1 CADERNOS DE PESQUISA IPTAN Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves EDIÇÃO ESPECIAL ADMINISTRAÇÃO E DIREITO Cadernos de Pesquisa São João del-Rei n. 4 p. 1-542 novembro de 2014 2 IPTAN – INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE TANCREDO DE ALMEIDA NEVES DIRETOR PRESIDENTE Dr. Nicolau Carvalho Esteves DIRETOR GERAL Prof. Msc. Ricardo Assunção Viegas DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Prof. Dr. Heberth Paulo de Souza DIRETORA DE GRADUAÇÃO Profª Dra. Maria Tereza Gomes de Almeida Lima COORDENADORA DE PESQUISA Profª Dra. Carla Leila Oliveira Campos COORDENADORA DE EXTENSÃO Esp. Fernanda Joyce da Costa COORDENADORA DE GRADUAÇÃO Profª Esp. Fabíola de Oliveira Alvarenga Av. Leite de Castro, 1.101 – Bairro das Fábricas São João del-Rei / MG – CEP 36.301-182 Tel. (32)3379-2725 E-mail: [email protected] 3 CADERNOS DE PESQUISA Ano IV, n. 4, novembro de 2014 ISSN 2177-6245 Publicação do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves Organizadores: Prof. Dr. Heberth Paulo de Souza Prof. Dr. Sílvio Firmo do Nascimento Secretária: Maria José da Silva 4 CADERNOS DE PESQUISA Ano IV, n. 4, novembro de 2014 Publicação do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves Av. Leite de Castro, 1.101 – Bairro das Fábricas São João del-Rei / MG – CEP 36.301-182 Tel. (32)3379-2725 E-mail: [email protected] 5 SUMÁRIO O princípio da busca do pleno emprego na perspectiva da função social da empresa e da lei falimentar e de recuperação das sociedades empresárias DEILTON RIBEIRO BRASIL CAROLINA TORGA REZENDE MARCUS VINÍCIUS MARTINS ...........................................................................9 Planejamento fiscal e controle interno: a busca por meios legalmente aceitos para amenizar o ônus tributário CAIO RODRIGUES DO VALE CARLA AGOSTINI FÁBIO BRUNO DA SILVA KAIRO WILLIAM DE CARVALHO ....................................................................26 Organizações criminosas MARCOS CARDOSO ATALLA .........................................................................36 Assédio moral nas organizações: uma revisão bibliográfica ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS ÉMERSON DOS SANTOS RIBEIRO MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES PAULO ANDRÉ D’ ASSUNÇÃO MARINA HELENA DE RESENDE ....................................................................46 Revitalização parcial rodoviária do leito desativado da Estrada de Ferro Oeste de Minas: abordagem sobre paradigma do ecoturismo RICARDO CARVALHO COUTO RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES .....................................................................68 Novo Direito Constitucional: uma análise jurídico-filosófica KARINA CORDEIRO TEIXEIRA RAQUEL MARIA VIEIRA BRAGA ....................................................................84 A (in)eficácia da ampla defesa do parlamentar PAULO CÉSAR OLIVEIRA DO CARMO ..........................................................98 Os direitos humanos e sua aplicação frente à crise nos presídios brasileiros: uma análise do sistema carcerário brasileiro à luz dos pensamentos de Hannah Arendt sobre os direitos humanos FÁBIO ABREU DOS PASSOS CLÁUDIA MÁRCIA LACERDA CARDOSO ....................................................112 Improbidade na administração pública ELKE MARA RESENDE NETTO ARMANDO ................................................130 6 Fatores geradores de transtornos psicológicos nas organizações do século XXI AURÉLIO JOSÉ PARREIRA ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS MONIQUE TERRA E SILVA RENATA PINTO DUTRA FERREIRA AUGUSTO CÉSAR DA CUNHA SILVA RESENDE .......................................152 Gestão de conflitos na formação de equipes de trabalho assertivas: uma revisão bibliográfica ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES MONIQUE TERRA E SILVA RENATA PINTO DUTRA FERREIRA RUBENS BASSE GONÇALVES FILHO .........................................................188 A não aplicação de princípios próprios do direito do trânsito e a contribuição para o aumento de lesionados e mortos LUCIANO MACHADO FERREIRA .................................................................211 A preponderância da gestão estratégica de pessoas na execução de projetos organizacionais ANDERSON LUIZ DUARTE CLODOALDO FABRÍCIO JOSÉ LACERDA ...................................................223 Desafios para a (re)construção de uma identidade curricular: a análise do currículo prescritivo do curso de Pedagogia do IPTAN MÁRCIO EURÉLIO RIOS DE CARVALHO ADELAIDE MARIA DO COUTO THAÍS MARLEY FERREIRA DA SILVEIRA ...................................................237 Benefício de prestação continuada: aspectos polêmicos LÍDIA GUIMARÃES VIANINI RAQUEL MARIA VIEIRA BRAGA ..................................................................261 A tutela do patrimônio cultural imaterial e a linguagem dos sinos em São João del-Rei: uma análise dos aspectos jurídico-antropológicos CRISTIANO LIMA DA SILVA KARINA CORDEIRO TEIXEIRA HELTHON RESENDE DE ANDRADE ............................................................276 O processo de venda pessoal como estratégia para fidelização de clientes JÚNIOR MOURA MALAQUIAS ROMANA TOUSSAINT DE PAULA SIMONE PÁDUA TORRES YOLANDA NATHASHA DUTRA DE RESENDE ............................................289 A democracia liberal: uma abordagem histórica MATHEUS BEVILACQUA CAMPELO PEREIRA ............................................305 7 Globalização e flexibilização de direitos trabalhistas frente à unicidade sindical SERGIO LEONARDO MOLISANI MONTEIRO FÚLVIO JACOWSON GOMES .......................................................................316 Três princípios para uma ética ambiental PEDRO HENRIQUE SANTANA PEREIRA ....................................................345 O litisconsórcio ativo necessário no processo civil brasileiro RAFAEL ISAAC DE ALMEIDA COELHO FABRÍZIA LELIS NAIME DE ALMEIDA COELHO ..........................................366 La crisis de 1929 y sus distintas explicaciones y consecuencias LUCIANO ISAAC ............................................................................................388 Uma concepção heterodoxa dos direitos humanos SARA DE CARVALHO CAMPOS FÁBIO ABREU DOS PASSOS .......................................................................400 A importância da educação financeira para uma gestão eficaz das finanças pessoais no Brasil RAFAELA DE SOUSA GODDI LEONARDO HENRIQUE DE ALMEIDA E SILVA ..........................................418 Dano moral WELINTON AUGUSTO RIBEIRO ..................................................................439 Agricultura orgânica – um bom negócio RICARDO CARVALHO COUTO .....................................................................456 4 anos de Dilma, economia e política externa LUCIANO ISAAC RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES ...................................................................463 A importância da captação de recursos e as linhas de crédito mais vantajosas para as IES no Brasil MARA ALBINO DA SILVA ROMANA TOUSSAINT DE PAULA ................................................................475 A percepção dos conflitos organizacionais sob a ótica dos paradigmas de Burrel e Morgan MONIQUE TERRA E SILVA DIANA ALVES PRATES SIMÕES FERNANDA CAROLINA FERNANDES LÍLIAN BEATRIZ FERREIRA ..........................................................................490 8 O papel do líder na gestão de conflitos organizacionais – uma análise da empresa via varejo CAROLINE OLIVEIRA SANTOS ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES MONIQUE TERRA E SILVA THAÍS ANTÔNIA DE SOUSA .........................................................................505 Os desafios da educação no século XXI: reflexões sobre corporeidade e desenvolvimento integral SIMONE PÁDUA TORRES ............................................................................527 9 O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO NA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E DA LEI FALIMENTAR E DE RECUPERAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS Deilton Ribeiro Brasil – IPTAN/FDCL E-mail: [email protected] Carolina Torga Rezende Graduada em Fisioterapia – FFVJM Marcus Vinícius Martins Graduado em Turismo – CESA E-mail: [email protected] Resumo. Este artigo tem por objetivo analisar o princípio da busca do pleno emprego sob a ótica da função social da empresa e da lei falimentar e de recuperação das sociedades empresárias regulamentado pela Lei nº 11.101, de 9-2-2005. O objetivo da lei é o de permitir a adoção de mecanismos que, pondo em relevo os aspectos inequivocadamente institucionais das empresas viáveis, busquem sua reorganização e recuperação econômica, com a consequente preservação de empregos, sem prejuízo da produção e circulação de mercadorias e riqueza. Afinal, o exercício da atividade empresária é a fonte de arrecadação de impostos e de empregos, constituindo-se em um instrumento fundamental para a progressiva eliminação das desigualdades socioeconômicas da pobreza, contribuiindo, ainda, para a melhoria das condições de trabalho e o fomento da atividade econômica. Palavras-Chave: Busca do pleno emprego – Função social da empresa – Falência – Recuperação de empresas Introdução Para Coelho (2005, p. 12) e Cavallazzi Filho (2006, p. 51), a atividade econômica da sociedade empresária vem passando por evoluções, saindo da marcante fase da teoria dos atos de comércio, vista como instrumento de objetivação do tratamento jurídico da atividade mercantil. Isto é, com ela, o direito de empresa deixou de ser apenas o direito de certa categoria de profissionais que são organizados em corporações próprias, para se tornar a disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por qualquer cidadão; para a fase da teoria da sociedade empresária, que possui o acento tônico da comercialidade, em consequência do progresso da técnica e da economia de massa, deslocando-se da noção de ato para a noção de atividade. O exercício profissional da atividade intermediária entre a produção e o consumo de bens impõe uma crescente especialização e a criação de organismos econômicos cada vez mais complexos. Chega-se, assim, ao cabo dessa evolução, numa síntese dos elementos descritos ao 10 conceito de atividade econômica organizada e, portanto, à noção de sociedade empresária (BARRETO FILHO, 1988, p. 22). Para Souza (2003, p. 288), verifica-se que o ponto referencial dessa evolução consiste em situar a sociedade empresária na vida econômica como ente determinante ou como agente executivo da política econômica e, como tal, empenhada no cumprimento dos princípios ideológicos que norteiam toda a ordem jurídico-econômica de uma nação. Dessa forma, da leitura do art. 170, III da Constituição Federal, concluise que a sociedade empresária está ali contemplada como ente integrante de ordem econômica nacional, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa desde que observados os princípios da propriedade privada e da função social da propriedade (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 53). A busca do pleno emprego está relacionada estritamente ao princípio da preservação da sociedade empresária que, por sua vez, interessa ao direito e à economia pela proteção que oferece à continuidade dos negócios sociais (FACHIN, 2001, p. 199). Afinal, o exercício da atividade empresária é a fonte de tributos e empregos. Ou seja, sem preservação da atividade empresária inexiste emprego, razão pela qual não há como valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte fica reservada ao seu imaginário (CASTRO, 2007, p. 43). Em outras palavras, o princípio da busca do pleno emprego corresponde ao da preservação da sociedade empresária (de que é corolário o da recuperação da sociedade empresária). Segundo o qual, diante das opções legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresária e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal consequência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica (GONÇALVES NETO, 1998, p. 99). Constata-se, portanto, que o legislador constituinte, de maneira categórica, pretende evitar que a iniciativa econômica privada possa ser desenvolvida de maneira prejudicial à promoção da dignidade da pessoa humana e à justiça social. Rejeita, igualmente, que os espaços privados, como a família, a sociedade empresária e a propriedade, possam representar uma 11 espécie de zona franca para violação do projeto constitucional (TEPEDINO, 2003, p. 118). Nesse diapasão, Gama e Cidad (2007, p. 25) defendem que a dignidade é valor próprio e extrapatrimonial da pessoa humana, especialmente no contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral. Não há dúvida de que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é o foco principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo imperioso harmonizar a dignidade da pessoa humana ao desenvolvimento da sociedade e, consequentemente, do progresso científico e tecnológico, porquanto este deve inclinar sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de vida das pessoas humanas, e não o inverso. Tem-se, ainda, para Silva (2004, p. 771), que a Constituição Federal pode ser considerada o que a doutrina denomina de Constituição Econômica, justamente por empreender um conjunto de normas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, estabelece os princípios fundamentais de determinada forma de organização e funcionamento da economia e constitui, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica. Essa ordem econômica e financeira não é ilha normativa apartada da Constituição. É fragmento da Constituição Federal, uma parte do todo constitucional, e nele se integra. A interpretação, a aplicação e a execução dos preceitos que a compõem reclamam o ajustamento permanente das regras da ordem econômica e financeira às disposições do texto constitucional que se espraiam nas outras partes da Constituição Federal. A ordem econômica e financeira é indissociável dos princípios fundamentais da República Federativa e do Estado Democrático de Direito. Suas regras visam atingir os objetivos fundamentais que a Constituição colocou na meta constitucional da República Federativa. A ordem econômica e financeira é, por isso, instrumento para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. É a fonte das normas e decisões que permitirão à República garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (HORTA, 1995, p. 301). Para Cavallazzi Filho (2006, p. 40), eventual conflito ou mesmo incompatibilidade, ainda que transitória entre o lucro (compatível com a livre 12 iniciativa da atividade empresária) e a concretização dos Direitos Sociais, a solução jurídica adequada para dirimí-lo deverá privilegiar, ao final, os objetivos sociais. Como consequência, resulta lógico sustentar que a ordem econômica brasileira, a partir da Constituição Federal, defende a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, para que auxiliem – em caráter preferencial – na proteção da dignidade da pessoa humana, afastando, portanto, qualquer possibilidade de desprezá-la. Em outras palavras, a Constituição Federal, quando trata da ordem econômica funcionaliza a atividade econômica para que auxilie na proteção da dignidade da pessoa humana. Conclui-se, portanto, que a Constituição de 1988, fundada no trabalho valorizado e na liberdade de iniciativa, insere a função social como um dos princípios da ordem econômica. Com isso, visou alcançar existência digna para todos (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 40-41). Diante desse contexto constitucional, há que se defender que a preservação da sociedade empresária foi erigida a princípio constitucional, sob pena de não atingir os objetivos pretendidos, dentre os quais, repita-se, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), mesmo porque nem todos os princípios constitucionais estão escritos (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 41). A solidariedade, ou socialidade, é um dos princípios basilares do Estado e deve ser entendida, em primeira colocação, como um elemento essencial de interpretação, na forma de interpretação conforme a Constituição, irradiada pelo princípio maior da democracia social e econômica (CANOTILHO, 1996, p. 340). A circunstância de o legislador constituinte haver incluído no texto constitucional vários princípios e regras tipicamente de direito privado impõe que todas as normas infraconstitucionais de direito civil devam ser interpretadas em conformidade com a Constituição (FACHINI NETO, 2003, p. 38). Na verdade, para Sarmento (2004, p. 338), a solidariedade implica o reconhecimento de que, embora cada um de nós componha uma individualidade irredutível ao todo, estamos também todos juntos, de alguma forma irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade não deve ser o locus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo 13 projetos pessoais antagônicos, mas sim um espaço de diálogo cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam como tais. Para Ávila (2006, p. 35), a comprovação da existência de princípios constitucionais não escritos está no próprio texto constitucional que, ao tratar dos direitos fundamentais, estabelece em seu art. 5º, §§ 1º e 2º, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Não se pode falar, portanto, na concretização dos direitos fundamentais e, por conseguinte, na construção de uma sociedade mais justa e solidária sem enfrentar e destacar o papel desempenhado pelas sociedades empresárias na sociedade contemporânea. Afinal, o exercício dessa atividade econômica não gera apenas deveres e obrigações estabelecidos pelo ordenamento jurídico, como também interesses econômicos para a subsistência dos envolvidos direta e indiretamente, cujo desenvolvimento dessa cadeia produtiva alcança o Estado como um todo (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 136). 1 A busca do pleno emprego O pleno emprego, entendido como a condição do mercado de trabalho na qual todo cidadão disposto a trabalhar encontra ocupação remunerada segundo suas aspirações, qualificações e habilidades, é condição indispensável para construir uma sociedade efetivamente democrática, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, e possibilitar, aos que não dispõem de renda da propriedade, a realização individual, segundo suas potencialidades. Nesse sentido, é a contrapartida social do direito individual de propriedade e a proteção constitucional daqueles que nascem sem direito a herança, mas com direitos de cidadania (ASSIS, 2000, p. 122-123). Em síntese, a busca do pleno emprego figura como um princípio da ordem econômica, consagrando a perspectiva de valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, de modo a assegurar a todos a existência digna, materializando-se como princípio diretivo da economia. Tem como objetivo a redução gradual e progressiva da desigualdade social, decorrente do alto 14 desemprego contemporâneo, tido como um fenômeno estrutural, associado ao rápido desenvolvimento tecnológico das últimas décadas (ASSIS, 2002, p. 1314). O princípio da busca pelo pleno emprego na Constituição Federal de 1988 foi baseado nas ideologias de John Maynard Keynes, economista britânico, que na primeira parte do século XX promoveu uma verdadeira revolução no pensamento econômico, pois reformulou teorias que explicitavam a necessidade de intervenção do Estado na economia como principal meio de promover o efetivo desenvolvimento sócio-econômico. Dessa forma, o autor correlaciona o direito ao trabalho com as políticas públicas, principalmente com as políticas de trabalho e emprego, pois são consideradas importantes instrumentos para se alcançar melhores índices de empregabilidade, o que corresponde à busca do pleno emprego, estabelecida pelo art. 70, inciso VIII, da Constituição Federal. Segundo Fonseca (2003, p. 194), as políticas públicas nada mais são do que uma das formas de materialização do direito ao trabalho, eis que neste caso ele se apresenta como um mandato aos poderes públicos para a consecução de políticas que objetivem o pleno emprego. O pleno emprego decorre de uma democratização das relações de trabalho e pode ser definido como uma condição do mercado onde todos os que são aptos a trabalhar e estão dispostos a fazê-lo encontram trabalho remunerado (ASSIS, 2002, p. 17). A compreensão dos motivos que conduziram o legislador constituinte a estabelecer a busca do pleno emprego como um dos elementos basilares da sistemática jurídica brasileira é bastante simples, pois é a atividade laboral que confere ao trabalhador a remuneração que por ele será utilizada para a digna subsistência sua e de sua família (NITSCHKE JÚNIOR, 2008, p. 24). Ou melhor, visa que todos estejam aptos, de forma igual, a disputar os mesmos cargos empregatícios. Todo aquele que se encontra apto a trabalhar estaria sujeito a uma relação de emprego. Ferreira Filho (1998, p. 356) atribui como significado a criação de oportunidades de trabalho para que todos possam viver dignamente do próprio esforço. Então, mais uma vez é atribuído a empresa e ao governo o dever de incentivar a geração de postos de trabalho, fazendo com que maior parte da 15 população encontre vagas disponíveis, diminuindo o desemprego e como consequência a desigualdade social do país. Porém, em uma sociedade capitalista como a que se encontra hoje, com um mercado de trabalho cada dia mais afunilado e acirrado devido às exigências para se qualificar, esse principio adquire caráter utópico se não houver uma maior intervenção estatal em inúmeros setores, desde o educacional até o de qualificação ocupacional. Segundo Santos (2006), o êxito de uma política de pleno emprego depende diretamente da atuação de agentes desenvolvedores de atividade econômica – empresários. Sendo assim, um programa de promoção de pleno emprego requer a intervenção estatal no sentido de remover entraves econômicos. Assis (2000, p. 119) defende que o instrumento fundamental para a promoção do pleno emprego é a mudança de política econômica monetária e de política fiscal, que depende da mobilização constante da opinião pública e da capacidade das lideranças políticas de implementar uma ação concreta. Maestro Buelga (2002, p. 65) cita, como exemplo, as intervenções destinadas a influenciar diretamente a demanda e a oferta, instrumentadas através de mecanismos tributários e creditícios. E acrescenta que as políticas de mudanças públicas introduzem a possibilidade de influenciar o comportamento dos entes privados e no comportamento do sistema. 2 A função social da empresa Comparato (1990) entende a função social como um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessa hipótese, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. A função social da propriedade não se confunde com as restrições legais quanto ao uso e gozo dos bens próprios. Em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se quando tais bens são incorporados a uma exploração empresária em poder-dever do titular do controle de dirigir a sociedade empresária para a realização dos interesses coletivos. 16 Daí o porquê destas considerações explicarem a inserção da função social da propriedade no âmbito constitucional, bem como da sociedade empresária que, por sua vez, encontrou respaldo no art. 170, III, da Constituição Federal, que o instituiu como princípio da ordem econômica, segundo Cavallazzi (2006, p. 153), uma vez que a sociedade empresária atua não apenas para atender aos interesses dos sócios, mas de toda a coletividade e principalmente dos empregados, finaliza (COMPARATO, 1990). A função social da sociedade empresária se vincula, pois, de sorte imediata, à atividade empresária desenvolvida e pode ser dividida em duas espécies: endógena e exógena, de acordo com os fatores envolvidos. A função social de caráter endógeno diz respeito aos fatores empregados na atividade empresária no interior da produção. Assim, fazem parte dessa espécie as relações trabalhistas desenvolvidas no âmbito empresário; o ambiente no qual o trabalho é exercido; os interesses dos sócios da sociedade empresária não implícitos na relação administradores-sócios etc. A função social da sociedade empresária em seu perfil exógeno leva em conta os fatores externos à atividade desenvolvida pela sociedade empresária. Nesse sentido, são compreendidos nessa espécie de incidência da função social da sociedade empresária: concorrentes, consumidores e o meio ambiente (AMARAL, 2008, p. 119). A título de demonstração de que tanto o perfil exógeno quanto o endógeno foram levados em conta pelo legislador constituinte, para Amaral (2008, p. 120), faz-se imprescindível a transcrição do texto do art. 170 da Constituição Federal, asseverando-se que tal preceito abre as disposições constitucionais acerca da ordem econômica no Estado brasileiro. Vejamos: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I. Soberania nacional; II. Propriedade privada; III. Função social da propriedade; IV. Livre concorrência; V. Defesa do consumidor; VI. Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII. Redução das desigualdades regionais e sociais; VIII. Busca do pleno emprego; 17 IX. Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Amaral (2008, p. 120-121) acrescenta ainda que a transcrição do preceito não só demonstra a preocupação do constituinte com a construção de uma sociedade justa e igualitária, como traz à baila o fato de que, ao serem previstos diversos princípios aplicáveis à ordem econômica, cada um deles deverá ter a mesma importância, mas poderá se moldar mais adequadamente a determinado caso concreto. Da mesma forma, o caput do art. 170 da Constituição Federal traça os limites que deverão ser obedecidos na aplicação dos princípios que integram seu rol, ao delimitar objetivo relativo à existência digna de todos os brasileiros, devendo ser levados em conta os ditames da justiça social, isto é, de uma justa organização social dos componentes da sociedade numa expressa referência ao direito como instrumento social. Também há que se afirmar que a ordem econômica deve ser explicitamente fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Verifica-se, pois, que os fatores exógenos e endógenos da atividade empresária estão presentes em tal artigo da Carta Magna. Afinal, a valorização do trabalho humano, sob o ponto de vista empresário, encontra-se dentre os fatores endógenos da função exercida pela sociedade empresária. No que se refere ao meio ambiente, aos consumidores etc., tem-se expressa preocupação do legislador constituinte com fatores exógenos à função social da sociedade empresária, vez que voltados à coletividade na qual a mesma exerce suas atividades (AMARAL, 2008, p. 121). Nesse sentido, para Carvalhosa (1977, p. 237), a sociedade empresária tem uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Para o autor, existem três principais funções sociais da sociedade empresária: a primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados; a segunda volta-se ao interesse dos consumidores; a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes. E, ainda mais 18 atual, é a preocupação com os interesses de preservação ecológica urbana e ambiental da comunidade em que a sociedade empresária atua. Quanto às outras importantes atuações da função social da sociedade empresária, Brevidelli (2000, p. 5) explica que seus reflexos sobre o contrato de trabalho também são evidentes. Neles, impõe-se a incidência de outro princípio a reger o contrato: a boa-fé objetiva que, por sua vez, pode ser entendida sob dois enfoques: o subjetivo e o objetivo. Para Couto e Silva (1976, p. 29-31), a boa-fé subjetiva refere-se a um estado de consciência que consiste em ignorar que se está prejudicando interesse alheio, protegido ou tutelado pelo direito. A boa-fé objetiva impõe um dever e um padrão de comportamento baseados em lealdade, probidade e confiança recíprocas. Assim, ela permite a concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam de forma honesta, leal e correta. Temse ainda que a boa-fé objetiva incide em três fases: pré-contratual, contratual e pós-contratual. Os deveres de respeito e lealdade, devidos pelo empregador no contrato de trabalho, desdobram-se em: 1. Fase pré-contratual: respeito à privacidade durante a seleção de pessoal, deveres de informação clara e precisa das tarefas a serem desempenhadas e das cláusulas contratuais em questão, respeito às expectativas criadas no candidato; 2. Fase contratual: respeito às cláusulas contratuais, deveres de cuidados com a saúde física e mental do trabalhador (devendo os conceitos de insalubridade serem estendidos quanto ao nível psicológico); 3. Fase pós-contratual: respeito estrito ao Direito Constitucional ao trabalho, inscrito no art. 6º da Constituição Federal, com a consequente proibição de fornecer más referências a novos empregadores potenciais. Para Brevidelli (2000, p. 6), toda a essência da relação de trabalho e a proteção do trabalhador pode ter uma nova dimensão e parâmetro dentro desse novo pensar da sociedade empresária. A questão do trabalho, e até mesmo da efetividade do processo do trabalho, perpassa a maneira como se estruturam as sociedades empresárias, como o Direito as conforma e como permite ou não brechas para que as obrigações empresárias contraídas e os deveres contratuais não sejam cumpridos, favorecendo a instabilidade social, a concentração de riquezas e aumentando o fosso da injustiça social. 19 A função social da sociedade empresária, portanto, acarreta a superação do caráter eminentemente individualista, devendo o direito individual do seu titular coexistir com a funcionalização do instituto, desempenhando, pois, um papel produtivo em benefício de toda a coletividade. A atividade empresária, então, apresenta um caráter dúplice, uma vez que serve não só ao sujeito proprietário, como também às necessidades sociais (CASTRO, 2007, p. 138). A função social da sociedade empresária, então, constitui-se em linha mestra do direito de empresa no Código Civil, o que reforça a opinião da preservação da sociedade empresária como princípio essencial desse diploma legal. Ainda, no que diz respeito à função social da sociedade empresária, registra Tokars (2002, p. 77-96) que a função social significa um paliativo retórico aos efeitos concretos de nossas políticas econômicas, ou seja, traduz uma válvula de escape psicossocial, a qual pode ser definida como instrumento de aparente conquista social que, na realidade, acaba por atuar exatamente de forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista dos interesses sociais. Tem-se, então, que a busca da concretização de uma sociedade mais justa e solidária, com a efetiva participação da sociedade, exige que as sociedades empresárias adotem uma postura positiva no tocante à concretização dos direitos sociais. Essa responsabilidade e dever social das sociedades empresárias, por sua vez, não afastam os deveres inerentes ao Estado. Ao contrário, incumbe ao Estado não só concretizar políticas públicas destinadas à moradia, segurança, saúde e educação, como, também, evitar práticas anticoncorrenciais de determinados grupos de sociedades empresárias. Estado e sociedade empresária, portanto, não mais atuam em setores distintos. Na verdade se completam (CASTRO, 2007, p. 143). Com o mesmo raciocínio, Gama (2007, p. 28) e Barcellos (2002, p. 110113) apontam que a função social do direito civil, como uma das exigências fundamentais do Estado brasileiro, é um aspecto componente do aparato de proteção que se dá ao princípio da dignidade da pessoa humana no sentido de viabilizar a consolidação efetiva dos princípios de igualdade material e justiça social. 