FEIJÓ, Gabriela. A Psicologia e o Processo de Humanização no

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FEIJÓ, Gabriela. A Psicologia e o Processo de Humanização no Hospital diante da Relação
Enfermeiro-Paciente. Trabalho de conclusão de Curso – TCC (Curso de Psicologia –
Graduação). Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006.
RESUMO
A presente pesquisa refere-se a uma investigação psicológica sobre processo de
humanização no ambiente hospitalar frente à relação enfermeiro-paciente. Apresenta como
objetivo geral verificar a percepção do enfermeiro sobre o processo de humanização na sua
relação com o paciente. Os objetivos específicos são descrever o conceito que o enfermeiro
tem sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente e localizar as
dificuldades que interferem neste processo. Para alcançar tais objetivos, foram
entrevistados oito enfermeiros (as), com experiência mínima de três anos, na cidade da
Grande Florianópolis. A pesquisa é classificada como qualitativa e exploratória e utiliza
entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados. Buscou-se com esse tipo de entrevista
obter informações, justificativas de ordem teórica e/ou pessoais. Os resultados obtidos
foram categorizados e os seus conteúdos foram analisados e amarrados com o referencial
teórico presente. Ao fim deste processo constatou-se que o conceito que o enfermeiro tem
sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente está sustentado em
recursos técnicos e pessoais. Entretanto, este conceito não se apresenta atrelado à prática,
pois na atualidade as atitudes dos enfermeiros produzem um distanciamento do mesmo
enquanto ser humano. Ainda, identificou-se que o contato constante com as vivências
inerentes ao hospital dificulta a construção de uma relação humanizada com o paciente.
Com estes dados, percebeu-se que a psicologia pode contribuir com a humanização através
de um trabalho voltado para os relacionamentos interpessoais.
Palavras-chaves: Psicologia hospitalar, humanização, relação enfermeiro-paciente.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 4
1.1 Justificativa................................................................................................................... 4
1.2 Problemática ................................................................................................................. 9
1.3 Objetivos..................................................................................................................... 16
1.3.1 Objetivo Geral: .................................................................................................... 16
1.3.2 Objetivos Específicos: ......................................................................................... 16
1.4 Hipóteses .................................................................................................................... 17
2 PROCEDIMENTOS.......................................................................................................... 18
2.1 Caracterização da Pesquisa......................................................................................... 18
2.2 População ................................................................................................................... 19
2.3 Amostra ...................................................................................................................... 20
2.4 Técnica de Coleta de Dados ....................................................................................... 21
2.5 Análise de Dados ........................................................................................................ 22
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 24
3.1 CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO .......................................................................... 26
3.2 INTERFERÊNCIAS NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO ................................. 59
4 CONCLUSÃO................................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 83
MEMORIAL DO AUTOR................................................................................................... 86
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho investiga a importância da implantação do serviço de Psicologia
no ambiente hospitalar através da interdisciplinariedade entre a Psicologia e a Enfermagem
frente o processo de humanização. Para tal, o trabalho visa compreender a percepção dos
enfermeiros da Grande Florianópolis sobre o processo de humanização hospitalar diante da
sua relação com o paciente. O trabalho levanta as problemáticas desta relação e apresenta
as possíveis contribuições da Psicologia para viabilizar a humanização.
1.1 Justificativa
Ao inserir-se no ambiente hospitalar o paciente deixa de ter o seu próprio nome e
passa a ser o número de leito. Seu endereço corresponde à ala em que se encontra e seus
anseios despertam esperanças e sonhos pela busca da recuperação da sua saúde.
A hospitalização e o processo de adoecer promovem no indivíduo um despojar-se
de si mesmo, de seus desejos, seus hábitos e rotina. A despersonalização do paciente ocorre
devido à dependência dos profissionais da saúde e dos familiares e à impossibilidade de
exercer o seu papel na sociedade. A doença e o adoecer provocam no paciente um choque
emocional, ameaçam o seu equilíbrio psicológico e rompem com as defesas pessoais.
Sabe-se que o hospital visa à recuperação da saúde do paciente na busca pela vida,
contudo, a realidade demonstra que esta função curativa, da forma como foi concebida até
4
então, tem dificultado a valorização do paciente como ser humano, comprometendo em
alguns casos a finalidade primeira do hospital.
Hoje, já está claro que a relação entre paciente e equipe da saúde influencia na
aceitação do processo de hospitalização e adoecimento, na aderência do paciente ao
tratamento e na sua recuperação.
A forma como a equipe interage com os medos, angústias e ansiedades fruto do
significado que cada paciente faz da vida e da morte, do seu histórico hospitalar e das
formas de atendimento dos profissionais da saúde, vai repercutir diretamente na relação que
será estabelecida com o paciente e seus familiares e consequentemente no seu processo de
recuperação.
Estas percepções têm gerado uma preocupação, desde o século XX, com a
humanização no contexto hospitalar, a fim de minimizar as ansiedades e angústias
produzidas nos pacientes, para que se possa alcançar o objetivo principal de recuperar a
saúde total do mesmo.
Em decorrência desta necessidade, o Ministério da saúde criou uma rede nacional
de humanização, o “Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar” PNHAH, que se apresenta como uma política pública para a rede hospitalar conveniada ou
do Sistema de Saúde Único - SUS, chamada “Política HumanizaSUS”. Esta política tem o
intuito de viabilizar a humanização em seus diversos âmbitos frente ao atendimento,
atenção e tratamento aos usuários hospitalares.
A partir do ano de 2002, os hospitais do Estado de Santa Catarina aderiram a este
programa como apoio a proposta de valorização do ser humano através da humanização dos
serviços de saúde.
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Em Florianópolis, destacam-se por levar a diante o desafio de continuar a
desenvolver o movimento que se iniciou com o PNHAH o Hospital de Caridade, que
promove projetos e ações compatíveis com este programa desde 2002; o Hospital Infantil
Joana de Gusmão, que iniciou a operacionalização das ações da Política HumanizaSUS em
2004 e os hospitais: Governador Celso Ramos, Universitário e Nereu Ramos.
As principais ações e projetos que envolvem a promoção da humanização na rede
hospitalar referem-se às atividades comunitárias e voluntárias, assistência aos
acompanhantes, ouvidoria, visita aberta, serviços de higienização, lavanderia, nutrição,
sistema de sonorização (música ambiente), arquitetura e instalações agradáveis e
confortáveis, entre outras ações que envolvem o apoio operacional. A administração do
hospital e a disponibilização de novos serviços que visam à interação de diversas áreas,
como: Fisioterapia, Medicina, Enfermagem, Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social,
Terapia Ocupacional,entre outras, buscam a recuperação da saúde total do paciente.
A implantação desses serviços de humanização demonstra uma preocupação por
parte das áreas da saúde em relação ao bem-estar do paciente em todos os seus âmbitos,
contudo este processo ainda está no início de sua construção, faltando muito por se
desenvolver.
Em virtude da humanização hospitalar sustentar-se em atitudes técnicas, devido a
própria formação acadêmica e o seu exercício profissional, a equipe de enfermagem tem
promovido uma humanização que está fundamentada na regra e não na formação de
atitudes que garantam uma relação humanizada.
A sua formação visa uma intervenção que possibilita exclusivamente a cura da
patologia orgânica. Isto dificulta a realização de um atendimento em que atitudes e
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comportamentos contribuam com a minimização das ansiedades e angústias geradas no
paciente pelo processo de hospitalização e adoecimento.
Assim, quando surge algum questionamento ou reação mais intensa por parte do
paciente ou dos familiares, a equipe entra em contato com a sua própria subjetividade, e
diante da dificuldade e da inexistência de suporte para trabalhar estas questões, utiliza como
recurso o seu distanciamento da figura humana do paciente.
Diante deste contexto, é imprescindível considerar os fatos objetivos tão bem
trabalhados pela equipe de enfermagem, que se refere à própria realidade do cuidador.
Entretanto, faz-se necessário articular a objetividade com a subjetividade dos indivíduos a
fim de promover a saúde do paciente e do próprio profissional, englobando todos os
aspectos que compõem o ser humano.
Esta dificuldade da equipe de enfermagem em viabilizar a humanização para além
das normas estabelecidas mostra a necessidade de trabalhar o relacionamento da equipe
com o paciente, para que seja possível ao profissional da saúde adotar uma postura
empática, ou seja, que ele se coloque no lugar do paciente, para que possa entrar em contato
com a própria condição humana, com os seus pensamentos e sentimentos.
A empatia “é algo que se sente no âmago da mais pura emoção e que denota a
própria condição de envolvimento com a doença e a figura do paciente” (Camon, 1998,
p.55). É um sentimento que precisa ser resgatado pelo ser humano através da prática do
profissional da saúde. Caso contrário, a negação da dor do paciente por parte da equipe de
enfermagem provavelmente acarretará na negação da sua própria condição humana.
Sabe-se que a Psicologia é uma área da ciência que contempla como objeto de
estudo o próprio ser humano. Sendo que este constrói a sua própria individualidade através
das suas relações com outros seres, a psicologia preocupa-se em produzir conhecimentos e
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intervenções a respeito da construção da subjetividade humana, bem como dos
relacionamentos interpessoais.
A Psicologia é uma ciência que pode contribuir para trabalhar a subjetividade das
relações que circundam a humanização no hospital, uma vez que os estudos desta área
visam uma maior compreensão das relações humanas e oferece intervenções que facilitam o
processo de comunicação entre os profissionais da saúde e o paciente.
Considerando esta necessidade de trabalhar a relação do(a) enfermeiro(a) com o
paciente no contexto da humanização, justifica-se a relevância social e cientifica desta
pesquisa nos hospitais gerais da cidade da Grande Florianópolis, a fim de realizar um
mapeamento desta relação, e em seguida contribuir com os estudos desta área frente as
possíveis atuações do psicólogo, por considerar o fato de que tal processo está no início de
sua construção.
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1.2 Problemática
A dinâmica da relação entre pacientes e profissionais da saúde fundamenta-se na
herança de um modelo que atribui ao adoecer a influência apenas dos aspectos
neurofisiológicos e bioquímicos do sistema nervoso. Este modelo chamado biomédico e
tecnicista embasou a medicina desde o século XVII, apresentando uma compreensão do
sofrimento humano a partir de sua estrutura orgânica, logo, a atitude do médico frente à
pessoa enferma priorizava a indicação de tratamento farmacológico, sem considerar a
interferência dos fatores que envolvem as vivências históricas do paciente.
Conforme Foucalt (1979), a partir deste século, a Europa experienciou situações
hospitalares marcantes, principalmente nas áreas marítima, onde as doenças epidêmicas
eram abstraídas pelos constantes desembarques. Essas doenças se alastraram pela sociedade
gerando desordem econômica e social, uma vez que as ruas encontravam-se abarrotadas de
doentes e miseráveis.
De acordo com Foucalt (1978), o contexto hospitalar surge em virtude desta crise
econômica e social que assolava a Europa, a fim de institucionalizar em hospitais gerais os
pobres, prostitutas, loucos e miseráveis que se encontravam nas ruas. Neste contexto a
relação entre a instituição e os pacientes estava pautada nas atividades de exclusão,
punição, assistencialismo e isolamento para retirar os miseráveis das ruas. Verifica-se que o
processo de hospitalização não visava à cura do paciente, mas contemplava como foco o
impedimento da desordem econômica e social através do controle das epidemias, para
assim, “livrar” a sociedade da pobreza social.
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Neste sentido, Foucalt (1979), deduz que a entrada da medicina no contexto
hospitalar, num primeiro momento buscou a anulação dos efeitos negativos frente à
desordem, e não uma ação positiva frente o doente e a doença. Aqui, ainda não há uma
preocupação com o doente em si e nem com a sua doença.
Esta preocupação com o paciente inicia-se no hospital militar, uma vez que no final
do século XVII, com o surgimento do fuzil,
o exército torna-se muito mais técnico, sutil e custoso. Para se aprender a
manejar um fuzil será preciso exercício, manobra, adestramento. É assim que o
preço de um soldado ultrapassará o preço de uma simples mão-de-obra e o custo
do exército tornar-se-á um importante capítulo orçamentário de todos os países.
Quando se formou um soldado não se pode deixá-lo morre (Foucalt, 1979,
p.104).
Inicia-se então, uma reorganização no hospital. A relação médico-paciente surge
fundamentada na disciplina dos soldados por apresentar como características o controle e a
vigilância permanente dos militares. Desta forma, explora-se ao máximo a utilidade do
trabalho dos homens, e evita-se que os mesmos finjam ainda estar doentes após sua
recuperação.
Segundo Foucalt (1979), o hospital no século XVIII começa a ser concebido como
um instrumento de cura através do controle e da manipulação das condições ambientais,
sendo a arquitetura do hospital um fator importante para alcançar tal objetivo. A construção
do ambiente hospitalar e sua organização apresentam-se pautadas no modelo biomédico,
caracterizando-se pelo controle do contágio, pela disciplina da conduta das pessoas e o bom
funcionamento orgânico. A prática do profissional da saúde promovia ações que
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reforçavam a separação mente e corpo ao focalizar a atenção no biológico, no controle e na
disciplina.
A aproximação do médico em relação ao paciente pautava-se na observação e
previsão da evolução da sua doença, visto que sua formação acadêmica era assegurada pela
compreensão de textos que envolvem o aspecto biológico e transmissão de receitas de
medicamentos.
Através dos estudos de um médico neurologista, Sigmund Freud, a medicina
resgatou a condição humana frente ao corpo considerado máquina. “Ao descobrir o
inconsciente e seu respectivo método de estudo – a psicanálise – Freud demonstrou a
importância de conhecer a biografia do indivíduo para a compreensão mais ampla da
pessoa na saúde e nas doenças”(Riechelmann, 2002, p.177).
Assim, no início do século XX, profissionais da saúde clamam por uma nova visão
de paciente e doença. Aparece então, a medicina psicossomática, que, de acordo com
Chiattone apud Camon (2002), é formada inicialmente por psicanalistas que se dedicaram
objetivamente ao estudo do fenômeno adoecer somático, a partir da interação entre as
dimensões mental e corporal, considerando os aspectos objetivos e subjetivos da pessoa
através das constatações das influências psíquicas nas doenças.
Surge a possibilidade da atuação psicológica frente à medicina, a fim de
desenvolver novos saberes e explicar a relação mente e corpo. Entretanto, ainda se
apresentava como foco as alterações do corpo, da enfermidade em si, na busca pelas causas
dos padecimentos.
Todavia, na segunda metade deste século, a medicina promoveu mudanças na sua
compreensão perante a dialética saúde/doença. A ampliação do conceito de saúde começa a
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surgir através dos princípios que norteiam a Organização Mundial da Saúde, onde saúde é o
total bem-estar biopsicossocial do homem e não somente a ausência da doença.
Neste sentido, segundo Vasconcellos (2002), esta reformulação na construção do
saber em relação ao conceito de saúde implica na constituição de uma nova medicina
chamada “holística”, que se sustenta na aceitação da influência dos fatores biológicos,
emocionais, sociais, espirituais e ecológicos, porém valorizando a interferência do aspecto
emocional dos indivíduos perante a sua doença.
