sob a luz do conhecimento

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Revista de Inovação, Tecnologia e Ciências - http://periodicos.ftc.br/
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SOB A LUZ DO CONHECIMENTO
Roberto Rivelino1,*
1
Instituto de Física, Universidade Federal da Bahia, 40210-340 Salvador, Bahia, Brasil
*E-mail: [email protected]
Resumo
Reconhecendo a importância da luz, bem como das tecnologias baseadas na luz, para o desenvolvimento
dos cidadãos do mundo e de uma sociedade global em diferentes níveis, a ONU proclamou o ano de 2015
como o Ano Internacional da Luz e das Tecnologias Baseadas na Luz (IYL2015, na sigla em inglês). O
IYL2015 reforça que ciências e tecnologias desenvolvidas pelo conhecimento da luz são vitais para
enfrentar desafios como o desenvolvimento sustentável, a energia e a saúde da comunidade, bem como
para a melhoria da qualidade de vida, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. A ONU
reconhece que 2015 coincide com a celebração de uma série de importantes marcos na história da ciência
da luz, incluindo os trabalhos sobre óptica por Ibn al-Haytham em 1015, a noção de luz como uma onda
proposta por Fresnel em 1815, a teoria eletromagnética da propagação da luz proposta por Maxwell em
1865, a teoria de Einstein do efeito fotoelétrico em 1905 e da incorporação da luz na cosmologia através
relatividade geral em 1915, a descoberta da radiação cósmica de fundo por Penzias e Wilson e as
realizações de Charles Kao, relativas à transmissão da luz em fibras ópticas para a comunicação, ambas
em 1965. Visando ratificar a importância da luz para o desenvolvimento da humanidade, esses temas e
outros correlatos serão abordados nesta comunicação.
Palavras-chave: Ano Internacional da Luz; História da Física; Aplicações Tecnológicas
Abstract
Recognizing the importance of light and light-based technologies in the lives of the citizens of the world
and for the future development of global society on many levels, the UN proclaimed 2015 as the
International Year of Light and Light-based Technologies (IYL2015). The IYL2015 reinforces that
enhanced global awareness of and increased education in the science and technologies of light are vital
for addressing challenges such as sustainable development, energy and community health, as well as for
improving the quality of life in both developed and developing countries. UN recognizes that 2015
coincides with the anniversaries of a series of important milestones in the history of science of light,
including the works on optics by Ibn al-Haytham in 1015, the notion of light as a wave proposed by
Fresnel in 1815, the electromagnetic theory of light propagation proposed by Maxwell in 1865, Einstein’s
theory of the photoelectric effect in 1905 and of the embedding of light in cosmology through general
relativity in 1915, the discovery of cosmic microwave background by Penzias and Wilson and Kao's
achievements concerning the transmission of light in fibres for optical communication, both in 1965.
Aiming to ratify the importance of light for the development of humankind, these issues and other related
will be addressed in this communication.
Keywords: International Year of Light; History of Physics; Technological Applications.
Revista de Inovação, Tecnologia e Ciências (RITEC), v. 1, n. 1, p. 1-11, 2015.
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Introdução
O domínio da produção do fogo há centenas de milhares de anos, no período Mesolítico,
foi um dos mais importantes avanços para a humanidade. Ao dominar o fogo, o homem préhistórico garantiu grandes conquistas, pois podia iluminar a caverna, cozinhar alimentos,
proteger-se dos predadores e garantir o aquecimento nas épocas de frio. Como nenhuma outra
criatura do nosso planeta, conseguimos usar a nosso favor um fenômeno natural para ajudar a
vencer as dificuldades diárias. Os cientistas investigaram as evidências que apoiavam a
capacidade de usar o fogo no período Paleolítico em mais de cem locais na Europa e
consideraram que não eram conclusivas. Segundo eles, o que se pode afirmar é que em sítios
arqueológicos com menos de 400 mil anos foram encontrados artefatos e ossos que demonstram
terem sido manipulados próximos a fogueiras (ROEBROEKS e VILLA, 2011).
