JACK, O ESTRIPADOR: O SUSPEITO EM FUGA LUIZ ROBERTO

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JACK, O ESTRIPADOR:
O SUSPEITO EM FUGA
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LUIZ ROBERTO DA COSTA JÚNIOR
JACK, O ESTRIPADOR:
O SUSPEITO EM FUGA
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4
PARTE
I
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6
Em 1887, a Rainha da Grã-Bretanha e
Irlanda havia comemorado o Jubileu de
Ouro de seu reinado. Se, por um lado,
ela fosse tratada como a Rainha Carestia
pelos irlandeses. Por outro lado, a
aristocracia se orgulhava de que o sol
nunca se punha no Império Britânico,
pois havia 11 anos que a Rainha Vitória
havia sido coroada Imperatriz da Índia.
A cidade de Londres tinha centros
residenciais, comerciais e administrativos
no West End. A região de East End,
separada pelo rio Tâmisa, era onde
ficavam as indústrias navais e têxteis,
cortumes, matadouros, havia prostituição
e um alto índice de criminalidade. Apenas
no distrito de Whitechapel havia mais de
60 bordéis com mais de mil prostitutas.
As mulheres “desafortunadas” (que
ficavam sem o marido) não tinham quase
outra opção, por falta de qualquer
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perspectiva de trabalho (além de fazer
algum pequeno trabalho eventual), entre
escolher morrer de fome ou prostituir-se
para ao menos ter algum dinheiro para
comer. Enquanto isso, migrantes de
diversas partes dirigiam-se a Londres em
busca de empregos precários e tentar
sobreviver em habitações insalúbres.
A
Revolução
Industrial
trouxera
prosperidade para a burguesia, mas
gerara
uma
massa
desvalida
de
proletários miseráveis. A migração dos
camponeses para as grandes cidades
como Londres, Birmingham e Liverpool
provocava um aumento dos bolsões de
pobreza
em
cortiços
dos
bairros
industriais. Em decorrência da Guerra de
Secessão (1861-1865) nos Estados
Unidos,
diversas
indústrias
têxteis
britânicas foram à falência por falta de
algodão, o que agravava a explosão
8
demográfica e o desemprego nas
grandes cidades industriais. A agitação
social já se manifestava na imprensa
com a infiltração de socialistas. Uma
grande
manifestação
pacífica
na
Trafalgar Square, convocada para 13 de
novembro de 1887, foi violentamente
reprimida com elevado número de
pessoas mortas, feridas e presas.
Charles Warren (comissário da polícia
metropolitana),
que
defendia
a
militarização da polícia e a centralização
do Criminal Investigation Department
(CID), deu a ordem para o massacre do
Domingo Sangrento. Em dezembro, ele
foi condecorado como Cavaleiro da
Rainha. Jornais oposicionistas como o
Star e o Pall Mall Gazette começaram
uma campanha de ataque: War on
Warren.
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Sir Charles Warren, com sua farda
pomposa cheia de medalhas, procurava
defender o governo contra os cidadãos e
não proteger os cidadãos contra os
criminosos. A polícia focava a sua ação
em reprimir as manifestações de
irlandeses antigoverno e também a
reivindicação
por
reformas
para
combater o desemprego. Em Londres,
cerca de 15 mil policiais (munidos apenas
de cacetete) patrulhavam a pé as ruas da
cidade. A proporção era de um policial
para cada 4 mil cidadãos tendo o
trabalho de patrulhar cerca de 10
quilômetros de ruas.
O número de
policiais caía em agosto, em cerca de 2
mil, por causa das férias de verão. As
ruas de Londres eram iluminadas com
lampião a gás. As casas era aquecidas
com carvão de baixa qualidade e isso
provocava uma densa fumaça preta
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sobre a cidade. A chuva contribuía para
baixar ainda mais uma cortina negra
sobre a cidade. As lamacentas ruas de
East End eram infestadas de ratos e lixo.
Este é o painel histórico de 1888, quando
ocorreu o Outono do Terror: Jack, O
Estripador provocou pânico nas ruas de
Londres ao matar e mutilar várias
prostitutas.
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PARTE
II
13
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Londres, 1888. O livro Strange Case of
Dr Jekyll and Mr Hyde do escritor escocês
Robert Louis Stevenson (1850–1894)
havia sido publicado em 1886. A
adaptação para o teatro fazia grande
sucesso desde a estreia em 1887. O ator
inglês Richard Mansfield (1857-1907)
imortalizou-se no duplo papel de médico
e monstro no Teatro Lyceum, em
Londres, durante a temporada de 1888.
Esta adaptação teatral de O Médico e o
Monstro como também o livro O Retrato
de Dorian Gray de Oscar Wilde (18541900), publicado em 1890, revelavam a
dualidade da sociedade vitoriana ao
mostrar
que
pessoas
respeitáveis
socialmente no convívio do dia-a-dia
podiam
ter
um
comportamento
totalmente diverso do que aparentavam
ser. O desenvolvimento de estudos sobre
a loucura, a esquizofrênia e a psicose
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maníaco-depressiva (e modernamente
também o distúrbio bipolar) ganharam
força sob a égide de O Médico e O
Monstro. Esta peça de teatro capturou
como nunca o momento histórico de
1888 ao retratar como um assassino
poderia conviver socialmente sem muita
desconfiança das demais pessoas. A
impressionante atuação do ator Richard
Mansfield, com sua transformação de
médico em monstro, chegou a causar-lhe
problemas inclusive de ser acusado de
ter
cometido os
assassinatos
em
Whitechapel.
Jack, O Estripador provocou pânico nas
ruas de Londres ao matar e mutilar
várias prostitutas durante o Outono do
Terror. O Memorando Macnaghten de 23
de fevereiro de 1894, confidencial e
endereçado ao Secretário do Interior,
afirma que Jack, O Estripador fez apenas
16
cinco
vítimas:
Mary
Ann
Nichols
(31/8/1888),
Annie
Chapman
(8/9/1888), Elizabeth Stride e Catherine
Eddowes (30/9/1888) e Mary Jane Kelly
(9/11/1888).
Entretanto,
esse
Memorando foi devidamente vazado para
a imprensa com o único objetivo de
combater as matérias do jornal The Sun
que indicavam como suspeito um homem
que esfaqueou as nádegas de 6 mulheres
e que foi internado num manicômio. Essa
versão oficial de que Jack, O Estripador
fez apenas cinco vítimas foi assinada pelo
aristocrata Melville Macnaghten, diretor
do CID a partir de 1890, condecorado
como Cavaleiro da Rainha em 1908 e que
se aposentou em 1913.
Embora, na verdade, tenha ocorrido um
total de 11 assassinatos em Whitechapel
entre 3 de abril de 1888 e 13 de
fevereiro de 1891, há uma disputa entre
17
os estudiosos sobre quais assassinatos
podem ou não ser atribuídos a Jack, O
Estripador. Então, vamos por partes...
Ou seja, analisar apenas os assassinatos
ditos
canônicos
por
Sir
Melville
Macnaghten.
Em 31 de agosto de 1888, a prostituta
Mary Ann Nichols, conhecida como Polly
Nichols foi morta na travessa de Buck,
perto do Cemitério dos Judeus de
Whitechapel. Ela era alcoólatra e
separada do marido William Nichols com
quem tivera cinco filhos. Por volta de
3h40 da madrugada, ela foi encontrada
morta em frente ao portão de uma
estrebaria por um carreteiro que saía
para o trabalho. O médico-cirurgião
Llewellyn, que foi chamado ao local,
constatou o óbito e que havia dois cortes
profundos que seccionaram a traqueia e
a goela. Posteriormente, durante a
18
autópsia foi constatada que ela havia
sido estripada com o abdome aberto.
