FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO: HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO ZIMMERMANN, Marlene Harger – UEPG marlene_hz @yahoo.com.br Resumo Formação do profissional enfermeiro: humanização do cuidado” é uma pesquisa cujo objetivo foi analisar a formação dos profissionais enfermeiros, no viés da humanização, sob a ótica do profissional. Esse estudo focaliza a formação do profissional enfermeiro do curso de Enfermagem. Utilizou-se como método teórico, o materialismo histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. Para a realização dessa investigação, foi efetuada uma revisão da literatura buscando na história a evolução da profissão, do seu ensino e sua relação no contexto atual. Foram sujeitos desta pesquisa, docentes do curso de Enfermagem de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, Paraná. A coleta de dados foi feita por meio da técnica do Grupo Focal. A pesquisa revelou que: a) As condições objetivas de trabalho levam o profissional de Enfermagem a um conflito que se expressa no seu cotidiano, quando presta o cuidado na área da saúde, b) A formação dos docentes de Enfermagem ocorreu de forma fragmentada e com ausência de alguns fatores. Entre eles, a reflexão da execução do cuidado e o executar técnico maximizado em detrimento do cuidado humanizado. O estudo aponta, também, algumas ações que as docentes consideram importantes para ajudar o futuro profissional a realizar um cuidado humanizado. Palavras-chave: Formação; Enfermeiro; Humanização Introdução Este trabalho pretende trazer à tona algumas reflexões sobre a formação do profissional Enfermeiro no que se refere à humanização dos cuidados realizados pelo mesmo. Os relatos que se seguem, são decorrentes de docentes do curso de Enfermagem de duas Instituições de Ensino Superior do Paraná, em pesquisa realizada no Mestrado em Educação. A pesquisa foi embasada na seguinte problemática: Estão sendo formados profissionais mais humanos no cuidado? Como os docentes visualizam a formação do profissional enfermeiro em relação a um cuidado humanizado? Ao revisitar a história da Enfermagem, sob o olhar de apreensão das condições objetivas de trabalho, compreende-se a dicotomia instalada na atualidade em relação ao desenvolvimento técnico-científico e à prestação do cuidado humanizado. Depara-se com uma profissão que sofreu diversas transformações e que vem acompanhada de contradições que são vivenciadas no cotidiano. A Enfermagem desenvolve-se numa teia, como todas as 487 instituições sociais. Os aspectos políticos e sociais exerceram e exercem grande influência em toda sua trajetória histórica bem como no seu cotidiano. Quando se reporta à formação do profissional Enfermeiro, depara-se com à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) a qual propõe alterações curriculares que possibilitem a formação de Enfermeiros críticos e reflexivos, aptos a atuar em diferentes situações da realidade brasileira. Daí vê-se a importância de formar profissionais com esse perfil, que tenham suas ações pautadas em princípios éticos e humanitários. Portanto, um ser pensante, humanista, possuidor de uma visão do ser humano e do mundo que o rodeia. No entanto, o ensino de Enfermagem, em geral, tem se ocupado de formar profissionais com conhecimentos científicos e habilidades técnicas, ficando o atendimento humanizado a desejar, ou seja, sua formação inicial está centrada nos aspectos do saber fazer em detrimento do ser. Reafirmo esse pensamento com as palavras de Saupe que diz; “A pedagogia tecnicista, a partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, está muito presente ainda no ensino da enfermagem (SAUPE, 1998, p. 156). A divisão do conhecimento e do trabalho acarreta como conseqüência a visão compartimentada do homem. O tecnicismo dificulta a visualização, pelos profissionais Enfermeiros, do paciente como um ser único, dotado de autonomia e com necessidades individuais que transcendem o conhecimento científico e a habilidade técnica. A vida, valor supremo do ser humano passa a objetizar-se, (tornar objeto), tornando-se a tecnociência maximizada num processo de fragmentação, de desvalorização, de desconstrução do indivíduo. Isso gera