DR! Revista Nº 88 | 2016 Publicação do SIMESP Sindicato dos Médicos de São Paulo # Perdemos a guerra? Mosquito Aedes aegypti - transmissor dos vírus zika, chikungunya e da dengue - revela subdesenvolvimento brasileiro e inabilidade do Estado. No ápice do surto, governos reduzem investimentos em vigilância epidemiológica Páginas Verdes # # # # # Revista DR! • 1 Sumário 87 anos de história e cada vez mais presente para facilitar a defesa do médico e de seu trabalho Nº 88 | 2016 janeiro/fevereiro/março Sustentabilidade Redes sociais Cultura Resíduos hospitalares Combate ao tédio Casa do Povo 20 34 36 País avançou na Canuto Leite tem mais O esforço na legislação, mas ainda há de meio milhão de recuperação de muito a melhorar em seguidores: “É gostoso importante espaço infraestrutura levar humor para a vida cultural da comunidade e fiscalização das pessoas” judaica em São Paulo 5 Editorial 23 Tecnologia 32 Horas Vagas 35 Artigo 24 Especial Escolas médicas 2 • Revista DR! Revista DR! • 3 É mais tranquilo exercer a Medicina quando estamos seguros Condições especiais para os associados ao Simesp Editorial Expediente DIRETORIA Presidente Eder Gatti Fernandes [email protected] SECRETARIAS Geral Denize Ornelas P. S. de Oliveira Comunicação e Imprensa Gerson Salvador Administração Ederli M. A. Grimaldi de Carvalho Finanças Juliana Salles de Carvalho Assuntos Jurídicos Gerson Mazzucato Formação Sindical e Sindicalização Marly A. L. Alonso Mazzucato Relações do Trabalho José Erivalder Guimarães de Oliveira Relações Sindicais e Associativas Otelo Chino Júnior DR! Revista Epidemia e a ineficiência do Estado Diretoria do Simesp Diante da tríplice epidemia de ar- tes se as causas da disseminação Não é razoável supor que após boviroses - zika, chikungunya e de vetores não forem atacadas e, poucos anos aquelas mesmas dengue - que o Brasil vem enfren- infelizmente, observamos a dimi- instituições estejam qualificadas tando, o Simesp não poderia se au- nuição dos recursos destinados à não só para manterem, mas para EQUIPE DA REVISTA DR! sentar de promover amplo debate, assistência à saúde e à vigilância. ampliarem a oferta de vagas, na Diretor Gerson Salvador Editora-chefe e redação Ivone Silva Reportagem e revisão Adriana Cardoso Leonardo Gomes Nogueira Nádia Machado Fotos Osmar Bustos Relações-públicas Juliana Carla Ponceano Moreira Ilustração da capa Célio Luigi Redação e administração Rua Maria Paula, 78, 3° andar Bela Vista – São Paulo-SP 01319-000 Tel: (11) 3292-9147 [email protected] www.simesp.org.br ouvindo especialistas, buscando Com a publicação da matéria explicações na história do país e de Capa e com a entrevista de Pá- levantando questões no sentido ginas Verdes, com um dos maiores Convidamos todos os médicos de contribuir para uma mudança especialistas do país, o professor a contribuírem com nossas publi- de cenário. Rivaldo Venâncio da Cunha, da cações. Se você gosta de escrever O transmissor dessas doenças, Fiocruz (MS), esperamos cola- ou fotografar, pode encaminhar o Aedes aegypti, encontrou aqui borar com a compreensão deste seu material para avaliação da local adequado para sua proli- problema que vem se agravando nossa equipe editorial. Aprovei- feração devido à precariedade há décadas, culminando com o tamos ainda para informar que na oferta de saneamento básico, maior número de óbitos em um nossa revista DR!, assim como ineficiência de planejamento ur- único ano por dengue em 2015, e o Jornal do Simesp, a TV Simesp e bano e falta de priorização por da microcefalia atribuída à infec- nosso programa de benefícios, parte dos gestores públicos. A dis- ção congênita pelo vírus zika. podem ser facilmente acessados PROJETO GRÁFICO Med Idea - Design para médicos Rua Oscar Freire, 2189, Pinheiros São Paulo/SP 05409-011 Tel: (11) 99897-8787 [email protected] www.medidea.com.br Editor de Arte e diagramação Igor Bittencourt Todos os artigos publicados terão seus direitos resguardados pela revista DR! e só poderão ser publicados (parcial ou integralmente) com a autorização, por escrito, do Simesp. A responsabilidade por conceitos emitidos em artigos assinados é exclusiva de seus autores. maioria das vezes em instituições privadas, com subsídio estatal. seminação do Aedes aegypti que A revista DR! também traz à pelo aplicativo Simesp+ (disponí- tem impacto tão grave na saúde discussão a abertura indiscrimi- vel para android e iOS). É só bai- pública é também um problema nada de escolas médicas, que fez xar no seu celular ou tablet e con- ambiental, é um problema polí- do Brasil o segundo país do mun- tar com seu Sindicato ainda mais tico. O desenvolvimento de estra- do com o maior número de facul- perto. Boa leitura! tégias de diagnóstico, tratamento dades, algumas com mensalida- e imunização são fundamentais, des acima de 11 mil reais, muitas mas absolutamente insuficien- sem estrutura mínima necessária para a formação adequada de médico. Em momentos anteriores, após avaliações do próprio MEC, recomendou-se fechamento de Cotações e Dúvidas: simesp.org.br/simesp+ vagas e fechamento de escolas. BAIXE O APLICATIVO DO SIMESP+ Disponível para Android e IOS 4 • Revista DR! Revista DR! • 5 Rivaldo Venâncio da Cunha Divulgação Páginas Verdes “O problema (do zika vírus) está só começando” O professor e responsável técnico do escritório da Fundação Oswaldo Cruz do Mato Grosso do Sul (Fiocruz-MS) Rivaldo Venâncio da Cunha, 58 anos, reconhece que, entre dengue, chikungunya e zika — tríplice epidemia que o país vive hoje, cujos vírus são transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti —, a última é a mais grave e urgente por sua associação a casos de microcefalia em bebês a partir do ano passado, quando teve início a conexão. Para ele, o país chegou a esta situação por escolhas equivocadas feitas no decorrer “dos mais de 500 anos de história do Brasil”, como falta de saneamento básico e planejamento urbano. Mesmo classificando-se como um “otimista”, quando concedeu a entrevista, em março deste ano, o médico disse acreditar que o problema está apenas no início. “As lágrimas estão só começando a ser vertidas”, prevê. Pós-doutor em Medicina Tropical pela Fiocruz do Rio de Janeiro, com ênfase no estudo das doenças causadas por vírus; membro dos Grupos Assessores Técnicos para Dengue e para Chikungunya da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Cunha atendeu a reportagem da revista DR! no meio de uma de tantas viagens que estava fazendo em março para dar palestras sobre a tríplice epidemia em universidades brasileiras. Adriana Cardoso 6 • Revista DR! Como chegamos a essa situação que estamos hoje? Em que o Brasil falhou no controle do mosquito Aedes aegypti? Estamos colhendo frutos de várias sementes que foram lançadas ao longo de 500 anos de desenvolvimento da história do país. Frutos sociais e econômicos, frutos do desenvolvimento que optou por esvaziar o campo e inchar cidades e que não foi acompanhado com suporte adequado de infraestrutura urbana. A urbanização foi acelerada, desordenada, não planificada nos últimos 50 anos, o que fez com que sobretudo as periferias tenham hoje carências gigantescas de saneamento básico, coleta de lixo, no fornecimento de água, além da violência marcante. O sr. concorda com a ideia de que a municipalização do SUS pode ter prejudicado a qualidade de ações, como o controle do mosquito? Fui grande amigo e devo muito de minha formação política, ideológica e sanitarista ao professor Sérgio Arouca (um dos principais teóricos e líderes do chamado ‘movimento sanitarista’, que mudou o tratamento da saúde pública no Brasil), que achava que nós deveríamos reinventar o SUS. E uma das coisas que preci- saríamos refletir era sobre como se deu o processo de municipalização, porque, no olhar dele, muitas das propostas que foram feitas na implantação do SUS não deram o resultado que nós esperávamos. Por exemplo, algumas localidades do país receberam hospitais terciários, que eram federais, e a gestão municipal acabou não dando conta. Eu colocaria o processo de descentralização do controle de vetor como uma das reflexões sobre se o caminho mais adequado foi esse. Dentro dessa tríplice epidemia, qual o sr. acha a mais urgente de todas, se é que podemos separálas dessa forma? A zika, se não estivesse associada a essas malformações observadas em bebês, não seria tão grave ou seria pouco grave. Mas diante do quadro de alterações congênitas em bebês, cujas mães foram expostas ao vírus, a zika é a prioridade número zero do momento, no sentido de buscarmos alternativas para reduzir o impacto do número de casos e o sofrimento das famílias. A zika, hoje, quando analisamos o binômio mãe-filho, é mais grave, no meu entendimento, do que a transmissão do HIV da mãe para a criança. Em 32 anos, houve mais ou menos 30 mil casos de transmissão de HIV de mãe para o bebê e, segundo algumas estimativas, corremos o risco de ter, em um ano e meio, 15 mil casos de microcefalia, ou seja, metade do que o HIV levou 30 anos para fazer. O que já se sabe sobre a conexão zika vírus e microcefalia? Foi encontrado material genético do vírus em líquido amniótico de mães que tinham crianças com microcefalia. Também foi identificada a passagem do vírus na placenta de mulheres que tinham abortado, além de tecidos, como fígado e sistema nervoso central de crianças que nasceram com microcefalia e foram a óbito poucas horas depois. Ainda, foi encontrada a presença de anticorpos no líquiRevista DR! • 7 Rivaldo Venâncio da Cunha do cefaloraquidiano de crianças que nasceram com microcefalia em Pernambuco (Nordeste) e, por último, mais recentemente, foi publicado um estudo da Fiocruz do Rio, em 4 de março, no jornal The New England Journal of Medicine, da pesquisadora Patrícia Brasil (chefe do laboratório de pesquisa clínica em doenças febris), mostrando mulheres que tiveram diagnóstico de zika durante a gravidez que foram acompanhadas e viram, depois, o aparecimento de microcefalia e outras malformações congênitas. Comprovadamente essas mulheres tiveram a exposição ao vírus, pois os testes foram positivos para zika e negativos para outros. Há um conjunto de evidências que ganha corpo, mas que, por si só, não é suficiente para dizer que é o zika o único causador da microcefalia. Há que se estudar o papel de outros fatores que poderiam estar associados, potencializando o papel do zika. O que falta para isso? A repetição da observação. Esse trabalho do Rio é uma contribuição muito importante. Desde 1947, quando o vírus foi descoberto, até 2016, não houve nada parecido. O Brasil está dando uma contribuição inimaginável à saúde pública mundial com esse e outros estudos. 