III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA ESCOLHAS MARCADAS PELO GÊNERO – SOBRE O INGRESSO DE JOVENS MULHERES E HOMENS NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA ÁREA DE EXATAS NA UFBA Márcia Barbosa de Menezes1 Ângela Maria Freire de Lima e Souza2 RESUMO A educação, no contexto de uma sociedade patriarcal, foi sedimentada a partir de diferenças sexuais que estabeleceram papéis diferenciados para homens e mulheres. Neste contexto, a matemática se consolidou com um forte viés androcêntrico, estabelecendo pré-conceitos em relação às capacidades cognitivas das mulheres neste espaço. A partir da análise dos dados sobre ingressos na UFBA, através do Processo Seletivo / Vestibular dos 10 últimos anos (2003-2012) para a área das Ciências Exatas, verificamos a manutenção de certas assimetrias na escolha de jovens mulheres e homens para os diferentes cursos, o que pode significar a permanência de estereótipos de gênero no campo cognitivo, que, de forma invisível, continua estabelecendo os espaços das ciências consideradas “duras” como mais adequados ao domínio masculino. PALAVRAS-CHAVE: PROFISSIONAIS. 1 GÊNERO; CIÊNCIAS EXATAS; ESCOLHAS Professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA. [email protected] 2 Bióloga, doutora em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA. [email protected] III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA No Brasil, as diferenças de gênero têm pautado os sistemas de ensino que, desde seus primórdios, vem estabelecendo papéis de condutas diferenciados para homens e mulheres. Segundo Badinter: “[...] desde o surgimento do patriarcado, o homem sempre se definiu como ser humano privilegiado, dotado de alguma coisa a mais, ignorada pelas mulheres. Ele se julga mais forte, mais inteligente, mais corajoso, mais responsável, mais criativo ou mais racional”3. Já as mulheres, como nos diz Passos (1999, p. 116): “Desde bebês, as crianças do sexo feminino são tratadas como bibelôs – lindas, frágeis, intuitivas, sensíveis – a quem os pais, os irmãos, a sociedade devem proteger e defender.” É inevitável que, neste contexto, concordemos com Vallejos (2003, p. 19), para quem “a educação é um processo ‘generificado’, quer dizer, uma prática social constituída por gênero e que por sua vez constitui gêneros.” A educação constitui os diversos sujeitos, que por sua vez passam a perceber e organizar os espaços sociais de acordo com as relações de gênero apreendidas. No contexto histórico, muitos avanços em relação ao acesso das mulheres aos setores educacionais podem ser considerados, contudo, os dados estatísticos demonstram, ainda nos dias atuais, o alijamento das mulheres e um desnível em determinados setores como na área das Pesquisas em Ciências Exatas. Ainda é visível na sociedade brasileira, as ideias preconcebidas em relação à profissionalização das mulheres. (...) a ideia de que algumas profissões são “mais adequadas” (para as mulheres) do que outras. (...) são justamente as áreas cientificas, das ciências exatas e da natureza, aquelas vistas como “menos adequada”.4 Podemos certamente dizer que a nossa questão não é “onde estamos?”, afinal estamos em todos os setores profissionais: somos engenheiras, somos físicas, somos matemáticas, entre outras profissões, mas, hoje, a nossa questão é: “Como estamos nestes lugares?” “Quais as nossas posições hierárquicas em relações aos homens?”. BADINTER, Elisabeth. XY – sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.6 3 4 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p.196. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA Estas questões, por certo, estão relacionadas às influências dos estereótipos de gênero que envolvem as representações sociais e que figuram na nossa sociedade, influenciando as decisões de homens e mulheres quanto às escolhas profissionais. Neste momento, os jovens são acometidos pelos fatores históricos, culturais, sociais, econômicos que lhes foram impostos pela sociedade patriarcal. Segundo Moscovici (2003), os preconceitos de gênero assumem um pensamento dito “ingênuo”, veiculam significados e os discursos se tornam “verdades” que se cristalizam na sociedade. Neste sentido, Mulheres e homens realizam trajetórias educativas diferenciadas, com saídas profissionais diversificadas. Os acessos ao saber são socialmente orientados para mulheres e homens [...] os territórios “corretos” que umas e outros têm habitado, e as situações que condicionam suas “escolhas” [...] sem dúvida, as interpelações produzidas pela experiência familiar, o discurso escolar, os meios de comunicação social, entre outros aspectos, são capazes de criar identificações e de fundar imaginários profissionais e de trabalho,, inclusive de gerar expectativas de “êxito” ou “fracasso” que influem nas escolhas.5 Observamos que as áreas científicas mais afetadas em relação a esses discursos pré-concebidos, que delimitam e impõe espaços como sendo próprios de cada individuo, são as áreas que envolvem o domínio da matemática, que foi “naturalizada” e “absorvida” como sendo própria apenas aos homens. Neste contexto, as metáforas de gênero foram e continuam sendo impregnadas na Matemática, que é vista como um campo de predominância masculina, em que as realizações das mulheres são invisibilizadas e onde são praticamente ausentes nas atividades científicas de maior poder e prestígio. Se considerarmos que, desde o surgimento da Ciência Moderna, que se fundamenta na busca das “verdades absolutas”, na qual o conhecimento científico é pautado nos pressupostos da objetividade, neutralidade e razão, a matemática constituiu-se como a principal ferramenta para a execução do novo modo de pensar o mundo, podemos perceber as repercussões dessas metáforas na vida profissional de mulheres que adentram esta área de conhecimento. A imagem estereotipada da incapacidade matemática das mulheres ganhou visibilidade através de filósofos entre os quais podemos citar Kant, Rousseau, dentre 5 VALLEJOS, Adriana; YANNOULAS, Silvia; LENARDUZZI, Zulma. Lineamientos epistemológicos. Equipe Gênero. Brasília: FLACSO/Sede acadêmica Brasil, 2003, p. 14. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA outros. Contudo, não podemos negar que ainda hoje, existem discursos inapropriados que contribuem para manter as mulheres numa posição de inferioridade intelectual em relação aos homens, tomando por base diferenças sexuais, como pode ser visto no discurso do reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers em 2005: “diferenças biológicas entre os sexos garantem o sucesso dos homens no mundo das ciências exatas. Já as mulheres não são geneticamente aptas para a matemática”. Esses discursos vêm sendo desarticulados através de estudos que mostram que a capacidade de desenvolvimento matemático nada tem haver com os aspectos biológicos de homens e mulheres. Por exemplo, com base em seus estudos, Fine (2010) mostra que os testes usados para medir as capacidades e habilidades matemáticas estão generificados e contaminados pelas diferenças sexuais que habitam o pensamento dos pesquisadores. Esses cientistas buscam explicações em padrões estruturais do cérebro para “explicar” as diferenças entre homens e mulheres. Fine apresenta uma crítica muito bem construída a esses autores, argumentando que não existe um “macho” ou uma “fêmea” pré-definidos no cérebro humano. As supostas diferenças no uso da linguagem masculina e feminina, em particular sobre as habilidades em matemática, muitas vezes inexistentes, são influenciadas por nossas ideias e concepções culturais e históricas sobre o que as mulheres e os homens devem “ser”, “fazer” e “pensar”. A escola constituiu-se como um dos principais articuladores deste processo, distinguindo campos cognitivos diferenciados para apreensão do saber de meninos e meninas. Desde o Ato de 1827, no qual ficou estabelecido o acesso das meninas as escolas públicas, a matemática já figurava como um “divisor de águas”, delimitando o conhecimento e o aprendizado dos indivíduos. Os artigos 6º e 12º desde ato demarcaram as desigualdades sexuais que iram predominar na educação brasileira. [...] Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil. [...] As Mestras, além do declarado no Art. 6o, com exclusão das noções de geometria e limitado à instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA Claramente fica evidenciado nestes artigos que o ensino da matemática começou estabelecendo diferenças sexuais para aquisição destes conhecimentos. A matemática estabelece-se e firma-se com a concepção de que a indução, a abstração, o pensamento lógico, a geometria, etc., são capacidades inerentes apenas ao ser homem, visto como objetivo, racional, criativo. Como argumenta Schienbinger (2001, p. 314): “A matemática serve como um filtro crítico para carreiras científicas. O prestígio de uma ciência depende geralmente de seu grau de matematização e quanto mais matemática for exigida para um dado emprego, maior a remuneração e menor a taxa de participação de mulheres”. Neste contexto inferimos que a matemática e as áreas afins são atravessadas por um forte viés androcêntrico que mantém as mulheres afastadas dos seus espaços de construção. Mas, segundo Lerner (1990, p. 323): “...criar um pensamento abstrato, obviamente, isto não depende do sexo; a capacidade de pensar é inerente a humanidade: pode-se alimentá-la ou desanimá-la, mas não se pode reprimi-la”.6 Apesar destas construções históricas e culturais, desde a antiguidade algumas7 mulheres romperam os limites dessas estruturas, ingressando em espaços tradicionalmente masculinos, mostrando sua capacidade de produzir conhecimento, apesar de todas as barreiras construídas em torno dos estereótipos de gênero. Vários estudos8 demonstram que aos poucos, o número de mulheres ingressando nas carreiras das Ciências Exatas está aumentando, contudo, ainda se faz necessário analisar as barreiras “invisíveis” que estão afetando o desenvolvimento profissional diferenciado entre homens e mulheres, levando as mulheres a estarem num patamar inferior da pirâmide cientifica. Desta forma, (...) as desigualdades na representação do sexo dentro da atividade científica constituem uma negação dos direitos humanos. (...) as mulheres estão não só sub-representadas numericamente na Ciência, mas as oportunidades para fazer carreira também variam de acordo com o sexo.9 6 ...un pensamiento abstrato, obviamente, esto no depende del sexo; la capacidad de pensar es inherente a la humanidad: puede alimentársela o desanimarla, pero no se la puede reprimir.(Tradução livre da autora) 7 Na matemática podemos citar Theano, Hipátia(ou Hipácia) de Alexandria, Emilie du Chatelet, Maria Gaetana Agnesi, Sophie Germain, Sofia (ou Sonia) Kovalevskaia, dentre outras. 8 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora, 2002; MELO, H.P. de; LASTRES, H.M.M; MARQUES, T.C. de N. Gênero no Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, 2004; LETA, Jacqueline. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso, 2003. 9 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p.54. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA Podemos inferir que um dos fatores que mantém o processo de escolhas profissionais, tão demarcado pelas diferenças de gênero, certamente está vinculado ao processo de socialização que é imposto às nossas crianças, estabelecendo uma hierarquia de papéis que vai sendo construída desde muito cedo. As meninas são “trabalhadas” para não se sentirem aptas para os jogos competitivos, para o estudo das abstrações e para as tarefas com sentido espacial; assimilam o gosto pelas tarefas do cuidar, do servir, da leitura. Já os meninos, tidos como racionais, objetivos, abstratos, são incentivados para os jogos racionais que envolvem pensamentos lógicos, abstrato, de poder, de competição. Assim, simbolicamente, os meninos e as meninas assumem as representações sociais que lhe foram impostas. A maioria dos homens continua seguindo carreiras em campos diferenciados economicamente e de poder - as carreiras tidas como “duras” (ciências exatas- imparciais, abstratas e quantitativas) - enquanto as mulheres são atraídas para carreiras que supostamente exigiriam delas menos técnica, voltadas principalmente para as funções do cuidar, carreiras tidas como “moles” (ciências humanas e sociais- compassivas, qualitativas) (SCHIENBINGER, 2001, p.296). Nesse sentido, [...] o avanço da escolarização delas e de sua qualidade encontrou certos polos de resistência... e, parece também que