Considerando Vasconcellos (2002), diante de algumas discursões entre médicos e
psicólogos, no XII Congresso Brasileiro de Medicina Psicossomática, identificou-se que o
aspecto espiritualidade é um tema bastante polêmico por não se encontrar sustentado no
paradigma psicossomático. Percebeu-se que esta última, encontrava-se em transformações
na construção de sua trajetória, uma vez que as crenças espirituais e a habitação ecológica
de um indivíduo articulam-se com a evolução da saúde e/ou enfermidade.
Em decorrência das alterações gradativas nas atuações e construções de novos
saberes que envolvem o contexto hospitalar frente à medicina e à psicologia, surgem,
conforme Vasconcellos (2002), medicinas psicossomáticas com roupagens inovadoras da
pós-modernidade, entre elas a “Psiconeuroimunologia”, que se embasa nos conceitos da
medicina holística, porém, constatando a necessidade da articulação entre as ciências, com
o propósito de alcançar a saúde global do indivíduo através da viabilização da prática da
transdisciplinariedade, anunciando um exercício idealizado pela possibilidade futura de
uma integração entre as áreas.
A constatação da necessidade deste exercício dentro do contexto hospitalar acontece
perante a percepção de que a doença envolve significados mais abrangentes que a própria
dor física. É perceptível a angústia e as ansiedades que permeiam os pacientes perante a
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adaptação e as preocupações que circundam o processo de hospitalização. Apesar dos
pacientes terem consciência de que o objetivo do hospital é promover saúde e resgatar a
vida, sabe-se que na prática o hospital simboliza dor, inutilidade, sofrimento,
distanciamento da realidade e morte. Assim, percebe-se que na sociedade ocidental não há
um preparo adequado para o adoecer e as enfermidades em geral, visto que as
características mais valorizadas atualmente são exatamente o oposto, onde saúde representa
beleza, produtividade e dinheiro.
Percebeu-se, então, que o adoecer implica no rompimento das defesas pessoais,
ameaçando o equilíbrio psicológico do paciente ao provocar um choque emocional diante
do abandono das atividades cotidianas, do afastamento das suas relações sociais, da sua
permanência no leito, da falta de informação diante de sua enfermidade, das falhas na
comunicação entre equipe e paciente, da sua dependência perante os cuidados e proteção
dos familiares e profissionais da saúde.
Estes últimos por sua vez, que também são compostos por pessoas, constroem a
partir das experiências do seu cotidiano significados referentes à vida e à morte. De acordo
com Sebastiani (1995), o profissional da saúde é submetido, diante de seu exercício
profissional, a sentimentos ambivalentes de onipotência, por possibilitar o resgate da saúde,
da vida, e impotência, por vivenciar momentos em que a doença e a morte apresentam-se
vitoriosas diante dos procedimentos e técnicas aprendidas.
Para suportar as angústias geradas por essa ambivalência, a saída encontrada, muitas
vezes, refere-se ao uso do racionalismo e do não envolvimento. O estresse, provocado pela
convivência com os temas vida e morte, promove o exercício exagerado de suas defesas a
ponto de alienarem-se de si, de seus próprios sentimentos.
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Esta maneira encontrada para melhor administrar suas angústias e ansiedades,
provocou e ainda provoca o distanciamento da equipe da saúde em relação ao paciente.
Surge, então, no século XX uma preocupação com o processo de humanização no contexto
hospitalar.
Segundo Mezomo (s/a), em decorrência desta preocupação, os profissionais da
saúde estabelecem propostas que buscam auxiliar neste processo de qualificação dos
serviços hospitalares, para melhor atender as necessidades do paciente. A prática da
humanização inicia-se através da administração do hospital, da integração de projetos
sociais e vivenciais, da arquitetura hospitalar, entre outros.
Logo, o início do processo de humanização no hospital já está acontecendo.
Atualmente as atenções estão voltadas para os aspectos físicos e o atendimento baseado nas
regras de um atendimento qualificado e eficiente. Contudo, este processo encontra-se no
início de uma longa caminhada, uma vez que a relação entre o profissional da saúde e o
paciente apresenta-se prejudicada em virtude da falta de suporte da equipe para enfrentar as
experiências pessoais que são produzidas em seu ambiente de trabalho por envolver a
dinâmica do viver e morrer.
Neste sentido, os(as) enfermeiros(as) são profissionais da saúde que se encontram
vulneráveis a estas interferências no relacionamento com o paciente, visto que o seu
exercício profissional permite um contato diário com o mesmo, controlando o tratamento
medicamentoso e conduzindo todos os procedimentos que podem lhe causar dor e
sofrimento. Esta intervenção diária do(a) enfermeiro(a) pode dificultar o processo de
humanização no hospital por aproximá-los das ansiedades e angústias, da dor e da morte do
paciente, tornando-o mais vulnerável psicologicamente.
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Desta forma, pergunta-se como a psicologia pode contribuir para viabilizar a
humanização no hospital considerando a relação entre o(a) enfermeiro(a) e o
paciente?
15
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo Geral:
Verificar a percepção do(a) enfermeiro(a) sobre o processo de humanização na sua relação
com o paciente.
1.3.2 Objetivos Específicos:
- Descrever o conceito que o (a) enfermeiro (a) tem sobre o processo de humanização
hospitalar na sua relação com o paciente;
- Localizar as dificuldades que interferem no processo de humanização na relação do
enfermeiro(a) com o paciente.
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1.4 Hipóteses
- O conceito que o (a) enfermeiro (a) tem sobre o processo de humanização na sua relação
com o paciente está sustentado em recursos operacionais que produzem um distanciamento
afetivo do mesmo enquanto ser humano.
- O contato constante do (a) enfermeiro (a) com o adoecer e a morte dificulta a construção
de uma relação humanizada com o paciente.
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2 PROCEDIMENTOS
2.1 Caracterização da Pesquisa
A caracterização desta pesquisa é de natureza qualitativa pelo fato deste trabalho buscar
uma descrição do fenômeno estudado através de uma compreensão dos aspectos que
envolvem a subjetividade dos enfermeiros frente o processo de humanização no hospital na
sua relação com o paciente.
Diante desta caracterização, “o pesquisador deve conscientizar-se de que os resultados
são frutos da forma como foram coletados, analisados e interpretados os dados e
reconhecer-se mergulhado nos objetos de estudo e numa subjetividade, embora
racionalizada e controlada” (Rauen, 2002, p.189). Neste sentido, conforme Chizzotti
(1998), a pesquisa qualitativa parte do princípio que existe uma relação de dependência
entre o mundo e o sujeito, em que o sujeito-observador é um integrante ativo do processo
de conhecimento, dando significado aos fenômenos interpretados.
O delineamento
desta
pesquisa refere-se ao levantamento de
informações
indispensáveis diante do fenômeno a ser pesquisado, buscando uma “descrição profunda de
processos, sentidos e conhecimentos” (Rauen, 2002, p.192), a fim de compreender as
situações e as interações que contextualizam a realidade a ser estudada diante dos objetivos
18
desta pesquisa. Desta forma, caracteriza-se pela interrogação direta dos participantes
envolvidos, cujo comportamento e percepção diante do processo de humanização desejamse conhecer, além do levantamento bibliográfico, que “consiste na identificação,
localização e compilação das fontes escritas” (Rauen, 2002, p.65), através da consulta de
livros, periódicos e trabalhos científicos da área, entre outros materiais úteis para o
aprofundamento de conhecimentos e uma melhor compreensão dos fatos que serão
observados e estudados.
Para a realização de tal, a pesquisa se caracteriza pelo método exploratório, que
segundo Mazzotti (1998), permite oferecer subsídios ao pesquisador através de sua inserção
no campo, para que o mesmo colete dados e informações necessárias a fim de identificar as
questões que se pretende pesquisar.
2.2 População
A população em pesquisa “designa a totalidade de indivíduos que possuem, pelo
menos, uma característica comum definida para investigação” (Rauen, 2002, p.120). Neste
caso, a população-alvo da pesquisa são enfermeiros(as) acima de 24 (vinte e quatro) anos,
sem restrição ao sexo, com formação acadêmica nas universidades da Grande
Florianópolis. Os(as) enfermeiros(as) apresentam uma duração mínima de 3 (três) anos de
experiência no ambiente hospitalar da cidade da Grande Florianópolis, em Santa Catarina,
não apresentando a necessidade de realizarem seu trabalho na mesma instituição.
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A escolha dos participantes da pesquisa justifica-se pelo fato de que o(a) enfermeiro(a),
geralmente atua como chefe das alas do hospital, apresentando-se como “exemplo” diante
dos procedimentos a serem adotados pela equipe técnica de enfermagem, bem como a
forma de atuação frente o processo de humanização na relação com o paciente.
O tempo mínimo de experiência foi definido em virtude da rotina vivenciada pelo(a)
enfermeiro(a), possibilitando uma maior compreensão e atuação do participante diante da
sua interação com o paciente, evitando, desta forma, a influência da inexperiência
profissional, bem como as expectativas frente ao novo ocasionadas pela atuação no início
de carreira.
2.3 Amostra
Em decorrência da grandeza dos dados a serem coletados e analisados, além da
dificuldade de encontrar um aglutinador de todos os indivíduos que caracterizam a
pesquisa, torna-se impossível obter informações de toda população-alvo que se pretende
estudar. Desta maneira, foi utilizada a amostragem como método de escolha dos 08 (oito)
participantes.
De acordo com Barros e Lehfeld, “cada unidade ou membro do universo é denominado
elemento. Um conjunto de elementos representativos desse universo ou população compõe
a amostra. Portanto, a amostra é um subconjunto representativo do conjunto da população”
(Barros e Lehfeld, 2000, p.86). Neste sentido, “a amostragem é uma parte essencial do
procedimento científico” (Barros e Lehfeld, 2003, p.57).
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A amostra é probabilística casual estratificada uma vez que nesta “amostra a população
é cadastrada e dividida, formando os estratos” (Barros e Lehfeld, 2003,p.59). A
constituição destes estratos foi determinada pelos critérios já explicitados no tipo de
população, como: enfermeiros (as), com idade mínima de 24 anos, com formação
acadêmica em Florianópolis, etc.
2.4 Técnica de Coleta de Dados
Foi utilizado como técnica de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Esta
possibilitou a obtenção de informações através de um relacionamento entre o pesquisador e
o participante, abordando os temas previamente estabelecidos pelo pesquisador, com o
intuito de alcançar os objetivos da pesquisa. Entretanto, foi permitida ao entrevistado a
liberdade de expressar suas percepções sem as limitações de perguntas estruturadas por
meio de um roteiro pré-estabelecido.
Durante a entrevista semi-estruturada, conforme Barros e Lehfeld (2003), o entrevistado
foi estimulado a falar livremente a respeito do tema proposto pelo entrevistador. A conversa
conduziu-se à análise dos aspectos relevantes para a pesquisa, porém sem a imposição do
entrevistador. “Esta técnica tem a capacidade de facilitar o afloramento de dados corrigidos
de afetividade e emoção” (Barros e Lehfeld, 2003, p.82).
A escolha dos 08 (oito) participantes se deu a partir da rede de relações sociais do
pesquisador, onde foram considerados todos os critérios já estabelecidos pelo tipo de
população.
Previamente foi agendado com cada participante o dia e a hora disponível para a
realização da entrevista. Aconteceu apenas um encontro com cada participante a fim de
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obter as informações necessárias. O local da pesquisa foi na casa do (a) próprio (a)
enfermeiro (a) ou no seu local de trabalho.
O registro das informações obtidas por meio das entrevistas se deu, primeiramente,
através da gravação em fitas cassetes, e posteriormente foram transcritas manualmente a
fim de realizar a análise de dados.
Para tal realização, anteriormente, o participante foi informado a respeito de todos os
procedimentos, bem como foi explicado de forma clara e objetiva todas as questões
pertinentes à pesquisa. Após o esclarecimento das orientações e dos reais objetivos da
pesquisa, o entrevistado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que
servirá como declaração diante da garantia do pesquisador frente ao participante em relação
ao sigilo dos dados fornecidos ao seu respeito, do esclarecimento sobre a possibilidade de
desistência a qualquer momento por parte do entrevistado, sem prejuízo algum ao mesmo,
além da permissão do participante diante da gravação da entrevista.
2.5 Análise de Dados
A análise qualitativa refere-se ao estudo das informações obtidas através da
comunicação verbal com o entrevistado.
Conforme Barros e Lehfeld (2003), a análise foi composta pelas seguintes etapas:
organização e descrição dos dados; redução dos dados; interpretação através de categorias
teóricas de análise e por fim, a análise de conteúdos.
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De acordo com Rauen (2002), após a organização e descrição das informações, foi
realizado um recorte dos conteúdos apresentados (redução dos dados), sendo esta uma
“tarefa de segmentar os dados em elementos que poderão ser submetidos à categorização.
Cada elemento denomina-se unidade de análise, de classificação ou de registro” (Rauen,
2002, p.197).
Para a realização de tal, os conteúdos foram recortados passo a passo a fim de
permitir a construção de categorias. Desta forma, não foi apresentado uma estruturação a
priori das categorias com o intuito de possibilitar um remanejamento constante diante do
processo de análise.
Este recorte dos dados refere-se ao processo de classificação. Esta se define “como
uma maneira de distribuir e selecionar os dados obtidos, na fase de coleta, reunindo-os em
classes ou grupos, de acordo com os objetivos e interesses da pesquisa” (Barros e Lehfeld,
2003, p.89), a fim de possibilitar a construção dos conjuntos de categorias.
O processo de análise dos conteúdos envolveu a “codificação simultânea de dados
brutos e a construção de categorias que capturam características pertinentes do conteúdo do
documento” (Rauen, 2002, p.199).
Esta análise enfatizou a relação existente entre as informações obtidas e o fenômeno
pesquisado, permitindo comparações pertinentes á pesquisa, bem como a validação ou não
das hipóteses e a verificação da relevância e significações que envolvem os objetivos desta
pesquisa.
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A apresentação e análise dos dados foram elaboradas através de um paralelo entre o
discurso dos sujeitos da pesquisa e as considerações de autores diversos através da
percepção da pesquisadora. O desenvolvimento da análise apresenta-se em dois capítulos
correspondentes a cada hipótese e objetivo específico, sendo eles: “Conceito de
Humanização” e “Interferências do Processo de Humanização”.
Os entrevistados desta pesquisa foram 8 enfermeiros(as), com experiência hospitalar
na cidade da Grande Florianópolis. Eles apresentam os seguintes perfis:
ENTREVISTADO IDADE
SEXO
EXPERIÊNCIA
CARÁTER
HOSPITALAR
INSTITUIÇÃO
SETOR
A.
53 anos
Feminino
25 anos
Público
Neurologia
B.
50 anos
Feminino
26 anos
Público
Psiquiatria
C.
43 anos Masculino
20 anos
Público
U.T.I.
D.
35 anos
Feminino
10 anos
Público
Enfermaria
E.
53 anos
Feminino
27 anos
Público
U.T.I.
F.
34 anos
Feminino
11 anos
Público
U.T.I.
G.
48 anos
Feminino
22 anos
Público
Enfermaria
H.
51 anos
Feminino
27 anos
Público
Enfermaria
Considerando a tabela acima, percebe-se que as idades dos entrevistados permeiam
entre 34 e 53 anos, sendo 50% deles com idade igual ou superior a 50 anos. Dentre eles, 07
são enfermeiras e apenas um dos entrevistados é do sexo masculino. Com relação à
experiência hospitalar, os enfermeiros oscilam entre 10 e 27 anos, sendo que 75% deles têm
24
experiência igual ou superior a 20 anos. Vale ressaltar que todos os entrevistados atuam em
hospitais públicos, porém em setores diversos, onde 03 deles trabalham na U.T.I. (Unidade
de Terapia Intensiva), outros 03 em enfermarias, e apenas um no setor de neurologia e
outro na psiquiatria. É importante considerar os diferentes perfis dos entrevistados a fim de
tornar perceptíveis os possíveis vieses que estes podem gerar na diversidade das respostas
e, por conseguinte, na análise dos dados.