O jornal Star deu um grande destaque ao
caso e provocou alarde em 1º de
setembro ao associar esta morte com a
de duas outras prostitutas ocorridas
anteriormente
(Emma
Smith,
em
3/4/1888,
e
Martha
Tabram,
em
7/8/1888,
assassinada
com
39
punhaladas), mas no primeiro caso, a
vítima fora atacada, roubada e estuprada
(por uma gangue de jovens marginais) e
morreu de peritonite no Hospital de
Londres. Entretanto, a enorme pressão
sobre as autoridades policiais fez com
que o CID fosse acionado e o inspetor
Frederick George Abberline, designado
para investigar o caso da morte de Mary
Ann Nichols.
19
Em 8 de setembro de 1888, Annie
Chapman (filha de militar e que fora casa
com John Chapman com quem tivera três
filhos) foi encontrada morta, com a
garganta cortada e o abdome aberto com
vísceras expostas, por um carroceiro que
se preparava para sair para trabalhar por
volta das 6 da manhã na Rua Hanbury.
Pela marca nos dedos, dois anéis de
latão haviam sido arrancados de sua mão
esquerda.
A
garganta
havia
sido
seccionada por dois cortes, de acordo
com o médico-cirurgião George Bagster
Phillips. Ele constatou durante a autópsia
que o útero, a vagina e grande parte da
bexiga tinham sido retirados e levados
pelo
assassino,
pois
não
foram
encontrados.
Durante as investigações, a testemunha
Elizabeth Long afirmou que caminhava
pela rua Hanbury, às 5h30 da manhã em
20
direção ao mercado, quando viu Annie
Chapman (conhecida pelos amigos como
Dark Annie: Annie Morena) conversando
com um homem moreno com roupa
escura e que usava chapéu deerstalker
marrom (boné rural com duas palas) em
frente ao número 29. Pouco depois, do
quintal de sua casa no número 27, um
carpinteiro chamado Albert Cadosch
ouviu vozes, um grito de mulher (Não!) e
algo caindo sobre a cerca de 1,67m de
altura, mas como não ouviu mais nada,
ele saiu para trabalhar.
A equipe liderada pelo investigador
Abberline conseguiu identificar o suspeito
John Pizer (judeu polonês de 38 anos)
que se enquadrava na descrição e que
acabou detido. Em seu poder foram
encontradas cinco facas que ele alegou
usar em seu serviço como sapateiro, daí
seu apelido Avental de Couro. Com
21
passagens pela polícia e uma condenação
por apunhalar um colega, John Pizer só
foi solto porque o álibi para o primeiro
crime na madrugada de 31 de agosto era
muito sólido: passara a noite num
albergue
da
avenida
Holloway
e
conversara com várias pessoas na rua
sobre um incêndio ocorrido nas docas,
fato que foi confirmado pelo proprietário
do estabelecimento.
A polícia, antes criticada por causa da
inércia, passou a ser atacada por causa
da falta de critério nas investigações e da
arbitrariedade
na
detenção
dos
suspeitos. Vários suspeitos foram detidos
e depois foram soltos quando os álibis
mostraram-se sólidos como no caso de
John Pizer. Além dele, vale destacar dois
que permaneceram como suspeitos até
30 de setembro: um cabeleireiro alemão
chamado Charles Ludwig que foi preso,
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em flagrante, ao ameaçar uma prostituta
com uma faca; o suíço Jacob Isenschmid,
que era demente, tinha alucinações e
ameaçava explodir a rainha no Palácio de
Buckingham com dinamite e acabou
internado no Hospício Grove Hall, em
Bow. O inspetor Abberline escreveu em
seu relatório de 18 de setembro que
provavelmente este suspeito seria o
assassino. Sua expectativa de ter
esclarecido o caso dos assassinatos de
Whitechapel se esvairia em decorrência
do evento duplo ocorrido em 30 de
setembro.
Após o segundo crime de grande
repercussão, a opinião pública começou a
pressionar ainda mais para uma solução
para o caso. O Comitê de Vigilância de
Whitechapel foi criado pela associação
dos comerciantes do distrito para
patrulhar a região a fim de combater o
23
déficit de policiais. Enquanto isso, o
comissário Charles Warren que estava
incomodado com a descentralização do
CID forçou a demissão de James Monro.
Isto
indispôs
grande
parte
do
departamento que ameaçou se demitir
juntamente com o diretor do CID. O
nomeado para assumir foi Robert
Anderson que, em meio a esta grave
crise, simplesmente partiu para a Suíça
em férias. Esta disputa na cúpula deixou
flagrante não só a inércia da polícia como
também a falta de liderança que a
desmoralizou para resolver os crimes de
Whitechapel.
Durante a madrugada de 30 de setembro
de 1888 ocorreu o evento duplo quando
a sueca Elizabeth Stride (que estava
separada do marido John Stride) foi
morta na rua Berner com a garganta
cortada enquanto Catherine Eddowes foi
24
encontrada, na Praça Mitre à distância de
1,5 Km, com a garganta cortada e várias
mutilações na face e no estômago, sendo
que o rim esquerdo e o útero foram
retirados pelo assassino (sem a mesma
precisão
cirúrgica
do
caso
Annie
Chapman, segundo o Dr. Phillips).
O primeiro crime do evento duplo
ocorreu por volta da 1 da manhã. Um
vendedor de bijuterias entrava com sua
carroça puxada por um pônei no pátio
Dutfield na Rua Berner, ao lado do Clube
Educacional
Internacional
de
Trabalhadores,
para
descarregar
a
mercadoria, mas o animal empacou e
ficou muito assustado. Após apear, a fim
de verificar o que tinha acontecido, o
vendedor de bijuterias encontrou (com a
ajuda de outras pessoas e uma vela) o
25
corpo de Elizabeth Stride ainda quente, o
que indicava que o assassino tinha
acabado de fugir.
O segundo crime do evento duplo
ocorreu na Praça Mitre, área que
pertence à City (espécie de cidade dentro
da
cidade
de
Londres),
sob
responsabilidade da Polícia Municipal que
não se reportava à Secretaria do Interior
ou à Polícia Metropolitana. O policial
Edward Watkins havia passado à 1h30
pela Praça Mitre e não havia nada, mas
ao retornar na ronda seguinte à 1h45
encontrou o corpo de Catherine Eddowes.
O médico George William Sequeira foi
chamado ao local e confirmou o horário
da morte, fato que foi corroborado
posteriormente após a chegada do
cirurgião
da
Polícia
Municipal
dr.
Frederick Gordon Brown.
26
Pouco antes das três da manhã, o
pedaço do avental branco ensanguentado
de Catherine Eddowes (que havia sido
cortado pelo assassino) foi encontrado
por um policial no chão da rua Goulston e
perto de uma enigmática frase escrita na
parede com giz: The Juwes are the men that
will not be blamed for nothing. O termo Juwes
é de origem maçom e refere-se aos
pedreiros Jubelo, Jubela e Jubelum,
conhecidos
como
os
Juwes,
que
assassinaram Hiram Abif, primeiro-grãomestre maçom e arquiteto do Templo de
Salomão. Os três receberam a punição
de terem a garganta cortada, sendo as
vísceras e o coração jogados sobre o
ombro esquerdo.