A necessidade de transportar e manter o fogo aceso levou ao desenvolvimento de
técnicas de iluminação com maior durabilidade. Entretanto, foi somente há cerca de 50 mil anos
que surgiram as primeiras lâmpadas a óleo, que queimavam óleo animal ou vegetal (AZEVEDo
e NUNES, 2015). Técnicas de iluminação artificial mais adequadas e de larga escala foram
desenvolvidas somente no final do século XVIII, com a gaseificação, que produzia o gás de
iluminação, pelo engenheiro escocês William Murdoch (CARDOSO, 2015). O advento da
iluminação a gás no século XIX, a partir da conversão térmica de carvão mineral, madeira,
biomassa, etc., foi fundamental para a Revolução Industrial. Na segunda metade do século XIX,
com o domínio dos fenômenos elétricos e magnéticos, viabilizou-se o desenvolvimento de
tecnologias de iluminação elétrica por grandes distâncias. Assim, a eletricidade passou a se
mostrar mais adequada para a iluminação das cidades e outras necessidades fundamentais das
sociedades.
Todas essas conquistas se deveram ao conhecimento das propriedades da luz, dos
fenômenos luminosos, bem como ao desenvolvimento de tecnologias baseadas na luz. Nesse
sentido, vale ressaltar que a ONU reconhece que 2015 coincide com a celebração de uma série
de importantes marcos na história da ciência da luz. Por exemplo, os trabalhos sobre óptica por
Ibn al-Haytham, a noção de luz como uma onda proposta por Fresnel, a teoria eletromagnética
da propagação da luz proposta por Maxwell, a teoria de Einstein do efeito fotoelétrico e da
incorporação da luz na cosmologia através relatividade geral, a descoberta da radiação cósmica
de fundo por Penzias e Wilson e as realizações de Charles Kao, relativas à transmissão da luz
em fibras ópticas para a comunicação. A seguir, alguns desses marcos serão revisitados com
ênfase na evolução das ideias que levaram ao desenvolvimento da compreensão dos fenômenos
luminosos e à concepção atual da luz.
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A Geometria de Euclides e o Desenvolvimento da Óptica Geométrica
Todo conhecimento de óptica na época dos gregos antigos era baseado em dois livros
escritos com um intervalo de mais de cinco séculos (TULLY, 2015). O primeiro é o tratado
óptico de Euclides, que viveu no século IV a.C., e o segundo é o livro de Optica de Claudio
Ptolomeu (Figura 1), que viveu em Alexandria no século II da era cristã. Ptolomeu também
revisitou e posteriormente desenvolveu a análise matemática de Euclides (BICUDO, 2009). As
primeiras medidas geométricas inovadoras, utilizando raios da luz solar, datam de 212 a.C.,
quando Eratóstenes de Cirene, um bibliotecário de Alexandria, mediu a circunferência da Terra.
Eratóstenes conseguiu compreender o planeta sem ter de se aventurar muito longe, utilizando a
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geometria euclidiana. Ele pediu a um assistente para medir a distância entre Alexandria e Siena
(atualmente, conhecida como Assuã), o qual obteve cera de 800 quilômetros, e soube que ao
meio dia, na cidade de Siena, durante o solstício de verão, uma haste fincada verticalmente no
chão não projetava sombra. Para Eratóstenes, isso significava que os raios do Sol eram paralelos
à haste vertical. Por outro lado, em Alexandria, exatamente na mesma hora, haveria sombras
sendo projetadas. A razão entre a distância dessas duas cidades e a circunferência da Terra é
igual à razão do ângulo formado pelas cidades e o ângulo total da circunferência da Terra. Ele
descobriu que isso representava 1/50 da circunferência da Terra e determinou que tal
circunferência tinha 40 mil km (com um erro de aproximadamente 4%), um feito revolucionário
para a época (MLODINOW, 2010).
(a)
(b)
Figura 1. Versões francesas do tratado óptico de Euclides (a) e do livro Optica de Ptolomeu (b). Apenas
parte desse último livro sobreviveu (TULLY, 2015).