25
3.1 CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO
O processo de humanização hospitalar na relação enfermeiro-paciente se faz
presente através do cuidado. Segundo Leininger apud Waldow (2001), o ato de cuidar
refere-se a uma postura que contempla a aceitação, autenticidade, consideração, proteção,
responsabilidade, preocupação, valorização, respeito, expressão de pensamentos e
sentimentos, entre outras formas de realizar o cuidado.
O cuidar compreende “comportamentos e ações que envolvem conhecimentos,
valores, habilidades e atitudes, empreendidas no sentido de favorecer as potencialidades das
pessoas para manter ou melhorar a condição humana no processo de viver e
morrer”(Waldow, 2001, p. 127).
Logo, o cuidado sofre a influência da educação histórica da enfermagem pelo fato
de representar o pilar que fornece o sustento ao exercício profissional do cuidado humano
através do currículo da formação acadêmica.
3.1.1 Histórico da Formação Acadêmica
A enfermagem, tradicionalmente, é definida através das dimensões que envolvem a
assistência, o cuidado, a educação, a administração e a pesquisa. É classificada pela área
prática, relacionada à assistência e ao cuidado, e pela área instrumental, que se refere às
questões teóricas e tecnológicas.
Diante deste prisma, a enfermagem constituiu-se através de raízes pautadas em
ações que, ao longo de sua caminhada, procurou aliar a prática à reflexão, gerando os
sistemas formais de ensino, que atualmente aportam para diversas transformações (Saupe,
26
1998). Para melhor compreender a construção desses sistemas de ensino que envolve a
formação acadêmica, será necessário conhecer as origens da enfermagem enquanto
profissão.
Considerando as sociedades primitivas, quando os doentes eram associados às ações
demoníacas, a enfermagem e a religião estabeleceram vínculos que perpetuam até a
atualidade através das dificuldades e facilidades que envolvem a atuação desta profissão.
Na seqüência da história, outras áreas da saúde fortaleceram-se através das descobertas
científicas, já a enfermagem, por um longo período, sustentou-se apenas em aspectos que
permeiam a arte e a religiosidade, provocando dependência e submissão frente às outras
profissões. Este período histórico mundial da enfermagem é considerado como préprofissional, que vai até o ano de 1860 (Saupe, 1998).
Atualmente, a associação da religião com a enfermagem pode ser representada pelo
discurso de 06 entrevistados, que de alguma forma resgatam a religiosidade no ato de
cuidar, ou criticam esta união.
As irmãs de caridade que faziam assistência, faziam o papel do enfermeiro...tinham
crenças e atitudes que já eram passadas... (Entrevistado B).
Tem o limite da vida, tem coisas que realmente tu não vai conseguir...depende do
poderoso lá de cima, e a gente ta aqui pra ser usado como instrumento (Entrevistado D).
Eu vejo que hoje em dia, até quando o paciente ta morrendo, eu consigo ficar no
lado dele orando, tem momentos que eu consigo fazer isso (Entrevistado E).
Segundo Saupe (1998), a data de registro de profissionalização da enfermagem é 09
de julho de 1860, através da criação da primeira escola da enfermagem em Londres,
dissociada de qualquer restrição a grupo religioso. O modelo de ensino implantado
difundiu-se com sucesso, marcado por rígidos e claros princípios relacionados aos valores
27
sociais da época, onde a direção da escola era realizada por enfermeira, com rigorosa
seleção de candidatos e ensino metódico com a união da teoria com a prática.
De acordo com Saupe (1998), a compreensão da história da enfermagem brasileira
torna-se possível diante desta retrospectiva mundial. Sendo assim, no Brasil, a enfermagem
doméstica e religiosa é marcada pelo desenvolvimento das Santas Casas, com primeira
fundação em Santos, no ano de 1543. Até no final do século XVIII, as Santas Casas
constituíam os maiores hospitais gerais do cenário brasileiro.
Em 1901, criou-se a Escola de Enfermeiras do Hospital Samaritano, e em 1922
implantou-se a Escola de Enfermagem Ana Néri, com enfoque na atenção dos problemas de
saúde pública. O currículo deste curso envolvia noções práticas de clínica, noções gerais de
fisiologia, anatomia e higiene hospitalar, curativos, pequenas cirurgias, cuidados especiais e
questões que permeiam a administração interna (Saupe,1998).
Ao longo do processo evolutivo da enfermagem como profissão no Brasil, surgiram
novas propostas de modelos curriculares com o propósito de solucionar os problemas que
emergiram no modelo anterior. Para Saupe (1998), foi assim que a enfermagem enquanto
profissão encontrou uma forma de conhecer caminhos para conciliar a prática e a teoria,
que representam à união da ação e da reflexão na enfermagem do Brasil.
No que se refere à evolução do currículo acadêmico de enfermagem nesta época,
conforme Saupe (1998), prevaleceu-se o enfoque generalista e comunitário, que envolve
adaptação das políticas de saúde emergentes e a privatização dos serviços de saúde,
valorizando, desta forma, uma antecipada especialização e domínio de tecnologia, nem
sempre adequadas a realidade apresentada.
Na década de 70/80, existia uma faculdade aqui em Santa Catarina, havia uma
formação bastante prática... a experiência que eu tive na formação foi muito negativa...não
28
existia uma formação para atuar na saúde mental. A formação era generalista
(Entrevistado B).
Essa formação com enfoque generalista perpetua até a atualidade nas diretrizes
curriculares, sendo este um dos objetivos de cursos de Enfermagem da Grande
Florianópolis.
Segundo Saupe (1998), em 1923 começou a funcionar a Escola de Enfermeiras do
Departamento Nacional de Saúde Pública. Em 1926 foi denominada Escola Ana Néri, que
atualmente é a Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O
currículo era composto por 16 disciplinas, sendo algumas delas: princípios e métodos da
arte de enfermeira, anatomia e fisiologia, administração hospitalar, terapêutica,
farmacologia e matéria médica, patologia elementar, cozinha e nutrição, problemas sociais
e profissionais, entre outras. Neste curso de ensino superior, a formação do enfermeiro
utilizou-se de um método de ensino pautado na vivência de situações reais ao invés dos
artifícios da sala de aula.
Conforme Saupe (1998), no ano de 1949, ocorreu a grande reforma do ensino da
enfermagem. “A lei uniformiza o ensino de enfermagem e o decreto estabelece o currículo
para a formação do enfermeiro”(Saupe, 1998, p.39).
De acordo com o Ministério da Saúde -1974, segundo Saupe (1998), a organização
da formação acadêmica compreendia três séries, onde a primeira abordava as seguintes
disciplinas: técnica de enfermagem, economia hospitalar, drogas e soluções, higiene
individual, anatomia e fisiologia, química biológica, psicologia, entre outras disciplinas
pautadas no aspecto biológico e técnico. A segunda trabalhava disciplinas que envolviam
doenças transmissíveis, dermatologia, psiquiatria, fisioterapia, ortopedia, urologia e
29
ginecologia, sociologia e ética. E a terceira enfatizava a oftalmologia, otorrinolaringologia,
clínica obstétrica, pediatria, saúde pública, ética e serviço social.
No decorrer da história houve outras mudanças curriculares a partir de Reformas
Universitárias da enfermagem, envolvendo questões relacionadas à carga horária e ao
enfoque dado ao currículo por perceberem, segundo Oliveira apud Saupe (1998, p.41), que
este não permitia grande adequação dos cursos às necessidades apresentadas pela realidade
brasileira ao considerar o perfil demográfico e epidemiológico, a situação da saúde no país,
as transformações da profissão e as demandas do mercado de trabalho.
Em 1994, a Associação Brasileira de Enfermagem Nacional (ABEn Nacional)
propõe um currículo mínimo para a graduação dos enfermeiros no Brasil e o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) aprova com alguns ajustes. Logo, a implantação deste currículo
apresentou a seguinte carga horária: 35% para as disciplinas de Assistência de
Enfermagem, 25% para os Fundamentos de Enfermagem, 25% para as Bases Biológicas e
Sociais da Enfermagem (incluindo as disciplinas Antropologia, Sociologia e Psicologia
aplicada à saúde) e 15% para a Administração em Enfermagem (Saupe, 1998).
Ao perceber os percentuais da carga horária em relação aos conteúdos estudados na
formação, observa-se que ainda hoje as horas são mais destinadas à parte biológica do que a
parte humana, até porque a função do enfermeiro enfoca o domínio de técnicas voltadas
para o resgate da saúde física. Todos os enfermeiros entrevistados confirmaram esta
atuação técnica durante a formação.
...não é uma crítica, mas o enfermeiro sempre foi formado mais para o lado técnico
(Entrevistado C).
Já estabelecido o exercício da autonomia universitária, no ano de 1998, produziu-se
um documento apresentando as diretrizes curriculares com bases em competências e
30
habilidades que compõem o perfil do enfermeiro, além dos conteúdos e avaliações
considerados essenciais para a formação do profissional (ABEn, apud Saupe, 1998).
No que se refere às características do perfil destacam-se a formação do “enfermeiro
generalista, crítico e reflexivo, com competência técnico-científica, ético-política, social e
educativa”(ABEn, apud Saupe,1998).
As competências e habilidades permeiam as áreas de assistência, educação,
informação, prevenção, investigação e gerenciamento dos aspectos que envolvem a saúde
(ABEn, apud Saupe, 1998).
As temáticas abordadas através dos conteúdos envolvem as bases biológicas e
sociais da enfermagem, fundamentos da enfermagem, assistência, administração e ensino
de enfermagem (ABEn, apud Saupe, 1998).
Percebe-se nos discursos dos entrevistados desta pesquisa que a humanização no
contexto hospitalar correlaciona-se com este histórico da formação acadêmica dos
profissionais da enfermagem. Ao considerar as diretrizes curriculares que promovem a
formação dos enfermeiros, observa-se que mais de 75% da carga horária é investida em
aspectos que envolvem a técnica, o corpo, a biologia. Este fato é confirmado nos discursos
dos enfermeiros quando todos os 08 entrevistados descaracterizam a formação como sendo
a principal e única responsável pelo ato de humanizar.
Eu acho ainda que tem a questão da educação. Não dá pra escola te transformar
em humano se tu não acredita naquilo (Entrevistado C).
E isso dependia muito da parte que o aluno gostava. Tinha colegas que gostava da
técnica e não gostava de trabalhar com a parte humanística, e aí se envolvia muito pouco
nessas questões (Entrevistado F).
31
Logo, os discursos dos 08 entrevistados caracterizaram como foco da formação
acadêmica do enfermeiro a técnica em si, ou seja, todos, em algum momento, associaram a
formação da enfermagem com o conhecimento e aplicação de técnicas. Assim, diante das
correlações entre formação e humanização, os entrevistados transmitiram sua opinião frente
à formação antiga e atual.
Formação Antiga
Dentre os 08 entrevistados, 04 deles afirmaram que antigamente existia uma
preocupação da academia frente à relação do enfermeiro com a humanização, mesmo
diante da técnica, entretanto, esta preocupação focava o respeito pela individualidade do
paciente.
Eu acho que antigamente existia essa aproximação maior, esse cuidado maior pelo
ser humano, essa relação, essa interação (Entrevistado E).
Na época eles falavam bastante em respeitar a privacidade do paciente, e não tinha
muito essa coisa de grupo, de atendimento, de família. Era falado muito a questão da
individualidade, era para respeitar a individualidade e necessidades do paciente
(Entrevistado D)
Um dos entrevistados acredita que a formação antigamente, nos anos 70, se
preocupava em prestar cuidados ao paciente de maneira mais técnica, sem muito toque ou
qualquer outra atitude que demonstrasse vínculo afetivo por parte do enfermeiro.
A enfermagem na época que eu me formei era um modelo que não se tocava...de
jeito nenhum podia dar algo ao paciente a impressão de que queria um vínculo afetivo
(Entrevistado G)
32
Outro entrevistado falou que antes a formação era pautada na prática, sem muitos
conhecimentos teóricos, dificultando, desta forma, um cuidado mais humanizado por ter
uma prática sem conhecimentos teóricos e tecnológicos.
Quando eu fiz a faculdade o meu curso era bastante tradicional e era extremamente
prático, e hoje tem uma tendência a dar mais substratos teóricos... O cuidado da
enfermagem era sem conhecimento. Eu vi horrores lá dentro... (Entrevistado B).
Formação Atual
Agora, considerando a atualidade, 02 entrevistados acreditam que a formação
acadêmica hoje focaliza apenas a técnica, sendo que a inter-relação humana com o paciente
encontra-se esquecida diante de tanta tecnologia.
Hoje com a formação mais técnica, as estagiárias vêm com o nariz empinado... Não
se preocupam com o paciente como seres humanos (Entrevistado A).
Acaba se focando muito a técnica, os sinais digitais, curativo, banho... e acaba se
deixando de lado essa questão de informação, de interação, de conversa...(Entrevistado D).
Relembrando as diretrizes curriculares, de fato as disciplinas que envolvem o
aspecto humano da relação, representam bem menos de 25% da carga horária, e isto vai de
encontro com a percepção dos entrevistados acima.
Entretanto, 05 entrevistados abordaram a formação atual de maneira a unir a
tecnologia à humanização. Eles acreditam que a formação tem se preocupado com o
aspecto da humanização, porém, a tecnologia e outros fatores, ao longo da história,
33
realmente têm produzido um afastamento do ser na sua relação com o paciente no que se
refere ao cuidado humanizado.
A tecnologia hoje em dia está muito avançada,... isso tudo eu acredito que tenha
afastado a enfermagem do paciente... o que deveria ser ao contrário, porque essa
tecnologia ela veio para ajudar, e no sentido também de aproximar... (Entrevistado E).
A universidade nos dá a base do conhecimento, mas também faz internalizar a
busca desses conhecimentos e que vai em busca de se aperfeiçoar... é o profissional que
sabe o que está fazendo e como pode aquilo ser aplicado para benefício do paciente...
(Entrevistado B).
Ainda, no que se refere à parte técnica da formação, o entrevistado F concorda com
o foco tecnicista, porém acredita que a abordagem mais humana dependia muito do
professor e da escolha do aluno diante da postura deste professor. Essa percepção não
contradiz as demais, uma vez que o entrevistado pressupõe que a humanização era
transmitida na formação, porém de maneira não curricular por depender da pessoa que
ensinava o conteúdo proposto.
Na minha formação tinha muito a técnica, e dependia muito do professor, uns
passavam só a técnica e outros só a parte psicossocial, humanística (Entrevistado F).
Nesta relação da formação acadêmica da enfermagem com o processo de
humanização, a maioria dos entrevistados colocou que essa preocupação de hoje com o
cuidado mais humanizado refere-se a um resgate da técnica com o aspecto humano, que se
perdeu ao longo da história com a preocupação focalizada na parte biológica e tecnicista.