esses polos de resistência se encontram essencialmente, [...] ao nível das formações de mais prestígio. Justamente aqueles que tomam o caminho dos estudos centrados em matemática e física.10 Buscando confirmar ou não, num contexto real, essas reflexões, escolhemos a Universidade Federal da Bahia para realizar nosso estudo. Analisamos os dez (10) últimos processos seletivos para o ingresso na referida universidade11, registrando os percentuais de aprovação de mulheres e homens e destacando, para essa comunicação, apenas a área das Ciências Exatas (áreas I )12. Nossa análise se inicia na subárea das engenharias, que, segundo Melo (2006, p.324), se caracteriza pelo fato de que as mulheres egressas estão escolhendo 10 FERRAND, Michèle. A exclusão das mulheres da prática das ciências: uma manifestação sutil da dominação masculina. Revista Estudos Feministas, 2, 1994, p.359. 11 Vestibulares do ano de 2003 até o ano de 2012. 12 Agradecemos ao Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação (SSOA) da UFBA, por gentilmente nos ceder os documentos oficiais sobre os processos seletivos desta universidade entre os anos de 2003 até 2012. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA “especializações mais próximas do estereótipo feminino e submetidas a “segregação horizontal” dentro da carreira”. Seria possível pensar que as mulheres estão mais envolvidas com projetos nos escritórios e os homens estão nas atividades de campo, como no caso da Engenharia Civil, em obras? Questões como essas apontam para investigações futuras já no campo profissional onde se inserem os egressos desses cursos. Contudo, segundo pesquisa de Lombardi (2006, p. 184), em outro estudo, “algumas coisas mudam, mas permanece o mito das engenheiras fora das obras”, e ainda, segundo esta pesquisadora, algumas das entrevistadas na pesquisa afirmaram: “Poucas são as que “gostam” dessa atividade, (as mulheres) não se dão bem em obras, [...] raramente são responsáveis pela obra”. Analisando a tabela I13 (abaixo), observamos que, de um modo geral, em todos os cursos da área I houve um aumento no número de mulheres ingressas, embora tenham ocorrido algumas oscilações em anos intermediários. Apesar deste aumento, há uma relação de desigualdade visível e marcante que se traduz na predominância maior dos homens em quase todos os cursos de engenharia, exceção na Engenharia Sanitária e Ambiental. Um percentual mais marcante de desigualdade é observado no caso da Engenharia Mecânica, que durante os 10 anos analisados manteve a marca de domínio majoritariamente dos homens, tendo em 2003, 96,25% de homens e em 2012, 80,56%. No caso da Engenharia Sanitária e Ambiental, o percentual de homens e mulheres em geral se manteve mais ou menos equilibrado, mas nos dois últimos anos (2011/2012) o ingresso de mulheres superou o número de homens, criando uma expectativa de que essa área passa a ter maiores “atrativos” para as mulheres. Uma suposição a ser investigada: este curso pretende responder à urgência do “cuidar”, “manter” e “proteger” o meio ambiente e as condições sanitárias básicas para a sobrevivência dos indivíduos e do planeta. É curioso o fato de que estas características são historicamente condições impostas e normatizadas como próprias das mulheres. Não necessariamente de modo consciente, as mulheres estariam condicionadas ao cuidado, somando-se ao fato concreto de que a engenharia sanitária guarda uma grande proximidade com as Ciências Biológicas, campo já dominado pelas mulheres, pelo menos numericamente. 13 Na tabela I estão os percentuais de mulheres ingressas nos vestibulares de 2003 até 2012 da UFBA para os cursos da área I, que abrange os cursos de Arquitetura, Física, Geologia, Matemática, Ciência da Computação, Química, Estatística, Geofísica e as Engenharias: Civil, Minas, Elétrica, Mecânica, Química, Sanitária e Ambiental. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA TABELA I – MULHERES INGRESSAS NO VESTIBULAR UFBA ÁREA I –10 ANOS (percentuais em relação ao total de ingressos) 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Arquit. 