20 3 O pleno emprego no processo falimentar e na recuperação de empresas. Com a promulgação da Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que passou a viger a partir do mês de junho de 2005, houve a regulamentação da recuperação judicial, da extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária. Ela se aplica à execução concursal (e aos meios de evitá-la, que passam a ser a recuperação judicial e a extrajudicial) do devedor, sujeito às normas do direito empresário, cuja base inicial teórica encontra suas premissas no livro II da Parte Especial do Código Civil de 2002. Entendeu o legislador que, mantendo a fonte produtora, preservam-se os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores, aqui vistos como interesses imediatos ligados diretamente aos recebíveis e interesses mediatos relacionados à perenização do fornecimento de produtos ou serviços em contribuição direta do credor para a recuperação e preservação da sociedade empresária. Equivale dizer, para Almeida (2006, p. 527), que o objetivo da lei é o de permitir a adoção de mecanismos que, pondo em relevo os aspectos inequivocadamente institucionais da empresa viável, busquem sua reorganização e recuperação econômica, com a consequente preservação de empregos, sem prejuízo da produção e circulação de riqueza. Para a Lei nº 11.101/2005, empresas viáveis são aquelas que reúnem os requisitos subjetivos e objetivos previstos nos artigos 47 e 48 (recuperação judicial) e 161 (recuperação extrajudicial) e que ainda, de acordo com o art. 53, possuam as condições de observar os requisitos do plano de recuperação judicial. Atinge-se, assim, a função social da sociedade empresária e o fomento da atividade econômica, como se pode depreender do art. 47 que bem define o espírito da legislação, segundo Simão Filho (2005, p. 324), A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 21 Para Santos (2006), verifica-se no processo falimentar um tratamento diferenciado aos contratos que tenham como parte o empresário falido. Os contratos recebem tratamento jurídico diferenciado e são afastadas as regras específicas do direito civil, direito do consumidor e direito empresarial. A disposição geral sobre os contratos na falência autoriza a resolução dos bilaterais não cumpridos e dos unilaterais (arts. 117 e 118 da Lei nº 11.101/2005) por decisão do administrador judicial, autorizado pelo comitê de credores que poderá exercer o juízo de conveniência e oportunidade quanto ao cumprimento ou à resolução dos contratos bilaterais não cumpridos ou unilaterais. No entendimento de Coelho (2005, p. 315), é condição para a rescisão que nenhuma das partes tenha dado início, ainda, ao cumprimento das obrigações assumidas, ou seja, o contrato seja unilateral. Excluem-se do âmbito do preceito, portanto, e da possibilidade de serem rescindidos pela decretação da falência, os contratos que, embora definidos como bilaterais pelo direito obrigacional comum, já tiveram a sua execução iniciada por qualquer uma das partes. Em suma, a falência do contratante pode provocar a rescisão do contrato em que ambas as partes assumem obrigações se a sua execução ainda não teve início por nenhuma delas e daquele em que somente uma das partes (unilaterais) se obrigou. Se a falida ou o outro contratante já haviam iniciado a execução do contrato bilateral, cumprindo parcial ou totalmente as obrigações contraídas, a falência não poderá importar a rescisão. Entretanto, nos contratos interempresariais, costuma constar do instrumento a expressa previsão de rescisão na hipótese de falência de um ou de qualquer dos contratantes. Se as partes pactuaram cláusula de rescisão por falência, essa é válida e eficaz, não podendo os órgãos da falência desrespeitá-la. Assim, o contrato se rescinde não por força do decreto judicial, mas pela vontade das partes contratantes, que o elegeram como causa rescisória do vínculo contratual, conclui Coelho (2005, p. 317). Campinho (2006, p. 352) defende a possibilidade de continuidade das relações de trabalho mesmo durante o processo falimentar. Melhor explicando, os contratos de trabalho, cujo empregador é o falido não se resolvem com a falência, uma vez que somente com a cessação das atividades da sociedade empresária é que ocorrerá a causa resolutória desses contratos. Na hipótese 22 de continuidade da relação de trabalho na falência, subsistem ao empregado os direitos advindos da existência do contrato de trabalho (art. 449, CLT) e os créditos dele decorrentes terão prioridade entre os credores concursais até o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos (art. 83 da Lei nº 11.101/2005). Também o art. 141 da Lei nº 11.101/2005 preceitua que: Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo. [...] II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. §2º - Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior. Para Santos (2006), esse dispositivo otimiza e incentiva a aquisição de toda a estrutura empresarial (recursos materiais e imateriais empregados) para que um outro agente econômico possa explorar. É o fim da sucessão empresarial na alienação do estabelecimento para os débitos de qualquer natureza, inclusive os trabalhistas e tributários, tanto na falência como na recuperação judicial. Como afirmado, o vínculo trabalhista entre o adquirente da empresa do falido e os empregados que continuarem trabalhando naquela atividade econômica é novo e as obrigações do antigo empregador não podem ser cobradas do adquirente, estimulando os agentes econômicos na aplicação do princípio da busca do pleno emprego a partir da preservação dos contratos de trabalho bem como do princípio da função social da empresa. Ressalva-se, segundo Coelho (2005, p. 367), a situação de adquirentes que estejam agindo em nome e por conta de um ou mais sócios da sociedade empresária quebrada. Quer dizer, se quem arrematou a empresa ou ativos da falida tiver alguma ligação com os empreendedores e investidores dessa, a sucessão se estabelece. Trata-se de dispositivo destinado a evitar fraudes no manuseio de instituto jurídico de real importância para obtenção dos recursos necessários ao atendimento dos direitos dos credores. Não são beneficiados pela regra de supressão da sucessão, portanto, o sócio da falida (controlador 23 ou não), seu parente, sociedade controladora ou controlada dessa ou quem, por qualquer razão, for identificado como agente do falido. Considerações finais A atividade empresária possui especial relevância para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas uma vez que é fonte geradora de empregos e de recolhimento de impostos e contribuições sociais, organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Ao desempenhar essa atividade, funciona como mecanismo de inclusão social, de promoção da dignidade da pessoa humana e de inserção no mercado de trabalho de todos aqueles que são aptos a trabalhar e que estão dispostos a fazê-lo, competindo ao Estado promover condições macroeconômicas de pleno emprego, mediante à manipulação das políticas fiscal e monetária. Entretanto, Assis (2002, p. 20-21) chama a atenção para o fato de que o direito ao trabalho remunerado, mesmo quando protegido constitucionalmente, não tem uma contrapartida específica que obrigue que ele seja satisfeito pelo setor privado ou pelo setor público empregador. Ele se traduz, analiticamente, como direito coletivo a uma política pública de promoção ao pleno emprego. Certamente, só o Estado dispõe de instrumentos de política econômica para criar condições favoráveis ao pleno emprego no mercado de trabalho. São políticas do lado da oferta (treinamento e reciclagem de mão de obra) e, principalmente, do lado da demanda (gastos e déficit fiscal para financiar os investimentos públicos, redução da taxa de juros, redução da carga tributária, obras públicas, subsídios e incentivos a investimentos privados, oferta de empregos públicos, reforma agrária). O princípio da busca do pleno emprego, como um princípio regulador da ordem econômica, para Santos (2006), encontra amparo e lança seus fundamentos para sua interpretação e aplicação na Lei nº 11.101/2005 que reconhece a importância social da empresa, ao proporcionar a sua recuperação tanto judicial como extrajudicial. O princípio utilizado como critério para a utilização do procedimento de falência ou recuperação judicial é a viabilidade e preservação da empresa. Dessa forma, tem por objetivo viabilizar a superação da crise do empresário, permitindo a manutenção da sociedade 24 empresária, dos empregos e dos interesses dos credores, tem por objetivo preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens e ativos. Daí, para Fazzio Júnior (2005, p. 35), basta a presunção de insolvência da sociedade empresária para justificar a busca de uma solução jurisdicional. O interesse de agir nos processos regidos pela lei falimentar e de recuperação das empresas habita na necessidade de um provimento judiciário apto a dirimir não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas também toda sorte de relações decorrentes, de modo a preservar, se possível, a unidade econômica produtiva. Referências ALMEIDA, Amador Paes. Curso de falência e de recuperação de empresa. São Paulo: Saraiva, 2006. AMARAL, Luiz Fernando de Carmo Prudente. A função social da empresa no direito constitucional econômico brasileiro. São Paulo: SRS Editora, 2008. ASSIS, José Carlos de. Trabalho como direito: fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. ASSIS, José Carlos de. A quarta via: a promoção do pleno emprego como imperativo da cidadania ampliada. São Paulo: Textonovo, 2000. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2006. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. São Paulo: Saraiva, 1988. BREVIDELLI, Sheilla Regina. A função social da empresa: alargamento das fronteiras éticas nas relações de trabalho. São Paulo: USP, 2000. CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1977. CAVALLAZZI FILHO, Tullo. A função social da empresa e seu fundamento constitucional. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1996. CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Preservação da empresa no código civil. Curitiba: Juruá, 2007. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, vol. II. COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005. COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. 25 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2005. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. FONSECA, Maria Hemília. Justiça do trabalho - relação de trabalho versus relação de emprego: uma dicotomia que chega ao fim? In: Jornal do 11º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo, 2003. FONSECA, Maria Hemília. Direito ao trabalho: um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. 2006. 383f. Tese (Doutorado em Direito)Direito das relações sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 2006. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função social no direito privado e Constituição. In: Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007. GONÇALVES NETO, Alfredo Assis. Apontamentos de direito comercial. Curitiba: Juruá, 1998. MAESTRO BUELGA, Gonzalo. La constitución del trabajo en el Estado social. Granada: Comares, 2002. NITSCHKE JÚNIOR, Ademar. A atividade empresarial no Brasil e a ordem econômica na Constituição Federal de 1988: a necessária harmonia para a promoção do desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais [Dissertação de Mestrado]. Curitiba: Unicuritiba, 2008. SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação da função social da empresa na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em: <http://www.conpedi. org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf> Nov. 2006. Acesso em: 05 mai. 2014. SOUZA, Washington Peluso Albino. Primeiras linhas de direito econômico. São Paulo: LTr, 2003. TOKARS, Fábio Leandro. Função social da empresa. In: Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Curitiba: Juruá, 2002. HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. SIMÃO FILHO, Adalberto. Aspectos da desconsideração da personalidade e da sucessão tributária na alienação de ativos no procedimento recuperacional e falimentar. In: Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. TEPEDINO, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo código. In: Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 26 PLANEJAMENTO FISCAL E CONTROLE INTERNO: A BUSCA POR MEIOS LEGALMENTE ACEITOS PARA AMENIZAR O ÔNUS TRIBUTÁRIO Caio Rodrigues do Vale – IPTAN Especialista em Auditoria e Perícia Contábil – UFSJ E-mail: [email protected] Carla Agostini – IPTAN Mestre em Administração – FEAD E-mail: [email protected] Fábio Bruno da Silva – IPTAN Especialista em Controladoria e Finanças – UFSJ E-mail: [email protected] Kairo William de Carvalho – IPTAN Especialista em Controladoria e Finanças – UFSJ E-mail: [email protected] Resumo: O estudo que se segue teve como objetivo geral conjecturar a contribuição do controle interno para o planejamento tributário como ferramenta que possibilite uma considerável redução de gastos empresariais, de forma legal, frente aos tributos recolhidos. A metodologia utilizada neste trabalho foi dedutiva, através de técnicas de pesquisa bibliográfica e documentação indireta. Muitas são as contribuições das técnicas de controle interno para o planejamento tributário que é uma ferramenta imprescindível para as empresas que têmo anseio de diminuir a carga tributária de forma legal, isto é, fazendo uso da elisão fiscal. Diversamente do que o senso comum acredita, a elisão fiscal não é um artifício ilícito de modo a sonegar ou postergar o recolhimento das obrigações tributárias; e, sim, um meio embasado em dispositivos legais, que permitem ao contribuinte, através de um planejamento, optar pela melhor forma de tributação entre as diversas maneiras oferecidas pelo poder público. Este estudo é uma contribuição aos demais estudos na área tributária, pretendendo se desmembrar em estudos futuros sobre o comportamento de impostos como IPI, ICMS, IRPJ entre outros. Palavras-chave: Planejamento Fiscal – Controle Interno – Ônus Tributário Introdução A redução de custos é uma necessidade de todas as empresas brasileiras que estão em condições de alta competitividade; algo que se impõe de forma ainda mais premente no que tange aos custos tributários, dado seu fortíssimo incremento nos últimos anos e sua característica de não gerar benefícios diretos às organizações (OLIVEIRA, p.189, 2009). O presente trabalho faz uma análise sobre a literatura existente a respeito do controle interno e tenta através de suas definições e objetivos demonstrar o quanto ele se faz importante na hora de se fazer um 27 planejamento tributário com o objetivo de buscar uma solução menos onerosa à empresa. O planejamento tributário é uma importante ferramenta de análise para todos os tipos de empresas e a sua eficácia demanda necessariamente um bom controle interno. Uma mensuração errada neste momento pode gerar consequências indesejadas às organizações. A legislação tributária no Brasil é bastante ampla e de difícil interpretação. Alguns autores a qualificam inclusive como onerosa às empresas. Nesse aspecto, a complexidade do controle interno e consequentemente do planejamento tributário está ligada, além da amplitude do sistema tributário, ao tamanho/volume das operações da organização. Assim, além da escrituração fiscal e do controle dos tributos que incidem sobre as atividades de uma empresa, uma das mais importantes funções da contabilidade tributária corresponde ao conjunto de atuações e procedimentos que levaria a uma redução legal do ônus tributário empresarial, recolhendo exatamente o montante que foi gerado em suas operações. Dessa forma, é possível alavancar a rentabilidade e competitividade empresarial. Tal instrumento recebe o nome de planejamento tributário. Maganhin (2006) afirma sobre o tema que: [...] é necessário observar que a carga tributária imposta no Brasil é considerada elevada, tanto para as pessoas jurídicas como pessoas físicas, pois engessa o poder de investimento, tanto de um como de outro, pois, de um lado, as empresas deixam de investir em mão de obra, melhoramento de seus equipamentos, o que ocasionaria maior produção, havendo maior demanda de produtos, aumentando o consumo pela pessoa física, que menos onerada principalmente nos denominados impostos indiretos, aqueles imbutidos nos produtos e bens de consumo passaria a consumir mais. Outro aspecto relevante é a tênue linha existente entre evasão, elisão e elusão fiscal. O planejamento tributário não é caracterizado como elusão ou evasão fiscal, portanto não há impedimento legal. Além do mais, o planejamento tributário não configura a hipótese do não pagamento do tributo, apenas permite ao gestor uma escolha pela melhor maneira do seu recolhimento. 28 Planejar é antecipar-se à realização do objeto de estudo, neste caso, tributário, o que permite ao gestor fazer com que o ônus tributário não afete a lucratividade nem a competitividade da empresa, já que, o tributo tem peso considerável na precificação; Essa pesquisa tem caráter teórico e pretende investigar apenas como os conceitos e definições de controle interno podem auxiliar as empresas que se planejam tributariamente mais precisamente para a redução de seus custos tributários. 1 A legislação tributária brasileira O sistema tributário brasileiro encontra-se instituído nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal - CF, e a lei complementar que o regulamenta é a Lei n. 5.175, de 25 de outubro de 1966, também conhecida como Código Tributário Nacional - CTN, que dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados e aos Municípios. No intuito de resguardar suas obrigações institucionais previstas na Constituição Federal, que tem valor econômico e social, o estado, por sua atividade financeira, precisa obter, gerir e aplicar os recursos indispensáveis às necessidades que assumiu ou que cometeu àquelas outras pessoas jurídicas de Direito Público (BALEEIRO, 1977). A competência da União, dos Estados e dos Municípios, para instituir tributos, encontra-se na CF/88, que também define as limitações do poder da tributação e a repartição das receitas tributárias, bem como da legalidade da tributação. O Código Tributário Nacional – CTN, além das disposições gerais, institui os tributos federais, definindo o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte ou substituto tributário, dentre outras disposições específicas. O CTN também é regulamentado por outras leis, que disciplinam alíquotas, isenções, imunidades, não incidências etc, respeitando sempre o disposto na CF/88. Os Estados e Municípios instituem, mediante lei, os tributos estaduais e municipais, definindo o fato gerador, a base de cálculo, o contribuinte ou substituto tributário, alíquotas, isenções, imunidades, não incidências etc. 29 Para Martins (1998, p. 2), o sistema tributário nacional não é “(...) uma simples justaposição de normas, havendo necessidade de certa coordenação destas entre si e subordinação a princípios coerentes e harmônicos”, cabendo ao profissional da área ter profundo conhecimento e estar constantemente atualizando-se. O sistema tributário no Brasil dificulta que as empresas apresentem um desenvolvimento mais substancial no setor. Em média, 33% do faturamento empresarial é destinado ao pagamento dos tributos recolhidos pelo Estado; o ônus do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o lucro empresas pode representar à entidade das cerca de 51% do lucro líquido apurado, afirma Pesce (2005). 2 O controle interno O controle interno é definido por Crepaldi (2002) e Almeida (2003), como aquele que “representa em uma organização o conjunto de procedimentos, métodos ou rotinas cujos objetivos são proteger os ativos, produzir os dados contábeis confiáveis e ajudar a administração na condução ordenada dos negócios da empresa”. O Instituto de Auditores Internos no Brasil, Audibra (1992, p.48) relata: [...] controles internos devem ser entendidos como qualquer ação tomada pela administração (assim compreendida tanto a Alta Administração como os níveis gerenciais apropriados) para aumentar a probabilidade de que os objetivos e metas estabelecidos sejam atingidos. A alta administração e a gerência planejam, organizam, dirigem e controlam o desempenho de maneira a possibilitar uma razoável certeza de realização. Sendo assim, cabe observar que o controle interno consiste em um complexo sistema de rotinas e procedimentos a ser implementado nas atividades organizacionais, de forma que se possa atingir os objetivos que levaram a organização a estabelecer esses controles. Na administração, existem três significados para a palavra controle, segundo estudos de Chiavenato (1993, p. 262): a) Controle como função restritiva e coercitiva: serve para coibir ou limitar certos tipos de desvios indesejáveis ou de comportamento não aceitos. 30 É também chamado de controle social, pois inibe o individualismo e a liberdade das pessoas, nesse sentido apresenta um caráter negativo e limitativo. b) Controle como sistema automático de regulação: tem como objetivo manter o grau de fluxo ou funcionamento de um sistema. Dentro desse mecanismo de irregularidades controle e se destacam proporcionam possíveis automaticamente desvios a ou regulação necessária para voltar à normalidade. c) Controle como função administrativa: é o controle como parte do processo administrativo, assim como o planejamento, a organização e a direção fazem parte. Em virtude da alta complexidade do sistema tributário nacional, bem como de suas constantes modificações, se faz necessário um constante acompanhamento por parte do profissional contábil acerca das legislações vigentes no país. Ora para cumprir os prazos e determinações legais, ora para beneficiar-se de medidas governamentais que dispensam ou reduzem significativamente as obrigações tributárias. De acordo com Oliveira et al (2009): “É de fundamental importância a realização periódica de auditoria ou revisões fiscais nas áreas tributárias das empresas. Os trabalhos devem ser realizados de forma preventiva, para o aumento da eficácia e eficiência.” Sendo assim, para que se possa traçar um planejamento tributário efetivo, é necessário um levantamento de todos os aspectos relevantes da empresa para mensuração, acompanhamento e controle no que tange às exigências tributárias em questão. 3 Planejamento tributário Entende-se por planejamento tributário, a maneira que, através de estudos da legislação vigente bem como das práticas contábeis aceitas, visa considerável economia legal de impostos. Em geral, o planejamento tributário é usado pela empresa para a redução de seus próprios custos tributários, buscando a fórmula: redução do custo, ganho de escala, diminuição do preço de venda, ganho de mercado (OLIVEIRA, 2009). 31 Assim, é importante que, aliado ao planejamento tributário, a operacionalização da empresa, bem como seus demonstrativos, refleta, na sua totalidade, a realidade da empresa. O tributo é uma variável extremamente onerosa na precificação dos produtos e serviços oferecidos. A mensuração equivocada aqui pode refletir em custos ainda maiores, afetando a competitividade da empresa no mercado. Nas palavras de Oliveira et al (2003), Redução de custos é a estratégia que mais se ouve ser empregada nos dias atuais, em todo o mundo globalizado. Sem dúvidas, para obter o melhor resultado numa economia tão instável como a brasileira, um dos mais significativos instrumentos que dispõem as empresas, para que possam racionalizar seus custos tributários, sem afrontar, as diversas legislações que regem os mais diversificados tributos, é o planejamento tributário, em todas as fases da cadeia de valores do ciclo produtivo comercial. Para tanto, o contador tem que acompanhar a evolução da legislação fiscal de forma que ele possa reduzir a carga tributária da empresa assistida, amparado pela elisão fiscal que segundo Fabretti (2003, p.133), “(...) é licita, pois é alcançada por escolha feita de acordo com o ordenamento jurídico, adotando-se a alternativa legal menos onerosa ou utilizando-se de lacunas na lei.” A elisão fiscal diferencia-se da evasão e da elusão fiscal. A primeira diz respeito ao contribuinte que, por meios ilícitos, visa eliminar, reduzir ou retardar o recolhimento do imposto. Já a segunda consiste em usar negócios jurídicos atípicos ou indiretos com a finalidade de evitar a incidência de norma tributária impositiva (TORRES, 2010). O planejamento tributário pode abranger diversos tipos de empresas. Na prática, quanto maior e mais dinâmica, mais detalhamento será exigido em seu planejamento tributário, o ponto de vista empresarial, Oliveira (2009, p. 207) o planejamento tributário, em face a estrutura gerencial contábil-financeiro, pode ser classificado como: a) Operacional - Refere-se aos procedimentos formais prescritos pelas normas ou pelo costume, ou seja, na forma específica de 32 contabilizar determinadas operações e transações, sem alterar suas características básicas. b) Estratégico - Implica mudança de algumas características estratégicas da empresa, tais como: estrutura de capitais, tipos de empréstimos, contratação de mão-de-obra etc. Oliveira (p. 208, 2009) ainda nos traz três tipos de planejamento tributário na visão jurídica: o preventivo, desenvolvendo-se por intermédio de orientações às atividades de cumprimento da legislação; o corretivo, quando detectada determinada anormalidade, procede-se ao estudo e às alternativas de correção da anomalia; e o especial, decorrente da função da necessidade de expansão empresarial. Para Campos (1985), ainda podemos classificar o planejamento tributário pelo critério das áreas de atuação e conforme o objetivo. Pelo critério das áreas de atuação, ele pode ser: administrativo, por intervenções diretas no sujeito ativo, por exemplo: a consulta fiscal; judicial, pelo pleito de tutela jurisdicional, como em ação declaratória de débito fiscal; e pode ser, interno, com atos realizados dentro da própria empresa, como o Comitê de Planejamento Tributário. Considerando o objetivo, ele pode ser: a) Anulatório – empregando-se estruturas e formas jurídicas a fim de impedir a concretização da hipótese de incidência da norma. b) Omissivo ou evasão imprópria – a simples abstinência da realização da hipótese de incidência; por exemplo: importação proibitiva de mercadorias com altas alíquotas. c) Induzido – quando a própria lei favorece, por razões extrafiscais, a escolha de uma forma de tributação, por intermédio de incentivos e isenções; por exemplo: a compra de mercadorias importadas por meio da Zona Franca de Manaus. d) Optativo – elegendo-se a melhor forma elisiva entre as opções dadas pelo legislador; por exemplo: opção entre a tributação do IR pelo lucro real ou presumido; e) Interpretativo ou lacunar – em que o agente se utiliza das lacunas e imprevisões do legislador; por exemplo: não incidência do ISS sobre transportes intermunicipais; 33 f) Metamórfico ou transformativo – forma atípica que se utiliza de transformação ou mudança dos caracteres do negócio jurídico, a fim de alterar o tributo incidente ou aproveitar-se de um benefício legal; por exemplo, a transformação da sociedade comercial em cooperativa (menor ônus tributário no regime jurídico pátrio). Essas classificações não abrangem todas as formas de planejamento tributário, pois elas são limitadas apenas pela lei e pelos expedientes imaginativos do tributarista. O planejamento pode – e, em geral, é o que ocorre – não se ater só a uma fórmula ou conduta, mas se utilizar de vários métodos interligados. Em virtude da grande maioria dos tributos ter sua base de cálculo apoiada em valores determinados pela contabilidade, o profissional dessa área, com o tempo, torna-se um grande conhecedor das formas práticas de arrecadação e do funcionamento dos tributos, podendo ter participação relevante no planejamento tributário. Como ciência, a Contabilidade tem como finalidade orientar e registrar os fatos administrativos das entidades, permitindo um controle patrimonial e as mutações ocorridas em um determinado período, exercendo, portanto, grande importância na questão ora apresentada, e deve ser instrumento essencial para elaboração de um planejamento tributário eficaz (BORGES, RODRIGUES, RODRIGUES, 1998). Em razão de sua principal ocupação em coordenar e operacionalizar a contabilidade, o contador não tem disponibilidade temporal para atualizar-se constantemente face às mutações legislativas. Essa talvez seja a dificuldade principal para que ele tenha condições de executar um bom planejamento tributário. Considerações finais Observados os aspectos legais das formas de tributação existentes, a própria legislação vigente permite ao contribuinte opção entre diversas maneiras de recolhimento de um dado tributo. Cabe à empresa se organizar e optar por aquela que melhor se encaixa à sua atividade. É nesse momento que se faz presente um estudo tributário, ou planejamento tributário, a partir dos diversos controles internos que podem ser 34 estabelecidas para que, dentro dos vários regimes de tributação, a empresa em questão possa tornar-se competitiva, a começar pela considerável economia de impostos. Para que se possa viabilizar tal estudo tributário, é importante também que a empresa tenha um excelente controle de sua produção, evitando perdas, desperdícios e/ou mensurações equivocadas que possam influenciar negativamente seu planejamento tributário. Cabe destacar que, além do reflexo negativo causado pelo equívoco na mensuração de resultados, a empresa incorre no risco de auto arbitramento e pagamento de penalidade pecuniária, que afeta consideravelmente o resultado da empresa. Este estudo é uma contribuição aos demais estudos na área tributária, pretendendo se desmembrar em estudos futuros sobre o comportamento de impostos como IPI, ICMS, IRPJ entre outros. Referências AUDIBRA – Instituído dos Auditores Internos do Brasil. Normas brasileiras para o exercício da auditoria interna. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti. Auditoria: Um curso moderno e completo. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. BALEEIRO, Aleomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1977. BRASIL. Código Tributário Nacional. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. BORGES, Antônio et al. Elementos de contabilidade geral. 16. ed. Lisboa: Áreas, 1998. CREPALDI, Silvio Aparecido. Auditoria Contábil. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2002. CHIAVENATO, Idalberto. Administração: teoria, processo e prática. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2007. MARTINS, Ives Gandra da silva et al. Comentários ao código tributário nacional. 2 vol. São Paulo: Saraiva, 1998. MAGANHINI, Thais Bernardes. A Função Social do Tributo. In.: I Encontro de Estudos Tributários – ENET. Instituto de Direito Tributário de Londrina. 2006. OLIVEIRA, Gustavo Pedro de. Contabilidade Tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. OLIVEIRA, Luiz Martins de et. al.Manual de Contabilidade Tributária: textos e testes com respostas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009. OLIVEIRA, Luiz Martins de et al.Manual de Contabilidade Tributária. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2003. 35 PESCE, R. A. Planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 533, p. 1-5, 2005. TORRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada/simulação/elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 36 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Marcos Cardoso Atalla – IPTAN Especialista em Direito Público E-mail: [email protected] Resumo: O presente artigo tem como finalidade realizar um estudo referente à nova dinâmica da criminalidade no mundo, especificamente, quanto às organizações criminosas. Trata-se de fenômeno afeto a inúmeros países, não ficando o Brasil imune a tal criminalidade. Serão discutidas, primeiramente, a dificuldade e a demora que o Estado Brasileiro teve em conceituar e tipificar as organizações criminosas. Tal demora impossibilitou a diversos órgãos da persecução criminal realizar um enfrentamento eficaz nas facções criminosas que surgiram na década de setenta. Além disso, será feita referência às diversas facções criminosas pelo mundo, principalmente na Itália, com as famosas máfias, passando pelos cartéis mexicanos, piratas da Somália, além de outras inúmeras organizações criminosas que utilizam o tráfico de drogas, pessoas e outros crimes para se fortalecerem financeiramente. Esta nova roupagem da criminalidade encontra terreno fértil em estados com grande instabilidade social e política, como é o continente africano. Quanto à realidade brasileira, será discutida a origem de facções criminosas, tais como: Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital – PCC. A primeira, surgida com a difusão de presos políticos e comuns no presídio da Ilha Grande no Estado do Rio de Janeiro, durante a ditadura militar. Já o Primeiro Comando da Capital surgiu na década de noventa com a reivindicação de presos políticos nos presídios paulistas. Por fim, serão discutidos e mostrados quais são os instrumentos jurídicos que o Estado Brasileiro possui para combater as facções criminosas, bem como a eficácia dos mesmos.Tal discussão é necessária para chegarmos à conclusão se enrijecimento da normatização será uma solução ideal ou um fomento para a criação de novas organizações criminosas na sociedade brasileira. Palavras-chave: Organização – Criminosa – Combate Introdução No direito penal clássico, estudamos que cada crime tem um sujeito ativo definido e uma vítima conhecida ou definida. Os crimes geralmente eram praticados num espaço territorial limitado com o modus operandi simples e de fácil constatação. Com o passar dos anos e a chegada da era da globalização, a prática do delito não tem mais limitação territorial, expandido para uma complexa rede de envolvidos, onde o iter criminis atravessa as fronteiras de vários países. 37 Nessa realidade, a sociedade movida pelos ditames do mercado capitalista e globalizado floresceu e, em consequência, cresceram as organizações criminosas, que são associações de pessoas bem organizadas e financeiramente fortes, unidas com o único propósito de conquistar poder com práticas reiteradas de crimes, tendo conexões com diversas entidades privadas e públicas. Nas associações criminosas, prevalece uma hierarquia muito forte entre as pessoas e uma fidelidade que vale a vida. Diversos países já enfrentam esse problema há vários anos, como a Itália e os Estados Unidos. No Brasil, foi no começo da década de 70 que surgiram, de forma embrionária, as primeiras organizações criminosas. Este artigo tem o escopo de mostrar e conceituar o que é a organização criminosa, passando a mostrar a realidade do crime em outros países e no Brasil e, por fim, demonstrar que o Estado Brasileiro tem instrumentos jurídicos para combater estas facções criminosas. 