8 • Revista DR! “Meu medo é de que as malformações congênitas se tornem algo tão natural no país, como natural se transformou a morte por violência” No início da crise, o governo titubeou em dar respostas. Por que o governo demorou tanto para agir? Em linhas gerais, acho que subestimamos o processo. A zika era uma doença comum como outra qualquer. Foi identificada em macacos aprisionados para pesquisa em 1947, em Uganda (na Floresta Zika). Até essa crise no Brasil, havia apenas registros em ilhotas pouco populosas localizadas no Oceano Pacífico. Para se ter uma ideia, de 1952, quando houve a primeira publicação sobre a zika, até dezembro de 2015, havia algo como 215 artigos publicados em revistas científicas. Para efeitos de comparação, no mesmo período houve mais ou menos 2,5 mil sobre chikungunya, 15 mil sobre dengue e 300 mil sobre HIV. A doença estava negligenciada. Um exemplo marcante dessa negligência ficou evidente no início da epidemia no Brasil: não havia testes diagnósticos disponíveis no mercado mundial. O mundo in- teiro não deu atenção, não foi só o governo brasileiro. Nesse processo, muitos pesquisadores reclamaram da burocracia, da falta de informação e de acesso a amostras dos casos registrados... Eu entendo essa reclamação, mas isso está na governabilidade de institutos de pesquisas, de universidades e governos locais. As amostras não estavam em poder do ministro da Saúde (Marcelo Castro). O governo federal não detém a primazia sobre isso. Acho até que, no mundo globalizado de hoje, parcerias internacionais sairão da rotina. Muitos desses artigos publicados por brasileiros têm, inclusive, participação de equipes estrangeiras. O sr. acha que perdemos a guerra contra o mosquito? Penso que os mecanismos que usamos nos últimos 30 anos não deram resultado. O que o sr. acha que deveria ter sido feito? Não sei exatamente o que precisaria. O ideal era que houvesse saneamento básico, postura da coletividade de não jogar lixo, copo, garrafa em qualquer lugar... Como parâmetro, vou citar a postura de cidadania de um jogo da seleção japonesa de futebol... Quando os torcedores japoneses limparam o estádio (após um jogo da seleção japonesa de futebol contra a Costa do Marfim, na Arena Pernambuco, em Recife, durante a Copa do Mundo de 2014)? É!!! É aquilo! O processo de desenvolvimento histórico nosso é outro. O componente de saneamento para resolver e amenizar o problema da coleta e tratamento de resíduos sólidos sempre foi parte excluída dos planejamentos, restando somente o inseticida. Temos que ter maturidade e serenidade para reconhecer o que nós fizemos até agora e que não deu resultado. Uma prova é o crescimento do número de casos de dengue na América Latina e especialmente no Brasil. Como pode um país que está entre as maiores economias do mundo registrar 800 mortes por dengue em 2015? Não é um contrassenso? Como pode um país que é uma das maiores economias do mundo ter mais de 150 mil mortes violentas por ano? É outro contrassenso. Meu medo é de que as malformações congênitas se tornem algo tão natural no país, como natural se transformou a morte por violência. São aproximadamente 50 mil mortes por assassinatos por ano e não nos comovemos mais; todos os anos, são registradas cerca de 50 mil mortes decorrentes de acidentes de trânsito e não vertemos mais uma lágrima, a não ser quando um parente nosso é a vítima. Sabemos que os casos de microcefalia eram subestimados. O sr. acha que o SUS está preparado para lidar com todos esses problemas que o mosquito e seus vírus escancararam? Temos carência gigantesca de especialidades no SUS. Além da carência numérica temos a carência intrarregional, com especialidades mal distribuídas. Há também necessidade de envolvimento de outras categorias profissionais. A saúde é algo muito complexo para ser entenDivulgação Páginas Verdes dida somente por obra e graça de duas categorias - médicos e enfermeiros -, que são imprescindíveis, mas não são só elas. Há outra gama de profissionais, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos, também necessária, e não só no sistema público, como no privado. Há também, do ponto de vista da atenção primária, baixa resolubilidade de casos, temos o subfinanciamento também... Em artigos seus publicados em jornais, o sr. chamou a atenção para os casos de chikungunya. Qual a gravidade dessa doença? O problema é que a chikungunya pode tornar-se crônica, fazendo a pessoa ficar doente por seis, oito meses, até um ano. É extremamente marcante, pois incapacita pessoas em idade economicamente ativa, que são obrigadas a se afastar durante seis meses ou um ano do trabalho. Algumas das abordagens terapêuticas estão limitadas por contraindicações decorrentes da idade acima dos 40 anos, há também um peso na Previdência (Social). Tudo isso traz implicações a serem consideradas. A doença está se disseminando bastante, em 14, 15 estados, especialmente no Nordeste, como Pernambuco. Cabe um alerta adicional: devemos estar atentos para o possível papel da chikungunya na desRevista DR! • 9 Páginas Verdes Rivaldo Venâncio da Cunha + SIMPLES + BENEFÍCIOS + INFORMAÇÃO compensação de doenças previamente existentes, como diabetes e hipertensão, além da ocorrência de formas graves da doença que podem provocar a morte de doentes. Qual a sua opinião sobre as medidas que o governo tem tomado para minorar a crise? Acho louvável ter assumido como emergência nacional e ter dito isso claramente. Diga-se de passagem, ninguém estava acreditando aqui e fora do Brasil sobre o zika poder causar a microcefalia. Participei de eventos com técnicos estrangeiros que achavam que estávamos delirando. Técnicos da Opas/ OMS (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde) também duvidaram. Agora, se pudesse decidir, eu não usaria mais o ‘fumacê’, porque mostrou-se ineficaz. Não resolve o problema de matar os mosquitos adultos, tem custo que não é baixo, mas, por outro lado, a sociedade pressiona, os meios de comunicação fazem reportagens longas e caudalosas exigindo o ‘fumacê’. Temos de entender que, pela magnitude do problema, a solução não deve vir só do governo, mas de toda a sociedade. Os meios de comunicação têm papel fundamental nesse processo e precisam enxergar isso. Por conta desse cenário, temas tabus, como o aborto, começaram a ser discutidos. O que o sr. pensa sobre isso? É outro problema que, ou nós discutimos, ou fingimos que não existe. Há várias informações que chegam de forma iso- “A saúde é algo muito complexo para ser entendida somente por obra e graça de duas categorias médicos e enfermeiros -, que são imprescindíveis, mas não são só elas” lada e pontual, mostrando que os casos de aborto estão aumentando numa velocidade muito grande. Não se trata de posicionar-se contra ou a favor, mas o debate está colocado na ordem do dia e precisamos fazê-lo. Tenho conversado com colegas que tratam de bebês com microcefalia que são taxativos, pois em muitos desses casos há lisencefalia, quando a criança não tem a menor perspectiva de sobrevivência, é quase que um anencéfalo. Temos que entender que o problema existe. Qual cenário o sr. desenha para o futuro? Até por uma questão de formação, de criação, sou um eterno otimista. Acredito que a humanidade sempre encontrará soluções para os problemas que ela mesma cria. No entanto, essas soluções podem demorar décadas, talvez séculos. Quanto ao futuro imediato, de meses, eu diria que o problema está apenas no início. As lágrimas estão só começando a ser vertidas e os números apontam para isso. Quando entendermos que se trata de uma epidemia de zika congênita e não só de microcefalia, quando aceitarmos os casos de crianças nascendo com cérebro de tamanho normal, porém com microcalcificações cerebrais, com problemas oculares e outros que irão interferir no seu desenvolvimento psicomotor, veremos que o problema é muito mais grave. Ainda, o problema não chegou ao Sudeste, ao Sul, e a rede (de saúde) não está preparada para esse tipo de atenção, seja pública ou privada. ! BAIXE NOSSO APLICATIVO NO SEU CELULAR OU TABLET E FIQUE A POUCOS CLIQUES DAS NOVIDADES DO SIMESP+ E DAS NOSSAS PUBLICAÇÕES: • TV SIMESP • REVISTA DR! • JORNAL DO SIMESP • REDES SOCIAIS [email protected] ou 11 3292.9147 10 • Revista DR! Revista DR! • 11 Epidemias Célio Luigi Capa Aedes aegypti e o retrato do subdesenvolvimento Proliferação do Aedes aegypti e a associação entre o aumento de casos de microcefalia com o vírus zika desnuda nossas mazelas e compromete o futuro de uma geração de brasileirinhos Adriana Cardoso O 12 • Revista DR! mosquito Aedes aegypti país subdesenvolvido, ainda que sobre isso — compromete o hoje e Água e Esgoto” do Ministério das a municipalização do Sistema não trouxe ao Brasil ape- uma das dez maiores economias o futuro dos nascidos com a ano- Cidades, divulgado em fevereiro, Único de Saúde (SUS) transferiu nas uma de suas piores do mundo, com todas as mazelas malia e o de suas famílias que de- apontam que pouco mais da me- grande parte das atividades da crises de saúde pública e sanitá- inerentes ao adjetivo —, como pendem da rede pública de saúde. tade das residências brasileiras área de saúde para os governos ria. Esse pequeno inimigo con- também desvelou a imperícia do “A presença do vetor é um não tinha coleta de esgoto em municipais, incluindo o controle tra o qual lutamos agora expôs Estado brasileiro em agir, respon- grande indicativo de subdesen- 2014. O gargalo está presente espe- do vetor. Porém, muitos municí- muitas de nossas fragilidades, der rapidamente e até mesmo in- volvimento. O governo é falho nas cialmente em cidades do Norte e pios pequenos não têm condições lançando uma mancha que deve formar e educar seus cidadãos. ações de combate a criadouros do Nordeste, onde o número de ca- técnicas nem estrutura para fazer isso”, aponta Gatti. perdurar por muitos anos sobre Não sem lamentar, testemu- mosquito. A situação se agrava sos das doenças transmitidas pelo nós e que comprometerá o futu- nhamos um festival de trapalha- com os casos de microcefalia, uma mosquito é maior. ro de uma geração de brasileiros das de agentes públicos e “espe- doença muito grave, com um im- A falta de planejamento dos a situação, os gastos do governo recém-nascidos ou prestes a nas- cialistas” de plantão num assunto pacto social muito grande. É toda municípios, a presença de