Performances Interacionais e Mediações Sociotécnicas Salvador - 10 e 11 de outubro de 2013 PEGADAS DIGITAIS: “BIG DATA” E INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA SOBRE O CONSUMIDOR1 Cecília Almeida Rodrigues Lima2 Janaina de Holanda Costa Calazans3 Resumo: O presente artigo se debruça sobre o conceito de “Big Data”, com o objetivo de investigar seu potencial como ferramenta capaz de agregar valor a empresas de diversos segmentos, reverberando em estratégias de negócio, marketing e novos formatos de publicidade. A conexão generalizada à internet formou um cenário em que usuários deixam cada vez mais rastros digitais sobre seus hábitos. A partir da análise e cruzamento desses dados não-estruturados, que têm ganhado o nome de “Big Data”, empresas podem conhecer melhor seus consumidores, entender tendências de consumo e formatar soluções que beneficiem ambas as partes. Palavras-chave: Consumo; Big Data; Internet; Marketing. Abstract: This article aims to study the concept of “Big Data” as a tool capable of adding value to companies in the most diverse sectors of economy, generating business, marketing and advertising strategies. The habit of perpetual connection to the internet has created scenery in which users leave traces about themselves and their lives in the form of digital data. Through the analysis and interpretation of this un-structured “Big Data”, companies have a way of knowing their consumers better, understanding consumer tendencies and generating solutions that bring benefits for both ends. Keywords: Consumption; Big Data; Internet; Marketing. 1 INTRODUÇÃO [...] a tecnologia está mudando – do mundo mecânico para o mundo digital, Internet, computadores, celulares e redes sociais – e isso tem profundo impacto no comportamento de produtores e consumidores. Esses e outros desafios exigirão que repensemos o marketing (KOTLER, 2010, n.p.). 1 Artigo submetido ao NT – Sociabilidade, novas tecnologias, consumo e estratégias de mercado do SIMSOCIAL 2013. 2 Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, professora da Faculdade Boa Viagem – [email protected]. 3 Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, professora da Faculdade Boa Viagem – [email protected]. Fenômenos como a convergência tecnológica e a informatização da sociedade, iniciada na década de 70 e hoje plenamente estabelecida na maior parte das cidades ocidentais desenvolvidas, trouxeram inequívocas modificações para as práticas sociais e para a forma de consumir e produzir informação. A popularização crescente da internet, a partir da década de 80, passou por transformações tecnológicas e culturais que converteram o computador pessoal em “computador coletivo” (LEMOS, 2005), conectado ao ciberespaço. O desenvolvimento da computação móvel e de tecnologias como internet sem fio, laptops, smartphones e tablets levou as sociedades a um processo de conexão cada vez mais generalizada, de maneira que estar conectado passou a ser um fator preponderante do nosso cotidiano. [...] a convergência dos meios de comunicação impacta o modo como consumimos esses meios. Um adolescente fazendo a lição de casa pode trabalhar ao mesmo tempo em quatro ou cinco janelas no computador: navegar na internet, ouvir e baixar arquivos MP3, bater papo com amigos, digitar um trabalho e responder e-mails, alternando rapidamente as tarefas (JENKINS, 2008, p. 42). Devido a isso, a conexão à internet passou a estar presente nas mais simples e corriqueiras atividades do dia a dia de boa parte da população. Televisores, rádios, consoles de videogame, automóveis, refrigeradores, relógios e até sapatos já podem estar conectados à internet por meio de sensores que embaçam a dicotomia entre “real” e “virtual”. As tecnologias digitais “[...] se entrelaçam no tecido da vida quotidiana até se tornarem indistinguíveis” (WEISER apud LEMOS, 2005, p. 5), de maneira que a geração atual de usuários utiliza a internet de maneira praticamente imperceptível. É também de maneira imperceptível que deixamos “rastros dos nossos percursos pelo quotidiano” (LEMOS, 2005, p. 4). Ao ler e-mails, acessar sites ou compartilhar conteúdos em sites de redes sociais, usuários fornecem dados que de alguma forma falam sobre o seu