PEGADAS DIGITAIS: “BIG DATA” E INFORMAÇÃO

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Performances Interacionais e Mediações Sociotécnicas
Salvador - 10 e 11 de outubro de 2013
PEGADAS DIGITAIS: “BIG DATA” E INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA SOBRE O
CONSUMIDOR1
Cecília Almeida Rodrigues Lima2
Janaina de Holanda Costa Calazans3
Resumo: O presente artigo se debruça sobre o conceito de “Big Data”, com o objetivo de
investigar seu potencial como ferramenta capaz de agregar valor a empresas de diversos
segmentos, reverberando em estratégias de negócio, marketing e novos formatos de
publicidade. A conexão generalizada à internet formou um cenário em que usuários deixam
cada vez mais rastros digitais sobre seus hábitos. A partir da análise e cruzamento desses
dados não-estruturados, que têm ganhado o nome de “Big Data”, empresas podem conhecer
melhor seus consumidores, entender tendências de consumo e formatar soluções que
beneficiem ambas as partes.
Palavras-chave: Consumo; Big Data; Internet; Marketing.
Abstract: This article aims to study the concept of “Big Data” as a tool capable of adding
value to companies in the most diverse sectors of economy, generating business, marketing
and advertising strategies. The habit of perpetual connection to the internet has created
scenery in which users leave traces about themselves and their lives in the form of digital
data. Through the analysis and interpretation of this un-structured “Big Data”, companies
have a way of knowing their consumers better, understanding consumer tendencies and
generating solutions that bring benefits for both ends.
Keywords: Consumption; Big Data; Internet; Marketing.
1 INTRODUÇÃO
[...] a tecnologia está mudando – do mundo mecânico para o mundo digital, Internet,
computadores, celulares e redes sociais – e isso tem profundo impacto no
comportamento de produtores e consumidores.
Esses e outros desafios exigirão que repensemos o marketing (KOTLER, 2010,
n.p.).
1
Artigo submetido ao NT – Sociabilidade, novas tecnologias, consumo e estratégias de mercado do
SIMSOCIAL 2013.
2
Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, professora da Faculdade
Boa Viagem – [email protected].
3
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, professora da Faculdade
Boa Viagem – [email protected].
Fenômenos como a convergência tecnológica e a informatização da sociedade,
iniciada na década de 70 e hoje plenamente estabelecida na maior parte das cidades ocidentais
desenvolvidas, trouxeram inequívocas modificações para as práticas sociais e para a forma de
consumir e produzir informação. A popularização crescente da internet, a partir da década de
80, passou por transformações tecnológicas e culturais que converteram o computador pessoal
em “computador coletivo” (LEMOS, 2005), conectado ao ciberespaço. O desenvolvimento da
computação móvel e de tecnologias como internet sem fio, laptops, smartphones e tablets
levou as sociedades a um processo de conexão cada vez mais generalizada, de maneira que
estar conectado passou a ser um fator preponderante do nosso cotidiano.
[...] a convergência dos meios de comunicação impacta o modo como consumimos
esses meios. Um adolescente fazendo a lição de casa pode trabalhar ao mesmo
tempo em quatro ou cinco janelas no computador: navegar na internet, ouvir e baixar
arquivos MP3, bater papo com amigos, digitar um trabalho e responder e-mails,
alternando rapidamente as tarefas (JENKINS, 2008, p. 42).
Devido a isso, a conexão à internet passou a estar presente nas mais simples e
corriqueiras atividades do dia a dia de boa parte da população. Televisores, rádios, consoles
de videogame, automóveis, refrigeradores, relógios e até sapatos já podem estar conectados à
internet por meio de sensores que embaçam a dicotomia entre “real” e “virtual”. As
tecnologias digitais “[...] se entrelaçam no tecido da vida quotidiana até se tornarem
indistinguíveis” (WEISER apud LEMOS, 2005, p. 5), de maneira que a geração atual de
usuários utiliza a internet de maneira praticamente imperceptível.