favelas, federal e da maioria dos estados cer. Embora a batalha ainda não tão sério, se não o mais sério de uma geração de crianças que vai a ausência de água e esgoto enca- com vigilância epidemiológica tenha terminado, para muitos, o todos, que é a saúde. A associação depender de assistência ao longo nados e as falhas na destinação do caíram bem no ápice do surto, Brasil já pode ser considerado um entre o vírus zika com o número da vida”, avalia o infectologista e lixo são elementos que, somados segundo levantamento realizado perdedor. crescente de casos de microcefalia presidente do Sindicato dos Mé- ao clima tropical, transformam- pelo jornal Folha de S. Paulo e pu- A proliferação do mosqui- no país — confirmada pela Orga- dicos de São Paulo (Simesp), Eder se no cenário ideal para a repro- blicado em 6 de fevereiro. to — transmissor dos vírus zika, nização Mundial da Saúde (OMS) Gatti. dução do Aedes aegypti. chikungunya e da dengue — em em abril passado, após autorida- Nosso subdesenvolvimento é “O Estado brasileiro está pe- nômica que vem derrubando as território nacional não só trouxe des norte- americanas terem con- comprovado pelos números. Da- cando na garantia de condições receitas, os desembolsos federais à superfície o que somos — um firmado não haver mais dúvidas dos do “Diagnóstico de Serviços de de vida adequadas. Além disso, para combater epidemias dimi- Para piorar um pouco mais Sob o argumento da crise eco- Revista DR! • 13 Divulgação Capa Epidemias (Da esq. p/ dir.) Para o médico Luiz Fernando Correia a grave situação comprova os erros de condução de políticas públicas dos governos por décadas. Já o professor Paolo Zanotto Em 8 de março, a OMS e a Or- critica a dificuldade de acesso ganização Pan-Americana de Saú- a amostras e informações dos de (Opas) reconheceram, pela pri- casos notificados meira vez, a conexão entre o vírus No decorrer da crise, muitas e a microcefalia, usando como declarações infundadas foram base mapas comparativos de 2014 dadas pela própria presidente e 2015, que corroboram a explosão Dilma Rousseff e pelo então mi- de casos de microcefalia no Nor- nistro da Saúde, o psiquiatra Mar- nuíram 9,2%, somando R$ 4,6 bi- deste, onde se multiplicaram 20 celo Castro, numa demonstração gente que realmente pode contri- com vírus corpos que não tinham lhões em 2015, ante R$ 5,1 bilhões vezes no ano passado. de inabilidade política no trato de buir para trazer luz à discussão. imunidade contra essas doenças. questão tão séria. “Hoje vemos muita gente virando Os casos confirmados ocorreram em 435 municípios localiza- no ano anterior. Nos estados, Vale ressaltar que os registros de dos em 22 estados, sendo 733 deles houve redução de 85% das verbas microcefalia eram subestimados “Caímos na armadilha de es- ‘especialista’ no assunto, fazendo Futuro somente em Pernambuco, na li- destinadas à vigilância epidemio- no país e só começaram a ser feitos condermos os problemas reais e análises incorretas e dando infor- Segundo o mapa de todos os paí- derança da lista. lógica entre 2014 e 2015. corretamente depois do surto. inventamos um inimigo que não mações desencontradas, quando ses e territórios com ativa trans- Em março, o governo federal A redução ocorreu justamente Para o médico Luis Fernando pode ser combatido. Você tem uma quem deveria estar falando está missão do zika vírus, do CDC anunciou a liberação de R$ 1,2 bi- em 2015, ano em que os casos de Correia, comentarista de saúde situação imediata que é o desco- proibido de falar”, critica. Foundation (Centers for Disease lhão para estudar o zika e outras dengue bateram recordes, com da Rádio CBN e da GloboNews, e nhecimento sobre o vírus zika, Quando estava se formando Control and Prevention — Centros doenças transmitidas pelo Aedes. mais de 1,6 milhão de registros e membro brasileiro da Association para o qual não tem remédio, não numa universidade do Rio de Janei- de Controle e Prevenção de Doen- Os recursos serão liberados até 863 mortes. Este ano não deve ser of Health Care Journalists (Associa- tem vacina. O que podemos com- ro, na década de 1980, o médico Luiz ças), de 18 de abril, o vírus estava 2018. muito diferente. ção de Jornalistas de Saúde), como bater, seja o Aedes, a dengue, a sí- Fernando Correia acompanhou o presente em 35 países das Améri- Sendo o Brasil o palco principal o desenvolvimento de vacinas filis, não combatemos”, avalia a es- início da epidemia do HIV no país cas Central e do Sul (Bolívia, Bra- do surto, Eder Gatti vê aqui poten- Tempestade perfeita leva tempo (estão sendo testadas pecialista em Medicina de Família e vê muitas semelhanças entre a sil, Colômbia, Equador, Venezue- cial para estudar a doença. “O Bra- No Brasil, as primeiras associa- algumas no país), o caminho mais e Comunidade (MFC) e secretária- crise atual e aquela. “A ciência anda la e Paraguai) e Caribe; sete na sil é o único país do mundo que ções entre o vírus zika e os casos eficaz que temos é combater o geral do Simesp, Denize Ornelas. de maneira errática. Quando apa- Oceania e Ilhas do Pacífico, e um pode ter estudos epidemiológicos de microcefalia ocorreram em mosquito. Ele classifica como “ab- Ao mencionar a sífilis, a mé- rece um vírus novo, até que as in- na África (Cabo Verde). do zika vírus, porque a doença está outubro passado, por médicos dos surdo” o fato de termos chegado a dica refere-se a outra questão de formações sejam consolidadas, até O boletim de 26 de abril do Mi- estados da Bahia, Pernambuco e essa situação, o que comprova os saúde pública muito grave, que é o que se comece a entender, é assim nistério da Saúde reportava 1.198 Paraíba. Muitas pesquisas foram erros de condução de políticas pú- crescimento de registros de sífilis mesmo”, pondera. casos confirmados de microce- Os estudos epidemiológicos de e vêm sendo conduzidas no país blicas dos governos por décadas. congênita em mulheres grávidas. Assim como o vírus da Aids, falia com transmissão pelo zika. que trata Gatti permitiriam ter e no exterior sobre o vírus. No co- “Oitocentos brasileiros morreram De 2005 a 2013, conforme dados do o vírus zika também veio de fora Dos 7.228 casos da doença repor- mais clareza sobre como a doença meço da epidemia, as notícias mu- de dengue (em 2015) e isso é um Ministério da Saúde, os casos da (há registros na Ásia e África). tados desde o início das investi- acontece e age no organismo. Há davam praticamente a cada dia, absurdo! Essa crise expõe muitas doença cresceram mais de mil por Instalou-se no Brasil por ter en- gações em 2015, 3.710 continuavam pesquisas sendo conduzidas por deixando atordoada a população das nossas fraquezas em termos cento. contrado aqui as condições ade- sob investigação quando esta re- pesquisadores brasileiros, algu- com a torrente de informações de pesquisa e de investimento na Denize também apontou para quadas para se proliferar (mui- portagem foi finalizada e 2.320 ha- mas delas com a ajuda de especia- muitas vezes desencontradas. área da saúde”, critica. a falta de pronunciamento de ta água parada e lixo) e infectar viam sido descartados. listas estrangeiros. 14 • Revista DR! aqui, acometendo um número significativo de pessoas”, diz. Revista DR! • 15 Capa Epidemias Alguns deles, no entanto, como Estranhamente, um boletim da disponibilizados vídeos com ins- Paolo Zanotto, professor do Depar- Secretaria Municipal de Saúde truções sobre como combater o tamento de Microbiologia do Ins- de São Paulo reportava, em mar- mosquito, além de campanhas tituto de Ciências Biomédicas da ço, seis casos de microcefalia li- na mídia como um todo. Universidade de São Paulo (ICB/ gados ao zika na capital paulista. Mil policiais militares, além de USP), reclamavam, no começo da Em sua coluna de 15 de março no agentes de saúde e voluntários, fo- epidemia, da dificuldade de ter jornal Folha de S. Paulo, a jornalis- ram acionados para trabalharem A urgência da crise de saúde acesso a amostras e informações ta Cláudia Collucci questionava a durante os fins de semana em mu- pública e sanitária que vivemos de todos os esquemas de variação idoneidade dos números. tirões pelo estado, em municípios também trouxe à mesa a neces- considerados prioritários. Serão sidade de discutirmos assuntos despendidos R$ 15 milhões para que, até então, estavam guarda- tamento adequado. Ademais, pagamento de horas extras. dinhos nos recônditos de nosso essas crianças dificilmente en- A cidade de São Paulo também conservadorismo. Entre eles contrarão uma sociedade que criou uma operação de guerra con- está o aborto. “O Brasil precisa as acolha como merecem. tra o mosquito. Em março, a cidade tocar em questões essenciais e Junto com o aborto, Teresa registrou o primeiro caso autócto- dar todo o apoio à mulher, seja aponta que o Brasil precisa pôr ne (contraído na própria cidade) do quando ela decide ter ou quan- à mesa outras discussões, como vírus zika, detectado numa mulher do ela decide não ter um filho”, o planejamento familiar, o diag- de 28 anos com 30 semanas de ges- diz a superintendente do Insti- nóstico precoce de doenças no desse tipo de dados é um crime”, atacou, à época. No Nordeste, o estouro das notificações começou a acontecer no segundo semestre do ano passado, logo após o fim da temporada de chuvas. Por essa razão, Luis Fernando Correia teme o que está por Falta de planejamento dos municípios, presença de favelas, ausência de água e esgoto encanados, acúmulo de lixo e o clima tropical são cenário ideal para proliferação do Aedes aegypti vir no Sul e Sudeste no começo da João Salomonde dos casos notificados. “Privar-nos Ampliar a discussão é de rotina extenuante, pois a maioria delas depende da rede pública de saúde, onde normalmente não encontram tra- estiagem, quando os casos das do- A reportagem da DR! procurou tação. O caso foi notificado em fe- tuto Brasileiro dos Direitos da feto e, claro, melhorias na assis- enças transmitidas pelo mosquito a Secretaria de Estado da Saúde, vereiro, mas, após ultrassom mor- Pessoa com Deficiência (IBDD), tência a essas mães e crianças. que disse que a pergunta deveria fológico, foi detectado que o feto Teresa Costa d’Amaral. ser feita ao Ministério da Saúde, estava normal. começam a ser notificados. “Vejo mães com dois, três Muitas mulheres, lembra SP: dados desencontrados que é o responsável pela compila- Com relação à dengue, a capi- Teresa, em sua maioria pobres Mesmo com 269 registros de mi- ção dos dados. Procurada, a pasta tal paulista registrou mais de 13 e