uma transformação do profissional de Enfermagem em relação ao cuidado, principalmente na prática hospitalar, separando “cada vez mais o profissional do cuidado mais efetivo e afetivo” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 372). Nesse pensar, a Bioética1 vem como instrumento auxiliar do profissional de saúde, ao relacionar a ética com a ciência e a tecnologia, na tentativa do resgate da dignidade do ser humano, do respeito à vida e da proteção à pessoa. Nesse sentido, as reflexões da Bioética no processo educativo contribuem para um conhecimento pautado em valores e princípios éticos que ajudam o homem a conduzir o seu agir dentro de uma moral-prática. 1 Termo que designa um estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais. (SGRECCIA. MANUAL DE BIOÉTICA, 1996) 488 A enfermagem e a humanização do cuidado O relacionamento estabelecido entre paciente e Enfermeiro ganha o nome de relacionamento assistencial, sendo este a base da prática da Enfermagem. Para que esse relacionamento se efetive são necessários alguns fatores como: empatia, respeito mútuo, clima de confiança, sinceridade, etc. Na área da saúde, mais precisamente na Enfermagem, a humanização torna-se tema central, tendo em vista que a prática do cuidado em Enfermagem se estabelece entre seres humanos. Um que presta cuidado e outro que necessita do mesmo. Contudo, Silva (2004, p. 26) diz que: “o cuidado humano é uma das habilidades mais difíceis de ser implementadas, justamente porque as pessoas possuem limiares diferentes de sensibilização”. Quando despojado de sua saúde, os indivíduos têm seus aspectos emocionais envolvidos, tendo em vista que além do desconhecido em relação ao futuro de sua doença, encontram-se em um ambiente não propício, sob a responsabilidade de uma equipe de saúde, longe de seus familiares e muitas vezes tratados como se não tivessem individualidade e identidade própria. De acordo com Waldow (2006, p.8) “humanizar responde pela convivialidade, pela solidariedade, irmandade, pelo amor e pelo respeito. Logo, humanizar corresponde a cuidado”. Humanizar é estar com o paciente numa atitude de escuta, de ajuda, de preocupação com seu restabelecimento. Por assistência humanizada entende-se o esforço de tratar o paciente com respeito às suas necessidades pessoais, considerando sua autonomia nas escolhas, de se sentir aceito, de ser escutado, compreendido. Constrói-se assim a dignidade humana, que está fortemente associada ao referencial de assistência humanizada. Daí a necessidade da humanização ser individualizada (SANTOS, 2004). Observar e respeitar o ser humano que estamos assistindo, em suas várias interfaces, ou seja, seu medo, seu pudor, sua individualidade, suas emoções, são as estratégias de humanização do cuidado. Atualmente, a pessoa quando acometida pela doença, deixou de ser o centro das atenções e foi instrumentalizada em função de um determinado fim. Existem ambientes tecnicamente perfeitos, mas, desprovidos de ‘calor humano’. No cotidiano são freqüentes as relações se darem de forma impessoal onde os aspectos técnicos são executados num corpo qualquer. Esse tipo de relacionamento caracteriza-se pela relação pessoa-objeto e acontece com grande freqüência na medicina. (WALDOW, 2006). 489 O cuidado humanizado exige do profissional a união de percepção, conhecimento, empatia, alteridade e respeito pela dignidade e pela autonomia. De acordo com Pessini; Barchifontaine (1997, p. 11), “conhecimento e competência técnico-científica são imprescindíveis, mas tem que estar sempre junto com humanismo”. Nas ações de Enfermagem deve ser maximizado o homem e minimizada a doença, desta forma sobressaindo o valor pessoa em detrimento da doença. A tecnologia tem sido um dos grandes fatores de afastamento na relação Enfermagem paciente, tendo em vista sua despersonalização e a perda de sua individualidade, privacidade, subjetividade e singularidade. Na humanização, a autonomia do paciente deve ser respeitada, sendo esta considerada como a capacidade do indivíduo de autogovernar-se, de decidir sobre seu tratamento. As instituições de saúde despojam o indivíduo de suas vestes na mesma proporção que assumem unilateralmente as decisões sobre o seu