Rev. Elet. Gestão e Serviços V.6, n.1, Jan./Jun. 2015 ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE A sociologia de Max Weber sobre A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e a contextualização às denominações evangélicas pentecostais no Brasil The Weber sociology on the The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism and the background to the pentecostal evangelical denominations in Brazil Johnson Lins Rocha Barbosa1 A sociologia de Max Weber preconizou o modelo dos estudos sociais da Modernidade. Usufruindo o cenário econômico e social da Alemanha, definiu parâmetros científicos para elaborar uma de suas obras mais importantes, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, baseando-se na influência ética e moral do protestantismo calvinista e no denominado “espírito do capitalismo” europeu ocidental: o âmago de um sistema econômico promissor regulado pelo Estado – regrado ao trabalho profissional e metódico em um estado de políticas burocráticas. Numa perspectiva analítica observam-se as impossibilidades desse modelo ao povo latinoamericano, considerando-se o histórico do protestantismo avivalista nos Estados Unidos, a introdução do protestantismo reformado no Brasil do século XIX, e a posterior introdução do pentecostalismo no século XX pelas missões estrangeiras, abordando as realidades locais, e as questões históricas e socioeconômicas em busca das causas da ineficácia do protestantismo reformado e da ética protestante segundo a sociologia weberiana. The sociology of Max Weber advocated the model of social studies of Modernity. Germany's economic and social setting enjoying scientific parameters set to produce one of his most important works, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, based on the ethical and moral influence of Calvinist Protestantism and the so-called "spirit of capitalism" European West: the core of a promising economic system regulated by the State – ruled the professional and methodical work in a state of bureaucratic politics. An analytical perspective can observe the impossibilities of this model to the latin american people, considering the history of the revivalist protestantism in the United States, the introduction of the reformed protestantism in the century Brazil XIX, and the subsequent introduction of pentecostalism in the century XX by foreign missions, addressing local realities, and the historical and socio-economic issues in search of the cause of the inefficiency of the reformed protestantism and the protestant ethic according to the weberian sociology. Palavras-chave: Protestantismo. Key-Words: Max Weber. Sociology. Protestantism. Max Weber. Sociologia. 1 Bacharelando em Teologia. Tecnólogo em Gestão Pública. Empregado Público da Companhia do Metropolitano de São Paulo - METRÔ. Exerce Ministério Eclesiástico na Igreja Evangélica Assembleia de Deus em São Paulo. Diretor de Evangelismo da União dos Evangélicos Metroviários do Estado de São Paulo - UEMESP. E-mail: [email protected] Artigo recebido em: 28 de Dezembro de 2014. Artigo aceito em 26 de Maio de 2015 Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] 1100 Abstract Página Resumo BARBOSA Introdução O sociólogo Max Weber foi uma das grandes personalidades da era moderna. Escritor de vários livros e dotado de alto saber, “o economista” – como gostava de ser conhecido – se destacou como realizador das mais importantes obras de seu tempo. A mais influente dele, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é certamente o ponto de confluência entre uma sociedade alemã originária no movimento da Reforma Protestante e uma economia moderna sustentada pela burguesia capitalista. Outros fatores, como animosidades políticas, conflitos ideológicos e religiosos, e o surgimento do liberalismo também fizeram parte do panorama ocidental da época. Em meio a essa evolução social marcada pela consolidação das nações, a industrialização e a nova formação dos povos, surgiram personagens clássicos do pensamento social – a nova ciência denominada Sociologia. Foram os principais nomes em ordem cronológica: Auguste Comte (1798-1857) – filósofo francês e fundador da Sociologia, sob a teoria da física social e o positivismo; Karl Marx (1818-1883) – filósofo alemão de origem judaica que gerou a chamada sociologia marxista, preconizando a “revolução russa”; Émile Durkheim (1858-1917) – sociólogo francês e rabino judeu, definiu o “fato social”, que se referia a “vida social” como essencialmente moral; e Max Weber (1864-1920) – filósofo, especialista em economia, historiador e teólogo, de origem alemã e protestante, fundador da Sociologia Moderna. Esses observadores sociais estruturaram a ciência que estuda o homem em sociedade e deram bases consistentes para se analisar o presente de modo empírico. Mas, é relevante observar a interpretação correta da obra de Max Weber. Ao contrário do que muitos imaginam, não se propôs a explicar o capitalismo moderno ou mesmo sua relação contígua com o cristianismo reformado dos protestantes alemães, e sim o modelo da ética adotada com base em uma educação cristã calvinista que mas o considera nobre sob a perspectiva do cristianismo da modernidade e o pacto da racionalidade, sem demonizar o lucro. Em suas afirmações foi possível verificar esse conceito e a função do que denomina como “empresa”: Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página Alemanha moderna. Portanto, não faz uma defesa do capitalismo como algo excelente, 1101 corroborou um espírito de trabalho metódico no sistema da economia capitalista da BARBOSA A ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo, e menos ainda com seu “espírito”. O capitalismo pode eventualmente se identificar com a restrição, ou pelo menos com uma moderação racional desse impulso irracional. O capitalismo, porém, identificase com a busca do lucro, de lucro sempre renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional. Pois assim deve ser: numa ordem completamente