A rua Goulston, a dez minutos de
caminhada da Praça Mitre, pertencia à
27
jurisdição da Polícia Metropolitana e o
fato acabou permitindo que o crime fosse
investigado por Sir Charles Warren, em
pessoa, por volta das cinco da manhã. O
fotógrafo Thomas Dutton foi chamado ao
local para tirar fotos da evidência, mas o
comissário Charles Warren determinou
que tanto a inscrição fosse apagada
como
posteriormente
houvesse
a
destruição
das
chapas
fotográficas
enviadas à polícia. Isto permanece
extremamente controverso, pois Charles
Warren era maçom e ele foi alvo de
pesadas críticas, tanto por parte da
imprensa como dentro da própria polícia,
por causa da destruição de uma
evidência numa importante investigação
criminal. Motivo que acabou por ajudar a
alimentar a famosa teoria conspiratória
sobre o envolvimento da família real no
crime e o consequente encobrimento da
Scotland Yard: o príncipe Albert (neto da
rainha
Vitória)
teria
um
suposto
28
envolvimento com a prostituta Mary Jane
que, juntamente com outras três
prostitutas, estaria chantageando-o e,
por isso, o médico da família real Sir
William Gull teria sido encarregado de
eliminá-las. Sir William Gull estaria
acompanhado de um cocheiro numa
carruagem para dar carona e oferecer
uvas envenenadas(!) para depois matar
as prostitutas conforme os rituais
maçônicos (sendo que a segunda do
evento duplo teria sido morta por engano
ao ser confundida com Mary Jane) e,
além disso, a culpa recairia sobre um
advogado suicida chamado Montague
John Druitt que foi encontrado afogado
no rio Tâmisa no último dia de 1888. A
teoria real-maçônica foi exibida pela TV
britânica, em 1973, e para algumas
pessoas é mais fácil acreditar nela e não
que houve incompetência e negligência
por parte da polícia.
29
Durante a investigação do evento duplo,
houve vários testemunhos relevantes
para a apuração do caso: 1) a
testemunha William Marshall descreveu o
suspeito como sendo de meia-idade,
boné, roupas escuras, bigode sem suíças,
fala mansa e educada. O suspeito estava
conversando com a vítima na rua Berner
às 23h45 da noite de 29 de setembro; 2)
o guarda Smith descreveu o suspeito
com cerca de 28 anos, 1,70m, aparência
respeitável, roupas escuras, de bigode
sem suíças e segurava um pacote de
cerca de 20 centímetros. O suspeito
estava conversando com a vítima por
volta de 0h30, da madrugada de 30 de
setembro, quando o guarda Smith fazia
sua ronda; 3) a testemunha Israel
Schwartz descreveu o suspeito como
tendo cerca de 30 anos, 1,65m, cabelo
castanho, trajando sobretudo escuro,
30
calças escuras e boné de duas palas.
Além disso, o imigrante húngaro Israel
Schwartz viu o suspeito às 0h45
tentando puxar Elizabeth Stride, na rua
Berner, e ao virá-la acabar por jogá-la ao
chão. Um segundo homem do outro lado
da rua acendia um cachimbo e o primeiro
suspeito
chamou-lhe
de
“Lipski”
(expressão muito usada na época para
insultar os judeus desde que um judeu
chamado Lipski fora enforcado pelo
assassinato de uma judia em 1887).
Tanto a testemunha como o segundo
suspeito (descrito como tendo 35 anos,
1,80m, cabelo castanho claro, sobretudo
escuro, chapéu preto de aba larga e de
cachimbo na mão) correram em direção
à ferrovia que ficava próxima ao local,
deixando Elizabeth Stride à mercê de seu
assassino no quarto de hora seguinte até
a uma da manhã de 30 de setembro.
31
No caso do segundo assassinato do
evento duplo, a testemunha Joseph
Lawende descreveu o suspeito como
sendo um homem de cerca de 30 anos;
1,70m, claro, bigode, paletó de cor cinza
e boné cinza de duas palas e um lenço
vermelho. O caixeiro-viajante Joseph
Lawende saía com dois amigos do
Imperial Club, na rua Duke, quando viu
Catherine Eddowes conversando com o
suspeito na Church Passage, rua coberta
que vai dar na Praça Mitre, pouco depois
de uma e meia da manhã. Dois dias
depois do crime, a vítima Catherine
Eddowes foi reconhecida pelo seu
companheiro John Kelly, havia sete anos,
por causa da descrição das roupas e das
características da vítima que tinham sido
divulgadas pela imprensa, além da
tatuagem T.C., no antebraço esquerdo
da vítima, que se referia ao antigo
companheiro dela: Thomas Conway com
32
quem ela vivera por duas décadas, sem
casar, e com tivera três filhos.
Em 1º de outubro, manifestações no
Victoria Park e no Mile End pediam a
cabeça de Sir Charles Warren e também
do
secretário
do
Interior
Henry
Matthews, membro do gabinete do
primeiro-ministro
conservador
Lorde
Salisbury. O jornal Daily Telegraph, que
apoiava o governo, chegou a escrever:
“Já estamos fartos do sr. Secretário do
Interior Mattews. Ele nada sabe, nada
ouviu, e nada pretende fazer com relação
a assuntos sobre os quais deveria estar
muito bem informado e pronto para agir
com energia e presteza. Já está na hora
desse ministro ceder seu lugar a alguém
com maior competência” (Schmidt, 2009,
p.76).
33
Diante da gravidade do caso, Robert
Anderson (diretor do CID) finalmente foi
obrigado a retornar de suas férias na
Suíça. Ele chegou com uma solução
pronta para o caso: as prostitutas que
fossem encontradas nas ruas, após a
meia-noite, deveriam ser encarceradas
para sua própria segurança. Em 09 de
outubro, Sir Charles Warren levou dois
cães de caça (Barnaby e Burgho), ao
Regents Park, para testar como seria a
perseguição ao criminoso de Whitechapel
(por suas ruas lamacentas e mal
cheirosas...) quando da ocorrência de um
novo crime. Ambas as ideias não
prosperaram por serem totalmente
estapafúrdias.
Em 25 de setembro, uma carta forjada
pelos jornalistas Tom Bulling e Charles
Moore foi enviada à Scotland Yard:
estava assinada Jack, O Estripador e foi
34
publicada pelo jornal Daily News em 1º
de outubro após a ocorrência do evento
duplo. Isto deu tanto uma alcunha para o
criminoso como provocou uma enxurrada
de cartas falsas (cerca de mil por
semana) que tumultuavam a apuração
do caso. Entretanto, no dia 16 de
outubro, uma carta intitulada “Do
Inferno”, recebida por George Lusk
(presidente do Comitê de Vigilância de
Whitechapel), acompanhada de metade
de um rim infectado com a doença de
Bright (uma forma de uremia, a mesma
que acometia Catherine Eddowes) deixou
poucas dúvidas sobre a autenticidade da
carta que é atribuída ao verdadeiro
assassino.
A paranóia causada pelo evento duplo
começou
a
ter
reflexos
no
comportamento
das
pessoas:
um
açogueiro, constantemente acusado de
35
ser o assassino, matou-se cortando a
própria
garganta;
uma
costureira
enlouqueceu ao sentir-se perseguida
pelas ruas e foi internada num hospício;
a esposa de um tecelão enforcou-se por
não aguentar viver aterrorizada; na
Irlanda, uma mulher entrou em estado
de choque e morreu quando um homem
agitou uma faca diante dela e disse que
era Jack, O Estripador. A esposa do
reverendo Barnett, vigário da igreja de
São Judas, em Whitechapel, organizou
um abaixo-assinado (endereçado à
Rainha Vitória) com cerca de 5 mil
assinaturas de mulheres pedindo o
fechamento das casas de má-reputação.
A resposta da rainha foi encaminhar o
pedido para que o secretário do interior,
Henry
Matthews,
tomasse
as
providências cabíveis e resolvesse a
questão.
36
Enquanto
isso,
as
investigações
prosseguiam e o suspeito Dr. Robert
Donston Stephenson chegou a ser
interrogado duas vezes. Dr. Stephenson
estava internado em decorrência de
esgotamento nervoso no Hospital de
Londres, em Whitechapel, no período de
26 de julho a 7 de dezembro. Ele se
encontrava num local de onde poderia
fugir durante a madrugada para cometer
todos os cinco assassinatos para depois
retornar sem ser descoberto. Ele
escreveu para a polícia, após o evento
duplo, sobre sua teoria dizendo que o
assassino era francês e que na
enigmática frase não estava escrito
Juwes (o correto em inglês seria Jews,
mas sim Juives em francês) e o que os
assassinatos envolviam magia negra. Em
1º de dezembro, o Dr. Stephenson
escreveu um artigo no jornal Pall Mall
Gazette com a mesma versão. Apesar
disso, ele apresentou uma outra versão
37
para acusar um próprio médico do
hospital, Dr. Morgan Davies, como
suspeito de ser Jack, O Estripador porque
este descreveu com muita precisão como
seria um dos assassinatos. O Dr.