...de alguns anos pra cá fala-se muito na humanização da assistência, mesmo
porque como isso estava muito fragilizado, então agora está se tentando resgatar isso da
34
enfermagem, mas eu vejo que ainda ta muito deficiente, eu acho que ainda está muito
distante (Entrevistado E).
Mas com o tempo houve a necessidade de fazer técnica, e isso acabou tirando um
pouco do humano, e está voltando essas duas fases: técnico e humano (Entrevistado F).
Mesmo diante das influências do histórico das diretrizes curriculares do curso
superior da Enfermagem, todos os entrevistados pontuaram que existem outros fatores que
envolvem a formação de uma pessoa que de fato produz um cuidado humanizado.
...não foi muito a questão da formação. Eu acho que a universidade,isso até foi
colocado, mas essa coisa da relação, da humanização,...não tinha um grande enfoque
nisso (Entrevistado E).
Essa palavra é muito vaga: humano, tratar com humanidade, só que... como fazer
isso? (Entrevistado D).
Na tentativa de perceber os outros fatores que influenciam no processo de
humanização, e logo, compreender os diversos pensamentos a respeito desta última
pergunta que apareceu no discurso do entrevistado D, as respostas frente o conceito de
humanização na relação do enfermeiro com o paciente serão apresentadas através de alguns
recursos que os próprios entrevistados utilizaram para produzir tal definição. Os recursos
foram categorizados como técnicos ou pessoais.
3.1.2 Recursos Técnicos
Os recursos de ordem técnica referem-se às intervenções apreendidas, em sua
maioria, durante a formação acadêmica, uma vez que a prática desta promove uma ação
objetiva em níveis padronizados, podendo ou não estar acompanhado de aspectos
subjetivos de quem a produz.
35
Orientação e Informação
Dentro da categoria representada pelos recursos técnicos, dos 08 enfermeiros
entrevistados, 05 consideraram essencial na promoção da humanização a orientação e
informação aos pacientes e familiares a respeito dos procedimentos técnicos da
enfermagem. Pode-se perceber este recurso através de alguns discursos:
Humanização no papel do enfermeiro é explicar pro doente tudo o que vou
fazer...todas as vezes que eu expliquei pro doente eu tive colaboração...é importante
explicar para a família porque é a extensão dele,... eu imagino que para a família este
ambiente é desconhecido (Entrevistado C);
Quando
você
explica
pro
paciente
sobre
os
procedimentos,
fornece
informação...você já está humanizando! (sujeito D);
Se você está amarrando o paciente, então você tem que colocar o porquê você
está amarrando, que é para ele não se machucar... (sujeito F);
De acordo com Kawamoto (1986), a orientação ao paciente sobre procedimentos a
serem adotados apresenta o objetivo de minimizar a ansiedade do mesmo, recebendo em
troca sua cooperação ao promover uma relação de maior confiança. Esta associação da
orientação com a cooperação fica bastante visível na fala do entrevistado C. Ele coloca que
toda técnica vem acompanhada de uma orientação a respeito de como realizá-la e da
necessidade de explicar para o paciente o que vai acontecer, visto que esta atitude frente à
técnica gera um auxílio maior do mesmo em relação à aplicação do procedimento.
36
Necessidades Básicas
Além da importância de informar e orientar os pacientes e familiares para a
promoção de um atendimento humanizado, 05 entrevistados consideraram relevante o
atendimento que os enfermeiros devem prestar no que se refere às necessidades dos
pacientes.
Observar as necessidades do paciente, chamar outro profissional da saúde para
atendê-lo (Entrevistado D).
O cuidado humanizado seria atender o paciente naquilo que ele precisa, porque
muitas vezes ele não precisa tanto do remédio... (Entrevistado H).
Conforme Kawamoto (1986), as necessidades básicas do ser humano envolvem os
aspectos psicobiológicos, psicossociais e psicoespirituais. Ele acredita que estes devem ser
atendidos pelos profissionais da saúde de maneira adequada.
As necessidades psicobiológicas apresentadas pelos homens estão interligadas
com o equilíbrio e o bom funcionamento do organismo. Segundo Kawamoto (1986), estas
são indispensáveis para a manutenção da vida, visto que se referem à alimentação, a
excreção, ao exercício, sono e repouso, a oxigenação, a reprodução, a higiene e a habitação.
Já as necessidades psicossociais compreendem a interação e convivência com
outros indivíduos, a liberdade de escolha, a segurança como forma de proteção física,
psíquica e social, o sentimento de amor e respeito à individualidade, auto-estima e
necessidade de aliviar as tensões através do divertimento, do prazer (Kawamoto, 1986).
E as necessidades psicoespirituais, também conforme Kawamoto (1986) referemse às indagações do homem em relação a sua origem, destino e razão de sua existência,
sendo caracterizado, devido esta necessidade, como um ser transcendental.
37
No discurso destes 05 entrevistados que apontaram essencial o atendimento das
necessidades do ser humano para a promoção da humanização na relação enfermeiropaciente, percebeu-se que eles consideraram importantes as três esferas das necessidades,
porém com ênfase nos aspectos que envolvem o emocional. Sobre tal, demonstraram a
necessidade do trabalho interdisciplinar por perceberem suas limitações profissionais, a fim
de obterem o auxílio de outras áreas para realizar um cuidado que envolva as diversas
necessidades do paciente.
Conhecimento Técnico
Para atender de forma adequada as necessidades do paciente, 03
entrevistados consideraram importante o conhecimento técnico, científico e o domínio da
tecnologia por parte dos enfermeiros.
Para o enfermeiro que sabe o que ta fazendo e o porquê ta fazendo, que é o
grande diferencial do enfermeiro...e como pode aquilo ser aplicado para benefício do
paciente...o compromisso com o paciente é muito maior com a formação técnica e ética
(Entrevistado B).
...demonstrar que conhece, aprender a se interessar pela parte técnica, patologia,
tratamento, prognóstico, isso veio da faculdade (Entrevistado H).
Segundo Mezomo (s/a), a prática da enfermagem exige conhecimentos técnicos
profundos capazes de dar a equipe condições de observar o paciente e de lhe prestar um
atendimento integral, físico e psicológico (p.96).
38
Perguntas Abertas
A fim de prestar este atendimento integral e humanizado, 03 entrevistados
apresentaram como um outro recurso técnico a realização de perguntas abertas ao abordar o
paciente.
...eu pergunto: como é que o senhor está? Como o senhor dormiu? Nunca faço
perguntas que dão vazão para ele responder apenas sim ou não (Entrevistado G).
Conforme Silva (1996), a pergunta é uma forma de comunicação verbal utilizada
com freqüência dentro das instituições, porém necessita de atenção para se obter uma
comunicação adequada. Para tal, requer do entrevistador uma atitude de ouvir atentamente
a resposta quando se realiza uma pergunta. Entretanto, para alcançarmos este objetivo é
importante ressaltar o cuidado em fazer uma pergunta que não induza à respostas
afirmativas ou negativas, e saber de fato a opinião da pessoa, estimulando e dando-lhe a
liberdade de expressão. Este recurso da comunicação foi claramente trazido pelo discurso
dos 03 entrevistados devido a uma preocupação em não realizar perguntas fechadas, e
assim oferecer aos pacientes a possibilidade de expressarem seus reais sentimentos e
pensamentos a respeito da questão.
Altura do Paciente
Ainda referente à categoria dos recursos técnicos, 02 enfermeiros entrevistados
apresentaram a importância de se colocarem na altura do paciente durante a comunicação.
Uma coisa é tu tá deitado e ver alguém em pé ali, que poder tem aquele
indivíduo... (Entrevistado C).
....primeiro a gente tem que estar na altura da pessoa com quem a gente conversa.
Então, tu nunca vai me vê fazendo uma visita com uma prancheta em pé (Entrevistado G).
39
De acordo com os entrevistados, a diferença da altura entre enfermeiro e paciente
provoca um afastamento dos seres envolvidos na comunicação. Considerando os conceitos
básicos de comunicação de Stefanelli (1993), esta atitude refere-se a uma manifestação de
comportamento não expressa por palavras, e, portanto, trata-se de uma comunicação não
verbal. Desta forma, o espaço que se mantém entre enfermeiro e paciente influencia e
define o tipo de relacionamento estabelecido entre ambos. É perceptível que alguns
pacientes não toleram um contato mais próximo. Contudo, para prestar-lhes um cuidado
humanizado faz-se necessário uma aproximação corporal, porém, respeitando o limite do
espaço pessoal e territorial do paciente.
Toque
No discurso de 02 entrevistados aparece um outro recurso que envolve a
comunicação não verbal: o toque. Também foi categorizado como técnico visto que a
pessoa pode promover esta ação física por saber da sua importância no cuidado
humanizado, porém com ou sem envolvimento subjetivo.
Você tem que estar explicando o que tu vai fazer, a questão do toque, do respeito
(Entrevistado E).
Tocar na pessoa, no ombro, claro, quando a pessoa se predispõe, e a gente percebe
isso na própria linguagem corporal (Entrevistado F).
De acordo com Stefanelli (1993), o toque pode ser considerado uma das mais
importantes formas de comunicação por apresentar de maneira concreta a transmissão dos
sentimentos de empatia e confiança. O toque pode representar atenção, cuidado, apoio,
calma, entre outras sensações e sentimentos, tanto por parte de quem toca, quanto por parte
40
de quem recebe, uma vez que este modo de comunicação tátil desperta no ser diversos
sentimentos e pensamentos.
Horários de Visita
Ainda com relação à categoria dos recursos técnicos, 02 entrevistados acreditam que
a comunicação do paciente com a família é de extrema importância. Neste caso,
consideram que a flexibilização dos horários de visita promove um cuidado mais
humanizado.
...acho que é permitir também, facilitar um pouquinho o horário de visita, ser um
pouquinho mais flexível, né! (Entrevistado C).
Então, eu costumo deixar a família no horário de visita o tempo que ela achar
necessário (Entrevistado F).
Segundo Mezomo (s/a), as visitas ao paciente devem satisfazer algumas necessidade
e por isso é importante a sua programação. Portanto, é necessário considerar a comodidade
dos visitante e paciente, a organização e a estrutura do hospital. Contudo, o autor também
acredita que o horário de visitas deve ser flexível, considerando os casos especiais, os
parentes que vêm de longe, e a necessidade apresentada pelo paciente, uma vez que o torna
mais integrado ao mundo e as relações afetivas.
Os recursos descritos até o presente momento envolvem conhecimentos e atitudes
técnicas por parte dos enfermeiros frente o processo de humanização na relação com o
paciente. Todavia, a orientação e informação ao paciente e familiar, o atendimento das
necessidades do paciente, o conhecimento científico, a comunicação verbal (pergunta) e
não verbal (toque e proximidade física) e a flexibilização dos horários de visitas são ações
41
que podem ou não se associarem aos aspectos subjetivos da pessoa que age, e dependendo
da forma como são realizadas não promoverão plenamente um cuidado humanizado.
3.1.3 Recursos Pessoais
Os recursos de ordem pessoal apresentam intervenções expressivas, que envolvem
sentimentos e apoio emocional, ou seja, sua prática requer ações acompanhadas de
subjetividade de quem a pratica.
Paciente enquanto Ser Humano
Categorizado como recurso pessoal, 07 entrevistados acreditam que o processo de
humanização constitui-se a partir do momento que o enfermeiro se preocupa com o
paciente como ser humano.
A profissão do enfermeiro para mim é cuidar do ser humano que é o paciente
(Entrevistado A).
Então, a gente tem que olhar para o outro como um ser, independente de como ele
chegou...é olhar para o outro... (Entrevistado C).
A gente nunca pode ver o indivíduo como objeto do cuidado no sentido de só
desenvolver a técnica, o procedimento em si, é um ser humano que ta ali e é isso que eu
costumo fazer quando eu to na relação com o paciente (Entrevistado E).
Eu acho que a relação pessoa a pessoa é uma das coisas que tem que ser usada
(Entrevistado F).
42
Na visão de Buber (1987), o cuidado envolve o aspecto relacional, pessoal e
impessoal. Na relação de pessoa para pessoa, ocorre um processo de reconhecer o outro
como ser humano e com ele se importa. Neste caso, o enfermeiro não percebe o paciente
como um papel de doente, ou de uma patologia, mas como um ser único, e esta visão
proporciona um relacionamento integral entre ambos.
Envolvimento Afetivo
Ao promover esta atitude de reconhecer que o cuidado humanizado é fruto de uma
relação onde um se preocupa com o outro na medida em que o percebe como ser humano,
05 entrevistados considerou essencial para a concretização deste processo o envolvimento
afetivo na relação enfermeiro-paciente.
...pra você dar uma boa assistência você tem que se envolver, essa coisa de dizer
que eu não vou me envolver pra não sofrer..., mas se você não se envolve emocionalmente,
você não consegue ter uma boa qualidade no cuidado (Entrevistado E).
...as pessoas que tem essa capacidade de se envolver afetivamente com o trabalho
são as que melhor conseguem desenvolver esse trabalho dentro da enfermagem...se
envolver afetivamente não quer dizer se enfiar no problema do outro (Entrevistado B).
O envolvimento afetivo é constituído pela mobilização de sentimentos e posturas
comportamentais que possibilitam o relacionamento interpessoal. Sobre tal, pôde-se
perceber que no discurso de 05 entrevistados aparecem questões relacionadas à existência
de sentimentos numa relação humanizada entre enfermeiro e paciente, e suas expressões
corporais.
43
A profissão do enfermeiro pra mim é... de sorrir, brincar, acariciar sinceramente,
não tecnicamente...a humanização vem de dentro, é do campo do sentimento...
(Entrevistado A).
...o sorriso, a empatia, né, porque é importante. A subjetividade ela existe, ela tá
presente (Entrevistado B).
...para mim é normal dar um beijinho na testa do paciente, é um ato de carinho
(Entrevistado G).
Segundo Oliveira (2003), o vínculo compartilhado, afetivo e amoroso estabelecido
entre enfermeiro e paciente promove um encontro entre seres humanos por possibilitar uma
entrega de si mesmo e envolver uma capacidade de expressar sentimentos, emoções e
pensamentos ao permitir a vivência plena do encontro com o paciente. Esta atitude
relacionada ao vínculo afetivo facilita o processo de busca pela integralidade do indivíduo,
visto que a saúde refere-se a um estado de bem-estar do ser humano em seus diversos
aspectos que o compõe.
Presença na Relação
Para a realização deste encontro entre seres humanos, e logo, para promover um
cuidado humanizado, 04 entrevistados consideraram necessário que o enfermeiro esteja
inteiro, presente na relação com o paciente.
...para estar com aquele indivíduo tens que estar com o teu corpo ali e tua mente
ali...e acho que é isso que faz a grande diferença, quem tá inteiro e quem não tá inteiro
(Entrevistado C).
É você ta junto com ele naquele momento, ta presente, não só de corpo
(Entrevistado E).
44
Buber apud Oliveira (2003), acredita que o momento de encontro entre o EU e o TU
só é possível na medida em que o EU se faz presente ao se colocar numa posição de ver e
ouvir o outro, e assim, facilitar a expressão de seus sentimentos e aceitá-los.
Logo, “o cuidado amoroso é um compartilhar entre seres humanos, que lhes permite
ver, aceitar e encontrar o outro como único, singular e semelhante na condição de humano”
(Oliveira, 2003, p.99).
Comunicação e Interação Subjetiva
Ao abordar a importância do momento de encontro entre seres humanos para a
realização de um relacionamento humanizado, 06 entrevistados elucidaram a questão da
comunicação, sendo esta uma atitude categorizada como recurso pessoal frente o processo
de humanização na relação enfermeiro-paciente.