É também de maneira imperceptível que deixamos “rastros dos nossos percursos pelo
quotidiano” (LEMOS, 2005, p. 4). Ao ler e-mails, acessar sites ou compartilhar conteúdos em
sites de redes sociais, usuários fornecem dados que de alguma forma falam sobre o seu
comportamento, personalidade e rotina. A presença de um sensor conectado à internet em um
tênis, por exemplo, pode catalogar dados sobre quilometragem percorrida, percurso
geográfico atravessado, velocidade e taxa de batimentos cardíacos do seu usuário. A leitura
inteligente desses elementos pode levar empresas e governos a conhecerem melhor o seu
público, entender suas necessidades e, assim, formatar serviços e produtos que atendam às
suas demandas de maneira personalizada, de maneira a beneficiar todas as partes.
“Pela instrumentalização, podemos sentir mais coisas, e, se podemos senti-las, nossa
tendência é tentar armazená-las” (EATON; DEUTSCH; DEROOS et al, 2012, p. 4, tradução
nossa)4. A quantidade exorbitante de rastros digitais deixados na rede cresce à medida que
diminui a própria capacidade mundial de guardá-los e processá-los. Este é um desafio:
organizações estão diante de um enorme volume de informação, mas não sabem como extrair
valor dela, pois a maior parte está em formato bruto ou não-estruturado, de maneira que é
difícil saber o que vale a pena guardar. Por conta dessas mudanças, surgiu o conceito de “Big
Data”, antes discutido apenas entre profissionais da tecnologia e, agora, cada vez mais
problematizado em outras esferas, se mostrando pertinente para todos os setores econômicos.
Este artigo busca investigar o conceito de “Big Data” e seu potencial como ferramenta
capaz de agregar valor aos serviços de empresas de diversos segmentos, gerando ações mais
eficientes de negócio, marketing e novos formatos de publicidade.
2
DEFININDO BIG DATA
A cada minuto, 571 novos sites são criados na internet e 204.166.667 mensagens de email são enviadas. A rede móvel ganha 217 novos usuários e o Google recebe mais de 2
milhões de buscas. Consumidores gastam U$272.070 em compras online e a loja da Apple
recebe cerca de 47 mil downloads de aplicativos. O Foursquare registra 2.083 check-ins, o
YouTube recebe 48 horas de novos vídeos, 684.478 conteúdos são publicados no Facebook,
3.600 fotos são compartilhadas no Instagram e mais de 100 mil tweets são enviados através
do Twitter5.
A tendência é que todas essas cifras continuem aumentando, à medida que cresce o
número de usuários de internet e a sua atividade online em todo o mundo. A cada clique, a
cada ação, um rastro de dados é deixado pelos indivíduos. Articular esses dados de maneira a
gerar conhecimento que pode ser utilizado para fins econômicos é a questão que está por trás
do que se tem chamado de “Big Data”.
A quantidade de dados do nosso mundo está explodindo. Empresas capturam
trilhões de bytes de informações sobre seus clientes, fornecedores e funcionários, e
milhões de sensores conectados estão sendo inseridos no mundo físico em aparelhos
como celulares e automóveis, percebendo, criando e comunicando dados. Indivíduos
com smartphones e em sites de redes sociais continuarão incrementando crescimento
exponencial. Big data – grandes poços de dados que podem ser capturados,
comunicados, agregados, armazenados e analisados – é agora parte de cada setor e
4
“Through instrumentation, we’re able to sense more things, and if we can sense it, we tend to try and store it”
Fonte: Domo. Data Never Sleeps. Disponível em: <<http://assets.domo.com/resources/data-in-one-min.jpg>>.
Acesso em: 03 jun 2013.
5
função da economia global (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 4, tradução
nossa6).
A presença cada vez maior da internet no dia a dia da sociedade faz com que até as
mais simples ações cotidianas de seus cidadãos sejam registradas. Como resultado, 2.5
quintilhões de bytes de dados são gerados diariamente, oriundo de imagens digitais, vídeos,
sensores inteligentes, transações eletrônicas, sinais de GPS, entre outros (EATON;
DEUTSCH; DEROOS et al, 2012). O aumento nesse volume é justificado, em partes, pelo
maior acesso às tecnologias digitais e ao uso cada vez mais frequente que se tem feito delas.
