44 Capítulo 3 FÍSICA DE ROCHAS 3.1 Introdução Propriedades do reservatório, tais como porosidade, litofáceis, fluido de poro, saturação e pressão estimada de dados sísmicos são tecnicamente necessários para o desenvolvimento do campo petrolífero. Os dados sísmicos são sensíveis a variações dessas propriedades e podem fornecer informações valiosas na exploração e desenvolvimento de novas reservas. Para isso, as relações entre as propriedades físicas da rocha e os atributos sísmicos devem ser bem estabelecidas. A física de rochas é a ciência que estuda as relações entre as medições feitas da geofísica e as propriedades de rocha, enfatizando suas interpretações em dados sísmicos e sônicos. As amplitudes sísmicas, como se sabe, são regidas pelas propriedades da rocha. Estas propriedades necessitam ser estudadas de forma quantitativa, com objetivo de se descobrir a relação dos parâmetros sísmicos com os parâmetros do reservatório. Esta relação é criada através de alguns parâmetros constituintes do meio. 45 Antes do entendimento da física de rochas é necessário se ter o conhecimento de parâmetros, descritos como parâmetros elásticos, regentes das velocidades das ondas sísmicas, criados a partir da relação da tensão e deformação. A seguir, os parâmetros constituintes do meio que influenciam a resposta sísmica são abordados. 3.2 Parâmetros elásticos O meio é assumido como homogêneo, isotrópico e elástico. Por ser elástico, Hooke, no século XVII (Bourbie et al., 1987), descreveu as relações, onde a tensão é diretamente proporcional à deformação, demonstrando que pequenas deformações são causadas por tensões de maneira direta e proporcional. Na sísmica, a propagação da onda sísmica (frente de onda) se deve ao deslocamento de partículas no meio elástico, criando relação entre tensão e deformação. Essa relação é descrita pela equação abaixo: i E i , (3.1) onde, i = tensão na direção proposta i , i = deformação na mesma direção i , E = módulo de Young, podendo ser interpretado como a resistência de um material sólido contra uma tensão uniaxial. O módulo de Elasticidade, módulo de Cisalhamento e módulo de Incompressibilidade fazem parte de um grupo de coeficientes chamados de módulos elásticos e são utilizados para caracterizar o meio. A razão de Poisson ( ) pode ser definida como a relação entre a deformação lateral e a deformação longitudinal de um corpo. A Figura 3.1 demonstra essa relação de maneira tridimensional. Um cubo está sujeito a uma tensão normal ( xx , sendo representando por F) aplicada na direção x, causando 46 uma deformação na mesma direção, e ocorrendo uma diminuição dos comprimentos (deformação) das outras faces (y, z). Essa deformação na direção y cuja componente é yy , e a deformação da direção z cuja componente é zz , são ambos diferentes de zero (dependendo do esforço, pode ser positivo se houver compressão), definindo a razão de Poisson com a equação 3.2: yy zz , xx xx (3.2) sendo, xx x y z . , yy e zz x y z Figura 3.1. Corpo submetido a tensão ao longo do eixo x (Vasquez, 1999). Através da Figura 3.1, pode-se definir o módulo de Elasticidade ( E ), também conhecido com módulo de Young, estabelecido pela relação entre a tensão normal ( xx ) e a deformação de um corpo ao longo de uma direção ( xx ), neste caso a direção x, definido como: E xx . xx (3.3) 47 O módulo de Cisalhamento ( ), também conhecido como módulo de Rigidez, é estabelecido pela relação entre a tensão cisalhante e a deformação cisalhante ( yy ), causando deformação, mas sem variar volume. Ele é definido como: xy . xy (3.4) O módulo de Incompressibilidade (K), também conhecido como módulo de Volume, é definido como a soma das tensões normais ( xx yy zz e xy xz yz 0 ) aplicadas em um corpo. A dilatação ou deformação volumétrica resultante ( xx yy zz ) indica a capacidade do material de resistir à contração sob pressão hidrostática, podendo ser expresso pelos parâmetros de Lamé: K e 2 . 3 (3.5) A resposta sísmica é dependente da resistência do material que está sujeito à passagem da onda sísmica. Por sua vez, os parâmetros elásticos descritos nesta seção constituem as propriedades litológicas do meio. A seguir serão descritos os parâmetros litológicos e suas relações com os parâmetros elásticos. 