A comunicação acho que é um técnica que tu acaba estabelecendo...converso com
ele sobre a sua família, seu trabalho para incentivar a melhora (Entrevistado D).
...procurar ter uma relação muito próxima, conversar muito,... a gente não usa
outra coisa senão a comunicação verbal e não verbal (Entrevistado E).
A comunicação pode ser considerada um recurso técnico, como foi explicitado
anteriormente, quando se refere ao ato de orientar, explicar procedimentos e fazer perguntas
de rotina hospitalar. Entretanto, quando a comunicação apresenta-se de maneira a interagir
subjetivamente com o paciente será categorizada como um recurso pessoal por exigir uma
maior disponibilidade afetiva do ser que a pratica.
Neste sentido, conforme Stefanelli (1993), a comunicação ocorre num campo
interacional, uma vez que as pessoas compartilham o significado de idéias, pensamentos,
45
entre outras atribuições a seres e coisas que se modificam na medida em que interagem uns
com os outros. Essa interação vivenciada através da comunicação entre enfermeiro e
paciente auxilia no resgate da subjetividade humana de cada ser e ajuda a pessoa a
perceber-se como útil, capaz de solucionar problemas, e assim contribuir e interagir com a
sociedade que está inserida. Esta percepção do outro e de si mesmo auxilia na promoção,
manutenção e recuperação da saúde física, psicológica e social do paciente.
De acordo com Paterson e Zderad apud Oliveira (2003), esta comunicação pode ser
considerada um diálogo genuíno por apresentar uma abertura que promove aceitação mútua
entre as pessoas através de uma escuta atenta e da presença de um ser disponível em termos
de envolvimento emocional.
Conforme Buber apud Oliveira (2003), fazem parte da vida do ser humano os
relacionamentos Eu-Tu e Eu-Isso, uma vez que toda troca entre pessoas envolve essas duas
dimensões. Entretanto, para a realização de um diálogo genuíno é preciso que os dois seres
humanos apresentem disponibilidade para ir além da atitude Eu-Isso. Para tal, faz-se
necessário valorizar verdadeiramente a singularidade do outro, provocando, desta forma,
um encontro na esfera do entre, sendo este vivido pelos dois, numa dimensão Eu-Tu e EuIsso.
Profissional enquanto Ser Humano
Diante deste processo de interação entre enfermeiro e paciente, 04 entrevistados
apresentaram um discurso que valoriza o ato de se perceber como ser humano nesta
relação.
46
Eu me percebo assim, não só me vendo como profissional, mas como ser humano
quando eu estou cuidando do paciente. Eu não consigo fazer esta distinção do eu e do
profissional. Então, a minha relação com o paciente é muito próxima (Entrevistado E).
Durante a atuação da enfermagem, a preocupação técnica, segundo Souza apud
Oliveira (2003), na maioria das vezes impede momentos de reflexão sobre o ser humano
que é o próprio profissional e o paciente. Apesar da competência nos cuidados manuais,
existe uma carência de afetividade, sensibilidade e envolvimento emocional na sua relação
com o paciente. Isso mostra o quanto este profissional polariza a razão e o sentimento,
mesmo que, independente da sua vontade, estes se encontram presente na rotina e na vida
do ser humano.
Confiança
A valorização da interação, do diálogo genuíno entre enfermeiro e paciente, faz o
ser humano considerar a existência da relação de confiança que se estabelece quando
acontece de fato um cuidado humanizado. Sobre tal, 03 entrevistados evidenciaram a
importância da confiança, sendo esta categorizada como recurso pessoal utilizado pelo
enfermeiro na promoção de uma relação humanizada.
Quando você estabelece uma relação de confiança, você já está humanizando
(Entrevistado D).
...a maneira que você se apresenta e se porta diante do paciente faz com que
aumente a credibilidade contigo... (Entrevistado G).
Então, a gente tem que ter uma relação bem clara.... Geralmente é uma relação
mais aberta, a gente não induz para ter uma relação de confiança (Entrevistado H).
47
O ato de cuidar requer, de acordo com Waldow (2001), a capacidade de se adaptar
as necessidades apresentadas pelo paciente. Essa flexibilidade do comportamento do
enfermeiro possibilita a realização de um cuidado mais humanizado, e, portanto, gera no
paciente uma confiança sobre a competência e habilidade do outro a partir do seu
envolvimento emocional. A confiança é um ingrediente indispensável na relação
enfermeiro-paciente por permitir ao outro a liberdade de crescer e se desenvolver à sua
maneira e ao seu ritmo ao valorizar a sua independência e provocar o ato de coragem, para
que o paciente se arrisque em direção à busca pela vida.
Destreza Manual
Um outro recurso pessoal utilizado nesta relação diz respeito à delicadeza do
profissional de enfermagem no momento da aplicação dos procedimentos técnicos. Dentre
os 08 entrevistados, 02 elucidaram a importância desta atitude no cuidado humanizado.
...tento ser humano... tento usar uma agulhinha mais fina...a gente pode fazer um
pouquinho diferente. Dá mais trabalho? Dá! Mas é o que eu acredito! (Entrevistado C).
...é prestar o cuidado da forma mais carinhosa possível para que ele sofra menos,
isso pra mim é se envolver o cuidado (Entrevistado E).
Considerando Kawamoto (1986), um instrumento básico do profissional da
enfermagem refere-se à destreza manual, sendo esta de suma importância para a realização
de um cuidado humanizado. Para isto, faz-se necessário que o profissional tenha a
capacidade de utilizar de maneira adequada as mãos durante a execução de um
procedimento, a fim de evitar maiores sofrimentos ao paciente num momento onde este se
encontra tão fragilizado.
48
Religiosidade
Ao vivenciar a relação enfermeiro-paciente dentro da dinâmica hospitalar, 06
entrevistados apresentaram a religiosidade como recurso pessoal utilizado pelos
enfermeiros, a fim de possibilitar o exercício de um cuidado humanizado. No discurso dos
profissionais da enfermagem surgiram recursos referentes ao auxílio no resgate da fé do
paciente para contribuir com o enfrentamento do seu processo de adoecer e de
hospitalização, e da busca pela religiosidade do próprio profissional frente a sua atitude de
cuidar de maneira mais humana.
O que a gente busca é saber se o paciente tem uma crença,buscar o recurso que ele
tem da fé (Entrevistado C).
Eu vejo que hoje em dia, até quando o paciente está morrendo, eu consigo ficar no
lado dele, orando, tem momentos que eu consigo fazer isso... (Entrevistado E).
...tá explicando ou falando um pouco sobre a religiosidade da pessoa, nunca
impondo o que a gente acha (Entrevista F).
...eu agradeço a Deus por eu ter dom de cuidar das pessoas (Entrevistado G).
Segundo Waldow (2001), a dimensão do cuidar e do adoecer são vivências que os
seres humanos interpretam e se apropriam na medida em que atribuem significados a partir
se suas percepções e conhecimentos já adquiridos durante a exploração de sua vida.
Logo, para a realização de uma relação humanizada entre a enfermagem e o
paciente frente este contexto é necessário buscar e aceitar os valores e a espiritualidade que
cada pessoa tem a respeito das vivências que permeiam a hospitalização e o processo de
adoecimento, a fim de possibilitar o resgate da saúde por meio de significantes que o
paciente constrói a partir de seus pensamentos, sentimentos e atitudes.
49
Empatia
Um recurso apresentado por 03 entrevistados refere-se ao ato de atender o paciente
como gostaria que fosse atendido, ou como gostaria que uma pessoa que amasse muito
fosse cuidada. Apesar de este recurso estar representado no discurso dos entrevistados
como uma técnica transmitida durante a formação acadêmica, nesta análise ele será
categorizado como um recurso pessoal pelo fato de exigir um investimento subjetivo da
pessoa que a pratica.
Quando eu dava aula para técnico de enfermagem eu dizia para os meus alunos
atenderem seus pacientes como gostariam que uma pessoa que amassem muito fosse
atendida (Entrevistada A).
Eu gosto de respeitar o outro, eu penso assim, se fosse comigo como eu agiria?
(Entrevistado C).
...é você prestar um cuidado como se tivesse prestando um cuidado pra pessoa
mais querida pra você (Entrevistado E).
Atrelado a este recurso anterior, surge no discurso de 04 entrevistados a importância
e a dificuldade da atitude de se colocar no lugar do outro. Os entrevistados evidenciaram a
necessidade da presença do recurso pessoal da empatia durante a relação enfermeiropaciente para a realização de um cuidado humanizado.
Se colocar no lugar do outro, nossa!? É...ninguém faz isso (Entrevistado B).
Se colocar no lugar do doente, mas na prática mesmo...porque não é tão simples se
colocar no lugar do outro...para isso tu tens que estar com o outro, entender o outro, tentar
se sensibilizar com o outro, tentar imaginar a dor que ele tem (Entrevistado C).
De acordo com Stefanelli (1993), a comunicação, quando realizada de maneira
empática, promove uma interação terapêutica entre enfermeiro e paciente que objetiva
50
ajudar o outro ao tentar perceber a sua experiência como ele vivencia, sem perder seu papel
de profissional e a sua identidade enquanto pessoa. Segundo Clay apud Stefanelli (1993), o
comportamento de uma comunicação empática envolve as atitudes de aceitação, escuta,
clarificação, informação e análise.
Para Rogers (1977),
o termo empatia foi criado pela psicologia clínica para indicar a
capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar da
sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal e não-verbal
o permite. Em termos mais simples, é a capacidade de se colocar
verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como elo o vê
(Rogers, 1977, p. 104).
Desta forma, esta capacidade empática torna-se útil ao profissional na medida em
que este consegue captar e refletir sobre os significados que o paciente atribui as suas
palavras, abstraindo, assim, seus próprios valores, sentimentos e pensamentos a respeito do
processo em que se encontra.
Conforme Souza apud Oliveira (2003), o profissional está sujeito a interpretar
erroneamente os sentimentos e pensamentos do paciente quando ele apresenta carência de
empatia. Esta carência provoca indiferença na tradução da história da pessoa por
desconsiderar suas características próprias e singularidade ao basear-se na construção de
um estereótipo.
Personalidade
Dentre os 08 entrevistados, 06 deles elucidaram que a concretização da prática
destes recursos pessoais contemplados como geradores de um processo de humanização na
relação enfermeiro-paciente dependem da personalidade de cada pessoa por se tratar de
uma postura humana.
51
Tem tudo a ver com a personalidade de cada um, o seu jeito de ser reflete
inteiramente no cuidado e nas nossas relações com o paciente (Entrevistado B).
...mas se tinha boa índole, boa vontade, e era humano com o doente era tudo,..o
importante é a educação, a postura, porque isso é da pessoa (Entrevistado C).
Eu vejo que a humanização depende muito de pessoa para pessoa, de como é
colocado para ti (Entrevistado D).
Rogers (1977) acredita que a postura empática, assim como as outras apresentadas
anteriormente, demonstra uma forma subjetiva de se relacionar, uma vez que esta atitude
faz com que a pessoa experimente os sentimentos e pensamentos que o outro manifesta. A
empatia, em especial, encontra-se enraizada na personalidade de quem a pratica. Esta
postura não se refere apenas a um comportamento adotado pela pessoa, mas representa a
ação capaz de expressar a sua própria personalidade.
Educação familiar
É perceptível que no discurso de 05 entrevistados aparece a educação familiar, suas
crenças e valores, como produtor da influência sobre a construção de uma personalidade
capaz de exercer um postura humanizada frente o ato de cuidar do paciente.
Sabe, aquilo que tu aprende em casa,... as coisas que tu aprende de berço, toda
aquela formação de família, formação ética...eu acho que a gente coloca tudo da gente no
cuidado... (Entrevistado B).
Eu acho que tem a questão da educação. Não dá pra escola te transformar em
humano se tu não acredita naquilo...eu acho que é da índole mesmo, de acreditar na
pessoa, ta inteiro ali, respeitar o indivíduo, esses valores são os pilares para a
humanização (Entrevistado C).
52
Pra mim, essa forma de pensar é um misto de cultura, crença, a própria questão
religiosa, a questão familiar... (Entrevistado F).
Esse meu jeito vem da formação familiar...papai e mamãe me ensinaram que todos
somos iguais (Entrevistado G).
Segundo Waldow (2001), “o cuidado humano consiste em uma forma de viver, de
ser, de se expressar”(p.129). Logo, a forma como o cuidador age reflete a sua compreensão
de homem e de mundo que se constituíram ao longo das suas experiências pessoais, suas
crenças, valores... sua educação. Para tal, não existem fórmulas, receitas ou manuais
capazes de ensinar plenamente o homem a produzir um cuidado humanizado. “O cuidado
técnico pode ser ensinado, porém o cuidar em sentido mais amplo, entendido como um
processo interativo, precisa ser vivido”(Waldow, 2001, p.162). Dentro desse contexto, a
educação passa a representar o significado singular e moral que a pessoa atribui ao cuidado,
sendo este expresso pela atitude valorativa que o ser humano apresenta perante a sua
relação com a vida, com a profissão e com o paciente.
Vivências pessoais
Mediante a influência sobre tal postura humana, 05 entrevistados acreditam que as
suas próprias vivências pessoais desenvolvem em si sentimentos e habilidades capazes de
provocar atitudes causadoras de um cuidado humanizado.
Meu marido morreu ...e mexeu com a minha estrutura. Por isso é importante fazer
as coisas em vida, cuidar das pessoas antes que elas se vão (Entrevistado A).
...eu me torno mais ser humano, apesar de ter sofrido, mas eu acho que me
sensibilizo mais, eu me torno mais gente...eu acho que isso veio com o fato de você
53
vivenciar várias situações, então tu vai mudando tuas atitudes, para melhor (Entrevistado
E).
E pra casa a gente traz muito, tanto as experiências positivas, quanto as
negativas...poder conversar e ampliar a visão do viver e do morrer...a gente aprende que
não pode deixar as coisas pra depois, porque o depois pode não existir (Entrevistado F).
Mas acontece é que é uma característica minha. Primeiro, por ter passado por um
longo período de depressão, onde antes eu era fechada, e eu aprendi a me abrir...
(Entrevistado G).
Interesse pelo conhecimento
No discurso dos entrevistados, 05 deles consideram que os cursos e palestras que
promovem um estudo aprofundado sobre os aspectos que permeiam a humanização podem
contribuir com a formação de um profissional que mantém uma postura pessoal
humanizada, apesar da relevância de que o interesse individual influenciará intensivamente
neste aprendizado.
Hoje as instituições estão tentando buscar a humanização fazendo cursos e
palestras (Entrevistado D).
Então, a minha relação com o paciente é muito próxima, mesmo porque, todos os
meus trabalhos, tanto de mestrado quanto de doutorado, sempre foi nessa linha de
humanização...eu procuro fazer isso no meu dia-a-dia, na prática, não só na teoria
(Entrevistado E).
...e também por causa da minha pós-graduação, eu trabalhei com o estresse e a
psicossomatização, então, eu tento minimizar o estresse da internação do paciente e dos
familiares (Entrevistado G).