1 Conceito de Organização Criminosa Um dos problemas do enfrentamento no Brasil, no que tange à facção criminosa, é sua definição. Mesmo sendo imensa a voracidade do legislador no ramo do direito penal, não tínhamos, até pouco tempo, uma tipificação ou uma definição do que seria uma organização criminosa. A primeira norma que fez menção à organização criminosa foi a Lei n.º 9034/95 que dispunha: “sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”. A referida legislação não definia o que seria organização criminosa, mas apenas instrumentos jurídicos de para combate à referida associação criminosa. Diante dessa lacuna, alguns doutrinadores utilizaram o conceito de organização criminosa como sendo aquele feito pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) que diz que o crime organizado seria Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou 38 indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Essa conceituação era recomendada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ Recomendação n.º 03/2006). Assim, essa orientação estabelecia que um tratado internacional definiria o que seria organização criminosa. Todavia, no Habeas Corpus de n.º 96.007/SP, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar questões sobre a nova lei de lavagem de dinheiro (Lei n.º 12.683/12), entendeu que o conceito de organização criminosa não podia ser extraído da Convenção de Palermo, sob pena de ofender o princípio da reserva legal, garantia individual prevista na Constituição Federal. Nesse ambiente de indefinição e com intuito de proteger os operadores do direito que julgam essas facções criminosas, surgiu a Lei n.º 12.694/12, que “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organização criminosa”. Nessa lei, o juiz, indicando os motivos que possam acarretar risco à sua integridade física, poderá formar um colegiado para decisões cautelares, bem como para dar sentença. Além de outras medidas atinentes à segurança do magistrado, pela primeira vez, o ordenamento jurídico define o que seja organização criminosa. O art. 2º da Lei n.º 12.694/12 reza que: Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa a associação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Passado um ano, entra em vigor uma nova lei sobre a organização criminosa, qual seja, a Lei n.º 12850/2013, tipificando, pela primeira vez, o conceito de organização criminosa no seu art. 1º, § 1º, que estabelece: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direita ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam 39 superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Após esse relato, observamos que existem duas legislações a respeito da definição de organização criminosa, surgindo a dúvida se houve por parte da Lei n.º 12850/13 revogação tácita e parcial da Lei n.º 12694/12. Alguns doutrinadores entendem que é possível conciliar as duas legislações, mas há entendimento contrário, que merece respaldo e que deve prevalecer, como esclarece o professor Lima (2014, p. 479): Não podemos concordar com tal entendimento. Por mais que a lei n.º 12.850/13 não faça qualquer referência à revogação parcial da lei n.º 694/12, especificamente no tocante ao conceito de organizações criminosas, é no mínimo estranho aceitarmos a superposição de conceitos distintos para definir tema de tamanha relevância para o Direito Penal e Processual Penal. 2 Organização Criminosa no Mundo Longe de ser uma realidade brasileira, o fenômeno das organizações criminosas há muito tempo está presente em vários países. Assim, considerando essa realidade, relato apenas algumas facções criminosas mais famosas e a grande repercussão que causaram em virtude de suas atuações, que levando a uma reflexão mundial por parte de organismos internacionais, no intuito de combatê-las. 2.1 Máfia Italiana Descrevo a Máfia Italiana como gênero, pois na Itália há diversas organizações criminosas com denominação de máfia. A mais famosa e antiga é a organização criminosa denominada “Cosa Nostra”, com origem na região da Sicília. Essa facção é totalmente hierarquizada e rígida, como se fosse uma empresa. O tráfico de heroína, lavagem de dinheiro, corrupção e tráfico de armas militares são alguns delitos que sustentam esse grupo. Hoje, essa organização criminosa está mais silenciosa, devido ao fato de que, na década de 80, o Juiz Giovanni Falconi iniciou uma batalha contra a “Cosa Nostra”, culminando no maior processo criminal até então existente na Itália, com 360 mafiosos condenados e o seu chefão “Salvatore Riina” preso em 1993. 40 Outra Organização Criminosa famosa na Itália é a “Camorra”, na região de Nápoles. O que é específico dessa facção é a excessiva demonstração de riqueza, com a exibição de mansões e carros de luxo. É uma máfia com número de membros excessivamente alto, atuando na Espanha, França, Holanda, Estados Unidos, Leste Europeu e na América Latina. Mantém-se pela prática de tráfico de pessoas, drogas, contrabando de cigarros e despejo ilícito de lixo. Por fim, temos na Itália, a “Ndrangheta”, que apesar de ser a máfia menos conhecida, é a mais rica. Tem sua origem na região da Calábria, sendo uma forte distribuidora de cocaína, com estreita relação com os produtores colombianos. 2.2 Cartel Mexicano A guerra declarada dos Estados Unidos contra a droga teve início com sua atuação permanente e compulsiva no território colombiano, o qual era visto pelos mericanos como o maior produtor de cocaína do mundo. Ocorre que esta investida, pelo destino, trouxe um resultado inusitado, ou seja, o fortalecimento de organizações criminosas no México, país vizinho que faz fronteira com diversos Estados Americanos. Segundo afirma o repórter Dutra (2014, p.12), “O combate americano ao tráfico de cocaína sufocou os cartéis colombianos. Em vez de acabar com a droga isso abriu espaço para os sangrentos cartéis mexicanos, cujas disputas já mataram 60 mil pessoas desde 2006.” Os cartéis mexicanos são extremamente violentos e despejam heroína, cocaína, ópio e metanfetamina nos Estados Unidos, pela Califórnia, Novo México e Texas. Podemos citar como principais cartéis: Cartel do Golfo, Cartel de Juarez, Los Zetas, Cartel de Sinaloa e, por fim, Cartel de Tijuana. Juntos, esses cartéis já faturaram, em média, 29 bilhões de dólares no tráfico de drogas. 2.3 Piratas da Somália Com o fim da influência socialista da URSS, a Somália ainda enfrenta em seu território uma verdadeira anarquia em face também inúmeras guerras tribais. Somando a isso, com a influência também de grupos islâmicos, o 41 cenário ficou propício ao surgimento de piratas, que abordam inúmeros navios petroleiros com intuito de saqueá-los, sendo que no período de 2005 a 2012 faturaram quase 400 milhões de dólares. A localização da Somália também ajudou na expansão dessa facção criminosa, pois inúmeros navios petroleiros vindos do Golfo Pérsico passam próximos ao litoral deste país. 2.4 Outras Facções É possível o relato de diversas outras facções criminosas no mundo, mas é importante salientar que estes grupos organizados estão espalhados no mundo inteiro, aproveitando, principalmente, a fragilidade do Estado ou quando a maioria está em grande instabilidade, com uma guerra civil. O objeto e a prática de delitos são os mais variados possíveis: desde o tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, passando ainda pela falsificação de remédios e roupas, até sequestro de crianças. Tudo com a finalidade de lucrar milhões de dólares e demonstrar poder. Estando o Brasil inserido no mundo, não ficaria imune a tal infecção, principalmente com o fenômeno da globalização. É deste fenômeno em terras brasileiras que tratará o próximo tópico. 3 Facções criminosas no Brasil Alguns historiadores defendem que a primeira organização criminosa que imperou no Brasil foi conduzida no agreste nordestino, por Lampião, que, por meio do seu grupo, espalhava terror quando chegava às cidades para saquear e matar, no início do século passado. Entretanto, podemos dizer que as duas facções criminosas mais importantes no Brasil seriam o Comando Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital). 3.1. Comando Vermelho Com a implantação do Estado Novo pelo presidente Getúlio Vargas, foi criada, no litoral do Rio de Janeiro, mais precisamente na Ilha Grande, a Colônia Penal denominada “Cândido Mendes”, que tinha por finalidade abrigar presos políticos. Com o passar dos anos e com a chegada do golpe militar de 1964, os militares utilizaram novamente o referido presídio para custodiar os presos políticos. 42 Também ficaram naquele local os presos que praticavam roubos a bancos e sequestros sem conotação política, mas que se enquadravam na Lei de Segurança Nacional. No início da década de 70, naquele centro de encarceramento ficavam separados os presos políticos e os presos comuns. Todavia, com o passar dos anos, os presos foram misturando e a doutrina de organização e união para reivindicação de direitos foi sendo disseminada para os presos comuns. Estes não aprenderam a prática do crime, mas como estabelece Farias: “(...) o que eles aprenderam foi que suas reivindicações dentro da cadeia poderiam ser ouvidas e atendidas se fossem feitas por todos, como um grupo coeso, e que sua desunião só favorecia seus carcereiros e a administração do presídio”. Com este propósito, no ano de 1979, com a “Falange Vermelha”, posteriormente denominada “Comando Vermelho”, foi consolidado o poder no presídio da Ilha Grande da primeira organização criminosa do Brasil, que, na década de 80 e 90, dominou o comando no morros cariocas para a prática do tráfico de drogas. 3.2 Primeiro Comando da Capital – PCC O surgimento da facção criminosa PCC teve sua origem no interior do “Centro de Readaptação Penitenciária”, anexo à “Casa de Custódia de Taubaté”, na cidade de São Paulo, mais conhecido como “Piranhão”. No início, e segundo alguns escritores, o PCC nasceu após a reunião de detentos em uma partida de futebol e teve como objetivo a luta pela melhoria de condições dos presídios paulistas. Este período, década de 90, foi uma época de estruturação e solidificação dos pilares do Primeiro Comando da Capital. A estrutura do PCC era totalmente formada por segmentos chamados de células, compostos por “soldados” e comandados por “pilotos”. Cada “piloto” era subordinado de uma “torre”, liderança que decidia as atividades desta organização criminosa. De organização interna dos presídios, o PCC passou a mostrar sua cara em 18 de fevereiro de 2001, quando organizou uma Megarrebelião no estado Paulista. 43 O apogeu desta facção criminosa adveio quando ocorreu a maior rebelião da qual se tem notícia no mundo, a chamada “Megarrebelião”, em 18 de fevereiro de 2001. Tal rebelião envolveu 29 presídios com ações simultâneas. O governo estima em 28 mil o números de rebelados reunidos pelo Primeiro Comando da Capital em 19 municípios. Conforme sustentado pelo jornalista Alexandre Silva, para se ter uma ideia da dimensão do ato, a Polícia Civil de São Paulo, no mesmo dia, era formada de 35 mil homens” (2007, apud Shimizu, 2011, p.139). Outra atuação do PCC, de forma ofensiva, foi no ano de 2006, com atentados a agências bancárias, postos policiais e prédios públicos. O Primeiro Comando da Capital é uma organização criminosa de atuação no território brasileiro, funcionando como uma verdadeira empresa, com arrecadação de taxas impostas e prática de crimes, com intuito de manter o poder dentro e fora dos presídios brasileiros. 4 Ordenamento Jurídico no combate às organizações criminosas Com a crescente atuação das facções criminosas e com o reconhecimento das autoridades brasileiras da existência de organizações criminosas, houve por parte do Estado Brasileiro uma reação legislativa de forma desenfreada, que culminou na vigência de diversas normas de enrijecimento e combate às organizações criminosas, que ficou denominada “legislação penal do pânico”. Podemos citar, como primeiro exemplo desta legislação, a Lei n.º 11343/06, que endureceu a pena de tráfico de drogas e possibilitou a diminuição da pena de quem não participasse de organização criminosa. Em relação ao direito processual, foi criado o interrogatório por vídeo conferência, em caso de presos perigosos, e para garantir a ordem pública, afetando o direito de presença que o réu tem em relação ao seu julgador. No ano de 1995, foi editada a primeira lei de combate ao crime organizado, a Lei n.º 9034/95, posteriormente alterada pela Lei n.º 10.217/2001, que criou mecanismos como a interceptação ambiental e infiltração policial. A referida legislação foi criticada em virtude de não definir ou criar um tipo penal referente à organização criminosa. 44 No campo da execução penal, foi criado o RDB – Regime Disciplinar Diferenciado para presos que cometessem, dentro dos presídios, falta grave, isolando o detento e retirando-lhe diversos direitos. Já no ano de 2012, com o intuito de proteger magistrados que atuam em processos referentes à organização criminosa, entrou em vigor a Lei n.º 12.694/12, que criou o juízo colegiado para julgamentos de crimes praticados por organização criminosa. Essa lei foi a primeira a definir o que seria organização criminosa, revelando que se trata de associação de mais de três pessoas. Todavia, no ano seguinte, veio a mais completa lei sobre o crime organizado, a Lei n.º 12.850/2013, que: “define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal”. A referida norma legal foi um avanço no que tange à definição e tipificação do conceito de organização criminosa, além de avançar em inúmeros instrumentos no combate e investigação por parte do Estado. Podemos citar os institutos jurídicos como: colaboração premiada, captação ambiental, ação controlada, além de mecanismos já existentes, tais como: acesso a registros de ligações telefônicas, dados cadastrais de bancos, interceptação telefônica, afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, e infiltração por parte de policiais. Enfim, além da tipificação, essa nova legislação trouxe importantes mecanismos de controle e combate às organizações criminosas, que darão aos órgãos estatais mais eficiência no combate a essas facções criminosas. Considerações Finais A abordagem deste artigo teve a finalidade de demonstrar que as organizações criminosas não estão no imaginário dos jornalistas ou são apenas uma realidade no mundo do cinema. Trata-se de assunto e problema real e grave, que as autoridades públicas têm o dever de reconhecer e trabalhar para combatê-las, sob pena do crescimento e fortalecimento dessas facções. Longe de ser uma realidade no território brasileiro, pelo contrário, países como Itália, Estados Unidos e grande parte da Europa há muito tempo vêm enfrentando essa nova roupagem da criminalidade. É dever do Estado 45 brasileiro coopera e procurar ajuda no sentido de assinar tratados de cooperação, pois as organizações criminosas não têm limite territorial, expandido-se por diversos países. No âmbito nacional, é necessário o aprimoramento da legislação, dando instrumentos eficazes aos órgãos de persecução criminal para o combate a essas facções. É evidente o necessário equilíbrio, pois não podemos, como já foi falado, em nome da legislação penal do pânico, bem como do direito penal do inimigo, desprezar e anular as garantias constitucionais. É necessário também entender que o enrijecimento e a repressiva política criminal não trazem nenhuma solução. Pelo contrário, aumentam o problema, pois sabemos que, na realidade brasileira, as facções criminosas tiveram seu berço nos presídios estatais. Cabe, enfim, aos governantes, admitir essa nova delinquência e munir os órgão estatais de eficientes instrumentos de inteligência para o combate dessas organizações criminosas, sob pena de, caso ocorra omissão, surgir um estado paralelo onde imperam a força, a desordem e a violência. Referências LIMA, R. B. Legislação especial comentada, Salvador: Juspodivm, 2014, SHIMIZU, Bruno. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas, São Paulo: Ibccrim, 2011. DUBRA, P. I. Los carniceiros:crime organizado. Super Interessante, São Paulo: Abril, 2014. SOUTHWELL, David. A história do crime organizado, São Paulo: Escala, 2014. 46 O ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN Especialista em Gestão de Pessoas Émerson dos Santos Ribeiro – IPTAN Especialista em Matemática – OFIJ Márcio Lobosque Senna Neves – IPTAN Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ Paulo André d’ Assunção – IPTAN Especialista em Logística e Finanças – UFSJ Marina Helena de Resende Graduada em Administração – IPTAN Resumo: Este artigo tem como objetivo conceituar o assédio moral, enfatizando sua prática nas organizações e, diante disso, mostrar as consequências trazidas para as vitimas do assédio, para os assediadores e, também, para a empresa. Várias doenças, algumas mais graves que as outras, podem afetar o assediado, na sua vida pessoal e profissional, prejudicando o seu rendimento dentro da organização. O assédio moral é um grave problema a ser sanado e necessita da intervenção jurídica para que isso ocorra. Daí o surgimento de leis para punir os agressores morais e as empresas que, de certa forma, “acobertam” essa situação desagradável. Palavras-chave: Assédio moral – Doenças – Rendimento – Intervenção jurídica Introdução O assédio moral dentro das empresas pode ser muito comum e seus efeitos nos trabalhadores são visíveis, uma vez que implicam em transtornos mentais e físicos. O assédio moral expõe o trabalhador a situações humilhantes e/ou constrangedoras por períodos longos, com o objetivo de desestabilizá-lo, por qualquer que seja o motivo. O assediador passa a ter um poder sobre o assediado, que começa a trabalhar sob pressão. As práticas de assédio podem envolver calúnias, xingamentos ou piadas, afetando a vida pessoal do trabalhador, sua produtividade e, consequentemente, toda a organização, uma vez que os desequilíbrios na saúde do funcionário trazem consequências na qualidade dos serviços prestados e no nível de produção, afetando o lucro e os custos da organização. O assedio pode acontecer em toda organização e muitos não ficam cientes, sendo sua discussão de extrema importância para a sociedade, uma vez que em pleno século XXI a ocorrência desta situação ainda é um tabu, 47 sendo encoberta e não divulgada, o que torna o colaborador assediado uma vítima sem suporte para enfrentar o problema. O assediador pode ser uma única pessoa que está no ambiente de trabalho ou, até mesmo, um grupo de pessoas, e esse tipo de ação ataca a autoestima do outro de tal forma que afetará seu rendimento, sua vida pessoal e profissional. Assim, o assediado fica submisso ao assediador e, na maioria dos casos, os assediados omitem a ocorrência, seja por medo ou por vergonha e é aí que a organização deverá atuar, defendendo os direitos dos trabalhadores, bem como o bom clima de trabalho e a preservação das condições emocionais e psicológicas das pessoas. Dessa forma, o tema proposto neste trabalho pretende contribuir para uma visão acerca desse assunto, através da discussão das leis sobre o assédio. Diante dessa situação, surge o seguinte problema a ser analisado: quais os danos causados à saúde do trabalhador e quais as consequências no ambiente de trabalho quando da ocorrência de assédio moral nas organizações? Este artigo possui por objetivo geral, portanto, analisar as causas e consequências do assédio moral nas organizações visando a melhoria do ambiente de trabalho. Para tanto, faz-se necessário no desenvolvimento do trabalho conceituar assédio moral, diferenciando-o de assédio sexual; identificar as possíveis causas do assédio Moral nas organizações; apontar as leis que amparam o assediado perante tal situação; relatar as possíveis consequências trazidas pelo assédio, como por exemplo, doenças e transtornos, através de uma revisão bibliográfica sobre o assunto. Como metodologia o trabalho consistirá em uma revisão bibliográfica sobre o tema e será realizado através de pesquisas em livros que versam sobre o assédio, bem como artigos científicos e de sites especializados, revistas e periódicos, jornais, monografias, dissertações e teses, para, dessa forma, trazer ao leitor uma visão mais apurada do tema em sintonia com o atual cenário em que as pessoas se relacionam. 1 Conhecendo o assédio moral É possível dizer que o Assédio Moral é tão antigo quanto a própria relação trabalhista. Essa destruição moral sempre existiu, tanto no sentido 48 pessoal quanto no profissional, porém, principalmente nas organizações, permanece oculta, muitas vezes, pelo medo de perder o emprego. Existem vários conceitos para assédio moral, essas definições variam de acordo com o enfoque, por exemplo, o enfoque médico, psicológico e jurídico. Nesta seção serão abordados os conceitos de Assédio Moral, bem com a sua história, diferenciando-o do assédio sexual e, por fim, discutindo como a organização pode perceber a ocorrência do mesmo. 1.1 Caracterização do Assédio Moral A expressão Assédio Moral varia de termos como mobbing,bullying ou harassment, que foram utilizados por diversos pesquisadores que deram diferentes enfoques ao assunto. O termo mobbing foi utilizado pela primeira vez por Konrad Lorenz, em 1968, que queria denominar “os ataques de um grupo de pequenos animais que ameaçam um animal maior”. Depois em 1972, Paul Heinemann, médico renomado, utilizou esse termo para definir o comportamento perverso de grupos de crianças em relação a um colega na escola. Heinz Leymann, psicólogo do trabalho, encontrou um comportamento similar no ambiente de trabalho e usufruiu da expressão, tornando-se o pioneiro no estudo do mobbing. Assim, segundo Hirigoyen, (2001, p. 65), Psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta, [...] esse fenômeno foi estudado principalmente nos países anglo-saxões e nos países nórdicos, sendo qualificado de mobbing, termo derivado de mob (horda, bando, plebe), que implica a ideia de algo importuno. O termo Bullying é um termo que foi originado de uma situação de ameaça e agressão física dentro das escolas. Já o termo harassment foi utilizado pelo psiquiatra Brodsky. Segundo esse pesquisador, o trabalhador se vê assediado não só por pessoas, mas também por fatores, como por exemplo, a rotina monótona, tempo de serviço, a pressão de cumprimento de metas, entre outras. Dessa forma, Orson Camargo, mestre em sociologia pela UNICAMP define bullying: 49 Bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder. Em relação ao assédio moral, Guedes (2008, p. 33), afirma: O Assédio Moral representa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, direção, gerente, chefe, superior ou colegas, que representam uma atitude de continua e ostensiva perseguição apta a desencadear danos Às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais do alvo. E, para Hirigoyen (2001, p.65), psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta, Por assédio Moral em local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestandose, sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degredar o ambiente de trabalho. Dessa forma, pode-se entender por assédio moral qualquer atitude que pode prejudicar a saúde física e/ou mental do trabalhador, oferecendo danos à sua personalidade, colocando até mesmo seu emprego em perigo. Complementando, segundo Barreto (2000, p.14), médica do trabalho, Assedio Moral no trabalho é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração. Na literatura, também se encontram algumas explicações para o termo Assédio Moral, como sendo a exposição dos trabalhadores a situações 50 humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e sem ética. Assim, para Barreto (2004), [...] uma exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. Atualmente, o individualismo nas relações de trabalho está mais aflorado, uma vez que a pressão por produtividade e a distância entre os cargos nas estruturas hierárquicas impossibilitam uma comunicação direta entre os colaboradores, criando, assim, uma desigualdade no ambiente de trabalho e a desumanização entre os funcionários. Existem assédios empresariais cujos métodos de tortura têm cunho sexual, e a tortura psicológica, nesse caso, é de igual valor ou até maior do que no assédio moral. Assim, torna-se necessário diferenciar assédio moral de assédio sexual. 1.2 Assédio Moral X Assédio Sexual O assédio moral e o assédio sexual, embora afetem o colaborador, são distintos. Pode-se dizer que o assédio sexual afeta o empregado moralmente, uma vez que trará constrangimento ao mesmo. Ele pode ser configurado por gestos, palavras e atos que tem por finalidade constranger e molestar alguém contra a vontade. O assédio sexual pode ocorrer: Do superior com o subordinado, que é a pior forma, pois envolve o poder entre o dominante e o dominado; Entre colegas de equipe, nesse caso pode ser por chantagem ou por atração; 51 Do subordinado com o superior, é a forma mais difícil de acontecer, mas não impossível. Então, de acordo com a Cartilha do Ministério do Trabalho e Emprego (2013, p. 34): “o assédio é uma forma de abuso de poder no trabalho, e pode ser visto como uma chantagem ou intimidação.” Nesse caso, o assediador não aceita a palavra não como resposta. Desde 1976, o sistema judiciário americano reconhece o assédio sexual como forma de discriminação. Já na França ele é reconhecido como infração, pois inclui chantagem. Segundo Hirigoyen (2001, p.65), “[...] o assediador não admite que a mulher visada possa dizer não. Aliás, se ela o faz, sofre em revide humilhações e agressões.” Já segundo Nascimento (2007 p. 117), Presidente honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho: O assédio sexual configura-se mediante uma conduta reiterada, nem sempre muito clara, por palavras, gestos ou outros atos indicativos do propósito de constranger ou molestar alguém, contra sua vontade, a corresponder ao desejo do assediador, de efetivar uma relação de índole sexual com o assediado. Segundo a Lei Penal (Lei n. 10.224, de 13 de maio de 2001, DOUde 16.5.2001, em seu Art. 216-A):“[...] constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico”. Não se pode confundir o assédio sexual com um simples ato de galanteio ou paquera no ambiente de trabalho. O assedio sexual é algo que se caracteriza quando a vítima não mostra interesse de corresponder ao assediador e este passa a forçar emocionalmente com perseguições, ofensas e grosserias. É necessário que a organização se comprometa a analisar casos do tipo para evitar futuros problemas maiores, que a afetem como um todo. A Organização Internacional do Trabalho – OIT – definiu o assédio o assédio sexual como atos de insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem umas das características a seguir: a) ser uma condição clara para dar ou manter o emprego; b) influir nas promoções na 52 carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima. Existem duas formas distintas de se configurar o assédio sexual com características diferenciais, que são o assédio sexual por chantagem e o assédio sexual por intimidação. A primeira forma tem como pressuposto o abuso de autoridade, referindo-se ao nível hierárquico, quando a pessoa exerce qualquer tipo de poder sobre a vítima. Já a segunda forma é aquela que se caracteriza por incitações sexuais importunas, pode ser verbal ou física, com o intuito de prejudicar ou criar uma situação ofensiva, hostil, intimando a vítima. Definindo assédio sexual, a próxima seção retratará a percepção do assédio moral nas organizações. 1.3 Percepção do assédio moral no ambiente de trabalho Primeiramente, é importante dizer que conflitos empresariais são comuns e inevitáveis dentro das organizações e acabam sendo até saudáveis, isto é, quando esses conflitos favorecem para a alavancagem do local. Este não é o caso do Assédio Moral que, ao contrário dos conflitos, não é nada proveitoso para a empresa, fazendo do ambiente de trabalho um lugar tenso, carregado e estressante. Assim, segundo Darcanchy (2005, p. 258), doutora e mestre em direito das relações pessoais, “o assédio Moral instala-se sorrateiramente, sem que a vítima perceba, num processo gradativo de envenenamento psíquico e afetivo da vitima que, aos poucos, reflete-se em seu corpo.”. O assédio moral surge de modo inofensivo, sem maldade e propaga-se como algo traidor, vagarosamente, destruindo a vítima. Em primeira instância, o assediado se mostra forte perante a situação, não querendo demonstrar-se ofendido, e, um segundo momento, os ataques aumentam de forma mais profunda e avassaladora, deixando a vítima acuada e amedrontada, passando assim a ficar submissa ao agressor, surgindo então as doenças psicológicas mais comuns. Assim, segundo Hirigoyen (2001, p. 66), Essa guerra psicológica no local de trabalho agrega dois fenômenos: - o abuso de poder, que é rapidamente desmascarado e não é necessariamente aceito pelos empregados; - manipulação perversa, que se instala de 53 forma mais insidiosa e que, devastações muito maiores. no entanto, causa Hirigoyen (2002, p. 108) salienta, ainda, que o desprezo pelo outro é o primeiro passo em direção ao assédio moral e à violência. É uma tática inconsciente para manter o domínio e desqualificar as pessoas. Para melhor entendimento, segue uma listagem, no quadro 1, dos grupos de atitudes hostis que possam se configurar como assédio moral dentro das organizações, bem com suas porcentagens que se classificam: Quadro 1 – Grupos de atitudes hostis que configuram o assédio moral. ATITUDES % Atitudes que deterioram as condições de trabalho 53 Atitudes que geram isolamento e recusa de comunicação 58 Atitudes que geram atentado contra a dignidade 56 Violência verbal física e/ ou sexual 31 Fonte: Adaptado Hirigoyen (2002, p. 108 -111). De acordo com o quadro 1, pode-se perceber que dentro de uma organização 53% dos grupos têm atitudes que deterioram as condições de trabalho; 58% possuem atitudes que geram isolamento e recusa de comunicação; 56% têm atitudes que geram atentado contra a dignidade e, por fim, 31% possuem atitudes de violência verbal física e/ou sexual. Assim, ainda para o autor supracitado (2002, p.112, 113 e 114), a perseguição moral dentro do ambiente de trabalho pode ser horizontal ou vertical. A primeira é a mais comum de ocorrer devido aos níveis hierárquicos. A segunda se origina entre colegas de mesmos níveis e pode ser observada quando não é possível conviver com diferenças, principalmente, quando estas, de alguma forma, destacam-se. Hirigoyen também realizou uma pesquisa com 186 pessoas e, a partir daí apurou as origens do assédio, segundo o quadro 2: 54 Quadro 2 – A origem do assédio moral nas organizações. ORIGEM DO ASSÉDIO % Hierarquia 58 Diversas Pessoas (incluindo colega) 29 Colegas 12 Subordinados 1 TOTAL 100 Fonte: Adaptado HIRIGOYEN ( 2002, p. 111.) De acordo com o quadro 2, pode-se perceber que 58% doas casos de assédio moral são originados dos níveis hierárquicos; 29% podem ser dados através de diversas pessoas, incluindo colegas de trabalho; e, somente 12 % dos colegas e, por fim, 1% dos subordinados. Muitas organizações aprovam a competitividade no ambiente de trabalho e isso provoca comportamentos agressivos e indiferentes com os outros. A globalização da economia provoca na sociedade uma exclusão e desigualdade que trazem como consequência um ambiente de agressividade. Esse fenômeno se caracteriza por algumas variáveis, segundo informa o site Assedio Moral (2014, p. 01): Indiferença ao sofrimento do outro e naturalização dos desmandos dos chefes; dificuldade para enfrentar as agressões da organização do trabalho e interagir em equipe; rompimento dos laços afetivos, aumento do individualismo e instauração do silêncio no coletivo; comprometimento da saúde; sentimento de inutilidade e coisificação; diminuição da produtividade. Para enfrentar o problema, é necessário que a organização esteja atenta aos relacionamentos entre os colaboradores, pois assim ficará mais clara a percepção de assédios. Como já dito, o perfil do assediado muda perante o assediador e cabe à empresa fiscalizar e punir quem o faz. 55 Dessa forma, a próxima seção apresentará discussões sobre transtornos psicológicos e estresse, como os efeitos do assédio. 2. Transtornos psicológicos e estresse: efeitos do assédio O estresse nas organizações tornou-se comum no mercado de trabalho e, assim, a pressão psicológica diária faz com que esse quadro se agrave, transformando-o em transtornos piores. Dessa forma, neste tópico serão abordados os transtornos psicológicos, os níveis de estresse, bem como seus impactos nos colaboradores e na organização. 