3.3 Velocidades sísmicas As velocidades das ondas compressionais e das ondas cisalhantes podem ser definidas em função dos parâmetros elásticos do meio homogêneo e isotrópico: Vp e K4 2 3 (3.6) 48 Vs (3.7) onde, Vp = velocidade da onda P (onda compressional), Vs = velocidade da onda S (onda cisalhante), K = módulo de Incompressibilidade, = módulo de Cisalhamento, = densidade da rocha. Os dois tipos de velocidades têm comportamentos distintos em relação ao meio em que propagam, sendo afetados por diversos fatores, tais como: porosidade, litologia, fluido. Devido ao fato de material fluido não sofrer cisalhamento, o módulo de cisalhamento é insensível ao fluido (Castagna e Batzle, 1993). Desta forma, enquanto Vp é sensível a variações de fluido na rocha, Vs é praticamente insensível. As únicas variações de Vs devido a mudança no fluido são devido às variações na densidade volumétrica do material. Por este motivo, a razão entre a Vp/Vs é um bom indicador direto de hidrocarboneto, principalmente de gás. A razão Vp/Vs também possui boa capacidade de discriminar litologias entre rochas reservatório. 3.4 Propriedades litológicas do meio Diversos estudos foram feitos entre os efeitos de parâmetros litológicos (propriedades de rocha) e atributos sísmicos (Mavko et al., 1998; Hilterman, 1998). As velocidades são os atributos sísmicos mais utilizados, pois seus dados acarretam uma grande quantidade de informações. A Figura 3.2 demonstra o comportamento da velocidade da onda P e as diversas propriedades físicas do meio. Pode-se observar que a variação do comportamento de cada tipo de propriedade de rocha em relação à velocidade é distinta, podendo ser dependentes entre si. Um exemplo disso pode ser verificado na Figura 3.2, onde se aumentando a pressão de confinamento, tem-se uma redução de porosidade, aumentando a 49 velocidade, porém, essa queda de porosidade pode indicar uma diminuição na densidade da rocha. Em um reservatório pode ocorrer a composição de várias fases. Combinações de gás dissolvido em água, gás dissolvido em óleo, e óleo-água, afetam as velocidades sísmicas, pois as propriedades determinantes do fluido (densidade e módulo de Incompressibilidade) sofrem influência da resposta elástica do meio. Em relação às várias fases, Vp só é sensível à parte gasosa quando a saturação gasosa é maior que a saturação líquida (Sg > 0,5). Para o caso de um reservatório saturado em óleo e água, a discriminação do tipo de fluido tende a não ter bons resultados utilizando apenas Vp, por isso é taxado como sendo baixa a confiabilidade quanto à determinação do tipo de saturação nas rochas. Figura 3.2. Comportamento da onda P mediante as diferentes propriedades de rocha (Takahashi, 2000). 50 A velocidade decresce em função da porosidade. Porém, existem situações que fazem esse quadro variar. Um meio poroso, quando seco, causa redução da velocidade, pois a rocha se torna mais “macia”, fazendo com que K seja menor; Porém, quando saturado por completo, a velocidade tende a aumentar devido à resistência causada pelo fluido, fazendo com que K tenha uma variação de valores maiores do que os valores de densidade da rocha. Existe ainda uma série de fatores que podem afetar a porosidade, como a textura da matriz. As rochas sedimentares possuem textura de matriz que afeta o comportamento elástico, como arenito mal selecionado e não consolidado, que possuem velocidades relativamente menores do que um arenito cimentado; a porosidade, neste caso, influencia uma queda suave da velocidade, ocorrendo o mesmo com o arenito consolidado, porém de forma brusca. A porosidade de uma rocha é relacionada com a sua deposição. Assim, areias bem selecionadas tendem a ter porosidade maior do que areias mal selecionadas. Minerais de argila afetam a porosidade, pois diminuem o diâmetro dos poros, aumentando K. A porosidade também pode decrescer devido à diagênese. A pressão efetiva sendo relacionada como pressão de confinamento menos a pressão de poro, afeta a porosidade, conseqüentemente a velocidade. O aumento da velocidade em função da pressão efetiva ocorre devido ao aumento da pressão (função da profundidade) e ao efeito da diagênese (cimentação), fazendo os poros diminuírem de tamanho. A Figura 3.3 (a) e 3.3 (b) mostram o comportamento das velocidades da onda P (Vp) e onda S (Vs) e dos módulos K e em função da pressão, respectivamente, para amostras de arenitos saturados em água e secos, com a variação de pressão. Na Figura 3.3 (a), o aumento de Vp, obedecendo ao efeito de sobreposição previamente citado, e a pequena diminuição de Vs (não sensível à variação gerada pelo fluido) devido à variação na densidade. Na Figura 3.3 (b) a variação de K é claramente visível, bem como a mínima variação de . 51 Figura 3.3. Medidas de Vp e Vs (a), medidas dos módulos k e (b) em arenitos saturados por água e secas em função da pressão. (Han and Batzle, 2004). 