Outras medições importantes com raios de luz foram feitas na época de Eratóstenes,
como por exemplo, a determinação do tamanho da Lua e sua distância da Terra por Aristarco de
Samos. Ele utilizou um método engenhoso e um pouco complicado, combinando a
trigonometria com um modelo simples dos céus para calcular, com aproximação razoável, essas
primeiras medidas cosmológicas, oferecendo uma nova perspectiva para o nosso lugar no
Universo. Aristarco já acreditava em um modelo heliocêntrico e que a Terra possui movimento
de rotação. Atualmente seu nome é atribuído a uma cratera lunar. Aristarco procurou calcular o
diâmetro da Lua em relação ao da Terra, baseando-se na sombra projetada pelo nosso planeta
durante um eclipse lunar, concluindo que a Lua tinha um diâmetro três vezes menor que o da
Terra, sendo que o valor correto é 3,7 vezes. Muitos outros gênios floresceram em Alexandria
até o início da era cristã, destacando-se Arquimedes de Siracusa, com suas enormes
contribuições à física e à engenharia, e Hiparco, que desenvolveu um modelo geométrico do
nosso sistema solar no qual os cinco planetas conhecidos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e
Saturno), o Sol, e a Lua, todos se moviam e órbitas compostas de círculos ao redor da Terra.
Seu maior êxito foi prever eclipses lunares com um erro de apenas duas horas, no século II a.C.
(MLODINOW, 2010).
Por volta do século II d. C., os campos da matemática, da física, da astronomia, da
cartografia e da engenharia tinham alcançado grandes avanços. Lamentavelmente, aconteceram
eventos que atrasaram o progresso filosófico-científico, iniciado pelos gregos, durante
aproximadamente um milênio. A conquista da Grécia pelos romanos tornou infértil o solo do
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florescimento científico, culminando em um incêndio de parte da biblioteca de Alexandria no
ano 391. O último intelectual a trabalhar na biblioteca em Alexandria foi Hipácia, a primeira
grande mulher erudita cuja vida foi transmitida pela história (MLODINOW, 2010). Em 415,
Hipácia foi brutalmente assassinada por monges cristãos e sua obra foi completamente
destruída, junto com o que restava da famosa biblioteca. Enquanto a Europa mergulhava em
profundo declínio intelectual, a brilhante civilização islâmica prosperava. Após um período de
trevas, quando as grandes obras e as tradições gregas estavam perdidas e esquecidas, Carlos
Magno (o Grande) reconheceu a necessidade de mais educação e pavimentou o terreno para o
renascimento de uma tradição intelectual na Europa. No fim do século VIII, as escolas
eclesiásticas tornaram-se as primeiras sementes das universidades na Europa, começando com a
Universidade de Bolonha, em 1088.
Antes do renascimento intelectual europeu, o Egito já empregava cientistas altamente
gabaritados para resolver problemas de engenharia. Nessa época, al-Haytham, um estudioso
árabe proveniente de Basra (atual Iraque) também conhecido como Alhazen, fora contratado
pelo califa para controlar o fluxo de águas do rio Nilo. Após fracassar em sua empreitada, alHaytham dedicou-se a escrever textos sobre física e matemática. Ele escreveu primariamente
acerca de óptica, incluindo uma teoria sobre a luz e uma sobre a visão (Figura 2). O seu Livro de
Óptica, Kitab al-Manazir, continha sete volumes e é considerado por muitos historiadores como
a maior e mais importante contribuição de al-Haytham. O trabalho foi traduzido para o latim
como Opticae thesaurus Alhazeni em 1270. O maior trabalho prévio sobre óptica havia sido o
Almagesto de Ptolomeu (MACTUTOR, 2015), e embora o trabalho de al-Haytham não tenha
tido a mesma influência que o Almagesto, ainda assim é considerado como a próxima grande
contribuição ao assunto. De fato, ele tratou corretamente as leis da reflexão em espelhos planos,
esféricos, cilíndricos e cônicos, sejam eles convexos ou côncavos. Além disso, examinou a
refração, propondo que a luz admite velocidades variadas, dependendo da densidade do corpo
que atravessa.
Figura 2. Modelo óptico da visão segundo al-Haytham (Tully, 2015).