capitalista da sociedade, uma empresa individual que não tirasse vantagem das oportunidades de obter lucros estaria condenada à extinção. (WEBER, 1981, p. 5) Observa-se a intenção de Weber em apresentar a racionalização do processo na aquisição de capital, e não a ênfase no lucro exacerbado de forma irracional. Então, definiu alguns conceitos, como o da “[...] ação econômica capitalista aquela que repousa na expectativa de lucros pela utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades (formalmente) pacíficas de lucro” (WEBER, 1981, p. 5). Um conceito bem atrelado à racionalidade, que se completava com outra ideia: “Quando a transação é racional, o cálculo é a base de toda ação individual dos parceiros” (WEBER, 1981, p. 6); no qual o indivíduo é também responsável pelo resultado, e não somente a empresa (o capitalista). Afirmou que isso não é exclusividade local, já que em outras regiões o lucro também é cultivado pelas empresas e capitalistas: “[...] na China, na Índia, na Babilônia, no Egito, na Antiguidade Mediterrânea e na Idade Média tanto quanto nos tempos modernos” (WEBER, 1981, p. 5). Entretanto, destacou o aperfeiçoamento do sistema de comércio ocidental, diferenciando-se pela capacidade de novos negócios e transações internacionais, com um pujante sistema monetário e uma política econômica que influenciava o resultado das ações de governos (observando que as ações negativas desse novel modelo também foram eventualmente praticadas na Grécia, na Roma, na Índia, na China e na Babilônia). A abordagem de Weber sobre o trabalho racional encontrou pretextos contra o modelo do outrora feudalismo, ostentando a prática diferenciada do escravismo ocidental (no ambiente de trabalho geralmente rural) e a perspectiva da industrialização, se baseado no trabalho livre” (WEBER, 1981, p. 7). Continua com colocações sobre o socialismo e o comunismo aplicado em algumas sociedades, porém distingue que “embora tenha havido em toda parte privilégios de mercado urbano, companhias, corporações e toda sorte de diferenças legais entre a cidade e o campo, o conceito de cidadão e o de burguesia não existiram fora do moderno Ocidente” (WEBER, 1981, p. 8). Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página evidente quando afirmou que “O cálculo exato, base para as demais coisas, só é possível 1102 confrontando as facetas da Idade Média com a modernidade de sua época. Isso ficou BARBOSA Outra questão iminente foi o papel do Estado definido por Weber. Esse fator apareceu na obra de forma funcional, ou seja, não o distinguiu inicialmente, mas descreveu funções que lhe são inerentes. Entre os fatores de importância incontestável estão as estruturas racionais das leis e da administração, pois que o moderno capitalismo racional não necessita apenas dos meios técnicos de produção, mas também de um sistema legal calculável e de uma administração baseada em termos de regras formais. [...] Tais tipos de sistemas legais e de administração, num grau relativo de perfeição legal e formal, têm sido disponíveis para a atividade econômica apenas no Ocidente. (WEBER, 1981, p. 9) A busca por uma melhora dos processos de administração pública e das leis sugeria que o Estado/governo fosse eficiente e possuísse alto grau técnico. Convinha-se que o capitalismo moderno seria eficiente porque as regras estabelecidas por um administrador governamental possibilitariam a operação metódica do processo. Portanto, toda articulação da economia estaria prevista para determinado objetivo que deveria ser previsível. A burocracia foi uma imposição desse processo, pois ela definiria o funcionamento racional do Estado de forma objetiva e condicionada. Houve cautela na realização do estudo para que se relatassem outras nações envolvidas no processo, e que sugeriu comparações, considerando as questões religiosas, econômicas e políticas. Entretanto, assumiu que foi incapaz de descrever com precisão os problemas concernentes a sociedades como Índia e China e deixou claro que sua preocupação maior foi desvendar a problemática da sociedade ocidental europeia, na qual as comparações e os pontos exclusivos de sociedades diferentes possibilitariam ampliar a visão sobre o assunto. Weber possuía uma perspicaz sensibilidade científica e afirmou: “Deve ser uma das primeiras tarefas da investigação sociológica e histórica analisar todas as influências e relações causais que possam ser explicadas satisfatoriamente em termos de reações ao meio ambiente” (WEBER, 1981, p. 11). Para se compreender melhor a sociologia de Weber, é preciso passar por toda a ascetismo laico: o Calvinismo, o Pietismo, o Metodismo, as Seitas Batistas; e Ascetismo e o Espírito do Capitalismo. Esses fatos analisados quanto a sua formação histórica e teológica auxiliam o leitor a obter uma visão ampla sobre o resultado e a se introduzir no lema de sua proposta. Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página espírito do capitalismo; A concepção de vocação de Lutero; Fundamento religioso do 1103 obra dele, que foi subdividida nos temas: Filiação religiosa e estratificação social; O BARBOSA 1 – Justificativa 1.1 – A importância da sociologia weberiana A importância de se estudarem aspectos da sociologia de Max Weber está no fato de possibilitar a compreensão de sua influência na sociedade sul-americana, observandose os diversos posicionamentos teológicos e o comportamento ético-moral identificado nas denominações cristãs latino-americanas com raízes nas missões europeias e norteamericanas entre os séculos XIX e XX. Reconhecer a visão sociológica de Weber requer um olhar sobre os fatores políticos e econômicos da sociedade, no caso específico o Brasil, pontuando-se acontecimentos históricos e geográficos e condicionantes teórico-religiosas. De acordo com Cipriani: O que permanece definido, em todo caso, é a intenção de Weber: o agir religioso coletivo, isto é, em comunidade, e a referência a potências sobrenaturais. [...] Portanto, coletando a definição que os indivíduos sociais apresentam de sua religião, é possível assumir um ponto de vista empiricamente fundado, evitando recorrer aos pressupostos desviantes do próprio pesquisador. (CIPRIANI, 2007, p. 9) Promover o debate parece ter sido uma das motivações para o sociólogo da modernidade, o que nos leva ao olhar mais crítico e menos romântico sobre os fatos analisados. Quanto ao contexto “evangélico” pós-moderno, verifica-se que os fundamentos teológicos, éticos e morais e o fenômeno social das nações cristãs dissidentes das missões modernas são de suma importância ao objeto de estudo. 