contra a união federal e o estado do paraná

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M INISTÉRIO P ÚBLICO F EDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA CÍVEL FEDERAL DE CURITIBA –
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República
infra-assinado, com fundamento nos artigos 5º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública); 6º,
VII, “a” e “d” da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União); 127 e
129, II e III, da Constituição Federal, vem, perante Vossa Excelência, ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público
interno, com sede na Rua Munhoz da Rocha, n.1247, Cabral, Curitiba/PR, CEP 80.035-000,
podendo ser citada na pessoa da Procuradora-Chefe da Advocacia da União no Paraná, Doutora
Lucélia Biaobock Peres de Oliveira,
e do ESTADO DO PARANÁ,
pessoa jurídica de direito público
interno, com sede na Rua Conselheiro Laurindo, n. 561, Centro, Curitiba PR, CEP 80.060-100,
podendo ser citado na pessoa do Procurador Geral do Estado do Paraná, Doutor Carlos Frederico
Marés de Souza Filho,
em razão dos fatos a seguir descritos:
1. BREVE SÍNTESE DA PRESENTE DEMANDA
Rua Marechal Deodoro 933, Centro – Curitiba/PR – CEP 80060-010
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Como é de conhecimento público, o Brasil foi atingido pela pandemia
do vírus INFLUENZA A – H1N1, popularmente conhecida como “gripe suína”, que vem
preocupando a comunidade médica e a sociedade mundial.
Diante disso, o Brasil adotou protocolo, dirigido à orientação dos
médicos nacionais, a respeito da prevenção e do tratamento dessa doença. Segundo esse
protocolo (doc. I), a população foi dividida em dois grupos: o “grupo de risco” e o outro de não
risco. Compõem o “grupo de risco” as pessoas que possuem certos fatores que podem complicar
o tratamento da doença e sua possibilidade de cura, a saber: a) pessoas em idade inferior a 2
anos ou superior a 60 anos de idade; b) pessoas com imunodepressão (por exemplo, pacientes
com câncer, em tratamento para AIDS ou em uso regular de medicação imunossupressora); c)
pessoas com condições crônicas (a exemplo de portadoras de hemoglobinopatias, diabetes
mellius, cardiopatias, pneumopatias ou doenças renais crônicas); e d) mulheres gestantes.
Por outro lado, sabe-se que o único medicamento que se tem
utilizado no Brasil (embora haja outro, igualmente eficiente, em uso por outros países), que se tem
mostrado eficaz no tratamento da INFLUENZA A – H1N1 (gripe suína) é o remédio OSELTAMIVIR,
conhecido pelo nome TAMIFLU, sendo elaborado pela empresa ROCHE.
Conforme estudos até agora realizados, o OSELTAMIVIR (TAMIFLU)
possui alta eficiência no combate ao novo vírus da INFLUENZA A – H1N1, sendo, porém,
necessário que o início da sua administração se dê – segundo prescreve a própria bula do remédio
– nas primeiras quarenta e oito horas do surgimento dos sintomas característicos da gripe.
Entretanto, é orientação do Ministério da Saúde, contida em seu
protocolo (doc. I), que o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) somente deve ser administrado
aos pacientes do “grupo de risco” ou àqueles que mesmo não estando incluídos nesse rol,
apresentem agravamento do quadro clínico (fato este que ocorre, normalmente no quarto ou
quinto dia do início dos sintomas, quando já ineficaz o remédio) ou, finalmente, conforme
atualização feita em citado protocolo, no dia 05 de agosto de 2009, na hipótese de haver parecer
favorável conjunto do médico que prescreveu o medicamento e, também, da autoridade de saúde
local que fará sua liberação.
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Ocorre, porém, que a situação particular do Brasil e, especialmente,
do Estado do Paraná, tem demonstrado que essa restrição contida no protocolo do Ministério da
Saúde, de uso do OSELTAMIVIR (TAMIFLU) apenas aos doentes que integram o “grupo de risco”,
estipulado pelo gestor público, tem permitido que aquelas pessoas que não fazem parte do
multicitado “grupo de risco” e que contraiam o novo vírus da INFLUENZA A – H1N1 (gripe suína)
não recebam, desde a apresentação do quadro clínico de GRIPE, em tempo hábil, o
medicamento, o que vem gerando um estrondoso aumento do índice de mortalidade nesta
unidade da federação, que já é muito superior à estimativa inicial.
Esses óbitos em pacientes que não integram o “grupo de risco” se
devem, justamente, ao fato de que o protocolo do Ministério da Saúde, ao restringir
demasiadamente o fornecimento do medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFUL), tem impedido que
esse remédio seja administrado, dentro das primeira quarenta e oito horas do surgimento dos
sintomas, a pessoas que não pertencem ao tal “grupo de risco”, ainda que apresentem quadro
clínico da doença INFLUENZA A – H1N1. Somente quando do agravamento da doença, que
ocorre, normalmente, no quarto ou quinto dia do seu surgimento, é que o poder público vem
disponibilizando a medicação aos doentes, o que é totalmente ineficaz ao combate da moléstia.
Cabe anotar que o Ministério da Saúde, em 05 de agosto de 2009,
atualizou mencionado protocolo, passando a permitir que pacientes que não pertencem ao “grupo
de risco” que apresentem o quadro clínico da INFLUENZA, tenham acesso à medicação
necessária. Entretanto, condicionou o recebimento do remédio OSELTAMIVIR (TAMIFLU) por
esses doentes somente quando houver parecer favorável conjunto do médico que prescreveu a
receita e a autoridade de saúde local.
Referida condicionante além de restringir a autonomia e competência
médica de seu prescritor, torna, também, ainda mais moroso o processo de obtenção da
medicação, que deve, necessariamente, ser administrada ao paciente no período máximo de
quarenta e oito (48), a contar do início dos sintomas.
Por essa mesma razão, aliás, é que, como se verá mais
detalhadamente adiante, a mortalidade dessa doença tem atingido, sobretudo, não o “grupo de
risco”, mas indivíduos adultos sadios, na fixa etária entre 20 e 50 anos.
Visa-se, diante deste quadro, com o ajuizamento da presente ação –
a exemplo do que já vem ocorrendo em outros países, como o Reino Unido, Canadá e Chile – seja
determinado judicialmente aos réus o fornecimento do medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) a
todo paciente residente no Estado do Paraná, que apresente quadro clínico de INFLUENZA,
qualquer que seja a espécie (INFLUENZA SAZONAL COMUM ou INFLUENZA A- H1N1, também
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conhecida por “GRIPE SUÍNA”), mediante a apresentação de receita fornecida pelo médico que
fez o atendimento do doente e de notificação, esteja esse doente incluído ou não no “ grupo de
risco” estabelecido pelo protocolo do Ministério da Saúde, já nas primeiras quarenta e oito horas a
contar do aparecimento dos sintomas de GRIPE (o que não se confunde com o mero resfriado,
conforme é de notório conhecimento médico), independentemente da necessidade do aguardo do
agravamento do quadro clínico do paciente ou de qualquer validação da prescrição médica pela
autoridade de saúde local.
Essa solução, calha sublinhar, já é aplicada, à revelia do Governo
Federal, por alguns municípios, a exemplo de Foz do Iguaçu, no Paraná, e tem surtido efeitos
muito positivos, com a drástica redução dos quadros graves da manifestação da doença e das
mortes (doc. XXIII).
2. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Dentre as funções institucionais do Ministério Público Federal
previstas na Constituição Federal, destaca-se:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[...]
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia.
III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.
Pela análise do texto normativo transcrito, verifica-se que o
constituinte incumbiu especificamente ao Ministério Público a importante missão de garantir a
efetividade dos serviços de relevância pública e a defesa e proteção do patrimônio público, do
meio ambiente e qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo socialmente
relevante.
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No mesmo sentido da Carta Federal, como não poderia deixar de ser,
preceitua a Lei Complementar n° 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o
estatuto do Ministério Público da União:
Art. 5°. São funções institucionais do Ministério Público da União:
[...]
V – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de
relevância pública quanto:
a)
aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e
aos serviços de saúde e à educação.
[...]
Art. 6°. Compete ao Ministério Público da União:
[...]
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
[...]
c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos,
relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao
idoso, às minorias étnicas e ao consumidor.