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A Construção de Uma Nova Ciência da Luz
A retomada do contato entre europeus e árabes do Mediterrâneo e do Oriente Médio, e
também com bizantinos do Império Romano Oriental, permitiu que a Europa emergisse como
uma nova potência do conhecimento, especialmente a França como um dos mais importantes
centros de matemática. Enquanto a matemática e as ciências tinham sucumbido na Europa
medieval, o mundo islâmico manteve versões fidedignas de muitas obras gregas, incluindo as de
Euclides e Ptolomeu. Assim, os europeus conseguiram reintroduzir antigos tesouros intelectuais
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gregos perdidos, fosse no original ou em traduções do árabe. No século XIII, Leonardo de Pisa,
também conhecido como Fibonacci, introduziu a ideia de zero e o sistema numérico hinduarábico que hoje utilizamos. Apesar da retomado do saber, o conceito de tempo ainda era vago
e, até o século XIV, ninguém sabia com qualquer precisão as horas. O primeiro relógio
conhecido marcando horas iguais surgiu apenas na década de 1330, na igreja de São Gotardo em
Milão (MLODINOW, 2010). Havia ainda o impedimento da Igreja Católica que se opunha ao
renascimento da razão e ao desenvolvimento científico. Curiosamente, foi São Tomás de
Aquino que propôs o uso da razão para guiar a construção da filosofia natural.
Nesse novo cenário, a geometria reapareceu, porém com uma nova abordagem dada por
René Descartes, i.e., associando-a aos números. Ele traduziu o espaço em números e, mais
importante ainda, usou a sua tradução para descrever a geometria em termos de álgebra. Com o
seu sistema de coordenadas (coordenadas cartesianas), lugar e forma podiam ser manipulados
como nunca tinham sido antes, e o número podia ser visualizado geometricamente. Usando sua
percepção geométrica, Descartes formulou a lei de refração da luz na sua forma trigonométrica
atual e também foi o primeiro a explicar a física do arco-íris. Graças a Descartes, foi possível
que Newton e Leibniz, de forma independente, inventassem o cálculo diferencial e integral. A
publicação da obra de Descartes foi protelada por 19 anos, estando prestes a publicar um livro
por volta de 1633. Foi então que Galileu Galilei se antecipou e publicou o livro Diálogo sobre
Dois Principais Sistemas do Mundo, posteriormente condenado pela Igreja Católica. Embora
declaradamente não gostasse do trabalho de Galileu, Descartes partilhava de alguns dos seus
pontos de vista, como o modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico. Assim, suspendeu a
publicação do seu livro até 1637, quando publicou sua primeira obra, conhecida atualmente
como Discurso sobre o Método.
A obra de filosofia natural que mais influenciou a Europa intelectual foi sem dúvida
publicado por Isaac Newton, em 1687, como Philosophiae Naturalis Principia Mathematica
(Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), em três volumes. A lei da gravitação universal
foi enunciada no terceiro volume, generalizando e ampliando as constatações astronômicas de
Kepler, e resumindo suas novas descobertas. Essa obra tratou essencialmente sobre física e
astronomia (leis dos movimentos, movimento de corpos em meios resistentes, vibrações
isotérmicas, velocidade do som, densidade do ar, queda dos corpos na atmosfera, pressão
atmosférica, etc.). Com respeito à óptica, em 1666, Newton observou que a luz que entrava por
um orifício circular ao ser refratada por um prisma em posição de desvio mínimo, formava uma
imagem oblonga, em vez de circular, como seria esperado matematicamente pela lei de SnellDescartes. Com isto, Newton conjecturou que o prisma refrata cores diferentes por ângulos
diferentes, e realizou sistematicamente diversas experiências com o fim de corroborar ou falsear
tal hipótese (ASSIS, 2002). Entre 1670 e 1672, Newton trabalhou intensamente em problemas
relacionados com a óptica e a natureza da luz. Ele demonstrou, de forma precisa, que a luz
branca é formada por uma banda de cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e
violeta) que podiam separar-se por meio de um prisma transparente. Em 1704, Newton escreveu
a sua obra mais importante sobre a óptica, chamada Opticks (Assis, 2002), na qual expõe suas
teorias anteriores e a natureza corpuscular da luz, assim como um estudo detalhado sobre
fenômenos como refração, reflexão e dispersão de feixes luminosos.