que, portanto, não têm di- filhos com deficiências, que Teresa Costa d’Amaral destaca que o país precisa tocar em questões essenciais, como o aborto tinham problemas genéticos e, portanto, nem deviam ter crocefalia em bebês, o estado de não deu retorno à reportagem até mil casos da doença de janeiro até nheiro suficiente para pagar São Paulo encabeçava, junto com o fechamento desta edição, assim a segunda semana de fevereiro, por uma boa clínica para in- Acre, Roraima e Santa Catarina, como a secretaria do município. sendo quase 2 mil deles confirma- terromper uma gravidez inde- dos Unidos anos antes, que gerou Muitas delas acabam sendo dos. No mesmo período de 2015, sejada, acabam morrendo em uma série de gravidezes com be- abandonadas pelos maridos e foram 2.280 registros da doença. clínicas clandestinas ou em bês com problemas. Não se trata têm que cuidar sozinhas dos consequência de procedimen- de defender o aborto ou não, pois filhos”, aponta. tos malfeitos. eu lhe afirmo que esta não é uma A autonomia da mulher so- a lista de únicos estados do país O governo do estado, segun- engravidado, mas não foram devidamente orientadas antes. com nenhum caso confirmado do a assessoria de imprensa da da doença com conexão com o secretaria, criou uma Sala de Co- Procurada pela reportagem, a zika. Na unidade mais populo- mando e Controle Estadual das assessoria de imprensa da Secreta- sa da federação, 161 notificações Arboviroses para monitorar a ria Municipal de Saúde disse que Ela própria revela ter tido decisão fácil. Mas, diferentemen- bre seu corpo é um ponto ne- te da maioria delas, eu pude ter vrálgico do debate, assim como uma boa assistência”, conta. a moral em torno do modo continuavam sendo investiga- presença do mosquito no estado, está realizando ações de combate uma experiência na década de das, conforme o último boletim bem como a evolução das doen- ao mosquito Aedes aegypti espe- 1970. “Eu tive rubéola e deci- epidemiológico do Ministério da ças transmitidas pelo Aedes. No cialmente nas residências, onde di abortar porque houve uma A vida das mães com filhos Saúde, de 26 de abril. site da secretaria, também foram estão 85% dos focos do mosquito. epidemia da doença nos Esta- com microcefalia, enfatiza Teresa, 16 • Revista DR! como o país trata e acolhe os portadores de deficiência. ! Revista DR! • 17 Crônica Célio Luigi Eu e a Medicina A uma criança Francine Stela Camillo Camargo é pediatra, formada pela FMUSP (turma 1987) e escritora nas horas dispersas >> Alguns meses depois, em um novo estágio da re- gens na madrugada, para fazê-lo sorrir ou minimi- E sidência, agarrei-me, — dessa vez voluntariamente zar sua dor, não o curariam, mas perdi a noção da u ainda nem sonhava em ser mãe quando — à sua condição, responsabilizando-me pelo leito vida escorrendo das mãos, de sua finitude. devotei minha alma a uma criança pela pri- em que estava internado na enfermaria. Lembro-me E acabou. Sete, oito semanas depois, a mãe veio meira vez. Daquelas vivências secretas que bem da hesitação ao olhar o quadro de pacientes, do serena até mim dar a notícia, quando eu já estava impregnam o coração da gente sem aviso prévio e, dilema muito maior do que “cuido ou não”, pressen- em outro estágio. Não sei quem consolou quem, mas apesar de outras oportunidades, escolhem o exato tindo o “já estou envolvida, assumo ou não” ou “terei chorei a tarde inteira e a noite também. E acho que momento. E você se doa e nem imagina para aonde algo para oferecer?”. chorei por dias e dias seguidos; ouso dizer, na ver- essa fragilidade irá te levar. 18 • Revista DR! É dispensável mencionar que reclamei o caso dade, que derramei lágrimas intimamente por anos Ele chegou sorridente, 7 anos, magricela e peque- para mim. Mas encontrei outra criança deitada so- ainda depois de pediatra formada e busquei superar nino, finos cabelos castanhos, uma lista de doenças bre a cama: sem riso, sem força, quase sem vontade; essa perda em tantos outros eventos que culmina- no bolso e o sorriso mais claro que eu já havia pre- exausto pelo tempo, medicações, picadas e poréns. ram em final feliz. senciado. Era um plantão noturno de pronto-socor- Temi, inicialmente, não ter acesso a ele, raro era Essa experiência de dedicação e afeição trazida, ro e, por várias razões, foi inevitável interná-lo. En- conseguir um segundo da sua atenção. Mas conquis- que parecia tão negativa pelo sofrimento deixado, quanto me dedicava aos labirintos burocráticos de tei sua confiança e, consequentemente, junto com o foi uma prévia do que estava por vir. Continuei re- uma internação, ele ficou ao meu lado, rindo e fa- prontuário e as visitas diárias, adotei também a sua petindo os mesmos ‘erros’ sem, contudo, sentir-me zendo piadas de si mesmo, de mim, do hospital e de dor e a da família, de modo que, alguns dias depois, arruinada no depois. E hoje, quase dez anos idos, o qualquer outra coisa que lhe caísse na mente. esse pesar já era meu. que sobrou não foram as lágrimas cansativas, nem Soube, tempos depois, que ele havia recebido alta. Privo-me da discussão de que não havia muito a o olhar partido; o que me lembro mais é coisa que Ficou resguardado num canto da mente, esperando ser feito, por mais que gastássemos tempo a buscar doença nenhuma no mundo é capaz de apagar da pra ter seu papel preponderante na minha vida. De soluções. Todos, talvez, soubessem disso, com exce- memória: o sorriso faceiro, sorriso de criança, pron- fato, ele já fizera história. ção de mim. Bem sabia que brincadeiras e massa- ta pra tudo, sem fazer ideia do quê. Revista DR! • 19 Sustentabilidade Brasil ainda falha no descarte de resíduo hospitalar Serviços de saúde devem gerar cada vez mais resíduos em função do aumento da expectativa de vida da população. Apesar de legislação específica, país deixa a desejar nos quesitos infraestrutura e fiscalização Adriana Cardoso H á quase 30 anos, um os Sólidos de Saúde (RSS). Desse segundo Segantini. As tecnologias equipamento com uma total, entre 65% a 70% podem ser mais usadas no Brasil são auto- Embora tenha avançado no síduos Sólidos de Saúde, contem- cápsula contendo Césio reciclados (papel, papelão etc.). Do clave, micro-ondas e incineração. que se refere à legislação, Alessan- plando todos os critérios técnicos 137 foi encontrado por catadores restante, de 20% a 25% têm algum A gestão dos RSS cabe às prefeitu- dra acredita que, além da cons- de classificação, segregação, acon- em uma clínica médica abando- risco biológico (como os algodões ras locais (leia box). cientização sobre a importância dicionamento, identificação, cole- nada em Goiânia (GO), provocan- com sangue, seringas, entre ou- Na última versão de seu Pa- do manejo adequado dos resídu- ta e transporte interno, armaze- do o maior acidente com material tros) e/ou químico e radioativo, norama dos Resíduos Sólidos no os, falta “providenciar a infraes- namento temporário, tratamento radioativo no Brasil. Mais de mil e cerca de 10% incluem restos Brasil, de 2014, a Abrelpe faz um trutura adequada e a fiscalização preliminar (quando realizado), pessoas foram afetadas direta- de medicamentos que, embora raio x da situação e mostra que o para que se cumpra os passos do armazenamento externo, coleta e mente. Algumas morreram de não sejam tão perigosos como os país ainda tem dificuldades para Plano de Gerenciamento de Resí- tratamento externo e disposição enfermidades causadas pela ra- biológicos, podem causar algum lidar com a gestão integrada de duos de Serviços de Saúde”. final dos resíduos gerados. diação e outras ainda sobrevivem dano ao meio ambiente. Os dados resíduos sólidos de maneira ade- com sequelas. são da Associação Brasileira de quada. De lá para cá, o Brasil avançou no quesito legislação, mas ainda Resíduos Especiais (Abrelpe). plano de gerenciamento dos Re- O esquema visa garantir a seEstrutura gurança de pacientes, funcioná- “Segundo o Diagnóstico dos O manejo e descarte dos resídu- rios, bem como do meio ambiente Resíduos Sólidos de Serviços de os de saúde de hospitais, clínicas e de toda a comunidade. há muito a melhorar no descarte “Estamos bem de legislação, Saúde do Instituto de Pesquisa médicas, consultórios e laborató- No Hospital Sírio-Libanês, de de resíduos hospitalares, que con- mas é claro que sempre tem al- Econômica Aplicada (Ipea), feito rios estão sob o guarda-chuva da São Paulo, os resíduos são sepa- tinua sendo feito de modo impró- guém que quer encurtar o cami- em 2011, a maioria dos municípios Resolução 306/2004, da Agência rados nas seguintes categorias: prio em muitas regiões do país, nho (do lixo), pois o descarte gera brasileiros (61%) encaminha seus Nacional de Vigilância Sanitária infectante e perfurocortante; quí- especialmente no Norte e Nordes- custos”, diz Odair Segantini, coor- resíduos de serviços de saúde pú- (Anvisa), e da 358/2005, do Conse- mico sólido; químico líquido; ra- te. Faltam avanços na infraestru- denador da Abrelpe. blica para o lixão”, diz Alessandra lho Nacional do Meio Ambiente dioativo; comum; reciclado; pape- (Conama). lão e plástico. tura e fiscalização. 