Stephenson foi descartado como suspeito
por ser mais velho e mais alto do que o
suspeito, além do que a sua saúde
debilitada por doenças, bebidas e drogas
dificilmente permitiria que ele cometesse
tais crimes com o vigor necessário
principalmente no caso do evento duplo.
Sir Charles Warren estava desgastado no
cargo de comissário e sua queda já era
dada
como
certa
por
causa
do
desprestígio causado pela não captura do
assassino
de
Whitechapel.
Robert
Anderson começou a fazer reuniões com
o ex-diretor James Monro e com o
secretário do Interior Henry Matthews a
fim de tratar do futuro do CID, sem
38
comunicar o fato ao comissário Charles
Warren. O mês de outubro transcorreu
sem nenhum crime, mas também sem
uma solução para o caso, pois a polícia
não conseguia prender o assassino.
Vários suspeitos tinham sido presos e
depois soltos quando os álibis foram
confirmados ou porque ocorrera um novo
crime durante o mês de setembro. A
posição de Sir Charles Warren ficou
insustentável e ele se demitiu em 8 de
novembro.
Na madrugada de 9 de novembro, a
irlandesa Mary Jane Kelly foi brutalmente
assassinada e trucidada na cama no Beco
de Miller, no quarto nº 13, no crime mais
brutal e horrendo que ocorreu em
Londres no século XIX. Por volta de
10h45 da manhã, o proprietário do Beco
de Miller, John McCarthy, enviou seu
empregado da loja de velas da rua
39
Dorset, Thomas Bower, para cobrar o
aluguel atrasado de Mary Jane, mas ele
encontrou a porta fechada e pela janela
constatou que ela havia sido morta. A
polícia foi avisada por John McCarthy, o
inspetor Abberline isolou o Beco de Miller
e telegrafou ao comissário Charles
Warren para que os dois cães farejadores
(Barnaby e Burgho) fossem enviados
imediatamente à cena do crime. Isto
demonstrou
uma
total
falta
de
coordenação de trabalho entre o CID e a
Scotland Yard, pois os cães já haviam
sido devolvidos ao dono, assim como o
comissário Charles Warren já havia se
demitido no dia anterior. Este ficara
sabendo da conspiração que minava a
sua autoridade e, por isso, publicou um
artigo numa revista, no início de
novembro, no qual insistia em que a
direção do CID deveria ser subordinada
ao comissário da Polícia Metropolitana.
Henry Matthews, secretário do Interior,
40
ficara enfurecido com o comissário
Charles Warren e chamara-lhe a atenção
por divulgar publicamente assuntos
internos da polícia e este decidira
finalmente
demitir-se
em
8
de
novembro. Dois dias depois, Henry
Matthews decidiu reconduzir James
Monro ao cargo de comissário da Polícia
Metropolitana.
As primeiras suspeitas recaíram sobre
Joseph Barnett, ex-companheiro de Mary
Jane, que foi interrogado por quatro
horas pelo inspetor Abberline. Joseph
Barnett era apaixonado pela vítima e
tentava sustentar a ambos, mas a perda
de seu emprego como limpador de peixes
e carregador no mercado, em junho de
1888, levou Mary Jane à prostituição. A
hipótese de crime passional, após uma
frustrada tentativa de reconciliação na
madrugada do crime, foi levantada por
41
Bruce Paley, em 1995, no livro Jack the
Ripper: the Simple Truth. Joseph Barnett
correspondia à descrição do suspeito e
teria tanto o motivo como a oportunidade
para matar Mary Jane. Entretanto, várias
pessoas próximas a Mary Jane afirmaram
que Joseph Barnett era atencioso e dava
dinheiro a ela, mesmo eles não estando
mais juntos, e que não tinham
conhecimento de nenhum ato de
violência dele em relação a ela, mesmo
estando bêbado. O inspetor Abberline
acreditou na inocência de Joseph Bernett
e este foi liberado após o interrogatório.
O inquérito para apurar a morte de Mary
Jane foi aberto às onze da manhã de 12
de novembro e, muito apressado e mal
conduzido, foi encerrado após seis horas
e meia de duração no mesmo dia. O
assassinato ocorrera em Spitalfields, mas
o inquérito foi feito em Shoreditch Town
42
Hall porque o corpo foi levado para o
necrotério de Shoreditch. O veredito foi
de assassinato premeditado, cometido
por pessoas ou pessoas desconhecidas.
Às
seis
da
tarde,
um
operário
desempregado
chamado
George
Hutchinson apresentou-se na delegacia
de polícia da rua Commercial e,
posteriormente, foi interrogado pelo
inspetor Abberline. George Hutchinson
dava algum dinheiro de vez em quando
para Mary Jane e, provavelmente, tinha
algum grau envolvimento como amigo ou
cliente ocasional. Às duas da manhã de 9
de
novembro,
George
Hutchinson
encontrara Mary Jane na rua Commercial
e ela pedira dinheiro, mas ele afirmara
que não tinha para dar-lhe naquele
momento porque acabara de chegar de
viagem.
Em
seu
depoimento,
a
testemunha afirmou que, em seguida,
viu um suspeito tocar no ombro de Mary
Jane e conversar com ela. Os dois
43
atravessaram a rua Commercial e
entraram na rua Dorset, ambos seguidos
por George Hutchinson até a entrada do
beco de Miller. Posteriormente, Mary
Jane entrou na casa nº 13 acompanhada
do
suspeito,
enquanto
George
Hutchinson esperou 45 minutos por ela,
mas desistiu e foi embora às três da
manhã. O suspeito foi descrito como
tendo cerca de 34 ou 35 anos, 1,67m,
pestanas e olhos escuros, bigode com
ponta para cima, cabelo escuro, paletó
escuro, calças escuras, chapéu de feltro,
um lenço vermelho no pescoço, gravata
preta com broche de ferradura, luvas
marrons e carregava um pacote com
cerca de 20 centímetros. Elizabeth
Prater, a vizinha de cima de Mary Jane, e
Sarah Lewis, que passava à noite com
uma amiga no quarto em frente ao de
Mary
Jane,
coincidiram
em
seus
depoimentos ao afirmar terem ouvido um
grito abafado por volta de 3h30-3h45 da
44
madrugada, provável horário da morte
de Mary Jane.
No dia 10 de novembro, a pedido do
diretor do CID Robert Anderson, o
renomado cirurgião da polícia Thomas
Bond - com mais de vinte anos de
experiência e que realizara a última
autópsia – havia entregado um relatório
(após
estudar
as
outras
quatro
autópsias)
onde
afirmava
que
o
assassino seguia o mesmo método de
estrangular e depois cortar a garganta da
esquerda para a direita (no último dos
cinco casos, o sangue na parede
confirmava onde a cabeça da mulher
estava deitada). As mutilações tinham as
mesmas características e eram feitas por
alguém sem conhecimento científico ou
anatômico. O instrumento usado era uma
faca com pelo menos 15 centímetros de
comprimento e 2,5 centímetros de
45
largura (diversos estudiosos sugerem
que a arma do crime poderia ser a faca
cirúrgica Linston muito usada para
realizar amputações no século XIX). O
assassino era fisicamente forte, agia com
muita frieza e era muito ousado. Um
homem sujeito a ataques periódicos de
erotomania sendo que as mutilações
seriam resultado de uma condição
mental vingativa contra as mulheres. Os
crimes ocorreram tanto em feriados
como em fins de semana, em ambos os
casos de madrugada. O assassino tinha
aparência de um homem inofensivo, com
emprego regular, morava entre pessoas
respeitáveis que conheciam seu caráter e
hábito de sair à noite e estas podiam
suspeitar que ele tivesse uma mente
perturbada.