Em 1678, filósofo natural holandês, Christiaan Huygens, apresentou um princípio que
mais tarde permitiu explicar a difração da luz baseado em uma teoria ondulatória. Ele expressou
que os pontos da frente de onda perturbada por um obstáculo poderiam ser tratados como fontes
pontuais de ondas esféricas secundárias. A frente de onda em uma posição posterior ao
obstáculo poderia então ser reconstruída a partir da soma das ondas secundárias (Figura 3).
Assim, estava dado o passo inicial para o tratamento da luz como onda. Entretanto, o avanço no
entendimento da difração, assim como o tratamento ondulatório da luz foi deixado em segundo
plano durante todo o século XVIII, devido, principalmente, à reputação de Newton como
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cientista. A teoria corpuscular de Newton era bem aceita pela maioria dos estudiosos da época,
incluindo nomes de peso, como Jean Batiste Biot e Siméon Denis Poisson (de OLIVEIRA et al.,
2015). A visão corpuscular da luz permaneceu até o ano de 1804, quando Thomas Young
introduziu o conceito de interferência de ondas luminosas. Na época o fenômeno de
interferência de luz era considerado extremamente intrigante, pois sob certas condições, a
superposição espacial de dois feixes luminosos gera a escuridão.
(a)
(b)
Figura 3. (a) Princípio de Huygens-Fresnel: cada ponto de uma frente de onda comporta-se como uma
nova fonte de onda. (b) Interferência de ondas por fenda dupla de Young.
Na França, a Academia de Ciências promoveu, em 1817, um concurso para premiar o
melhor trabalho sobre a difração (FORATO, 2015). É interessante salientar que a Academia
Francesa de Ciências era dominada por partidários de Newton e disposta a provar que a teoria
ondulatória estava errada. O engenheiro francês Augustin-Jean Fresnel venceu o concurso
defendendo a teoria ondulatória da luz, explicando matematicamente a propagação retilínea da
luz, as leis de refração de Descartes e a difração. Fresnel teve o apoio de François Arago, então
presidente da Academia Francesa de Ciências, com o qual estudou as leis de interferência e
polarização da luz. Em 1830, a maioria dos físicos aceitava a teoria ondulatória da luz, porém
ainda havia problemas para abandonar uma concepção corpuscular. Para Fresnel, a luz seria
uma onda que se propagava em um meio designado como éter, porém sem verificação
experimental, o que incomodava o ideal racional da época. Além disso, as leis da mecânica
newtonianas eram aplicadas com sucesso a praticamente todos os fenômenos físicos.
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Ondas Eletromagnéticas: 150 Anos das Equações de Maxwell
Ao final do século XIX, uma nova era na ciência europeia estava por vir. Apesar do
sucesso da mecânica de Newton no meio científico, a área da ciência correspondente aos
estudos elétricos ainda era bastante dispersa. O físico dinamarquês Hans Oersted havia
demonstrado, em 1820, que uma corrente elétrica gera magnetismo à sua volta. Em setembro de
1820, Arago informou a Academia Francesa de Ciências sobre a descoberta de Oersted,
repetindo a experiência perante a Academia no mesmo mês. Pouco depois, o físico francês
André-Marie Ampère apresentou para a Academia diversos resultados experimentais, dentre
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esses mostrou que dois fios paralelos transportando correntes constantes se atraem ou se
repelem, dependendo da direção das correntes. Ainda em 1820, Ampère publicou seu artigo
sobre a ação mútua entre duas correntes elétricas, defendendo o princípio newtoniano de ação à
distância. Apenas dez dias depois, em 30 de outubro, Biot e Savart anunciam seus primeiros
resultados sobre o torque exercido por um longo fio retilíneo com corrente constante atuando
sobre um pequeno ímã (CHAIB e ASSIS, 2007).