20 • Revista DR! Empresas de Limpeza Pública e fecção Relacionada (Apecih). Os custos para tratar esse tipo Santana Destra, enfermeira con- Por ano, o país produz, em mé- de resíduo, excluindo a parte lo- selheira da Associação Paulista de Com base nessas leis, os esta- dia, 270 mil toneladas de Resídu- gística, saem de R$ 2 a R$ 3 o quilo, Epidemiologia e Controle de In- belecimentos devem elaborar um Os químicos sólidos, por exemplo, são coletados por uma Revista DR! • 21 Sustentabilidade Tecnologia Aplicativo controla dosagens de insulina empresa contratada pela Prefeitura de São Paulo e encaminhado para tratamento por incineração. Uma parte do líquido, por sua Objetivo do App é auxiliar médicos a tratar pacientes com picos de glicemia durante a internação vez, é coletada por empresa contratada pelo próprio Sírio e tem dois destinos, dependendo do Adriana Cardoso material: incineração ou coprocessamento. Para se ter uma ideia do perigo > Gizelma destaca que Sírio-Libanês está investindo em sistema pneumático de descarte que representa o material radioativo, este vai para um abrigo blin- dos, devem gerar cada vez mais órgãos municipais quando virem dado onde é monitorado por um resíduos, na avaliação de Odair alguma físico. Após o decaimento da ra- Segantini, da Abrelpe. mais agora que estamos vivendo irregularidade, ainda diação, é reclassificado e liberado “Isso exige que a sociedade uma epidemia de dengue, e os li- pelo profissional e encaminhado fique mais atenta à destinação xos são criadouros do mosquito para descarte. desse resíduo, denunciando aos (Aedes aegypt)”, alerta. Sobre os resíduos mais perigosos, Gizelma Simões Rodrigues, gerente de hospedagem do Sírio, diz São Paulo que o maior desafio é “não mistu- por não separar e acondicionar devidamente os resíduos sólidos. rá-los, bem como descartá-los em Na cidade de São Paulo, a coleta recipientes próprios e específicos”. e transporte dos RSS são feitos Tributação Para o sucesso da operação, o hos- pela Autoridade Municipal de Lim- Em março, o prefeito Fernando Ha- pital investe em treinamento e peza Urbana (Amlurb), por meio ddad sancionou projeto de lei que educação de funcionários. de contratos de concessão com as trata da Política de Resíduos Só- O Sírio mantém parcerias com empresas Logística Ambiental São lidos de Serviços de Saúde. A lei catadores e empresas para recicla- Paulo (Loga) e Ecourbis Ambiental. muda a faixa tributária de cobrança gem de papelão, plástico e demais A coleta, segundo a assessoria por resíduos sólidos de estabele- materiais recicláveis. Agora, está de imprensa da Amlurb, é reali- cimentos de saúde que produzem investindo num sistema pneumá- zada dentro de todos os estabe- até 20 quilos de resíduos diários. tico para transporte do material lecimentos de saúde situados na Antes da lei, a menor faixa tri- — que atualmente fica em abrigos cidade, que estão obrigados a se butária de cobrança por resíduos temporários nos andares e é leva- cadastrarem no órgão. sólidos era de R$ 89 para quem do por funcionários — diretamen- Os resíduos são encaminhados produzisse de zero a 20 quilos di- para unidades de tratamento devi- ários. Agora, as faixas são de zero damente licenciadas. Lá, são incine- a 5 quilogramas (R$ 48,06), de 5 Futuro rados e as cinzas levadas para ater- a 10kg (R$ 64,07) e de 10 a 20kg Com o aumento da expectativa de ros sanitários também licenciados. (R$ 96,11.) A prefeitura estima que te à compactadora. vida da população, os serviços de Em 2015, a Amlurb aplicou 201 saúde, sejam públicos ou priva- multas pela falta de cadastro ou 22 • Revista DR! 27 mil estabelecimentos serão beneficiados. o sistema ensina o Quando pensou em que fazer e como criar um aplicativo tratá-la”, explica o para controle de doendocrinologista, sagens de insulina, que sempre gostou o objetivo principal de tecnologia como do endocrinologishobby. ta Marcos Tadashi O InsulinApp Kakitani Toyoshima, auxilia no manejo 37 anos, era incendo paciente com hitivar e ajudar os méperglicemia durante dicos a controlarem toda a internação, melhor a glicemia mas o endocrinolodos pacientes inter- > Marcos desenvolveu aplicativo em parceria com Márcia e Alexandre gista ressalta que o nados. “Infelizmente, há profissionais de 2012, exatamente no momento direcionamento e a conduta serão que não medem a glicemia de seus em que o hospital estava organizan- sempre do médico responsável pelo pacientes internados. Isso é mui- do o controle de protocolo glicêmico. paciente. Daí o seu uso ser direcioto perigoso, pois muitos deles po“Tudo era feito em papel a princí- nado a profissionais de saúde. Agora, a equipe está trabalhandem apresentar hiperglicemia e o pio, mas era difícil para os médicos seu quadro de base ser bem mais fazerem os controles olhando para as do no desenvolvimento da mesma agravado, com risco maior de com- tabelas. Era demorado e sujeito a er- versão do aplicativo, mas que funplicações durante a internação e até ros”, lembra. Na sequência, ele come- ciona sem conexão com a internet. maior mortalidade, se não houver controle glicêmico adequado”, alerta o médico. O InsulinApp foi criado depois que Toyoshima voltou de uma temporada, como bolsista, na Universidade Emory, nos Estados Unidos. Coincidentemente, ele foi trabalhar em seu retorno ao Brasil no Hospital das Clínicas de São Paulo, no início çou a organizar os dados em planilhas do Excel, mas não deu muito certo. Em parceria com a médica Márcia Nery, que chefiava a equipe, e o colega residente Alexandre Barbosa Câmara de Souza, ele desenvolveu o aplicativo, muito mais fácil, ágil (todo o processo leva de dois a três minutos) e que qualquer um pode ter à mão. “Se a glicemia estiver alta, InsulinApp O InsulinApp pode ser baixado para celulares com sistema Android na Google Play Store. Para desktop e demais sistemas no www.insulinaapp.com.br. Mais informações no Facebook: www.facebook.com/InsulinAPP Revista DR! • 23 Especial Abertura de escolas Ensino médico comprometido Entre 2011 e 2015, foram dadas 79 autorizações para novos cursos médicos, quase a mesma quantidade de faculdades abertas em 186 anos; especialistas se preocupam com a qualidade da formação desses futuros profissionais Leonardo Gomes Nogueira > Das 158 cidades que possuem escolas médicas, 89 não têm hospital de ensino habilitado pelo Ministério da Saúde “O tempo técnico é muito diferen- com 52 cursos. Os dados são do Con- vernado”, a formação dos futu- pectos que não estariam sendo pansão tem se focado nas insti- de Indicadores Sociais, de 2015, do te do tempo da política.” Diz Sigis- selho Federal de Medicina (CFM). ros médicos estaria em risco. Foi observados pelos atores responsá- tuições privadas. Entre 2003 e 2015, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE). fredo Luis Brenelli, presidente da Atualmente, ainda de acordo com essa convicção, em agosto do veis por essa política: como corpo o número de cursos particulares, Associação Brasileira de Educação com o CFM, o país possui 23.283 ano passado, que o Conselho en- docente qualificado e infraestru- informa o estudo, “mais do que Além disso, esses cursos se dis- Médica (Abem). Brenelli, que não vagas para estudantes de medici- trou com ações na justiça contra tura adequada. dobrou em relação ao ritmo de tribuem de forma bastante desi- é voz isolada, se preocupa com a na. Boa parte criada nas duas úl- a abertura de cursos, em 2015, que abertura de estabelecimentos pú- gual pelo Brasil. O país, ainda de rápida expansão na abertura de timas décadas. De 1808 a 1994, fo- não teriam condições técnicas e Radiografia blicos.” acordo com o IBGE, possui 5.570 escolas médicas. ram 9.123. De 1995 até julho de 2015, legais para funcionar. Dos 158 municípios do país que O número de escolas privadas municípios. E as escolas médicas, Afinal, entre o início de 2011 e julho de 2015, foram dadas 79 au- foram criadas (ou autorizadas) a abertura de 14.160 vagas. “Acho que o problema não é abrigam alguma das 257 escolas foi de 64 para 154. No mesmo pe- é importante ressaltar, se concen- abrir, mas discutir algumas coi- médicas já em funcionamento, ríodo, unidades estatais (federais tram em apenas 158 cidades. torizações para a abertura de cur- Em 2015, inserções do governo sas que vão além de abrir cursos”, 89 não têm nenhum hospital de e estaduais) passaram de 62 para Dos 257 cursos em funciona- sos de medicina no Brasil. Quase federal no rádio, TV e outras mí- avaliou Sigisfredo Luis Brenelli, ensino habilitado pelo Ministé- 103. O valor médio das mensalida- mento, 69% se localizam nas re- a mesma quantidade ao longo de dias anunciavam a abertura de em maio de 2015, durante debate rio da Saúde e 74 não dispõem des dos cursos particulares está giões Sudeste e Nordeste. Apenas 186 anos. Entre 1808 e 1994, foram 11.400 vagas de medicina até 2017. sobre o tema realizado na sede do de leitos na quantidade indicada em R$ 5.406,91. Mas elas alcançam os estados de São Paulo e Minas, abertos 82 cursos. No site do programa Mais Médi- Sindicato dos Médicos de São Pau- por aluno. Os dados fazem parte até R$ 11.706,15. no entanto, concentram um terço Esse processo tem início ainda cos, a meta apresentada, com uma lo (Simesp). de levantamento feito pelo CFM Um custo impensável para a no governo FHC (1995-2002), quan- pequena divergência, é ainda chamado “Radiografia das Escolas maioria das famílias, já que a ren- São Paulo é o estado líder em do foram criadas 44 escolas, e se maior: 11.500. Médicas do Brasil”. da média da população economi- número de vagas e escolas médi- Na mesma ocasião, Brenelli, professor da Faculdade de Ciên- dessas instituições. mantém durante os dois mandatos Para o CFM, que já classificou cias Médicas da Universidade de O levantamento também de- camente ativa do país está hoje em cas; respectivamente, 4.380 e 44. do ex-presidente Lula (2003-2010): esse crescimento como “desgo- Campinas (Unicamp), citou as- monstra que a estratégia de ex- R$ 1.725 (de acordo com a Síntese Das 44 escolas no estado, 8 são 24 • Revista DR! Revista DR! • 25 Especial Abertura de escolas (Da esq. p/ dir.) “O problema não é abrir, mas discutir algumas coisas que vão além ANO ESCOLAS CRIADAS VAGAS CRIADAS % DO TOTAL 1808 - 1994 82 9.123 32% 1995 - 2002 44 3.707 17% 2003 - 2010 52 4.263 20% 2011 - 2015* 79 6.190 31% TOTAL 257 23.283 de abrir cursos”, diz Sigisfredo Luis Brenelli. Já o professor Milton Arruda Martins avalia que pelo ritmo de abertura de escolas, no futuro haverá mais médicos do que o necessário *Fonte: CFM — dados até julho de 2015 estatais (federais ou estaduais) e entre as cinco regiões do país. o restante privadas (com mensalidade média de R$ 5.833,66). lhos Regionais de Medicina che- “bomba relógio”. gava a 432.870, o que significa 2,11 Outro estudo, chamado De- médicos por mil habitantes. A Um novo sistema de avaliação “Existe uma desassistência im- Em maio de 2015, durante debate mografia Médica no Brasil, refor- diferença de 33.178 entre o núme- Na tentativa de contribuir portante nas periferias das cida- na sede do Simesp, no centro da ça esse temor. “O crescimento ro de médicos e o de registros de para o aperfeiçoamento do des, no interior e nas áreas caren- capital paulista, Milton de Arruda exponencial do número de mé- médicos refere-se às inscrições ensino, o Conselho Federal tes. Sabe-se também que o perfil Martins, professor titular da Fa- dicos no país já se estende por secundárias de profissionais re- de Medicina (CFM) e a Asso- socioeconômico de quem se forma culdade de Medicina da Univer- mais de 50 anos. De 1970, quando gistrados em mais de um estado ciação Brasileira de Educa- médico é alto, no sentido de que é sidade de São Paulo (USP), defen- havia 58.994 registros, até 2015, o da federação”, explica o estudo ção Médica (Abem) criaram, raro ver o sonho de virar doutor deu uma moratória na abertura aumento foi de 633%. No mesmo que analisa as características e em junho de 2015, uma espé- ser atingido pelos filhos dos pe- de novos cursos. período, a população brasileira perfis da população médica no cie de certificado que apon- Brasil. tará quais cursos possuem dreiros, domésticas, metalúrgicos. Ideia com a qual a diretora do cresceu 116%. Ou seja, o total de A opção prioritária do governo, Simesp, ao menos em parte, con- médicos nesses anos aumentou “Ao longo dos anos, a evolução entretanto, foi expandir vagas corda. “Acredito que a moratória em maior velocidade do que o da razão médico por mil habitan- para a boa formação médi- em escolas privadas do centro sul. na abertura de cursos privados crescimento populacional”, diz tes cresce de forma linear e cons- ca. A adesão ao Sistema de Muitas delas caríssimas”, aponta em regiões centrais é bem-vinda”, trecho do estudo lançado, desde tante, passando de 1,15 médico Acreditação de Escolas Mé- Diângeli Soares, médica da Estra- ponderou Diângeli Soares. 