2 – Metodologia de um cientista moderno comparado a uma questão pós-moderna. O campo de atuação teve o lastro do protestantismo moderno e as possíveis repercussões posteriores – aos novos movimentos, de modo a influenciar, ou não, as realidades sociais hodiernas. O maior desafio surgiu à compreensão do argumento/objetivo do autor principal – o sociólogo Max Weber –, levando a leitura completa de sua obra relacionada ao tema e Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página um plano sociológico a uma realidade atual; que no tema específico abordou uma teoria 1104 A elaboração desta pesquisa partiu de uma proposta temática que convergisse de BARBOSA observando os pontos de interesse específicos. Paralelamente, foi necessário conhecer outros autores que o estudaram para esclarecer argumentos complexos. Também buscouse o pano de fundo histórico e socioeconômico, e aspectos ideológicos que contribuíram à formação da sociologia moderna. A conclusão da pesquisa corroborou a compreensão de todas as temáticas estudadas, levando o leitor a uma visão geral dos eventos e pontual quanto a questões sociológicas, intervindo-se sem desmerecer o trabalho dos autores, mas com independência crítica sobre os resultados observados. 3 – Argumentação 3.1 – O movimento pentecostal A Reforma Protestante foi um dos fatos históricos mais importantes para a cristandade. Seu acontecimento corroborou o fim da Idade Média e o início da Modernidade. Esse evento esteve relacionado a outros fatores histórico-geográficos e ideológicos, como o Iluminismo, o Humanismo e o Renascentismo, e também gerou outros eventos posteriores que deram início a um ciclo de mudanças para a humanidade. No ambiente religioso o Puritanismo foi uma das vertentes cristãs remanescente. Iniciado em 1620 na Nova Inglaterra foi provavelmente o primeiro movimento de intensa busca pela experiência religiosa. Sendo essa região o berço dos Estados Unidos, influenciou os movimentos de efervescência avivalista norte-americanos. Mas, a prosperidade econômica e o secularismo combinado com o avanço da experiência científica deram causa à decadência espiritual naquele momento, provocando um clamor por um reavivamento. Posteriormente, outros grupos surgiram além dos calvinistas puritanos, como presbiterianos, escocês-irlandeses e reformados na Europa Ocidental. Grande Despertamento. No entanto, houve resistência por parte de pastores congregacionais à nova modalidade cristã, considerada excessiva de emocionalismo e de inconveniente metodologia (MATOS, 2001). O Segundo Grande Despertamento aconteceu logo após a independência dos Estados Unidos, envolvendo, além de presbiterianos e congregacionais, também Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página como John Wesley e Charles Wesley, por exemplo, e ficou conhecido como o Primeiro 1105 Mas o ápice ocorreu no século XVIII, marcado por pregadores fervorosos, por homens BARBOSA metodistas e batistas. É importante ressaltar as diferenças geográfica e social, que segundo Matos (2001) “enquanto que o primeiro despertamento ocorreu em áreas urbanas próximas ao litoral, o segundo irrompeu na chamada ‘fronteira’, a região rural do meiooeste com sua população móvel e sua instável organização social”. No aspecto teológico houve a mudança de uma visão calvinista (sobre a soberania de Deus) para o arminianismo (com a concepção da livre escolha humana) (MATOS, 2001). O limiar do século XX foi marcado pelos “acampamentos avivalísticos” – “camp meeting”, caracterizados pelas grandes concentrações em zonas rurais em que multidões hospedavam-se em tendas e assistiam a uma série de pregadores avivalistas durante vários dias (The Editors of Encyclopedia Britannica, 2013). As experiências vividas foram das mais estranhas e miraculosas, porém muito impactantes naquelas populações. Além do notável crescimento das igrejas, um dos frutos mais valiosos e duradouros do Segundo Grande Despertamento foi o surgimento de um grande número de movimentos de natureza religiosa e social, as “sociedades voluntárias”. Essas organizações estavam voltadas para causas como educação religiosa, abolicionismo, temperança, distribuição das Escrituras e, acima de tudo, missões nacionais e estrangeiras. (MATOS, 2001) A partir daquele instante, foram realizados movimentos missionários que conseguiram levar o cristianismo “evangélico e reavivado” a outras regiões, chegando até mesmo fora das fronteiras, como ao Brasil no século XIX. A princípio, isso foi alcançado pelos anglicanos, congregacionais, luteranos, presbiterianos, metodistas e batistas. As denominações cristãs evangélicas pentecostais nasceram na América do Norte no início do século XX a partir do movimento avivalista acontecido na Rua Azusa, cidade de Los Angeles, localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Esse fenômeno similar a uma renovação doutrinária foi liderado pelo Rev. William Joseph Seymour, um homem negro, deficiente visual e filho de católicos escravos. Converteu-se na Igreja Batista e posteriormente tornou-se membro da Igreja Metodista Episcopal. Estudou sobre a teologia pentecostal (com ênfase em glossolalia – “o falar em outras que as primeiras manifestações de glossolalia foram no ano de 1900 nos EUA) (MATOS, 2001). Seymour havia se tornado um pregador holiness, e em Los Angeles obteve seus primeiros seguidores “batizados no Espírito Santo” em 1906. Cabe destacar que crentes negros