A partir dos testemunhos mais confiáveis
de Elizabeth Long, William Marshall,
46
guarda Smith, Israel Schwartz, Joseph
Lawende e George Hutchinson há a
descrição do suspeito como sendo de um
homem branco de estatura mediana na
faixa de 30 anos de aparência entre
“distinta surrada” e “respeitável”. A
proximidade dos crimes e a desenvoltura
do criminoso sugerem que ele morava
em East End (Schmidt, 2009, p.115).
Os cinco crimes foram investigados e os
inquéritos arquivados pelos mesmos
motivos:
“assassinato
premeditado,
cometido
por
pessoa
ou
pessoas
desconhecidas”. A imprensa na GrãBretanha, em menos de quatro décadas,
aumentara o número de jornais de 14
para 168. A pressão social aumentava e
a própria Rainha Vitória perdeu a
paciência, após o assassinato de Mary
Jane
(cujo
coração
nunca
foi
encontrado), e cobrou providências do
47
primeiro-ministro Lordy Salisbury e
enviou várias sugestões ao Secretário do
Interior
Henry
Matthews.
Se
os
assassinatos de Whitechapel não foram
esclarecidos, pelo menos a pressão social
por mudanças acabou por resultar na
aprovação do Housing of the Working
Classes Act 1890 e Public Health
Amendment Act 1890 que estabeleceram
as condições mínimas para as moradias.
Estas medidas provocaram tanto a
transformação
de
áreas
urbanas
degradadas como a demolição de muitas
áreas durante duas décadas após os
assassinatos de Whitechapel.
48
PARTE
III
49
50
O serial-killer (assassino serial) mata
para satisfazer suas fantasias, sendo que
seus crimes não têm relação direta entre
si e ocorrem em períodos de tempo e
locais distintos. O serial-killer não tem
relação de parentesco com suas vítimas.
As vítimas apresentam características
comuns e o assassino apresenta o
mesmo modus operandi para cometer os
crimes.
As sete fases ou etapas psicológicas que
o serial-killer apresenta são: Fase Aura
(afasta-se da realidade, vive no mundo
de fantasia, apresenta comportamento
anti-social); Fase da Pesca (procura
vítimas em locais onde possa encontrálas e estuda o terreno onde pretende agir
para ter uma fuga rápida); Fase do
Cortejo (identifica a vítima, conquista a
confiança dela, atraindo-a para uma
armadilha); Fase da Captura (ao fechar a
51
armadilha que armou, trancar ou golpear
a vítima indefesa); Fase do Assassinato
(clímax emocional que envolve matar a
vítima e estripá-la no caso de Jack, O
Estripador); Fase Totêmica (coleciona
algo relacionado ao crime como recortes,
fotos, objetos pessoais da vítima ou
mesmo parte do corpo, chegando a
comer partes); Fase Depressiva (pode
ser interpretada como uma espécie de
“depressão pós-homicídio” e retorno ao
mundo de fantasia que desse modo
reinicia o ciclo).
O caso do primeiro serial-killer moderno
provocou um frenesi não só na Europa
como nos Estados Unidos: um assassino
cortava a garganta das vítimas que não
ofereciam resistência por causa dos
ataques repentinos e letais; utilizava
uma faca reta e afiada com cerca de 15
centímetros e provocava lesões que
52
partiam do mesmo ângulo e da esquerda
para a direita. Em meados de abril de
1891, uma carta foi enviada para um
jornal de Nova Iorque e a notícia foi
assim publicada:
JACK THE RIPPER
KINDLY WRITES THAT
BUSINESS IN GOTHAM
HE
IS
READY
FOR
The following communication, written in a poor
hand, was received by Capt. Ryan of East
Thirty-fifth street station yesterday afternoon:
Capt. Ryan:
You think that “Jack the Ripper” is in England,
but he is not, I am right here and I expect to kill
somebody by Thursday next, and so get ready
for me with your pistols, but I have a knife that
has done more than your pistols. Next thing you
will hear of some woman dead. Yours truly.
JACK THE RIPPER
53
Dias depois, por volta da meia-noite do
dia 23 para o dia 24 de abril de 1891, a
imigrante inglesa chamada Carrie Brown
foi morta com a garganta cortada e o
corpo mutilado no Hotel East River em
Nova Iorque. Em 7 de agosto, uma
mulher desconhecida apareceu morta de
maneira semelhante, agora no East
River. Era o início de 12 crimes, em cinco
estados, durante quatro anos (18911895). A imprensa se perguntava se
Jack, O Estripador estaria nos Estados
Unidos ou se seria apenas um imitador.
Em 1891, investigadores da Scotland
Yard haviam ido duas vezes a Nova
Iorque verificar evidências e comprovar a
similaridade da letra com a carta de
Londres. Prostitutas com a garganta
cortada e que depois eram estripadas
demonstravam haver o mesmo modus
operandi do assassino de Londres.
54
Alguns suspeitos haviam fugido de
Londres e os crimes haviam parado em
Londres. Alguns suspeitos chegaram aos
Estados Unidos e os crimes começaram
nos Estados Unidos. Portanto, seria uma
investigação difícil de ser feita numa
época em que não havia a Interpol, não
havia passaporte com foto e, além disso,
as pessoas podiam entrar em outro país
usando nomes falsos e também não
havia um rigoroso controle de fronteiras.
Portanto, um caso insolúvel para o século
XIX, mas que ainda pode ser solucionado
no século XXI. Ao cruzar a lista de
suspeitos que foram para os Estados
Unidos, com as características dos
assassinatos e os traços levantados pelas
testemunhas, são encontradas apenas
quatro pessoas que poderiam ter
cometido os crimes em ambos os lados
do Atlântico Norte.
55
O primeiro suspeito é o escocês
Thomas
Neill
Cream
que
ficou
conhecido como O Envenenador de
Lambeth. Nascido na Escócia em 1850,
Cream era o mais velho de oito irmãos.
A família mudou-se para o Canadá e
ele se formou em medicina em 1876.
Nesta época, Cream seduziu a filha de
um próspero hoteleiro e fez um aborto
que a deixou com sequelas para o resto
da vida. Cream foi obrigado a se casar
com ela mas fugiu para Londres. Ao
voltar ao Canadá, o dr. Neill Cream
decidiu estabelecer-se nos Estados
Unidos como aborteiro, mas várias de
suas pacientes morriam na mesa de
operação. Preso em Chicago, ele foi
libertado por falta provas. Entretanto,
ao tornar-se amante da esposa de um
ferroviário, acabou por assassiná-lo
com
uma
dose
de
estricnina.
Condenado à prisão perpétua na
Penitenciária
Estadual
de
Illinois,
Cream acabou tendo a pena comutada
56
para dez anos por bom comportamento
e ele foi solto em 31 de julho de 1891.
Ao regressar a Londres, Cream
começou a envenenar prostitutas em
Lambeth,
mas
acabou
preso,
condenado à forca e foi executado em
15 de novembro de 1892. A cronologia
dos crimes tanto de Londres como dos
Estados Unidos não permitem que ele
seja Jack, o Estripador.
O segundo suspeito é o polonês
Klozovski que ficou conhecido como O
Envenenador do Burgo. Klozovski, que
estudou medicina em Varsóvia, era
moreno, tinha olhos azuis, estatura
média e usava bigode. Ele chegou à
Inglaterra, em 1887, onde conseguiu
emprego como cabeleleiro até abrir
uma barbearia na rua Whitechapel
High, 89.