2011, a cada dois anos. os requisitos necessários por mil habitantes em 1980 para dicas (Saeme) é voluntária. Martins é um dos autores de Em outubro de 2015, continua uma razão de 2,11 em 2015”, diz o Para Sigisfredo Luis Bre- estudo, de 2013, no qual projeta, a pesquisa, o país contava “com estudo lançado em novembro de nelli, o Saeme não concorre As regiões Sul e Sudeste con- com base no tempo médio de tra- 399.692 médicos e uma população 2015. A intenção do governo fede- com o tradicional Sistema centram mais da metade das va- balho do profissional ao longo da de 204.411.281 habitantes, o que ral é a de aumentar o número de Nacional de Avaliação da gas. A região Sudeste, sozinha, vida e nos ingressantes em novos corresponde à razão de 1,95 médi- médicos formados no país para Educação Superior (Sinaes), abriga 10.577 das 23.283 vagas dos cursos, que haverá uma quantida- co por mil habitantes.” 600 mil até 2026. Alcançando, des- do Ministério da Educação: futuros médicos. A região Norte, de maior de médicos no futuro do “Na mesma data o número de sa forma, a meta de 2,7 médicos “Sem dúvida nenhuma eles com 1.787 vagas, fica em último que o necessário. O que, no longo registros de médicos nos Conse- por mil habitantes. são complementares.” ! tégia de Saúde da Família e diretora do Simesp. 26 • Revista DR! Moratória prazo, ele classifica como uma Revista DR! • 27 Simesp por dentro Literatura Memória Associado Primeira diretoria Pedro Silveira Carneiro Médico sanitarista Ex-membro da diretoria da Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo, o médico sanitarista Pedro Silveira Carneiro, 32 anos, associou-se ao Simesp durante A doença do lucro Leonardo Gomes Nogueira a cerimônia de posse da atual gestão (2014-2017), em junho de 2014. “Conheço alguns diretores desde a época da residência > Legista Flamínio Fávero foi o primeiro presidente do Simesp, em 1929 e venho acompanhando o trabalho sério que estão desen- Os fundadores do Sindicato dos Almeida Prado, Paulino Longo, volvendo na luta em defesa do Médicos de São Paulo (Simesp) Enjolras Vampré, Rezende Puech, trabalho médico”, diz. eram médicos de grande prestí- Raul Briquet e José Medina, com- Carneiro participou do mo- gio e reconhecimento. Boa parte punham o Conselho Deliberativo. vimento dos residentes, inclu- deles cravou seus nomes na his- Para se ter uma ideia da im- sive da bem-sucedida greve tória da medicina brasileira. Al- portância desses médicos, Flamí- nacional, ocorrida em 2009, guns compuseram, por votação, nio Fávero é, até hoje, considerado na qual obtiveram reajuste na a primeira diretoria da entidade, um dos maiores legistas brasilei- bolsa de estudos. quando esta foi fundada em 1929. ros, com contribuições teóricas Ele classifica como extre- A primeira Comissão Executi- e metodológicas para a área. Por mamente importante ser sin- va do Simesp foi composta por Fla- sua vez, Rangel Pestana foi dire- dicalizado, especialmente na mínio Fávero (presidente), Synesio tor clínico dos hospitais da Santa conjuntura atual, quando a Rangel Pestana (vice-presidente), Casa (1927-1947), instituição à qual categoria enfrenta uma série Rubens Guimarães Rocha (secre- esteve ligado até a sua morte. In- de precariedades na carrei- tário geral), Mesquita Sampaio (1º clusive, a título de curiosidade, as ra. “A atual gestão pegou um secretário), J. Rodrigues Barbosa reuniões da Comissão Executiva momento complicado, como (2º secretário), Schimidt Sarmento eram realizadas em uma sala da a crise na Santa Casa e os pro- (1º tesoureiro) e Mário Ottoni de Santa Casa, uma vez que o Sindi- blemas envolvendo as organi- Rezende (2º tesoureiro). cato ainda não possuía sede pró- zações sociais e está enfren- pria. tando com bastante seriedade. Outros médicos fundadores, como Américo Brasiliense, Can- Foi essa a diretoria responsá- O Sindicato está mais próximo tídio de Moura Campos, J. Candi- vel por elaborar e aprovar o pri- dos médicos. Vejo muitas mu- do Silva, Ovídio Pires de Campos, meiro estatuto da instituição. danças positivas”, avalia. 28 • Revista DR! Na peça teatral O Doente Imaginário, de 1673, o protagonista é um hipocondríaco manipulado por todos à sua volta, inclusive médicos interessados em tirar vantagem financeira das doenças imaginadas pelo rico personagem criado por Molière. No livro O Doente Imaginário, de 2014, em explícito diálo- Em uma resenha sobre o livro, Dario Birolini escreveu go com a obra do famoso dramaturgo francês, o italiano Mar- que entrou em contato com a obra graças a um paciente co Bobbio discute o atual estágio da medicina. e que ficou “absolutamente encantado com as considera- “De fato, em seu livro, Marco Bobbio, professor de car- ções” de Marco Bobbio. diologia da Faculdade de Medicina de Cuneo, no norte da “Há cerca de três anos, ao término de uma consulta, Itália, faz uma análise crítica absolutamente séria e correta após uma hora dedicada à anamnese, à pesquisa de seus da medicina contemporânea”, avalia, em entrevista feita hábitos de vida e de seus antecedentes e a um exame clí- por e-mail, Dario Birolini, professor da Faculdade de Me- nico completo, expliquei ao paciente que ele era vítima de dicina da USP e responsável pelo prefácio da versão bra- uma ‘doença’ incurável: a saúde. Enfatizei que seus sinto- sileira. mas decorriam não de doenças, mas sim de maus hábitos Para Birolini, o imperativo do lucro tem prejudicado o de vida e que, em decorrência, eu não solicitaria exames exercício autônomo da medicina. “Cada vez mais se di- complementares e não lhe prescreveria qualquer medica- vulgam informações intencionalmente distorcidas para di- mento”, conta. vulgar novos medicamentos ou procedimentos. A maioria “Achei que, como havia ocorrido antes com numerosos dos trabalhos publicados divulgam resultados favoráveis. pacientes, ele nunca mais me daria notícias ou voltaria em Omitem-se informações desfavoráveis. Criam-se novas meu consultório. Para minha surpresa, dias após, ele me ‘doenças’”, escreveu o professor emérito da Universidade enviou um exemplar do livro do Marco Bobbio em sua ver- de São Paulo. são original, em italiano”, acrescenta Birolini. Revista DR! • 29 Saúde em Questão Saúde pública, medicina privada Mário Scheffer Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP Em nossos estudos mais recen- acontece: a migração para a práti- jornadas e excesso de plantões. tes de Demografia Médica confir- ca liberal pura, com fechamento mou-se a tendência, já verificada ou limitação de agenda a planos condições de trabalho, remune- em levantamentos anteriores, de de saúde que pouco se lixam para ração e oportunidade de aperfei- acirramento da maior concentra- médicos e pacientes. çoamento, os médicos movimen- Segundo escolhas pessoais, ção de médicos a favor de estrutu- A tais descompassos somam-se tam-se entre uma variedade de ras e serviços privados do sistema outros níveis de desigualdade que empregadores e formatos públi- de saúde, destinados a atender caracterizam a medicina no país: cos e privados de prestação e rece- clientelas restritas. de distribuição geográfica (há bimento por serviços. Na hora da doença, a maioria maior concentração no Sul, Sudes- Vilanizar o médico e atribuir da população (75% das pessoas te e nas grandes cidades); de gêne- as mazelas do SUS unicamente à que utilizam exclusivamente o ro (as mulheres, que já são maio- formação inadequada e às deci- SUS) tem à sua disposição muitís- ria entre os mais jovens, ganham sões individuais desses profissio- simo menos médicos que a mino- menos e estão fora de muitas es- nais tornou-se ingrediente fácil ria (25% dos brasileiros que, além pecialidades); e de distribuição de na querela litigiosa sobre saúde do direito ao SUS, têm plano de especialistas (estão mais no setor que se instalou no Brasil. saúde ou pagam por atendimento privado e nos grandes centros). Pois o médico é uma peça na particular). O que pouco tem a ver O exercício da medicina no Bra- engrenagem de motivações e com- com qualidade e satisfação, pois é sil é um verdadeiro mosaico. Há portamentos das instituições, ges- geral o descontentamento com a coexistência de vínculos, de for- tores e governos que definem o saúde no Brasil. mações especializadas e inúmeras rumo do sistema de saúde, hoje Veja-se o “sumiço” de médi- possibilidades de inserção no vas- ditado pela perpetuação do subfi- cos especialistas nos serviços to e farto mercado de trabalho mé- nanciamento do SUS e por incenti- públicos de atenção secundária dico. Essas práticas — justapostas, vos ao crescimento do mercado de e ambulatorial, o que está na gê- múltiplas e dinâmicas — são acio- planos de saúde e à ampliação da nese das desumanas esperas para nadas pelos médicos concomitan- rede hospitalar privada. consultas, exames e cirurgias temente ou vão mudando ao longo eletivas. Médicos com esse per- da trajetória profissional. Se mantida a atual configuração público-privada, a solução fil, revelou a Demografia Médica, A remuneração elevada, se para a falta de médicos como estão majoritariamente nos con- comparada a outras profissões, é uma responsabilidade nacional sultórios isolados e em clínicas obtida geralmente às custas de exigirá muito mais que a abertu- privadas, onde outro fenômeno vários ra de cursos aos borbotões. 