[…] a habilidade de gerar, comunicar, compartilhar e acessar dados foi
revolucionada pelo crescente número de pessoas, dispositivos e sensores que agora
estão conectados por redes digitais. Em 2010, mais de 4 bilhões de pessoas, ou 60%
da população mundial, utilizavam celulares, e cerca de 12% destes possuíam
smartphones, cuja penetração está crescendo mais de 20% ao ano. Mais de 30
milhões de sensores conectados estão presentes em transportes, automotivos,
indústrias, utilitários e setores de varejo. O número desses sensores está crescendo
numa taxa de mais de 30% ao ano (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 12,
tradução nossa)7.
Ao utilizar a internet para comparar preços de produtos de diferentes, ler notícias em
jornais, se informar sobre doenças, pesquisar locais para suas próximas férias, realizar checkin num restaurante ou simplesmente para trocar e-mails, um usuário comum está fornecendo
rastros digitalizados que, quando interpretados, podem gerar um perfil complexo de suas
preferências, hábitos e até planos para o futuro. A partir da leitura das atividades citadas, é
possível compreender, por exemplo, quais são os assuntos de maior interesse desse usuário,
como está sua saúde atualmente, qual sua disponibilidade de gastos para viagens, qual o seu
tipo de comida preferido, enfim, um diagnóstico bastante detalhado e personalizado.
O Twitter, plataforma digital de micro-blogging, por exemplo, é uma rica base de
dados sobre seus usuários. Somente em 2012, foram mais de 400 milhões de tweets enviados
6
“The amount of data in our world has been exploding. Companies capture trillions of bytes of information
about their customers, suppliers, and operations, and millions of networked sensors are being embedded in the
physical world in devices such as mobile phones and automobiles, sensing, creating, and communicating data.
Multimedia and individuals with smartphones and on social network sites will continue to fuel exponential
growth. Big data—large pools of data that can be captured, communicated, aggregated, stored, and analyzed—is
now part of every sector and function of the global economy”.
7
“[…] the ability to generate, communicate, share, and access data has been revolutionized by the increasing
number of people, devices, and sensors that are now connected by digital networks. In 2010, more than 4 billion
people, or 60 percent of the world’s population, were using mobile phones, and about 12 percent of those people
had smartphones, whose penetration is growing at more than 20 percent a year. More than 30 million networked
sensor nodes are now present in the transportation, automotive, industrial, utilities, and retail sectors. The
number of these sensors is increasing at a rate of more than 30 percent a year”.
por usuários de todo o mundo (MAYER-SCHÖNBERGER; CUKIER, 2013). O conteúdo
publicado na mídia social pode informar bastante sobre as opiniões, humores e interações de
seus usuários. Desde que o sistema foi lançado, em 2006, muitas empresas têm utilizado a
ferramenta para realizar “análises de sentimento”, medir o sucesso de campanhas publicitárias
ou verificar pontos que podem ser melhorados em seus serviços.
Big Data se refere a esse enorme banco de dados, cujo tamanho está além da
habilidade de ferramentas de software comuns de captura, armazenamento, gerenciamento e
análise (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011). Dar sentido a essa massa de elementos
não-estruturados disposta na rede, a partir de cruzamentos e interpretação, é um esforço capaz
de convertê-la em informação passível de agregar valor estratégico para os diversos setores do
mercado.
Entretanto, a análise articulada desses dados ainda se apresenta como um desafio, não
apenas devido a possíveis impedimentos tecnológicos ou escassez de talentos humanos
qualificados, mas também por conta de suas implicações éticas. Isso porque o uso de Big Data
está diretamente relacionado a questões sensíveis e delicadas para a sociedade atual, como
privacidade, segurança e propriedade intelectual. Dados gerados a partir de atividades
pessoais, como registros de sensores de localização, movimentações financeiras ou dados de
saúde, são de extrema importância para muitos indivíduos, que valorizam sua privacidade e
não desejam se sentir invadidos ou vigiados pelas empresas, que, por sua vez, possuem cada
vez maior responsabilidade corporativa diante dos variados setores da sociedade (KOTLER,
2010). A preocupação com segurança da informação também é crescente, compatível com a
necessidade de proteger dados confidenciais de empresas e pessoas.