54
Para Chiattone apud Camon (1996), o conhecimento de estudos profundos sobre as
correlações entre os aspectos biológicos e psicológicos permite ao ser uma melhor
compreensão a respeito da necessidade de considerar a história de vida do paciente, os
fatores causais que interferem na dinâmica do processo de adoecer trazido pelo seu
passado, presente e futuro, e o estado emocional sentido por ele, capaz de provocar
alterações orgânicas durante o período de hospitalização e de adoecimento. Ao conhecer as
relações entre mente e corpo e as constatações das influências psíquicas nas doenças, o
profissional contempla de um embasamento capaz de facilitar a construção de um cuidado
mais humano.
Ser exemplo
Uma outra percepção a respeito das relações humanizadas encontrada por 03 entrevistados
refere-se ao ato de auxiliar as pessoas do ambiente hospitalar através do seu exemplo, de
suas próprias atitudes.
Aqui eu procuro ser exemplo para a minha equipe, e eles trabalham como eu, que é
bem diferente das outras equipes... essa humanização vem de dentro, é difícil ensinar, só
pelo exemplo (Entrevistado A).
A gente quando age dessa forma mais humanizada, a gente vai ajudando a formar
as pessoas, aqueles que têm boa intenção, boa índole, aqueles que estão inteiros
conseguem captar (Entrevistado C).
Eu aprendi que com os atos é muito mais fácil contagiar as pessoas do que com as
palavras (Entrevistado G).
55
Interesse pela Profissão
Diante da apresentação anterior dos recursos técnicos e pessoais e das possibilidades
de desenvolvimento de uma postura que facilitaria a realização do processo de
humanização na relação enfermeiro-paciente, 06 entrevistados evidenciaram que a crença e
o gosto pela profissão da enfermagem e sua associação com o ato de cuidar são fatores
importantes que auxiliam na promoção de relações humanizadas no ambiente hospitalar.
... e acreditar também na enfermagem, que pode ser diferente (EntrevistadoC).
Se eu sair da enfermagem eu não sei o que faço. Eu adoro o que eu faço,...é
extremamente desgastante... (Entrevistado D).
Eu gosto muito do que eu faço, sempre fui encantada. Eu sempre achei muito
importante estar nesse local... (Entrevistado H).
Conforme Waldow (2001), existem muitos profissionais da enfermagem que atuam
nesta área apenas por cumprirem uma obrigação de trabalho, sendo este o meio encontrado
pela pessoa para sobreviver e adquirir uma remuneração. Neste caso, não há um real
envolvimento com a profissão e com o ato de cuidar, pois, independente de sua eficiência e
responsabilidade, demonstram atitudes pautadas na distancia e frieza frente a sua relação
com o paciente.
Neste sentido, é essencial estar motivado ao atuar na profissão da enfermagem, uma
vez que, segundo o autor (2001), a motivação promove o desejo de cuidar, disposição para
ajudar e auxiliar o crescimento do outro, de valorizar a vontade de vive e de se
comprometer com a promoção de uma relação humanizada.
Teoria e Prática
56
Apesar dos 08 enfermeiros (as) entrevistados apresentarem pensamentos e
sentimentos sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente sustentados
em recursos técnicos e pessoais, verifica-se que estes conceitos não se encontram sempre
aliados à atuação do entrevistado ou não fazem parte das atitudes dos seus colegas
profissionais. Quando o enfermeiro (a) permanece na presença do paciente, em sua maioria,
o cuidado humanizado não acontece em virtude de diversas dificuldades que interferem este
processo. Esta secção entre o conceito e a prática aparece no discurso dos 08 entrevistados,
e as dificuldades causadoras desta divisão serão apresentadas a seguir, no próximo capítulo.
...mas sei que muitos não são assim, a maioria se preocupa apenas com a técnica
(Entrevistado A).
A gente tem que utilizar tudo que a gente tem de recurso pessoal...ou me perdoar
quando não consigo fazer também, porque ninguém é perfeito. Senão é um sofrimento
diário, daí tu não consegue... (Entrevistado B).
Eu tento ser justo, tento ser humano, me colocar no lugar do doente, não vou dizer
que eu não falhe...com certeza... Quando eu to com muita tarefa eu digo para o doente: oi,
tudo bem? Eu já limito a minha conversa...isso é desumano (Entrevistado C).
...está se tentando resgatar isso da enfermagem, mas eu vejo que ainda ta muito
deficiente, eu acho que ainda está muito distante (Entrevistado E).
Diante disto, conclui-se que a hipótese foi corroborada, em parte, uma vez que a
prática do cuidado em sua maioria não acontece de acordo com o conceito que se tem a
respeito de uma relação humanizada. Os recursos utilizados na relação enfermeiro-paciente
produzem um distanciamento destes como seres humanos em detrimento das diversas
dificuldades pertencentes ao cotidiano do hospital, que conduzem estes seres a se
relacionarem com a técnica, com a doença, com o corpo.
57
Contudo, em virtude das percepções que os entrevistados apresentaram a respeito da
necessidade de produzir relações mais humanas no contexto hospitalar a fim de contemplar
a saúde global do paciente, felizmente, a hipótese não foi corroborada totalmente. Logo, é
sinal de que já existe um pensar referente às possibilidades de mudanças nas relações
humanas com o intuito de resgatar a subjetividade dos seres que permeiam este ambiente,
ainda que a realidade da prática esteja distante de alcançar este objetivo por encontrar-se no
início de uma longa caminhada.
58
3.2 INTERFERÊNCIAS NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO
Ao promover um pensar a respeito do processo de humanização na relação
enfermeiro-paciente, no discurso dos 08 entrevistados surgiram dificuldades que interferem
na realização de um cuidado humanizado. Essas dificuldades foram categorizadas em
aspectos que se referem ao âmbito do profissional da enfermagem, do paciente e seu
familiar, e da instituição em sua totalidade.
3.2.1 Profissionais da Enfermagem
Os itens apresentados por esta categoria referem-se aos obstáculos vivenciados
pelos enfermeiros através da expressão de suas próprias atitudes, pensamentos e
sentimentos no que tange as suas reais dificuldades. Estas, em sua maioria, são frutos da
ausência de suporte psicológico para o enfrentamento da rotina inerente ao ambiente
hospitalar.
Rotina Hospitalar
Considerando a categoria dos profissionais da enfermagem, 07 entrevistados
evidenciaram que as vivências rotineiras do ambiente hospitalar produzem um desgaste no
enfermeiro capaz de dificultar a sua relação com o paciente.
No hospital psiquiátrico a gente vivencia muito a dor...a doença mental mutila a
pessoa para a vida...Isso é uma coisa que eu penso muito e que me causa...Isso eu vivencio
a anos, isso me dói! (Entrevistado B).
Porque eu acho que a gente é humano também, e quando a gente vive só doenças,
com doenças graves, doença, doença...a gente meio que ta na beirada de um abismo,
59
né!...Porque no dia-a-dia as coisas se tornam comuns, a rotina é uma coisa que embrutece
a gente (Entrevistado C).
...é extremamente desgastante, tens dias que tu chegas em casa e parece que tu és
uma esponja, que sugaram tudo o que podia e só foi o bagaço para casa (Entrevistado D).
Porque muitas vezes você se desestrutura diante do sofrimento, da morte, de uma
série de coisas, então precisaria de um apoio (Entrevistado E).
Me desestrutura muito jovens que provavelmente vão ficar com alguma seqüela. Me
é muito comovente a questão da tentativa de suicídio...a gente não deve julgar o que a
pessoa fez...é sempre bem chocante para mim...Dependendo da pessoa essas vivências
rotineiras
acaba
ficando
mais
dura...um
pouco
menos
sensível
as
dificuldades...(Entrevistado F).
Segundo Sebastiani apud Camon (1998), a intensidade do relacionamento do
profissional da enfermagem com as vivências hospitalares permeadas pela dor, sofrimento,
angústia, impotência, medo, perdas e pelo contato constante com o processo de morte e o
morrer, entre outras experiências inerentes ao hospital, produzem uma gama violenta de
estímulos emocionais que podem prejudicar o profissional e a sua relação com o paciente.
De acordo com Waldow (2001), a rotina hospitalar, a inadequação das condições do
meio ambiente e as situações experienciadas estimulam no ser uma vivência constante de
estresse psicológico, tornando-o mais vulnerável e insatisfeito com a sua profissão.
Contato com a Morte
Dentre as experiências hospitalares, 03 entrevistados elucidaram que o contato com
a morte de alguma forma mobiliza as questões subjetivas do próprio enfermeiro, podendo,
esta vivência, interferir na sua relação com o paciente.
60
Quando eu presenciava a morte de jovens, pais, mães, crianças em hospitais gerais,
aquilo me causava uma pena, e não tem como a gente se comover...mas quando eu vejo um
doente mental morrer, eu as vezes tenho um alívio...eu tenho, acho, que fazer uma terapia,
uma análise para compreender melhor isso, porque as vezes eu me culpo, porque como
enfermeira eu tenho, tenho, que lutar pela vida, vida sabe? Eu não tenho nunca que achar
que a morte naquele caso vai ser bom, eu não posso! (Entrevistado B).
Então, quando ele vem a falecer dá uma sensação de impotência. É bem difícil.
Chega uma ora que, poxa vida, não deu!...É uma área extremamente estressante, muito
desgastante... (Entrevistado D).
Mezomo (s/a) acredita que a vivência da morte representa, para o profissional da
saúde, o fracasso e a incompetência diante de toda atuação e esforço dedicado a
manutenção da pessoa em vida.
“A convivência diária com a situação da morte e de perdas pode provocar uma
sensação de tristeza, incompetência, mau humor” (Souza apud oliveira, 2003, p. 196).
Entretanto, é importante ressaltar que o objetivo de seu trabalho não pode estar pautado na
frustração que elucida a morte, visto que os fatos rotineiros do hospital não podem suprimir
o sentimento de vitória diante da sua atuação profissional.
Contudo, em nossa sociedade existe a construção de uma cultura que valoriza a
produção, o belo, a perfeição em detrimento dos valores de dignidade humana. Logo, a
valorização da saúde acontece quando a funcionalidade organísmica encontra-se em risco.
Assim, a morte, por ser inerente a condição humana, gera no ser uma mobilização de
sentimentos que provocam a negação da mesma e um afrontamento em direção ao fato
inegável que faz parte integral da vida e que realça a existência humana. Esse contato com
a morte dificulta, muitas vezes, o relacionamento humanizado com o paciente quando este
61
não recebe apoio e suporte para enfrentar o fato de reconhecer a finitude da própria
existência.
Modelo Tecnicista
Na categoria dos profissionais da enfermagem, uma outra questão abordada por 05
entrevistados que dificulta a concretização de uma relação humanizada no contexto
hospitalar trata-se de uma visão de homem marcada pela tecnologia. A sua importância e
necessidade de forma alguma é questionada pelos entrevistados, entretanto, a valorização
do modelo tecnicista, em sua maioria, se sobrepõe aos aspectos que envolvem a
subjetividade humana e suas relações com o paciente, o que impossibilita o resgate da sua
saúde global.
Então, as relações aqui dentro são truncadas, são relações defensivas, relações de
um cuidado mais tecnicista do que integralista, é fruto mesmo da sociedade como um todo
(Entrevistado H).
Mas, no momento tem muitas divergências entre atendimento das necessidades
psicobiológicas e atendimento das necessidades psicossociais (Entrevistado F).
A tecnologia hoje em dia está muito avançada, a tecnologia de ponta, muitos
aparelhos, muita sofisticação, isso tudo eu acredito que tenha afastado a enfermagem do
paciente. Eu acho que isso interferiu na relação afastando um pouco o profissional do
paciente (Entrevistado E).
“O avanço tecnológico não deve esquecer a importância absoluta do humano”
(Mezomo, s/a, p.47). A competência profissional do enfermeiro pautada em conhecimentos
e habilidades técnicos e biológicos são fatores indispensáveis para a promoção e resgate da
saúde do paciente. Entretanto, “o que existe de errado nisto não é capacitação técnica dos
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enfermeiros, mas o seu afastamento do paciente que os torna incapazes de responder a
todas as suas necessidades” (Mezomo, s/a, p. 10).
Frente essas necessidades humanas torna-se importante que o profissional também
estude e compreenda as ciências psicológicas e sociais e esteja junto do paciente durante o
ato de cuidar a fim de valorizar a saúde global do ser.
Ausência do Envolvimento Subjetivo
Por conseqüência da tecnologia e de outros fatores, 04 entrevistados acreditam que
a ausência do enfermeiro enquanto ser humano e o não envolvimento com a subjetividade
do paciente são atitudes que interferem o processo de humanização no relacionamento entre
eles.
Tudo isso causa na pessoa uma insegurança muito grande, ela não consegue
humanizar, porque a vida dela não é das mais humanas, acaba sendo uma coisa muito
robótica (Entrevistado H).
...tem pessoas que estão com o corpo lá no momento, o coração e a mente. E outros
não, estão só com o corpo ali, e a mente ta em casa...o coração está em outro local, e acho
que isso é que faz a grande diferença, quem ta inteiro e quem não ta inteiro (Entrevistado
C).
Na percepção de Mezomo (s/a), “nenhum complexo tecnológico poderá jamais
substituir a capacidade humana de formar aquele outro complexo, o de pessoas,
diversificadas em suas características individuais...” (p.48).
Contudo, o contato com a tecnologia, entre outros fatores, faz com que o homem ser
relacione com a máquina, com os procedimentos, com o corpo, evitando ou se distanciando
de seus próprios sentimentos. Esta atitude impede o cuidado humano, uma vez que
63
humanização “é algo que se percebe, que se sente... é a busca constante de harmonia e
relacionamento... visando sempre o atendimento integral do paciente” (Mezomo, s/a, p. 49).
Desta forma, para promover um cuidado humanizado é necessário que a experiência
do diálogo seja vivido entre o profissional e o paciente, pois “no diálogo estão envolvidos o
encontro, o relacionamento, a presença...” (Bruggemann apud Oliveira, 2003, p. 48).
Unidade de Terapia Intensiva
Ao considerar que o ambiente da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) é constituído
pela necessidade da tecnologia de ponta e pelos pacientes se encontrarem em graves
situações, na sua maioria, em estado de coma, os 03 entrevistados que atuam neste
ambiente enfatizaram durante seu discurso que a necessidade do próprio local gera
dificuldades que interferem no processo de humanização na sua relação com o paciente.
Eu sempre atuei em Terapia Intensiva, o ambiente de UTI se tu não cuida ele te
distancia um pouco, por causa da tecnologia....depois de uns 4 anos eu comecei a observar
que eu estava me distanciando do paciente, no sentido de eu estar muito voltada para as
questões técnicas, procedimentos, aparelhagens... (Entrevistado E).
Na UTI eu me sinto muito técnica em relação ao paciente...porque com o paciente a
gente trabalha com o corpo dele, ele tá em coma, cedado, e não tem como trabalhar essas
questões (Entrevistado F).
Segundo Souza apud Oliveira (2003), a UTI exige que o profissional desenvolva um
cuidado de orientação baseado no aspecto tecnológico, no domínio da técnica e dos
aparelhos. Esta realidade resulta numa relação entre profissional e objeto antes de se
relacionar com o ser humano, mas com o propósito de manter o paciente em vida.
64
Inexistência de Conhecimento Técnico
Diante da atuação técnica do profissional do enfermeiro e da tecnologia que permeia
o ramo da saúde, faz-se necessário a aquisição de conhecimentos e habilidades que possam
garantir ao paciente a amplitude da sua saúde orgânica. Dentre os entrevistados, 02 deles
trouxeram como dificuldade que interfere o processo de humanização no relacionamento
com o paciente a inexistência deste conhecimento técnico e a falta do domínio nos
procedimentos inerentes ao contexto hospitalar por parte dos enfermeiros (as).