antecederam aos brancos no movimento, mas Seymour conseguiu misturar várias Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página teológico de Charles Fox Parham, do “movimento da santidade” – holiness (registra-se 1106 línguas através do Espírito”; o “dom de línguas”) na parte de fora da sala de aula do curso BARBOSA etnias em sua recém-inaugurada igreja na Rua Azusa – na chamada Missão da Fé Apostólica. Outro detalhe foi a participação das mulheres, muito importantes para tal movimento e até mesmo atuantes na direção dos cultos da igreja. A imprensa local tentou ridicularizar o movimento realizado pelo pregador, mas acabou contribuindo com a propagação por todos os Estados Unidos e provocou um rápido crescimento das visitas de curiosos, que em seguida se convertiam, e de crentes em busca de novidades (MATOS, 2001). Com o tempo a questão racial foi acirrada na igreja de Seymour, e ele, junto à comunidade negra, tomou a liderança, o que provocou a primeira cisão. O movimento ficou muito relacionado a uma suposta providência de Deus para causa da segregação racial americana e destoou do primeiro objetivo – o “avivamento espiritual”. Da mesma maneira, uma associação branca ligada à Igreja de Deus em Cristo formou as Assembleias de Deus como uma denominação predominantemente branca em 1914 (Hot Springs, Arkansas). Em 1924, a maior parte das igrejas brancas de outra denominação mista, as Assembleias Pentecostais do Mundo, se retiraram para criar uma denominação branca, que mais tarde veio a ter o nome de Igreja Pentecostal Unida (Missouri). Os pentecostais hispanos, muito numerosos, também se organizaram separadamente. (MATOS, 2001) Entretanto, o resultado positivo foi a mobilização de missionários pelo mundo, propagando a doutrina do “Batismo no Espírito Santo” e convencionando o surgimento da doutrina “carismática” no catolicismo. A perspectiva é de que após um século os adeptos chegam a meio bilhão de pessoas em todo o mundo (MATOS, 2001). Na América Latina e no Brasil, as primeiras igrejas pentecostais são de 1909 no Chile, e de 1910 no Brasil, e são dissidentes do fervor missionário do século XX. Sua implantação em terras sul-americanas trouxe novos olhares para o cristianismo moderno, provocando rupturas com a “teologia histórica” e o aprimoramento das relações políticas, A chegada dos missionários no Brasil provenientes do reavivamento da Rua Azusa ocorreu em 1910. O italiano Luigi Francescon imigrou pelo sul e se estabeleceu no Sudeste, e os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren desembarcaram na Região Norte. Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página 3.2 – A igreja pentecostal brasileira 1107 econômicas e sociais dos povos sul-americanos. BARBOSA Ambos partiram de Chicago por intermédio do ministério de William H. Durham (18731912), fundador da Missão da Avenida Norte (North Avenue Mission) em 1907 (MATOS, 2001). O movimento pentecostal no Brasil cresceu lentamente durante os primeiros 30 anos, mas a partir da década de 1950 aumentou surpreendentemente. Segundo historiadores, a Assembleia de Deus chegava a aproximadamente 500 mil membros em 1960, o maior crescimento registrado na história por uma única denominação evangélica em tão pouco tempo no mundo. São muitas as razões da expansão pentecostal na América Latina: as vicissitudes históricas da obra evangelística e pastoral católica, o limitado trabalho das denominações protestantes, o misticismo das culturas iberoamericanas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais. (MATOS, 2001) Deve-se considerar o trabalho já dantes realizado pelas denominações protestantes: anglicanas, luteranas, metodistas, presbiteranas, episcopais, congregacionais e batistas. Elas, porém, não conseguiram desenvolver um projeto de evangelização capaz de adentrar as massas mais desfavorecidas e indoutas. Ignoraram até a atuação promissora da Assembleia de Deus, dedicando pouca atenção aos fatos (MATOS, 2001). Essas denominações foram fundadas em datas bem anteriores, algumas com quase cinco e quatro séculos de existência, com boa formação teológica e receitas financeiras satisfatórias. O missionário Luigi Francescon foi anteriormente fundador da Igreja Presbiteriana Italiana em Chicago, atuou na Argentina em 1909 e seguiu ao Brasil em 1910, onde fundou a Congregação Cristã no Brasil (com sede nacional no Brás, em São Paulo), após um suposto cisma com a Igreja Presbiteriana do Brás. No ano 2000 o censo registrava 2,8 milhões de membros (MATOS, 2001). Os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, originários da Suécia, foram aos receberam o chamado missionário para a cidade de Belém, no estado do Pará, Brasil (terra e cultura totalmente desconhecidas). Partiram em 1910 de navio em direção àquele local, onde residiram e congregaram na Igreja Batista sueca até 1911 (MATOS, 2001). Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página Chicago, e em 1908 conheceram Pethrus – líder do pentecostalismo sueco. Em 1909 1108 Estados Unidos em 1903, onde estudaram no seminário da Igreja Batista sueca em BARBOSA Naquela época a cidade de Belém não possuía atrações; demais, fora invadida por multidões de leprosos vindos até de nações limítrofes com o Amazonas e territórios, atraídos pela notícia da descoberta de uma erva que, diziam, curava a lepra. A pobreza do povo também contrastava com o padrão de vida da outra América [...]