Embora essas questões precisem ser levantadas, é certo que Big Data tem o potencial
de “transformar economias, trazendo uma nova onda de crescimento produtivo e saldo
positivo para o consumidor” (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 23, tradução
nossa)8. As próximas seções buscam investigar de que forma Big Data pode trazer inovação, a
partir de um levantamento teórico de pesquisas sobre o tema e da análise de casos de
empresas que se beneficiaram pelo uso dessa ferramenta.
8
“The effective use of big data has the potential to transform economies, delivering a new wave of productivity
growth and consumer surplus”.
2
BIG DATA E VALOR ESTRATÉGICO PARA O MARKETING
A evolução das sociedades trouxe mudanças irrevogáveis à maneira com que as
empresas fazem negócios e trabalham sua imagem. O próprio conceito de marketing teve de
se alinhar às tendências, se ajustando para melhor detectar as ansiedades e os anseios
humanos. Nos últimos 60 anos, o Marketing deixou de ser centrado no produto e passou a
focar nos consumidores. A dinâmica atual fez surgir um modelo de marketing que busca gerar
valor para o cliente enquanto ser humano. A isso, Kotler (2010) chama de Marketing 3.0.
Segundo ele, as empresas expandiram a abordagem centrada no consumidor para atender
também às questões humanas propriamente ditas, buscando “apresentar uma nova perspectiva
de negócios que pode transformar a vida dos consumidores” (KOTLER, 2010, p. 60). O autor
ainda afirma que:
Embora seja essencial oferecer desempenho e satisfação aos clientes no nível do
produto, no nível mais elevado, uma marca deve ser vista como algo que realiza as
aspirações emocionais e pratica compaixão de alguma forma. Não deve apenas
prometer rentabilidade e retorno para os acionistas atuais e futuros, mas também
sustentabilidade. Precisa também tornar-se uma marca melhor, diferente e que faz a
diferença para os funcionários atuais e futuros (KOTLER, 2010, p. 48).
Pesquisas recentes indicam que o uso adequado de Big Data pode desempenhar um
papel econômico útil nesse sentido, promovendo inovação, competitividade e produtividade
em todos os segmentos. Para o McKinsey Instutute (MANYIKA; CHUI; BROWN et al,
2011), Big Data pode gerar valor de diversas formas, sendo algumas delas: criar transparência
entre empresas e consumidores; descobrir necessidades, expor variáveis e melhorar
performance; segmentar públicos para customizar ações; substituir decisões humanas por
algoritmos automatizados; gerar novos modelos de negócio, produtos e serviços. Entre os
benefícios do uso de Big Data pode proporcionar para os cidadãos, a consultoria cita
melhorias na saúde, maior engajamento cívico com o governo, menores preços devido à
transparência e maior compatibilidade entre produtos e necessidades de consumidores
(MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011).
Um exemplo de como o Big Data pode ser utilizado para aprimorar a saúde pública é o
caso da empresa estadunidense Google, gigante de sistemas de busca online e dona de
diversos produtos para web, como YouTube e Gmail. Em 2009, através do rastreamento das
buscas realizadas pelos usuários, combinados com modelos matemáticos de disseminação de
vírus, a empresa foi capaz de prever a trajetória do vírus H1N1 em tempo real (MAYERSCHÖNBERGER; CUKIER, 2013). A ideia era identificar áreas infectadas pelo vírus da
gripe pelo que as pessoas buscavam na internet.
Para o setor de varejo, a McKinsey acredita que varejistas são capazes de melhorar sua
rentabilidade em até 60%, diminuindo riscos, melhorando análises de consumo e criando
ofertas baseadas em geolocalização e sugestões de compra inteligentes.