comportamento, personalidade e rotina. A presença de um sensor conectado à internet em um tênis, por exemplo, pode catalogar dados sobre quilometragem percorrida, percurso geográfico atravessado, velocidade e taxa de batimentos cardíacos do seu usuário. A leitura inteligente desses elementos pode levar empresas e governos a conhecerem melhor o seu público, entender suas necessidades e, assim, formatar serviços e produtos que atendam às suas demandas de maneira personalizada, de maneira a beneficiar todas as partes. “Pela instrumentalização, podemos sentir mais coisas, e, se podemos senti-las, nossa tendência é tentar armazená-las” (EATON; DEUTSCH; DEROOS et al, 2012, p. 4, tradução nossa)4. A quantidade exorbitante de rastros digitais deixados na rede cresce à medida que diminui a própria capacidade mundial de guardá-los e processá-los. Este é um desafio: organizações estão diante de um enorme volume de informação, mas não sabem como extrair valor dela, pois a maior parte está em formato bruto ou não-estruturado, de maneira que é difícil saber o que vale a pena guardar. Por conta dessas mudanças, surgiu o conceito de “Big Data”, antes discutido apenas entre profissionais da tecnologia e, agora, cada vez mais problematizado em outras esferas, se mostrando pertinente para todos os setores econômicos. Este artigo busca investigar o conceito de “Big Data” e seu potencial como ferramenta capaz de agregar valor aos serviços de empresas de diversos segmentos, gerando ações mais eficientes de negócio, marketing e novos formatos de publicidade. 2 DEFININDO BIG DATA A cada minuto, 571 novos sites são criados na internet e 204.166.667 mensagens de email são enviadas. A rede móvel ganha 217 novos usuários e o Google recebe mais de 2 milhões de buscas. Consumidores gastam U$272.070 em compras online e a loja da Apple recebe cerca de 47 mil downloads de aplicativos. O Foursquare registra 2.083 check-ins, o YouTube recebe 48 horas de novos vídeos, 684.478 conteúdos são publicados no Facebook, 3.600 fotos são compartilhadas no Instagram e mais de 100 mil tweets são enviados através do Twitter5. A tendência é que todas essas cifras continuem aumentando, à medida que cresce o número de usuários de internet e a sua atividade online em todo o mundo. A cada clique, a cada ação, um rastro de dados é deixado pelos indivíduos. Articular esses dados de maneira a gerar conhecimento que pode ser utilizado para fins econômicos é a questão que está por trás do que se tem chamado de “Big Data”. A quantidade de dados do nosso mundo está explodindo. Empresas capturam trilhões de bytes de informações sobre seus clientes, fornecedores e funcionários, e milhões de sensores conectados estão sendo inseridos no mundo físico em aparelhos como celulares e automóveis, percebendo, criando e comunicando dados. Indivíduos com smartphones e em sites de redes sociais continuarão incrementando crescimento exponencial. Big data – grandes poços de dados que podem ser capturados, comunicados, agregados, armazenados e analisados – é agora parte de cada setor e 4 “Through instrumentation, we’re able to sense more things, and if we can sense it, we tend to try and store it” Fonte: Domo. Data Never Sleeps. Disponível em: <<http://assets.domo.com/resources/data-in-one-min.jpg>>. Acesso em: 03 jun 2013. 5 função da economia global (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 4, tradução nossa6). A presença cada vez maior da internet no dia a dia da sociedade faz com que até as mais simples ações cotidianas de seus cidadãos sejam registradas. Como resultado, 2.5 quintilhões de bytes de dados são gerados diariamente, oriundo de imagens digitais, vídeos, sensores inteligentes, transações eletrônicas, sinais de GPS, entre outros (EATON; DEUTSCH; DEROOS et al, 2012). O aumento nesse volume é justificado, em partes, pelo maior acesso às tecnologias digitais e ao uso cada vez mais frequente que se tem feito delas. […] a habilidade de gerar, comunicar, compartilhar e acessar dados foi revolucionada pelo crescente número de pessoas, dispositivos e sensores que agora estão conectados por redes digitais. Em 2010, mais de 4 bilhões de pessoas, ou 60% da população mundial, utilizavam celulares, e cerca de 12% destes