assim como a neuropatia óptica. A apresentação inicial de lúpus eritematoso sistêmico costuma ser uma psicose que se desenvolve meses antes de outros aspectos do distúrbio. Ocorrem AVCs de grandes e pequenos vasos, seja manifestação de vasculite, embolização por endo-cardite de Libman-Sachs ou secundária a uma coagulopatia. Pode haver síndrome antifosfolípide associada, descrita anteriormente. Neuropatia axonal distal, mononeurite múltipla, miopatia e miastenia gravis ocorrem menos freqüentemente. Dermatomiosite A dermatomiosite é um distúrbio característico no qual a miosite e a dermatite geralmente coexistem, porém ambas são suficientemente distintas para permitir o diagnóstico preciso na ausência da outra. A manifestação dermatológica característica é a fotossensibilidade. Além do característico rash em heliotrópio nas pálpebras, costuma desenvolver-se um rash eritematoso fotossensível sobre as áreas expostas ao sol: malar, o “xale” do pescoço e dos ombros e o “V” anterior exposto do tórax. Diferentemente do lúpus erite-matoso sistêmico, há tendência para o rash eczematoso localizarse nos nós dos dedos, maléolos e outras articulações. Em cerca de dois terços dos casos pediátricos, há também uma calcificação subcutânea. Também pode haver edema periorbitário e perioral e alopecia cicatricial. Algumas vezes, ocorre a fotossensibilidade cutânea característica na ausência de miosite. Contrariamente ao pensamento popular, a dermatomiosite não é “polimiosite com um rash”. Ambos os distúrbios são raros, com uma incidência anual combinada de 1/100.000 pessoas. Embora seja comum a ambas uma miopatia proximal subaguda ou insidiosa responsiva a esteróides, a dermatomiosite é distinta da polimiosite. Histologicamente, a dermatomiosite é uma vasculite com infiltrado perimisial e perivascular por linfócitos T CD4+ e linfócitos B, diferentemente do infiltrado endomisial por linfócitos T CD8+ e macrófagos, típico da polimiosite. Além disso, cada doença associa-se a um genótipo de HLA característico e a um espectro diferente de auto-anticorpos. Ambos os distúrbios podem fazer parte de uma sobreposição de distúrbios mistos do tecido conjuntivo, mas um aumento da freqüência de doenças malignas é característico da dermatomiosite, particularmente naquela de início na idade adulta. Entre o mais notável é o aumento de 16 a 32 vezes na taxa de câncer de ovário. Porfiria Distúrbios hereditários do metabolismo das porfirias são clinicamente divisíveis em dois tipos gerais: as porfirias cutâneas, a maioria das quais não tem envolvimento neurológico, e as porfirias hepáticas, a maioria das quais não tem envolvimento cutâneo. Os marcos das porfirias hepáticas são crises metabólicas com delirium, dor abdominal e, algumas vezes, neuropatia axonal, cuja rápida evolução pode simular clinicamente a síndrome de Guillain-Barré. Somente duas das porfirias exibem características cutâneas e neurológicas. A porfiria variegada (sulafricana) tipicamente resulta em fotossensibilidade severa com bolhas, cicatrizes, erosões e espessamento semelhante ao couro na pele exposta. Infreqüentemente, encontra-se fotossensibilidade com uma certa formação de vesículas na copro-porfiria. Em ambos distúrbios, as crises neurológicas são desencadeadas por ampla variedade de medicamentos, incluindo os barbitúricos, a carbamazepina, o ácido valpróico e os alcalóides do ergot. Pelagra e distúrbios neurocutâneos com rash semelhante A pelagra é um distúrbio neurocutâneo caracterizado por dermatite, demência e diarréia. Resulta da deficiência de niacina (uma vitamina B que pode ser sintetizada a partir de grandes quantidades de triptofano da dieta). Niacina e triptofano são pouco fornecidos no milho. O rash é caracteristicamente simétrico, hiperqueratótico, hiperpigmentado e descamativo nas áreas expostas ao sol. Ocorre um rash semelhante de maneira intermitente durante crises de encefalopatia metabólica em dois distúrbios autossômicos recessivos distintos: doença de Hartnup, distúrbio leve decorrente de alteração do transporte de triptofano e outros aminoácidos neutros, o qual afeta cerca de 1/14.000 pessoas com instabilidade emocional e ataxia intermitente e que ocasionalmente evolui para estupor e hidroxiquinureninúria, doença muito rara e severa do metabolismo do triptofano, na qual crises metabólicas esporádicas ficam superpostas a uma encefalopatia congênita com acentuada hipertonia e surdez. Um rash semelhante ao da pelagra pode ocorrer também na síndrome carcinóide, na qual o triptofano é catabolizado em taxas anormalmente altas. Xeroderma pigmentoso e outros distúrbios do reparo do dna O xeroderma pigmentoso é uma afecção rara que afeta cerca de 1/100.000 pessoas. No entanto, a conscientização proporcionada por esta e outras síndromes neurocutâneas autossômicas recessivas relacionadas torna seu valor heurístico maior do que sua freqüência. O marco do xeroderma pigmentoso é a extrema sensibilidade à luz do sol com progressiva atrofia da pele, pigmentação irregular, telangiectasias, queratoacantomas, queratose actínica e aumento do câncer de pele, incluindo melanoma, carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular. É geneticamente heterogêneo, como originalmente se suspeitava através de estudos de complementação do reparo do DNA com fibroblastos dos pacientes afetados. Os pacientes em alguns grupos de complementação, embora não em outros, têm degeneração progressiva do sistema nervoso: caracteristicamente ataxia espástica, muitas vezes associada a micro-cefalia, neuropatia periférica, demência, coreoatetose e surdez neurossensorial. Alguns destes pacientes tinham sido previamente descritos como tendo a síndrome de De SanctisCacchione, termo que ultrapassou sua utilidade, sendo melhor abandoná-lo. Uma forma de xeroderma pigmentoso (grupo de complementação G) é alélica com síndrome de Cockayne fenotipicamente diferente, caracterizada por uma tríade de senilidade precoce começando na idade de lactente, retinopatia em sal e pimenta com atrofia óptica e surdez neurossensorial, bem como dermatite fotossensível. Os déficits neurológicos na síndrome de Cockayne incluem demência, neuropatia periférica, bem como ataxia. A síndrome de Cockayne é, ela própria, geneticamente heterogênea. Outros grupos de complementação do xeroderma pigmentoso (B e D) são alélicos com tricotiodistrofia, uma síndrome com cabelos e unhas quebradiços, bem como pele ictiótica fotossensível e retardo mental. No entanto, a fotossensibilidade não é característica de todos os distúrbios neurocutâneos associados a defeitos do reparo do DNA. Na ataxia-telangiectasia, os achados cutâneos são limitados às telangiectasias oculocutâneas diagnósticas que aparecem depois do desenvolvimento de apraxia oculomotora e ataxia. Neurodegeneração progressiva severa leva a coreoatetose e neuropatia periférica. A neurodegeneração ocorre somente em homozigotos por mutações no gene ATM no cromossomo 11q22.3, o qual codifica uma proteinoquinase de ligação ao DNA. Tanto os heterozigotos quanto os homozigotos para mutações ATM são incomumente sensíveis à radiação ionizante, problema clinicamente relevante, dada a alta incidência de linfoma em homozigotos e de câncer de mama em heterozigotas.