Diversas investigações no campo da eletricidade haviam sido realizadas pelo cientista
britânico Michael Faraday, que conduziu a uma longa série de experimentos entre 1821 a 1831,
antes de escrever suas Pesquisas experimentais em eletricidade, em 1844. Entre vários
fenômenos, Faraday descobriu a indução, i.e., quando um ímã móvel cria uma corrente, e uma
corrente variável cria corrente em outro fio, atualmente conhecida como lei de indução de
Faraday. Outro fenômeno importante descoberto por ele foi que o plano de polarização da luz
polarizada sofre uma rotação ao passar por um vidro na presença de magnetismo. Apesar da
desconfiança sobre o seu trabalho por muitos cientistas que viam a área com os olhos
newtonianos, Faraday, usando a noção de linhas de força, introduziu no eletromagnetismo um
dos conceitos mais importantes para a física atual; i. e., o conceito de campo (ROCHA, 2009).
Ele também estava convencido de que o éter preenchia todo o espaço, e que tanto a eletricidade
quanto o magnetismo eram causados por perturbações no éter e transmitidos mecanicamente por
esse meio, provavelmente com uma velocidade finita. A maior deficiência de Faraday, para seus
contemporâneos na ciência, era a falta de sofisticação matemática no seu trabalho. Entretanto, o
físico escocês James Clerk Maxwell via uma fenomenologia interessante nos modelos de
Faraday e daria um arcabouço matemático adequado aos seus resultados, usando equações
diferenciais.
O primeiro passo para transformar a teoria da eletricidade e do magnetismo foi dado em
um artigo intitulado Sobre as linhas de força de Faraday, que Maxwell leu para a Sociedade
Filosófica de Cambridge em dezembro de 1855, com 24 anos de idade (CREASE, 2008). O
segundo passo de Maxwell foi dado em outro artigo intitulado Sobre as linhas físicas de força,
escrito entre 1861 e 1862, no qual determinou a velocidade com a qual as vibrações transversas
atravessam o éter. Essa determinação foi feita a partir de um modelo mecânico e baseada nos
experimentos de Rudolph Kohlrausch e Wilhelm Weber, dois físicos alemães que haviam
medido constantes eletromagnéticas. Finalmente, dois anos mais tarde, Maxwell deu o terceiro e
decisivo passo com o artigo intitulado Uma teoria dinâmica do campo eletromagnético,
publicado em 1865 (MOURA, 2015). Nesse artigo, dividido em quatro partes, Maxwell
estabeleceu as equações diferenciais, que viriam a ter o seu nome, que regulam e relacionam os
campos elétricos e magnéticos. Para o físico norte-americano Richard Feynman, as equações de
Maxwell foram o evento mais significativo do século XIX (CREASE, 2008).
Em 1873, Maxwell publicou o livro Um tratado sobre a eletricidade e o magnetismo,
com apresentação completa do ramo da ciência que ele havia desenvolvido. Ele morreu aos 48
anos de idade em novembro 1879. Faltavam, entretanto, respostas a questões importantes, i. e,
como seria possível produzir e detectar ondas eletromagnéticas, como medir a corrente de éter e
como compactar suas 28 equações diferenciais numa forma concisa e de utilidade prática, as
quais só foram apresentadas na década seguinte à morte de Maxwell. A observação fortuita de
que uma corrente elétrica oscilante provocava faíscas que saltavam numa espira de fio próxima,
em 1886, deu a Heinrich Hertz a certeza de como produzir ondas eletromagnéticas e confirmar a
teoria de Maxwell. Para tentar provar verificar o efeito de um possível “vento de éter” sobre a
velocidade da luz, o físico norte-americano Albert Michelson inventou um dispositivo (Figura
4), chamado interferômetro, que usava espelhos semi-refletores para dividir um raio de luz por
refração, enviar os dois raios gerados em dois percursos perpendiculares e reunir os dois raios
de volta. Em 1881, Michelson não detectou qualquer corrente de éter, como presumia em seu
experimento. Mais tarde, junto com Edward Morley, Michelson aumentou a sensibilidade do
equipamento mas ficou surpreso e desapontado com o resultado negativo. De fato, esses
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experimentos não comprovaram qualquer efeito do “vento de éter” e prepararam o terreno para
a descoberta de Albert Einstein da chamada relatividade especial.