possuíam smartphones, cuja penetração está crescendo mais de 20% ao ano. Mais de 30 milhões de sensores conectados estão presentes em transportes, automotivos, indústrias, utilitários e setores de varejo. O número desses sensores está crescendo numa taxa de mais de 30% ao ano (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 12, tradução nossa)7. Ao utilizar a internet para comparar preços de produtos de diferentes, ler notícias em jornais, se informar sobre doenças, pesquisar locais para suas próximas férias, realizar checkin num restaurante ou simplesmente para trocar e-mails, um usuário comum está fornecendo rastros digitalizados que, quando interpretados, podem gerar um perfil complexo de suas preferências, hábitos e até planos para o futuro. A partir da leitura das atividades citadas, é possível compreender, por exemplo, quais são os assuntos de maior interesse desse usuário, como está sua saúde atualmente, qual sua disponibilidade de gastos para viagens, qual o seu tipo de comida preferido, enfim, um diagnóstico bastante detalhado e personalizado. O Twitter, plataforma digital de micro-blogging, por exemplo, é uma rica base de dados sobre seus usuários. Somente em 2012, foram mais de 400 milhões de tweets enviados 6 “The amount of data in our world has been exploding. Companies capture trillions of bytes of information about their customers, suppliers, and operations, and millions of networked sensors are being embedded in the physical world in devices such as mobile phones and automobiles, sensing, creating, and communicating data. Multimedia and individuals with smartphones and on social network sites will continue to fuel exponential growth. Big data—large pools of data that can be captured, communicated, aggregated, stored, and analyzed—is now part of every sector and function of the global economy”. 7 “[…] the ability to generate, communicate, share, and access data has been revolutionized by the increasing number of people, devices, and sensors that are now connected by digital networks. In 2010, more than 4 billion people, or 60 percent of the world’s population, were using mobile phones, and about 12 percent of those people had smartphones, whose penetration is growing at more than 20 percent a year. More than 30 million networked sensor nodes are now present in the transportation, automotive, industrial, utilities, and retail sectors. The number of these sensors is increasing at a rate of more than 30 percent a year”. por usuários de todo o mundo (MAYER-SCHÖNBERGER; CUKIER, 2013). O conteúdo publicado na mídia social pode informar bastante sobre as opiniões, humores e interações de seus usuários. Desde que o sistema foi lançado, em 2006, muitas empresas têm utilizado a ferramenta para realizar “análises de sentimento”, medir o sucesso de campanhas publicitárias ou verificar pontos que podem ser melhorados em seus serviços. Big Data se refere a esse enorme banco de dados, cujo tamanho está além da habilidade de ferramentas de software comuns de captura, armazenamento, gerenciamento e análise (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011). Dar sentido a essa massa de elementos não-estruturados disposta na rede, a partir de cruzamentos e interpretação, é um esforço capaz de convertê-la em informação passível de agregar valor estratégico para os diversos setores do mercado. Entretanto, a análise articulada desses dados ainda se apresenta como um desafio, não apenas devido a possíveis impedimentos tecnológicos ou escassez de talentos humanos qualificados, mas também por conta de suas implicações éticas. Isso porque o uso de Big Data está diretamente relacionado a questões sensíveis e delicadas para a sociedade atual, como privacidade, segurança e propriedade intelectual. Dados gerados a partir de atividades pessoais, como registros de sensores de localização, movimentações financeiras ou dados de saúde, são de extrema importância para muitos indivíduos, que valorizam sua privacidade e não desejam se sentir invadidos ou vigiados pelas empresas, que, por sua vez, possuem cada vez maior responsabilidade corporativa diante dos variados setores da sociedade (KOTLER, 2010). A preocupação com segurança da informação também é crescente, compatível com a necessidade de proteger dados confidenciais de empresas e pessoas. Embora essas questões precisem ser levantadas, é certo que Big Data tem o potencial de “transformar economias, trazendo uma nova onda de crescimento produtivo e saldo positivo para o consumidor” (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 23, tradução nossa)8. As próximas seções buscam investigar de que forma Big Data pode trazer inovação, a partir de um levantamento teórico de pesquisas sobre o tema e da análise de casos de empresas que se beneficiaram pelo uso dessa ferramenta. 