No varejo estadunidense, o uso de tecnologia da informação e de dados digitais tem
por décadas sido instrumental para aumentar os lucros de empresas individuais e a
produtividade do setor. Nos próximos anos, a adoção e desenvolvimento
continuados de big data têm o potencial de aumentar a produtividade do setor em no
mínimo 0,5% ao ano até 2020 (MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011, p. 64,
tradução nossa)9.
Entre as ações possíveis que utilizam Big Data para alavancar os setores de marketing
e merchandising no varejo, a McKinsey cita: venda cruzada; marketing baseado em
geolocalização; análise de comportamento em loja; micro-segmentação de clientes; análise de
sentimento; fortalecer a experiência multiplataforma do consumidor; otimização de preços;
otimização de design e de disposição de produtos.
Já para fabricantes, a consultoria aponta que Big Data pode trazer benefícios oriundos
da melhoria no design e produção; maior qualidade de produtos; maior ajuste às necessidades
do consumidor, através da criação de produtos mais precisamente formatados; promoção e
distribuição mais eficientes. Segundo o instituto, fabricantes poderão reduzir o tempo de
produção em até 50% e eliminar defeitos mais facilmente, evitando desperdício e retrabalhos
(MANYIKA; CHUI; BROWN et al, 2011).
Alguns casos recentes já demonstram os benefícios que o uso eficiente de Big Data
pode proporcionar, como veremos a seguir.
3.1 TESCO
A Tesco, rede de varejo do Reino Unido e cada vez mais internacional, utiliza Big
Data para reduzir custos e aprimorar sua rede de fornecedores. A empresa analisa
comportamentos de compra através da análise de dados adquiridos através de seu programa de
9
“In the US retail industry, the use of information technology and digital data has been instrumental in boosting
the profitability of individual players and the productivity of the entire sector for decades. In the coming years,
the continued adoption and development of big data levers have the potential to further increase sector-wide
productivity by at least 0.5 percent a year through 2020”.
fidelidade, o Clubcard, desenvolvido em 1995. Quando um novo cliente adere ao programa, a
Tesco coleta seus dados básicos, como endereço, gênero, idade, hábitos alimentares. À
medida que o cliente realiza compras utilizando o cartão, somam-se a esses dados os hábitos
de consumo, que incluem frequência e duração de visitas à loja, compras online, entre outros.
Dessa maneira, é possível adquirir informações sistemáticas e precisas sobre as preferências
de consumo de cada um de seus clientes. Ao relacionar esses dados com as informações
demográficas do consumidor, a empresa pode prever padrões de compra e criar ações de
marketing inteligentes.
Segundo artigo de Pete Swabey (2013) para a revista Information Age, desde 2006, a
Tesco implementou uma equipe de analistas para incrementar ainda mais o uso de Big Data.
A partir do cruzamento de dados de compras de clientes com outras variáveis, como, por
exemplo, fatores climáticos, a equipe é capaz de modelar padrões de consumo ainda mais
detalhados. Há produtos que vendem mais quando o clima está quente, como carne para
churrasco, por exemplo, enquanto outros são mais procurados quando o tempo está frio. Ao
comparar dados metereológicos com os registros de venda em suas lojas, a Tesco pode ajustar
seu estoque baseado na previsão do tempo, para que os produtos mais procurados pelos
clientes naquela época não se esgotem.
Não se trata apenas de aumentar e diminuir o estoque de um determinado produto de
acordo com a temperatura, mas de observar o contexto. O que é considerado um dia quente
em certa parte da Inglaterra pode não ser nada de especial numa região litorânea como
Brighton. Além disso, mais pessoas podem se interessar pela carne de churrasco quando um
dia de sol surge depois de vários dias frios. Agregando essas variáveis ao sistema de
cruzamento de dados, a Tesco conseguiu garantir que, em média, 97% de seus clientes entrem
na loja e de fato encontrem o que querem. A implementação do sistema levou cerca de dois
anos e, até agora, já economizou seis milhões de libras (SWABEY, 2013).
A equipe de analistas da Tesco também criou um modelo preditivo que estima o
sucesso de promoções para que o estoque da loja seja compatível com a demanda do público.