E as pessoas que foram trabalhar ali também não tinham se desenvolvido, não
tinham conhecimento...elas foram se desumanizando (Entrevistado B).
Evitar que o paciente se feche e sofra algum trauma, ou um manuseio inadequado.
Infelizmente, na nossa profissão a gente aprende muita coisa errando...(Entrevistado H).
Para um cuidado humanizado, sem dúvida, é preciso resgatar a subjetividade dos
seres que se encontram no ambiente hospitalar mediante os relacionamentos interpessoais.
Entretanto, esta prática “exige também conhecimentos técnicos profundos capazes de dar à
equipe condições de observar o paciente e de lhe prestar um atendimento integral, físico e
psicológico. E isto exige treinamento e atualização” (Mezomo, s/a, p.96).
Relacionamento Interpessoal da Equipe
Ainda com relação à categoria que envolve as dificuldades pertencentes aos
profissionais da enfermagem que inviabilizam o processo de humanização nas relações
entre enfermeiro (a) e paciente, 03 entrevistados elucidaram que os problemas decorrentes
dos relacionamentos interpessoais da equipe causam interferência no cuidado humanizado.
Eu acho que essa dificuldade entre a equipe acaba prejudicando o paciente,
porque nem todo mundo trabalha da mesma forma...quando a equipe não é coesa o
65
paciente pode ter um certo prejuízo. Eu vejo que eu tenho muita dificuldade de
relacionamento interpessoal... (Entrevistado F).
Só que trabalhar essa equipe é muito difícil em serviço público...hoje como
enfermeiro do estado eu não posso suspender um funcionário...pra quem administra e pro
cliente eu não sei se isso é viável. Acho um desrespeito...seria interessante um trabalho
contínuo com a equipe (Entrevistado C).
Sebastiani apud Camon (1998) acredita que o profissional da saúde vivencia
constantemente o binômio onipotência X impotência frente a sua intervenção técnica, e
com isto sente, sofre e ao mesmo tempo nega que as ocorrências hospitalares e de
adoecimento podem acontecer consigo a qualquer momento.
Por conseqüência, o
profissional vivencia um grau de estresse psicológico elevado capaz de comprometer a
interação da equipe de enfermagem. Esta vulnerabilidade da equipe pode inviabilizar o
processo de humanização no que se refere a sua relação com o paciente.
Diante disto, conforme Waldow (2001), é necessário que o grupo se utilize de
mecanismos ou recursos capazes de auxiliar no contato com as próprias frustrações, revolta,
depressão, entre outras manifestações, a fim de restabelecer a equilíbrio emocional da
equipe e de evitar confronto entre os profissionais.
Não Aceitação do Ser Humano Paciente
Além destas dificuldades anteriores reconhecidas como pessoais pelos próprios
profissionais da enfermagem, 02 entrevistados perceberam que a não aceitação do paciente
enquanto ser humano por parte dos enfermeiros(as) é mais uma dificuldade que prejudica
essa relação, uma vez que o profissional, em sua maioria, acaba por evitar a comunicação
66
com o paciente ao falhar na orientação e no fornecimento de informações necessárias para
uma melhor compreensão do seu estado de saúde.
...a equipe de enfermagem nem sempre aceita...algumas reclamações, algumas
dúvidas que o paciente tem. Quando o paciente começa a perguntar o que tem no monitor,
que medicamento é esse...as pessoas o rotulam como chato, como uma pessoa que se
metendo no meu serviço...o principal papel do enfermeiro nesse ponto da humanização
seria ta...aceitando as dificuldades que o paciente ta tendo naquele momento (Entrevistado
F).
Eu tenho dificuldade com paciente alcoólatra...eu já fui muito ríspido, e disse que
da próxima vez eu ia mandar amarrar...eu tenho minhas dificuldades internas. Eu não
gosto muito de lidar com esse paciente (Entrevistado C).
Considerando as dificuldades que envolvem aceitação do estado do paciente e seus
pensamentos, sentimentos e ações, pôde-se perceber no discurso dos entrevistados que
algumas interferências no relacionamento humanizado são causadas por atitudes
categorizadas pelos aspectos que permeiam o paciente e seu familiar.
3.2.2 Paciente e Familiar
Esta categoria aborda as dificuldades que 06 enfermeiros entrevistados elucidaram
por acreditarem que algumas posturas advindas de pacientes e familiares interferem na
construção de um processo de humanização no contexto hospitalar.
67
Desrespeito
Dos 08 entrevistados, 03 deles consideraram que alguns pacientes e familiares
promovem atitudes que desrespeitam os profissionais da enfermagem pelo fato de
ultrapassarem os limites impostos pela instituição e pela própria autoridade do enfermeiro
(a), que apresenta a responsabilidade de gerenciar o ambiente em que se encontra.
Assim como existe profissional irresponsável e chato, existe paciente irresponsável,
chato e abusado... então, existe o simpático, existem vários perfis de pacientes...
(Entrevistado B).
Eu tento facilitar, mas eu não gosto também quando abusa, quando ta agindo por
um meio político...Na UTI...daí eles contam se o havaí perdeu, se o havaí ganhou...fazem
piadinha, riem no momento de visita, e eu acho que não é muito próprio. Pra mim tudo
bem, ninguém consegue ficar olhando pro sol o tempo todo, mas para que ta com o
familiar ali doente, ver o outro rindo, contando uma piada pode gerar como descaso
(Entrevistado C).
Pra mim o complicado não é lidar com pessoas, mas com a falta de educação,
porque às vezes eles vêm pra ti com tanta grosseria que tu fica sem saber o que falar
(Entrevistado D).
É preciso perceber e aceitar as dificuldades trazidas pelos pacientes e familiares,
tanto no que se refere a sua dinâmica de personalidade, quanto a sua maneira de enfrentar a
experiência causada pelo processo de hospitalização e adoecimento. Esta vivência única,
segundo Waldow (2001), promove no ser vários questionamentos, dúvidas a respeito de
vida, da morte, seu futuro, família, trabalho, doença, entre outras incertezas que podem
provocar medo, desesperança e revolta.
68
Considerando Waldow (2001), para desenvolver a interação interpessoal capaz de
realizar um cuidado humanizado é preciso que o profissional promova uma expressão de
aceitação dos pacientes e familiares através de sua postura corporal, do toque, do olhar,
gestos e palavras, oferecendo, desta forma, sua presença enquanto pessoa, de corpo e alma,
numa atitude empática e segura de suas intervenções técnicas.
Exigências e Cobranças
Nesta categoria que impera as dificuldades apresentadas pelos pacientes e familiares
na visão dos enfermeiros (as) entrevistados, 03 deles elucidaram que as exigências e as
cobranças demasiadas também são atitudes que bloqueiam a processo de humanização
nessa relação.
Dificuldade existe, aquele paciente que não quer se comunicar ou fica a todo o
momento cobrando alguma coisa da enfermagem, a enfermagem tem certa dificuldade em
ser receptiva nesses momentos (Entrevistado F).
Desestabiliza a equipe quando há um desequilíbrio...uns começam a cobrar do
outro...tem que ser bom na técnica, administrativamente, humanamente, tem que ser bom
em tudo. Cobram os médicos, os doentes, os familiares...(Entrevistado H).
Sebastiani apud Camon (1998) salienta que as características e atitudes como
concentração, capacidade de decisão, paciência, raciocínio, reflexo, serenidade,
sensibilidade, entre outras, são esperadas e cobradas pelos pacientes e familiares. Isto
acontece na medida em que estes necessitam do equilíbrio emocional dos profissionais para
que possam se reorganizar, mesmo que brevemente, e encontrar uma forma de enfrentar e
superar a crise, a desesperança, desorganização e o contato com a morte, e assim, aceitar o
processo de adoecimento e hospitalização.
69
3.2.3 Instituição Hospitalar
Na percepção de 07 enfermeiros entrevistados, algumas dificuldades que interferem
no processo de humanização na sua relação com o paciente foram atribuídas à Instituição
Hospitalar no que se refere aos aspectos relacionados à parte administrativa.
Tempo e excesso de trabalho
Dentre os 08 entrevistados, 07 deles afirmaram que a relação entre a escassez do
tempo e o excesso de trabalho causado pela diversidade das atribuições provoca um
atendimento mecanizado, o que inviabiliza o cuidado humanizado.
Permitir que fale é uma técnica que a gente às vezes não usa por causa da
correria... Na enfermagem eu tenho uma sobrecarga de atividades... infelizmente eu não
tenho tempo pra trabalhar isso com o paciente... Acho fundamental ter tempo e ter uma
relação paciente-enfermagem adequada, não podes querer que eu seja humano se eu tenho
100 doentes para atender... Se não ter tempo hábil essa relação não existe (Entrevistado
C).
... acaba se deixando um pouco de lado... essa interação, de conversa, até porque
na nossa realidade fica bastante difícil... temos 46 pacientes, 1 enfermeiro e 5 técnicos,
então, é praticamente impossível ver todos os doentes e ver a necessidade de cada um...A
gente ta aqui pra melhorar e não para entrar naquela neurose toda, e ficar fazendo as
coisas na correria (Entrevistado D).
... mas a maneira como aplica esse cuidado é que faz a diferença. Então, pra isso o
funcionário não pode ta atucanado, ninguém vai estabelecer uma relação saudável com
pouco tempo e muita coisa pra fazer sobre pressão (Entrevistado H).
70
O desenvolvimento da humanização na relação enfermeiro-paciente sofre influência
da valorização do cuidado pela administração da instituição. Segundo Waldow (2001), é
essencial que a instituição inclua em sua administração um planejamento adequado que
possibilite ao enfermeiro o desenvolvimento de suas atividades na prestação de um cuidado
humanizado em tempo hábil.
Baixa renda e jornada dupla
Além do excesso de funções atribuídas ao enfermeiro no seu período de exercício
profissional, 02 entrevistados consideraram que a baixa renda de sua profissão provoca a
necessidade de ter uma jornada dupla de trabalho. Essa vivência dos profissionais da
enfermagem é categorizada como uma dificuldade causada pela administração da
Instituição, e que interfere no processo de humanização na medida em que estes se sentem
desgastados fisicamente e psicologicamente, gerando uma ausência do ser durante o
momento da relação.
... não sei se é o cansaço do dia-a-dia que pesa, como a gente não tem uma renda
que dá pra ficar num emprego só e tem que ter duas atividades, daí corre de uma pra
outra, e isso acaba pesando na tua relação com o doente, a repetição das coisas o torna
mais frios... (Entrevistado C).
E certamente ele não se forma no curso, eles vão se formando na medida em que
vão trabalhando em dois, três empregos, aí tão sempre cansados, esgotados, não
conseguem se concentrar no local de trabalho, não tem energia suficiente para canalizar
com o paciente. Essa troca acaba sendo muito tarefeira mesmo... Então quando a gente diz
que quer humanizar,... eu quero não ter que trabalhar em dois empregos, eu quero ter um
71
salário justo, tudo isso causa na pessoa uma insegurança muito grande, ela não consegue
humanizar porque a vida dela não é das mais humanas... (Entrevistado H).
Mezomo (s/a) elucida que a troca por um trabalho prestado deve satisfazer
plenamente as necessidades do trabalhador. Logo, um salário justo torna-se suficiente para
capacitar o ser a viver condizente com a sua condição humana. Entretanto, conforme as
informações trazidas pelo discurso dos entrevistados, o pagamento pela prestação de
trabalho contempla uma baixa remuneração, o que provoca a busca por uma dupla ou tripla
jornada de trabalho.
De acordo com Sebastiani apud Camon (1998), o enfrentamento de múltiplas
jornadas de trabalho cada vez mais extensas obriga o enfermeiro a se deslocar rapidamente,
a sacrificar sua refeição, seu sono, e a sua vida pessoal. Essa condição de trabalho prejudica
sua estabilidade emocional, sua disposição física, sua motivação profissional, e
consequentemente, sua eficiência técnica e o seu relacionamento com o paciente.
Número de profissionais
Por conta desta quantidade excessiva de atividades, um dos entrevistados acredita
que um fator que dificulta o processo de humanização na relação enfermeiro-paciente diz
respeito à escassez do número de profissionais que atuam no ambiente hospitalar, sendo
esta uma dificuldade categorizada como institucional.
Então quando a gente diz que quer humanizar, eu quero é que tenha mais
funcionário trabalhando, pra poder prestar o cuidado com calma, eu quero que seja
melhor distribuído os pacientes graves no hospital, pras pessoas diminuírem o grau de
tensão... (Entrevistado H).
72
Na visão de Mezomo (s/a), o esforço para promover a humanização será em vão
caso não se tenha um número suficiente de profissionais dentro da instituição. É inviável
exigir que uma equipe sobrecarregada de trabalho por falta de pessoal execute atividades
que vão além do desenvolvimento e aplicação de procedimentos técnicos. A escassez de
profissionais e o excesso de atividades são obstáculos que dificultam o enfermeiro a se
deter em detalhes e atenção dedicada que caracterizam a humanização.
Inexistência de suporte
Diante de tantas dificuldades experienciadas pelos enfermeiros por encontrarem-se
num ambiente com vivências próprias imbuídas de sofrimento, dor e muita tensão, 02
entrevistados colocaram que a instituição não oferece um suporte psicológico, físico e/ou
social capaz de auxiliar o profissional de enfermagem mediante a necessidade apresentada.
O que eu vejo de suporte da instituição para a gente lidar com tudo isso, eu não
vejo, assim, não tem a quem recorrer, o trabalho de grupo, alguma coisa nesse sentido,
não existe (Entrevistado D).
O mau funcionário também sofre, eu tenho certeza que ele não seria um mau
funcionário se ele tivesse também uma atenção privilegiada por parte da instituição, por
exemplo, se é um cara que ta neurótico, nervoso, angustiado, que ele pudesse ter suas
folgas, adiantar suas férias, parar e fazer uma terapia no meio do serviço, dez minutinhos
no canto ouvindo uma música. Seria muito bom coisas que descontraísse (Entrevistado H).
Prejuízo ao profissional
Como conseqüência destas dificuldades que interferem no processo de
humanização, 05 entrevistados evidenciaram que essas vivências hospitalares causam
73
prejuízos aos profissionais da enfermagem através do adoecimento, da fragilidade e frieza
nas relações.
A gente utiliza vários mecanismos de defesa... a negação... por exemplo, os
profissionais da saúde e do enfermeiro nesse caso, são os profissionais que adoecem de
câncer... a gente cuida tanto dos outros e esquece de cuidar da gente! (Entrevistado B).
Tanto que a gente fica 24 horas, né! E os médicos fazem a visita e vão para a
clínica... tem outros afazeres, e a gente não tem para onde recorrer e acaba, infelizmente,
tendo muito problema físico, saúde física do profissional da enfermagem. E você acaba
pegando um atestado para poder ficar fora disso tudo, dar uma melhorada, ver outras
coisas. Talvez se tivesse um suporte isso não fosse necessário (Entrevistado D).
E você nem sempre tá preparado pra isso. Então, isso te deixa mais fragilizado,
você sofre mais (Entrevistado E).