8 “The effective use of big data has the potential to transform economies, delivering a new wave of productivity growth and consumer surplus”. 2 BIG DATA E VALOR ESTRATÉGICO PARA O MARKETING A evolução das sociedades trouxe mudanças irrevogáveis à maneira com que as empresas fazem negócios e trabalham sua imagem. O próprio conceito de marketing teve de se alinhar às tendências, se ajustando para melhor detectar as ansiedades e os anseios humanos. Nos últimos 60 anos, o Marketing deixou de ser centrado no produto e passou a focar nos consumidores. A dinâmica atual fez surgir um modelo de marketing que busca gerar valor para o cliente enquanto ser humano. A isso, Kotler (2010) chama de Marketing 3.0. Segundo ele, as empresas expandiram a abordagem centrada no consumidor para atender também às questões humanas propriamente ditas, buscando “apresentar uma nova perspectiva de negócios que pode transformar a vida dos consumidores” (KOTLER, 2010, p. 60). O autor ainda afirma que: Embora seja essencial oferecer desempenho e satisfação aos clientes no nível do produto, no nível mais elevado, uma marca deve ser vista como algo que realiza as aspirações emocionais e pratica compaixão de alguma forma. Não deve apenas prometer rentabilidade e retorno para os acionistas atuais e futuros, mas também sustentabilidade. Precisa também tornar-se uma marca melhor, diferente e que faz a diferença para os funcionários atuais e futuros (KOTLER, 2010, p. 48). Pesquisas recentes indicam que o uso adequado de Big Data pode desempenhar um papel econômico útil nesse sentido, promovendo inovação, competitividade e produtividade em todos os segmentos. Para o McKinsey Instutute (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011), Big Data pode gerar valor de diversas formas, sendo algumas delas: criar transparência entre empresas e consumidores; descobrir necessidades, expor variáveis e melhorar performance; segmentar públicos para customizar ações; substituir decisões humanas por algoritmos automatizados; gerar novos modelos de negócio, produtos e serviços. Entre os benefícios do uso de Big Data pode proporcionar para os cidadãos, a consultoria cita melhorias na saúde, maior engajamento cívico com o governo, menores preços devido à transparência e maior compatibilidade entre produtos e necessidades de consumidores (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011). Um exemplo de como o Big Data pode ser utilizado para aprimorar a saúde pública é o caso da empresa estadunidense Google, gigante de sistemas de busca online e dona de diversos produtos para web, como YouTube e Gmail. Em 2009, através do rastreamento das buscas realizadas pelos usuários, combinados com modelos matemáticos de disseminação de vírus, a empresa foi capaz de prever a trajetória do vírus H1N1 em tempo real (MAYERSCHÖNBERGER; CUKIER, 2013). A ideia era identificar áreas infectadas pelo vírus da gripe pelo que as pessoas buscavam na internet. Para o setor de varejo, a McKinsey acredita que varejistas são capazes de melhorar sua rentabilidade em até 60%, diminuindo riscos, melhorando análises de consumo e criando ofertas baseadas em geolocalização e sugestões de compra inteligentes. No varejo estadunidense, o uso de tecnologia da informação e de dados digitais tem por décadas sido instrumental para aumentar os lucros de empresas individuais e a produtividade do setor. Nos próximos anos, a adoção e desenvolvimento continuados de big data têm o potencial de aumentar a produtividade do setor em no mínimo 0,5% ao ano até 2020 (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 64, tradução nossa)9. Entre as ações possíveis que utilizam Big