Destarte, afigura-se legítima a atuação do Ministério Público Federal
para a defesa de direitos indisponíveis, entre os quais se insere o direito à saúde, exteriorizada, in
casu, na busca de provimento judicial que assegure a todos os pacientes que apresentem quadro
clínico de INFLUENZA, qualquer que seja a espécie (INFLUENZA SAZONAL COMUM ou
INFLUENZA A – H1N1), o recebimento do medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU), de imediato
ao surgimento dos sintomas, no prazo máximo de quarenta e oito horas, já que é neste período
que referido remédio tem eficácia.
Que não se pretenda afastar a legitimidade ativa do Parquet, no caso
específico, sob o equivocado argumento de que os direitos que aqui se deduzem possuem a
natureza de direito individual homogêneo, insta observar que, ainda que assim fosse, restaria
preservada sua legitimidade em face da relevância social e indisponibilidade do direito protegido.
A par disso, a Constituição, no art. 197, estabelece:
“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização
e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros
e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
Com efeito, o direito à saúde e à vida, traduzidos, no caso em tela, no
direito ao recebimento de medicamentos necessários ao tratamento da INFLUENZA A – H1N1,
consistem em direitos indisponíveis, perfeitamente tuteláveis pela via da ação civil pública.
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Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento acerca da legitimação extraordinária do Ministério Público para a defesa do direito à
saúde, vez que se trata de direito indisponível, conforme julgamento proferido no Recurso Especial
738.782 -RS 2005/0053686-1, cujo relator foi o Ministro Luiz Fux:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A MENOR. SAÚDE. DIREITO
INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF⁄88. LEGITIMATIO AD CAUSAM
DO PARQUET. ART. 127 DA CF⁄88.
A ação civil pública é, portanto, meio adequado para a defesa de direitos
indisponíveis, dentre eles a saúde, consoante o entendimento pacífico da Corte Especial:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
TRATAMENTO MÉDICO. MENOR. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO.
PRECEDENTES DO STF E STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. A Primeira Seção deste Tribunal Superior pacificou o entendimento das
Turmas de Direito Público no sentido de que o Ministério Público possui
legitimidade para ajuizar medidas judiciais para defender direitos individuais
indisponíveis, ainda que em favor de pessoa determinada: EREsp 734.493/RS,
Rel. Min. Castro Meira, DJ de 16.10.2006; EREsp 485.969/SP, Rel. Min. José
Delgado, DJ de 11.9.2006. 2. No mesmo sentido são recentes precedentes desta
Corte Superior: EREsp 466.861/SP, 1ª Seção, Rel. Min Teori Albino Zavascki, DJ
de 7.5.2007; REsp 920.217/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de
6.6.2007; REsp 852.935/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 4.10.2006;
REsp 823.079/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2.10.2006; REsp
856.194/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 22.9.2006; REsp
700.853/RS, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 21.9.2006; REsp
822.712/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17.4.2006. 3.
Embargos de divergência providos. (EREsp 684162/RS, Rel. Ministra DENISE
ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2007, DJ 26/11/2007 p. 112).
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Impende destacar, também, voto do Ministro Carlos Fernando
Mathias (Juiz convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região), quando do julgamento do
Recurso Especial n. 927.818/RS:
“O Ministério Público Federal é parte legítima para propor ação civil pública, com
o objetivo de tutelar direitos individuais indisponíveis. A vida e a saúde, segundo
a Constituição, são direitos indisponíveis. Incumbe, pois, ao Ministério Público a
sua defesa.”
Assim também se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, ao
apreciar o Recurso Especial 715.266/PR:
"O Ministério Público tem legitimidade para defesa dos direitos individuais
indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente
considerada. No que diz respeito ao estrito tema da legitimidade ativa do
Ministério Público, a questão se resolve pelo art. 127 da Constituição, segundo o
qual ‘o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Desse modo, o Ministério Público, ao promover Ação Civil Pública
com o fito de compelir o poder público ao adimplemento das prestações atinentes ao dever de
garantir a saúde aos seus cidadãos, de outra atribuição não cuida senão daquela
constitucionalmente assinalada, qual seja, de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e
dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição.
Esta é a orientação do Pretório Excelso:
“Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com
que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública,
as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do
Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos
estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional,
frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável
omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento
governamental desviante”. (trecho do voto do Min. Celso de Mello no RE nº
273.834-4/RS. 2ª Turma. Julg. 12/09/2000).
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Além disso, a proteção ora buscada visa atender, especificamente, a
indivíduos acometidos com o novo vírus da INFLUENZA A – H1N1, fadando seus portadores, na
falta de adequado tratamento, à morte certa, tal como vem ocorrendo no Estado do Paraná.
Assim, são beneficiários da prestação jurisdicional pretendida toda a
população do Estado do Paraná que tenha os sintomas de INFLUENZA, qualquer que seja a
espécie (INFLUENZA SACONAL COMUM OU INFLUENZA A – H1N1), que faça ou não parte do
“grupo de risco”, estabelecido no protocolo do Ministério da Saúde, o que reforça a legitimidade do
Ministério Público para defender o interesse individual indisponível, de que são titulares todos os
cidadãos paranaenses acometidos com essa doença.
3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A
legitimidade
passiva
dos
réus
decorre,
inicialmente,
da
Constituição Federal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Da análise do art. 198 da Carta Magna, infere-se haver Sistema
Único de Saúde, assim como diversidade da base de financiamento desse Sistema, nos seguintes
termos:
Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do Art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes
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Também a Lei n° 8.080/90, ao disciplinar a organização, direção e
gestão do Sistema Único de Saúde, prevê um sistema uno e descentralizado de saúde, nos
seguintes moldes:
Art. 9°. A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o
inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de
governo pelos seguintes órgãos:
I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente; e
III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.
Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramifica-se,
sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de quaisquer de seus gestores podem/devem
ser exigidas “ações e serviços” necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde
pública.
A regra acima é válida tanto para o financiamento do atendimento e
tratamento médicos, quanto para a aquisição e entrega dos medicamentos destinados aos
pacientes e usuários do Sistema Único de Saúde.
No caso específico da lide presente, a situação é ainda mais grave. É
que, em razão da pandemia verificada, concentrou-se a aquisição e a distribuição do medicamento
Tamiflu nos governos federais. Somente este pode adquirir o medicamento da empresa produtora,
a Roche, ao menos até que a epidemia seja debelada.
Adquirido o medicamento pelo governo federal, este tem o dever de
repassá-lo aos Estados, segundo suas necessidades, para que o remédio seja distribuído aos
pacientes que precisem, conforme a recomendação médica e o protocolo de tratamento da
Influenza A – H1N1.
Vê-se, pois, a solidariedade de responsabilidades que recai sobre a
União e o Estado do Paraná, no caso presente.
4. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
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Dispõe o art. 109, inciso I, da Constituição Federal :
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto as de
falências, as de acidente de trabalho, e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça
do Trabalho;
[...]
§2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção
judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou
fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no
Distrito Federal.
No presente caso, como já demonstrado, há clara responsabilidade
da União pela aquisição e distribuição do medicamento necessário para o tratamento da Influenza
A – H1N1. Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos do artigo
109, inciso I, da Magna Carta, a competência da Justiça Federal para o processamento e
julgamento da presente demanda.
5. DA EFICÁCIA DO MEDICAMENTO OSELTAMIVIR (TAMIFLU)
Os dados notoriamente conhecidos dão conta que o medicamento
OSELTAMIVIR (TAMIFLU) é eficaz no combate ao vírus da INFLUENZA A - H1N1, sendo capaz
de reverter o quadro clínico e curar o indivíduo. Isso se aplica a toda espécie de GRIPE, seja a
gripe sazonal, seja para a sua modalidade mais agressiva, hoje conhecida como “gripe suína”.
Ocorre, porém, que o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) perde
sua eficácia no combate ao novo vírus da INFLUENZA A – H1N1 com a demora em sua
administração.
Tal significa que após as primeiras quarenta e oito (48) do surgimento dos
sintomas, se administrado ao doente, esse medicamento se torna totalmente ineficiente.
É assim porque a função do medicamento em questão é atingir uma
proteína do vírus, inibindo sua replicação. Ora, somente tem utilidade o impedimento da replicação
do vírus enquanto ele ainda não tomou o corpo todo do indivíduo. Na medida em que o vírus já
atingiu, de forma plena, o doente, o remédio em questão não tem mais serventia.
Por isso, seja o Ministério da Saúde (no Protocolo de tratamento
juntado neste processo), seja a própria bula do medicamento (doc. II), indicam que o emprego do
Tamiflu deva ser feito “nas primeiras quarenta e oito horas do surgimento dos sintomas.”