. (CONDE, 1981, p. 17) Mas a pregação contínua da doutrina pentecostal por Vingren e a evidência da glossolalia por meio de alguns membros causaram uma divisão entre os irmãos batistas, e os seguidores dessa nova doutrina deixaram a denominação, passaram a se reunir numa casa e a realizar os cultos e, posteriormente, fundaram a Igreja Apostólica da Fé. Porém, no ano de 1914 nos EUA, após um consenso entre pentecostais, adotou-se pela primeira vez o nome Assembleia de Deus, seguido da Guatemala, em 1916, e do México, em 1917. No Brasil ele só foi adotado oficialmente em 18 de janeiro de 1918, segundo relatos do próprio Gunnar Vingren (ALENCAR, 2010, p. 63). Esses movimentos têm uma forte influência das chamadas seitas batistas, como definiu Weber, pois repugnavam a base teológica dos reformadores tradicionais: Eles repudiavam absolutamente toda idolatria à carne como uma detração à reverência que era devida só a Deus. [...] A partir desta ideia da continuidade da revelação se desenvolveria conhecida doutrina, mais tarde elaborada de modo consistente pelos quakers, do significado (decisivo, em última análise) do testemunho interno do Espírito na razão e na consciência. E isto com a única autoridade da Bíblia, tendo início a um desenvolvimento que eliminou, por fim, radicalmente, tudo o que restava da doutrina da salvação através da Igreja; e, entre os quakers mesmo o batismo e a comunhão. (WEBER, 1981, p. 68) Esse tema será melhor apresentado nas próximas seções, nas quais podem-se visualizar as questões doutrinárias que influenciaram o surgimento de uma nova estrutura social. O fato histórico do pentecostalismo brasileiro fica mais evidente se compararmos os dados do censo populacional. A população evangélica no Brasil cresceu significativamente nas últimas décadas: passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010 (observa-se que em 1980 somava 6,6%). Os declarados evangélicos de origem nesse mesmo período. O primeiro censo de 1872 observou que a população declarada católica era de 99,7% do total, mas demonstrou queda de 7,9 pontos em 1970 chegando ao índice de 91,8% (IBGE, 2010). Esse resultado reflete o impacto da doutrina pentecostal alavancado pelas missões americanas e a incapacidade de reação proporcional pela igreja romana. Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página determinados, 21,8%. No caso dos católicos, o percentual caiu de 73,6% para 64,6% 1109 pentecostal eram 60%, os evangélicos de missão totalizaram 18,5%, e os evangélicos não BARBOSA 3.3 – A formação social do movimento pentecostal no Brasil O cristianismo no Brasil tem características diferentes de países do continente europeu, inclusive os Países Baixos. O primeiro fator foi a forte radicação das missões católicas realizadas pela Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, por meio dos jesuítas, acompanhando as expansões marítimas de comércio na Índia e nas Américas do Sul e Central, principalmente pelos portugueses e espanhóis, ainda predominantemente católicos. A colonização do Brasil por Portugal durou mais de 300 anos, e durante esse período não havia total liberdade religiosa. O catolicismo foi imposto pelo método da catequese aos nativos indígenas (como os tupinambás) e aos escravos contrabandeados da África. Esse fator resultou em um sincretismo religioso na formação do povo brasileiro, já que não era possível eliminar as práticas religiosas e o misticismo embutidos na herança étnica e cultural de cada povo. De 1500 até 1889 o país foi oficialmente uma nação católica, e a educação formal de responsabilidade do clero romano. Essa exclusividade educacional só foi modificada a partir da proclamação da República (declaradamente com uma ideologia liberal e positivista) em 1889 e das novas Constituições Federais do século XX. O modelo educacional da Colônia favorecia os nobres e excluía os pobres e trabalhadores, mantendo uma elite culta e oligárquica. Essa distorção começou a diminuir com o Estado Novo na busca de uma educação pública e gratuita, atendendo aos interesses do progresso industrial, ou seja, a profissionalização da mão de obra trabalhadora. As manifestações evangélicas surgiram discretamente no Brasil. O primeiro culto foi realizado na Ilha de Vilegaignon, Rio de Janeiro, em 1557, pelo pastor Richier Igreja Anglicana iniciou seus cultos em 1810, a Igreja Metodista em 1636, a Igreja Luterana em 1845, a Igreja Congregacional em 1855 e a Igreja Presbiteriana em 1862, todas no Rio de Janeiro. Os missionários batistas aportaram em 1881 e fundaram a Primeira Igreja Batista em Salvador, Bahia, em 1882; a Igreja Episcopal foi estabelecida em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1890; a Igreja Adventista iniciou em Santa Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página Pernambuco, em 1630 (missão holandesa) pelo reverendo João Baers. Oficialmente a 1110 (possivelmente escocês); posteriormente na Bahia, em 1624, por irlandeses; e no BARBOSA Catarina no ano de 1895. Percebe-se que entre o primeiro culto evangélico e a fundação da primeira igreja evangélica no Brasil há uma lacuna de 257 anos (CONDE, 1960, p. 56). Outro fator relevante foi a Abolição da Escravatura, em 1888, construindo um novo cenário econômico e social. Por força das pressões internacionais, o Brasil a oficializou tardiamente, deixando uma herança perversa de pobreza e profunda desigualdade social, além da marginalização das populações negras, das etnias indígenas e dos analfabetos que abrangiam quase toda a população. Até a década de 1940 o Brasil tinha a maior parte da população vivendo em áreas rurais, e, obviamente, a economia girava em torno da agricultura e da pecuária, com destaque às plantações de café, de cana-de-açúcar, de algodão e à produção de borracha. O grande progresso econômico baseado na industrialização e no consumo teve início a partir da década de 1950, quando as populações rurais começaram a migrar das regiões Norte, Nordeste e parte do CentroOeste para o Sudeste. Os motivos foram a viabilização do transporte interestadual (ferrovias e rodovias) e a oferta de empregos nas fábricas, armazéns e serviços, com maiores possibilidades de ganho na renda familiar e o acesso aos serviços públicos em áreas em desenvolvimento e urbanizadas (MEC, 2014). Esse fluxo migratório modificou também as religiosidades regionais. Os protestantes (evangélicos) presentes no Sul e Sudeste eram de maioria oriunda da Reforma europeia. Mas em 1910 a Congregação Cristã no Brasil se expandiu a partir de São Paulo e interior, e ao Sul, devido a sua membresia italiana, e cresceu