Dependendo da pessoa essas vivências rotineiras acaba ficando mais dura... um
pouco menos sensível às dificuldades... pela repetição dos fatos (Entrevistado F).
Segundo Sebatiani apud Camon (1998), o cotidiano hospitalar, por ser permeado
por vivências relacionadas à dor, sofrimento, impotência, medo, desesperança, angústia,
perdas, e por encontra-se em contato direto com a morte e o processo de morrer,
desenvolve no profissional de enfermagem uma enorme e agressiva desestabilidade
psicológica. Estas experiências são capazes de gerar no ser irritabilidade, impaciência,
insensibilidade, entre outras atitudes que causam o estresse no enfermeiro. Este estado
psicológico permite uma prestação de serviços pautada em um cuidado mecanizado e
técnico, e provoca, em muitos casos, uma expressão biológica do seu estado através da
doença física.
74
O estresse “neste campo do conhecimento tem o sentido de grau de deformidade
que uma estrutura sofre quando é submetida a um esforço”(França e Rodrigues apud Silva,
2000). Este, quando vivenciado em longa exposição, afeta não somente o enfermeiro, como
também afeta o resultado do seu trabalho e as pessoas diretamente envolvidas por este
contexto. Logo, a constatação deste alto nível de estresse e seu estado crônico pode ser
indicador da presença da Síndrome de Burnout. Esta, por sua vez, é definida por Maslach
(apud Carvalho) como uma expressão que representa a atitude de sofrer devido a exaustão
física ou/e psicológica vivenciada por situações estressante no ambiente de trabalho.
O conceito da Síndrome de Burnout surgiu nos Estados Unidos, nos anos 70, com o
intuito de explicar o processo de deterioração referente à atenção e aos cuidados dos
trabalhadores das organizações. Esta síndrome é definida como “uma experiência subjetiva,
que agrupa sentimentos e atitudes implicando alterações, problemas e disfunções
psicofisiológicas com conseqüências nocivas para a pessoa e a organização, sendo que esta
afeta diretamente a qualidade de vida do indivíduo” (Amorim e Turbay, apud Carvalho).
A Síndrome de Burnout é gerada por diversos fatores que podem ser categorizados,
segundo Maslach (apud Carvalho) como exaustão emocional (esgotamento de energia
afetiva devido ao constante contato com problemas, gerando cansaço, irritabilidade,
depressão, ansiedade, doenças psicossomáticas, entre outros sintomas); despersonalização
(aparecimento de sentimentos e atitudes negativas em relação ao trabalho, gerando baixa
autoestima e redução da realização profissional e da produtividade) e falta de envolvimento
pessoal (fase bastante negativa do trabalhador por afetar o resultado de suas atividades
laborais e por prejudicar o atendimento aos clientes).
Esta síndrome é manifesta pelos enfermeiros a partir de três momentos:
75
1º ) as demandas de trabalho são maiores que os recursos materiais e
humanos, o que gera um estresse laboral no indivíduo. Neste momento,
o que é característico é a percepção de uma sobrecarga de trabalho; 2º )
evidencia-se um esforço do indivíduo em adaptar-se e produzir uma
resposta emocional ao desajuste percebido. Aparecem então, sinais de
fadiga, tensão, irritabilidade e até mesmo ansiedade. Assim, essa etapa
exige uma adaptação psicológica do sujeito, a qual reflete no seu
trabalho, reduzindo o seu interesse e a responsabilidade pela sua função;
3º ) enfrentamento defensivo, ou seja, o sujeito produz uma troca de
atitudes e condutas com a finalidade de defender-se das tensões
experimentadas, ocasionando comportamentos de distanciamento
emocional, retirada, cinismo e rigidez (Galego e Rios (apud Carvalho
site??).
Logo, percebe-se que todos esses sintomas e momentos característicos da Síndrome
de Burnout foram apresentados pelo discurso dos enfermeiros entrevistados. Neste sentido,
é possível que muitos profissionais desta área encontrem-se num estado de estresse laboral
crônico capaz de afetar sua vida pessoal e social, além de prejudicar a sua atuação
profissional e seus relacionamentos interpessoais que envolvem o contexto hospitalar.
Assim, a manifestação da Síndrome de Burnout por parte dos profissionais da enfermagem
é um fator que interfere no processo de humanização na sua relação com o paciente.
Interdiscipinariedade
Ao considerar as dificuldades trazidas pelos entrevistados inerentes ao profissional
de enfermagem, ao paciente e seu familiar e a instituição em seu aspecto administrativo, 07
entrevistados acreditam que a interdisciplinariedade encontra-se intrinsecamente associada
à promoção do processo de humanização, em especial nas relações que envolvem o
enfermeiro e o paciente.
O contra-senso dessa desumanização que se fala, que perpassa por todos os setores
de saúde, serviço social e tudo mais, quando o homem, no século XXI, com toda uma
76
tecnologia, com todo um saber já desenvolvido, não combina essa desumanização dentro
do hospital... (Entrevistado B).
...e daí eu chamo mesmo a psicologia pra ajudar, pra ouvir...eu não tenho
formação para isso, eu sou enfermeiro, tem um limite (Entrevistado C).
Quando você sabe que os familiares do paciente são de fora e não tem onde ficar,
chamar o serviço social, encaminhar a uma casa de apoio, aí já está humanizando o
atendimento. Observar a necessidade do paciente, chamar outro profissional da saúde
para atendê-lo... isso já é humanização (Entrevistado D).
Eu gosto muito também quando tem que envolver assistente social... dá pra
trabalhar multidisciplinarmente, interdisciplinarmente, fica muito interessante assim, é um
trabalho muito bom de fazer, e é muito bom quando dá resultado... o cuidado humanizado
seria atender o paciente naquilo que ele precisa (Entrevistado H).
De acordo com Chiattone apud Camon (1996), o ser humano apresenta uma
complexidade ao permitir uma eficiente interação entre o mundo externo e interno. Essa
composição humana desenvolve um funcionamento capaz de unificar a emoção, o
sentimento, o pensamento entre outros aspectos psicológicos que compõe a mente, com o
seu sistema orgânico, o corpo, a matéria, a parte biológica.
Pelo fato do ser humano ser reflexo de um aparato biológico entrelaçado com os
aspectos psicológicos e sociais, a saúde global do paciente só será resgatada a partir do
momento em que os diferentes profissionais da saúde promoverem um olhar e uma atuação
conjunta mediante o ser debilitado, sendo esta a proposta da interdisciplinariedade, uma
interação entre as áreas.
77
Contribuições da Psicologia
Frente essa visão dos enfermeiros (as) entrevistados sobre as dificuldades
percebidas e a necessidade da interdisciplinariedade no processo de humanização no
ambiente hospitalar e suas relações, 06 deles elucidaram sobre a importância e as
possibilidades de atuação que a psicologia poderia realizar e assim, contribuir com este
processo de promoção das relações humanizadas neste contexto.
... o psicólogo do hospital onde trabalho não faz atendimento ao paciente e nem
trabalha com a equipe da saúde. Acho extremamente importante o trabalho do psicólogo,
pois a mente e o corpo se influenciam mutuamente (Entrevistado A).
Seria interessante ter um trabalho contínuo com a equipe... filma-los, para se olhar
e ver o quanto a gente fala besteira... outra coisa que já pensei muitas vezes é colocar ele
deitadinho um pouquinho na cama... se colocar no lugar do doente...(Entrevistado C).
O profissional precisa de um suporte psicológico muitas vezes para lidar com
situações emocionais que envolvem essa relação. Eu sinto falta disso... precisaria de um
apoio... Eu acho que a psicologia teria que ter uma relação mais próxima, ter encontro,...
deveria ter grupos para que as pessoas possam falar suas angústias, e o preparo do
psicólogo é muito grande (Entrevistado E).
Eu acho que uma das coisas que a psicologia pode ta contribuindo é na questão da
coesão da equipe. Quando a gente fica mais coesa, independente da crença, o paciente vai
ficar com menos dúvida. Trabalhar todos os dias geralmente dá algum conflito
(Entrevistado F).
Conforme Camon (1996), a atuação da psicologia no contexto hospitalar possibilita
a construção de significados capazes de promover um entendimento a respeito do processo
de adoecer e de hospitalização tão pertinentes a este ambiente. Esta compreensão será
78
possível mediante a escuta de suas angústias, sofrimento, medo, ansiedade, e a partir da
clarificação dos seus sentimentos, pensamentos e ações diante do momento vivido.
A Psicologia Hospitalar é coadjuvante da própria realização
hospitalar. É a crença de que a humanização da abordagem hospitalar
é possível e real. É a vertente que faz com que o grito de dor do
paciente seja escutado e compreendido em toda sua extensão (Camon,
1996, p. 24)
Diante desta pesquisa, é possível reconhecer as dificuldades que interferem no
processo de humanização, e as contribuições que a psicologia pode realizar diante deste
contexto apresentado pelos entrevistados. Conclui-se, então, que a hipótese de que o
contato constante do enfermeiro com o adoecer e a morte dificulta a construção de uma
relação humanizada com o paciente, de fato, foi corroborada. Percebeu-se que as vivências
hospitalares foram consideradas pelos entrevistados como impeditivos que inviabilizam o
cuidado humanizado pela inexistência de um suporte, em sua maioria, psicológico.
Entretanto, é importante ressaltar que, além do contato com o processo de adoecer e a
morte, outros fatores foram considerados dificuldades que interferem na relação
enfermeiro-paciente, como já foram explicitadas durante a apresentação e análise dos
resultados.
79
4 CONCLUSÃO
Diante da realização desta pesquisa, a percepção que os enfermeiros entrevistados
apresentaram sobre o processo de humanização na sua relação com o paciente envolve uma
gama de sentimentos, pensamentos e ações por parte dos profissionais capazes de favorecer
um cuidado humanizado.
Contudo, pôde-se confirmar que algumas atitudes consideradas pelos entrevistados
como produtoras da humanização não causariam este efeito caso sua realização ocorra sem
a presença de uma disponibilidade subjetiva permeada por um envolvimento emocional,
uma postura empática e um diálogo genuíno. Portanto, a atitude de orientar paciente e
familiar, de realizar perguntas, de flexibilizar horários, de tocar, entre outras, podem ou não
contribuir para a promoção de um processo de humanização na relação enfermeiropaciente, sendo estes reconhecidos como recursos técnicos.
Os recursos pessoais utilizados pelos entrevistados para conceituar a relação
humanizada entre enfermeiro e paciente referem-se às atitudes de respeito à singularidade
de cada ser, de compreensão, de aceitação, de empatia, de interesse genuíno, de
envolvimento afetivo, enfim, de presença subjetiva num encontro de ser humano para ser
humano.
Entretanto, é perceptível no discurso dos entrevistados que a humanização é um
processo caracterizado por uma longa caminhada na medida em que os recursos técnicos e
pessoais apresentados referem-se, na maioria das vezes, em apenas conceitos teóricos por
não participarem constantemente da atuação do profissional.
80
Frente os resultados desta pesquisa, confirma-se que o profissional da enfermagem
não utiliza na prática estes recursos capazes de auxiliar no cuidado em decorrência de
diversas dificuldades que interferem no processo de humanização na relação enfermeiropaciente.
A escassez de tempo e de profissionais, a baixa renda, a jornada dupla, a visão
tecnicista, as vivências hospitalares como a dor, o sofrimento, a doença, a morte, entre
outras, constituem a realidade do enfermeiro, gerando dificuldades e prejuízo ao
profissional, que sem suporte para o enfrentamento das situações trazidas pela rotina
hospitalar, se desestrutura emocionalmente, e por conseqüência, inviabiliza a construção de
um cuidado humanizado.
Diante da carência de um suporte dentro do ambiente hospitalar, percebe-se, através
do discurso dos entrevistados, que existe a necessidade da atuação do psicólogo neste
contexto. A contribuição da psicologia frente à viabilização de relações humanizadas
constitui em um trabalho de verificação da demanda de cada realidade hospitalar, para
assim, promover trabalhos grupais, tanto com pacientes e familiares, como de
relacionamento interpessoal com as equipes, além de atendimentos individuais e de
atividades interdisciplinares.
Apesar da análise dos resultados obtidos não esgotar o assunto, visto que este se
encontra no início de uma longa e árdua caminhada pela inexistência de um vínculo entre a
teoria e a prática, esta pesquisa proporcionou ao pesquisador uma ampla percepção a
respeito do sofrimento do profissional de enfermagem diante da realidade hospitalar, e o
quanto um suporte psicológico pode contribuir para a realização de um enfrentamento
saudável e consequentemente, uma relação humanizada.
81
Diante disto, acredita-se que as informações coligidas por esta investigação
psicológica poderão ajudar o psicólogo a conhecer e refletir sobre o sofrimento do
enfermeiro antes de acreditar numa falha profissional por este não apresentar uma postura
geradora de um cuidado humanizado na sua relação com o paciente. Sugere-se, então, que
as pesquisas psicológicas posteriores focalizem suas atenções ao cuidador enfermeiro, para
que a atuação da psicologia possa oferecer um suporte capaz de auxiliar no reequilíbrio
emocional frente à dinâmica de personalidade do profissional, e concomitantemente,
auxiliar no processo de humanização na sua relação com o paciente. Logo, conclui-se que a
promoção do bem-estar do profissional de enfermagem promoverá o resgate tão necessário
da saúde biopsicossocial do paciente.
82
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Disponível em: www2.uerj.br/~revispsi/v2n2/artigos/artigo8.html , acesso em 29 maio
2006.
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MEMORIAL DO AUTOR
Ao penetrar no mundo hospitalar através do estágio obrigatório da UNISUL, como
requisito parcial para a obtenção do título de psicólogo, num hospital de Florianópolis,
comecei a interagir com os pacientes, suas doenças, angústias, ansiedades e medos. Percebi
que a relação dos pacientes com os profissionais da saúde interferia, de alguma maneira, no
seu estado biopsicossocial.
Durante o estágio experienciei algumas situações, que num primeiro olhar, sem
muita criticidade, acreditei ser uma falha dos profissionais da saúde, por não apresentarem
uma postura geradora de um cuidado humanizado na sua relação com o paciente. Em
especial, foquei minha atenção na equipe de enfermagem, não por esta “possível falha” (aos
meus olhos antes sem muito conhecimento) ser maior nestes profissionais, mas por estarem
em contato direto, constante, com os pacientes.
Surgiu, então, o interesse em verificar a percepção do enfermeiro sobre o processo
de humanização diante desta relação, e inclusive, localizar as dificuldades que interferem
neste processo, o que me proporcionou um olhar psicológico mais crítico e reflexivo em
relação aos comportamentos percebidos durante o estágio.
Tais reflexões e compreensões foram alcançadas por meio de muitas leituras,
vivências hospitalares e ainda através dos chamados “núcleos orientados da saúde”,
proporcionados pela Universidade, paralelamente ao estágio, com discussões em grupo de
assuntos referentes ao tema em questão.
Diante de todas estas vivências pude conceber uma visão de saúde plena,
englobando os diversos aspectos que compõe o ser humano e integrando corpo e mente
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inseridos num contexto que envolve história, cultura, espiritualidade, economia, política,
etc.
Assim, compreendi a necessidade de unir a Psicologia com outros profissionais da
saúde, promovendo a interação de diversas disciplinas, a fim de possibilitar o resgate da
subjetividade no contexto hospitalar frente ao sofrimento provocado pelo processo de
hospitalização e adoecimento, seja no paciente ou no próprio cuidador.
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