tratamento. Nesse pensar, cito Leopardi (1999, p. 132) que expressa: “seres humanos são livres e se espera que se envolvam em seu próprio cuidado e nas decisões sobre sua vida”. Portanto, as atitudes do profissional de Enfermagem em relação à forma do atendimento no cuidado precisam ser repensadas. É necessário que o paternalismo seja superado. Quando um profissional da saúde se aproxima do doente, ele está se aproximando de uma pessoa e este corpo não é objeto de intervenção, mas sim um sujeito autônomo, livre, responsável, consciente, possuidor de valores morais, culturais e espirituais, membro de uma família e inserido em uma sociedade. Sobre a Metodologia Partindo do pressuposto que o conhecimento científico faz uso de metodologias para captar a realidade, optou-se pelo método histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. Sendo professores, sujeitos historicamente constituídos, inseridos num contexto social, importante se faz o estabelecimento de um enfoque metodológico que se relacione à necessidade de obter uma aproximação com sujeitos que desvelem a essência de suas vivências e experiências, possibilitando a captura das perspectivas dos participantes, buscando entendê-los numa totalidade concreta. Gadotti (2003, p. 25) vem em auxílio dizendo que: “o pressuposto básico da dialética é que o sentido das coisas não está na consideração de sua individualidade, mas na sua totalidade, em que tudo tem que ver com tudo, nada é isolado”. 490 O método histórico-dialético possibilita uma crítica às questões intrínsecas da profissão de Enfermagem, pois ela está articulada com a totalidade das realidades sociais, econômicas e políticas. Para a coleta de dados foi utilizado como instrumento, a técnica do Grupo Focal (GF), onde entrevista e observação encontram-se inseridos. No dizer de Gatti (2005, p. 9), ao se fazer uso da técnica do Grupo Focal, “há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e por que pensam”. Daí, a importância de utilizar essa técnica na pesquisa. Sendo os sujeitos artífices da história, sofrendo influência do meio social, mister se faz desvelar este “como” e “porquê” pensam, na busca de novas compreensões, de novo “olhar” no caleidoscópio da ciência, que apresenta para nós sempre novas possibilidades e até mesmo com surpresas. Ao se reportar ao Grupo Focal como técnica para coleta de dados, faz-se menção de que ele é utilizado quando se querem compreender diferenças e divergências, contraposições e contradições (GATTI, 2005). Nesse pensamento, o método dialético ganha força, tendo em vista que a contradição é a mola propulsora para o desvelamento do real, da apreensão do real. Como sujeitos da pesquisa foram selecionados docentes do Curso de Enfermagem, de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná. Os dados levantados e analisados a partir da ótica dos participantes possibilitaram a definição de categorias de análise. Sobre a análise, Minayo (2000, p. 75) contribui dizendo: “Não podemos conhecer uma coisa a não ser decompondo-a, para a seguir recompô-la, reconstruí-la e reagrupar suas partes. Análise e síntese são inseparáveis, mas para sintetizar com êxito é preciso analisar”. Pelas recorrências apresentadas, os dados obtidos foram agrupados nas seguintes categorias: condições objetivas de trabalho, humanização/humanizador e dicotomia entre teoria e prática. O objetivo foi organizar para facilitar a análise. Concepção de assistência humanizada e sua concretização na prática Humanizar não é tarefa fácil. Precisa ser vivenciada por todos os envolvidos no cuidado, sejam eles pacientes, a família, a equipe de saúde e a sociedade. A humanização aparece na prática como sendo algo ainda utópico, um sonho, algo a ser conquistado. Algo que demanda esforço, perseverança, como um longo caminho a ser percorrido. Para a institucionalização do cuidado humanizado, ao Enfermeiro cabe um papel preponderante. Muitas vezes, terá que travar lutas intensas para mostrar aos administradores a 491 necessidade de mudanças, bem como os benefícios que estas trarão para o paciente, para a família, para a equipe da saúde e para a instituição. A pesquisa desvelou que quando se fala sobre humanização do atendimento, muitos