três vezes mais do que a Assembleia de Deus até a década de 1940. Porém, a Assembleia de Deus, fundada em 1911 no norte do país, se expandiu por meio dos fluxos migratórios ao Centro-Oeste, Sudeste e parte do Sul, e na década de 1960 já ultrapassava históricas fundadas em terras brasileiras desde o século XIX, que aportaram com as colônias de imigrantes europeus à procura de oportunidades e refugiando-se de guerras. Uma das características marcantes da Assembleia de Deus foi a eficácia do evangelho em áreas muito marginalizadas da sociedade. O foco da pregação voltada para a conversão e para o arrependimento acompanhados de bênçãos espirituais (como Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página territórios alcançados. Esse fenômeno pentecostal também surpreendeu as igrejas 1111 significativamente a Congregação Cristã no Brasil em número de membros e em BARBOSA milagres e revelações) divergia das igrejas históricas, e até mesmo em partes da irmandade da Congregação Cristã no Brasil (considerados primos e não irmãos devido a divergências doutrinárias sobre a atuação do Espírito Santo na igreja). Essa pregação “assembleiana” enfatizava a valorização das pessoas por intermédio do Espírito Santo para atuarem em sua obra pela autocapacitação. De modo que não interessava a condição intelectual e/ou econômica do sujeito, pois o Espírito Santo o dotaria de um poder suficiente para justificá-lo, regenerá-lo, santificá-lo e “revesti-lo” dos “dons do Espirito” (neste caso a Congregação Cristã no Brasil concordava, porém não ensinava a evangelização pública para o crescimento da obra). O resultado foi que a Assembleia aproveitou, durante a história, o potencial de todas as pessoas, independentemente das condições anteriores de suas vidas (somente as mulheres ficaram restritas ao ministério e a alguns cargos de liderança e de ensino doutrinário, uma condição que atualmente foi pouco alterada). A hierarquia ministerial é extensa e muito centralizadora, e as escolhas são baseadas na revelação do Espírito aos líderes e no desempenho do trabalho prestado à igreja. Pouquíssimos líderes são remunerados, e a formação teológica não foi adotada durante muitas décadas. A Congregação Cristã no Brasil se manteve mais conservadora quanto aos métodos litúrgicos e à propagação da Palavra, restringindo os membros à exposição e aos métodos midiáticos evangelísticos, além de adotarem uma hierarquia ministerial menor e mais limitada aos de maior experiência e idade. A “irmandade” abominou os estudos bíblicos, o sermão previamente elaborado e a coleta pública dos dízimos e ofertas, considerando-se uma igreja exclusivamente separada das outras para a salvação futura. O crescimento dela esteve basicamente na conversão espontânea e na reposição biológica, ou seja, mediante a natalidade de suas famílias. Sua organização é simples e suas congregações são autônomas quanto à membresia, porém respondem à administração As duas denominações são consideradas as igrejas pentecostais históricas no Brasil e foram únicas até o fim da década de 1950, quando surgiram os primeiros missionários norte-americanos que deram início às denominações hoje definidas neopentecostais. Suas relações também foram amigáveis enquanto estavam na direção dos missionários europeus; no entanto, ao passarem a administração aos líderes Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página seguindo uma padronização. 1112 central. Aplicam-se a uma coletividade exemplar e constroem templos em mutirões, BARBOSA brasileiros, começaram a se separar por divergências, situação que perdura na maioria dos lugares e coloca um obstáculo à convivência. Ambas as denominações valorizam a música sacra entoada por coros e corais e acompanhada por instrumentais acústicos e eletrônicos (exceto as restrições a instrumentos de percussão específicos); possuem muitas escolas de formação musical que ensinam desde a infância até a maturidade, o que serve como atrativo aos visitantes e desperta o interesse pela música erudita. Considerações finais – A visão sociológica de Weber e as diferenças com o pentecostalismo Os fatos históricos que descreveram o surgimento do pentecostalismo no mundo e no Brasil ajudarão a decifrar, ainda que parcialmente, a efetiva participação da ética protestante ocidental moderna na formação cristã latino-americana. Essa análise é dificultada pela improvável semelhança entre os diversos mundos aqui analisados, considerando-se fatores culturais, étnicos, socioeconômicos e heranças religiosas provenientes dos nativos e da colonização. Para Weber, “o calvinismo oferecia a base ideológica para o desenvolvimento no modelo capitalista” (CIPRIANI, 1997, p. 106), o que implica a ética do trabalho metódico e coerente com os benefícios de Deus, e uma educação altamente profissionalizante. Com efeito, do conceito de predestinação derivaria a necessidade de mostrar a própria pertinência ao grupo dos eleitos, por meio da prova da própria prosperidade, alcançada graças ao bom êxito das atividades econômicas. [...] De tudo isso brotaria notável produtividade, que leva a um acúmulo de capital, dado que não se goza das riquezas adquiridas, mas se é induzido a reinvesti-las em posteriores iniciativas. (CIPRIANI, 1997, p. 106) Esse parâmetro do estudo de Weber se adequava a uma sociedade de maioria protestante e calvinista e a um estado puramente capitalista. “Podemos identificar claramente os traços da influência da doutrina da predestinação nas formas elementares de conduta e atitude para com a vida na época que estamos focalizando, mesmo onde sua propriedade das evidências intermediárias na vida de cristãos religiosos e metódicos, mas conscientes de que a prosperidade estava intrínseca a seu destino “predeterminado”, e não só a situação favorável do crescimento econômico, isso era resultado da “eleição” e da “vocação”. Usufruir o mundo, portanto, seria uma prerrogativa ideológica baseada na vontade de Deus desde que em benefício da obra e propósitos divinos. Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página determinista teria encontrado o ambiente ideal e apropriado para afirmar que o resultado é 1113 autoridade como dogma estava em declínio” (WEBER, 1981, p. 46). A doutrina BARBOSA A ruptura dos mundos, das sociedades continentais e nacionais se mostrou nas realidades religiosas e sociais de cada região do planeta. Como no caso latino-americano, referindo-se especificamente ao Brasil, há o problema das origens étnicas e o processo de cristianização. Em primeiro lugar considera-se o tipo de colonização iniciada pelos portugueses e espanhóis, com uma imposição da religião cristã católica por meio de governos muito centralizados e de uma política escravagista. Esse modelo se adequava bem ao próprio sistema eclesiástico do catolicismo e a sua herança romana imperialista. Em segundo, podemos perceber que no século XIX se estabeleceram as primeiras denominações protestantes originárias do movimento da Reforma de confissão calvinista e luterana, depois também chegaram adeptos arminianos; porém, foram insuficientes para provocar alguma mudança significativa no ambiente social. No início do século XX, o Brasil ainda tinha mais de 90% de católicos, e os protestantes estavam divididos em várias denominações concentradas no Sul e Sudeste. Não se pode ignorar, porém, que esses protestantes trouxeram algumas tecnologias e avanços para a agricultura em suas comunidades (como as luteranas), mas talvez a cultura europeia ainda estivesse contida em suas concepções teológicas e limitava a integração com o povo latino-americano devido a tantas diferenças (o idealismo ético europeu tendeu a ser inflexível em relação às realidades regionais e culturais presentes nos territórios alcançados pelas missões). O próprio catolicismo encontrou dificuldades em implantar com eficácia sua evangelização entre os índios, pois percebiam que eles recebiam os dogmas da religião sem muita resistência, porém eram inconstantes e voltavam rapidamente às suas práticas religiosas ou misturavam suas crenças com o catolicismo (um tipo de sincretismo religioso primário na formação social). Nota-se que a sociologia de Weber é pouco aplicável ao povo evangelizado no Brasil, pois seriam necessárias uma forte implantação calvinista e uma expressiva política de industrialização nos moldes da Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. O ensinamento liberdade de pensamento. Em tese, o conceito de vocação foi idealizado na doutrina central das denominações protestantes, mas descartado pela “divisão católica de preceitos éticos em praecepta et concilia” (WEBER, 1981, p. 34) que consideravam que “o único modo de vida aceitável por Deus não era o superar a moralidade mundana pelo ascetismo monástico, mas unicamente o cumprimento das obrigações impostas ao indivíduo pela Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página (contenção de ideais humanos em favor do homem espiritual) e não dava abertura para a 1114 católico estava mais adequado a um estado de subserviência e “humildade devocional” BARBOSA sua posição no mundo” e, portanto, sua vocação (WEBER, 1981, p. 34). Os fenômenos de mudança no pensamento teológico protestante foram observados ao referir-se às seitas batistas, um tipo de reformulação dos padrões doutrinários da Reforma: Isto significa que a comunidade religiosa, a Igreja visível, na linguagem das igrejas reformadas, já não era vista como um tipo de fundação confiável com fins sobrenaturais, uma instituição que deveria necessariamente incluir justos e injustos, quer para aumentar a glória de Deus (calvinistas), quer como um meio de trazer aos homens os meios da salvação (católicos e luteranos), e exclusivamente como uma comunidade de pessoas crentes na redenção, e só destas. (WEBER, 1981, p. 67) Se isso era verdade, então a igreja – identificada por um templo e uma hierarquia monárquica formadora ética/moral – não mais possuía esse caráter aos novos crentes, porque davam mais importância à releitura integral da Bíblia e à recondução de uma vida semelhante à da comunidade “apostólica” primitiva. Isso explica a dificuldade dos “crentes” atuais e pentecostais em assimilarem o estilo de vida moderno e calvinista preconizado pela Alemanha. A vereda literária de Weber não fugirá de seu objetivo – provar a eficácia do sistema ético protestante como ideal de modelo econômico, por isso a dificuldade de uma comunidade cristã atual e pentecostal em aceitar o formato de vida preconizado pelos calvinistas da modernidade. Weber se detém a pôr em evidência que a educação religiosa pietista, de origem luterana, mas fortemente intimista e individualista e, todavia, baseada sobre uma fé ativa, favorece em maior medida uma orientação econômica: a capacidade de concentração do pensamento, assim como a atitude de quem se sente obrigado diante do próprio trabalho, encontram-se aqui, de modo particular, frequentemente unidas a uma estreita economicidade, que calcula o ganho e seu grau, e a um severo domínio de si próprio e sobriedade, que aumentam extraordinariamente a capacidade de trabalho. (CIPRIANI, 1997, p. 109) Se a evangelização da igreja reformada fosse eficaz no Brasil, provavelmente em um século teríamos um povo semelhante ao da visão weberiana. Mas, o que teria impedido o maior crescimento de luteranos e calvinistas? Poderíamos considerar que as missões não foram concisas, ou seja, somente de uma confissão denominacional, religiões cristãs mais intelectuais e ortodoxas? Ou, talvez a origem étnica de indígenas e africanos somados a europeus e americanos impediram qualquer tentativa de uniformidade religiosa? Teríamos mais perguntas do que respostas. Para dar conta de uma série de questões são necessários vários estudos e reproduções teóricas. “Weber se move a seu modo, perambulando de um contexto para o Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página catolicismo em implantar superstições e crendices religiosas e, portanto, inibindo as 1115 causando uma competitividade