61,67 60,00 68,33 64,17 65,83 63,33 70,00 68,33 Eng. Civil 21,78 11,88 16,88 20,62 20,00 16,25 22,78 25,56 Eng. Min. 26,67 16,67 16,00 14,00 10,00 18,00 20,00 24,00 Eng. Elet. 15,00 11,25 12,50 12,50 6,25 9,88 17,78 12,22 Eng. Mec. 3,75 1,25 10,00 6,25 5,00 11,25 10,00 5,56 Eng. Quim. 32,50 33,75 42,50 35,00 37,50 42,50 36,67 34,44 Eng. Sanit. 40,00 25,00 50,00 50,00 42,50 52,50 57,78 42,22 Física 12,00 18,00 8,00 12,00 20,00 8,00 10,00 22,00 Geologia 32,00 28,00 24,00 28,00 26,00 34,00 30,00 28,00 Matemática 25,00 23,33 25,00 23,33 23,33 20,00 33,33 26,67 Ci. Comp. 14,29 8,57 15,49 10,00 10,00 11,25 15,56 14,44 Química 47,50 40,00 43,75 47,50 36,25 51,25 52,50 47,50 Estatística 27,50 47,50 37,50 40,00 47,50 42,50 54,35 47,62 Geofísica 13,33 26,67 26,67 6,67 20,00 20,00 3,33 20,00 Fonte – Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação – SSOA/UFBA, 2012 68,33 28,33 30,00 15,56 10,00 40,00 51,11 30,00 30,00 41,67 10,00 61,25 57,89 20,00 68,75 26,38 27,50 20,83 19,44 29,17 61,11 25,00 60,00 47,50 18,06 50,00 57,14 29,17 Um dado interessante emerge da tabela I: o único curso que durante os 10 anos pesquisados manteve o número de mulheres maior que o de homens entre os ingressos foi o curso de Arquitetura, que tem sido considerado um curso de preferência feminina. Pode-se fazer algumas conjecturas: o curso de arquitetura abrange conteúdos na área de Ciências Exatas e Ciências Humanas. A(o) profissional desta área deve conciliar aspectos técnicos, históricos, culturais, estéticos e ambientais, de forma a proporcionar uma melhor qualidade de vida às pessoas que irão viver nos espaços projetados. Humanizar, tornar belos e úteis os ambientes é tarefa fundamental nesta área. Esses aspectos subjetivos (beleza, estética, emoção), por serem considerados formadores “naturais” das características femininas, talvez estejam direcionando as mulheres para essa carreira. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA Alguns pesquisadores14 estudam as relações de gênero no ambiente de trabalho de arquitetas e arquitetos / arquitetas e engenheiros, e observam que: O “trabalho chato”, miúdo, picado e contínuo, invisível, de organização, de contatos, de registros é preferencialmente desenvolvido por elas porque a maioria dos homens não o assumia de imediato e elas se antecipavam em aceitálos.15 Ainda segundo Lombardi (2011), a mulher precisa estar sempre provando sua competência (isto ocorre em todas as áreas) porque sofre com uma vigilância “silenciosa”, e muitas vezes quando demonstra autoridade é vista como mulher “braba” (uma característica dita masculina). A vigilância masculina sobre o desempenho profissional feminino se traduziu na necessidade de provar constantemente o conhecimento técnico e na adoção de uma maior firmeza para transmitir ordens, formas de agir e falar interpretadas pejorativamente como “brabeza” das mulheres.16 Muitas vezes também, as mulheres são comparadas com os homens quando se destacam nas atividades, como podemos observar na fala de uma das entrevistadas: “Rosa, você é tão inteligente que parece um homem” (LOMBARDI, 2006, p.185). O curso de arquitetura por ser considerado um curso feminino, provoca no imaginário de algumas pessoas uma “desqualificação” para os homens que buscam esta formação acadêmica. Em um estudo no qual, foram analisadas as relações de gênero entre alunos e alunas em uma instituição de educação tecnológica brasileira, as autoras afirmaram: Faz parte do padrão tradicional de masculinidade que os homens devem estudar em cursos do universo tecnológico que não sejam relacionados a atividades artísticas. As opiniões dos entrevistados sobre os rapazes que estão no curso de Artes Gráficas e Desenho de Móveis revelaram que há um certo preconceito na sociedade em geral a este respeito. Para alguns esta maneira de pensar criou problemas até para ingressarem nos cursos. Vimos que um deles chegou a mentir para a mãe que estava fazendo vestibular para o curso de Engenharia Civil e quando foi descoberto o seu verdadeiro curso teve que enfrentar a resistência dos 14 Maria Rosa Lombardi; Rosa Cristina Ferreira de Souza e Brigido Vizeu Camargo; Marília Gomes de Carvalho, Samara Feitosa, Valter Cardoso da Silva. 15 LOMBARDI, Maria Rosa. Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural Arquitetura militante e relações de gênero em um empreendimento de trabalho associado. XV Congresso Brasileiro de Sociologia. Curitiba (PR): Fundação Carlos Chagas. 2011, p.21. 16 LOMBARDI, Maria Rosa. Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural Arquitetura militante e relações de gênero em um empreendimento de trabalho associado. XV Congresso Brasileiro de Sociologia. Curitiba (PR): Fundação Carlos Chagas. 2011, p.21. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA familiares. Outro, disse que o pai sentia-se constrangido perante os amigos pelo fato do filho estar cursando Artes Gráficas e não um curso “de homem”.17 Como se pode ver, as escolhas profissionais são profundamente marcadas pelas representações sobre ser mulher ou ser homem, havendo claramente uma associação entre determinadas profissões e o gênero. O caso de Arquitetura é especialmente interessante, por se tratar de um curso situado na área das Ciências Exatas; pode-se inferir que, neste caso, os aspectos “artísticos” associados à profissão superam, em importância, os preconceitos quanto á inadequação técnica ou mesmo cognitiva, colocando as mulheres em vantagem e os homens “sob suspeita” quanto à masculinidade. A Física e a Geofísica continuam, em geral, mantendo as mulheres num nível maior de afastamento. Segundo constatou Lombardi (2006) em sua pesquisa sobre a inserção das engenheiras no campo profissional, ainda há muita resistência no mercado de trabalho em relação à presença das mulheres em determinados setores. Por exemplo, na área da geofísica, ficou constatado que há separação sexual nítida em relação a tipos de trabalhos desenvolvidos por homens e por mulheres. Aos homens o petróleo, às mulheres a água e outros minérios. Mesmo diploma de engenheiro, trabalho igualmente árduo, mas sexos diferentes, aos quais se atribuem carreiras diferentes, com patamares de remuneração e prestígio diversos. [...] os métodos de analise do petróleo, é uma área mais valorizada, dá mais dinheiros, existem grandes contratos. Já as especialidades femininas (como a água) são caracterizadas por pequenos contratos, de menor valor e são menos valorizados.18 Em relação à Física, ainda é visível o afastamento das mulheres, e um dos fatores se baseia no fato desta ciência ser considerada, segundo Schienbinger (2001), extremamente “hard”, que trata e lida com coisas e empregam muita matemática, não há envolvimento com emoções. Esses fatores aliados aos condicionamentos culturais e sociais podem estar contribuindo para afastar as mulheres. O curso de Geologia que mantinha uma tradição de ingresso maior de homens aparece em 2012 com um percentual maior de mulheres (60%), o mesmo ocorreu no 17 CARVALHO, M. G.; FEITOSA,S. e SILVA, V.C. da. Relações de gênero entre alunos e alunas em uma instituição de educação tecnológica brasileira. nº 8, Revista tecnologia e sociedade, 2009, p. 131. 18 LOMBARDI, Maria Rosa. Engenheiras Brasileiras: Inserção e limites de gênero no campo profissional. v.36, n. 127,Cadernos de Pesquisa, 2006, p.192. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA curso de Estatística, no qual a entrada de mulheres vem aumentando progressivamente, inclusive atingindo percentuais relativamente próximos para os dois sexos, sendo que as mulheres vêm superando a entrada dos homens nos dois últimos anos. Análises quantitativas e qualitativas devem ser realizadas nos próximos anos para a verificação desta tendência. O curso de Ciência da Computação mantém-se com o predomínio dos homens. Houve alguns períodos com uma baixa mais acentuada no número de mulheres no curso, mas aparentemente, evidencia-se que o percentual continua variando em relação às mulheres entre 15% e 18%. O curso de Matemática, apesar de também apresentar um aumento em relação às mulheres, continua basicamente mantendo a predominância masculina, apesar de em 2011 e 2012 a diferença percentual ter diminuído consideravelmente. Esta mudança pode significar uma feminização do curso, o que seria um retorno às origens, vez que o Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia, desde sua fundação, sempre foi um reduto