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Atente-se
ao
depoimento
(Procedimento
Administrativo
n.
1.25.000.002505/2009-21, fls. 09/11, em apenso) prestado pelo Dr. MIGUEL IBRAIM ABBOUD
HANNA SOBRINHO e Dr. ALCEU FONTANA PACHECO JUNIOR, respectivamente, Presidente
do Conselho Regional de Medicina do Paraná e Presidente da Sociedade Paranaense de
Infectologia, que, ao prestarem depoimento perante o Ministério Público Federal, aduziram que:
“é importante salientar que o medicamento TAMIFLU tem efeito comprovado de
ação nas primeiras trinta e seis (36) horas, podendo ser utilizado até as primeiras
quarenta e oito (48) horas, sendo evidente que quanto mais precoce for o uso,
melhores os resultados com este medicamento;
que, em razão disso, É
NECESSÁRIO QUE TODOS OS PACIENTES COM DIAGNÓSTICO CLÍNICO
DE GRIPE, QUALQUER QUE SEJA A SUA ESPÉCIE – GRIPE SAZONAL
COMUM OU INFLUENZA A - PANDÊMICA RECEBAM O MEDICAMENTO
TAMIFLU (OSELTAMIVIR) DE IMEDIATO Á REALIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO”.
Entretanto, em cumprimento às orientações do Ministério da Saúde,
a administração desse medicamento nas primeiras quarenta e oito horas somente vem sendo feita
aos pacientes que compõem o “grupo de risco”.
Para todos os demais doentes que não integram o seleto “grupo de
risco”, o medicamento tem sido administrado somente após verificado severo agravamento do
quadro clínico inicialmente apresentado, o que acontece muito depois das primeiras quarenta e
oito horas do surgimento dos sintomas, quando o remédio já não é mais eficaz, causando a morte
dos pacientes acometidos com o novo vírus da INFLUENZA A – H1N1.
O fornecimento do OSELTAMIVIR (TAMIFLU) para os doentes que
não fazem parte do “grupo de risco” tem ocorrido de forma tardia, porque, segundo as verificações
clínicas feitas pelas autoridades médicas que prestaram depoimento perante o Ministério Público
Federal (cópias inclusas), no Estado do Paraná o agravamento dos sintomas se dá somente após
o quarto ou o quinto dia do seu início.
Com efeito, a Dra. Leda Maria Rabelo, Presidente da Sociedade
Paranaense de Tisiologia e Doenças Toráxicas, ao prestar esclarecimentos ao Parquet Federal
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(Procedimento Administrativo n. 1.25.000.002505/2009-21, fls. 12/14, em apenso), aduziu que
todos os pacientes não integrantes do “grupo de risco” estabelecido pelo Ministério da Saúde, que
sofreram agravamento no quadro clínico de INFLUENZA A – H1N1, que foram internados na UTI
do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e somente então receberam a
medicação OSELTAMIVIR (TAMIFLU), vieram a óbito, pois o remédio se torna absolutamente
ineficaz após as primeiras 48 horas do início da sintomatologia.
6. A ORIENTAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE E O EQUÍVOCO NA INDICAÇÃO DO
MEDICAMENTO
As situações ora denunciadas pelo Ministério Público Federal vêm
ocorrendo porque, nos termos do que prescreve o protocolo do Ministério da Saúde (módulo I,
item 5, doc. I), além dos pacientes que integram o “grupo de risco” previsto no protocolo do
Ministério da Saúde e dos que apresentam quadro agudo grave de doença respiratória, os demais
doentes somente poderão receber o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) por decisão
conjunta do médico responsável pela prescrição e da autoridade de saúde local, conforme
alteração feita em citado documento, na data de 05 de agosto de 2009.
É o que passou a constar no protocolo:
“5. INDICAÇÕES PARA O USO DO OSELTAMIVIR
a.1)Indicação para tratamento:
Prescrição e dispensação não previstas neste protocolo, ficam sob a
responsabilidade conjunta do médico responsável pela prescrição e da
autoridade de saúde local”.
Vale dizer que, segundo a indicação do Ministério da Saúde,
somente receberão o medicamento TAMIFLU aqueles que estiverem no “grupo de risco”; aqueles
que tiverem agravamento dos sintomas, com a apresentação de doença respiratória aguda grave
e, finalmente, aqueles que consigam avaliação favorável do médico prescritor do remédio em
conjunto com a autoridade local de saúde.
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Portanto, àqueles doentes que não fazem parte do “grupo de risco”
estabelecido pelo Ministério da Saúde, ainda que portadores do novo vírus da INFLUENZA A –
H1N1, não lhes vem sendo disponibilizado, de imediato ao surgimento dos sintomas, o remédio
OSELTAMIVIR (TAMIFLU) – que é de fornecimento exclusivo da rede pública de saúde – por não
se enquadrarem nos critérios governamentais.
De acordo com o protocolo vigente do Ministério da Saúde, os
doentes acometidos com o novo vírus da INFLUENZA A – H1N1 somente que não fazem parte do
“grupo de risco” somente devem receber a medicação OSELTAMIVIR (TAMIFLU) após o
agravamento da doença, quando já apresentam doença respiratória aguda grave – o que ocorre
muito depois das primeiras 48 horas, ou, finalmente, quando conseguirem parecer favorável tanto
do médico que prescreveu a receita, quanto da autoridade de saúde local. Até lá, por óbvio, todos
esses pacientes terão ido a óbito por absoluta ineficiência e omissão dos réus, tendo em vista que
o medicamento terá sido administrado fora do tempo hábil.
Frise-se que o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) somente é
plenamente eficaz se administrado nas primeiras quarenta e oito horas do surgimento dos
sintomas. Aliás, o próprio protocolo do Ministério da Saúde reconhece esse dado, conforme
novamente se transcreve, ipsis litteris: “Este medicamento deve ser utilizado em, no máximo, até
48 horas a partir da data de início dos sintomas, observando-se as recomendações do fabricante
constantes na bula do medicamento”.
Assim, a orientação existente no protocolo do Ministério da Saúde é
que aqueles pacientes que não estão no “grupo de risco” e apresentem sintomas da INFLUENZA
A – H1N1 não devem receber, de imediato, o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU), mas,
apenas, após a verificação do agravamento de quadro clínico, que se dá com a evolução para um
quadro de doença respiratória aguda e grave ou, finalmente, se obtiverem parecer favorável
conjunto do médico e da autoridade local de saúde.
Sucede que, conforme vem sendo vivenciado no Estado do Paraná,
os dados médicos reais informam que nos pacientes que não fazem parte do “grupo de risco”, o
agravamento dos sintomas de GRIPE tem-se verificado a partir do quarto ou quinto dia do seu
surgimento.
Esclarece a Presidente da Sociedade Paranaense de Tisiologia e
Doenças Toráxicas, Dra. LEDA MARIA RABELO, fundada em dados do Hospital de Clínicas da
Rua XV de Novembro, 608, Centro – Curitiba/PR – CEP 80020-310
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Universidade Federal do Paraná, que os pacientes que não fazem parte do grupo de risco
estabelecido pelo protocolo do Ministério da Saúde apresentaram piora nos sintomas da doença
INFLUENZA A – H1N1 somente no quarto ou quinto dias após o seu início. Em razão disso, ao ser
administrado o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) a esses doentes – a partir do
agravamento do quadro clínico – o remédio foi totalmente ineficaz, já não surtindo mais efeitos – o
que os levou a óbito (Procedimento Administrativo n. 1.25.000.002505/2009-21, fls. 12/14, em
apenso).