Data para alavancar os setores de marketing e merchandising no varejo, a McKinsey cita: venda cruzada; marketing baseado em geolocalização; análise de comportamento em loja; micro-segmentação de clientes; análise de sentimento; fortalecer a experiência multiplataforma do consumidor; otimização de preços; otimização de design e de disposição de produtos. Já para fabricantes, a consultoria aponta que Big Data pode trazer benefícios oriundos da melhoria no design e produção; maior qualidade de produtos; maior ajuste às necessidades do consumidor, através da criação de produtos mais precisamente formatados; promoção e distribuição mais eficientes. Segundo o instituto, fabricantes poderão reduzir o tempo de produção em até 50% e eliminar defeitos mais facilmente, evitando desperdício e retrabalhos (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011). Alguns casos recentes já demonstram os benefícios que o uso eficiente de Big Data pode proporcionar, como veremos a seguir. 3.1 TESCO A Tesco, rede de varejo do Reino Unido e cada vez mais internacional, utiliza Big Data para reduzir custos e aprimorar sua rede de fornecedores. A empresa analisa comportamentos de compra através da análise de dados adquiridos através de seu programa de 9 “In the US retail industry, the use of information technology and digital data has been instrumental in boosting the profitability of individual players and the productivity of the entire sector for decades. In the coming years, the continued adoption and development of big data levers have the potential to further increase sector-wide productivity by at least 0.5 percent a year through 2020”. fidelidade, o Clubcard, desenvolvido em 1995. Quando um novo cliente adere ao programa, a Tesco coleta seus dados básicos, como endereço, gênero, idade, hábitos alimentares. À medida que o cliente realiza compras utilizando o cartão, somam-se a esses dados os hábitos de consumo, que incluem frequência e duração de visitas à loja, compras online, entre outros. Dessa maneira, é possível adquirir informações sistemáticas e precisas sobre as preferências de consumo de cada um de seus clientes. Ao relacionar esses dados com as informações demográficas do consumidor, a empresa pode prever padrões de compra e criar ações de marketing inteligentes. Segundo artigo de Pete Swabey (2013) para a revista Information Age, desde 2006, a Tesco implementou uma equipe de analistas para incrementar ainda mais o uso de Big Data. A partir do cruzamento de dados de compras de clientes com outras variáveis, como, por exemplo, fatores climáticos, a equipe é capaz de modelar padrões de consumo ainda mais detalhados. Há produtos que vendem mais quando o clima está quente, como carne para churrasco, por exemplo, enquanto outros são mais procurados quando o tempo está frio. Ao comparar dados metereológicos com os registros de venda em suas lojas, a Tesco pode ajustar seu estoque baseado na previsão do tempo, para que os produtos mais procurados pelos clientes naquela época não se esgotem. Não se trata apenas de aumentar e diminuir o estoque de um determinado produto de acordo com a temperatura, mas de observar o contexto. O que é considerado um dia quente em certa parte da Inglaterra pode não ser nada de especial numa região litorânea como Brighton. Além disso, mais pessoas podem se interessar pela carne de churrasco quando um dia de sol surge depois de vários dias frios. Agregando essas variáveis ao sistema de cruzamento de dados, a Tesco conseguiu garantir que, em média, 97% de seus clientes entrem na loja e de fato encontrem o que querem. A implementação do sistema levou cerca de dois anos e, até agora, já economizou seis milhões de libras (SWABEY, 2013). A equipe de analistas da Tesco também criou um modelo preditivo que estima o sucesso de promoções para que o estoque da loja seja compatível com a demanda do público. A cada dia, a rede de varejo gerencia milhares de promoções e o controle dessas estratégias era feito por cada loja física, de maneira autônoma, o que limitava a precisão de suas previsões. Para elaborar um sistema capaz de dar conta de todas as promoções realizadas pela rede, a empresa estudou o histórico de suas promoções e mediu diversas