aspectos vêm à tona. Um deles é a importância da individualização do atendimento. Normas, regras e determinações devem ser conciliadas com a singularidade de cada paciente, sua situação pessoal, necessidades e vontades. O profissional Enfermeiro tem sua parcela de contribuição neste processo. Sobre isso, Horta afirma que: A percepção individual de si mesmo é afetada pela doença, como a liberdade, a independência, a privacidade e a auto-estima. Quando a enfermeira faz o paciente participar do seu plano de cuidados, ela está obedecendo ao princípio de conservação, procurando manter íntegros os mecanismos de defesa biológicos fundamentais do indivíduo (HORTA, 1979, p. 13). Os serviços carecem de normas institucionalizadas para o bom andamento do atendimento. Porém, a rigidez muitas vezes desumaniza e precisa ser flexibilizada de acordo com a situação. Isto se confirma através das palavras desta docente quando expressa que “a gente estabelece na área de saúde metas, então meu paciente tem que receber medicação no horário, o curativo tem que ser feito desse jeito e daí eu esqueço de perguntar se é isso que ele quer.” O fato de que as coisas “têm que ser feito desse jeito” devem ser questionadas pelo Enfermeiro. Por que devem ser feitas assim? Onde está a minha autonomia enquanto profissional? A quem interessa que as coisas sejam feitas dessa forma? Na prática, percebe-se que as atitudes provenientes da autonomia do sujeito, quando não conhecidas pelos profissionais de saúde, tomam uma conotação de absurdo, de desconcertante. Algo fora dos parâmetros internos institucionalizados no qual o Enfermeiro vem se aplicando ao longo dos anos sem a necessária reflexão. O resultado é a geração de dissabores nas relações entre empregado/empregador e entre Enfermeiro/paciente e, além disso, de situações de estresse advindas de pressões da instituição onde se trabalha. Verificou-se com esta pesquisa, que para que ocorra o atendimento humanizado é necessária uma somatória de fatores tais como a formação e as condições sociais para operacionalização do cuidado, bem como a própria essência da pessoa. Neste pensar, a essência se traduz em princípios, na educação adquirida pelo processo de formação no seio da família, manifestada pelos indivíduos e suas atitudes no cotidiano. As condições objetivas de trabalho trazem repercussões do atendimento humanizado da clientela. Elas necessitam ser reavaliadas, pois são em grande parte responsáveis também 492 pela qualidade do cuidado oferecido. São condições sine qua non para a concretização da humanização na área da saúde. Esta pesquisa revela os diversos sentimentos, ora de impotência, ora de sofrimento, ora de angústia, ora de conflito que são vivenciados pelo enfermeiro na sua atuação. No sistema econômico-social vigente há uma lacuna entre o que deveria ser e o que é. Isso gera conflitos que muitas vezes atinge o profissional de saúde. Normalmente, no sistema de saúde brasileiro, são precárias as condições que lhe são oferecidas para que desempenhe seu papel. A falta de recursos humanos e de material assume grande importância. Há uma sobrecarga de atendimentos, gerando estresse no Enfermeiro e sua equipe. Várias instituições dão preferência para a contratação de profissionais de Enfermagem menos dispendiosos (Auxiliares e Técnicos de Enfermagem). A equipe de Enfermeiros fica defasada, gerando sobrecarga e comprometendo a qualidade do atendimento oferecido. Fica claro aqui que o discurso sobre o cuidado humanizado muitas vezes não está em sintonia com o sistema vigente. Nessas manifestações, percebe-se que o profissional tem percepção do que deveria ser feito, porém, a sobrecarga de atividades, predominantemente de caráter gerencial, não permitem estar ao lado e acompanhar todos os pacientes, gerando conflitos e sofrimentos. Diante desse quadro, Sowek contribui afirmando: Ao mesmo tempo que a (o) enfermeira (o) sabe que seu papel, sua função primordial, reside na atenção integral, ou “eqüidiversa”‘ao homem sadio ou doente, ela também é forçada, impelida pelas instituições a responder por uma gama de atividades que a distanciam de seu objetivo principal. (...) A (o) enfermeira (o) sente-se, então dividida, pressionada a