2.1 Definições sobre transtornos psicológicos Os colaboradores, quando assediados, são alvos de uma estratégia cruel, cujo objetivo é torturá-los psicologicamente. A pressão por produtividade, o cumprimento de metas cada vez mais rigorosas, aliados a uma exploração do trabalho e combinados com as ameaças sobre a perda do emprego, implicam na ruptura do direito fundamental do trabalho saudável. A vitima do assédio moral é submetida a um ambiente de trabalho extremamente nocivo a sua saúde mental e física, uma vez que está propícia a humilhações, vexames e pressões. Assim, vejamos quais serão os transtornos psicológicos oriundos do assédio moral, enfatizando o estresse ocupacional e seu impacto tanto nos colaboradores quanto na organização. Os transtornos psicológicos podem-se dar através da pressão sofrida dentro do ambiente de trabalho. Assim, segundo Ballone (2008, p. 01), A OMS – Organização Mundial da Saúde define como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições caracterizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global. Os Transtornos Mentais e Comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos claramente anormais ou patológicos. 56 Os transtornos psicológicos resultam de fatores ambientais, são reconhecidos pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Previdência Social, podendo, dessa forma, afastar o funcionário de suas atividades profissionais. De acordo com Alvarenga (2014), psiquiatra em neurociência, Transtornos mentais (ou doenças mentais, transtornos psiquiátricos ou psíquicos) são condições de anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica, mental ou cognitiva. Em geral, um transtorno representa um significativo impacto na vida do paciente, provocando sintomas como desconforto emocional, distúrbio de conduta e enfraquecimento da memória. Assim, destacar-se-á, a seguir, o estresse e seu impacto nos colaboradores. 2.2 O estresse e seu impacto nos colaboradores A palavra estresse é derivada do latim estressare e foi utilizada somente no século XVII significando fadiga e cansaço, força, esforço e tensão. O endocrinologista Selye (1969, p. 54), conceituou o estresse como “O estado manifestado por uma síndrome especifica que consiste em todas as mudanças não específicas induzidas dentro de um sistema biológico”. É quase impossível não possuir nenhum tipo de estresse estando inserido no mercado de trabalho, uma vez que enfrentar ameaças e vencer desafios é comum nesse cenário. Quando essas características do mercado se tornam agudas, o estresse no indivíduo passa a requerer acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Dessa forma, segundo Marras e Velozo (2012, p.11), O estresse compreende todas as reações biológicas e psicológicas de um indivíduo e as ações humanas delas decorrentes para lidar com um agente estressor, sendo que este pode se configurar como uma ameaça real, percebida e/ou socialmente construída. O estresse pode-se dar de várias formas e em contextos diferentes, dependendo de suas respectivas características: Estresse de Sobrecarga e Monotonia: está diretamente ligado ao número, frequência e intensidade de pressão ao colaborador. Se for em excesso torna-se sobrecarga, ao mesmo tempo, se for pouco se torna 57 um processo monótono. Segundo Marras e Velozo (2012 p.15), “é importante ressaltar que se destaque que o estresse de monotonia desencadeia os mesmos sintomas e processos do estresse de sobrecarga”. Estresse pós- traumático (TEPT): é a resposta das consequências da ação de um agente estressor, que se manifesta de forma intensa, na maioria das vezes com ameaças. Segundo Carlson (2002, p. 574), As consequências de eventos trágicos, como aqueles que acompanham as guerras e os desastres naturais, frequentemente incluem sintomas psicológicos, que persistem durante muito tempo após o evento estressante. Estresse ocupacional: está diretamente relacionado ao âmbito profissional, é decorrente de atividades, pressões e assédios no ambiente de trabalho. Segundo Aubert (1993, p. 84), O processo de perturbação engendrado no indivíduo pela mobilização excessiva de sua energia de adaptação, para o enfrentamento das solicitações de seu ambiente profissional, solicitações estas que ultrapassam as capacidades atuais, físicas e/ou psíquicas do indivíduo. Burn-out: Gíria inglesa usada para caracterizar aquele indivíduo que chegou ao seu limite e, por falta de energia e capacidade, não possui mais condições de desempenho físico e mental. Surge com um estado prolongado de estresse. Segundo Trigo, Teng e Hallack (2007, p. 225), “a síndrome de burnout é um processo iniciado com excessivos e prolongados níveis de estresse (tensão) no trabalho”. Transtorno do Pânico e Agorafobia: condiz ao medo de se apresentar em público e ao medo excessivo de qualquer situação. Segundo Caballo (2003, p. 89), A agorafobia é constituída por um conjunto de medos de lugares públicos – especialmente quando sozinho- como sair à rua, utilizar transportes públicos, ir a lugares muito frequentados que produzem uma interferência grave na vida diária. 58 A agorafobia e o transtorno do pânico podem ser considerados níveis elevados de uma ansiedade e um sempre vem acompanhado do outro. Ainda, para Caballo (2003, p. 114): “Segundo o DSM-IV (American PsychiatricAssociation, 1994), o transtorno de pânico envolve basicamente a experiência de períodos discretos de repentino e intenso temor ou mal-estar (ou seja, pânico)”. Dessa forma, todos os transtornos psicológicos oriundos do estresse podem afetar não só o colaborador, mas a organização como um todo. É de extrema importância os gestores estarem envolvidos para que não ocorra este tipo de problema, uma vez que é de responsabilidade da empresa. Após essas abordagens, será apresentado ao leitor como o estresse e os transtornos podem afetar toda a organização. 2.3 Os efeitos do estresse e dos transtornos na organização A pressão no ambiente de trabalho corresponde a um dos principais elementos do estresse. Quanto maior forem as responsabilidades dos colaboradores, maior a possibilidade de se sentirem pressionados. A elevada pressão e a competição no ambiente de trabalho, para que a empresa atinja o nível de produção imposto, suas metas e seus lucros, expõem os colaboradores a doenças físicas e, principalmente, mentais. Assim, segundo Bernardes (2013, p. 01), No Brasil, os transtornos mentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho por doença e levaram ao pagamento de mais de R$ 211 milhões de novos benefícios previdenciários em 2011. Na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, pesquisa do médico do trabalho João Silvestre da Silva-Júnior mostra que um ambiente de trabalho com pouco apoio social, excessivas demandas e baixo controle sobre as tarefas, recompensas inadequadas ao nível de esforço do trabalhador e o comprometimento individual excessivo são fatores que aumentam a chance de ocorrência de afastamento. O trabalho recomenda uma melhor investigação sobre as condições psicossociais no ambiente de trabalho para implantação de ações de 59 prevenção, além de maior fiscalização das empresas por parte de órgãos públicos. Um funcionário satisfeito é muito mais produtivo que um com a saúde debilitada. O estresse é um caminho para outras doenças como, por exemplo, fadiga, pressão alta, infarto, dentre outras. Em algumas empresas, a falta de um funcionário significa muito para a linha de produção. Dessa forma, para Marras e Velozo (2012 p. 84), A função da administração e do gestor de pessoas, nesse sentido, é bem clara: resolver essas contradições ou problemas e proporcionar uma situação com menos fontes de pressão, a fim de obter maior produtividade. Um funcionário insatisfeito, passando por problemas psicológicos, não produzirá e nem renderá como um funcionário que esteja bem. Isso para a organização é prejudicial. Alguns casos vão parar em âmbito judicial e, a partir daí, a empresa responderá processos e terá de indenizar a vítima. As organizações podem ajudar a minimizar esse quadro, melhorando a relação de trabalho com as pessoas, proporcionando treinamentos, dinâmicas, viagens, eliminando exposições excessivas do trabalhador, realizando palestras e questionários, como mostra no quadro 3, a seguir. Quadro 3 – Questões para monitoramento dos agentes estressores percebidos no trabalho. Questões para o monitoramento do estresse I. Sentimento sobre o trabalho 1. Como você se sente ao trabalhar dentro desta empresa? 2. O que mais lhe satisfaz na relação de seu trabalho? 3. O que mais incomoda na realização de seu trabalho? 4. O que gostaria de mudar em seu trabalho? II. Fontes de pressão no trabalho ( agentes estressores) 1. 1. Visão do trabalho na organização De outros cargos que você já executou, qual foi o que lhe deixava mais tenso ou nervoso? 60 2. Quais são os cargos, mesmo que não tenha trabalhado nele, que você acha que deixa os indivíduos que o executam mais tenso? 2. 1. Sobre o trabalho e a organização Você considera que as tarefas que executa atualmente, podem deixar os indivíduos que o executam tensos? Por quê? 2. Você considera o seu trabalho como sendo naturalmente tenso? 3. O ambiente de trabalho da organização é normalmente tenso? 4. E sobre a organização, o que tem a dizer em termos de clima de trabalho em contraste com outras organizações que você conhece? 3. 1. Tipos Em que momentos, na execução de seu trabalho, sente angustia, ansiedade, tensão, nervosismo? 2. Que elementos do seu trabalho poderiam ser descritos como fontes de pressão no trabalho? 4. 1. Presença: frequência e intensidade Que fontes de pressão, entre as que citou, você classifica como sendo mais frequentes em termos de dias? 2. Quais seriam as fontes de pressão menos frequentes? 3. Quais fontes de pressão lhe deixam mais tenso? 4. Quais fontes de pressão acredita ser mais fraca? Fonte: Marras (2012, p. 122-123). O quadro 3 mostra uma série de perguntas desenvolvidas com o intuito de monitorar os agentes estressores dentro de um ambiente de trabalho. As questões devem ser aplicadas nos funcionários da organização. O quadro aborda os principais pontos estressantes da organização, como por exemplo, o sentimento sobre o trabalho (como se sente, se há incomodo ao realizar as atividades e se há o interesse de mudança no ambiente). 61 Dessa forma, na terceira seção, torna-se necessário apresentar alguns casos de assédio moral em empresas, bem como uma revisão bibliográfica acerca do tema. 3. Revisão bibliográfica acerca do assédio moral Esta seção abordará a legislação envolta do assédio empresarial, mostrando casos verídicos de empresas famosas que passaram por essa situação constrangedora, trazendo consequências desagradáveis e perigosas para o futuro da organização. 3.1 Exemplos de casos de Assédio Moral Algumas organizações tiveram que pagar caro por assediar moralmente seus colaboradores, além de multas o nome dessas organizações ficou comprometido perante o mercado de trabalho. Toda organização está propícia a enfrentar casos de assédio moral entre colaboradores, porém quando o mesmo ocorre de cima para baixo, envolvendo o nome da empresa, a situação se complica, pois a imagem da mesma fica comprometida diante dos fornecedores, funcionários, clientes e colaboradores. AmBev A companhia Ambev foi criada em 1999, quando a Cervejaria Brahma e a Companhia Antárctica decidiram unir seus esforços. O surgimento da Companhia impulsionou o setor de bebidas brasileiro. Em fevereiro de 2011, a empresa enfrentou problemas, pois teve um recurso negado para anular a condenação de assédio moral a um ex-vendedor que se sentiu lesado com o método da empresa “ motivar”. Segundo ele, a empresa impunha metas e quem não cumprisse era obrigado a se deitar em um caixão, rotulado como incompetente (simbolizando um funcionário morto). A decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho estipulou uma indenização de 25.000 reais. Carrefour A empresa Carrefour foi criada em 1959 na França. Atualmente, ocupa a segunda posição mundial do setor, atua em 30 países com 15 mil lojas, incluindo hipermercados, supermercados, lojas de descontos, lojas de conveniências e atacadistas. 62 Durante quatorze anos, uma funcionária do Carrefour de Brasília sofreu discriminação racial, tratamento grosseiro e excesso de trabalho, o que a levou a ficar incapacitada para o trabalho por três anos por conta de síndrome de esgotamento profissional (ou Síndrome de Burnout). Ela foi indenizada porque demonstrou que recebia pressões intimidadoras, constrangedoras e humilhantes, e que inclusive um dos diretores a chamava de “macaca” na presença de outros empregados. Unibanco Em 2008, em uma agência do Unibanco em Porto Alegre, além de chamar os trabalhadores que não atingiam metas de "incompetentes" e "tartarugas", o gerente da agência classificava-os de acordo com sua produtividade. Em um cartaz afixado na parede, as fotos dos empregados eram coladas junto com a cor verde, para quem conseguia cumprir as metas, ou vermelha, para os que não alcançavam os números estabelecidos, além de ofensas a quem não cumpria os objetivos. Devido aos abusos, o Unibanco foi condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região a pagar mais de 50.000 reais a uma funcionária, que também acusou um dos gerentes de assédio sexual, por fazer comentários pejorativos sobre seu corpo e o de outras colegas. Na maioria dos casos, a forma que a organização encontra para motivar os funcionários acaba dando errado e passando a realizar indiretamente o assédio moral. Dessa forma, é possível dizer que, em casos de assédio moral, há punição grave para empresas, como multas de alto valor. O assediador também sofre a punição, porém perante a legislação que enquadra o assunto, é a empresa que se responsabiliza (EXAME ABRIL, 2014). 3.2 Efeitos na legislação trabalhista Diante dos efeitos do Assédio Moral Organizacional, as ações individuais propostas são de pouca eficácia para fazer cessar o ato e assegurar um ambiente de trabalho mais saudável. Assim, a atuação das leis e do Ministério Publico é extremamente eficaz nesse sentido. As maneiras de reparação do assédio moral no direito do trabalho podem se dar por: indenização em dinheiro; prestação de serviços alternativos à comunidade; atestatória; publicação em jornal de circulação, pelo 63 empregador de nota ou aviso esclarecido que o trabalhador não praticou qualquer ato ilícito, como lhe foi anteriormente imputado. 3.2.1 No âmbito federal A cultura brasileira é de indivíduos extremamente competitivos, onde todos querem vencer, sem se importar como. Para que essa “guerra” seja amenizada, a legislação toma frente diante de alguns casos. A penalidade em âmbito federal foi de iniciativa de Rita Camata, deputada federal pelo PMDB/ES. De acordo com a Lei Federal nº 4591/2011, O Congresso Nacional decreta: Art. 1º - A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais fica acrescida do seguinte art. 117-A: "Art. 117-A É proibido aos servidores públicos praticarem assédio moral contra seus subordinados, estando estes sujeitos às seguintes penalidades disciplinares: advertência; suspensão; destituição de cargo em comissão; destituição de função comissionada; demissão. § 1º. Para fins do disposto neste artigo considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução profissional ou à estabilidade física, emocional e funcional do servidor incluindo, dentre outras: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um servidor só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações necessárias à elaboração de trabalhos de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; segregar fisicamente o servidor, confinando-o em local inadequado, isolado ou insalubre; subestimar esforços. § 2º. Os procedimentos administrativos para apuração do disposto neste artigo se iniciarão por provocação da parte ofendida ou pela autoridade que tiver conhecimento da infração. § 3º. Fica assegurado ao servidor denunciado por cometer assédio moral o direito de ampla defesa das acusações que lhe forem imputadas, sob pena de 64 nulidade. § 4º. A penalidade a ser aplicada será decidida em processo administrativo, de forma progressiva, considerada a reincidência e a gravidade da ação. § 5º. O servidor que praticar assédio moral deverá ser notificado por escrito da penalidade a qual será submetido. 3.2.2 No âmbito estadual I Minas Gerais O governo de Minas Gerais, juntamente com seus representantes, decretou e aprovou a lei que pune o ato de assédio moral. Segundo a Lei complementar nº 117, de 11 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a prevenção e punição do assédio moral na administração pública estadual de Minas Gerais: Art. 1° A prática do assédio moral por agente público, no âmbito da administração direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado, será prevenida e punida na forma desta Lei Complementar. Art. 2° Considera-se agente público, para os efeitos desta Lei Complementar, todo aquele que exerce mandato político, emprego público, cargo público civil ou função pública, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação ou sob amparo de contrato administrativo ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, no âmbito da administração pública. Art. 3° Considera-se assédio moral, para os efeitos desta Lei Complementar, a conduta de agente público que tenha por objetivo ou efeito degradar as condições de trabalho de outro agente público, atentar contra seus direitos ou sua dignidade, comprometer sua saúde física ou mental ou seu desenvolvimento profissional. II Rio de Janeiro A iniciativa de criação e aprovação da Lei foi do Deputado Estadual Noel de Carvalho, e a Lei nº 3921, de 23 de agosto de 2002 veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio 65 de Janeiro, inclusive, concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências. 3.3 Consequências organizacionais do Assédio Moral O assédio Moral dentro das organizações é complexo e, muitas das vezes, omisso. Dessa forma, é difícil mensurar os custos para a organização. Os danos sofridos pela vítima de assédio moral dentro das organizações podem gerar direita a indenização por caráter material e moral. O ministro Luís Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção do STJ, é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para que, nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos por analogia, a alçada dos Juizados Especiais, o recurso ao STJ seja barrado. A lei processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma distorção em desprestígio aos tribunais locais, critica o ministro. Assim, segundo a Lei 11948/09, Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente. É incomum a existência de empresas perfeitas, porém o máximo deve ser feito para que a organização se mantenha no mercado de trabalho sendo bem vista pelos colaboradores, clientes e fornecedores, já que, uma vez envolvida em denúncias e processos jurídicos, sua imagem fica denegrida por tempo indeterminado. Pode-se dizer que as consequências de um assédio moral na organização não trarão somente perdas financeiras, como também status no mercado de trabalho. Os problemas de relacionamento dentro do ambiente de trabalho e os prejuízos daí resultantes serão maiores devido à má administração, má organização da empresa e quanto ao grau de tolerância do empregador em relação às praticas de assédio moral. Pode ser possível evitar as ocorrências de assédio moral nas organizações, basta o líder promover reuniões, treinamentos e dinâmicas, de forma que irá motivar todos os funcionários e 66 provocar uma maior interação entre eles, deixando claro os prós e os contras de todos os atos feitos por eles dentro das organizações. Considerações finais Este estudo teve o intuito de apresentar as causas e consequências do assédio moral dentro das organizações. Diante do problema de pesquisa proposto, o objetivo do artigo foi responder à seguinte questão: quais os danos causados à saúde do trabalhador e quais as consequências no ambiente de trabalho quando da ocorrência de assédio moral nas organizações? Foi possível observar as situações que envolvem assédio moral podem gerar sérias consequências, tanto para o trabalhador, quanto para a empresa. Quando se refere ao assediado, as consequências são visíveis afetando psicologicamente e até fisicamente o trabalhador. Já para a empresa, os níveis de produção caem, a convivência dentro do ambiente de trabalho se torna cada vez mais difícil, além das multas que a organização está propícia a pagar de acordo com cada caso. O assédio moral se dá quando, dentro do ambiente de trabalho, o agressor pressiona psicologicamente a vítima, com ofensas, insultos, críticas e/ou ameaças. Pode ocorrer do superior para o subordinado, entre colegas de mesmo nível hierárquico ou, em casos mais raros, do subordinado para o superior. Difere-se do assédio sexual, foi que este ocorre quando da existência de contato físico e desejo sexual. Não há dúvidas de que o assédio moral degrada o ambiente de trabalho, contaminando a vida pessoal e profissional daqueles que são seus alvos, o surgimento de doenças psicológicas é imediato, podendo variar de uma simples depressão até mesmo à “ Síndrome de Burnout”, isto é, o estresse crônico. Os prejuízos para a própria organização que fomenta a prática também são inúmeros, pois o trabalhador assediado tem uma queda na qualidade dos serviços prestados. Nenhuma empresa está livre de passar por situações que envolvam assédio moral e é por esse motivo que o poder legislativo interfere nesses casos para punir e, desta forma, tentar inibir a ocorrência de novos casos. 67 Referências ASSEDIADOS. Empresa indenizará por acusar funcionário de furto. Disponível em <http://www.assediados.com/2012/10/empresa-indenizara-por-acusar.html> Acesso em: 04 nov. 2013. BALLONE, G.J. O que são transtornos mentais. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=230> Acesso em: 02 abr. 2014. BARLOW, David H. Manual clínico dos transtornos psicológicos. Porto Alegre: Artmed, 2009. BARRETO, M.M.S. Uma jornada de humilhações. São Paulo: PUC, 2000. BRASIL.(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/textual/const88/con1988br.pdf> Acesso em: 02 abr. 2014. BRETAS, Junia Castro e. A atuação do ministério público do trabalho frente ao assédio moral organizacional- “gestão por estresse”. Juiz de Fora: UFJF, 2009. CABALLO, Vicente E. Manual para tratamento cognitivo, comportamental dos transtornos psicológicos: transtornos de ansiedade, sexuais, afetivos e psicóticos. São Paulo: Santos, 2011. 681 p. DARCANCHY, Mara Vidigal. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/recife/trabalho_justica_mara _darcanchy.pdf> Acesso em: 10 out. 2013. DOU. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/> Acesso em: 04 out. 2013. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2008. HIRIGOYEN, Marie France. Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. 2 ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2001. MARRAS, Jean Pierre; VELOSO, Henrique Maia. Estresse ocupacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33 ed. São Paulo: LTR, 2007. PORTAL DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Assédio moral e sexual no trabalho. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files.pdf> Acesso em: 01 nov. 2013. SALVADOR, Luiz. Assédio Moral: Doença profissional que pode levar à incapacidade permanente e até a morte. Disponível em: <http:// http://jus.com.br/artigos/3326/assedio-moral> Acesso em: 04 out. 2013. 68 REVITALIZAÇÃO PARCIAL RODOVIÁRIA DO LEITO DESATIVADO DA ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS: UMA ABORDAGEM SOB O PARADIGMA DO ECOTURISMO 1 Ricardo Carvalho Couto – IPTAN Especialista em Ecoturismo E-mail [email protected] Fone: (32) 3371-9878 Rafael Luiz Resende Pires – IPTAN Especialista em Gestão de Negócios E-mail [email protected] Fone: (32) 3372-2067 Resumo: Este trabalho tem como foco apresentar uma proposta de utilização do leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas através do ecoturismo, criando propostas de roteiros a serem posteriormente implantados, considerando as potencialidades existentes em cada localidade. Levando em conta a história, cultura, aspectos naturais e sociais presentes no leito e no entorno da ferrovia, o artigo tem, ainda, como escopo relatar os pontos negativos encontrados, bem como possíveis propostas para resolução dos problemas. Palavras-chave: Leito ferroviário desativado – Ecoturismo – Cultura Introdução O turismo é atualmente uma atividade econômica que representa significativas cifras para o desenvolvimento de diversos países. No Brasil, nos últimos anos, tem sido observado também um aumento significativo na entrada de divisas, bem como no fluxo econômico interno proveniente do turismo. Nesse cenário, o presente trabalho trata de assuntos concernentes à utilização de forma rodoviária do leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas, visto que tal trajeto representa um enorme potencial turístico para a região, lembrando que a atividade de ecoturismo é um segmento do turismo com maior crescimento mundial atualmente. Tal pesquisa tem como objetivo demonstrar a viabilidade da utilização do leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas na atividade de ecoturismo, e que o mesmo pode ser um fator coadjuvante para a preservação desse rico patrimônio histórico-cultural. 1 Artigo resultante de monografia apresentada à Universidade Federal de Lavras como parte das exigências do curso de pós-graduação Lato Sensu para a obtenção do título de especialista em Ecoturismo: interpretação e planejamento de atividades em áreas naturais – “ECO”, sob orientação do professor Ferdinando Filetto. 69 A pé, a cavalo, de bicicleta ou de carro, a Estrada de Ferro Oeste de Minas reserva seus encantos e mistérios aos que se aventurarem a mergulhar na história viva que se estende pelos confins do ouro. Mais que a revitalização de um antigo caminho, o desafio deste trabalho é despertar a construção de uma nova mentalidade que surge com a pretensão de inserir a região no cenário turístico estadual. Para tal, torna-se necessário embasamento teórico através de autores que tratam de assuntos como o turismo, o ecoturismo, bem como experiências de sucesso comprovado de ecoturismo em estradas com características semelhantes ao trajeto deixado pela Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) em outras regiões. Nesse sentido, este trabalho leva em conta não somente a história da ferrovia, mas também o contexto atual existente no local como a gastronomia, a fauna, a flora, o artesanato, bem como a própria cultura das comunidades existentes no trajeto da ferrovia . Para desenvolver o ecoturismo no leito da ferrovia, propõe-se dividir o percurso da Oeste de Minas em pequenos roteiros com a finalidade de obter melhores resultados e viabilizar uma melhor gestão destes roteiros, envolvendo a comunidade autóctone, o poder público, os empresários locais, dentre outros. Para exemplificar de forma objetiva tais roteiros, o trabalho apresenta a realização de um dos roteiros, iniciado em São João del-Rei, percorrendo várias antigas estações como Ibitutinga, Mestre Ventura, Congo Fino, finalizando em Nazareno, aproveitando os atrativos que tal trajeto detém. 1 Metodologia e métodos Para a execução deste trabalho, utilizou-se de um processo de pesquisa baseado no positivismo, este processo é também conhecido como método hipotético-dedutivo, partindo de três formas de pesquisa distintas. Na primeira, denominada pesquisa de gabinete, foi possível identificar e orientar-se a respeito da coleta de informações sobre o tema, buscando nas cartas topográficas, a localização geográfica das cidades ao longo do trajeto a ser estudado. Outra forma utilizada foi a pesquisa de campo, na qual constatou-se o estado de conservação atual do leito da Ferrovia Oeste de Minas (EFOM), bem como foram realizadas entrevistas com a comunidade 70 local do entorno da Ferrovia, sem contudo ter havido uma formulação de um questionário específico, pois as perguntas dirigidas à população tinham como caráter orientar-se sobre a localização de estações e paradas que hoje em dia não existem mais, outra pergunta fundamental foi a aceitabilidade de revitalização do leito da Ferrovia. Por fim, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, com o intuito de verificar a viabilidade do roteiro, a importância histórica da EFOM, a relevância que o ecoturismo tem na utilização de estradas com características histórico-culturais, bem como as potencialidades para o uso do trajeto. O método utilizado foi o de confirmação, pois foram coletadas evidências para validar a hipótese da utilização da malha deixada pela EFOM, sendo uma forma fidedigna, pois os dados coletados são confirmados através da mesma. 2 Revisão de lietratura 2.1 Conceitos de ecoturismo Segundo Fennel (2002, p. 41), existem controvérsias referentes à etimologia ou origem do vocábulo “Ecoturismo”: Existem autores que relatam que o termo remota ao final dos anos de 1980, outros afirmam que o termo é dos anos de 1970. É comum encontrar na literatura referente ao turismo de natureza, atribuição a Ceballos-Lascuráin como sendo o primeiro a utilizar a etimologia supracitada em seus trabalhos no início dos anos 1980. Entretanto, existem autores que acreditam que o termo remonte a uma data ainda bem mais antiga, tendo sido usado para explicar o relacionamento entre o turista, o meio ambiente e as culturas. Segundo o SENAC (2002, p. 20), para o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) o ecoturismo é a prática de turismo e lazer, esportivo ou educacional, em áreas naturais ou urbanas: Ecoturismo é um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do meio ambiente, promovendo o bemestar das populações. 71 Existem estudiosos do turismo que fazem uma separação na terminologia turismo ecológico e ecoturismo, colocando ambos em plena distinção. Para Beni (2001, p. 427), o turismo ecológico é a “denominação dada ao deslocamento de pessoas para espaços naturais com ou sem equipamentos receptivos, motivadas pelo desejo/necessidades de fruição da natureza.” Essa segmentação do turismo também é chamada de turismo da natureza ou turismo verde. Beni (2001, p. 428) descreve ecoturismo como sendo uma Denominação dada ao deslocamento de pessoas à espaços naturais delimitados e protegidos pelo estado ou controlados em parceria com associações locais e ONGs. Pressupõe sempre uma utilização controlada da área, com planejamento de uso sustentável de seus recursos naturais e culturais, por meio de estudo de impacto ambiental, estimativa de capacidade de carga [...], entre outros. Beni (2001, p. 428) considera que, no Brasil, o ecoturismo é confundido com o turismo ecológico e, atualmente, é quase inexistente, seja pela falta de planejamento estratégico, políticas integradas bem como áreas de proteção e conservação ambiental, especificamente para o turismo. Furlan (2003, p. 54) descreve que o termo sustentabilidade surgiu em 1713, utilizado por Carlowitz para referir-se à exploração de florestas cultivadas na Alemanha. Seu significado, porém, estava restrito a qualquer utilização do solo em que se garantia a longo prazo rendimentos econômicos estáveis. Atualmente, o termo sustentabilidade é utilizado para relacionar o trato com a natureza como sendo um bem renovável, contudo o termo sustentabilidade vem sendo debatido por diversos estudiosos e tem sido criticado como sendo ambíguo, portanto detentor de diversas interpretações, algumas dessas contraditórias. O termo tem sido tratado de forma confusa utilizando-se do vocábulo sustentável de forma igualitária, considerando-a mesma como tendo o mesmo significado em diferentes usos como: “desenvolvimento sustentável“, “crescimento sustentável” e “uso sustentável”, porém os termos possuem significados distintos: 72 'Crescimento sustentável' é uma contradição em si mesmo: Nenhum elemento físico cresce indefinidamente. 'Uso sustentável' aplica-se somente à recursos renováveis: Significa o uso desses recursos em quantidade compatíveis com a sua capacidade de renovação. 'Desenvolvimento sustentável' é empregado nessa estratégia com o significado de melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. Mas qualidade a partir de que valores ? Em função de qual juízo? (FURLAN, 2003, p.55). 