Alarmante, aliás, a constatação dessa médica, ao afirmar :
“No Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná existem atualmente
14 (quatorze) leitos de UTI ocupados por pacientes com quadro clínico suspeito
de INFLUENZA A – H1N1, na sua forma grave, o que significa insuficiência
respiratória grave com necessidade de ventilação mecânica, qual seja, aparelho
de ventilação artificial, pois o doente não consegue mais respirar
espontaneamente; que todos esses pacientes não pertencem ao grupo de risco
informado pelo Ministério da Saúde em seu protocolo vigente, porque não estão
incluídos no rol das gestantes, pessoas com mais de sessenta e cinco anos,
imunodeficientes, portadores de doenças crônicas (insuficiência cardíaca e
doenças pulmonores crônicas, e não apresentavam quadro grave inicial da
doença; que por não estarem neste grupo de risco, não lhes foi administrada a
medicação TAMIFLU ou OSELTAMIVIR, nas primeiras quarenta e oito horas do
início do quadro clínico; que na UTI GERAL do Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Paraná foram internados até a presente data – 05 de
agosto de 2008 – vinte e seis (26) doentes com quadro clínico compatível com
INFLUENZA A - H1N1, na sua forma grave, todos necessitando de ventilação
mecânica; que até esta data – 05/08/2009 – ocorreram treze (13) óbitos, dos quais
cinco (05) foram confirmados com INFLUENZA A – H1N1, sendo que desses
uma (01) era gestante, única que faz parte do grupo de risco estabelecido pelo
Ministério da Saúde, em seu protocolo; que nenhum desses VINTE E SEIS (26)
doentes recebeu a medicação TAMIFLU (OSELTAMIVIR) durante as primeiras
quarenta e oito (48) horas da evolução do quadro clínico; que todos esses
pacientes tiveram piora clínica após o quinto (5º) dia do início da apresentação
do quadro clínico; que foi realizada autópsia em um desses pacientes, cuja
análise anátomo patológica do pulmão mostra presença de membrana hialina
nos alvéolos, o que comprova Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto
(SARA), doença conhecida pela sua alta mortalidade e resultado de quadros
infecciosos ou inflamatórios sistêmicos graves, que podem acontecer na
evolução de um quadro clínico de INFLUENZA A - H1N1; que todos os pacientes
com quadro clínico semelhante, que anteriormente ocuparam esses mesmos
leitos da UTI do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
também não eram do grupo de risco e, do mesmo modo, foram a óbito, à
exceção de uma jovem portadora de doença pulmonar crônica”.
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Vê-se, portanto, que a observância do protocolo editado pelo
Ministério da Saúde tem causado a morte dos pacientes não integrantes do “grupo de risco” que
mesmo acometidos com o novo vírus da INFLUENZA A – H1N1 não receberam a medicação
necessária em tempo hábil – nas primeiras 48 horas do início dos sintomas – o que lhes teria salvo
a vida.
Oportuno atentar que dias atrás, curiosamente, o Ministério da Saúde
anunciou que faria modificação em seu protocolo (doc. III e IV), de modo a permitir que os médicos
pudessem prescrever o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) também para os doentes não
listados inicialmente. Infelizmente, logo em seguida voltou atrás em sua decisão, tendo o Senhor
Ministro da Saúde (doc. V), pessoalmente, no dia 04 de agosto de 2009, informado que o
fornecimento desse medicamento continuava limitado aos casos descritos no protocolo.
Em mais uma reviravolta, que demonstra o grau de insegurança na
política de saúde pública adotada pela ré UNIÃO, passou a constar, a partir do dia 05 de agosto de
2009, no protocolo do Ministério da Saúde que, a par dos casos originalmente tratados no
protocolo, é possível ao médico – com a concordância da autoridade sanitária local (Secretaria
Municipal de Saúde) – dispensar o remédio OSELTAMIVIR (TAMIFLU) também para outras
situações graves (doc. I, na versão III do protocolo, datado de 05/08/09).
Ocorre que mencionada possibilidade não garante, de modo algum, o
direito que têm todos os doentes acometidos com INFLUENZA, qualquer que seja a espécie –
INFLUENZA SAZONAL COMUM OU INFLUENZA A – H1N1, de receber o medicamento
OSELTAMIVIR (TAMIFLU), nas primeiras quarenta e oito horas do início dos sintomas.
7. A SITUAÇÃO EM OUTROS PAÍSES
Além de não ser adequada a orientação dada pelo Ministério da
Saúde brasileiro, no que concerne ao tratamento de pessoas infectadas com o novo vírus da
INFLUENZA A – H1N1, está ele também na contramão de tudo o vem sendo feito em outros países
acometidos por essa pandemia.
Com efeito, no Canadá, por exemplo, a medicação necessária ao
combate à pandemia, por determinação de seu Ministério da Saúde, pode ser vendida para o
tratamento e para a profilaxia de doenças agudas, ainda sem complicação, devida a infecção
causada por Influenza, em adultos, adolescentes e pacientes pediátricos de mais de um ano, que
tenham sintomas por não mais de dois dias (“Tamiflu (oseltamivir phosphate) is a drug currently
authorized for sale in Canada for the treatment and prophylaxis of uncomplicated acute illness due
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to influenza infection in adults, adolescents and paediatric patients 1 year and older who have
been symptomatic for no more than 2 days”). (doc. VI)
Outrossim, em razão de recente ordem, o mesmo tratamento foi
liberado a pacientes com idade inferior a um ano, também por decisão do Ministro da Saúde
canadense.
Já, nos Estados Unidos, o Departamento de Saúde Americano deixa
a cargo do julgamento clínico a decisão acerca do tratamento com OSELTAMIVIR (TAMIFLU). A
indicação dada nesse país é que referida medicação deve ser dispensada a todos os pacientes
hospitalizados com confirmação, probabilidade ou suspeita de portarem o vírus INFLUENZA A H1N1, bem como aos pacientes que estão entre os considerados de risco. Ademais, caso o
paciente não esteja incluído em nenhum dos grupos de risco, tampouco hospitalizado, pode-se
recorrer a exames médicos, para decidir acerca de qual tratamento seguir (doc. VII).
De modo semelhante, no Chile, país vizinho ao Brasil, seu Ministério
da Saúde vem indicando o tratamento com OSELTAMIVIR (TAMIFLU), em casa, a todos os casos
suspeitos sem critérios de gravidade, assim considerados aqueles em que o paciente apresenta
febre superior a 38,5º somada a qualquer dos sintomas sem maiores complicações. Para os casos
suspeitos com critérios de gravidade, a orientação é de que o paciente seja hospitalizado e a
medicação dispensada imediatamente (doc. VIII).
Vê-se, portanto, que em vários países – não apenas os europeus ou
os países ricos, mas, também, países com situações semelhantes à do Brasil – o protocolo de
atendimento aos casos de INFLUENZA A- H1N1 não exige o agravamento de quadro clínico para
a dispensação do medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU). Basta, apenas, a apresentação de
sintomas típicos de INFLUENZA, qualquer que seja a espécie – INFLUENZA SAZONAL COMUM
ou INFLUENZA A - H1N1 – ou, ainda, decisão do médico para que o remédio seja colocado à
disposição do paciente, de imediato.
8. A POSIÇÃO DA SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ
Diante de todo esse quadro, o Estado do Paraná, enquanto gestor
estadual do Sistema Único de Saúde, tem-se limitado a seguir, rigorosamente, o protocolo editado
pelo Ministério da Saúde.
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De fato, a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, embora tenha
sinalizado flexibilização do protocolo, justamente para atender às peculiaridades desta unidade da
federação e a gravidade com que a epidemia nos vem atingindo, recuou, anunciando que seguirá
em sua literalidade o protocolo do Ministério da Saúde, sem qualquer ressalva.
Não obstante isso, os números do Paraná são totalmente alarmantes.
O Estado do Paraná já tem confirmadas 25 mortes e 601 casos de
INFLUENZA A - H1N1. A par disso, o Paraná está monitorando 3.829 casos suspeitos, tudo
conforme o Boletim Epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado, datado de 5 de agosto
passado (doc. IX).
Há que se observar que, muito estranhamente, nenhum dos óbitos
ocorridos no Estado do Paraná foi de pessoa idosa, como se verifica de mencionado relatório.
De fato, são 25 casos de óbito confirmados, sendo três (03) de
crianças ou adolescentes (pessoas até 19 anos), dezoito (18) de adultos jovens (pessoas entre 20
e 40 anos de idade), e quatro (04) de adultos (assim caracterizados aqueles com idade entre 41 e
65 anos).
A maior parte dos pacientes mortos, portanto, é de adultos jovens,
pessoas até quarenta anos de idade, de quem se esperaria a reação mais eficiente à doença.
Os que fazem parte do “grupo de risco”, como se vê – especialmente
em razão da administração precoce do medicamento – não têm sofrido a doença com gravidade.
Apenas para não deixar em branco, cabe mencionar que a Secretaria
do Estado de Saúde do Paraná informou, também, juntamente com a divulgação deste último
boletim epidemiológico, que a partir de então deixará de coletar amostra de todos os doentes
suspeitos de INFLUENZA A – H1N1 “gripe suína”, tomando-as somente de pessoas que
apresentem quadro grave, que estejam internadas ou que venham a falecer. Quanto a todos os
demais, estes não mais farão parte da estatística oficial!