cumprir ordens vindas do médico e da administração, e que nem sempre coincidem com a vontade do cliente (SOWEK, 2000, p. 208). Outro aspecto da pesquisa que deve ser mencionado é que, sob a ótica dos docentes, a humanização perpassa pela visão de totalidade do ser. Na fala da docente isso se evidencia quando diz: “os nossos clientes não querem só realmente o curativo, é muito além, porque o homem é um todo: corpo, mente e alma”. Ao ser atendido, o ser humano necessita que sejam considerados, pelo profissional da saúde, aspectos emocionais e psicológicos, e não somente fisiológicos. As ações, na prática, ganham ressonância quando amalgamadas da visualização do indivíduo em sua totalidade. Nesse pensamento, cito Minayo (2000, p. 16): “Incluindo os dados operacionalizáveis e junto com o conhecimento técnico, qualquer ação de tratamento, de prevenção ou de planejamento deveria estar atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige.” 493 Apesar de ser o cuidado humanizado algo que demanda esforço e exige perseverança, verifica-se que ele acontece através de atitudes simples, que, por sua vez, podem ser de grande valia para a pessoa que está sendo cuidada. Referindo-se ao cuidado humano, Leopardi diz: O processo de vida envolve várias dimensões complementares (biológica, psicológica, afetiva, social, cultural, ética, política). No entanto, ao se sujeitarem temporariamente à instituição de saúde, os indivíduos expõem toda a sua fragilidade e se os profissionais da área da saúde não avaliarem à sua competência técnica, a perspectiva humanística, a situação vivida por esse sujeito pode ser ainda, mais dolorosa (LEOPARDI, 1999, p. 139). Daí a importância da visualização, pelos docentes, dos saberes que permeiam o universo da profissão: o saber fazer, o saber enquanto conhecimento e o saber ser. Humanização e Formação Em relação a formação humanizada para o cuidado, pode-se inferir que dentro de todo este contexto, as mudanças também são percebidas no próprio profissional que questiona sua prática docente. Sobre isso, uma docente exemplificou dizendo: “Mas, eu percebo que a maioria de nós, que estamos aqui, (...) a gente... não quer mais que nosso aluno seja um excelente técnico. A gente quer colocar nele, desde o primeiro ano, estes aspectos éticos, humanos”. Percebe-se a preocupação da docente, não somente com a formação de um profissional habilidoso tecnicamente, mas também, com visão ampliada no trato com o ser humano. Na formação, salientou outra docente, “existe a preocupação de que os aspectos éticos e humanos sejam abordados desde o início do curso de Enfermagem”. Na formação do profissional, necessário se faz que a humanização seja abordada, discutida, trabalhada e vivenciada pelos docentes e alunos, de maneira a fornecer subsídios para a sua aplicação prática. Quando as professoras falam da humanização normalmente se reportam à formação que tiveram. O tema não era trabalhado. Isto se verifica nas falas das docentes: “ (...) eu sinto que não fui preparada para fazer um trabalho mais humano. Fui preparada pra aprender a administrar uma injeção, fazer uma escala. Nós não trabalhamos com a morte, nós não trabalhamos com vida, nós não trabalhamos com o sofrimento a ponto de preparar os alunos para que encarem este problema que a gente está encontrando no nosso dia a dia no nosso trabalho. Que forma humanizada eu fui preparada para atuar? Nós que temos dificuldade em sermos humanos com nossos alunos, como é que eles serão com os pacientes?”. 494 Verifica-se então, diante dessas manifestações, que o Enfermeiro, como os demais profissionais, não é alguém pronto e acabado. Dialeticamente falando, o Enfermeiro vivencia o princípio do movimento, onde tudo se transforma. Há necessidade constante de aprimoramento. É muito importante que o profissional tenha percepção do dinamismo da vida e, com seu trabalho, dê continuidade à construção de melhorias. Na fala da docente isso é expresso: “eu sinto que faltou e com isso eu tento mudar. A visão que eu passo para os alunos é essa mudança. Tem que aprender a fazer direitinho, tem, mas você tem que fazer com amor, você tem que fazer com respeito de uma maneira mais humana possível”. As abordagens