3.5 Conhecimento dos limites elásticos Para se quantificar uma propriedade de rocha é preciso ter três tipos de informação: (i) as frações volumétricas dos constituintes da rocha, (ii) os módulos elásticos, (iii) geometria dos grãos. Na prática, os itens (i) e (ii) podem ser bem determinados pelo estudo de dados de poço, porém o item (iii) somente é determinado em laboratório. Sem a geometria pode-se apenas limitar os dados, determinando limite superior e inferior aos módulos e às velocidades. A Figura 3.4 mostra os limites, superior e inferior para dois constituintes. Qualquer dos constituintes, havendo uma influência na sua fração volumétrica, ou no seu módulo, causa um comportamento dentro dos limites estabelecidos; e a variação da geometria pode ser determinada pelo comportamento vertical (linha vertical tracejada da Figura 3.4), onde o seu 52 aumento pode ser caracterizado como poro de formato “duro” e sua redução como poro de formato “macio”. Figura 3.4. Limites entre dois diferentes tipos de material (Avseth et al., 2005). O gráfico da Figura 3.4 mostra a distribuição dos dados em função de sua fração volumétrica e do seu módulo. O comportamento de qualquer propriedade do meio sedimentar vai depender dessa distribuição, sendo influenciado pelo formato do poro. Devido à complexidade geométrica dos poros das rochas, as informações sempre são simplificadas e aproximadas, determinando a relação entre tensão e deformação. Como a rocha é anisotrópica, é de se esperar que a relação entre tensão e deformação seja não-uniforme, para isso, dois limites podem ser assumidos: limite de Voigt e limite de Reuss. O limite de Voigt relaciona uma tensão uniforme com uma deformação uniforme, sendo assim também chamado de isostrain. Neste caso, o sedimento encontra-se sob ação física da diagênese, compactação, cimentação. A equação abaixo descreve o limite de Voigt: 53 M v i 1 f i M i , n (3.8) onde, Mv = módulo elástico efetivo, fi = fração volumétrica do i-ésimo constituinte, Mi = módulo elástico do i-ésimo constituinte. O limite de Reuss relaciona uma tensão normal uniforme com uma variação de deformação nos seus constituintes, sendo assim também chamado de iso-stress. Para que se tenha uma tensão uniforme, é necessário que se tenha uma mistura de fluidos, ou partículas em suspensão, caracterizando assim um sistema físico real para as rochas sedimentares com misturas isotrópicas. A equação a seguir descreve o limite de Reuss: f 1 n i 1 i , Mr Mi (3.9) onde, Mr = módulo elástico efetivo, fi = fração volumétrica do i-ésimo constituinte, Mi = módulo elástico do i-ésimo constituinte. A Figura 3.5 mostra o comportamento das propriedades acústicas das rochas sedimentares. Vp (k) está relacionado com a porosidade para sedimentos saturados em água, criando o intervalo dos sedimentos do fundo oceânico até o intervalo de arenitos consolidados. Antes da deposição, partículas dos sedimentos em suspensão na água são abrangidas pelo limite de Reuss, e devem permanecer assim ao atingir o fundo do oceano quando ainda são fracas e inconsolidadas; porosidade varia de acordo com a partícula. Areias bem selecionadas possuem porosidade por volta de 40% (Avseth et al., 2005); quando são mal selecionadas, a porosidade tende a decair ao longo do limite de Reuss. 54 Aumentando pressão e temperatura, vários processos alteram o estado físico do sedimento (diagênese, cimentação, compactação), fazendo com que o sedimento fuja do limite de Reuss e passe a ser abrangido pelo limite de Voigt, tendendo a chegar em um mineral com porosidade zero. Figura 3.5. Relação da velocidade da onda P (Vp) e porosidade demonstrando os diferentes comportamentos dos sedimentos saturados em água. (Avseth et al., 2005) O gráfico formado pela combinação da incompressibilidade (K) e da porosidade ( ) é o mais utilizado para a análise das propriedades de rocha, onde as fáceis são identificadas pela variação diagenética ou textural. O gráfico da Figura 3.6 ilustra os diferentes comportamentos das propriedades físicas da rocha (pressão, diagênese, propriedades do fluido, textura) quando qualquer tipo de alteração ocorre. Os dois efeitos geológicos, representados pela diagênese e pela textura, 55 criam diferentes tendências. Quando a porosidade é controlada pela diagênese (cimentação, compactação), mantendo todas as outras propriedades constantes (quantidade de argila, pressão, propriedades do fluido), seu aumento tende a seguir o modelo de Voigt (MV), decaindo a porosidade. Na variação textural, também mantendo todas as outras propriedades constantes (pressão, propriedades do fluido), mas variando o