2.2 Estradas em patrimônios turísticos naturais Oliveira (2002, p. 94) considera que lugares que reúnem elementos criados pela natureza podem ser utilizados como atração turística, sejam estas por suas características como clima, vegetação, fauna, flora, hidrografia, localização, entre outras. As paisagens fazem parte do patrimônio turístico natural, são atrações únicas, pois cada lugar é singular não existe outro igual, e, portanto, necessita de cuidados especiais que incluem preservação, conservação, educação, monitoramento e outros tantos que colaborem para sua permanência. Oliveira (2002, p. 95) relata que existem experiências da contemplação da paisagem em várias partes do mundo em estradas que não possuem infraestruturas como pavimentação, que para percorrer seus trajeto leva um dia inteiro, enquanto que o mesmo trajeto percorrido em uma autoestrada levaria apenas duas horas. Dentre essas pode-se citar como exemplo uma estrada na costa Oeste dos Estados Unidos, litoral da Califórnia, entre as cidades de São Francisco e Los Angeles, no qual os turistas percorrem seu trajeto sem agredir o meio ambiente, retirando apenas seus benefícios de forma harmônica com a natureza. A estrada proporciona uma variação constante de paisagens, passando por florestas e vales. Percebe-se uma preocupação constante com o visual, que transformou seu percurso em uma estrada de interesse turístico. Como resultante da conservação e dos cuidados com o entorno da estrada, há uma demanda significativa, pois grande parte dos turistas que visitam a Califórnia preferem alugar um carro e viajar por terra do que utilizar-se de outro meio de transporte, que poderia ser bem mais rápido e confortável. Tudo foi planejado para que os turistas tenham a possibilidade de usufruir do contato 73 com a natureza e apreciar a paisagem, conhecendo cidades e vilarejos em seu percurso, tirando fotografias, beneficiando estas cidades através do turismo receptivo. Quanto mais tempo o turista gasta para percorrer seu trajeto, mais ele gasta na região com diárias em hotel, refeições, transportes, combustível, serviços diversos, compra de souvenirs, filmes, entre outros. Dessa forma, a estrada contribui para promover a captação de recursos financeiros além de gerar postos de trabalhos, tão necessários na atualidade. É importante observar que o produto turístico dessa estrada é a própria paisagem. Sendo o trajeto deixado pela outrora Estrada de Ferro Oeste de Minas carregado de características marcantes como a história, a cultura, bem como os atrativos naturais de seu entorno, torna-se necessário atenção especial do Poder Público como também da sociedade civil para evitar o seu sucumbir deste valioso patrimônio. Dentre as alternativas de utilização da área e também, como forma de preservar e conservar o leito da Ferrovia, encontra-se o ecoturismo que, além de contribuir para tamanho benefício, pode colaborar para o desenvolvimento econômico dos municípios circunvizinhos, através de geração de impostos oriundos dos serviços oferecidos, além da criação de novos postos de trabalho, melhorando a qualidade de vida das populações autóctones dos municípios cortados pelo leito da Ferrovia. Uma das possibilidades de aproveitamento do leito da Ferrovia no ecoturismo seria dividi-la em pequenos roteiros turísticos, pois, dessa maneira, sua administração e controle tornariam-se mais eficazes, tendo em vista sua grande extensão. Isso permitiria que cada Município administrasse seus próprios roteiros, procurando ressaltar o que cada lugar tem de peculiar e significativo, fomentando a atratividade turística. Uma possibilidade concernente para o ecoturismo no leito da EFOM seria a forma itinerante, em que o turista percorre um maior número possível de localidades em uma única viagem, com estadas curtas em cada um dos locais visitados. Andrade (2002, p. 85) afirma que a forma de turismo itinerante proporciona uma permanência ou estadas em lugares diversos. É uma forma em geral mais utilizada pelos jovens, que gostam de movimentação e variação de locais, alternativas. hospedagens, alimentação, entretenimento, dentre outras 74 Dessa maneira, a circulação de turistas, bem como a renda gerada pela atividade turística estaria sendo melhor contemplada pelos diversos Municípios e localidades existentes no trajeto da EFOM, como por exemplo Antônio Carlos, Barroso, Prados, Caixa d’água da Esperança, Tiradentes, São João del-Rei, Conceição da Barra de Minas, Nazareno e Ibituruna. 2.4 Roteiros ecológicos Temos uma demanda constante por roteiros ecológicos, trata-se de um nicho (pequeno segmento da sociedade) crescente do mercado. É considerado nicho porque é ainda incipiente o que determina baixo volume de produção e consumo, e é crescente porque está dentro da necessidade urgente de melhores indicativos de qualidade de vida. Segundo Fennel (2002, p. 184-185), a demanda de ecoturistas que irão consumir os roteiros ecológicos busca experiências que interessam àqueles turistas que procuram os recursos naturais, porém exige a presença de empresas operadoras preparadas para fornecer equipamentos e serviços especializados aos turistas. Além disso, fazem-se necessárias diretrizes mais específicas ligadas a primeiros socorros, gestão de riscos, liderança, monitoria, marketing e finanças, a fim de preparar as operadoras para a tarefa de conduzir grupos em roteiros ecológicos. 3 Resultados 3.1 Histórico sucinto da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) De acordo com o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) foi aberta em 1880, ligando com bitola de 0,76 m as estações de Sitio (Antônio Carlos) e Tiradentes. Mais tarde, em 1881, foi prolongada até São João del-Rey, em 1887, foi ampliada, atingindo Aureliano Mourão, onde havia uma bifurcação, com uma linha chegando a Lavras. Em 1894, seguiu para o norte, atingindo finalmente Barra do Paraopeba. Dela saíam diversos e pequenos ramais. A linha foi extinta em pedaços, tendo sido o primeiro em 1960 (Pompéu-Barra) e o último, em 1984 (Antônio Carlos Aureliano), com exceção do trecho São João del-Rei-Tiradentes que se conserva em atividade até hoje. Também se conserva o trecho Aureliano- 75 Divinópolis, ampliado para bitola métrica em 1960, ligando hoje Lavras a Belo Horizonte. 3.2 Histórico de algumas estações da EFOM 3.2.1 Estação de Congo Fino Relata o site “Estacoes Ferroviarias” (2005) que a estação Congo Fino foi inaugurada no dia 1 de maio de 1887, com o nome de Rio das Mortes (por ficar perto da foz do Rio das Mortes pequeno, quando este deságua no Rio das Mortes), e mais tarde teve seu nome mudado para João Pinheiro, em homenagem ao então presidente da província de Minas Gerais. Em 1943, foi renomeada como Congo Fino. 3.2.2 Estação de Mestre Ventura De acordo com o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a estação de Mestre Ventura, situada no Município de São João del-Rei e integrante da linha do Paraopeba no Km 384, foi Inaugurada no dia 7 de setembro de 1931. Seu primeiro nome teria sido José Deodoro. Já foi demolida. 3.2.3 Estação de Ibitutinga Conforme o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a estação de Ibitutinga, situada no município de São João del-Rei, pertencente à linha do Paraopeba no Km 394, foi inaugurada no dia 20 de janeiro de 1887, então com o nome de Santa Rita. O nome atual veio anos mais tarde. O tráfego cessou em junho de 1983 e a estação, fechada. Em dezembro de 1984, a linha da antiga EFOM foi finalmente erradicada. 3.2.4 Estação de São João del-Rei Segundo o site “Estações Ferroviárias” (2005), a estação de São João del-Rei no próprio Município e presente na linha do Paraopeba no Km 413, foi inaugurada com muitas festas e a presença do Imperador Dom Pedro II, no dia 28 de agosto de 1881. Era a ponta de linha do trecho que então ligava Sítio (hoje Antonio Carlos), na Central do Brasil, a essa cidade. A linha só foi prolongada para frente em 1887. A composição chegava e partia de São João del-Rei para o mesmo sentido: havia que se fazer uma manobra no virador, pois havia que se recuar para sair para Ibitutinga. Em 1984, com a erradicação de todo o trecho de bitola de 0,76 m da linha da Barra do Paraopeba, o trecho entre São João del-Rei e Tiradentes foi mantido. 76 3.2.5 Estação Chagas Dória Comenta José Cláudio Henriques apud site “Geocities” (2005), em seu jornal Bairro de Matosinhos - Berço da Cidade de São João del-Rei , que a parada Matosinhos foi inaugurada em 25/05/1908, ou talvez um pouco antes, pois há um aviso oficial do mesmo dia sobre custo de passagens nesta estação. A linha primitiva entre São João del-Rei e Tiradentes passava pela rua Amaral Gurgel, que ainda mantém o traçado da ferrovia. Algumas fontes dizem que ela não tinha cobertura para movimentação de passageiros e cargas na época, mas, como o prédio ainda existe, a informação não parece correta, afinal, havia um prédio funcionando como parada. No mesmo ano, em agosto, a Câmara Municipal de São João del-Rei solicitou, ao então diretor da EFOM, o engenheiro Francisco Manoel Chagas Dória, a construção de um ramal que partisse de Matosinhos até o balneário de Águas Santas. Quando inaugurado, o ramal, em 21.03.1910, a parada já havia sido desativada pouco antes, pois, para a construção do ramal, retificou-se a linha. 3.2.6 Estação Casa da Pedra Conforme relato de Bruno Nascimento Campos apud site “Geocities” (2005), a estação da Casa da Pedra foi inaugurada em 1881. A Casa de Pedra é uma enorme gruta de calcário e próxima a ela há uma mineração que tomou para si o nome. O transporte dos materiais ali extraídos era realizado pelo trem. Lá também havia uma parada para carregar o trem de carga e para deixar ali os trabalhadores da mineração. 3.2.7 Estação de Tiradentes De acordo com Alexandre Linhares Giesbrecht apud site “Geocities” (2005), a estação de Tiradentes foi inaugurada em 1881. Em 1984, o trecho entre São João del-Rei e Tiradentes foi mantido. 3.2.8 Estação Caixa D’água da Esperança Afirma Bruno Nascimento Campos apud site “Geocities” (2005) que a parada da Caixa D'água da Esperança foi aberta em 1913. Ainda hoje existem os restos da sua plataforma, sua caixa d'água que alimentava de água as antigas máquinas a vapor e uma vila próxima. Essa caixa d'água é que nomeou a parada. 77 3.3 Contexto atual EFOM Atualmente a Ferrovia Oeste de Minas possui em atividade apenas o trecho que liga São João del-Rei a Tiradentes em uma extensão de aproximadamente 12 km, conforme o site “Geocities” (2005), passando pelas estações de Chagas Dória e estação da Casa da Pedra, nas quais não mais existem paradas. O restante do leito da Ferrovia encontra-se totalmente desativado, desde o ano de 1984, conforme o site “Estacoes Ferroviarias”, dos quais foram retirados os dormentes e trilhos, restando somente a terraplanagem, conforme observado pelo pesquisador em atividade de campo. Apesar de tamanha perda histórico-cultural e material, oriunda pela desativação do restante do trajeto da Oeste de Minas, restaram as belezas cênicas, onde se pode observar o imponente Rio das Mortes, com suas corredeiras, mata ciliar e sua fauna e flora exuberantes. Podem-se observar, ainda, pequenos trechos remanescentes da Mata Atlântica, Campos Rupestres2, dentre outros. Também observam-se pequenas propriedades rurais, tendo como atividade principal a pecuária leiteira. Encontram-se também edificações remanescentes da referida Oeste de Minas, como as casas de operários de trecho, Pontilhões 3 e estações nas quais ainda existe uma forte presença viva e não muito distante da cultura local, entre estas edificações remanescentes, pode-se destacar mais abaixo apresentadas: 3.3.1 Estação de Nazareno Atualmente, esta estação encontra-se inoperante, com suas instalações preservadas, porém servindo de moradia para um cidadão desabrigado. Mas, no passado, foi uma bela estação, onde o trem parava para as refeições dos passageiros. 3.3.2 Estação de Congo Fino Já foi demolida, hoje em dia, pode-se constatar que dela só restam os seus alicerces. 3.3.3 Estação de Mestre Ventura Hoje, como observado em trabalho de campo de coleta de dados para esta pesquisa, dela só restam os alicerces. 2 3 Campos Rupestres: Área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado. Pontilhões: Pontes que serviam de passagem entre duas margens. 78 3.3.4 Estação de Ibitutinga Encontra-se atualmente em boas condições arquitetônicas, está sendo utilizada como moradia de uma família que a invadiu, aparentemente, sem a devida autorização dos poderes competentes. Pertence também ao conjunto de Ibitutinga uma vila de operários a qual encontra-se em perfeitas condições arquitetônicas, servindo aos moldes da estação como moradia. 3.3.5 Estação de São João del-Rei É certamente o maior complexo ferroviário de toda a EFOM, contendo em seu interior diversas construções como: Museu Ferroviário, onde encontrase um grande acervo histórico como a locomotiva número 1, peças antigas usadas na manutenção da ferrovia entre outros curiosos equipamentos e utensílios. Outra construção significativa é a Rotunda4, que contêm várias locomotivas estacionadas e diversos vagões com diferentes finalidades. Hoje, rodam as composições a vapor entre as duas estações com fins turísticos. O passeio é operado pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). 3.3.6 Estação Chagas Dória Desde final de 2004 encontra-se reformada, servindo como posto destacado da polícia Militar de São João del-Rei, nos finais de semana e feriados, como uma pequena feira de artesanato local. 3.3.7 Estação Casa da Pedra Encontra-se desativada, resta um pouco de sua memória arquitetônica, representada apenas por um muro em uma encosta de um barranco. 3.3.8 Estação de Tiradentes É a última estação do trecho ainda em operação de toda a EFOM. Serve como ponto de encontro para locação de charretes com destino ao centro de Tiradentes. Nesta estação, encontra-se uma pequena rotunda onde turistas observam-na e/ou interagem com a mudança de direção das locomotivas. 3.3.9 Estação Caixa D’água da Esperança Resta somente a caixa d’água propriamente dita, que servia para o abastecimento de água das locomotivas movidas à vapor. Hoje em dia, o pequeno vilarejo vem se destacando pela sua culinária típica e começa a atrair 4 Rotunda : Local onde é feita a mudança de direção das locomotivas através de engrenagens que facilitam a operação. 79 turistas que buscam um local simples e o contato com a população local de forma caseira e harmônica. 3.4 Potencialidades Turísticas da EFOM As potencialidades turísticas da EFOM são inúmeras, visto que o turismo traz consigo o efeito multiplicador das oportunidades. Criam-se empregos, aumenta-se a renda e a arrecadação, promove-se o desenvolvimento regional, estimula-se a preservação das construções históricas, das áreas naturais, das culturas locais, diminuem-se os índices de pobreza, incentiva-se a educação e preparação de mão de obra, melhora-se a qualidade de vida das pessoas. Entre as potencialidades turísticas oferecidas, destaca-se o próprio trajeto deixado pela desativação da ferrovia que hoje em dia limita-se a uma estrada secundária em boas condições de tráfego, possibilitando a implantação de roteiros turísticos em seu traçado. Nesse trajeto pode ser observada a beleza do Rio das Mortes com suas curvas, praias, corredeiras, ilhas e afluentes. Destaca-se, ainda, o relevo composto por montanhas e serras de beleza singular e as matas que envolvem seu entorno desde a mata ciliar até a Mata Atlântica. A estrutura arquitetônica deixada pela EFOM como pontes, pontilhões, vilas de operários e as estações são também notáveis potencialidades. A cultura encontrada nas localidades é também um grande atrativo, tendo em vista que o modo de fazer, os rituais católicos, os mitos e lendas dessas comunidades ainda preservam características únicas e marcantes. Com todas essas características, o trajeto da EFOM é certamente uma oferta turística, pois possui atrativos de valores ímpares, que podem ser usadas para atrair turistas de diferentes regiões do país e do mundo, considerando as potencialidades supracitadas. 3.5 Roteiro turístico “caminho do sertão” (trecho São João del-Rei – Nazareno) Devido à grande extensão do trajeto da Ferrovia, torna-se necessário fragmentá-lo em pequenos trechos que podem ser denominados roteiros turísticos para a sua melhor gestão, envolvendo os municípios geograficamente agrupados. 80 Dentre as diversas opções de roteiros, pode-se citar o trecho de São João del-Rei-Nazareno, que oferece uma riqueza histórico-cultural e natural singular dentro da região. Tal roteiro inicia-se em São João del-Rei , onde existe uma boa infraestrutura, de apoio e turística como meios de comunicação, hotéis, restaurantes, bares, lanchonetes, transportes, além dos atrativos turísticos como museus, igrejas históricas, praças, arquitetura civil. São João del-Rei possui também o maior complexo ferroviário da EFOM, com o museu ferroviário e outros atrativos que geram a oferta turística. Seguindo o trecho percorrido às margens do Rio das Mortes, que oferece uma beleza cênica ímpar, esse roteiro torna-se interessante, permitindo um contato harmonioso com a fauna e flora local. Permite, ainda uma observação da topografia acidentada do entorno da Ferrovia, com várias elevações distintas como picos5, platôs6, espigões7, colos8 , esporões9, entre outros. Ao longo deste trecho, encontra-se a Floresta Nacional (FLONA)10 de Ritápolis, onde existem viveiros de mudas nativas de árvores de grande porte da Mata Atlântica, para reflorestamentos locais e mudas de plantas . No mesmo local, encontra-se parte da história da Inconfidência Mineira, pois as ruínas da fazenda do Pombal onde nasceu o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é muito procurado por turistas e visitantes o ano todo. Seguindo o trecho, encontra-se Ibitutinga, que possui um acervo composto pela estação e sua vila de operários. Neste local, um grande atrativo é a pesca, pois oferece pontos favoráveis a essa prática esportiva. Observa-se, também, neste local, uma cachoeira exuberante, no córrego do Paiol com uma queda de mais de 50 metros, indo ao encontro do Rio das Mortes. Um pouco mais à frente, destaca-se, no trajeto, uma pequena ponte de ferro característica da ferrovia Oeste de Minas, sobre o córrego do Brumado. 5 Pico: Cume agudo de um monte. Platô: parte plana de uma elevação. 7 Espigão: elevação em forma triangular e alongada de pico, que se projeta em uma elevação. 8 Colo: Depressão, de pequena extensão, existente nas linhas de cristas. 9 Esporão: Semelhante ao espigão, porém, sobre uma extremidade, após um colo, ergue-se um cume mais ou menos pronunciado. 10 Flona: unidade de conservação com a finalidade de preservar uma determinada floresta. 6 81 Continuando o trajeto, entre Ibitutinga e Mestre Ventura, existem, às margens do Rio das Mortes, várias propriedades rurais, onde se pode observar a atividade pecuária e agrícola. Destaca-se, ainda que em ruínas, o antigo colégio interno católico, onde, segundo descrição verbal do ex-prefeito de Conceição da Barra de Minas, Sr. Elias, eram educados filhos dos antigos proprietários rurais de toda região. No local, encontram-se ruínas que outrora foi a estação de Mestre Ventura. Percorrendo o trecho Caminho dos Sertões, chega-se então às ruínas da estação de Congo Fino, que, em seu entorno, mantém um engenho para fabricação de cachaça artesanal em uma fazenda próxima. No mesmo local, é possível comprar bem como acompanhar a confecção de artesanato em papiermachet11 . Ao final do percurso, destaca-se a estação de Nazareno que, devido ao seu ótimo estado de conservação, com acesso pitoresco e marcante através de uma ponte de ferro centenário em ótimo estado de preservação, permitia a transposição ferroviária, hoje servindo para transposição rodoviária. Esse roteiro representa um valioso acervo cultural, detentor de um marcante potencial turístico, uma vez que agrega significativos patrimônios histórico-culturais entre os municípios percorridos no trajeto, como a história marcante de cada um, os atrativos naturais, o artesanato local, a arquitetura singular de cada entreposto do trajeto, bem como o próprio legado ferroviário deixado pela EFOM. Considerações finais Através deste trabalho, pôde-se observar que o leito desativado da Estrada de Ferro Oeste de Minas representa um grande potencial turístico para a região do Campo das Vertentes, pela diversidade cultural existente, seus costumes, suas tradições, seus ofícios de forma ainda rudimentar, seus atrativos naturais como a hidrografia, topografia e o relevo. São marcantes também a própria história que os municípios percorridos pela EFOM detém, através das personalidades nascidas na região e outras atraídas pelo desenvolvimento proporcionado pela própria Estrada de Ferro. Destaca-se, 11 Matéria prima para artesanato elaborada a partir de papel reciclado, cola e água. 82 ainda, a peculiar gastronomia local, que se mantém desde os tempos do ciclo do ouro, com o predomínio de ingredientes e temperos como a carne de porco, o feijão, a mandioca, a cachaça, entre outros. Tais ingredientes proporcionam a elaboração de um cardápio variado e saboroso, apreciado e desfrutado por turistas, visitantes e pela própria população local. Nota-se, porém, que o trajeto no leito desativado da Ferrovia, denominado neste trabalho como Caminho dos Sertões, apresenta inúmeros problemas como o grande número de dragas que retiram cascalho e areia de forma predatória no Rio das Mortes, causando um forte impacto ambiental. Grande parte dos proprietários rurais causam inúmeros transtornos ao trajeto, através de construções de barreiras físicas como cercas de arame, tronqueiras, porteiras e mourões que impedem e/ou dificultam a passagem de visitantes. Nota-se, ainda, que figuram edificações de alvenaria que vão paulatinamente ocupando o espaço do leito da estrada como embarcadouros de animais, alicerces que vão pouco a pouco tomando lugar indevido, alguns proprietários chegaram ao ponto de anexar às suas terras partes do leito da Ferrovia, as quais pertencem à União. Medidas devem ser tomadas junto a esses proprietários, através de ações civis junto às promotorias públicas para que sejam retirados tais obstáculos, reintegrando as terras ora apropriadas pelos mesmos, pois trata-se de uma via pública e um bem pertencente ao patrimônio nacional. Os imóveis pertencentes ao patrimônio da EFOM, como algumas estações e vilas de operários, devem ser reintegrados à comunidade para servirem a fins sociais como espaços culturais, oficinas de artesanato, dentre outros inseridos nas antigas estações. As vilas podem ser transformadas em unidades habitacionais para hospedagem dos turistas de forma peculiar à época na qual havia uma atividade ferroviária intensa. Referências 11º Batalhão de Infantaria de montanha – Regimento Tiradentes. Manual Guia de Cordada. São João del-Rei, 199? ANDRADE, José, Vicente. Turismo fundamentos e dimensões. São Paulo: Ática, 2002. BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do turismo. São Paulo: SENAC, 1998. BENI, Mário Carlos. Análise Estrutural do turismo. São Paulo: SENAC, 2001. 83 ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS. Disponível em: <http://estacoesferroviarias.com.br>. Acesso em: 20 set. 2005. FENNELL, David A. Ecoturismo uma introdução. Trad. Inês Lohbauer. São Paulo: Contexto, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Sec. XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. FURLAN, Sueli Ângelo. In: RODRIGUES, Adry Balastreri (org.). Ecoturismo: do sujeito ecológico ao consumidor da natureza São Paulo: Contexto, 2003. GEOCITIES. Disponível em: <http://geocities.com.br.>. Acesso em: 13 set. 2005. MALDOS, Roberto. Formação Urbana São João Del Rei. 1997 MCKERCHER, Bob. Turismo de Natureza: Planejamento e Sustentabilidade. São Paulo: Contexto, 2002 MENDONÇA, Rita; NEIMAN, Zysman. Ecoturismo: Discurso, Desejo e Realidade In: NEIMAN, Zysman (Org.). Meio Ambiente, Educação e ecoturismo. Barueri, SP: Manole, 2002. OLIVEIRA, Antônio Pereira. Turismo e desenvolvimento: planejamento e organização. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. PETROCCHI, Mario. Gestão de polos turísticos. São Paulo: Futura, 2001. RELATORIO DA directoria da companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas apresentado à assembleia geral de accionistas. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1882. SILVEIRA, Marcos Aurélio Tarlombani da.In: RODRIGUES, Adry Balastreri (Org.). Ecoturismo, políticas públicas e a estratégia paranaenseSão Paulo: Contexto, 2003. 84 NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE JURÍDICOFILOSÓFICA Karina Cordeiro Teixeira Especialista em Direito Público Municipal E-mail: [email protected] Raquel Maria Vieira Braga Especialista em Direito Tributário E-mail: [email protected] Resumo: O surgimento do Estado Moderno, no século XVI, em meio à decadência do feudalismo, teve como principal fundamento a supremacia do poder dos reis. Todavia, na passagem do Estado Absolutista para o Liberal, a ciência jurídica adere ao jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, que servira de fundamento e inspiração para as revoluções americana e francesa. A partir de então, as Constituições passaram a garantir, expressamente, direitos naturais dos homens que, inclusive, norteavam e limitavam a atuação estatal. Com a consequente positivação de tais direitos, a lei passa a ser vista como expressão maior da razão e, já no século XIX, consolida-se o positivismo racionalista, teoria jurídico-filosófica que concebe o Estado como fonte exclusiva do poder e do Direito. Diante da concepção de que a efetivação da justiça somente poderia ser concretizada através da lei em seu sentido meramente formal, o Direito se distancia dos valores, da filosofia e, sobretudo, da ética e hermenêutica jurídica torna-se um processo de verificação do “encaixe” perfeito dos fatos à norma escrita, inexistindo, pois, qualquer caráter de cunho criativo ou axiológico. Diante desse cenário, com base na legitimidade do poder fundado exclusivamente no Direito Positivo, várias atrocidades foram cometidas em nome da lei e em detrimento dos direitos fundamentais dos cidadãos, das quais citam-se como exemplo, os regimes fascista e nazista cuja decadência configuraria marco histórico à própria superação do positivismo. A partir desse contexto, o presente estudo tem por intuito analisar como vem sendo interpretada a Constituição Federal de 1988, fundada em valores e princípios que se sobrepõem à lei em seu sentido frio e literal. Para tanto, pesquisaremos as novas técnicas de hermenêutica jurídica em que o intérprete passa a ter papel decisivo e criativo nas quais o Direito é visto não só como um conjunto de normas cuja validade decorre meramente de um procedimento formal, independente de seu conteúdo; pelo contrário, as Cartas Constitucionais de hoje, fundadas em sua maioria num Estado Democrático de Direito, passam a ter um papel relevante na efetivação de direitos fundamentais e sua concretização depende também não só do império da lei, mas também da valoração de princípios éticos e filosóficos. O Direito volta, portanto, a se aliar à Filosofia, a fim de cumprir efetivamente o seu papel. Palavras-chave: Constituição – Jusnaturalismo Neoconstitucionalismo – Direito Constitucional – Positivismo – 85 Introdução A grande discussão acerca do papel do constitucionalismo atual envolve a problemática em se justificar a legitimidade do Direito, ou seja, em se saber o parâmetro (legítimo) de atuação do Estado na criação de suas normas. Historicamente, durante a Idade Média, essa legitimidade baseava-se em costumes e tradições de uma dada sociedade. Todavia, com o antropocentrismo renascentista, vários filósofos e pensadores procuraram justificar o poder estatal através de uma aceitação dos indivíduos formalizada por um “pacto/contrato” social. Nesse sentido, Souza Cruz e Duarte (2006, p. 3) assim se posicionam: O renascimento trouxe consigo significativa mudança, ao colocar o homem no centro dos interesses da sociedade. Esta viagem antropocêntrica procurou, pelo trabalho dos contratualistas Hobbes (1997) e Rousseau (1983), justificar o exercício do poder através de autorização concedida pelos indivíduos e expressa pelo pacto/contrato social. Trata-se da ideia de que os homens racionalmente impunham a si mesmos regras de convivência social (legislação). Dessa forma, os ideais iluministas de Rousseau, baseados no conceito de que a vontade popular seria realizada através da representação política, hoje não mais prosperam, eis que verificamos a inexistência de uma sintonia entre a vontade estatal e a vontade popular. Os governantes não mais representam os interesses de seus governados. Assim, ainda segundo Souza Cruz e Duarte (2006, p. 5), Dentro dessa nova perspectiva, o Estado moderno passa como um todo por uma crise de legitimidade, especialmente quando se percebe clara dissintonia entre o interesse público e o interesse estatal, ou seja, um deslocamento de interesses de governantes e governados para qual o modelo contratualista clássico não consegue mais dar respostas. Está-se, pois, diante da falência da chamada “democracia representativa”, cuja resposta deve ser encontrada por cada povo, mas certamente com base na denominada “democracia participativa”. 86 Logo, partindo da chamada “crise de legitimidade” do poder estatal, buscar-se-á abordar no presente estudo as formas de se interpretar o Direito, levando-se em consideração nosso modelo de Estado, qual seja, o Democrático de Direito, com foco nos princípios inseridos em nossa Carta Magna e na concepção de que a Constituição Federal de 1988 deve ser interpretada como um sistema aberto de normas e princípios cujos valores fundamentais devem ser concretizados pelas três funções estatais: a legislativa, a executiva e a judiciária, em que a sociedade, hoje, tem o direito de ser não só a destinatária das normas, mas a participante direta e ativa no processo de construção do direito e da justiça. Para tanto, iremos estudar as correntes filosóficas fundamentais que procuraram explicar a maneira de se conceber e interpretar o Direito: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista, abordando a ascensão e decadência das primeiras, de acordo com uma análise histórica e filosófica. Diante desse contexto, o presente estudo pretende pesquisar as diversas transformações do Direito Constitucional Contemporâneo, descrevendo a importância da força normativa de uma Constituição verdadeiramente democrática e a relevância do papel do intérprete do direito ao reconhecer a normatividade dos princípios e valores insculpidos, explícita ou implicitamente, em nossa Constituição Federal, a fim de se alcançar, com a participação ativa dos membros da sociedade, o verdadeiro objetivo do Estado na atualidade, qual seja, a satisfação do interesse coletivo e a concretização dos direitos fundamentais. 1 Jusnaturalismo: ascensão e decadência. Corrente filosófica que tem por fundamento o direito natural, o jusnaturalismo reconhece a existência, na sociedade, de um conjunto de princípios e valores (legítimos) que não decorrem de normas jurídicas produzidas pelo Estado. Assim, o direito natural encontra seu fundamento de existência e validade numa ética superior que transcende e limita a norma estatal, servindo, inclusive, de inspiração à sua produção. Partindo de fundamentações diversas, ao longo da história até os dias atuais, o direito natural, a despeito das múltiplas vertentes, baseia-se em duas 87 principais acepções: a primeira fundada em leis naturais ditadas por Deus e a segunda, ditadas pela razão. A partir do século XVI, as leis naturais, advindas exclusivamente das amarras da fé, passaram a ser consideradas fruto da razão humana, desvencilhando-se de vez da submissão integral à teologia cristã. Os questionamentos dos dogmas religiosos medievais, seja pela Reforma Protestante, seja por parte da Revolução Científica, que passaram a contestar a visão geocêntrica do mundo, colocando, pois, o homem no centro do universo (antropocentrismo), contribuíram de vez para a gradativa separação entre religião e razão. No entanto, o jusnaturalismo, ainda que racional e dissociado da religião, era por muitos encarado por condicionantes morais. Essa visão, tendo Kant como seu principal defensor, nos dizeres de Souza Cruz e Duarte (2006, p. 65) “elevou o conhecimento jurídico à condição de categoria própria, autônomo em face da religião, mas ainda subordinado aos condicionamentos da Moral.” Assim, associando-se aos ideais do Iluminismo do século XVIII, o jusnaturalismo, já desvinculado da fé, baseava-se em direitos naturais que, através da razão, garantiam liberdade e igualdade aos indivíduos, as quais deveriam ser preservadas e respeitadas pelo próprio Estado. Tais concepções serviriam de estopim para a ascensão da burguesia ao poder por meio das revoluções liberais francesa e americana. Barroso (2009, p. 236-237) descreve com precisão essa passagem histórica, a saber: [...] O jusnaturalismo passa a ser a filosofia natural do Direito e associa-se ao iluminismo na crítica à tradição anterior, dando substrato jurídico-filosófico às duas grandes conquistas do mundo moderno: a tolerância religiosa e a limitação ao poder do Estado. A burguesia articula sua chegada ao poder. A crença de que o homem possui direitos naturais, vale dizer, um espaço de integridade e de liberdade a ser obrigatoriamente preservado e respeitado pelo próprio Estado, foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta. 88 Ainda, em nota de rodapé, o mesmo autor (2009, p. 236-237) ilustra bem a relação do iluminismo com o jusnaturalismo e a consequente separação entre religião e ciência: Iluminismo designa a revolução intelectual que se operou na Europa, especialmente na França, no século XVIII. [...] O antropocentrismo e o individualismo renascentistas, ao incentivarem a investigação científica, levaram à gradativa separação entre o campo da fé (religião) e o da razão (ciência), determinando profundas transformações no modo de pensar e de agir do homem. Para os iluministas, somente através da razão o homem poderia alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. Ao propor a reorganização da sociedade com uma política centrada no homem, sobretudo no sentido de lhe garantir a liberdade, a filosofia iluminista defendia a causa burguesa contra o Antigo Regime. Alguns nomes merecem destaque na filosofia e na ciência política: Descartes, Locke, Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Dessa forma, com o advento do Estado Liberal, os direitos naturais passaram a ser codificados, ou seja, traduzidos em normas escritas produzidas pelo Estado, incorporando-se às Constituições positivas. Assim, de seu apogeu, ocorre, paradoxalmente, a sua superação, pois tais direitos seriam reconhecidos somente quando expressamente escritos, ficando, pois, renegados à supremacia do positivismo do século XIX. Na visão de Souza Cruz e Duarte (2006, p. 65), [...] o jusnaturalismo foi o movimento emancipatório que conduziu a transição do paradigma feudal para o liberal. O positivismo surgiu como mecanismo de regulação de uma sociedade cujo projeto burguês consolidou-se como vitorioso. Assim como o zangão morre ao fertilizar a abelha Rainha, o jusnaturalismo desvaneceu-se com o constitucionalismo e a codificação (Grifos nossos). Do exposto, a partir da positivação do direito natural, a interpretação criativa, com base em princípios e valores voltados para a ética, passou a ser ilegítima. O Direito era encarado exclusivamente como norma produzida pelo Estado, ainda que afastada dos ideais de justiça e equidade. Pretendia-se, portanto, atribuir à ciência jurídica caráter meramente matemático, com ênfase 89 no que poderia ser observado e experimentado, contribuindo, pois, para o seu afastamento da especulação filosófica e dos valores morais e transcendentais. Foi justamente a partir desse contexto que emergiu uma nova maneira de se interpretar o Direito, qual seja, o positivismo jurídico – pensamento esse que será estudado no tópico seguinte. 