inerentes à humanização no curso de Enfermagem destas duas instituições de ensino pesquisadas, parecem ser insipientes, esporádicas, individuais e até isoladas. Não possuem caráter de uniformidade e de totalidade. O problema apontado demonstra a necessidade de mudanças nos projetos político-pedagógicos, o que somente ocorrerá se houver realmente interesse na formação do profissional crítico, reflexivo, ético e com atitudes humanizantes em relação ao cuidado com terceiros. Por outro lado, existem avanços relativos à formação humanizada. Esta pesquisa aponta para a proposta da humanização na formação do Enfermeiro, através da interdisciplinaridade. Trata-se de promover a integração de diversas disciplinas, a fim de possibilitar a aquisição de um saber unitário e articulado. A temática da humanização parece ser um fato real, possui expressão e presença dentro dos cursos de Enfermagem. Quando se analisa a humanização no viés da formação, verifica-se que já é comum encontrar abordagens sobre a temática inseridas nos Trabalhos de Conclusão dos Cursos de Enfermagem. A humanização perpassa as diversas áreas da Enfermagem, tais como pediatria, doenças infecto-contagiosas, centro cirúrgico, clínica cirúrgica, urgência e emergência, puerpério, programa de saúde da família etc. Isso demonstra que a humanização tende a permear, como uma seiva, o ensino da Enfermagem, em suas mais diversas expressões. A Enfermagem é uma disciplina baseada em filosofia, teoria, prática e pesquisa (LEOPARDI, 1999). A pesquisa evidencia um fato relevante: a contribuição que o acadêmico trouxe para a cidade e para os profissionais enfermeiros, incentivando-os a irem à busca do conhecimento. Na fala das docentes isto se confirma quando dizem: “A presença do aluno no estágio fez uma revolução Esse acadêmico para Ponta Grossa só veio contribuir na melhoria da assistência”. O estudo aponta, também, algumas ações que as docentes consideram importantes para ajudar o futuro profissional a realizar um cuidado humanizado. Uma das docentes citou que cabe as mesmas a responsabilidade de despertar a consciência de alunos e demais 495 Enfermeiros, incluindo os assistenciais, para a questão de humanização. Há a necessidade de se criar a cultura da humanização, dentro da área profissional, sendo cada um, executor de sua parte. Sobre as Instituições formadoras, foi questionado: de que forma elas poderiam contribuir, considerando que existem professores que não estão tão voltados para a humanização, de que haja crescimento tanto de alunos como de professores? O Grupo Focal de professoras, ora formado, conforme salientado, poderia contribuir com os Enfermeiros da cidade incluindo os das escolas de Enfermagem, através da educação continuada. Outro elemento que as professoras abordaram são as condições necessárias que poderiam auxiliar na humanização. Por exemplo, um horário específico, um incentivo de disponibilidade, principalmente em relação ao atendimento de alunos. Colocar-se no lugar do outro para sentir o que o outro está sentindo, como ele gostaria de ser tratado, de ser ouvido, de ser percebido. Outra sugestão foi despertar no aluno, a valorização do outro enquanto ser humano, enquanto sujeito. Sujeito que decide ser humano, que sente que tem família, que não é só um corpo. Outra docente além de citar ações para os acadêmicos, fez uma avaliação de suas dificuldades, apontando o passado, quando disse: ”Todos nós temos certa bagagem capaz de transmitir isso para o próximo, nossos alunos, para que eles possam adquirir seus próprios conhecimentos. E através dessa orientação que a gente passa, através da vivência que nós já tivemos, que possam melhorar. Que eles não passem por que nós passamos. Aprender com tanta dificuldade, aprender com tanto erro”. Considerações Finais Esta pesquisa procurou analisar, através da contribuição das professoras do curso de Enfermagem que participaram do Grupo Focal, a temática da humanização na formação e sua concretização. Sugestões foram apontadas objetivando melhorias do corpo docente, discente e profissionais Enfermeiros da comunidade, no que tange à humanização do cuidado dispensado ao paciente. Estão sendo formados profissionais mais humanos no cuidado? Como os docentes visualizam a formação do profissional enfermeiro em relação a um cuidado humanizado? Esta pesquisa mostrou que as reflexões trazidas pelas docentes durante a formação do profissional Enfermeiro, podem sim, trazer benefícios, auxiliando na concretização da humanização do atendimento prestado. 