A cada dia, a rede de varejo gerencia milhares de promoções e o controle dessas estratégias
era feito por cada loja física, de maneira autônoma, o que limitava a precisão de suas
previsões. Para elaborar um sistema capaz de dar conta de todas as promoções realizadas pela
rede, a empresa estudou o histórico de suas promoções e mediu diversas variáveis, como, por
exemplo, o posicionamento de um produto com desconto na loja e outras ofertas ocorrendo
simultaneamente. A partir daí, a Tesco conseguiu aferir informações interessantes – para bens
não-perecíveis, como temperos de cozinha, uma oferta “compre e ganhe” funciona melhor do
que um desconto de 50%, mas o inverso é válido para itens como frutas e verduras
(SWABEY, 2013).
Isso permite que a rede de varejo se planeje melhor em relação a seus fornecedores,
reduzindo desperdícios e otimizando a segmentação de descontos para seus clientes. Com
isso, a Tesco agregou valor à sua marca e obteve retorno na forma de maior lealdade; vendas
cruzadas; melhor planejamento de inventário e distribuição de produtos nas prateleiras;
otimização de segmentação e uso de promoções de fabricantes; geração de insights sobre seus
consumidores. Aos poucos, a infraestrutura de análise de dados está sendo implementada
também em suas lojas fora do Reino Unido.
3.2 TARGET
Desde 2002, a Target, loja de departamentos estadunidense, passou a rastrear os
hábtios de consumo de cada um de seus milhões de clientes nos Estados Unidos,
armazenando as pegadas digitais deixadas por eles. Quando um cliente utiliza um cartão de
crédito ou de fidelidade da Target, resgata um cupom enviado para sua casa pelos correios,
preenche uma pesquisa, telefona para o suporte, abre um e-mail enviado pela Target, visita o
site Target.com ou faz compras online, os computadores da empresa tomam nota. Um registro
de cada compra é vinculado ao código identificador daquele cliente, junto à informação de seu
histórico de compras (DUHIGG, 2012).
Segundo Duhigg (2012), a Target também coleta dados demográficos sobre cada um
de seus clientes – como idade, estado civil, endereço, renda mensal, número de cartões de
crédito na carteira, sites mais visitados e telefones. Outros dados podem incluir etnicidade,
histórico de trabalho, revistas mais lidas, o ano que adquiriu (ou perdeu) sua casa, onde fez
faculdade, marcas preferidas de café e papel higiênico.
Se um cliente utiliza seu cartão de crédito da Target para comprar uma caixa de
cereais semanalmente, por volta das 18h30, e sacos de lixo gigantes em julho e outubro, os
estatísticos e softwares da Target poderão determinar que ele tem filhos, costuma parar para
fazer compras quando volta do trabalho, e possui um gramado que precisa ser aparado no
verão e árvores que perdem suas folhas no outono.
Nesse sentido, a loja de departamentos criou um modelo capaz de prever se uma
cliente estaria grávida a partir de seus hábitos de consumo. Isso porque a gravidez é um dos
principais eventos para a maioria das pessoas, impactando diretamente em seus hábitos de
compras. A empresa acreditava que se novas mães ou pais começassem a comprar os itens
para seu bebê na Target, logo começariam a fazer outras compras na loja, por questão de
conveniência. A meta era conquistar essa fidelidade ainda nos primeiros meses da gestação.
Ao analisar os registros de compras da Target no setor de bebês, a equipe de analistas
da varejista conseguiu observar como os hábitos de compras das mulheres se modificavam à
medida que a data de parto se aproximava. A partir daí, certos padrões começaram a ser
notados – o consumo de vitaminas, por exemplo, aumenta em mulheres grávidas nas
primeiras 20 semanas de gestação. O sistema conseguiu identificar cerca de 25 produtos que
permitem que os analistas apontem de maneira precisa a fase da gestação.