30 • Revista DR! empregos, extenuantes Revista DR! • 31 Horas Vagas Marina Bustos Independência ainda que tardia O médico Sérgio Cruz, autor de um livro sobre Tiradentes e a Inconfidência Mineira, discorda dos que dizem que o Brasil é hoje um país independente Leonardo Gomes Nogueira O ficialmente, a indepen- nomia capaz de se relacionar so- dência do Brasil é come- beranamente com o mundo in- morada em 7 de setem- teiro”, avalia o médico generalista bro, quando, em 1822, o ainda formado em 1979 pela Universi- príncipe regente, futuro impe- dade Federal do Rio de Janeiro rador Dom Pedro I, proclamou a (UFRJ). “O processo de construção emancipação do país às margens da nação brasileira está inter- ele fundamental, dos primórdios versões: o monarquista Joaquim para a época, um programa revo- do riacho do Ipiranga. rompido”, ressalta. do processo (incompleto) de liber- Norberto e o seu atual seguidor, o lucionário moderno que incluía, O príncipe, do alto do seu ca- Para que a independência se tação: “A Inconfidência Mineira escritor angloamericano Kenne- entre outros, independência, in- valo, como retrataria o pintor complete, defende o médico, se- foi o primeiro movimento de cará- th Maxwell”, escreve. dustrialização e ensino público. Pedro Américo décadas depois, ria necessária uma mudança da ter nacional que tinha como meta teria feito um breve discurso aos atual política econômica do país. a independência do país”. Coroa portuguesa Cruz diz querer combater uma vi- integrantes da sua comitiva, er- “O Brasil deveria ter maior auto- No livro Pátria Livre Ainda que A sua principal fonte de pesquisa são “submissa” e “colonizada” que guido sua espada e gritado “Inde- nomia industrial e não depender Tardia – A verdadeira história de foram os onze volumes de Autos teríamos de nós mesmos. pendência ou morte” (decretando, tanto de importações, sobretudo Tiradentes, lançado no final de da Devassa, que traz a íntegra do Enquanto parte da historio- assim, a separação de Brasil e Por- de produtos de maior valor agre- 2011, ele questiona parte do que a processo da coroa contra os rebel- grafia apresenta Tiradentes, que tugal e oferecendo um título ao gado, o que prejudica o desempe- historiografia nos contou até hoje des mineiros no fim do século 18. seria enforcado e, em seguida, es- futuro quadro de Américo). nho da balança comercial brasi- sobre o movimento ocorrido no Os volumes foram lançados, pela quartejado em 21 de abril de 1792, leira, além de transferir empregos século 18. primeira vez, entre 1936 e 1938 como um “bode expiatório”, Cruz pela Biblioteca Nacional. diz que ele teve um inquestioná- Obviamente, a história não é tão simples ou imponente como e tecnologia para o exterior. A motivação inicial da sua pes- Com esse livro, em suma, Sérgio sugere a famosa pintura. Para o “A maneira de contar a histó- quisa, como explica na introdu- Ele questiona, por exemplo, os médico Sérgio Cruz, por exemplo, ria também é uma maneira de se ção do livro, foi um tratamento que escreveram que a rebelião foi que mora a pouco mais de 800 me- travar a luta de forças interessa- acrítico de certos autores que te- motivada apenas pelo interesse Seja qual for esse papel, uma tros do histórico riacho, na zona das no processo”, ressalta Cruz, riam adotado somente o ponto de em não pagar impostos. E aponta discussão que nunca se esgota, sul da cidade de São Paulo, o pro- que trabalha no Hospital Univer- vista de historiadores monarquis- como uma das motivações da re- Tiradentes seria, um século mais cesso de independência brasileiro sitário da Universidade de São tas, sem contextualizar a natural belião o fato da coroa portuguesa, tarde, retratado em outro quadro ainda não se efetivou. Paulo, e também é redator do jor- inclinação desses historiadores subserviente aos interesses da In- famoso, brutal e inesquecível de nal Hora do Povo. em defender a coroa portuguesa. glaterra, impedir o nascimento de Pedro Américo, intitulado Tira- indústrias no país. dentes Esquartejado. Contextuali- “Nós não completamos ainda 32 • Revista DR! > “É necessária uma mudança radical na política econômica para se completar a independência”, defende Sergio Cruz essa independência. Porque um Daí o interesse do médico nas- “Os fatos contidos neste livro país só é independente quando cido em Lambari, sul de Minas Ge- contestam os principais autores Não por acaso, diz o médico, ele consegue construir uma eco- rais, em contar um episódio, para responsáveis pela difusão dessas os revoltosos tinham, sobretudo vel papel de liderança na Inconfidência Mineira. zemos: era o fim da monarquia e o início da república. Revista DR! • 33 Artigo Marina Bustos Redes Sociais Sucesso virtual Congresso Paulista de Educação Médica Victor Ferraz é médico geneticista e diretor da Regional São Paulo da Abem Médico transformava em posts situações cotidianas das aulas de medicina Adriana Cardoso > Canuto Leite tem mais de 530 mil seguidores no Facebook f A regional São Paulo da Associa- discussão política relacionada à desafios na pesquisa em educação ção Brasileira de Educação Mé- educação médica, deveriam ser e saúde, abordando aspectos do dica (Abem) realiza este ano a 10ª incentivadas as oportunidades iniciante ao expert, e também em edição do Congresso Paulista de de formação para os profissionais outras atividades. Oportunidade Educação Médica. O evento bienal da educação médica, discentes e imperdível para ouvir uma pessoa com vasta experiência. “Queria mostrar situações que as pessoas pensavam é o mais importante congresso de residentes. Reforçando o que vem que só aconteciam com elas acontecem com outros tam- educação médica do estado, desta acontecendo nas últimas versões O programa completo pode bém”, enfatiza. vez abordará o tema “Ensinando do evento, uma série de oficinas ser acessado no endereço http:// Para combater o tédio dos primeiros dois anos de universi- No Twitter, ele chegou a ter 16.600 seguidores, sendo a e Aprendendo Medicina”. O even- serão ofertadas com o intuito do www.cpem2016.net/. dade, o médico residente em cirurgia geral Canuto Leite de maioria de médicos e outros profissionais da saúde. Em 2013, to ocorrerá na cidade de Marília participante ampliar seu repertó- A divulgação desse tipo de Almeida Júnior, 24 anos, decidiu usar o Twitter para dividir decidiu abrir uma conta no Facebook (Medicina Depressão (SP), de 12 a 14 de maio, e aproveita- rio de competências voltadas para evento entre os associados do Si- seus sentimentos com aqueles que, assim como ele, tam- Site de Saúde/Bem-Estar), e já conta com mais de 530 mil! rá o momento do 50º aniversário o ensino, como: oficina de elabo- mesp, um associado institucional bém estavam entediados. “Quando migrei para o FB (Facebook), eu queria atingir mais de fundação da Famema — im- ração de questões, oficina sobre da Associação Brasileira de Edu- gente e fico muito agradecido quando comentam. É muito portante faculdade de medicina aprendizado baseado em equipes, cação Médica, reforça a parceria gostoso levar humor para a vida das pessoas”, diz. Com o passar dos anos e o aumento na horda de segui- paulista que se destaca pela ino- oficina sobre competências, sobre que a entidade vem tendo com a tempo foi ganhando corpo até que os 140 caracteres dos Ironicamente, Canuto diz que escrever nunca foi seu for- vação no ensino há vários anos — formas de avaliação e outras. Abem, tanto em nível nacional tweets ficaram pequenos demais e ele decidiu migrar para te, por isso prefere os textos mais curtos. Tanto que na pá- para discutir diversos aspectos do Destacamos que temos, nes- como regional. Essa parceria é o Facebook. gina há também vídeos nos quais faz paródias de músicas ensino médico contemporâneo: te ano, a honra de poder receber, importante, dado que as altera- e outros posts compartilhados. formação docente, formação de além de diversos palestrantes ções recentes no ensino médico dores, aquilo que, a princípio, não passava de um passa- “Inicialmente eu postava coisas relacionadas à vivência universitária na Unifesp (Universidade Federal de São No começo, ele postava todo dia. Hoje, com a carga preceptores, avaliação formativa, nacionais com competência reco- impactam de diversas formas Paulo), como situações engraçadas do dia a dia, porque o mais apertada de estudos, posta uma, duas vezes por se- metodologias currículo nhecida, a dra. Madalena Patricio, entre os profissionais da atenção primeiro e o segundo ano da faculdade são muito básicos e mana. “Tudo depende das novidades do dia a dia”, conta. ativas, paralelo, currículo oculto, pesqui- da Faculdade de Medicina da Uni- à saúde, principalmente nos que Mas nessa trajetória, nem tudo foram flores. “No come- sa em educação e saúde, avaliação versidade de Lisboa, Portugal, ex- atuam no Sistema Único de Saúde Aquela lâmina de microscópio difícil de entender, a aula ço, tinha dificuldade de lidar com críticas, como de alguns de escolas médicas, residência presidente da Association for Me- (SUS). A participação dos médicos de anatomia que deixava todo mundo enjoado ao comer, o que entravam na página para dizer que os ‘médicos tinham médica, entre outros. dical Education in Europe (AMEE), paulistas, docentes, preceptores, professor que mostra slides de raio-x, mas esquece de ligar que sofrer mesmo’, já que pertencemos a uma categoria Uma demanda forte dos par- uma das mais importantes asso- residentes ou mesmo somente in- a luz após a exibição. Todas essas situações viravam posts privilegiada. Agora já não ligo”, minimiza. ticipantes de versões anteriores ciações internacionais de educa- teressados em Educação Médica, do Congresso Paulista de Edu- ção médica. A professora Madale- é mais do que bem-vinda e espe- cação Médica é que ao lado da na contribuirá na discussão sobre ramos poder contar com todos! causam certo desestímulo”, diz. com os quais outros estudantes de várias partes do Brasil, e até de outros países, identificavam-se. 34 • Revista DR! tl Revista DR! • 35 Cultura A Casa de Todos 1947, para o cargo de vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Como na época o registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) havia sido cassado, ela se candidatou pelo Partido Social Trabalhista (PST). Kauffmann, contudo, nem chegou a tomar posse. A revista bimestral Apartes, Seja no auge ou em seu declínio, prédio em homenagem aos mortos da Segunda Guerra Mundial, inaugurado em 1953, ajuda na reconstrução da história do Bom Retiro e da comunidade judaica na mutante São Paulo do século passado Leonardo Gomes Nogueira • Fotos: Marina Bustos esse episódio na edição de março -abril de 2014: “O mandato da primeira vereadora de São Paulo terminou antes de