57
Apesar de já ser casado na Polônia,
Klozovski casou-se novamente na
Inglaterra com Lucy Baderski, outra
polonesa. O casal teve um filho em
setembro de 1890 que morreu de
pneumonia em março de 1891. Após a
tragédia, o casal emigrou para os
Estados Unidos. Em Nova Jersey,
Klozovski arrumou emprego numa
barbearia.
Durante uma discussão,
Klozovski ameaçou a esposa com uma
faca. Horrorizada, ela decidiu voltar a
Londres para o nascimento do segundo
filho em fevereiro de 1892. Klozovski
foi atrás da esposa mas, apesar de uma
breve reconciliação, o casal acabou por
se
separar
definitivamente.
Posteriormente, Klozovski envolveu-se
com uma mulher chamada Annie
Chapman (não confundir com a vítima
de mesmo nome), mas abandonou-a
grávida e envolveu-se com uma mulher
rica chamada Mary Spink. Em 1896, o
casal mudou-se para Hastings no sul da
Inglaterra e passou a viver do dinheiro
dela. A esposa morreu no dia de Natal
58
em 1897. Em 1898, Klozovski casou-se
com uma garçonete chamada Elizabeth
Taylor que morreu três anos depois.
Em 1902, sua nova esposa Maud Spink
morreu prematuramente aos dezoito
anos.
Envenenamento por tártaro emético foi
detectado nas três mulheres, após a
exumação das duas primeiras esposas.
Klozovski foi preso em 25 de outubro
de 1902. Ele foi condenado à morte e
executado na prisão de Wandsworth
em 7 de abril de 1903. Antes da
execução, o inspetor Abberline deu
duas longas entrevistas para o jornal
Pall Mall Gazette, em 24 de março e 31
de março, onde afirmou estar convicto
de que Klozovski era Jack, O
Estripador. Entretanto, a mudança de
modus operandi e a diferença das
vítimas femininas em idade e classe
social
tornam
Klozovski,
também
conhecido como George Chapman, um
59
suspeito
implausível
criminologistas.
pelos
O terceiro suspeito é Francis Tumblety,
o caçula de onze irmãos. A família
mudou-se para Rochester, em Nova
Iorque. Na adolescência, ele vendia
literatura pornográfica e trabalhava
numa drogaria. Mudou-se para o
Canadá onde se transformou no
Príncipe dos Chalatões ao ganhar
dinheiro
vendendo
poções
e
emplastros. Entretanto, uma prostituta
morreu após tomar um medicamento
para provocar aborto e um paciente
morreu por erro médico. Perseguido
pelas
autoridades
canadenses,
Tumblety retornou aos Estados Unidos
e adotou o nome de J. H. Blackburn.
Tumblety, que se apresentava como
médico da União e amigo do presidente
Lincoln, vivia em Washington aonde
60
chegou
a
oferecer
um
jantar
importante
para
o
qual
foram
convidados apenas homens. Após o
assassinato de Lincoln, Tumblety foi
confundido com L. P. Blackburn, médico
confederado, e ficou preso por três
semanas por fazer parte do complô
para matar o presidente. Desfeita a
confusão, Tumblety preferiu fugir para
a Inglaterra onde se estabeleceu em
Liverpool. Em 1874, Tumblety iniciou
um relacionamento homossexual com o
escritor Henry Hall Caine que durou até
1876.
Em
junho
de
1888,
Tumblety
hospedou-se
numa
pensão
em
Whitechapel. Tumblety foi preso por
delitos de grave indecência (eufemismo
para a homossexualidade que era crime
na época) em 7 de novembro e solto
sob fiança em 16 de novembro. Uma
audiência preliminar ocorreu em 20 de
novembro e o julgamento foi marcado
para 10 de dezembro. Tumblety não
61
quis esperar pelo pior (a condenação à
prisão) e fugiu para a França com o
nome falso de Frank Townsend e
embarcou no navio a vapor La Bretagne
rumo aos Estados Unidos. Tumblety
chegou à Nova York em 3 de dezembro
e ficou sob constante vigilância da
polícia. Inspetores da Scotland Yard
foram aos Estados Unidos atrás do
suspeito em fuga, mas nada poderia
ser feito porque o crime de que ele era
acusado não era extraditável. De
acordo com o livro Jack the Ripper:
First American Serial Killer (pg. 188),
Tumblety nasceu Canadá, mas de
acordo com livro The Jack the Ripper AZ (pg. 453), ele nasceu na Irlanda.
Tumblety morou em várias cidades dos
Estados Unidos como Baltimore, Nova
Orleans e St. Louis. Em 1893, ele
voltou a Rochester onde foi morar com
uma sobrinha. Tumblety faleceu em 28
de maio de 1903. As freiras, que
cuidavam dele, acharam dois anéis de
62
latão entre os seus pertences, que
poderiam ser os que foram retirados da
mão esquerda de Annie Chapman.
Francis Tumblety é um suspeito que
estava em Londres na época dos crimes
e nos Estados Unidos na época dos
crimes. O grande problema para
suspeitar dele é que a descrição do
assassino não se enquadra com um
homem muito alto para a época, com
rosto avermelhado e um enorme
bigode. Entretanto, seu ódio contra as
prostitutas, sua coleção de úteros
(embora tanto nos Estados Unidos
como na Inglaterra fosse fácil obter
úteros legalmente) e a presença dos
anéis de latão entre seus pertences,
após sua morte, colocam uma dúvida
sobre uma questão extremamente
relevante: se os todos os cinco
assassinatos ditos canônicos pelo
Memorando Macnaghten tenham sido
realmente cometidos por Jack, O
Estripador.
63
O quarto suspeito é James Kelly que
nasceu Preston, Condado de Lancashire
(às margens do rio Ribble que deságua
no mar entre a Baía de Morecambe e a
Baía de Liverpool) em 20 de abril de
1860. Sua mãe Sarah Kelly, de apenas
15 anos, deixou-o aos cuidados da avó
Teresa e retornou a Liverpool onde se
casou com John Allen. O marido faleceu
em 16 de maio de 1874 e ela, muito
abalada com a perda, veio a falecer em
29 de julho de 1874. Antes de falecer,
em 1876, Teresa Kelly contou a James
Kelly que ela era na verdade sua avó e
não sua mãe.
James Kelly completou seus estudos
em 1877 e começou a trabalhar em
Liverpool. Entretanto, começou a agir
irracionalmente
e
experimentar
mudanças de humor. No final de 1878,
ele pediu demissão e foi para Londres.
Como
tinha
experiência
como
64
estofador, procurou por um emprego
fixo no East London Upholsterer's Trade
Society, mas acabou tendo que aceitar
fazer trabalhos eventuais para poder
sobreviver. No início de 1879, James
Kelly foi morar Rua Collingwood, 37,
com a família do estofador Walter
Lamb. Na companhia de Walter Lamb e
do cocheiro John Merritt (35 anos,
casado), James Kelly descobriu as
bebidas fortes e o sexo pago pelas ruas
de East End, enquanto continuava a
trabalhar em empregos eventuais em
vários lugares do distrito, onde utilizava
facas de cerca de 15 centímetros como
instrumento
de
trabalho
como
estofador.
Entre 1879 e 1881, James Kelly viveu
por um tempo em Brighton, no sul da
Inglaterra, e também serviu a bordo de
um navio. Em meados de 1881, ele
retornou a Londres e voltou a sair com
seus amigos Walter Lamb e John
Merritt para bebedeiras de madrugada
65
em Whitechapel e Spitalfields. James
Kelly voltou a trabalhar em vários
empregos eventuais como também em
navios cargueiros que iam para os
principais portos da Europa.
Em dezembro de 1881, James Kelly
conheceu
Sarah
Brider
e
ficou
enamorado dela. A família de Sarah o
aceitou e ele foi morar na casa deles
(Cottage Lane, 21) como inquilino, em
março de 1882, num quarto alugado
que era dividido com outro homem.