Figura 4. Esquema de um interferômetro de Michelson. Um raio de luz emitido pela fonte S é dividido
por refração no espelho semi-refletor M0. Quando os dois raios se reencontram após reflexão nos espelhos
M1 e M2, eles interferem, e a diferença produzida pelo fato de viajarem em direções diferentes através do
éter seria da ordem de uma fração do comprimento de onda.
As quatro equações de Maxwell, tais como as conhecemos hoje, foram compactadas a
partir do trabalho do engenheiro eletricista Oliver Heaviside, em 1883. Ele começou a examinar
como o trabalho de Maxwell poderia ser adaptado para o contexto prático do estudo do fluxo de
eletricidade nos cabos telegráficos e nos circuitos. Como resultado, chegou a uma compactação
das equações de Maxwell em apenas quatro equações. Atualmente, estas são escritas, no sistema
internacional de unidades, na presença da matéria, como:
Os vetores D, B, E, H e J são, respectivamente, o deslocamento elétrico, o campo magnético, o
campo elétrico, a intensidade magnética e a densidade de corrente elétrica, enquanto a grandeza
escalar  é a densidade total de carga volumétrica. As equações de Maxwell mudaram para
sempre a humanidade, levando a uma profunda revolução social e tecnológica desde o domínio
do fogo.
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A Relatividade, o Efeito Fotoelétrico e o Novo Comportamento da Luz
À medida que o século XIX chegava ao fim, muitos físicos interessados na
eletrodinâmica de Maxwell, estavam insatisfeitos como um novo problema gerado por ela.
Havia uma clara inconsistência entre os dois mais respeitados sistemas científicos: o de Newton
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e o de Maxwell. De um lado, o princípio do movimento relativo e do outro, a constância da
velocidade da luz, cada um deles fundamental para um dos sistemas de funcionamento do
mudo. Essa insatisfação levou o físico irlandês George FitzGerald, em 1889, a propor uma
hipótese estranha que conciliava o experimento de Michelson e Morley com as ideias de
Maxwell e Newton; i.e., de que o comprimento dos corpos materiais mudaria quando eles se
movessem através do éter, ou de encontro a ele. Assim, o braço do aparato de Michelson
(Figura 4) que aponta na direção do movimento deve ser encolhido, em razão do impacto do
éter em suas moléculas. Se ele encolhesse na quantidade certa, iria medir o raio de luz indo e
voltando na direção do éter com a mesma velocidade medida para o raio que viajou pelo braço
perpendicular à direção do éter. Essa mesma hipótese foi compartilhada pelo físico teórico
holandês Hendrik Lorentz, que se dedicou a construir um conjunto de transformações que
deveriam valer para que a contração espacial funcionasse. Assim, as transformações de Lorentz
ofereciam compensações no comprimento e no tempo entre sistemas móveis e estacionários, e
preservava a possibilidade de a luz viajar com velocidade constante no éter, estabelecendo,
portanto, a concordância entre Maxwell e Newton, e também resgatando a ideia de um meio
para a propagação das ondas luminosas.
Em 1898, o matemático francês Henri Poincaré propôs abandonar a ideia de tempo
absoluto de Newton em benefício de um “tempo local” para explicar o enigma da velocidade da
luz no éter. Em 1905, todas as hipóteses fantásticas para a propagação da luz foram confirmadas
por Einstein, cuja síntese foi publicada em um artigo intitulado Sobre a eletrodinâmica dos
corpos em movimento, abandonando a ideia de um éter luminífero. No mesmo ano, Einstein
publicou outro artigo intitulado Sobre um ponto de vista heurístico concernente à geração e
transformação da luz, no qual explicou o efeito fotoelétrico, baseado nas ideias revolucionárias
de Max Planck que estabeleceu a lei da radiação térmica por um corpo aquecido, em 1900.