De toda sorte, se esses são os números já concretizados, as
estatísticas então são alarmantes.
Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná,
estima-se que em 2009, na região de Curitiba, apenas, para uma população de 1.851.213
pessoas, em um cenário otimista, 277.682 indivíduos contrairão a doença (doc. XXIV).
Já, em um cenário pessimista, esse índice cresce para 814.534
pessoas, ou seja, algo em torno de 45% da população.
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Quanto ao grau de letalidade da doença nesta capital do Estado do
Paraná, imagina-se, segundo o mesmo relatório, que em um cenário otimista, apenas neste ano
de 2009, deverão morrer entre 2.777 e 5.554 pessoas.
De outra parte, pensando-se em um cenário pessimista, e ainda de
acordo com os dados apresentados no relatório da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná
mencionado, apenas na região de Curitiba, o grau de mortalidade ultrapassa a espantosa cifra de
8.145 a 16.291 pessoas.
Todos essas informações podem parecer abstratas. Porém, se
comparadas ao dado apresentado pela Organização Mundial da Saúde (doc. X), segundo o qual a
INFLUENZA SAZONAL OU COMUM causa, em todo o mundo, algo em torno de 250.000 a
500.000 mortes (majoritariamente entre maiores de 65 anos), nota-se que a cifra acima apontada
é enorme.
Realmente, se no mundo inteiro, no pior dos quadros estima-se que
500.000 pessoas morram de INFLUENZA SAZONAL COMUM, é difícil explicar tanta passividade
no trato da INFLUENZA A – H1N1 “gripe suína”, notadamente quando se constata que ela poderá
causar – segundo os dados do próprio Governo do Estado do Paraná, e só em Curitiba – algo em
torno de 8.000 a 16.000 mortes.
Mais preocupante, ainda, é esta informação se este trágico dado for
comparado com a previsão de óbitos para todo o Estado do Paraná. Com efeito, na exata medida
desses mesmos levantamentos, em um cenário pessimista, a previsão de morte no Estado do
Paraná, somente no ano de 2009, em decorrência da INFLUENZA A - H1N1, é de 47.019 a 94.039
pessoas (dados também do mesmo relatório, doc. XXIV). Isso corresponde, em termos
comparativos, a praticamente um quarto das pessoas que morrem anualmente, em todo o mundo,
em razão da INFLUENZA SAZONAL COMUM !
Por todo o exposto verifica-se não ser mais possível tolerar o
tratamento atualmente dado pelos réus à pandemia existente.
9. A QUESTÃO DOS ESTOQUES DE OSETALMIVIR (TAMIFLU) NO BRASIL
Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, o estoque
público de medicamentos para o tratamento do INFLUENZA A – H1N1 seria de 9 milhões de
tratamentos em pó (doc. XI), o que corresponde a noventa milhões de doses (considerando-se
que cada tratamento da INFLUENZA A – H1N1 utiliza, no seu todo, dez doses). Informa, ainda,
referido órgão público, que a aquisição do estoque foi realizada em 2005, devido ao risco, à
época, de haver uma epidemia da gripe aviária.
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Além de citadas doses, o governo federal adquiriu, no dia 21 de julho
de 2009, a quantia adicional de 50 mil tratamentos, com a previsão de recebimento, no final do
mesmo mês, de mais 150 mil doses do remédio. No mesmo comunicado, foi levantada a
possibilidade de serem disponibilizados, em questão de semanas, mais um milhão de tratamentos,
além dos que já compõem o estoque do Ministério da Saúde.
Por sua vez, a ROCHE, empresa suíça produtora do medicamento
OSELTAMIVIR (TAMIFLU), informa que sua produção está alinhada com o Ministério da Saúde,
que recebe condição de prioridade nos pedidos em relação ao abastecimento da rede privada de
comercialização de medicamentos. Deste modo, a empresa adotou como política oficial, devido à
situação de emergência, dedicar-se apenas ao suprimento dos estoques do governo federal, não
repondo os estoques dos estabelecimentos comerciais.
Assim, em caso de necessidade do remédio OSELTAMIVIR
(TAMIFLU), a ROCHE tem plenas condições de produzir outros lotes dessa medicação, já que a
isso está especialmente dedicada. Afirma a empresa, em comunicado oficial de seu próprio site
(http://www.roche.com.br/noticias/Influenza_Suina_PT.htm, doc. XII):
“Sobre a capacidade de produção do Tamiflu, a Roche reforça que ampliou a
produção do medicamento para suprir com estoques adicionais os países que
necessitem, trabalhando em conjunto com a OMS e com vários governos no
mundo todo. A produção de Tamiflu foi aumentada para alcançar um resultado
máximo de 36 milhões de kits por mês, equivalente a 400 milhões de kits de
tratamento (4 bilhões de cápsulas) por ano.”
Diante deste cenário, é pacífico aduzir que os estoques de
medicamento no Brasil estão concentrados no entorno do poder público. Entretanto, emerge como
questão fundamental o modo como o governo federal vem procedendo quanto à distribuição dos
tratamentos existentes em seus estoques, pois, de acordo com o documento supracitado, “a
distribuição dos medicamentos é centralizada”.
Assim, o Ministério da Saúde tem enviado os tratamentos às
Secretarias Estaduais de Saúde, que procedem a distribuição para as unidades de referência no
tratamento da INFLUENZA A – H1N1.
Não se discute que com o uso indiscriminado dos tratamentos os
estoques, por óbvio, não tardariam a se esgotar. É exatamente neste sentido que o Secretário
Estadual da Saúde do Paraná defende que “as áreas mais densamente povoadas do país
consumiriam isso [os estoques de medicamento] em dez dias” (doc. XIII).
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Entretanto, cabe ressalvar que, ainda que impossível materialmente a
distribuição do medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) a todos os cidadãos do país, a
quantidade de casos verificados no Estado do Paraná da doença INFLUENZA, qualquer que seja
a espécie – INFLUENZA SAZONAL COMUM ou INFLUENZA A – impõe o emprego imediato desse
remédio, tão logo tenham surgido os sintomas, possibilitando o tratamento de todos os casos até
agora noticiados da doença, assim como todos aqueles em que existe suspeita de contaminação.
Atente-se que em exames laboratoriais realizados, até agora foram
investigados 17.272 casos suspeitos em nosso país (doc. XIV), dado muito inferior ao número de
remédios recebidos apenas no dia 21 de julho pelo Ministério da Saúde, que foram de cinqüenta
mil (50.000) tratamentos.
Tendo em conta o presente cenário, constata-se que inexiste, no
tempo atual, real déficit na exata proporção verificada entre a quantia de medicamentos existente
no Estado do Paraná e a demanda efetivamente observada.
O que enseja a problemática que toma para si vestes cuja
dramaticidade cresce diuturnamente é o incorreto manejo por parte do poder público desses
remédios que se encontram sob sua tutela, bem como total inoperância, no que toca à obtenção
de estoques adicionais, os quais em um futuro em nada longínquo tendem a se constituir
verdadeiramente essenciais.
Justifica-se, pois, a presente demanda.
Não há, com efeito, falta da medicação em questão. Portanto, não se
justifica, em absoluto, o racionamento que o Governo Federal – com a subserviência irrestrita do
governo do Estado do Paraná - vem fazendo em relação ao remédio OSELTAMIVIR (TAMIFLU).
Ainda que houvesse falta desse medicamento, seria simples e fácil
ao Poder Público brasileiro adquirir o produto da empresa ROCHE, já que a política da empresa
(doc. XXV) é, justamente, atender, de forma prioritária, à demanda dos países em que a situação é
mais grave, segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde – o que, segundo o relatório
desta entidade, é o caso das Américas, aí incluído o Brasil (doc. XV e XVI).
Ademais, a própria Organização Mundial da Saúde informa que
dispõe de estoques para atender situações emergenciais, tal como a presente, para países que
não tenham estoque do medicamento ou que possuam em quantidade insuficiente (doc. XVII).
Não fosse isso suficiente, vê-se que a empresa produtora do medicamento Tamiflu, a Roche, temRua XV de Novembro, 608, Centro – Curitiba/PR – CEP 80020-310
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se esforçado em atender a demanda do produto, outorgando licenças para países produzirem
medicamentos genéricos da droga. Segundo afirma a empresa (doc. XXV):
“Além disso, a Roche forneceu licenças de fabricação para fabricantes de
genéricos na China e na Índia, permitindo-os produzir versões genéricas de
fosfato de oseltamivir, para posteriormente aumentar a disponibilidade global da
droga para uso em pandemia. A Roche também assinou um acordo com um
laboratório da África do Sul para produzir uma versão genérica para o continente
africano”
O Brasil, como se sabe, não se habilitou a essa mesma licença, mas
teria condições técnicas para tanto e isso poderia constituir em mais uma alternativa para
aumentar a produção do medicamento no país.