2 Positivismo Jurídico: ascensão e decadência O positivismo jurídico tem como principal característica o predomínio do direito sobre a moral, cujo fundamento teórico se justifica precipuamente nas teorias contratualistas de Hobbes, Montesquieu e Rousseau (CELLA, 2010). Bobbio(1997, p. 31-32)apud Cella (2010)assim disserta sobre o pensamento de Hobbes: Segundo BOBBIO, a doutrina política de HOBBES talvez seja a teoria mais completa e consequente do positivismo jurídico. Para HOBBES, com efeito, não há outro critério do justo ou do injusto senão a lei positiva, ou seja, somente o que for ordenado pelo soberano é tido como justo, pelo simples fato de ter sido ordenado; e só é injusto aquilo que é proibido, só pelo fato de estar proibido. Hobbes, portanto, acreditava que os indivíduos, ao saírem do estado de natureza e passarem para o estado civil, deveriam renunciar suas liberdades em prol do Estado, que seria o titular legítimo do poder de regrar a sociedade e manter a ordem por meio do soberano. Nesse sentido, Cella (2010), citando Perelman(1998, p. 19), aduz: O soberano, portanto, terá à sua disposição um poder quase absoluto sobre os súditos, o que lhe permitirá a elaboração das normas como melhor lhe aprouver, “[...] desde que não atente sem razão válida contra a vida dos súditos, pois o medo da morte é a própria razão do pacto social constitutivo do Estado”. Dentro dessa acepção de que, teoricamente, a justiça somente seria válida através da positivação das normas pelo Estado, podemos citar, ainda, o filósofo Montesquieu, que também defendia que deveria existir a renúncia dos direitos de liberdade em favor de um poder Estatal do qual emanaria as normas positivas. No entanto, para esse pensador, ao contrário de Hobbes, o poder 90 estatal não poderia estar centrado nas mãos de uma única pessoa. A partir daí, desenvolveu a clássica teoria da Separação dos Poderes (Executivo; Legislativo e Judiciário). Interessante ressaltar, no que tange ao positivismo jurídico, que, para Montesquieu, nessa última função, qual seja, a judiciária, a atividade jurisdicional deveria se resumir em tão somente a aplicar a literalidade da lei, sendo vedado ao magistrado utilizar, para tanto, de quaisquer aspectos subjetivos ao solucionar os litígios. Vejamos o que esclarece Perelman (1998, p. 21-22): Quanto aos juízes, eles serão apenas ‘a boca que profere as palavras da lei; seres inanimados que não podem moderar-lhe nem a força nem o rigor’. Essa é a condição da segurança jurídica, pois, escreve ele [MONTESQUIEU], ‘se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a tal ponto que sejam sempre apenas um texto preciso da lei. Se fossem uma opinião particular do juiz, viveríamos em sociedade sem saber precisamente quais compromissos contraímos (Grifos nossos). Por fim, cumpre mencionar a importante contribuição para a consolidação do positivismo do terceiro filósofo, Jean Jacques Rousseau, quem defendeu a teoria contratualista em sua clássica obra “’Do contrato social”. Rousseau acreditava que a renúncia das liberdades públicas, por parte dos indivíduos, deveria se dar em nome do povo, o titular efetivo do poder (ROUSSEAU, 1997, p. 59-60); ao contrário de Hobbes, para quem o poder deveria centralizar-se nas mãos de um único soberano. Nesse sentido, para Rousseau, as normas jurídicas, muito embora devessem ser produzidas pelo Estado, teriam que exprimir a vontade concreta do povo. Essas ideias liberais, inclusive, acabaram por justificar as Revoluções Burguesas que emergiram no século XIX, cujos fundamentos basearam-se no reconhecimento e positivação dos direitos fundamentais. A interpretação do Direito no positivismo limitou-se, portanto, a aplicar a letra fria da lei, distanciando-se, pois, dos valores morais, éticos, filosóficos e da própria noção de Justiça. Sobre isso Kelsen (2003, p. 62), expressão máxima do positivismo, assim se pronuncia: “Justiça é um ideal irracional. Seu 91 poder é imprescindível para a vontade e o comportamento humano, mas não o é para o conhecimento. A este só se oferece o direito positivo, ou melhor, encarrega-se dele.” Nesse sentido, com base na ideia de que a lei deve, a qualquer custo, ser aplicada, independentemente de estar associada ao justo, o positivismo jurídico chegou ao seu apogeu nos regimes totalitários europeus do século XX, sobretudo na Itália e Alemanha. Nesses governos, os ditadores justificavam suas ações na aplicação literal da norma e, esta, por sua vez, representava a vontade do governante. Paradoxalmente, em decorrência das atrocidades cometidas por tais regimes “em nome da lei”, o positivismo passou a ser questionado. Segundo Barroso (2009, p. 242), a decadência do positivismo foi emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Diante disso, o positivismo representou o marco da superação do jusnaturalismo. Por outro lado, também, a partir do questionamento da concepção puramente positivista de que o Direito é tão somente aquilo que o Estado produz por meio das leis, tal corrente filosófica contribuiu para o surgimento de uma nova forma de se interpretar o ordenamento jurídico, associando-o não apenas à lei formal, mas também às ideias de justiça e equidade – o que será tratado adiante. 3 Estado Constitucional de Direito: Neoconstitucionalismo Diante do exposto, podemos inferir que, ao longo da história, existiram três paradigmas institucionais de Estado de Direito, a saber: o Estado prémoderno, o Estado Moderno e Estado Constitucional de Direito. O Estado pré-moderno teve como marco histórico as Idades Antiga e Média. Já o Estado Moderno, de início, era absolutista, representado pelo poder indivisível do rei, cuja característica central baseava-se na ideia de soberania estatal, mas, ao longo dos séculos XIX e XX, passou a ser liberal, fundado no reconhecimento dos direitos fundamentais e no próprio positivismo 92 – que, segundo Barroso (2009, p. 243), também é conhecido como “Estado Legislativo de Direito” - conforme estudado acima. Nesse contexto, o Estado liberal, baseado no positivismo, representou, pois, o monopólio estatal da produção jurídica, assentando, assim, sobre o princípio da legalidade estrita. Daí falar-se que os juízes detinham o papel técnico de conhecimento e não de produção do direito. Por sua vez, o Estado Constitucional de Direito emergiu da superação do positivismo jurídico, associando novamente o Direito posto à Moral e aos ideais de justiça. Contudo, diferente do jusnaturalismo, buscou-se nesse contexto conferir objetividade e cientificidade na aplicação das normas, mediante aplicação novas técnicas de hermenêutica. Nesse sentido, Barroso (2007, p.57)apud Novelino (2013, p. 192) atribui a esse “conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional [...]” o nome de Neoconstitucionalismo, cujas características serão abordadas a seguir. 3.1 Neoconstitucionalismo: marco histórico De acordo com o estudado acima, o marco histórico do Neoconstitucionalismo ocorreu, na Europa, a partir do final da Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como pano de fundo o consequente processo de redemocratização dos Estados. Nos dizeres de Barroso (2009, p. 245), A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação dos ideias de constitucionalismo e democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nome diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. Quanto à experiência brasileira, como dito, a implantação desse novo modelo de organização jurídico-política deu-se com convocação da Assembleia Nacional Constituinte e a consequente promulgação da Constituição de 1988, o 93 que representou o marco histórico da passagem de um regime ditatorial para um Estado Democrático de Direito. Com isso, criou-se um terreno fértil para a emergência de uma nova concepção sobre a real função da teoria jurídica, que definitivamente passa a reconhecer a normatividade da Constituição, dando ênfase aos princípios e valores dela inferidos. 3.2 Neoconstitucionalismo: Marco filosófico O pós-positivismo jurídico representa a corrente filosófica desse novo Direito Constitucional. De acordo com Novelino (2013, p.185), “o termo póspositivismo se tornou conhecido na década de 1990, quando foi utilizado para designar uma terceira via construída com o objetivo de superação da tradicional dicotomia entre jusnaturalismo e positivismo jurídico”. Nesse sentido, a expressão pós-positivismo é utilizada por vários autores para designar a valoração jurídica dos princípios como alicerce de todo Direito Constitucional, conferindo-lhes caráter de normatividade. Diante da ideia de força normativa dos princípios, Santarosa (2013, p. 565) defende que os mesmos “[...] são destituídos de sentido a priori, motivo pelo qual a sua complementação é realizada, no mais das vezes, pelos tribunais. Instaura-se um novo modelo de constitucionalismo, no qual o interprete também é participe da “criação” do direito.” Do exposto, infere-se que o pós-positivismo não desconsidera a lei positiva, mas propõe uma leitura moral do direito, atribuindo, pois, normatividade aos princípios, além de propor uma diferenciação qualitativa em relação às regras. Mas como garantir normatividade aos princípios constitucionais? A resposta a tal indagação deve ser buscada levando-se em consideração o papel do intérprete da norma, que, mediante uma atuação criativa do direito, deve procurar efetivamente concretizar os direitos fundamentais garantidos nas Constituições. No entanto, vale dizer que tal não significa propriamente legislar, mas, por meio da utilização de novas técnicas de interpretação, promover uma reaproximação entre o Direito e a Ética. Segundo Barroso (2009, p. 251), A dignidade da pessoa humana está na origem dos direitos materialmente fundamentais e representa o núcleo essencial de cada um deles, assim os individuais, como os políticos e os sociais. O principio tem sido objeto no Brasil e no mundo, de intensa elaboração doutrinaria e de busca de maior densidade jurídica. Procura-se estabelecer os contornos de uma objetividade possível, 94 apta a prover racionalidade e controlabilidade à sua utilização nas decisões judiciais. Portanto, na tentativa de garantir em concreto a realização dos direitos fundamentais, o Poder Judiciário deverá se ater essencialmente ao princípio da dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, passa a ter no Neoconstitucionalismo, valoração jurídica. Referido princípio representa um valor espiritual e moral do indivíduo, constituindo um mínimo essencial de direitos que todos os ordenamentos jurídicos devem garantir com caráter de imperatividade. Nesse sentido, a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana no constitucionalismo contemporâneo acabou por impor ao intérprete o dever de aplicá-lo, consagrando-se, assim, a ideia de que o ser humano constitui o valor supremo do Estado, na medida em que este deve servir àquele. 3.3 Neoconstitucionalismo: Marco teórico No âmbito teórico, para que as ideias do Neoconstitucionalismo possam ser de fato implementadas, devem-se levar em conta três importantes teorias que transformaram o Direito Constitucional, quais sejam, atribuição de força normativa da Constituição; expansão da jurisdição constitucional e nova dogmática da interpretação constitucional. O Estado Constitucional de direito, na atualidade, tem como pressuposto lógico-jurídico conferir à Constituição o caráter de norma imperativa, ou seja, um conjunto aberto de regras e princípios. Dessa forma, todo ordenamento jurídico deve ter seu fundamento de validade no texto constitucional. Tal é a importância, portanto, do principio da supremacia constitucional. Sendo assim, a fim de fazer valer a vontade da Constituição, é necessário que exista um controle de constitucionalidade de leis e atos normativos e, consequentemente, uma ampliação jurisdicional de tal controle de forma a evitar que normas incompatíveis com a Constituição subsistam no ordenamento jurídico. Passa-se, aqui, a falar em invalidação de normas jurídicas, o que não ocorria no Estado Liberal em que não se vislumbrava a possibilidade de o judiciário invalidar atos emanados do poder legislativo. Cumpre mencionar que a Constituição brasileira de 1988 garantiu a todos os órgãos de Poder, sobretudo ao Judiciário, a função de exercer o controle de constitucionalidade das normas. 95 Para tanto, torna-se necessário estabelecer técnicas que vão revelar ou atribuir sentido a textos normativos tendo como parâmetro a Constituição. Nesse contexto, surge um novo paradigma de interpretação constitucional pautado, nos dizeres de Barroso (2009, p. 266), nas seguintes premissas: [...] o reconhecimento de normatividade aos princípios, a percepção da ocorrência de colisão de normas constitucionais e de direitos fundamentais, a necessidade de utilização da ponderação como técnica de decisão e a reabilitação da razão pratica como fundamento de legitimação das decisões judiciais. Nesse sentido, solidificou-se a reaproximação do Direito aos padrões éticos, sedimentando o entendimento de que os princípios constitucionais – expressos ou implícitos – são, ao lado das regras, parte do ordenamento jurídico. Ademais, o reconhecimento do fenômeno dos conflitos entre princípios constitucionais, direitos fundamentais e valores e interesses constitucionais (BARROSO, 2009, p. 331), quando da solução de um litígio, acabou por evidenciar a inoperância e incompetência do método positivista da aplicação fria da letra da lei, o que trouxe à baila o método da ponderação dos princípios. Para prover tal técnica, o intérprete deve, a partir da identificação das normas aplicáveis ao caso concreto, eleger aquela que mais se adequa ao caso concreto, diante da relevância dos fatos. Nesse sentido, a interpretação passa, no neoconstitucionalismo, a guiar-se pela subjetividade do aplicador da lei, que, utilizando dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve garantir a concretude dos direitos fundamentais. Sem pretensão de esgotar o tema, pretendeu-se demonstrar a relevância jurídica dos princípios e valores presentes na filosofia, na moral e na ética com vistas a conferir ao direito o verdadeiro papel que lhe é inerente: a garantia dos ideias de justiça e equidade, fim maior de toda norma. Considerações Finais É certo que a ciência jurídica não pode ser um fim em si mesma; existe como instrumento para se alcançar determinada finalidade. De acordo com os diversos contextos históricos relatados neste estudo, o Direito teve um fim a ser 96 perseguido, tomando como fundamento teórico uma ou outra corrente jurídicofilosófica. Do presente trabalho, ainda que de forma sucinta, podemos inferir que, atualmente, o papel do Direito está intimamente relacionado à ideia de legitimidade, de forma que não basta a existência de um corpo normativo positivo para a realização dos ideais de justiça e equidade. Aplicar a “letra fria da lei” sem considerar os valores éticos e morais pode ser perigoso e a História nos mostrou que, em nome da estrita legalidade, o mundo assistiu às barbáries do holocausto. Dessa forma, ao invés de conferir ao Direito um caráter meramente metafísico, como pretenderam os jusnaturalistas, ou um caráter estritamente científico, como o quiseram os positivistas, o delineamento atualmente concebido é o de que as normas positivas devem ser interpretadas à luz de valores éticos e morais, a fim de se garantir a concretização de direitos mínimos necessários à própria sobrevivência dos indivíduos. As Constituições democráticas, nesse contexto, apresentam um conteúdo jurídico-axiológico, de caráter instrumental, em que suas normas vão sendo aplicadas tendo como fim máximo o indivíduo nas suas diversas acepções: o individual; o coletivo; o plural... Dessa forma, o papel do novo Direito Constitucional deve buscar, na Constituição, sua força normativa máxima, tendo como base, portanto, o Princípio de Supremacia Constitucional. Nesse sentido, todas as demais normas do sistema jurídico devem encontrar na Carta Suprema seu fundamento de validade, sob pena de serem consideradas inválidas. Diante de tal sistemática, de cabal importância é o conteúdo axiológico de uma Constituição, pois a concretização dos direitos inerentes à própria condição do ser humano depende dessa valoração e o parâmetro para consecução dessa finalidade é a busca pela dignidade humana – princípio norteador dos demais direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana é, indiscutivelmente, a base da concretização dos demais direitos dos indivíduos. A sua transposição do plano religioso/moral/ético para a esfera jurídica ocorreu em decorrência desse novo modo de repensar o Direito. Assim, sem desconsiderar o direito posto, escrito, 97 deve-se, também, mediante critérios e técnicas objetivas e racionais, aliar suas regras a valores e princípios morais e éticos com vistas à consecução do justo. Do exposto, a tarefa do novo Direito Constitucional é justamente garantir a todos, não só à maioria, mas também à minoria, a plena satisfação de suas necessidades básicas, pois o ser humano é um fim em si mesmo e o Direito um instrumento de realização de suas necessidades. Referências BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constituciobalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coords.). A constitucionalização do direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 97-136. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, Brasília: UNb, 1997. CELLA, José Renato Gaziero. Positivismo jurídico no século XIX: Relações entre direito e moral do Ancien Régime à Modernidade. In: XIX ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais... Fortaleza: 2010. Disponível em: <http://www.academia.edu/559776/POSITIVISMO_JURIDICO_NO_SECULO_X IX_RELACOES_ENTRE_DIREITO_E_MORAL_DO_ANCIEN_REGIME_A_MO DERNIDADE>. Acesso em: 25 mai. 2014 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do direito. 4. ed. Tradução de J. Cretela Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed.. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ou princípios do direito político . Col. Os Pensadores . Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1997. SANTAROSA, Humberto. Jurisdição criativa e a motivação das decisões judiciais. In: FUX, Luiz (Coord.). Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 559-632. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo; DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Além do Positivismo Jurídico. Belo Horizonte: Arraes, 2013. 98 A (IN)EFICÁCIA DA AMPLA DEFESA DO PARLAMENTAR Paulo César Oliveira do Carmo – IPTAN Especialista em Direito Público E-mail: [email protected] Resumo: O objetivo do presente artigo é abordar a controvérsia existente sobre a questão da perda do mandato dos parlamentares condenados pelo cometimento de crimes. Os parlamentares federais, deputados Federais e senadores da República possuem um rol de prerrogativas para o exercício independente de seu mister na Constituição da República Federativa do Brasil 1988. O Estatuto dos Congressistas assegura ao parlamentar, submetido a um procedimento de perda de mandato, a ampla defesa. A ampla defesa, no que tange ao seu real conteúdo e eficácia, será variável conforme o procedimento a que for submetido o parlamentar, ou seja, se se trata de cassação ou extinção do mandato, nos termos dos respectivos §§ 2º e 3º, do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Em relação ao procedimento de cassação de mandato do parlamentar condenado por sentença criminal transitada em julgado existem entendimentos divergentes no Supremo Tribunal Federal, os quais variam conforme a natureza do crime cometido, a pena concreta e o regime de cumprimento desta. Palavras-chave: Perda do mandato parlamentar – Ampla defesa Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) expressamente nos artigos 53 a 56 traz um regime jurídico dos parlamentares, consistente em um rol de prerrogativas e imunidades em função do exercício do mandato parlamentar, denominado pela doutrina de um verdadeiro Estatuto dos Congressistas (CUNHA JÚNIOR, 2012). O presente trabalho irá circunscrever sobre o procedimento das hipóteses de perda do mandato parlamentar do Deputado Federal e do Senador da República, previstas no artigo 55, §§ 2º e 3º da CRFB/88. Especialmente no que tange ao procedimento constitucional previsto nos §§ 1º e 2º do art. 55 da CRFB/88, ambos preveem, expressamente, que será assegurado ao parlamentar a ampla defesa, direito e garantia fundamental cuja eficácia e o âmbito de aplicação, variável, serão explanados; não se tem o escopo de esgotar o tema, atualmente muito debatido pelos acadêmicos e operadores do direito, ante aos acontecimentos expostos na mídia em relação aos processos penais e políticos a que vêm sendo submetidos os parlamentares do Congresso Nacional. 99 1 A perda do mandato parlamentar A perda do mandato parlamentar pode resultar de cassação ou de extinção, que configuram hipóteses distintas e têm procedimentos também distintos. Hely Lopes Meireles (2008, p. 643) explica e denomina a causa e o efeito sobre a perda do mandato parlamentar: A cassação, como ato punitivo, pode advir da própria Câmara, nos caso de conduta incompatível do edil como o exercício da investidura política ou falta éticoparlamentar que autorize sua exclusão da câmara, ou pode provir da Justiça Penal, nos casos de condenação por crime funcional que acarrete aplicação da pena acessória de perda ou inabilitação para qualquer função pública; a extinção, como simples ato declaratório do perecimento do mandato nos casos expressos na lei, é sempre de alçada do presidente da mesa. Segundo a CRFB/88, no § 2º do art. 55, os incisos I (incompatibilidades), II (decoro parlamentar), e VI (sofrer condenação criminal transitada em julgado), a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante a provocação da respectiva Mesa, ou de partido político representado no Congresso Nacional. Diante desse procedimento de perda do mandato, ou seja, por decisão política, tratam-se essas hipóteses de cassação do mandato. Prevê ainda a Carta Política, no § 2º do art. 55, que os incisos III, IV e V (ausência à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, perda ou suspensão dos direitos políticos e decretação da justiça eleitoral nos casos previstos na Constituição, respectivamente), a perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou partido político representado no Congresso Nacional. Tendo em vista que a perda do mandato será apenas declarada pela Mesa da Casa a que pertencer o parlamentar, não havendo esta que decidir fundado em juízo político, essas hipóteses possuem natureza de extinção do mandado parlamentar. Verifica-se que, quanto às hipóteses cuja natureza é a extinção, a declaração da Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a 100 determina; no que tange às hipóteses de cassação do mandado, há a submissão do fato ao juízo político da Casa a que pertence o parlamentar, ou seja, a perda ou não do mandado, será decidida segundo a conveniência e a oportunidade dos membros da Casa Legislativa participantes da votação aberta. 2 A ampla defesa assegurada ao parlamentar Ao parlamentar, independente da distinção do procedimento a ser seguido para a cassação ou a extinção do mandato, é assegurado o direito à ampla defesa. Ainda que não houvesse a previsão, expressa nos §§ 2º e 3º do art. 55 da CRFB/88, da ampla defesa nos procedimentos de perda do mandato, o parlamentar, ainda assim, poderia exercer esse direito e garantia fundamental expresso no art. 5º, inciso LV (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) da Carta Política. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008) explicam, sob o prisma do direito comparado, o conteúdo da densidade normativa do direito e garantia assegurado no inciso LV, do art. 5º da Carta Política: Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado ‘Anspruch auf rechtliches Gehor’ (pretensão à tutela jurídica) no Direito alemã, assinala a Corte Constitucional que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar O Supremo Tribunal Federal, entendendo que houve vulneração do justo processo da lei (“due process of law”) com fulcro no inciso LV, do art. 5º, da CRFB/88, no julgamento do Mandado de Segurança 25.647/DF 12(caso em que figurava como paciente José Dirceu), da relatoria originária do Ministro Carlos 12 MS 25647 MC, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2005, DJ 15-12-2006 PP-00082 EMENT VOL-02260-02 PP-00227. 101 Britto, cuja ementa, da lavra do Ministro Cezar Peluso, assevera o âmbito de aplicação da ampla defesa: PARLAMENTAR. Perda de mandato. Processo de cassação. Quebra de decoro parlamentar. Inversão da ordem das provas. Reinquirição de testemunha de acusação ouvida após as da defesa. Indeferimento pelo Conselho de Ética. Inadmissibilidade. Prejuízo presumido. Nulidade consequente. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Vulneração do justo processo da lei (due process of law). Ofensa aos arts. 5º, incs. LIV e LV, e 55, § 2º, da CF. Liminar concedida em parte, pelo voto intermediário, para suprimir, do Relatório da Comissão, o inteiro teor do depoimento e das referências que lhe faça. Votos vencidos. Em processo parlamentar de perda de mandato, não se admite aproveitamento de prova acusatória produzida após as provas de defesa, sem oportunidade de contradição real. Mesmo havendo no art. 5º da CRFB/88 a previsão da ampla defesa cuja garantia é assegurada ao parlamentar, os §§ 2º e 3º, do art. 55, da mesma Carta, expressamente preveem, novamente, nos respectivos procedimentos de perda do mandato, a ampla defesa. A previsão expressa da ampla defesa no âmbito dos procedimentos de perda de mandato não se trata de mera repetição ou retórica legislativa. A ampla defesa assegurada ao parlamentar ao se submeter a um procedimento de perda de mandato, possui conteúdos eficaciais distintos conforme a espécie (cassação ou extinção) procedimental e o fato motivador de abertura deste. No procedimento de cassação do mandato, os fatos a serem julgados pela Casa a que pertence o parlamentar, estão previstos nos incisos I (incompatibilidades), II (decoro parlamentar), e VI (sofrer condenação criminal transitada em julgado) do art. 55 da CRFB/88. Haverá, nesse procedimento uma análise política sobre os fatos, exarando os membros da Casa, mediante voto aberto, um juízo de valor político. Verifica-se que no procedimento de cassação do mandato, a ampla defesa assegurada ao parlamentar, possui uma eficácia latente, uma vez que terá o parlamentar a oportunidade de demonstrar e convencer a seus pares a votarem em seu favor para a manutenção do mandato. 102 O parlamentar poderá exercer efetivamente o seu direito de defesa por intermédio de todas as formas lícitas e legítimas admissíveis na tentativa de ter uma decisão que lhe assegure o mandato. Poderá, o parlamentar, no trâmite do procedimento, apresentar e requerer provas admissíveis pelo ordenamento jurídico, apresentar defesa escrita, apresentar defesa oral, interpor recursos, exercer o “lobby” partidário e político etc.13,14 Nos fatos consistentes nos incisos I (incompatibilidades) e II (decoro parlamentar), do art. 55 da Carta Magna, em relação ao conteúdo e ao âmbito de aplicação da ampla defesa do parlamentar, não há debate jurídico e/ou político cujo entendimento venha distinguir, limitar ou relativizar a sua força normativa, há um consenso comum sobre a amplitude e a eficácia prática sobre a aparente indeterminação da ampla defesa nesses casos concretos; havendo, nesses casos, conforme ministra Marçal Justen Filho, um núcleo de certeza sobre o conteúdo do conceito jurídico15. Em relação ao inciso VI (sofrer condenação criminal transitada em julgado) do art. 55 da CRFB/88, a ampla defesa assegurada ao parlamentar, culminando na decisão da Casa Legislativa a que pertence o parlamentar, tanto em relação ao exercício da ampla defesa, bem como ao conteúdo eficacial da decisão, tem havido um debate jurídico acalorado, principalmente no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que a doutrina sempre foi assente quanto à eficácia 13 O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, no capítulo IV, art. 9º e seguintes, prevê o procedimento disciplinar, assegurando a ampla defesa. 14 O Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, no capítulo VI, art. 12 e seguintes, prevê o procedimento disciplinar, assegurando a ampla defesa. 15 “Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão "norma geral" comporta dois núcleos de certeza. Há um núcleo de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangência inquestionável do conceito. Há outro núcleo de certeza negativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. À medida que se afasta do núcleo de certeza positiva, reduz-se a precisão na aplicação do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza negativa, amplia-se a pretensão de inaplicabilidade do conceito. Não existe, porém, um limite exato acerca dos contornos do conceito. A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não deságua na liberação do aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo contrário. Conduz a restringir a liberdade na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados. A incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última" (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed., São Paulo: Dialética, 1998. p. 17-1). 103 prática do procedimento de perda de mandato e do âmbito de aplicação da ampla defesa, cujo objeto seja condenação criminal transitada em julgado em face de parlamentar federal. Assim, a doutrina pátria, quanto ao entendimento sobre a perda do mandato do parlamentar condenado por sentença criminal transitada em julgado, sempre foi assente quanto à aplicação expressa do § 2º, do art. 55 da CRFB/88, ou seja, ainda que o parlamentar fosse condenado pelo Poder Judiciário pelo cometimento de crime, cuja sentença transitou em julgado, dever-se-ía a Casa Legislativa a que pertence o parlamentar condenado, decidir sobre a perda do mandato, havendo um juízo de conveniência política (MENDES, 2008, p. 903). Analisando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, verifica-se que há uma aparente contradição de determinados dispositivos que dipõem sobre condições de elegibilidade, suspensão de direitos políticos e a perda do mandato do parlamentar condenado criminalmente por sentença transitada em julgado. O artigo 14, § 3º, II, da CRFB/88, prevê como uma das condições de elegibilidade o pleno exercício dos direitos políticos. O artigo 15, III, da CRFB/88, determina que o indivíduo que sofre condenação transitada em julgado fica com os seus direitos políticos suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação. Há, ainda, no Código Penal, no art. 92, inciso I, uma prescrição de um dos efeitos de sentença penal condenatória, determinando a perda de cargo, função pública ou de mandato eletivo16. 16 Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. 