variáveis, como, por exemplo, o posicionamento de um produto com desconto na loja e outras ofertas ocorrendo simultaneamente. A partir daí, a Tesco conseguiu aferir informações interessantes – para bens não-perecíveis, como temperos de cozinha, uma oferta “compre e ganhe” funciona melhor do que um desconto de 50%, mas o inverso é válido para itens como frutas e verduras (SWABEY, 2013). Isso permite que a rede de varejo se planeje melhor em relação a seus fornecedores, reduzindo desperdícios e otimizando a segmentação de descontos para seus clientes. Com isso, a Tesco agregou valor à sua marca e obteve retorno na forma de maior lealdade; vendas cruzadas; melhor planejamento de inventário e distribuição de produtos nas prateleiras; otimização de segmentação e uso de promoções de fabricantes; geração de insights sobre seus consumidores. Aos poucos, a infraestrutura de análise de dados está sendo implementada também em suas lojas fora do Reino Unido. 3.2 TARGET Desde 2002, a Target, loja de departamentos estadunidense, passou a rastrear os hábtios de consumo de cada um de seus milhões de clientes nos Estados Unidos, armazenando as pegadas digitais deixadas por eles. Quando um cliente utiliza um cartão de crédito ou de fidelidade da Target, resgata um cupom enviado para sua casa pelos correios, preenche uma pesquisa, telefona para o suporte, abre um e-mail enviado pela Target, visita o site Target.com ou faz compras online, os computadores da empresa tomam nota. Um registro de cada compra é vinculado ao código identificador daquele cliente, junto à informação de seu histórico de compras (DUHIGG, 2012). Segundo Duhigg (2012), a Target também coleta dados demográficos sobre cada um de seus clientes – como idade, estado civil, endereço, renda mensal, número de cartões de crédito na carteira, sites mais visitados e telefones. Outros dados podem incluir etnicidade, histórico de trabalho, revistas mais lidas, o ano que adquiriu (ou perdeu) sua casa, onde fez faculdade, marcas preferidas de café e papel higiênico. Se um cliente utiliza seu cartão de crédito da Target para comprar uma caixa de cereais semanalmente, por volta das 18h30, e sacos de lixo gigantes em julho e outubro, os estatísticos e softwares da Target poderão determinar que ele tem filhos, costuma parar para fazer compras quando volta do trabalho, e possui um gramado que precisa ser aparado no verão e árvores que perdem suas folhas no outono. Nesse sentido, a loja de departamentos criou um modelo capaz de prever se uma cliente estaria grávida a partir de seus hábitos de consumo. Isso porque a gravidez é um dos principais eventos para a maioria das pessoas, impactando diretamente em seus hábitos de compras. A empresa acreditava que se novas mães ou pais começassem a comprar os itens para seu bebê na Target, logo começariam a fazer outras compras na loja, por questão de conveniência. A meta era conquistar essa fidelidade ainda nos primeiros meses da gestação. Ao analisar os registros de compras da Target no setor de bebês, a equipe de analistas da varejista conseguiu observar como os hábitos de compras das mulheres se modificavam à medida que a data de parto se aproximava. A partir daí, certos padrões começaram a ser notados – o consumo de vitaminas, por exemplo, aumenta em mulheres grávidas nas primeiras 20 semanas de gestação. O sistema conseguiu identificar cerca de 25 produtos que permitem que os analistas apontem de maneira precisa a fase da gestação. A partir do sistema, a loja pode enviar cupons promocionais para estimular futuras compras. O problema era saber qual seria a reação das cleientes – afinal, a gravidez é uma informação privada e muitos consumidores poderiam se incomodar pelo fato de que a loja possui um dado que eles não forneceram diretamente. Duhigg (2012) conta que pouco mais de um ano do sistema ter sido criado, um cliente entrou na loja reclamando porque sua filha adolescente havia recebido cupons promocionais para roupas de bebês e berços, acusando a Target de estar estimulando a garota a engravidar. Dias mais tarde, quando o gerente da loja ligou para se desculpar novamente, o cliente revelou que havia conversado com a filha e descoberto que, de fato, ela estava grávida. Esse caso demonstra