Apenas a título de argumentação, em último caso, ainda que todas
essas medidas não pudessem ser realizadas, cabe atentar ao fato que é possível a importação de
outro medicamento, conhecido por ZANAMIVIR (RELENZA), fabricado pela empresa Glaxo, que
efeito similar ao OSELTAMIVIR (TAMIFLU). O medicamento também é recomendado pela
Organização Mundial da Saúde, no combate ao vírus em questão, tendo sido, no passado,
comercializado no Brasil (doc. XVIII, XIX e XX).
Ao que parece, o Ministério da Saúde brasileiro sequer cogitou em
comprar esse medicamento, por entender suficiente o estoque que possui.
10. A QUESTÃO ESPECIAL DO TRATAMENTO ÀS CRIANÇAS
Não bastassem todas as questões já apresentadas, cabe ainda
sublinhar a situação grave que se tem verificado em relação à dispensação do medicamento
Tamiflu para uso pediátrico, no Estado do Paraná.
Conforme
amplamente
divulgado
pela
imprensa
local,
essa
específica versão do medicamento – em forma de xarope – não tem sido distribuída regularmente
pelo Governo Federal ao Estado, de modo que está em falta para tratamento desse particular
grupo de risco (doc. XXII).
Isso tem forçado o Poder Público local a manipular o medicamento
para uso adulto, transformando-o em xarope, para administração nos pacientes infantis. Essa
manipulação, porém, pode alterar a eficácia do medicamento, sequer se sabendo da adequação
desse procedimento.
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Impõe-se, portanto, dar atenção específica também a essa especial
população, que por suas próprias condições imunológicas, está mais exposta aos riscos da nova
doença.
11. DO DIREITO
O objetivo primordial da presente demanda, para a qual está
devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção de um
dos direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com o não-fornecimento,
pelo SUS, da medicação necessária ao tratamento das pessoas acometidas com o novo vírus
INFLUENZA A – H1N1 : o direito à vida.
Aliás, a negativa em prestar o remédio OSELTAMIVIR (TAMIFLU)
configura a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal - OMISSÃO DE SOCORRO na modalidade qualificada prevista no parágrafo único, caso demonstrada a morte do doente que
não recebeu, em tempo hábil referida medicação.
Não menos maculada resta, no caso em tela, a garantia
constitucional da SAÚDE e da VIDA, como direito de todos e dever do Estado, que se não
possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta
Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II.
Neste sentido, os tribunais pátrios têm decidido:
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SUS. GARANTIA CONSTITUCIONAL.
ATENDIMENTO PELO SISTEMA ÚNICO. CACON. NECESSIDADE. Para o
fornecimento da medicação, basta que o médico integrante do sistema único de
saúde entenda por necessário determinada medicação, cuja comercialização
esteja autorizada em território nacional, e essa haverá de ser providenciada,
sendo necessário, nos casos de pacientes portadores de câncer, que o
tratamento se dê no âmbito dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia,
órgãos responsáveis pela administração dos recursos do SUS na área
oncológica. (TRF4, AG 2007.04.00.041404-4, Quarta Turma, Relator Valdemar
Capeletti, D.E. 17/03/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REALIZAÇÃO DE EXAMES. DIREITO À SAÚDE.
DEVER DO ESTADO. 1. Como bem assentado na Constituição da República, o
direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada
à
generalidade
das
pessoas.
Traduz bem
jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
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responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir, aos cidadãos o
acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. 2.
Demonstrado o precário estado de saúde, não há como se afastar a
responsabilidade dos réus em realizar os exames necessários para avaliar o
quadro clínico da parte autora, para fins de troca de medicamentos ou realização
de cirurgia. (TRF4, AG 2007.04.00.020896-1, Terceira Turma, Relator Carla
Evelise Justino Hendges, D.E. 05/03/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDICAMENTOS.
A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que é dever constitucional da
União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios o fornecimento gratuito e
imediato de medicamentos essenciais à saúde e à vida dos pacientes carentes.
(TRF4, AG 2007.04.00.008563-2, Terceira Turma, Relator Maria Lúcia Luz Leiria,
D.E. 05/09/2007)
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AIDS. FORNECIMENTO
DE MEDICAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA.- Sendo dever do
Estado a prestação de assistência farmacêutica aos necessitados, inclusive
medicamentos para tratamento de doenças graves que não estejam registrados
na Agência Nacional de Segurança Sanitária - ANVISA, resta presente a
verossimilhança das alegações.
- Inocorre, no caso, qualquer tratamento privilegiado, assegurado simplesmente
o direito à vida através das atividades que são inerentes ao Estado e financiadas
pelo conjunto da sociedade por meio dos impostos pagos pelo próprio cidadão.Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de
decidir.Apelações e remessa oficial improvidas.
(TRF4, AMS 200270000715590, Terceira Turma, Relator José Paulo Baltazar
Junior, julgado em 01/06/2004).
CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE “C”. DIREITO À VIDA E À
SAÚDE. DEVER DO ESTADO.
1.
Delegado de polícia que contraiu Hepatite “C” ao socorrer um preso
que tentara suicídio. Necessidade de medicamento para cuja aquisição o
servidor não dispõe de meios sem o sacrifício do seu sustento e de sua família.
2.
O Sistema Único de Saúde – SUS visa a integralidade da assistência
à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem
em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o
acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia,
necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser
fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.
3.
O direito á vida e a disseminação das desigualdades impõe o
fornecimento pelo Estado do tratamento compatível à doença adquirida no
exercício da função. Efetivação da cláusula pétrea constitucional.
4.
Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua
pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, posto assegurado o direito à
saúde e, sem última instância, à vida [...]
5.
Recurso especial provido.
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Assim, conforme esclarece José Afonso da Silva “a saúde é concebida como
direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas
que visem a redução do risco de doença e de outros agravos”.(SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. 10. ed. São Paulo: Malheiros).
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988,
configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais,
culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado.
Destarte, não se trata mais, como nos direitos de primeira geração,
de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais, eis que os
direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais
(positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc.
Cumpre destacar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico
o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição
Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.
Diante de tudo o que foi exposto, os óbices opostos pelos Gestores
Federa e Estadual do Sistema Único de Saúde à dispensação imediata do medicamento não são
aptos a afastar o dever constitucionalmente imposto ao Estado, conforme a seguir se
demonstrará.
Da análise do artigo 196 da Constituição Federal, suso referido,
deflui-se, desse dispositivo, não uma mera ordem programática, despida de conteúdo jurídico
obrigacional, mas sim que o Estado está juridicamente obrigado a garantir o direito à saúde,
mediante políticas sociais e econômicas, bem como exercer as ações e serviços de forma a
promover, proteger e recuperar a saúde, sendo certo que a tal obrigação corresponde o direito
subjetivo público de ver tais ações e serviços implementados.
Assim pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: PACIENTE COM PARALISIA CEREBRAL E MICROCEFALIA.
PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À
SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E DE
APARELHOS MÉDICOS, DE USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE PESSOA
CARENTE. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E
196). PRECEDENTES (STF).
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República
(art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade
deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos
cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
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O caráter programático da regra inscrita no art.
196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de
o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental
ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Precedentes do STF.
(STF, RE nº 273.834-4/RS. 2ª Turma. Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 12/09/2000)

Do voto do Min. Celso de Mello:
“Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar
efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das
pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação - que,
fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar
concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República“.
“O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto
da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das
expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder
Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas
instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a
promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo
texto constitucional”.
“Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento
formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração
constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente
garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à
saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do
cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas
pelo próprio ordenamento constitucional”.
A legislação infraconstitucional, regulando e estruturando o Sistema
de Saúde constitucionalmente delineado, em atenção ao princípio da integralidade da assistência,
dispôs especificamente sobre o aspecto da Assistência Farmacêutica, na forma a seguir exposta.