496 As docentes sinalizam que a humanização se operacionaliza com atitudes próprias, advindas de um processo reflexivo. Este opera no cotidiano sensíveis mudanças, necessárias para um atendimento de qualidade, em que a humanização ganha expressão. A dignidade da pessoa humana é ponto chave da humanização. A visão de que todas as pessoas são dotadas de sentimentos, vontades e crenças que precisam ser respeitadas é condição para a humanização. Ficou claro na pesquisa que esta consciência vem ocorrendo, provavelmente não no ritmo desejado, porém com já com avanços. Embora o crescimento da conscientização sobre a temática da humanização permeie por diversos ambientes, o da academia é de importância fundamental, onde os formadores assumem papel preponderante neste processo. O caminho é longo, mas não impossível. A Enfermagem é uma profissão possuidora de implicações científicas, tecnológicas e artísticas. É uma arte cujo fundamento é o conhecimento científico, auxiliada pelos recursos tecnológicos. Constitui-se de uma profissão antiga com acenos para um futuro que espera de seus profissionais algumas mudanças; talvez da postura, de visualização, de reflexões que levem esta profissão ao reconhecimento que lhe é devido, sendo embasada pelo cuidado ético, onde a humanização ganha expressão. A prática, na Enfermagem, tem início em sala de aula, onde o docente, no contato com os alunos dispõe de subsídios para auxiliar na formação humanizada através de atitudes reflexivas do seu agir. Suas atitudes permeiam as relações e as interações iniciam-se no espaço acadêmico e perpetuam-se adiante. Essa realidade necessita ser trabalhada, refletida e mudada se quisermos contribuir para uma formação humanizada do profissional de saúde. Que através desta pesquisa, enfermeiros, educadores possam refletir sobre sua prática fazendo inferências para um cuidado humanizado. Que os aspectos éticos e humanísticos estejam inseridos nesta práxis, construindo assim uma sociedade mais humana, onde a dignidade do homem e o respeito à vida prevaleçam num constante esforço da vida em sociedade. REFERÊNCIAS FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de ; VIANA, Dirce Laplaca. Fundamentos do uso de tecnologia em enfermagem. São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2006 GADOTTI, Moacir. Concepção dialética na educação: um estudo introdutório. São Paulo: Editora Cortez, 2003. 497 GATTI, Bernadete Angelina. Grupo Focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro Editora. 2005. HORTA, Wanda de Aguiar. Processo de Enfermagem. São Paulo: EPU, 1979. LEOPARDI, Maria Tereza. Teorias em Enfermagem: Instrumentos para a prática. Florianópolis: Editora Papa-Livro. 1999. MINAYO, Maria Cecília de S. Pesquisa social - teoria, método e criatividade. 16 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. PESSINI, Leocir; BARCHIFONTAINE, Chistian de Paul de. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 1997. SANTOS, Andréia Cristina Cordeiro dos. Humanização no Centro Cirúrgico: comportamento e respeito da equipe de enfermagem perante o paciente no trans-operatório. Ponta Grossa, 2004. Monografia, Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais. SAUPE, Rosita. Educação em Enfermagem. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998. SILVA, Maria Júlia Paes da. Qual é o tempo do cuidado? São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2004. SOWEK, Luciene Regina. A percepção de enfermeiras e enfermeiros sobre sua profissão: antigos problemas, outros olhares, possibilidades. 2000. 239 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa. WALDOW, Vera Regina; LOPES, Marta Júlia Marques; MEYER, Dagmar. Maneiras de Cuidar, Maneiras de Ensinar- a enfermagem entre a escola e a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. ______ Cuidar: Expressão humanizadora da enfermagem. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.