A partir do sistema, a loja pode enviar cupons promocionais para estimular futuras
compras. O problema era saber qual seria a reação das cleientes – afinal, a gravidez é uma
informação privada e muitos consumidores poderiam se incomodar pelo fato de que a loja
possui um dado que eles não forneceram diretamente. Duhigg (2012) conta que pouco mais
de um ano do sistema ter sido criado, um cliente entrou na loja reclamando porque sua filha
adolescente havia recebido cupons promocionais para roupas de bebês e berços, acusando a
Target de estar estimulando a garota a engravidar. Dias mais tarde, quando o gerente da loja
ligou para se desculpar novamente, o cliente revelou que havia conversado com a filha e
descoberto que, de fato, ela estava grávida.
Esse caso demonstra como a Target precisava ser cautelosa, para não assustar
consumidoras que poderiam se sentir “espionadas”. É comum receber cupons de desconto
pelo correio, mas certamente seria estranho receber um cartão de felicitações pela chegada de
uma nova criança, enviado por uma loja. O material promocional enviado pela Target para
clientes grávidas teria que ser muito sutil, para não gerar afastamento. Em meio a cupons
promocionais para ofertas de bebês, a empresa também informa sobre descontos em outros
setores, de forma que a escolha dos produtos divulgados parece aleatória. O sistema
funcionou e, entre 2002 e 2009, as vendas da Target saltaram de U$44 bilhões para U$65
bilhões (DUHIGG, 2012).
3.3 AMAZON.COM
Criada em julho de 1995, a Amazon foi a primeira loja virtual do mundo, servindo de
modelo de inovação de comércio eletrônico até os dias atuais. A empresa iniciou suas
atividades vendendo livros e CDs e no período de um mês já havia feito entregas em 45
países. A partir daí, seguiu crescendo sempre incorporando novidades ao seu portfólio de
produtos e serviços, reinventando o próprio livro com o lançamento do Kindle, aparelho
eletrônico feito exclusivamente para a leitura de livros em formato digital, em 2007.
A Amazon também é considerada uma pioneira no uso estratégico de Big Data. A
empresa criou um sistema para recomendar produtos que podem ser do interesse de seus
clientes, através da leitura inteligente de suas informações demográficas, histórico de
compras, preferências e localização. A partir do cruzamento desses dados, a Amazon é capaz
de prever e sugerir produtos que provavelmente irão interessar ao consumidor, numa técnica
chamada de filtro colaborativo, com o intuito de aumentar o volume de vendas.
A cada vez que um cliente da loja acessa o site com seu login e senha pessoais, ele é
impactado por produtos que podem interessá-lo, logo na página principal. Além disso, há uma
seção específica de recomendações em que o usuário pode visualizar todas as sugestões
personalizadas. O sistema aprende com o feedback do próprio usuário, que pode sinalizar para
a loja se a oferta o agradou ou não.
À medida que visualiza produtos no site da Amazon, o consumidor também é alertado
para outros itens que podem interessá-lo, a partir das tendências de compra de outros
indivíduos. Essas estratégias incrementam o tempo de permanência do cliente no site e a
probabilidade de venda cruzada. A Amazon chegou a afirmar que 30% do total de suas
vendas são oriundos de seu sistema de recomendações (MANYIKA; CHUI; BROWN et al,
2011). Diversas empresas baseadas no comércio eletrônico, inclusive brasileiras, como o
Submarino.com, seguiram o exemplo da empresa e adotaram sistemas de recomendações
semelhantes.
3.4 NETFLIX
Netflix, empresa multinacional que oferece um extenso catálogo de vídeos sob
demanda em diversas plataformas – computadores, tablets, celulares, consoles de videogame
ou aparelhos de televisão conectados à internet -, também possui um mecanismo similar. A
interface do site é totalmente baseada num sistema de recomendações segmentadas, que está
constantemente indicando títulos que podem interessar a um consumidor a partir de suas
preferências pessoais.