A Lei n.º 8.080, de 19 de Setembro de 1990, define em seu artigo 2º
que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.”; mais adiante, em seu artigo 6º, inciso I, alínea d, inclui no
campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a “assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica”;
Dentro da Política Nacional de Medicamentos, Portaria GM/MS nº
3.916, de 30/10/1998, item 5.3, alíneas “d” e “m”, as funções cometidas ao Gestor Estadual do
Sistema Único de Saúde na consecução da Assistência Farmacêutica são, entre outras, a de
“coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu âmbito” e de “definir o elenco de
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medicamentos que serão adquiridos diretamente pelo estado, inclusive os de dispensação em
caráter excepcional ... e destinando orçamento adequado à sua aquisição”.
Não se distancia das diretrizes fixadas na retro mencionada Política
Nacional o comando do art. 2º, caput e parágrafo primeiro, da Portaria SAS n. 341, de 22 de
agosto de 2001, a qual, consetânea à inarredável garantia constitucional de acesso universal aos
serviços e ações necessários à promoção, proteção e recuperação da saúde, impõe às
Secretarias de Saúde do Estado o dever de distribuir medicamentos excepcionais mesmo nos
casos em que estes não estejam incluídos no Protocolo de Diretrizes Terapêuticas fixado pela
Secretaria de Atenção à Saúde.
De outra maneira não poderia ter disposto, uma vez que eventual
ineficiência do Poder Público em acompanhar os avanços da medicina não pode, à evidência, ser
alegada como escusa para a negação do direito à saúde e à existência digna dos quais é titular a
pessoa humana.
Outrossim, considerando que todos os cidadãos do Estado do
Paraná, com o quadro clínico da INFLUENZA, qualquer que seja a espécie (INFLUENZA
SAZONAL COMUM ou INFLUENZA A – H1N1) têm o direito de receber, de imediato ao início dos
sintomas, o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU mister se faz ressaltar que os seus direitos à
vida e à saúde devem ser garantidos com absoluta prioridade, conforme estabelecido pela
Constituição Federal.
Cumpre esclarecer que o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) já
teve sua eficácia comprovada, pois os protocolos científicos voltados a esse fim já foram
concluídos em nível internacional, tanto que seus resultados foram publicados e a comercialização
aprovada por aquelas que são as mais exigentes e respeitadas agências estrangeiras, a norteamericana e a européia. Além disso, impende destacar, conforme informou o próprio Ministério da
Saúde, que o fármaco em questão possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (
ANVISA).
Não há que se opor, de igual forma, à pretensão aqui deduzida,
eventual falta do citado medicamento para fazer frente a todos os cidadãos paranaenses que
apresentem quadro clínico da INFLUENZA, qualquer que seja a espécie. Isto porque o
oferecimento de determinado produto no mercado interno do país é dependente da iniciativa do
laboratório produtor, a qual, por sua vez, é ditada por interesses e conveniências de natureza
mercantil, os quais não consultam ao interesse da atenção em saúde.
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Aliás, é inaceitável que a União e o Estado do Paraná venham a
alegar que não possuam medicamento em quantidade necessária a atender todos os pacientes do
Estado do Paraná acometidos com INFLUENZA, em qualquer de suas espécies, pois a qualquer
tempo podem adquirir mais estoques de OSELTAMIVIR (TAMIFLU), assim como é totalmente
possível a importação de outro medicamento, conhecido por ZANAMIVIR (RELENZA), fabricado
pela empresa Glaxo, que efeito similar ao OSELTAMIVIR (TAMIFLU).
Note-se que não são exorbitantes os valores a serem gastos com a
aquisição destes medicamentos, quando comparados aos gastos com campanhas institucionais
dos réus, União e Estado do Paraná, quantias superiores ao montante que constitucionalmente
estão obrigados a investir para a preservação da saúde e da própria vida de todo e qualquer
cidadão
A Suprema Corte, por intermédio de uma de suas dignas vozes,
Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido,
verbis:
Não deixo de conferir... significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do
possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999,
Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação
(sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige,
deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas
individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de
caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende,
em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada,
objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta
não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a
imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa –
criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito
de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em
favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” –
ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade
(ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº 345).
Sobre o tema, resta esclarecer que a cláusula da “reserva do
possível”, entendida como a limitação financeira e orçamentária do Poder Público para as
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prestações positivas, não merece prosperar, em se tratando de direito fundamental à saúde, vez
que o Estado possui o dever de prestar universal e integral assistência terapêutica e farmacêutica
a todos os pacientes necessitados.
Relativizar princípios constitucionais, tais como o da universalidade e
da equidade da assistência à saúde, bem como o direito à saúde e à vida, em razão do elevado
preço dos medicamentos, seria, portanto, absolutamente inadmissível (e inconstitucional!!) .
A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade,
quando do julgamento do AGRRE/RS – 27186, que:
o direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito
à vida, cabendo ao Poder Judiciário formular – e implementar – políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos o acesso universal e
igualitário à assistência farmacêutica e médico – hospitalar.
Em assim sendo, conforme se manifestou o Ministro Celso de Mello:
a “ reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente
aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se
do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação, ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade. ( ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF n. 345).
O mesmo Ministro, no exercício da Presidência do Supremo Tribunal
Federal, esclareceu que:
entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica
como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição
Federal (artigo 5º, caput e artigo 196), ou fazer prevalecer, contra essa
prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado,
entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem éticojurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o
respeito indeclinável á vida e à saúde humanas. ( Pet. 1.246/SC)
Não resta, de tal feita, ao Ministério Público Federal, outro recurso que não
o da via jurisdicional, para buscar a efetiva tutela do Direito à Saúde ora ameaçado de violação.
12. DA NECESSIDADE DA ANTECIPAÇAO DE TUTELA
O quadro até aqui exposto demonstra a gravidade da situação vivida.
Isso implica, não apenas a necessidade de acolhimento desta demanda, como especialmente a
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imprescindibilidade de outorga de provimento liminar, capaz de prontamente coibir a prática hoje
utilizada e oferecer combate mais adequado à pandemia vivenciada.
Impõe-se, assim, a concessão de antecipação de tutela no caso
presente.
Para tanto, é clara a presença dos requisitos impostos em lei.
Inicialmente, cabe salientar a possibilidade de concessão de
antecipaçao de tutela em casos como o presente. Com efeito, ainda que se trate de medida contra
o Poder Público, sua autorização é plenamente admitida pela jurisprudência pátria, como se infere
do seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4a Região:
“ADMINISTRATIVO.
FORNECIMENTO
DE
MEDICAMENTOS.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS MEMBROS,
DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. 1. É obrigação do Estado
(União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas
desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere
necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo,
as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e
Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade
passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 2. É firme o
entendimento nesta Corte de que é possível a fixação pelo juízo, de ofício ou a
requerimento da parte, de multa contra a Fazenda Pública pelo inadimplemento
de obrigação de fazer. 3. A proibição da antecipação de tutela contra o Poder
Público deve ser abrandada, diante da supremacia do direito à vida, à igualdade
e à justiça assegurados pela Constituição Federal.” (TRF-4a Região, 3a Turma.
AG 2006.04.00.026262-8, Rel. Vânia Hack de Almeida, DJ 22/11/2006).
Também o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento
no sentido da possibilidade de concessão de tutela antecipada em desfavor da União nessas
situações.
“ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA. FAZENDA PÚBLICA. ESTADO DE
NECESSIDADE. VIDA HUMANA.
Conquanto o colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em
plenário da medida liminar na ADC nº 4, tenha entendido pela impossibilidade da
antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser
considerada com temperamentos. A vedação, assim já entendeu esta Corte, não
tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado
de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois,
imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo, de sobrevivência
para o jurisdicionado. Precedentes.
Recurso não conhecido.” (STJ, 5a Turma. REsp 409172/RS, Rel. Min. Felix
Fischer, DJ 29.04.2002, p. 320)
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“PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - TRANSPLANTE DE RIM
MALSUCEDIDO - TUTELA ANTECIPADA - APELAÇÃO RECEBIDA EM AMBOS
OS EFEITOS - EXCEPCIONALIDADE DOS EFEITOS DA ANTECIPAÇÃO PARA
GARANTIR PAGAMENTO DE PENSÃO INDISPENSÁVEL À SOBREVIVÊNCIA
DO APELADO - INAPLICABILIDADE, NO CASO, DO ARTIGO 1º DA LEI Nº
9.494 DE 1.997.
A Lei nº 9.494/97 (artigo 1º) deve ser interpretada de forma restritiva, não
cabendo sua aplicação em hipótese especialíssima, na qual resta caracterizado
o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo
de se impor a antecipação da tutela, no caso, para garantir ao apelado o
tratamento necessário à sua sobrevivência. Decisão consonante com
precedentes jurisprudenciais do STJ.