como a Target precisava ser cautelosa, para não assustar consumidoras que poderiam se sentir “espionadas”. É comum receber cupons de desconto pelo correio, mas certamente seria estranho receber um cartão de felicitações pela chegada de uma nova criança, enviado por uma loja. O material promocional enviado pela Target para clientes grávidas teria que ser muito sutil, para não gerar afastamento. Em meio a cupons promocionais para ofertas de bebês, a empresa também informa sobre descontos em outros setores, de forma que a escolha dos produtos divulgados parece aleatória. O sistema funcionou e, entre 2002 e 2009, as vendas da Target saltaram de U$44 bilhões para U$65 bilhões (DUHIGG, 2012). 3.3 AMAZON.COM Criada em julho de 1995, a Amazon foi a primeira loja virtual do mundo, servindo de modelo de inovação de comércio eletrônico até os dias atuais. A empresa iniciou suas atividades vendendo livros e CDs e no período de um mês já havia feito entregas em 45 países. A partir daí, seguiu crescendo sempre incorporando novidades ao seu portfólio de produtos e serviços, reinventando o próprio livro com o lançamento do Kindle, aparelho eletrônico feito exclusivamente para a leitura de livros em formato digital, em 2007. A Amazon também é considerada uma pioneira no uso estratégico de Big Data. A empresa criou um sistema para recomendar produtos que podem ser do interesse de seus clientes, através da leitura inteligente de suas informações demográficas, histórico de compras, preferências e localização. A partir do cruzamento desses dados, a Amazon é capaz de prever e sugerir produtos que provavelmente irão interessar ao consumidor, numa técnica chamada de filtro colaborativo, com o intuito de aumentar o volume de vendas. A cada vez que um cliente da loja acessa o site com seu login e senha pessoais, ele é impactado por produtos que podem interessá-lo, logo na página principal. Além disso, há uma seção específica de recomendações em que o usuário pode visualizar todas as sugestões personalizadas. O sistema aprende com o feedback do próprio usuário, que pode sinalizar para a loja se a oferta o agradou ou não. À medida que visualiza produtos no site da Amazon, o consumidor também é alertado para outros itens que podem interessá-lo, a partir das tendências de compra de outros indivíduos. Essas estratégias incrementam o tempo de permanência do cliente no site e a probabilidade de venda cruzada. A Amazon chegou a afirmar que 30% do total de suas vendas são oriundos de seu sistema de recomendações (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011). Diversas empresas baseadas no comércio eletrônico, inclusive brasileiras, como o Submarino.com, seguiram o exemplo da empresa e adotaram sistemas de recomendações semelhantes. 3.4 NETFLIX Netflix, empresa multinacional que oferece um extenso catálogo de vídeos sob demanda em diversas plataformas – computadores, tablets, celulares, consoles de videogame ou aparelhos de televisão conectados à internet -, também possui um mecanismo similar. A interface do site é totalmente baseada num sistema de recomendações segmentadas, que está constantemente indicando títulos que podem interessar a um consumidor a partir de suas preferências pessoais. Cada ação do usuário ao assistir vídeos no Netflix deixa dados valiosos sobre ele. Por isso, a empresa conhece muito bem os hábitos e preferências de seus 33 milhões de assinantes. Ela sabe, por exemplo, quais são os seriados televisivos favoritos de seus clientes; em que dia da semana eles preferem assistir filmes de drama ou de comédia; em qual horário; os atores e diretores presentes nos títulos mais assistidos; entre outros. Dessa maneira, quando a Netflix decidiu investir no mercado de produções audiovisuais, eles sabiam que um drama de teor político, estrelado pelo ator Kevin Spacey e produzido pelo diretor David Fincher seria atraente para a maior parte da sua base de assinantes e teria grandes chances de emplacar. Foi assim que surgiu “House of Cards”, série original da Netflix lançada em fevereiro de 2013, que teve todos os doze episódios de sua primeira temporada liberados de uma só vez, para se adequar a outro hábito dos assinantes do sistema: o de assistir a vários episódios de uma mesma série em sequência. A estreia foi sucesso de crítica, se convertendo rapidamente no título mais assistido do catálogo da empresa e um dos programas mais comentados em sites de redes sociais, como o Twitter e o Facebook. 