entre os protestantes? Poderíamos considerar a força do BARBOSA outro, com riqueza de referências e abundância de detalhes, com definições distintivas e exemplos probatórios” (CIPRIANI, 1997, p. 119). Da mesma forma, não estamos capacitados a responder com precisão sobre o processo e o resultado dos acontecimentos, mas buscamos levantar hipóteses a respeito de tais fatos, evidenciando os improváveis resultados. Se observarmos o Brasil do século XX e XXI com vistas à situação social, vamos nos deparar com duas problemáticas importantes: a baixa escolarização e o modo de produção e aquisição de renda. Ambos os fatores não correspondiam aos anseios dos reformadores, que até certo ponto vêm se esforçando para promover o desenvolvimento por meio de universidades e da profissionalização de suas comunidades. O fato é que a teologia determinista e calvinista apreciada por Weber encontrou um terreno desértico no Brasil, considerando-se a contradição das evidências de salvação na crença desse povo. É nesse cenário impróprio e infértil que os arminianos encontraram algumas possibilidades, porém ainda faltava-lhes um aditivo espiritual, não sob o aspecto do capitalismo (como no caso europeu), mas sim no sentido doutrinário transformador e pacífico (não conflitante com a realidade brasileira). O movimento pode ser comparado ao Puritanismo, que encontrou situação semelhante na Inglaterra, e progrediu num terreno desértico. A chegada de missionários com doutrinas pentecostais alavancou um novo olhar sobre a interpretação da “palavra” bíblica. Eles possuíam uma concepção de salvação voltada para o processo que leva ao resultado, e não para o resultado que considera a evidência dos intermediários. O catolicismo pedia muito mais atos sacros de seus fiéis, entretanto oferecia pouco retorno como benefício (bênçãos espirituais e materiais para esta vida). As igrejas históricas (da Reforma) ofereciam o benefício espiritual, mas não alcançavam todas as classes sociais. A contrapartida vem com o pentecostalismo, que ofereceu benefícios na proporção do serviço voluntário a Deus e não excluiu qualquer classe social. O calvinismo alemão correspondia ao próprio desenvolvimento local, as vantagens dos ideais protestantes aos interesses políticos e econômicos, sem fazer juízo de valor ou mesmo apologia ao capitalismo. A questão notória é que no Brasil não havia a mesma disposição social e econômica. Entretanto, a ética protestante refletiu na sociedade brasileira principalmente no Sul e Sudeste devido às colônias de imigrantes europeus. Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página como a uma transição definitiva da Idade Média à Moderna. Weber percebeu as 1116 aspirações intelectuais e a teologia “determinista” adequavam-se à modernidade, bem BARBOSA Quanto ao crescimento econômico dos pentecostais, é perceptível que foi menos importante, já que primeiro interessava alcançar a salvação, e depois os benefícios do mundo (desprezíveis em certo sentido, porém, necessários para sobrevivência). Mesmo que os fiéis quisessem usar como argumento de prosperidade o efeito da “salvação”, estavam limitadas as realidades locais e pessoais – a baixa quantidade de oportunidades e a precariedade do meio. Portanto, viver uma vida modesta e honesta também foi um ensino promissor, sem distinguir (privilegiar) o sujeito pela sua alta intelectualidade e capacidade de renda, pois a prosperidade se pautava pelo recebimento dos dons do Espírito do próprio Deus. Finalizando as considerações, creio que os movimentos pentecostais liderados pelas igrejas Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus tiveram a mesma importância de participação no processo social brasileiro que o calvinismo puritano na Alemanha e nos Estados Unidos. O pentecostalismo se encaixou melhor na realidade latino-americana, conseguindo unir religiosidade, transformação social, teologias liberais, inclusão étnica e experimentação espiritual. Outrossim, Max Weber corroborou o pensamento pós-moderno na medida em que buscou explicar as próprias realidades e anseios numa época de mudanças e crises, e de novas ideias, preparando um caminho sociológico – ou seja, um teórico que ampliou os horizontes da sociologia ocidental. A mensagem pentecostal foi tão impactante em cem anos, que modificou setores da sociedade e influenciou o surgimento de novos movimentos como o carismático católico e o neopentecostalismo. Partes das igrejas históricas reformadas também aderiram a uma renovação de formato pentecostal, mas não mudaram significativamente suas práticas e características litúrgicas. A mentalidade da sociedade brasileira assimilou esse movimento centenário e tem absorvido os resultados positivos demonstrados na sua transformação social. CAMP MEETING. In: Encyclopedia Britannica. Disponível em: <http://global.britannica.com/EBchecked/topic/91087/camp-meeting>. Acesso em: 01 set. 2014. CIPRIANI, R. Manual de Sociologia da Religião. Segunda Parte – Os Clássicos: Cap. 2 Revista Eletrônica Gestão e Serviços v.6, n.1, pp. 1100-1118, Janeiro / Junho 2015 ISSN Online: 2177-7284 e-mail: [email protected] Página ALENCAR, G. F. de. Assembleia de Deus: Origem, Implantação e Militância (19111946). São Paulo: Ed. Arte Editorial, 2010. 1117 REFERÊNCIAS BARBOSA - As Religiões Universais de Weber (1864-1920). Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Ed. Paulus, 2007. CONDE, E. História das Assembleias de Deus no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. CPAD, 1960. IBGE. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião. Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/pt/noticiascenso?id=3&idnoticia=2170&view=noticia>. Acesso em: 01 out. 2014. MATOS, A. S. de. Os Avivamentos Norte-Americanos: Reflexões a propósito do seu primeiro centenário. 2001. Disponível em: <http://www.thirdmill.org/files/portuguese/35260~11_1_01_10-2222_AM~Os_Avivamentos_Norte.html >. Acesso em: 01 set. 2014. MEC. 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