Recurso improvido.(STJ, 1a Turma. REsp 275649/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ
17.09.2001, p. 116)
Superada essa premissa, tem-se que a verossimilhança das
alegações apresentadas está perfeitamente demonstrada, diante da farta documentação acostada
aos autos. O material juntado ou é oriundo de sites do próprio Poder Público ou das empresas
envolvidas com a produção do medicamento, ou se origina de depoimentos prestados na sede
desta Procuradoria da República, por médicos gabaritados e de inegável reputação.
Aliás, como já indicado, o próprio protocolo do Governo Federal se
mostra, icto oculis, contraditório, ao recomendar o emprego do medicamento Tamiflu apenas para
casos em que haja agravamento de doença pulmonar aguda, esclarecendo, porém, logo antes,
que a droga só é eficaz se aplicada nas primeiras quarenta e oito horas do surgimento dos
sintomas.
Por outro lado, a experiência de outros países, que também convivem
com a pandemia, demonstra que a abordagem diferente, que garante o fornecimento do
medicamento a todos os que apresentarem os sintomas, tem surtido efeito e tem-se demonstrado
mais eficaz no combate à Influenza A – H1N1.
A par de tudo isso, não se pode negar que, na ponderação dos bens
jurídicos envolvidos, deve a decisão pender sempre – em caso de necessidade de proteção de
urgência – para a tutela provisória do interesse mais relevante para a ordem jurídica. Não há
dúvida, nesse contexto, que entre a proteção de um suposto interesse econômico do Governo
Federal e a proteção da saúde do indivíduo, este último direito deve merecer prioridade, o que
reforça a existência da plausiblidade do direito, que deve ser tutelado prontamente.
No outro viés, demonstrou-se que não há risco para o Governo
Federal se o medicamento for prescrito para todos aqueles que apresentarem os sintomas da
Influenza A – H1N1. Abrem-se várias alternativas ao Poder Público para suprir seus estoques no
caso presente. Poderá adquirir mais lotes do medicamento – já que, como visto, a empresa
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fornecedora do medicamento ampliou a sua produção, justamente tendo em vista a pandemia, e
vem distribuindo esses novos lotes aos países mais atingidos, o que é o caso do Brasil, conforme
indicativo da Organização Mundial da Saúde. Poderá também solicitar da empresa fornecedora – a
exemplo do que já fez a India, a China e a Africa do Sul, autorização para a produção do
medicamento no Brasil. Poderá ainda buscar suprir seu deficit de medicamento junto à
Organização Mundial de Saúde, que possui um estoque, a ser fornecido aos países que mais
necessitarem. Poderá, finalmente, adquirir o medicamento alternativo (Relenza) que possui a
mesma eficácia.
Há, portanto, suficiente evidência da verossimilhança, para autorizar
a concessão da medida antecipatória.
Quanto ao periculum in mora, também esse é flagrante no caso em
exame. A demora na prestação jurisdicional implicará sua total inutilidade. A pandemia está sendo
verificada neste preciso momento histórico, e seu pico – segundo as estimativas – acontece
justamente, no Brasil, em agosto. Assim, estamos no momento mais grave da epidemia, já que o
inverno (que favorece a proliferação da doença) permanece vigorisamente e o tempo úmido
amplifica a potencialidade de disseminação do vírus.
O número de mortos, por seu turno, cresce exponencialmente,
conforme os dados da Secretaria da Saúde do Paraná e não há outra alternativa para o tratamento
da doença senão o emprego do medicamento em questão.
Vê-se, também, que as medidas de contenção utilizadas pelo Poder
Público – adiamento do retorno às aulas, campanhas educativas em relação à higiene pessoal e a
recomendação de evitar-se aglomerações – têm-se mostrado insuficientes.
Finalmente, a outra solução que se vislumbra para combater a
epidemia – a vacina – somente chegará ao Brasil em meados de 2010 e, ainda assim, em
quantidade muito pequena para atender à população (doc. XXI).
É, assim, manifesta a presença do perigo de demora na prestação
jurisdicional aqui solicitada.
Presentes os requisitos impostos pelo art. 273, e inc. I, CPC, requerse a concessão de medida liminar antecipatória, para que:
a) seja ordenado judicialmente à UNIÃO que faça constar orientação,
em seu protocolo, para que o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU) ou outro similar
(RELENZA), seja disponibilizado, de imediato, a todos os pacientes residentes no Estado do
Paraná, que apresentem sintomas de INFLUENZA, qualquer que seja a espécie (INFLUENZA
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SAZONAL COMUM OU INFLUENZA A – H1N1), independente do agravamento do quadro clínico e
sempre nas primeiras quarenta e oito horas do surgimento dos sintomas, bastando, para isso, que
o médico assistente (o que prestou atendimento ao doente) faça a indicação de seu uso;
b) seja ordenado judicialmente à UNIÃO que repasse ao Estado do
Paraná o medicamento (TAMIFLU ou RELENZA), de forma compatível e em quantidade suficiente
para o tratamento adequado a todos os casos acima indicados, inclusive disponibilizando volume
de medicamento próprio para o trato pediátrico (solução oral), em razão da manifesta falta dessa
especial forma da droga no Estado do Paraná, tendo em vista que, diante da especificidade que
se apresenta neste estado da federação, no qual as autoridades públicas de saúde locais
verificaram alarmante número de casos confirmados, assim como óbitos decorrentes do
acometimento do novo vírus da INFLUENZA A – H1N1;
c) seja determinado judicialmente ao Estado do Paraná que, de
imediato ao surgimento dos sintomas, dispense o medicamento TAMIFLU (ou, alternativamente,
RELENZA) a todos doentes residentes neste estado da federação que apresentem sintomas de
INFLUENZA, qualquer que seja a espécie, sem que aguarde o agravamento do quadro clínico,
bastando, para tanto, que seja receitado pelo médico assistente (aquele que prestou atendimento
ao doente);
d) seja determinado judicialmente ao Estado do Paraná que distribua,
de imediato, não apenas às Regionais de Saúde, mas sim a todos os municípios paranaenses,
segundo suas necessidades, o medicamento OSELTAMIVIR (TAMIFLU), procedendo a
comunicação a este r. Juízo, com urgência, sobre qualquer insuficiência verificada, seja do
medicamento para uso adulto, seja daquele para emprego pediátrico.
13. DOS PEDIDOS FINAIS
Diante do exposto, requer-se preliminarmente:
a) a concessão de medida liminar antecipatória, inaudita altera parte,
conforme exposto no item anterior, sob pena de imposição de multa coercitiva diária aos réus, no
importe de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) ou de outro meio que Vossa Excelência entenda
adequado.
a.1) caso necessário, requer-se a realização de audiência preliminar,
na forma prevista no art. 461, § 3o, do CPC, a fim de que sejam colhidas outras provas, para
melhor formar sua convicção.
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a.2) a publicação, às expensas das rés, da decisão de antecipação
dos efeitos da tutela e da sentença que julgar procedentes os pedidos formulados nesta exordial,
em, no mínimo, 2 (dois) jornais de grande circulação do Estado do Paraná, para possibilitar a
ciência de todos os interessados.
Ultimada esta providência, requer-se ainda:
b) a citação dos réus para que, querendo, possam oferecer resposta
no prazo legal;
c) a final procedência desta demanda, para que, confirmando a
liminar, torne definitivos seus efeitos, obrigando os réus a disponibilizar, de modo imediato, o
medicamento Tamiflu (ou, alternativamente, o RELENZA ou outro remédio similar de eficácia
comprovada) a todos os pacientes residentes no Estado do Paraná que apresentem os sintomas
típicos de INFLUENZA (gripe), sazonal ou “suína”, impondo-lhes, ainda, o dever de proceder, de
forma adequada, tempestiva e suficiente, a distribuição de mencionado remédio a todos os
trezentos e noventa e nove (399) municípios paranaenses, não se limitando, apenas, a
encaminhá-los às Regionais de Saúde deste estado da federação.
Protesta-se por provar o alegado com todos os meios admitidos em
direito.
Dá-se à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00.
Curitiba, 07 de agosto de 2009.
Antonia Lélia Neves Sanches
Procuradora da República
Sérgio Cruz Arenhart
Procurador da República
Luis Sérgio Langowski
Procurador da República
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