3.5 GOOGLE A Google também demonstra o uso de Big Data para o direcionamento inteligente de anúncios publicitários, a chamada “segmentação contextual”. Anunciando através da plataforma, as empresas poderão, de maneira precisa, atingir um público potencialmente interessado em seus produtos ou serviços. O anunciante pode escolher diversas formas para veicular seus anúncios no Google. Uma delas é no próprio sistema de buscas, exibindo anúncios relacionados aos termos e palavras-chave efetivamente procurados pelos usuários. Ou seja: se alguém busca a palavra “Paris” no Google, o sistema de buscas irá exibir, além dos resultados orgânicos, uma série de links patrocinados que têm relação com a palavra procurada, como ofertas de passagens ou hospedagem na capital francesa. Uma outra forma de anunciar é através da chamada “rede de display” do Google, que funciona da seguinte forma: a partir da análise semântica de textos, imagens ou vídeos publicados através de um dos sites parceiros ou um de seus produtos – como o Gmail, Blogger ou YouTube –, o sistema é capaz de exibir anúncios relacionados ao conteúdo da mensagem interpretada. Por exemplo, numa troca de e-mails entre um estudante e sua faculdade, os interlocutores poderão se deparar com anúncios relacionados a cursos de pósgraduação, intercâmbio em universidades do exterior ou dicas para a realização de monografias. Dessa forma, o usuário é impactado por anúncios relevantes e ajustados ao seu perfil, consequentemente com maior chance de serem revertidos em ações ou vendas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que o fenômeno Big Data significa para a sociedade? A proliferação de dados é apenas mais uma evidência de um mundo cada vez mais intrusivo? Ou o Big Data pode ter um papel econômico útil? Este artigo mostrou que o uso de dados pode agregar valor tanto para empresas quanto para indivíduos, a partir da melhoria de serviços e incremento da transparência para o consumidor. No entanto, ao mesmo tempo, o fenômeno do Big Data pode ser perigosamente utilizado visando uma ultrassegmentação de público boa para a indústria, cômoda para os consumidores, mas detentor de informações que podem ser utilizadas para outros fins não comerciais, que em algum momento passem a incomodar o target, provocando, inclusive, uma sensação de vigilância que pode depor contra a marca. Dessa forma, podemos dizer que o Big Data é uma poderosa ferramenta para o marketing, que pode servir à comunicação e até mesmo determinar estratégias produtivas. O que deve ser observada é a forma como as informações obtidas serão utilizadas, de modo a garantir que questões éticas maiores do que a já questionável forma de apropriação de dados individuais e aparentemente privados não venham à tona. Referências DUHIGG, Charles. The Power of Habit. Why do we do what we do in life and business. Nova York, Random House, 2012. EATON, Chris; DEUTSCH, Tom; DEROOS, Dirk; et al. Understanding Big Data. Analytics for enterprise class hadoop and streaming data. Nova York, McGraw Hill, 2012. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. KOTLER, Philip. Marketing 3.0. As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. LEMOS, André. Cibercultura e mobilidade: a era da conexão. In: XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro/RJ, 2005. Disponível em: << http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/r1465-1.pdf>> Acesso em: 03 de jun. 2013. MANYIKA, James; CHUI, Michael; BROWN, Brad; et al. Big Data: The next frontier for innovation, competition, and productivity. McKinsey Global Institute, 2011. SWABEY, Pete. Tesco saves millions with supply chain analytics. In: Information Age, 2013. Disponível em: <<http://www.information-age.com/technology/informationmanagement/123456972/tesco-saves-millions-with-supply-chain-analytics>> Acesso em: 03 de jun. 2013. MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor; CUKIER, Kenneth. Big Data: life, work and think. Nova York, Houghton Mifflin Harcourt, 2013.