Einstein propôs que a energia eletromagnética fosse quantizada em pequenas quantidades de
energia bem definidas, proporcional à frequência da luz, para explicar a emissão de elétrons pela
matéria irradiada com a luz. O século XX estava apenas começando e uma grande revolução
científica mudaria o pensamento humano até os dias de hoje, com os adventos da mecânica
quântica e da relatividade geral. É interessante notar que essas duas grandes teorias, embora
frequentemente testadas ao extremo, ainda não foram completamente compatibilizadas.
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Considerações Finais
Com o advento da mecânica quântica, surgem os diodos emissores de luz (LEDs), o
laser e a tecnologia de transmissão de luz por fibras ópticas, na década de 1960, e os LEDs azuis
eficientes na década de 1990, que viabilizaram a iluminação de LED (AZEVEDO e NUNES,
2015). A comunicação óptica em fibras rendeu o Prêmio Nobel de Física em 2009 a Charles
Kao, enquanto a invenção dos LEDs azuis conduziu Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji
Nakamura ao Prêmio Nobel de Física de 2014. Em 1965, a radiação cósmica de fundo na região
de micro-ondas foi descoberta acidentalmente pelos radio-astrônomos americanos Arno Penzias
e Robert Wilson. A descoberta dessa radiação eletromagnética é uma das mais fortes evidências
observacionais do modelo do Big Bang, que descreve a evolução do universo, e rendeu o
Prêmio Nobel de Física de 1978 a Penzias e Wilson. Mais tarde, os astrofísicos americanos
George Smoot e John Mather demonstraram que a radiação cósmica de fundo apresenta
anisotropia e obedece a uma distribuição de Planck, ganhando o Prêmio Nobel de Física de
2006. Atualmente, estamos vivendo em plena era do advento da computação quântica, um tema
intrigante e extremamente interessante que pode revolucionar mais uma vez a comunicação e a
transmissão de dados no futuro (DAVIDOVICH, 2015). No campo da luz, a fotônica desponta
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como a ciência da geração, emissão, transmissão, modulação, processamento, amplificação e
detecção da luz.
Com o advento da teoria da relatividade geral, publicada por Einstein, em 1915, e
corroborada durante o eclipse solar de 1919, em Sobral no Ceará (MLODINOW, 2010), chegase à uma teoria geométrica da gravitação, eliminando o conceito de ação à distância proposto
por Newton. Sem a teoria da relatividade geral não existiria, por exemplo, o sistema de
posicionamento global (GPS), desenvolvido na década de 1970 com o apoio do governo dos
Estados Unidos. As correções das teorias da relatividade restrita e geral fornecem uma precisão
do sistema entre 5 e 10 metros. O tempo depende da gravidade, portanto, um relógio situado na
superfície da terra e outro no espaço não avançam no mesmo ritmo. O atraso entre ambos deve
ser levado em consideração se quisermos programar um sistema que nos diga com fidelidade
nossa posição sobre a superfície terrestre. Além da extrema precisão na marcação do tempo, o
GPS requer uma sincronização quase perfeita entre os vários relógios colocados nos satélites e
nos receptores terrestres (ASHBY, 2002). A relatividade geral também tem importantes
implicações astrofísicas, como por exemplo a previsão de buracos negros, i.e., regiões do
espaço-tempo tão distorcidas que nem mesmo a luz consegue escapar. Ela também prediz a
existência de ondas gravitacionais, assunto atual de grande interesse em cosmologia.
Finalmente, a relatividade geral é a base dos modelos cosmológicos atuais para um universo em
expansão. A descoberta da expansão acelerada do universo rendeu o Prêmio Nobel de Física
para os astrofísicos americanos Saul Perlmutter, Brian P. Schmidt e Adam G. Riess, em 2011,
que mapearam o Universo a partir de explosões estelares distantes. Há, entretanto, muitas
questões abertas, sendo a mais fundamental a de como a relatividade pode ser reconciliada com
a mecânica quântica para produzir uma teoria completa e autoconsistente da gravitação
quântica.
Agradecimentos
O autor agradece às agências CNPq, CAPES e FAPESB pelo financiamento de sua
atividade de pesquisa.
Referências
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