104 Os artigos 14 e 15 da Carta Magna, em seus preceitos, não excepcionam determinados indivíduos e/ou cidadãos, é norma obrigatória para todos indistintamente, inclusive os Deputados Federais e Senadores da República. Portanto, sob a prescrição dos referidos artigos (14, § 3º, II e 15, III, ambos da CRFB/88), os parlamentares federais condenados por sentença criminal transitada em julgado perderiam o mandato pelo fato de que seus direitos políticos estariam suspensos, perdendo também uma causa obrigatória de elegibilidade, como efeitos da sentença penal. Essa aparente contradição foi e ainda está sendo debatida no Supremo Tribunal Federal (STF). Na Ação Penal nº. 470/MG – AP 470/MG, midiaticamente denominada de “Julgamento do Mensalão”, uma vez havendo a condenação de parlamentares federais, houve dois entendimentos distintos quanto à aplicação da perda do mandato face à prescrição do § 2º, do art. 55, da Carta Política, que submete a sentença criminal transitada em julgado ao crivo decisório da Casa Legislativa, mediante ampla defesa do parlamentar condenado. Segundo o entendimento, no caso minoritário, exarado pelos Ministros do STF, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Carmen Lúcia, na AP 470/MG, não ocorrerá a perda do mandato como consequência da sentença criminal transitada em julgado, apenas como fundamento o art. 14, § 3º, II e art. 15, III, ambos da Carta Política. Para os referidos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no caso dos parlamentares federais, há uma norma específica que excepciona a regra geral (art. 14, § 3º, II e art. 15, III, da CRFB/88), expressa no art. 55, VI e § 2º, da Constituição da República. Em seu voto, a Ministra Rosa Weber, sustentou, sintetizando, que a constituição, deliberadamente, tratou de maneira diversa a sanção de improbidade administrativa e a condenação criminal; para a Ministra, é contrário à boa técnica hermenêutica interpretar os incisos IV e VI, do art. 55 da Constituição à luz do que prescreve o art. 92 do Código Penal, norma infraconstitucional, o que importaria em uma inversão da hierarquia das fontes. Logo, para esta “corrente”, a interpretação correta para solucionar o conflito aparente dos dispositivos constitucionais, seria no sentido de que o 105 Deputado Federal e o Senador da República, mesmo tendo sido condenados criminalmente, com sentença judicial transitada em julgado, somente perdem o mandato se assim decidir a maioria absoluta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por meio de votação, assegurada a ampla defesa. O Supremo Tribunal Federal, por maioria17, adotou este entendimento no julgamento do Senador Ivo Cassol, na Ação Penal nº. 565/RO, tendo como Relatora a Ministra Carmen Lúcia, de agosto de 2013. Segundo esse entendimento, a ampla defesa do parlamentar, abarcaria também, dentre outros meios lícitos e legítimos já citados, a própria ineficácia da sentença penal condenatória proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em relação ao efeito consequencial da cassação do mandato, caso os pares parlamentares da Casa Legislativa votem pela manutenção do mandato do parlamentar condenado. O outro entendimento, vencedor no famoso processo, defendido pelos Ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, proferido no AP 470/MG, é de que o § 2º do art. 55 da CRFB/88 não precisa ser aplicado em todos os casos nos quais os parlamentares federais tenham sidos condenados criminalmente, mas apenas nas hipóteses em que a decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar por não estarem presentes os requisitos legais do art. 92, I, do Código Penal Brasileiro (CPB), ou se foi proferida anteriormente à expedição do diploma, com trânsito em julgado em momento posterior. A Casa Legislativa, portanto, apenas declararia a perda de mandato nos casos de condenação criminal nos quais esteja ínsita a improbidade administrativa (inciso I, a, do art. 92, do Código Penal), ou, nos casos de condenação por outros crimes, a pena aplicada privativa de liberdade seja por tempo superior a 4 (quatro) anos. Portando, para esta segunda “corrente”, e que prevaleceu na AP 470/MG, se a decisão condenatória criminal determinou a perda do mandato eletivo, nos termos do artigo 92, I, do CPB, não haverá necessidade do julgamento político pela Casa Legislativa, não se aplicando o procedimento previsto no art. 55, § 2º, da CRFB/88, ou seja, a deliberação da Casa 17 Ministros: Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Teori Zavaski e Roberto Barroso. 106 Legislativa possuiria efeito meramente declaratório, sem que pudesse rever ou tornar sem efeito decisão condenatória definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Na esteira desse entendimento, a ampla defesa do parlamentar apenas se limita a acompanhar o procedimento legal que culminará com a declaração da perda do mandato pela Casa Legislativa, fiscalizando a comunicação, por ofício, do Supremo Tribunal Federal a Mesa da Casa a que pertence o parlamentar, bem como a instauração e o trâmite do procedimento nos termos do Regimento Interno da Casa Legislativa, quanto aos atos, prazos e recursos inerentes, desde que já circunscritos a aspectos meramente formais do trâmite procedimental. O âmbito de eficácia e aplicação do conteúdo conceitual da ampla defesa, segundo o entendimento majoritário exarado na AP 470/MG, é semelhante ao do procedimento de extinção do mandato prescrito no § 3º do art. 55 da CRFB/88, sendo limitado, relativizado e de natureza meramente formal. O Ministro Luis Roberto Barroso, proferiu no Mandado de Segurança nº. 32.326/DF18, em 02.09.2013, decisão monocrática,19 recente, na qual revela um terceiro entendimento. 18 O Trata-se de mandado de segurança, com requerimento de concessão de liminar, impetrado pelo Deputado Federal Carlos Sampaio contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados, que submeteu ao Plenário da Casa deliberação sobre a perda ou não do mandato do Deputado Federal Natan Donadon (Representação nº 20/2013), condenado criminalmente em caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal a 13 (treze) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado. Em essência, o pedido do impetrante é que seja reconhecido que, na hipótese, a perda do mandato parlamentar não está sujeita a decisão do Plenário, mas a mera declaração da Mesa da Câmara dos Deputados. Posteriormente, o MS foi considerado prejudicado pelo Ministro Relator Luis Roberto Barroso, com base no art. 38 da Lei 8.038/1990. 19 (...) “De tudo que vem de ser exposto e examinado, é possível assentar, em conclusão: A. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado. B. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício. C. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória. 107 Segundo essa decisão liminar, em caso de condenação de Deputado Federal ou Senador da República, a Casa Legislativa irá decidir sobre a perda ou não do mandato, nos termos procedimentais do § 2º, do art. 55, da CRFB/88. No entanto, para o Ministro Luis Roberto Barroso, se o regime de cumprimento da pena for o fechado e a quantidade da pena superior ao mandato, a Casa Legislativa, obrigatoriamente, deverá determinar a perda do mandato, considerando que as condições do regime fechado são logicamente incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar. Aplica-se, portanto, as regras do procedimento de cassação prescritas no § 2º, do art. 55, da Carta Magna, salvo se a pena concreta e o regime da pena forem incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar; o âmbito de eficácia da ampla defesa parlamentar variará conforme o caso concreto, se houver mera declaração da perda do mandato ou juízo político da Casa Legislativa. Em relação ao procedimento previsto no § 3º20, do art. 55, da CRFB/88, o qual se refere aos incisos III (deixar de comparecer, em cada sessão D. Acrescente-se que o tratamento constitucional dado ao tema não é bom e apresenta sequelas institucionais indesejáveis. Todavia, cabe ao Congresso Nacional, por meio de emenda constitucional, rever o sistema vigente. Verifico estarem presentes os elementos que autorizam a concessão de medida liminar inaudita altera pars (antes mesmo de ouvir a autoridade impetrada). Isto porque vislumbro fumus boni iuris (aparência de bom direito) no pedido formulado, por considerar relevante e juridicamente plausível o fundamento de que, no caso em exame, a perda do mandato deveria decorrer automaticamente da condenação judicial, sendo o ato da Mesa da Câmara dos Deputados vinculado e declaratório. Assim entendo porque o período de pena a ser cumprido em regime fechado excede o prazo remanescente do mandato, tornando sua conservação impossível, tanto do ponto de vista jurídico quanto fático. Considero, ademais, haver periculum in mora (perigo na demora) pela gravidade moral e institucional de se manterem os efeitos de uma decisão política que, desconsiderando uma impossibilidade fática e jurídica, chancela a existência de um Deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 (treze) anos, em regime inicial fechado. A indignação cívica, a perplexidade jurídica, o abalo às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação imediata do Judiciário. Como consequência, suspendo os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados acerca da Representação nº 20, de 21 de agosto de 2013,até o julgamento definitivo do presente mandado de segurança pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Esclareço que a presente decisão não produz a perda automática do mandato, cuja declaração – ainda quando constitua ato vinculado – é de atribuição da Mesa da Câmara.” 20 “Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” 108 legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada), IV (que perder ou tiver suspensos os direitos políticos) e V (quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição), do referido artigo constitucional, a Mesa da Casa Legislativa apenas declarará a perda do mandato, uma vez que se trata de extinção do mandado, assegurando ao parlamentar a ampla defesa. Diante deste procedimento, no qual não haverá julgamento político pela Casa Legislativa, mediante votação aberta, pode-se indagar de que adiantaria assegurar ao parlamentar a ampla defesa, e qual seria o seu âmbito de aplicação e eficácia21. 21 DECISÃO MANDADO DE SEGURANÇA - DEVIDO PROCESSO LEGAL TRANSGRESSÃO - RELEVÂNCIA - LIMINAR DEFERIDA. 1. João Alberto Rodrigues Capiberibe impetra este mandado de segurança, formalizando pedido de concessão de liminar contra ato do Presidente do Senado da República, senador Renan Calheiros, que o afastou do exercício do mandato de Senador pelo Estado do Amapá, aludindo à posse de Gilvam Pinheiro Borges designada para a data de hoje, às quatorze horas. Em síntese, sustenta o impetrante que o Presidente do Senado inobservou a regra do § 3º do artigo 55 da Constituição Federal, deixando de ensejar o direito de defesa e implementando, no campo individual, o afastamento. Discorre a respeito, reportando-se aos debates que se travaram no âmbito da Casa Legislativa e afirmando que em jogo se faz direito subjetivo passível de proteção mediante a ação mandamental. Ter-se-ia ou a competência do Plenário da Casa ou da Mesa para, somente após o exercício do direito de defesa, concluir pelo afastamento. É pleiteada liminar que implique a sustação dos efeitos da decisão atacada, restabelecida a situação jurídica anterior, vindo o Tribunal, após citado o litisconsorte passivo e ouvida a Procuradoria Geral da República, a conceder a segurança para tornar insubsistente o ato. Acompanharam a inicial as peças de folha 16 a 157. 2. A impetração ocorreu neste dia às onze horas e trinta e oito minutos, chegando o processo ao Gabinete às treze horas e quarenta e oito minutos, sendo que, a partir das quatorze horas, integrei a Sessão Plenária. No caso, não cabe elucidar o alcance, em si, dos ofícios encaminhados ao Senado Federal, dando conta do julgamento procedido no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, bem como da solução emprestada à Questão de Ordem sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Cumpre apenas ter presente a Lei Fundamental, o que previsto no artigo 55 dela constante: Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. § 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. Pois bem, quer se trate da perda do mandato, presentes os incisos I, II e VI, quer verse a situação a extinção ante as previsões dos incisos 109 Para Kildare Gonçalves Carvalho (2011. p. 1012),22, na perda do mandato segundo o procedimento de extinção, por mera declaração da Mesa da Casa Legislativa correspondente, a ampla defesa possui um âmbito de aplicação limitado, cuja eficácia é relativizada: Uma vez comunicada a decisão à Casa Legislativa, assegura-se ao parlamentar o direito à ampla defesa, a qual, no entanto, não abrange a revisão de fatos, ou o próprio mérito da decisão, mas aspectos formais, como a validade da comunicação da Justiça Eleitoral, a idoneidade dos documentos que comprovam a decisão, ou a formação da coisa julgada material. De consignar que o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de que a atribuição da Mesa da Casa, a que pertence o parlamentar que incorrera nas hipóteses sancionatórias previstas nos incisos III a V do art. 55 da Constituição Federal (cuidava-se especificamente da aplicação do inciso V), circunscrever-se-ia a declarar a perda do mandado, dando posse, por conseguinte, a quem devesse ocupar o cargo vago, haja vista que o registro do parlamentar já teria sido cassado pela Justiça Eleitoral, não podendo subsistir, dessa forma, o mandato eletivo. Asseverou-se, ademais, que a ampla defesa a que alude o § 3º do art. 55 da Constituição Federal, não diria a respeito a nenhum procedimento eventualmente instaurado no âmbito de uma das Casas Legislativas, e sim à garantia nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral, não cabendo à Mesa da Casa Legislativa a que pertence o titular do mandato eletivo cassado aferir o acerto, ou não, das decisões emanadas da Justiça Eleitoral, ou ainda fixar momento adequado para cumprir tais julgados Registrou-se que o ato da Mesa do Senado III a V, tem-se como autores dos atos, respectivamente, o Plenário da Casa e a Mesa, assegurada, em ambas as situações, a ampla defesa. As discussões travadas no Senado Federal revelam o afastamento do impetrante sem que observados os ditames constitucionais, sem que observada a Lei Fundamental da República, que a todos, indistintamente, submete, considerado o devido processo legal. Frise-se, por oportuno, que à época da cassação do registro e diploma, o impetrante já estava no exercício do mandato de Senador, não cabendo conferir à parte final do inciso V do artigo 55 da Carta Federal - "... nos casos previstos nesta Constituição" - interpretação gramatical, simplesmente verbal, sob pena de se chegar a verdadeiro paradoxo. Estando o pronunciamento judicial calcado nesta última, de envergadura maior, terse-ia a incidência do preceito do § 3º do citado artigo, enquanto a fundamentação em norma estritamente legal dispensaria o atendimento às formalidades estabelecidas. A óptica não se sustenta. 3. Concedo a liminar pleiteada para afastar os efeitos do ato atacado. Com isso, restabeleço a situação jurídica anterior, viabilizando ao impetrante, ainda na qualidade de Senador da República, o exercício do direito de defesa. 4. Cite-se o litisconsorte passivo. 5. Dê-se ciência ao Presidente do Senado Federal. 6. Publique-se. Brasília, 27 de outubro de 2005. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (MS 25623, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 27/10/2005, publicado em DJ 09/11/2005 PP-00006). 22 STF, MS 27.613/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.10.2009. Informativo 565/STF. 110 ou da Câmara que dispõe sobre a perda do mandato parlamentar (CF, art. 55, V) tem natureza meramente declaratória. A hipótese do inciso III (deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada), do art. 55 da Carta Política, limita o exercício da defesa apenas às hipóteses expressas, que consistem em justificar a ausência do parlamentar às sessões. O art. 55, IV (que perder ou tiver suspensos os direitos políticos), da Constituição da República, se refere às hipóteses previstas no art. 15 do mesmo diploma Magno; não concedendo margem ao parlamentar de obstar os efeitos determinantes do referido artigo 15 mediante o exercício de defesa, selvo quanto ao aspecto meramente formal, acima explicado. A perda do mandato quando o decretar a Justiça Eleitoral (art. 55, V, da CRFB/88), abrange, conforme as previsões expressas na Carta Magna, a decisão final de a ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, §§ 10 e 11), as decisões relativas à inelegibilidade e à anulação de diplomas eleitorais (art. 121, § 4º, III e IV). A ampla defesa, por se tratar de procedimento de extinção do mandato, também é limitada ao aspecto formal, não sendo permitido o exercício que atente contra a decisão da Justiça Eleitoral, a fim de suspendê-la ou desconstituí-la. Considerações finais A ampla defesa expressamente prevista nos procedimentos da perda do mandato parlamentar, nos §§ 2º e 3º, do art. 55, da CRFB/88, possui âmbito de aplicação e eficácia variada segundo a espécie de perda de mandato a que se submete o parlamentar. O procedimento da cassação do mandato (§ 2º, art. 55, CRFB/88), no qual haverá um julgamento político, permite ao parlamentar exercer sua defesa por todos os meios probantes lícitos e legítimos existentes no ordenamento jurídico pátrio. O direito e a garantia da ampla defesa, neste caso, possui uma eficácia real, ampla, e não somente formal, mas também material, uma vez que poderá o parlamentar debater fatos e circunstâncias que lhes são imputados, 111 demonstrando e influenciando no julgamento por intermédio dos votos de seus pares, para que possa manter o seu mandato. Em relação aos parlamentares condenados por sentença criminal transitada em julgado, cujo procedimento de perda de mandato também possui natureza de cassação, a ampla defesa do parlamentar terá eficácia limitada e relativa conforme o entendimento aplicado ao caso concreto. A regra, nesses casos, é submeter o parlamentar ao julgamento político da Casa Legislativa a que pertence, havendo, de acordo com o mandamento sentencial criminal, exceções a esta regra. O entendimento exarado no Mandado de Segurança nº. 32.326/DF, em que se pese trata-se de decisão monocrática do Ministro Luis Roberto Barroso, talvez seja o que mais se aproxima de uma solução hermenêutica consistente em uma ponderação de valores expressos na Carta Magna, conciliando a regra posta no procedimento de cassação, em caso de sentença criminal transitada em julgado, com os princípios da moralidade e da probidade constitucional. A eficácia da ampla defesa parlamentar, no âmbito do procedimento de extinção do mandato (§ 3º, art. 55, CRFB/88) é limitada e circunscreve ao aspecto formal de seu conteúdo. O parlamentar atuará, a bem da verdade, como mero fiscalizador do procedimento que culminará na declaração da Mesa da Casa a que pertence. Referências BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.> Acesso em: 08 de abr. 2014. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. São Paulo: Dialética, 1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira et al. COELHO INOCÊNCIO, Mártires. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. 112 OS DIREITOS HUMANOS E SUA APLICAÇÃO FRENTE À CRISE NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS: UMA ANÁLISE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO À LUZ DOS PENSAMENTOS DE HANNAH ARENDT SOBRE OS DIREITOS HUMANOS Fábio Abreu dos Passos – IPTAN Doutor em Filosofia – UFMG E-mail: [email protected] Fone: (32) 3372-3675 Cláudia Márcia Lacerda Cardoso – IPTAN Bacharelanda em Direito – IPTAN E-mail: [email protected] Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a realidade dos presídios brasileiros, questionando se os direitos humanos são respeitados nessas instituições. Ao iniciarmos as pesquisas nos deparamos com um vídeo intitulado “Mas afinal, o que é que são os Direitos Humanos” (migre.me/8cMLb) que refuta o que já tínhamos descoberto em conversas informais com pessoas da comunidade: poucos cidadãos tem consciência do que são em sua totalidade, os Direitos Humanos. Atualmente o termo está ligado a um determinado grupo que surge sempre que há uma rebelião ou que presos são mortos em invasões policiais aos presídios. É comum ouvirmos a frase, “onde estão os direitos humanos agora?” em referência a uma vítima de algum ato violento. Mas ao serem perguntados sobre o real significado do termo, a resposta invariavelmente é: “direito a vida.” Mostraremos no decorrer desse texto como são violados os direitos dos presidiários, como eles vivem sua realidade, como a sociedade os enxerga e qual a solução para o caos reinante em nosso sistema prisional. Em nossa pesquisa foram feitas entrevistas com alguns apenados, e traremos no final desse texto, nossas conclusões sobre os resultados. Palavras chave: Direitos Humanos – Encarceramento – Socialização – Inclusão social Introdução Antes de sabermos se os detentos brasileiros têm seus direitos humanos preservados, devemos entender o que são esses direitos, como surgiram e o que protegem. Vários povos moldaram os Direitos Humanos, como os conhecemos hoje. O desenvolvimento se deu através de diversas civilizações, que tinham a mesma necessidade: Limitar o poder do Estado e garantir o respeito à dignidade humana. 113 A mais antiga manifestação do reconhecimento dos direitos humanos data de 1690 a.C., o então rei da mesopotâmia, compilou um código de leis, que ficou conhecido como o Código de Hamurabi. No decorrer dos séculos, esses direitos sofreram várias influencias, e foram se modificando. Inúmeros ciclos evolutivos contribuíram para que ocorressem evoluções na ciência, na tecnologia, na política e como não poderia deixar de ser, trouxeram mudanças sociais e jurídicas. Essas mudanças foram de extrema importância para o surgimento e a evolução dos direitos humanos. A Magna Carta da Inglaterra, em 1215, foi um divisor de águas no que diz respeito aos direitos humanos. Entre suas disposições estavam os direitos de cidadãos serem livres para possuir e herdar bens, de serem protegidos contra impostos abusivos, e até de viúvas que possuíam propriedades, de decidirem ficar nesse estado civil, sem serem obrigadas a se casar novamente. Instituiu o devido processo legal e a igualdade de todos perante a lei. Mas foi na França de 1789, que se deu a consagração do reconhecimento dos direitos fundamentais, com a Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão. Até que a segunda guerra mundial iniciasse, os Direitos Humanos vieram evoluindo, se adaptando as mudanças da sociedade, mas com a guerra, eles estiveram muito próximos da extinção. Nunca antes, o mundo necessitou tanto da preservação dos direitos de seus cidadãos. Surge nesse cenário a ONU, que tem como objetivo reafirmar os direitos humanos, focando na dignidade e valor da pessoa humana. E sob a supervisão de Eleanor Roosevelt, foi criada a comissão que elaborou e aprovou a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. De acordo com Comparato “foi de suprema importância para a consagração dos direitos humanos, como um verdadeiro código de regras imputadas ao mundo para que toda a humanidade respeite, ampare e combata a violação desses direitos” (2003. p 44). Esse foi o pano de fundo dos pensamentos de Hannah Arendt. Em sua opinião, os atos cometidos durante a segunda guerra, provocaram uma ruptura dos direitos humanos. Essa tragédia sem precedentes cria uma massa de homens supérfluos, excluídos socialmente, sem qualquer direito. 114 Arendt diz que os Direitos Humanos declarados no século XVIII, já traziam problemas na própria fundamentação. Segundo ela, essa declaração significou o prenúncio da emancipação do homem, porque foi a partir da Declaração que o homem se tornou fonte de toda a lei, ou seja, o homem não estava mais sujeito a regras divinas ou impostas pelos costumes da história, mas se tornava dotado de direitos, apenas por ser homem. Criou-se assim a convicção que esses direitos eram inalienáveis, pois pertenciam ao ser humano onde quer que este estivesse. Hannah Arendt fala sobre os Direitos Humanos em relação aos apátridas, mas ainda hoje, esse mesmo pensamento pode ser dirigido a nossa população carcerária. Mesmo tendo Leis nacionais que foram criadas para ressocializa-los e ampará-los, muitos se situam em um limbo jurídico. As leis são usadas para puni-los, e não para retirá-los da criminalidade. O sistema carcerário brasileiro é incapaz de garantir aos detentos, até o mais primordial dos direitos, a vida. Hannah Arendt viveu na pele a experiência de ser considerada “supérflua” ao se tornar refugiada do regime nazista. Como afirma Celso Lafer, “o particularismo de sua experiência de judia alemã, diante do nazismo, traduziu-se na mensagem universal de liberdade” (LAFER,1988, p. 2). Ao escrever “Origens do Totalitarismo” Arendt não poderia imaginar que sua constatação sobre os apátridas, seria tão bem colocada em relação aos detentos do século XXI, no Brasil: Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim, de não existirem mais leis para eles, não de serem oprimidos, mas de não haver ninguém mais que se interessasse por eles, nem mesmo para oprimi-los (ARENDT, 2000, p. 329). O totalitarismo rompe com todos os conceitos sociais, transforma o homem em objeto descartável, supérfluo. No mundo contemporâneo, apesar do fim dos regimes totalitários, isso ainda acontece, especialmente dentro dos presídios. Celso Lafer descreve os motivos que podem criar os apátridas da atualidade: 115 “Entre outras tendências, menciono a ubiquidade da pobreza e da miséria; a ameaça do holocausto nuclear; a irrupção da violência; os surtos terroristas; a limpeza étnica; os fundamentalismos excludentes e intolerantes” (LAFER, 1988, p.77). Todas essas tendências são vistas na nossa sociedade e aparentemente aumentam a cada semana. Toda a sociedade paga o preço da violação de direitos, mas entre os encarcerados, esse preço é o mais alto. É a relação entre os direitos humanos e os encarcerados brasileiros, que esse trabalho tem como objetivo. E qual a real situação desses presídios? Nosso sistema está apto a reintegrar esse indivíduo a sociedade, como um verdadeiro cidadão? As penas aplicadas são apenas punitivas ou cumprem seu papel de reeducar aquele que comete um crime? 1 A evolução do sistema prisional Nas civilizações antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia) que tiveram as primeiras instituições penais, o local reservado aos detentos era para custódia e tortura, pois se acreditava que para pagar pelo erro cometido, o indivíduo deveria ter punições físicas. Uma dessas “Casas de Correção” foi o hospício de San Michel, em Roma, que era destinada primeiramente a encarcerar “meninos incorrigíveis”. Na idade média a justiça era atribuída a Deus, e exercida pelos sacerdotes, que eram considerados os representantes de Deus na terra. O sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX, mas só se generalizou, através da Europa, após a I Guerra Mundial. A essência desse regime consistia em distribuir o tempo de duração em períodos, ampliando em cada um deles os privilégios que o detento poderia usufruir, de acordo com sua conduta, e do avanço alcançado pelo tratamento reformador. Outro fator importante era a possibilidade do detento reincorporar-se à sociedade antes do término da pena a cumprir. O sistema fundamentava-se em dois pilares: estimular a boa conduta dos condenados, e obter sua reforma moral para a vida em sociedade. Hoje é o sistema aplicado no Brasil, com algumas variantes. O condenado a regime fechado passa por várias etapas, todas dependentes de seu comportamento e disposição para reintegrar-se a sociedade. Passa-se do regime fechado para o semi-aberto, desse para o 116 aberto, vai se reinserindo o detento a sociedade através das Casas de Albergados e por fim, a liberdade condicional. Em todas essas etapas, o condenado é observado, analisado e acompanhado. Mas para que chegássemos a esse sistema, foi um longo processo, pois no Brasil, as políticas punitivas eram baseadas nas ordenações manuelinas e filipinas, que defendiam a ideia de intimidação pelo terror, ou seja, era apenas um instrumento punitivo contra o crime, com o emprego de ideias religiosas e políticas da época. Em 1830, após a independência, os ideais ordenativos foram se enfraquecendo, e dando lugar à construção de uma legislação adequada a nação brasileira, que se afastava do domínio dos colonizadores e sua política opressiva. Houve um avanço no regime punitivo, baseado em uma cultura liberal, que entre outras atualizações, trouxe a individualização da pena. Mas foi a partir do Código Penal de 1890, que se aboliu a pena de morte e fez surgir um regime penitenciário de caráter correcional. A mudança tinha como objetivo ressocializar e reeducar o detento. Apesar dessa mudança, o Código Penal Republicano, ainda deixava muito a desejar. A crítica assinalava graves defeitos, muitas vezes com excesso de severidade. Uma reforma se fazia necessária, e em apenas três anos, já aparecia o primeiro projeto de Código para reformá-lo. Foi através do pensamento de “Estado Novo”, em 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, que se publica a consolidação das Leis Penais, completado com Leis modificadoras, chamado de Código Penal Brasileiro. As penas passam a ser divididas em principais e acessórias, dependendo da gravidade do delito, sendo de três tipos: reclusão, detenção e multa. O CPB de 1940 sofreria mudanças nos anos de 1969, 1977, 1981 e 1984, se adequando a ideologia vigente da época. Em 1984 foi estabelecida a Lei 7210/84, conhecida como LEP – Lei de Execuções Penais, que visa regulamentar a classificação e individualização das penas, definindo o tratamento para o apenado, o resguardo de seus direitos e o estabelecimento de seus deveres. Uma grande inovação foi à redação do Art. 39 do CPB, e a do Art. 29 da LEP, que possibilitam ao detento, o trabalho e sua remuneração. 117 Com a nova Constituição Federal de 1988, foram incorporadas várias matérias, preocupando-se principalmente, com o princípio da humanidade, ou o princípio da dignidade humana, e demais fundamentos trazidos pelo Art. 5º da CF. Nela se proíbe a tortura, a pena de morte, de trabalhos forçados ou penas cruéis. Se prima pelo respeito à integridade física e moral, o que significa um grande avanço para o sistema carcerário do Brasil. É sabido que a LEP (Lei de Execuções Penais) trás em sua redação, como cada pena deve ser aplicada. Prevê-se o tamanho e o número de ocupantes de cada cela, a classificação criminológica de cada condenado. É direito do detento o acesso ao estudo e a cursos profissionalizantes. É garantia legal que o condenado seja assistido pelo Estado, com o objetivo de prevenir novos crimes e orientar o retorno a convivência em sociedade. A lei é ignorada na maioria dos nossos presídios. Faremos uma breve análise da real situação carcerária brasileira, onde a LEP e os direitos humanos não se fazem presentes. 2 A realidade carcerária brasileira Convivemos no Brasil com um total abandono do sistema prisional. O que deveria ser um instrumento de ressocialização funciona como escola para o crime, devido à forma como os detentos são tratados pelo Estado e pela sociedade. O Estado não cumpre o que foi estabelecido nos diversos diplomas legais, como a LEP, a Constituição Federal, e o Código Penal, além de ignorar as regras internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ou a Resolução da ONU que prevê as regras mínimas para o tratamento dos presos. Frise-se que a Lei de Execuções Penais, em seu Art. 1º, estabelece que a “execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. A mesma norma prevê a classificação, assistência, educação, saúde e trabalho aos apenados, o que visivelmente não é cumprido. 118 2.1 Saúde dos detentos Apesar de a LEP trazer em seu Art. 11, os tipos de assistências obrigatoriamente do Estado em relação ao detento, e entre elas se encontrar a saúde, o descaso com o preso é deplorável. As doenças imperam nos estabelecimentos, muitos morrem por falta de atendimento médico ou medicação. A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas. O que acaba ocorrendo é uma dupla penalização na pessoa do condenado: a pena de prisão propriamente dita e o lamentável estado de saúde que ele adquire durante a sua permanência no cárcere. Também pode ser constatado o descumprimento dos dispositivos da Lei de Execução Penal, a qual prevê no inciso VII do artigo 40 o direito à saúde por parte do preso, como uma obrigação do Estado. Outro descumprimento do disposto da Lei de Execução Penal, no que se refere à saúde do preso, é quanto ao cumprimento da pena em regime domiciliar pelo preso sentenciado e acometido de grave enfermidade (conforme artigo 117, inciso II). Nessa hipótese, tornar-se-á desnecessária a manutenção do preso enfermo em estabelecimento prisional, não apenas pelo descumprimento do dispositivo legal, mas também pelo fato de que a pena teria perdido aí o seu caráter retributivo, haja vista que ela não poderia retribuir ao condenado a pena de morrer dentro da prisão. Dessa forma, a manutenção do encarceramento de um preso com um estado deplorável de saúde estaria fazendo com que a pena não apenas perdesse o seu caráter ressocializador, mas também estaria sendo descumprindo um princípio geral do direito, consagrado pelo artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. O qual também é aplicável subsidiariamente à esfera criminal, e por via de consequência, à execução penal, que em seu texto dispõe que "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (ASSIS, 2007, s.p). 