conteúdo de argila, a porosidade decai, tendendo a seguir o modelo de Hashin-Shtrikman (HSLB, este modelo é conhecido por fornecer o menor intervalo entre os limites inferiores e superiores dos módulos elásticos, sendo considerado um modelo mais refinado); que pode ser visto como mudanças nas propriedades do fluido não influenciam a porosidade, mas apenas a incompressibilidade, ocorrendo quase o mesmo com o aumento da pressão, influenciando muito pouco a porosidade. Abaixo do ponto de porosidade crítica c é considerado estado de suspensão (onde os grãos estão dispersos em algum fluido). O ponto mineral é o ponto de porosidade zero. Figura 3.6. Relação dos efeitos nas propriedades de rocha no gráfico porosidade ( ) versus incompressibilidade (K), com relação a mudança das seguintes propriedades;. i) Pressão (setas vermelhas); ii) Mudança de fluido (setas verde); iii) Diagênese (setas pretas); iv) Textura (setas azuis). A linha MV representa o limite superior de Voigt, e a curva HSLB o limite inferior de Hashin e Shiktriman (Takahashi, 2000). 56 A análise da física de rocha baseado neste gráfico é um meio de grande importância, pois expressam as informações das propriedades de rocha numa perspectiva de dados petrofísicos. 3.6 Relações empíricas Relações empíricas foram criadas e são úteis na identificação do comportamento das propriedades do reservatório, porém devem ser utilizadas com cuidado. Relações empíricas são criadas a partir de dados específicos de um campo, não podendo ser extrapolados. Han et al. (1986) demonstraram através de dados laboratoriais que suas formulações empíricas foram capazes de caracterizar a velocidade em função da porosidade e do conteúdo de argila. No gráfico da Figura 3.7 pode ser visto que a velocidade decresce com o aumento da porosidade. O espalhamento dos valores é causado pelo grau de conteúdo de argila. De uma maneira geral, rochas clásticas tendem a ter sua velocidade influenciada pelo conteúdo de argila, causando perda de porosidade. Figura 3.7. Velocidade versus porosidade. Relação empírica criada por Han et al. (1986) (Avseth et al., 2005). 57 Outros tipos de relações empíricas relacionando Vp - Vs podem definir trends para litologias, como os definidos por Castagna et al. (1993). Rochas clásticas (arenito, folhelho) definem trends conhecidos, como a mudrock line. Da mesma forma que existem relações empíricas para rochas clásticas, pode-se definir relações empíricas para rochas carbonáticas (calcário, dolomito). A Figura 3.8 demonstra os trends para as diferentes litologias. A relação empírica de Vp - Vs para as rochas clásticas é estabelecida como: Vs 0.8042Vp 0.8559( Km / s) , (3.10) para o arenito; Vs 0.7700Vp 0.8574( Km / s) , (3.11) para o folhelho. A relação para as rochas carbonáticas: Vs 0.4878Vp 230( Km / s) , (3.12) para o calcário; Vs 0.4748Vp 500.8( Km / s) , (3.13) para o dolomito. A densidade também pode ser definida a partir dos dados de Vp, utilizandose da relação empírica determinada por Gardner et al. (1974), definida como relação de Gardner. A densidade para as rochas clásticas é estabelecida a seguir: 1.66Vp 0.261 ( Kg / cc 3 ) , para o arenito; (3.14) 58 1.75Vp 0.265 ( Kg / cc 3 ) , (3.15) para o folhelho. Figura 3.8. O gráfico demonstra a linha criada no trabalho de Castagna et al. (1985), designando a mudrock line (linha contínua azul) resaltando a possível composição de um reservatório (pontos em vermelho) diante dos dados de perfil de poço (pontos em azul). A relação empírica é estendida para folhelho (linha contínua preta), calcário (linha tracejada preta) e dolomito (linha tracejada azul). As relações para as rochas carbonáticas: 1.5Vp 0.225 ( Kg / cc 3 ) , para o calcário; (3.16) 59 1.74Vp 0.252 ( Kg / cc 3 ) , (3.17) para o dolomito. Usando-se estas relações empíricas, pode-se determinar os comportamento dos atributos sísmicos (Vp, Vs e ) para rochas clásticas e carbonáticas. 3.7 Conclusões Neste capítulo, utilizamos conhecimentos esclarecedores da física de rocha, onde se demonstrou a metodologia capaz de definir com sucesso as propriedades que compõem um reservatório, caracterizando as propriedades litológicas, podendo estender o conhecimento para os atributos sísmicos. A importância do conhecimento da física de rochas nos dados sísmicos de AVO se torna evidente, fornecendo uma importante ferramenta na interpretação sísmica dos dados. No próximo capítulo, os modelos clássicos de AVO (sismogramas elásticos) obtidos no capítulo da modelagem são invertidos, visando a estimativa dos parâmetros de AVO, necessários para a caracterização do dado.