Cada ação do usuário ao assistir vídeos no Netflix deixa dados valiosos sobre ele. Por
isso, a empresa conhece muito bem os hábitos e preferências de seus 33 milhões de
assinantes. Ela sabe, por exemplo, quais são os seriados televisivos favoritos de seus clientes;
em que dia da semana eles preferem assistir filmes de drama ou de comédia; em qual horário;
os atores e diretores presentes nos títulos mais assistidos; entre outros. Dessa maneira, quando
a Netflix decidiu investir no mercado de produções audiovisuais, eles sabiam que um drama
de teor político, estrelado pelo ator Kevin Spacey e produzido pelo diretor David Fincher
seria atraente para a maior parte da sua base de assinantes e teria grandes chances de
emplacar.
Foi assim que surgiu “House of Cards”, série original da Netflix lançada em fevereiro
de 2013, que teve todos os doze episódios de sua primeira temporada liberados de uma só vez,
para se adequar a outro hábito dos assinantes do sistema: o de assistir a vários episódios de
uma mesma série em sequência. A estreia foi sucesso de crítica, se convertendo rapidamente
no título mais assistido do catálogo da empresa e um dos programas mais comentados em
sites de redes sociais, como o Twitter e o Facebook.
3.5 GOOGLE
A Google também demonstra o uso de Big Data para o direcionamento inteligente de
anúncios publicitários, a chamada “segmentação contextual”. Anunciando através da
plataforma, as empresas poderão, de maneira precisa, atingir um público potencialmente
interessado em seus produtos ou serviços. O anunciante pode escolher diversas formas para
veicular seus anúncios no Google. Uma delas é no próprio sistema de buscas, exibindo
anúncios relacionados aos termos e palavras-chave efetivamente procurados pelos usuários.
Ou seja: se alguém busca a palavra “Paris” no Google, o sistema de buscas irá exibir, além
dos resultados orgânicos, uma série de links patrocinados que têm relação com a palavra
procurada, como ofertas de passagens ou hospedagem na capital francesa.
Uma outra forma de anunciar é através da chamada “rede de display” do Google, que
funciona da seguinte forma: a partir da análise semântica de textos, imagens ou vídeos
publicados através de um dos sites parceiros ou um de seus produtos – como o Gmail,
Blogger ou YouTube –, o sistema é capaz de exibir anúncios relacionados ao conteúdo da
mensagem interpretada. Por exemplo, numa troca de e-mails entre um estudante e sua
faculdade, os interlocutores poderão se deparar com anúncios relacionados a cursos de pósgraduação, intercâmbio em universidades do exterior ou dicas para a realização de
monografias. Dessa forma, o usuário é impactado por anúncios relevantes e ajustados ao seu
perfil, consequentemente com maior chance de serem revertidos em ações ou vendas.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que o fenômeno Big Data significa para a sociedade? A proliferação de dados é
apenas mais uma evidência de um mundo cada vez mais intrusivo? Ou o Big Data pode ter
um papel econômico útil? Este artigo mostrou que o uso de dados pode agregar valor tanto
para empresas quanto para indivíduos, a partir da melhoria de serviços e incremento da
transparência para o consumidor.
No entanto, ao mesmo tempo, o fenômeno do Big Data pode ser perigosamente
utilizado visando uma ultrassegmentação de público boa para a indústria, cômoda para os
consumidores, mas detentor de informações que podem ser utilizadas para outros fins não
comerciais, que em algum momento passem a incomodar o target, provocando, inclusive, uma
sensação de vigilância que pode depor contra a marca.
Dessa forma, podemos dizer que o Big Data é uma poderosa ferramenta para o
marketing, que pode servir à comunicação e até mesmo determinar estratégias produtivas. O
que deve ser observada é a forma como as informações obtidas serão utilizadas, de modo a
garantir que questões éticas maiores do que a já questionável forma de apropriação de dados
individuais e aparentemente privados não venham à tona.
Referências
DUHIGG, Charles. The Power of Habit. Why do we do what we do in life and business. Nova
York, Random House, 2012.
EATON, Chris; DEUTSCH, Tom; DEROOS, Dirk; et al. Understanding Big Data. Analytics
for enterprise class hadoop and streaming data. Nova York, McGraw Hill, 2012.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
KOTLER, Philip. Marketing 3.0. As forças que estão definindo o novo marketing centrado no
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