James Kelly cortou a bebida e suas
outras atividades e passava as noites
na casa com Sarah e os pais dela.
Entretanto, no final de 1882, o
comportamento
errático
e
as
repentinas mudanças de humor fizeram
James Kelly voltar aos velhos hábitos
de sua vida no East End. James Kelly
começou a ficar muito distante e, como
temia perder Sarah Brider, fez uma
proposta de casamento em fevereiro de
1883. Ela estava relutante, mas acabou
66
cedendo e aceitou o pedido. Enquanto
isso, ele descobriu que tinha uma
doença venérea e começou um
tratamento por conta própria.
Em 1º de abril de 1883, James Kelly
finalmente conseguiu um emprego fixo
de estofador e a família de Sarah Brider
pressionou
para
ele
marcar
o
casamento que finalmente foi acordado
para 4 de junho. Entretanto, ele acabou
demitido do emprego em 1º de junho,
pois seu patrão percebeu que algo não
ia bem com ele, em decorrência de seu
comportamento errático e de uma série
de dores de cabeça. Em 4 de junho, ele
conseguiu um novo emprego perto do
Regents Park (pouco mais de 3 Kms de
distância de Cottage Lane). No mesmo
dia, o casamento foi realizado conforme
o programado na igreja Saint Luke’s
Parish.
67
Em 11 de junho, James Kelly viajou a
Liverpool para levantar uma parte do
dinheiro da herança para poder morar
sozinho com Sarah Brider. A quantia de
mais de 25 mil libras esterlinas havia
sido deixada em testamento pela mãe,
mas James Kelly só poderia levantar o
total do dinheiro ao completar 25 anos.
Ele conseguiu levantar uma parte do
dinheiro e retornou a Londres.
Em 17 de junho, a mãe de Sarah Brider
estava limpando o quarto de James
Kelly
quando
encontrou
drogas
medicinais e uma seringa. Ela contou
para a filha e ambas confrontaram
James Kelly que, numa explosão de
raiva, acusou a esposa de ser prostituta
e de ter passado uma doença venérea
para ele, além do que o casamento era
uma ideia delas para por as mãos em
sua herança.
68
Em 18 de junho, aniversário de Sarah
Brider, ela retornou uma hora mais
tarde do que o horário habitual e foi
ameaçada por James Kelly com uma
faca. Ela respondeu que fora comprar
quinina (alcaloide extraído da casca da
quina, de sabor amargo e de uso
medicinal) para ele. James Kelly teve
um colapso e caiu sentado numa
cadeira às lágrimas. Em 21 de junho,
após uma nova discussão, Sarah Brider
trancou-se no quarto. James Kelly num
ataque de fúria quebrou a porta,
agarrou a esposa e apunhalou-a no
pescoço, após acusá-la de ser uma
puta (whore) e ela responder que
nunca mais viveria com ele. Sarah
Brider morreu às dez e meia da noite
de 24 de junho no Hospital São
Bartolomeu. James Kelly foi acusado de
assassinato.
Em seu julgamento, em 1º de agosto,
James Kelly foi condenado à morte por
enforcamento. Em 2 de agosto, os
69
advogados dele apresentaram um
pedido de clemência que foi negado no
dia seguinte. A execução da sentença
foi marcada para 20 de agosto. James
Kelly, entretanto, fez uma sombria
previsão: ele não seria enforcado, pois
teria que cumprir uma missão de Deus.
No dia 7 de agosto, o Dr. W. Orange
(superintendente
do
Hospital
Psiquiátrico
Broadmoor)
examinou
James Kelly e o considerou insano. No
dia 17 de agosto, sua sentença foi
comutada e, no dia 24 de agosto,
James Kelly foi levado para cumprir sua
pena de internação numa instituição de
segurança
máxima:
o
Hospital
Psiquiátrico Broadmoor.
Em Broadmoor, James Kelly parecia um
paciente modelo e conseguiu até um
violino para tocar na banda. Entretanto,
ele tinha um plano de fuga: modelar
uma chave a partir de um pedaço de
metal. Em 23 de janeiro de 1888, às
seis e meia da tarde, James Kelly
70
pegou seu violino e, aparentemente, ia
praticar com seu amigo George
Shatton. James Kelly usou a chave para
abrir a porta, depois pular o muro e
fugir para a liberdade, após ficar preso
durante quatro anos e cinco meses.
Seu amigo George Shatton trancou a
porta, ficou com o violino para seu
amigo ganhar tempo e guardou a chave
(pois também pretendia usá-la). A fuga
de James Kelly só foi notada uma hora
depois quando houve a chamada dos
pacientes.
James Kelly levou quatro dias para
chegar a Londres e ficou numa casa de
aluguel nas docas onde permaneceu
por alguns dias até obter algum
dinheiro com amigos e depois foi a pé
para Liverpool (evitando o uso de
qualquer transporte onde poderia ser
reconhecido e preso). Em Liverpool,
James Kelly recebeu abrigo de parentes
e conseguiu dinheiro e depois voltou
71
para Londres no final de junho de
1888.
No final de 1888, James Kelly foi a pé
para Dover e cruzou o Canal da Mancha
em direção a Dieppe (e não Calais).
Não fez a rota mais curta e mais rápida
(portanto muito óbvia), mas sim uma
rota mais longa e mais demorada
(portanto
demonstrando
astúcia).
Depois de ficar na França, foi para
Roterdã, na Holanda, onde tomou o
navio Zaandam e chegou a Nova York
em 7 de outubro de 1890 e, por ser um
criminoso procurado, usou o nome falso
de John Miller para entrar nos Estados
Unidos a fim de começar uma nova
vida. A informação sobre o navio pode
ser checada no Museu Marítimo
Nacional da Inglaterra onde há o
registro de todos os navios que
cruzaram o Atlântico Norte no século
XIX, mas não há lista de passageiros.
72
Nos Estados Unidos, James Kelly ficou
em Nova York, depois passou pelos
estados da Pensilvânia e de Nova
Jersey e seguiu por várias cidades
como Baltimore (Maryland), Atlanta
(Georgia),
Dallas
(Texas),
Nova
Orleans (Luisiana), Los Angeles e São
Francisco (Califórnia). Em 27 de janeiro
de 1896, James Kelly foi ao Consulado
Britânico em Nova Orleans e se
entregou afirmando ser foragido e
condenado pela morte da esposa. Em
18 de março, James Kelly foi enviado
de volta a Inglaterra, a bordo do SS
Capella, para ser recebido pelas
autoridades policias em Liverpool.
Entretanto, o navio Capella chegou em
26 de março, um dia antes do previsto,
e não havia ninguém para recebê-lo em
custodia.
Quando
as
autoridades
policiais chegaram no dia seguinte,
James Kelly já havia fugido e,
posteriormente,
permaneceu
em
Guildford
(ao
sul
de
Londres)
trabalhando por cerca de três anos.
Depois, ele decidiu viajar para o
73
Canadá e pegou o navio SS Beechdale
para Vancouver.
Em 1901, ele decidiu se entregar no
Consulado Britânico de Vancouver.
Dessa vez, as autoridades na Inglaterra
não se mostraram interessadas nele e,
depois de três meses de espera, ele
decidiu voltar por conta própria para a
Inglaterra. James Kelly trabalhou por
algum tempo em Godalming (próxima a
Guildford). Depois continuou cruzando
o Atlântico Norte ao longo de um
quarto de século. Já com uma surdez
em estado muito avançado e em
precárias condições de saúde, James
Kelly decidiu retornar espontaneamente
ao Hospital Psiquiátrico Broadmoor, em
11 de fevereiro de 1927, onde
permaneceu até a sua morte em 17 de
setembro de 1929.
74
De acordo com os registros do Hospital
Psiquiátrico Broadmoor, em 1927,
James
Kelly
era
um
homem
completamente isolado da sociedade e
que não se dava bem com as pessoas.