começar, às 17 horas de 31 de dezembro, na véspera da posse da Aleichen (que funcionou no mes- nova legislatura. Foi nessa hora mo endereço da Casa do Povo até que um telegrama do Tribunal o começo da década de 80). Superior Eleitoral (TSE) chegou à O projeto da escola era, desde G sede da Câmara, no Palacete Pra- o início, o de experimentar novos edenk, Farain e Tsukunft. tes, informando que o tribunal processos pedagógicos. E isso se co- Essas palavras estranhas havia declarado inexistentes os adunou com a proposta vanguar- ao nosso vocabulário, da registros de todos os candidatos dista da casa, pensada por judeus língua iídiche, hoje norteiam o do PST no estado. No dia seguin- identificados com ideais progres- trabalho da Casa do Povo. Iremos te, Elisa e outros três vereadores sistas. Parte deles iria se reunir, a explicar o significado de cada uma cassados se juntaram a uma cen- partir de 1953, em torno do recém- delas mais à frente. Mas sobre a tena de pessoas que se reuniram -criado Instituto Cultural Israelita referida casa iremos falar agora. diante do Prates para protestar Brasileiro (a razão social, ou CNPJ, Inaugurada em 1953, no Bom contra a cassação de seus manda- da Casa do Povo). Retiro, região central de São Pau- tos. A multidão tentou invadir a lo, ela nasce como um espaço de casa, mas foi impedida. Acabava neurologista memória aos mortos da Segunda ali a atuação de Elisa na política ex-aluno da Scholem Aleichen, Guerra Mundial (1939-45). Sobre- pública.” lembrou a importância da escola tudo aos judeus massacrados nos campos de extermínio nazistas. A história, no entanto, a absolveria. Em 2013, uma resolução O atual presidente da Casa, o Jairo Degenszajn, em uma entrevista ao repórter que vos escreve. “Seus fundadores eram imi- determinou a restituição (simbó- A Casa do Povo, projetada pelo grantes judeus da Europa Orien- lica) dos mandatos de 42 vereado- arquiteto Ernest Mange, também tal, falavam iídiche e defendiam res cassados entre 1937 e 1969. En- foi sede, entre outros, do jornal uma cultura laica e universalista”, tre eles, Elisa Kauffmann. Nossa Voz e do Taib (Teatro de explica o site da casa. 36 • Revista DR! da câmara paulistana, relembrou Ela morreria de câncer, aos 43 Arte Israelita Brasileiro). O teatro Uma das suas fundadoras, anos, em 1963. Antes disso, no en- para 450 pessoas, hoje interdita- Elisa Kauffmann, foi a primeira tanto, iria dirigir, entre os anos do por questões de segurança, foi mulher eleita, em novembro de de 1958 e 1962, o colégio Scholem desenhado por Jorge Wilheim no Espaço para discussões políticas, Casa do Povo caiu em decadência no início dos anos 80, principalmente quando o colégio Scholem Aleichen deixou de funcionar no local. Há seis anos, porém, antigos estudantes, entre eles o neurologista Jairo Degenszajn, iniciaram movimento de recuperação. A partir daí o lugar voltou a ser ocupado por atividades diversas, mas ainda necessita ser restaurado Revista DR! • 37 Cultura > Judeus progressistas criaram, em 1953, o espaço em homenagem aos mortos da Segunda Guerra Mundial > Local também sediou o jornal Nossa Voz (escrito em português e iídiche) e o Teatro de Arte Israelita Brasileiro início dos anos 60 e ocupa o sub- anos de existência da instituição tus quo ao manter a maioria das anos 1960 começavam a chegar contribuições dos seus membros solo do prédio. judaica). pessoas afastadas do debate polí- os coreanos e, nas duas últimas e o restante vem de editais e leis tico. Isso, naturalmente, ainda na décadas, um fluxo de imigração de fomento na área de cultura. O Nossa Voz circulou entre “Que língua é essa?” 1947 e 1964 (“quando foi fechado Hiato sua avaliação, teve repercussão latino-americana — bolivianos, Mas a situação financeira da en- O iídiche é uma língua nascida pela ditadura militar devido ao No início dos anos 80, o Scholem no interesse, cada vez menor, de peruanos e, mais recentemente, tidade ainda é delicada. “O poder há cerca de mil anos, na fron- seu posicionamento político”, diz Aleichen deixa de funcionar no lo- manter um espaço como a Casa paraguaios — marca presença no público não tem nenhuma políti- teira da França e Alemanha, texto da edição nº 1.014 que, obvia- cal, assim como outras atividades do Povo, que jamais escondeu o bairro”, escreve a professora da ca para os seus espaços históricos, entre judeus vindos da Europa mente, só viria ser publicada após até então desenvolvidas ali. Tem caráter eminentemente político Faculdade de Arquitetura e Ur- culturais”, avalia Degenszajn. Central e Oriental. Seria a par- a derrocada do regime). Original- início um avassalador processo da sua atuação. banismo da USP. mente, em português e iídiche. de decadência. Como geralmente Além disso, nos últimos trin- “Em 2014, foi relançado pela acontece: vários fatores somados tas anos, houve uma mudança Casa do Povo, tendo seus eixos edi- explicam o lapso que se prolonga- toriais repensados a partir do con- ria até, mais ou menos, 2010. Desde então, o espaço voltou tir da Alemanha que o Holo- a ser ocupado por atividades va- causto se disseminaria (provo- Retomada riadas. Por exemplo: com edições cando o genocídio de 6 milhões importante no perfil populacio- Cinco anos atrás, recorda Degens- da feira de arte impressa Tijuana de judeus). Além de ciganos, nal da região. Os judeus que, na- zajn, um ex-aluno do Scholem (que reúne o trabalho de editoras Testemunhas de Jeová, homos- independentes). sexuais e todo tipo de opositor texto contemporâneo, em diálogo “Houve um hiato muito gran- turalmente, tinham um vínculo Aleichen fotografou a fachada com as suas premissas históricas de”, lamenta Jairo Degenszajn. especial com o edifício, migraram degradada do edifício. Em segui- Para que o processo de retoma- ao regime nazista. O iídiche se judaicas progressistas”, explica a Com a saída da escola do edifício, para outras partes da cidade. da, postou a imagem no Facebook. da se complete, é necessário que o tornou ainda mais raro com a mesma edição. O jornal, agora qua- conta, começou “um problema de Essa mudança de perfil dos De imediato, antigos estudantes prédio seja restaurado e adequa- criação de Israel em 1948 (país drimestral, tem distribuição gra- natureza financeira” que iria se moradores do bairro, contudo, se mobilizaram para ver o que do às necessidades do novo tem- que adotaria o hebraico como tuita. agravar nos anos seguintes. não é novidade, como nos lem- seria possível fazer para o resgate po (considerando questões como língua oficial). Para Jairo De- do lugar. a da acessibilidade). O projeto da genszajn, o iídiche passou a reforma é idealizado pelo arqui- ser considerado, por parte da teto Isay Weinfeld. comunidade judaica, “como a Devido à importância do Taib, Segundo Degenszajn, uma das bra Sarah Feldman no artigo em 2013, o grupo Teatro da Verti- explicações possíveis é um pro- Bom Retiro Mutante. “Portugue- A partir daí, conta o médico, gem usou o espaço para o encer- cesso de “desideologização” do ses e italianos ocuparam o bair- ele e outros integrantes dessa mo- ramento da peça Bom Retiro, 958 debate pós-ditadura. Ou seja: a ro no fim do século 19, e de 1900 a bilização inicial passaram a fazer Voltando ao início: Gedenk, língua da derrota”. “Só que para metros. “O teatro em ruínas e al- negação da relevância ou mesmo 1940 os italianos predominavam parte do conselho e da diretoria da Farain e Tsukunft. Significam, nós isso tinha outra conotação, guns papéis afixados na parede e da existência de qualquer tipo de entre a população estrangeira. entidade mantenedora da Casa do respectivamente, “lembre-se”, “as- o iídiche era a língua do judeu distribuídos forneciam pistas do “ideologia” (palavra aqui enten- No início do século 20, os judeus Povo (o Instituto Cultural Israelita sociação” e “futuro”. Nesse século, humanista”, explica. No pri- passado do teatro e da história do dida como representativa de um passaram a ter presença desta- Brasileiro). prometem os seus mantenedores, meiro dos quatro andares da edifício e da Casa do Povo”, con- conjunto de ideias). cada. Gregos, armênios e sírios Atualmente, o número de as- essas palavras são os eixos que casa, há uma biblioteca iídiche com 5 mil volumes. ! ta uma edição especial do jornal Para o médico, essa “desideo- também se instalaram no Bom sociados está entre 100 e 120. Um irão guiar a atuação da casa de to- Nossa Voz (comemorativa aos 60 logização” apenas favorece o sta- Retiro ao longo desse século. Nos terço do orçamento é fruto das dos os povos. 38 • Revista DR! Revista DR! • 39 Simesp+ Simesp+: benefício para o associado Confira nossas parcerias + Seguros + Lazer Villa Di Mantova Resort, Marulhos Resort, em Porto de Saraiva Subaru Ribeirão Preto Seguro de Responsabilidade Civil Profissional TAM Viagens em Águas de Lindóia/SP Galinhas/PE 10% de desconto em livraria e 6% de desconto sobre os preços 10% de desconto nos pacotes 10% de desconto nas diárias de 10% de desconto nas diárias de 5% de desconto em eletrônicos, públicos cobrados pela loja. nacionais e internacionais. hospedagem durante a alta e hospedagem durante a alta e nas compras online. [+ benefícios no site do Simesp] baixa temporadas. baixa temporadas. 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Revista DR! • 43 Benefícios Simesp+ Fast Shop Saraiva Amanita Estalagem Compra Certa Villa Di Mantova Cestas Michelli Costão do Santinho Pousada Villa Harmonia Capacitação Hotel Panorama Giuliana Flores TAM Viagens Tapeçaria Alemão Wet’n Wild Benefícios Serviços Quality Lavanderias Fast Move Idiomas HPlus Hotelaria NetShoes Lazer Seguro de Responsabilidade Civil IBEGESP Grínberg’s Village Hotel Seguro Viagem Rio Quente Resorts Aquário de São Paulo Havanna Beleza Investimentos C E L- L E P I d i o m a s Hotel Panorama Serviços diversos Seguro Automóvel Ofertas especiais Villa Di Mantova Resort Amanita Estalagem Fast Shop Subaru Colônia de férias Aojesp Avallon Blindagens Investimentos Saúde e Be Hot Park Seguro Equipamentos Portáteis Conube C Seguro para Clínicas e Consultórios Seguro Auto Instituto Brasileiro de Educação em Gestão Vento Haragano Morumbi Seguro Resid Roteiros de Charme Cestas Miche Simesp+ Simesp+ O novo programa de benefícios que chegou para fazer muito mais pelos médicos associados ao Simesp CAPACITAÇÃO | INVESTIMENTOS SAÚDE E BELEZA | OFERTAS ESPECIAIS LAZER | SERVIÇOS DIVERSOS › Associe-se e aproveite os benefícios: www.simesp.org.br/simesp+ [email protected] | 44 • Revista DR! 11 3292.9147 Simesp+