feminino, contrariando todas as representações sociais sobre a inadequação das mulheres para o pensamento matemático. No entanto, é importante ter em mente que o curso tem duas habilitações: Licenciatura e Bacharelado. As mulheres podem estar interessadas no exercício da profissão docente, o que corresponde à expectativa social de profissionalização feminina. Uma investigação futura junto aos discentes do curso deve apontar para as escolhas de homens e mulheres para as duas habilitações, sendo interessante ouvir depoimentos que apresentem as razões para essas escolhas. Não há dados que nos permitam afirmar que há uma destinação consciente dos cursos na área das Ciências Exatas para os homens e que a exclusão das mulheres é explícita e determinada por fatores conhecidos. Concordamos com a pesquisadora Carla Cabral (2005), para quem as mulheres continuam sofrendo com as barreiras invisíveis que afetam suas trajetórias profissionais: Hoje, não há restrições aparentes para o seu acesso aos sistemas educacionais, mas ergue-se uma série de outras barreiras que restringem sua participação na III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA produção do conhecimento científico e tecnológico, hierárquica territorialmente, num universo androcêntrico de pesquisa e trabalho.19 e Contudo podemos afirmar, respondendo à Ferrand (1994, p. 359): “Será que são as moças que não gostam de matemática ou a matemática que não gosta das moças?”, que não é nem uma coisa nem outra. As mulheres que se dedicam a essa área gostam e se dedicam com verdadeira paixão; contudo, como esse campo foi construído baseado nas percepções masculinas fortemente impregnadas historicamente pelos mitos das desigualdades sexuais, se tem a pretensa noção de que o campo matemático não aprecia as mulheres, mas isto é mais uma “armadilha” do poderio patriarcal que invisibiliza o crescimento feminino. Acreditamos que absolutamente nada na Matemática em si afasta as mulheres; a participação delas e sua produção de conhecimento só pode enriquecer a área, agregando, talvez, abordagens criativas e provocadoras, abrindo-se assim um vasto campo de possibilidades de pensar e fazer uma nova matemática. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando as ideias apresentadas neste texto, verificamos que a construção do conhecimento na área das ciências exatas, por ainda manter o pensamento essencialista e biologizante, que reafirma uma pretensa incapacidade de abstração lógica das mulheres neste espaço, acaba criando barreiras invisíveis que dificultam a entrada, a permanência e o reconhecimento da capacidade de produção intelectual das mulheres. Precisamos intensificar a produção de conhecimento que associe os Estudos de Gênero e Matemática, com o objetivo de integrar uma ampla discussão em relação às assimetrias de gênero que continuam demarcando as escolhas profissionais dos jovens. REFERÊNCIAS BADINTER, Elisabeth. XY – sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. CABRAL, Carla; BAZZO, Walter Antonio. A compreensão de CT e Valores de professoras da área de tecnológica: barreiras e caminhos para uma consciência crítica. 19 CABRAL, Carla; BAZZO, Walter Antonio. A compreensão de CT e Valores de professoras da área de tecnológica: barreiras e caminhos para uma consciência crítica, Nº 5. São Paulo: Bauru, Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. 2005, p.5. III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I Salvador - BA In: Atas do V ENPEC – 2005, nº 5, São Paulo: Bauru. Disponível em http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/venpec/conteudo/artigos/1/pdf/p718.pdf Acesso em: 11/08/2012. CARVALHO, M. G.; FEITOSA,S. e SILVA, V.C. da. Relações de gênero entre alunos e alunas em uma instituição de educação tecnológica brasileira. Curitiba: Revista tecnologia e sociedade, 2009, nº 8, p. 87-135. FERRAND, Michèle. A exclusão das mulheres da prática das ciências: uma manifestação sutil da dominação masculina. Florianópolis: Revista Estudos Feministas, 2, 1994. FINE, Cordelia. Delusions of gender: the real science behind sex differences. Londres: Icon, 2010. 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