Ele afirmou que tinha que lidar o tempo
todo com a inveja, o ciúme e a malícia
e isso ainda era mais difícil por causa
das “vadias” (mulheres de moral
questionável). James Kelly afirmou que
esteve em combate (warpath) por
causa disso o que demonstrava tanto
ter delírios como ser paranóico.
Considera-se coincidência o fato de ele
chegar a Londres antes dos crimes
começarem e também coincidência os
crimes pararem após ele sair de
Londres. Sua chegada a Nova Iorque
pode ser questionada, pois não há lista
de passageiros e pelo fato dele usar um
nome falso muito comum nos Estados
Unidos. O fato de passar por vários
estados
onde
ocorreram
crimes
também pode ser coincidência.
75
O grande problema para solucionar o
caso de Jack, O Estripador é que se
tenta enquadrar os suspeitos nas
evidências dos crimes em Whitechapel
em vez de se analisar as evidências dos
crimes nos Estados Unidos que levem
ao suspeito. James Kelly é um suspeito
em fuga (coincide com a descrição do
assassino)
que
ainda
não
foi
investigado sobre o período que esteve
na França e na Holanda (1889-1890) e
também sobre os períodos em que
esteve tanto no Canadá como de volta
à Inglaterra.
Seria coincidência demais se houvesse
um novo assassinato quando James
Kelly
estivesse
novamente
na
Inglaterra, mas foi exatamente isso o
que
aconteceu:
o
misterioso
assassinato em Worcestershire (perto
de Birmingham). Numa noite de
sábado, no início do mês de outubro de
76
1903, um jovem casal de namorados
fazia uma romântica caminhada em
Worcestershire quando ouviram um
grito de mulher vindo da escuridão da
noite. Fizeram uma rápida busca no
local, mas não encontraram nada e
pensaram que pudesse ser outro casal
de namorados e foram embora para
casa. Na manhã seguinte, um homem
levava seu rebanho de ovelhas pela
mesma trilha quando se deparou com a
aterradora visão do corpo de Mary
Swinburne, de 68 anos, (que era de
Walsall perto de Birmingham) com a
garganta cortada (da esquerda para a
direita) e o corpo todo mutilado. Vários
suspeitos foram presos e depois soltos
em Wolverhampton e Malvern. Vários
rumores correram de que Jack, O
Estripador teria cometido o crime. Após
vários meses, um trambiqueiro de
Market Rasen chamado George Fisher
foi
preso,
mas
posteriormente
absolvido
em
decorrência
da
comprovação de seu álibi. O caso
nunca foi esclarecido embora, em
77
1914, as autoridades policiais britânicas
tenham recebido um telegrama do
Canadá com a informação de que um
homem preso em Ontário tinha
confessado o crime... E, mais uma vez,
as autoridades policiais não fizeram
nada...
As autoridades policiais tampouco
compreenderam a enigmática frase The
Juwes are the men that will not be blamed for
nothing encontrada na rua Goulston que
poderia ser interpretada como uma
crítica ao sistema bancário que não
permitiu que James Kelly levantasse
todo o seu dinheiro para viver com a
esposa, uma crítica às grandes
disparidades sociais da época e à
moralidade social da época que preferia
camuflar em vez de resolver os
problemas. A insanidade do suspeito
torna-o inimputável, mas sua fuga e
seus prováveis crimes serviram como a
abertura da Caixa de Pandora sobre a
sociedade vitoriana do século XIX.
78
Em
2009,
o
Discovery
Channel
apresentou o programa Jack, The
Ripper in America. Uma moderna
técnica
forense
por
computador
rejuvenesceu, em cerca de 40 anos, a
foto de James Kelly tirada em 10 de
março de 1927. O resultado apresenta
grande semelhança ao retrato falado
divulgado por Laura Richards, chefe de
análise para crimes violentos da
Scotland Yard, num documentário da
TV britânica transmitido em 2006.
Podem-se elencar vários erros que
deixaram o suspeito em fuga:
1) Falha de segurança no Hospital
Psiquiátrico
Broadmoor
que
permitiu a um paciente ter acesso
a um pedaço de metal e moldar
uma chave para a fuga que só foi
descoberta uma hora depois;
2) Falta de divulgação na imprensa
(principalmente em Londres e
79
Liverpool) de sua foto e o
oferecimento de recompensa pela
sua recaptura desde a fuga em 23
de janeiro de 1888;
3) No dia 10 de novembro de 1888,
houve uma busca em Cottage
Lane, 21, e foram interrogados os
pais de sua finada esposa por
causa do relatório do Dr. Bond,
mas novamente não houve a
divulgação de sua foto e o
oferecimento de recompensa pela
sua recaptura;
4) No dia 12 de novembro de 1888,
alguém (com as iniciais C.E.T.)
colocou uma nota no arquivo de
James
Kelly
na
Polícia
Metropolitana de Londres para que
fossem checados os progressos
para a recaptura desde a fuga
ocorrida em 23 de janeiro de
1888. Portanto, a ficha de James
Kelly não havia sido cruzada com
os assassinatos de Whitechapel
durante todo o Outono do Terror.
80
5) James Kelly fugiu de Dover para
Dieppe. Portanto, as autoridades
portuárias
não
tinham
informações suficientes para deter
suspeitos com a sua descrição;
6) Os agentes da Scotland Yard que
foram a Nova Iorque estavam
preocupados
apenas
com
a
vigilância sobre Francis Tumblety
e não com outros suspeitos;
7) Em 1896, uma desastrada polícia
não checou com as autoridades
portuárias
a
informação
de
quando o navio chegaria a
Liverpool e, por isso, deixou
novamente o suspeito em fuga;
8) Depois das execuções do Dr. Neill
Cream, em 1892, e de Klozovski,
em 1903, e da morte de Francis
Tumblety em 1903, não havia
mais
interesse
oficial
em
investigar os assassinatos de
Whitechapel. Em 22 de abril de
1907, o Hospital Psiquiátrico
Broadmoor
deu
baixa
no
prontuário de James Kelly porque
81
as
autoridades
policiais
não
conseguiram recapturá-lo.
9) Não houve troca de informações
entre as autoridades policiais e
diplomáticas dos Estados Unidos e
da Grã-Bretanha sobre suspeitos
durante a sequência de 12
assassinatos nos Estados Unidos,
houve apenas nos casos iniciais
ocorridos em Nova Iorque.
10)
É inacreditável que (quase
125 anos depois) o suspeito em
fuga ainda não tenha sido
investigado
sobre
eventuais
crimes que possam ter ocorrido na
França, na Holanda, nas idas ao
Canadá e nas voltas à Inglaterra.
Isto
demonstra
tanto
o
etnocentrismo anglo-saxão como
a
falta
de
cooperação
internacional para solucionar o
caso que não se restringe apenas
ao ocorrido dentro do perímetro
de Whitechapel.
11)
O fato de estabelecer apenas
a faca cirúrgica Linston, como a
82
provável arma do crime (para
mutilações feitas sem precisão
cirúrgica!), faz com que suspeitos
que não tivessem acesso a ela
possam
ser
descartados
na
investigação.
12)
Havia uma percepção geral
no povo de que o assassino só
poderia
ser
um
imigrante
estrangeiro. (Schmidt, 2009, pp.
42-43). Esta xenofobia inglesa,
alimentada
pela
imprensa,
prejudicou a apuração do caso e
deixou o suspeito em fuga.
83
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
SCHMIDT, Paulo Jack: O Estripador –
A Verdadeira
História, 120 Anos
Depois. Geração Editorial, São Paulo,
2009. 2ª edição.
TULLY, James
Prisoner 1167: The
Madman Who Was Jack the Ripper.
Carroll & Graf Publishers, Estados
Unidos, 1998.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
Wikipédia
Casebook.org
84
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