119 Ao manter detidos doentes em total falta de higiene e sem assistência médica, o Estado permite que a pena de morte seja aplicada. Além de disseminar doenças infecto-contagiosas, como tuberculose, hepatite e AIDS, o detento morre dentro das celas. Os que sobrevivem mesmo doentes, até o fim da pena, nem sempre conseguem tratá-la ao sair. Muitos transmitem as doenças adquiridas na prisão, para familiares e amigos. 2.2 Superlotação LEP Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. As cenas de prisões superlotadas, cercadas de violência e maus tratos, retratadas pela mídia, no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, refletem os problemas de todo o sistema carcerário brasileiro. Dados do Ministério da Justiça mostram o ritmo crescente da população carcerária. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, a população nacional cresceu 36%, enquanto a população carcerária cresceu 403,5%. Essa superpopulação carcerária gera violência, ataques sexuais, alimentação inadequada, mortes dentro do sistema criado para a proteção e educação do preso, rebeliões e fugas. Segundo Douglas Martins, membro do Conselho Nacional de Justiça, a única forma do preso se sentir seguro é se associando a uma facção do crime organizado. E isso transformou as facções, em verdadeiros monstros do país. Alie-se a superlotação, um ambiente sem higiene, onde os detentos que deveriam estudar e trabalhar tem diante de si, o ócio e o tédio. Temos assim uma bomba pronta a explodir. E explodirá em forma de mais violência. Essa explosão é vista nas rebeliões, no assassinato de outros detentos ou de agentes penitenciários, em alguns casos essas mortes mostram um elevado grau de requintes de tortura. Famílias de presos são feitas reféns. É a demonstração que o sistema não funciona. O problema maior é que, nesses estabelecimentos, não há possibilidade de trabalho ou de estudo por parte do preso e, a superlotação das celas é ainda mais 120 acentuada, chegando a ser em média de 5 presos para cada vaga. As instalações nesses estabelecimentos são precárias, inseguras, e os agentes responsáveis pela sua administração não tem muito preparo para a função, e muitas vezes o que se tem visto é a facilitação por parte desses funcionários para a fuga de detentos ou para que estes possam ser arrebatados por membros de sua organização criminosa. Todos esses fatores fazem com que não se passe um dia em nosso país sem termos notícia da ocorrência de uma rebelião de presos, mesmo que seja ela de pequenas proporções. No que se refere às fugas, em análise a todos as falhas existentes dentro de nosso sistema carcerário e ainda levando-se em conta o martírio pelo qual os presos são submetidos dentro das prisões, não há que se exigir uma conduta diversa por parte dos reclusos, se não a de diuturnamente planejar numa forma de fugir desse inferno (ASSIS, 2007, s.p). Ao possibilitar o trabalho e estudo ao preso, O Estado além de prepará-lo para a reinserção na sociedade, ainda ocupa seu tempo de forma produtiva e útil. Negando ao detento esse direito, estaremos condenando a própria sociedade a receber de volta, alguém que teve anos para se aperfeiçoar na arte do crime. 3 A visão da sociedade sobre o encarcerado O olhar da sociedade reflete ainda uma visão antiga, de caráter meramente punitivo. A imagem do preso é a de um ser humano, incapaz de conviver em sociedade, que não merece respeito ou a preservação de qualquer dos seus direitos. O sentimento predominante é de que lugar de bandido é na cadeia, inclusive com a imposição de penas cruéis. O clamor pela pena de morte se faz cada vez mais alto, a frase mais dita pela sociedade sobre esse assunto é a mesma usada na década de 1980, pelo então delegado, Hélio Vígio: “bandido bom, é bandido morto”. A sociedade guarda a visão que a cadeia é lugar para pobres, pois não pede com a mesma paixão, a pena de morte aos políticos corruptos, que roubam do povo, o direito a dignidade. Os presídios estão lotados de pobres realmente, pois são esses os que têm menor grau de instrução e 121 consequentemente menor renda, tornando mais difícil seu acesso ao judiciário, e aos defensores. A violência contra os encarcerados é encarada com naturalidade pela sociedade, como se, ao mal tratá-los e mantê-los em condições subumanas, gerássemos uma sensação de manutenção da ordem pública. A sociedade precisa atentar para o fato, que o detento voltará à convivência pública, circulará entre os cidadãos, e deverá ser preparado para isso, e não punido com a mesma violência que praticou. Nesse sentido se encaixa perfeitamente a frase do Deputado Domingos Dutra, dita na CPI do Sistema Carcerário, realizada em 2009: “A nação precisa cuidar e respeitar seus presos, pois hoje eles estão contidos, mas amanhã eles estarão contigo”. É ainda oportuno que se traga ao debate, a diferenciação entre o crime público e o privado, pois há uma inversão na questão punitiva. Os crimes privados são punidos de forma rigorosa, enquanto os crimes públicos são abrandados. Os crimes públicos, geralmente relacionados a recursos financeiros públicos, afetam a maior parte da sociedade, mas para esses a punição, quando existente, é leve. 4 O Estado como violador dos Direitos Humanos Os Direitos Humanos ainda carecem de identidade em nosso país. É comum a população em geral classificá-los como “direitos de bandidos”. Essa vinculação tem uma explicação plausível: após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, surgem movimentos sociais que chamam a atenção do Brasil para esse assunto. Contudo, com o golpe militar de 1964, tais grupos são oficialmente perseguidos pelo regime ditatorial que os considera comunistas, subversivos e traidores da pátria. Nasce assim, o senso comum, que direitos humanos são direitos de bandidos. Com a constituição de 1988, recebemos uma “chave de liberdade”, que não tínhamos desde o golpe militar. Formalmente ganhamos a abertura necessária e justificada de uma democracia. Nos auto-definimos como um país democrático durante vários períodos, sem sê-lo de fato. As manifestações sociais passam a ser permitidas, mas a concepção de “Direitos de Bandidos”, perdura até a contemporaneidade. 122 O Estado deveria agir com rigor na defesa dos Direitos de seus cidadãos, mas é o maior violador desses. Várias foram às ações governamentais diretas ou indiretas, onde os direitos mais básicos foram ignorados e violados. Tivemos em outubro de 1992 a invasão, pela Polícia, na Casa de Detenção, localizada na Zona Norte de São Paulo. A invasão deixou um saldo de 111 mortos. A ação ficou conhecida como “O Massacre do Carandiru”. Esse foi o mais comentado e ainda é assunto atual, mas temos também outros exemplos que chamaram a atenção de todo o país: “Chacina da Candelária” (julho de 1993); “Massacre de Eldorado dos Carajás” (1996); “Favela Naval” (março de 1997); “FEBEM Tatuapé” (2005); etc. O que há de comum entre todos esses episódios, é a violação dos Direitos Humanos, o maior bem da humanidade é ostensivamente visto como algo banal. O primeiro direito que se tem é a vida, e dela derivam as grandes liberdades clássicas. Ao relembrarmos grandes massacres, fica claro que algo deu errado na ação estatal. O Estado falha na proteção dos direitos de seus cidadãos. Tem se mostrado incapaz de proteger até aqueles que estão sob sua proteção direta. Os detentos no Brasil vivem em situação-limite, falta-lhes o mínimo necessário para se pensar em um cumprimento de pena justo cominando com sua ressocialização. Devido a essa situação, é comum os detentos pedirem a presença de algumas autoridades e entidades, como por exemplo, o Juiz da vara de execuções criminais, a Pastoral Carcerária, a Imprensa, representantes da OAB, e os Direitos Humanos. Eles precisam de proteção contra a violação de seus direitos feita pelo próprio Estado. Mas se o Estado não é capaz de cumprir sua obrigação de ressocializar, reeducar e preservar os direitos dos detentos, que esperança pode haver para os milhares que compõem nossa população carcerária? É o que trataremos no próximo item desse trabalho. 5 APAC - modelo de humanização do sistema penitenciário. APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - é uma entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. 123 Amparada pela Constituição Federal para atuar nos presídios, possui seu Estatuto resguardado pelo Código Civil e pela Lei de Execução Penal. A APAC opera como entidade auxiliar dos poderes Judiciário e Executivo, respectivamente, na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semi-aberto e aberto. Surgiu em 1972, a partir da Pastoral Penitenciária, foi idealizada por Mário Ottoboni, que a entendia como assistencialista voltada apenas ao alívio do sofrimento dos encarcerados. A entidade se oficializou em 1974 com a finalidade de [...] desenvolver, no presídio, uma atividade relacionada com a recuperação do preso, suprindo a deficiência do estado e nessa área, atuando na qualidade de Órgão Auxiliar da Justiça e da Segurança na Execução da Pena, conforme se lê em seu Estatuto Social (OTTOBONI, 1997, p.45-46). O objetivo da instituição é promover a humanização das prisões, sem que se perca a finalidade punitiva. Buscam diminuir a reincidência criminal, oferecendo alternativas ao recuperando. Aplicam um método de valorização humana, jamais visto em presídios tradicionais, vinculada a religião. Ao conduzirem dessa forma o recuperando, amplia-se a perspectiva de proteção a sociedade, a promoção da justiça e o socorro as vítimas. Na APAC não existem encarcerados, detentos ou prisioneiros, são cidadãos que cometeram uma infração penal e se denominam “recuperandos”. Isso faz muita diferença na auto-estima e senso comunitário de cada um deles. Cada um é co-responsável pela recuperação de todos. Recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestadas pela comunidade. A segurança e disciplina contam com a colaboração de todos os recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores das entidades, sem a presença de grades, policiais e agente penitenciários. É oferecido a cada recuperando cursos supletivos e profissionalizantes, atividades variadas e trabalho, evitando-se a ociosidade. A metodologia fundase em disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e da família 124 do sentenciado. A preservação da dignidade humana é fator determinante no método APAC, é responsável pelo baixo índice de reincidência e fugas. Vale destacar que a APAC prima pela municipalização da execução penal, o recuperando cumpre sua pena em presídio de pequeno porte e em sua terra natal, ou onde resida sua família. Isso visa manter uma relação próxima do apenado com sua família, o que é fator decisivo na recuperação. A “filosofia apaqueana” se orienta pela seguinte expressão: “Matar o criminoso e salvar o homem.” (Fuzatto p. 46). Um ponto fundamental no objetivo de ressocializar é a valorização humana. Busca-se reformular a auto-imagem do homem que errou. Procura-se chamá-lo pelo nome, sua história de vida precisa ser conhecida e compreendida. Dessa forma se apaga o sentimento de culpa e rejeição daquele que errou, fazendo-o acreditar que é possível uma vida nova, afastada da criminalidade. Como diz Ottoboni, sobre o assunto: Será realizado grande esforço para fazer o encarcerado dar-se conta da realidade na qual está vivendo, bem como conhecer os próprios anseios, projetos de vida, as causas que o levaram à criminalidade, enfim, tudo aquilo que possa contribuir para a recuperação de sua autoestima e da autoconfiança (OTTOBONI, 2001, p.65). A APAC não atua de forma independente, visto trabalhar em parceria com o Estado, por meio da Secretaria de Defesa Social (no caso de Minas Gerais) A entidade frisa que o fato criminoso acontece na comunidade, lesando-a em sua segurança e paz. Diante disso, considera imprescindível a criação de meios comunitários participativos, especialmente direcionados aos recuperandos, tendo como meta sua ressocialização, e em decorrência dessa, a almejada paz e segurança da sociedade. No entendimento de seu fundador, “a sociedade precisa saber que o aumento da violência e da criminalidade decorre, também, do abandono dos condenados atrás das grades, fato que faz aumentar o índice de reincidência” (OTTOBONI, 2001, p.65). Essa participação comunitária se faz através de adesão de voluntários, disponibilização de recursos financeiros e materiais, campanhas de 125 mobilização através de jornais, televisão, rádios, assembleias e igrejas, onde são abordadas as necessidades de ajuda aqueles que se encontram presos. Pelo método adotado pela APAC, é buscado um maior estreitamento com a comunidade, especialmente com a família do apenado. A família representa fator preponderante na reintegração social do recuperando, uma vez que será em seu seio que ele será recebido, e será na família que o recém liberto, encontrará apoio para que se condicione a uma vida longe da criminalidade. O objetivo além da ressocialização é tornar o cumprimento da pena menos sofrido. Desenvolveu-se para isso um método que consiste em ajuda mútua entre os recuperandos. Dessa forma tenta-se infundir na consciência de cada um, que todos são capazes de praticar gestos de bondade e solidariedade e, sobretudo, “fazer ver a ele que não basta deixar de fazer o mal, é necessário praticar o bem” (OTTOBONI, 2001, p.68). Segundo a APAC, há direitos de que o indivíduo deve continuar gozando, apesar de privado de sua liberdade, e também determinados aspectos de sua vida que devem existir no encarceramento. Esses direitos e aspectos seriam o reflexo do princípio geral – de valorização humana – que norteia a experiência do indivíduo. Seriam o direito à saúde, à assistência jurídica, ao trabalho, e o convívio com a família e a religiosidade seriam aspectos auxiliares em sua recuperação. A implementação de todos os elementos do método APAC tem obtido êxito na recuperação de apenados, diminuindo a reincidências desses condenados. Sua eficiência é reconhecida no Brasil e no mundo. Enquanto a reincidência em estabelecimentos prisionais estatais é de 80%, a APAC não registra nem 10%. A entidade nos mostra, que a pena pode ser cumprida com dignidade e total recuperação. Que a modificação em nosso sistema prisional não é inalcançável, dependendo apenas de propostas especificas de socialização. 6 Entrevistas com os recuperandos Durante nossa pesquisa para a conclusão desse trabalho, fizemos visitas a APAC de São João del-Rei, e ouvimos os apenados que vivem ali. 126 Percebemos que assim como a população em geral, eles não sabem definir o que são os Direitos Humanos, todos os entrevistados declaram que se trata de direito a vida. Nossos entrevistados dizem que a pena recebida pelo judiciário é compatível com o crime por eles cometidos, não houve qualquer reclamação sobre o tempo de pena, mas sim, quanto a forma de cumprir essa pena. Foram unânimes em dizer que o tratamento recebido na APAC dá a cada um a dignidade que se acham merecedores, dizem ser tratados como “humanos” e em momento algum se sentem humilhados ou maltratados. A preocupação em não desagradar ao Diretor da instituição, Antonio Carlos de Jesus Fuzatto, e ao juiz responsável Dr. Ernane Barbosa Neves é clara em cada depoimento. Os recuperandos mostram total confiança no julgamento de ambos, e tentam estar sempre em conformidade com as regras impostas por eles. E não por medo, mas sim, por respeito recíproco. Um dos recuperandos merece destaque neste trabalho, o chamaremos de “Pedro”. Condenado há 23 anos, por homicídio qualificado, Pedro mostra um real arrependimento. Não só por palavras, mas a própria atitude nos mostra isso. Tem uma história de vida marcada pela carência afetiva e rodeada de amizades erradas. Considera justa a pena imposta pelo judiciário, pois segundo o mesmo “o crime cometido não pode ser perdoado”. Não se sente a vontade para nos dizer em quais circunstâncias o crime ocorreu, fica clara a vergonha que tem em falar sobre o fato em si. Cumpriu parte da pena no Presídio Municipal, período do qual, não guarda boas recordações. Relata-nos ter presenciado espancamento de presos algemados, por parte dos agentes penitenciários. Alega não ter tido sua dignidade preservada em momento algum. Era constantemente humilhado e rotulado de assassino. Guarda com muita mágoa uma frase ouvida dentro do referido presídio: “Bandido bom é bandido morto e enterrado de pé, assim sobra espaço para enterrar mais bandidos”. Pedro é o clássico exemplo da eficiência do método APAC. Réu primário com condenação de muitos anos sentiu suas esperanças renovadas ao ser transferido para a APAC, descobriu que é um ser humano com capacidade de convivência em sociedade. Admite ter cometido um crime, mas não é um criminoso. É apenas um cidadão que infringiu uma regra da sociedade, e que 127 merece por isso ser punido. Mas essa punição não pode ocorrer de forma a violar todos os seus direitos. Em entrevista sobre a instituição, realizada com Sr. Antonio Carlos de Jesus Fuzatto, uma frase define o método APAC: O recuperando não pode ser ressocializado e reeducado. Ele precisa ser socializado e educado, pois nunca teve acesso a socialização e educação. É como um filho precisa ser ouvido, precisa ser valorizado e conduzido gentilmente, porém com firmeza, de volta a sociedade que nunca o reconheceu como igual. Considerações Finais É claramente visível que os Direitos Humanos ainda não têm sua identidade definida em nosso país. Falta a conscientização de quais direitos eles protegem, quais são os alvos dos defensores desses direitos. A busca pela cidadania precisa ser o objetivo de toda a sociedade, é através dela que alcançaremos a plenitude de nossos direitos. Hannah Arendt conceituava a cidadania como o direito a ter direitos (LAFER, 1988).Essa discussão levada a cabo por Arendt se deu no período da segunda guerra, especificamente devido a “descrença generalizada nos Direitos Humanos” (ARENDT,2004 p.325) A Discussão nunca esteve tão atual, pois hoje a descrença nos Direitos Humanos é ainda mais destacada. A vítima perdeu seu direito a segurança, a vida, aos bens. O detento perde seu direito garantido no Ordenamento Jurídico de receber uma punição justa e que respeite o direito a dignidade humana. A vida, bem juridicamente tutelado, de valor absoluto torna-se banalizada. Em 11 de novembro de 1994, foi editada pelo presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) a resolução nº 14, que estabelecia as “Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil”. Em 2009, houve, em Belém – PA, uma jornada Científica do Comitê Permanente da América Latina para a Revisão das Regras Mínimas da ONU para o tratamento dos presos, onde ficou claro que as normas da ONU não precisão de revisão, precisam de aplicação. Na esfera constitucional, temos as garantias do Art. 5º, que nos diz que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. 128 A lei também assegura ao preso o respeito a integridade física e moral. Mas essas normas só se fazem presente no papel, a realidade em nada combina com elas. O Estado não cumpre sua função de ressocializar e proteger o detento. A sociedade não percebe que o detento precisa retornar a sociedade, reeducado, e que o tratamento cruel não vai ajudá-lo, pelo contrário, fará ele alguém sem sentimentos e com grandes chances de reincidência. O método APAC surge como uma esperança para os detentos e a sociedade. Nesse tipo de encarceramento a dignidade da pessoa humana é preservada, a educação e profissionalização recebem destaques. A disciplina é aprendida, e a preservação do sentimento de solidariedade cria laços de amizade e respeito mútuo. Precisamos de mais unidades da APAC, pois a cada detento recuperado, a segurança e paz na sociedade se intensificam. Essa discussão precisa ser feita por toda a sociedade, pois a solução precisa ser urgente, não existe mais a possibilidade de adiarmos essa crise para a próxima geração. Como ensina-nos Hannah Arendt “e tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam, só tem sentido na medida em que pode ser discutido” (ARENDT, 1997 p.12). Referências AFONSO, Frederico. Como se preparar para o exame de ordem, 1ª fase: Direitos Humanos. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. APAC – Itaúna, O que é o método APAC. Disponível em: <http://www.apacitauna.com.br/index.php/institucional>.Acesso em: 22 abr. 2014. ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: companhia das Letras, 2004 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 4. ed. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1997. ASSESSORIA JURÍDICA - DIREITOS HUMANOS – ORIGENS. Disponível em:<http://cesinha27a.wordpress.com/2011/07/31/direitos-humanos-desdesua-origem/>. Acesso em: 18 abr. 2014. ASSIS, Rafael Damaceno de. A realidade atual do sistema penitenciário Brasileiro (monografia), 2007. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FAORO, Raimundo. Os donos do poder. 3 ed. Porto Alegre. Globo. 1976. 129 FUZATTO, A. C. J. Socialização no Sistema PrisionalConvencional e Alternativo em MG: Estudo com Encarcerados, (Dissertação de Mestrado). Ano de Obtenção: 2008. HERKENHOFF, João Batista. Curso de direitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1994. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras 1988. MARTINS, Douglas – Agência Brasil (Em:<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-03/populacaocarceraria-aumentou-mais-de-400-nos-ultimos-20-anos-no-brasil>. Acesso em: 19 abr. 2014. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – Governo Federal (Em:<http://www.justica.gov.br/portalpadrao/>. Acesso em: 20 abr. 2014 OTTOBONI, Mário. Ninguém é irrecuperável. APAC, a revolução do sistema penitenciário. São Paulo -1997. SILVA, Humberto Pereira da. Educação em direitos humanos: conceitos, valores ehábitos (Dissertação de mestrado) SP – 1995. SORONDO, Fernando. Os direitos através da história. WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos (Dissertação de mestrado) SP – 1998. 130 IMPROBIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Elke Mara Resende Netto Armando – IPTAN23 Especialista em Ciências Jurídicas – FDUP E-mail: [email protected] Resumo: Inscrito na seara do Direito Administrativo, este artigo versa sobre a improbidade na administração pública. De um lado, o trabalho demonstra a relevância da ética para a positivação da imagem das organizações administrativas frente à sociedade. De outro, ressalta como a inobservância à eticidade na administração pública é prejudicial não apenas aos órgãos administrativos como a toda a sociedade. Assim, mediante enfoque doutrinário e hermenêutico, atenta para a improbidade administrativa e para os esforços dos poderes jurídicos e legislativos brasileiros com vistas a atenuar sua ocorrência. Palavras-chave: Direito Administrativo – Administração Pública – Ética – Improbidade Introdução A organização societária, desde suas primeiras formações até o período contemporâneo, passou por inúmeros ciclos evolutivos que culminaram em evoluções na ciência, tecnologia, política, economia e, por extensão, na administração pública, com a ampliação e burocratização das práticas administrativas para coaduná-las com a dinâmica dos novos arranjos sociais. Dessa evolução decorreu uma necessária atenção das normas jurídicas para o campo administrativo com vistas a assegurar sua correção moral e, por conseguinte, o respeito à dignidade da pessoa humana a partir da probidade na administração dos interesses coletivos (GASPARINI, 1996). Todavia, em uma sociedade contemporânea balizada por intensas transformações e crises de paradigmas, os valores morais são muitas vezes desconsiderados ou interpretados sem critério em favor do individualismo, do egocentrismo e da avidez por êxito a qualquer custo (CAMARGO, 2001). Por vezes, esse quadro também incide sobre a administração pública, exigindo uma série de medidas legais para contornar problemas como a corrupção e o 23 Professora da graduação em Direito no Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves (IPTAN). Bacharel em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho (UGF). Pósgraduada em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mestranda em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.Advogada atuante nas esferas do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário e Cível. 131 desvio de verbas. Isso, contudo, não deveria ocorrer, pois a administração pública se distingue de outras formas de administração, tais como a administração privada, porque em seu caso o objetivo principal não é a geração de lucro, mas, sim, o equilíbrio das contas públicas e o bem-estar social (GIANNETTI, 1993). Ora, na administração pública, toda tomada de decisão que possa implicar prejuízo a outrem é antiética, pois o comportamento ético prima pela observância aos direitos humanos fundamentais. É por essa razão que se faz pertinente o estudo do comportamento ético e moral dos agentes administrativos (MARTINS JUNIOR, 2001). Considerando tal panorama, este trabalho, inscrito no âmbito do Direito Administrativo, versa sobre a improbidade na administração pública, tendo em mira demonstrar a necessidade de compreensão do homem enquanto agente dotado de valores em sua atuação na administração pública, seguindo preceitos éticos que o conduzem no exercício do poder administrativo perante a sociedade e o próprio Poder Público. 1 Direito Administrativo Segundo Queiró (1976, p. 6), o termo “administrar” advém das expressões latinas ad ministrare (servir) e ad manus trahere (manejar). Essa explanação etimológica é elucidativa na medida em que o Direito Administrativo constitui-se de um “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (MEIRELLES, 2005, p. 50). Nesse diapasão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 47) conceitua o Direito Administrativo como “o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”. Assim, o Direito Administrativo trata de questões atinentes à ética, à moral e à normatividade na esfera administrativa, atentando para a dimensão jurídica dessas questões. O Direito Administrativo tem como nascedouro o contexto histórico em que se consubstanciou o princípio da legalidade, no qual a lei formal do Estado 132 se legitimou em face do poder administrativo, de sorte que esse direito nasceu vinculado à administração pública, o que o identificou, portanto, com o Direito do Estado (BITENCOURT NETO, 2009) – embora, como observa Colaço Antunes (2008, p. 141) ao discutir a mudança estatuária do Direito Administrativo em relação ao Estado nacional numa ordem contemporânea transnacional, “o direito administrativo nasceu com o Estado, sendo que agora se afirma e se desenvolve sem a sua referencialidade ou para além dele”. Teórico português influente no âmbito jurídico brasileiro por tratar de temas gerais, que transcendem as especificidades de ordenamentos jurídicos estanques, Colaço Antunes (2000, p. 177), em outro trabalho, sublinha a necessidade de “uma justiça administrativa que não se esgote na defesa dos direitos dos cidadãos, garantindo também a juridicidade do agir administrativo na prossecução do interesse público, que é dever e direito fundamental da Administração realizar e realizar bem”. O imperativo da judicidade do agir administrativo nos remete à dimensão ética da administração pública, matéria da seção seguinte. 2 A dimensão ética na administração pública Antes de discutir a improbidade tal como concebida no campo do Direito Administrativo, convém empreender uma breve reflexão acerca da ética, uma vez que é precisamente essa dimensão que a improbidade administrativa fere. 2.1 Ética Uma discussão cara ao Direito Administrativo e atrelada à administração pública é a ética, termo proveniente do grego “ethos”, tendo como sinônimo “modo de ser” ou “caráter”. Enquanto ciência ou disciplina, a ética consiste em um ramo da Filosofia cuja finalidade é investigar os princípios norteadores do comportamento humano e refletir acerca da natureza desses princípios. A partir dessa primeira conceituação, também se define a ética, mais genericamente, como o conjunto de regras e valores morais de um sujeito, um grupo ou uma sociedade (HOUAISS & VILLAR, 2004). Dentre os estudiosos que discorrem mais detalhadamente sobre o conceito de ética, Sá (2001, p. 15) afirma que 133 A Ética tem sido entendida como a ciência da conduta humana perante o ser e seus semelhantes. Envolve, pois, os estudos de aprovação ou desaprovação da ação dos homens e a consideração de valor como equivalente de uma medição do que é real e voluntarioso no campo das ações virtuosas. Encara a virtude como prática do bem e esta como promotora da felicidade dos seres, quer individualmente, quer coletivamente, mas também avalia os desempenhos humanos em relação às normas comportamentais pertinentes. Analisa a vontade e o desempenho virtuoso do ser em face de suas intenções e atuações, quer relativos à própria pessoa, quer em face da comunidade em que se insere. Uma característica peculiar à ética é sua natureza reflexiva em vez de coercitiva, já que a ética antecede a lei e as normas. Assim, enquanto, em termos éticos, considera-se, por exemplo, que é importante respeitar a vida de outrem, em termos coercitivos e legais se considera que é proibido matar. A diferença é aparentemente sutil, mas é fundamental para a caracterização da ética: o comportamento ético deve partir de uma reflexão do sujeito enquanto ser no mundo, e não como uma norma que, se não cumprida, é passível de punição (FERRAZ, 2007). Assim, o cidadão não precisa adotar determinada postura ou conduta por temer punição, mas, sim, por considerá-la adequada. Dessa forma, o homem exprime sua condição de sujeito pensante e agente, participando politicamente da realidade social, e não como um ser passivo, sujeitado às prescrições normativas (CAMARGO, 2001). Quando se estuda a ética, estuda-se precisamente a conduta humana, pois, ao enfocar essa conduta, a ética busca compreender a essência humana e observar os modos de agir que sejam mais convenientes em cada situação e contexto (SÁ, 2001). Portanto, a ética possui uma dimensão crítica enquanto exercício de reflexão sobre como o comportamento dos sujeitos afeta o contexto em que estes se situam. Nesse sentido, convém estabelecer, como faremos na seção seguinte, uma distinção entre ética e moral, uma vez que ambas são elementos constitutivos da vida social e informam, cada uma à sua maneira, a dinâmica da convivialidade entre concidadãos. 134 2.2 Ética e moral As sociedades, independentemente de sua especificidade geográfica ou histórica, possuem uma moral, um sistema de valores sobre o que se deve fazer e o que não se deve. Essa moral norteia a conduta dos indivíduos através de normas, de modo que determinado ato é moral ou imoral à proporção em que obedece ou desobedece a uma norma estabelecida aprioristicamente (VÁZQUEZ, 2011). Enquanto a moral está assentada nos costumes, na tradição e na sociedade, a ética consiste em uma reflexão crítica desses costumes e de sua importância para a sociedade. Nesse sentido, pode-se dizer que o exercício da ética envolve uma grande carga de responsabilidade. Assim, pode-se afirmar que a moral consiste em um conjunto de normas cristalizadas em uma determinada cultura, ao passo que a ética engloba uma série de atitudes e reflexões que transcendem essas normas (CAMARGO, 2001). Como a moral pré-existe à ética, por ser um conjunto de normas vigentes, a ética avalia a essência da moral, bem como os fundamentos da avaliação moral e dos juízos morais. Em relação à moral, a ética consiste, portanto, em uma ciência do comportamento moral dos cidadãos (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005). Uma vez que a ética remete à conduta moral dos homens em coletividade, um de seus aspectos mais importantes reside na compreensão do liame entre o desejo individual e a obrigação para com os outros. Daí a importância de refletir em relação à liberdade decisória e as normatividades sociais de ordem moral, pois, conforme Pequeno (2013, p. 04), Ética e moral são palavras que significam, em sua origem, a mesma coisa, pois dizem respeito ao modo como os indivíduos devem agir em relação ao outro no espaço em que vivem. Entretanto, hoje podemos estabelecer uma diferença entre ambas, pois a ética se constitui como uma parte da filosofia que trata da moral em geral, ou da moralidade de cada ser humano, em particular. A ética é por muitos definida como a ciência da moral. Isso significa que a moral aparece atualmente como um objeto de reflexão da ética. Desse modo, enquanto à ética compete estudar os elementos teóricos que nos permitem entender a moralidade do sujeito, a moral diz respeito à esfera da conduta, do agir concreto de cada um. Pode-se resumir tais diferenças da seguinte forma: a ética revela-se como reflexão (theoria), já a moral diz respeito à ação (práxis). 135 A citação deixa entrever que a educação moral e ética também prepara o indivíduo para atuar como cidadão exercer sua isonomia. Disso se conclui que ética e política são atividades que se relacionam e se complementam. É possível afirmar, desse modo, que a ética, ao constituir um âmbito de reflexão, mostra como nossas atitudes exercem impacto sobre a vida em coletividade e como, portanto, é importante que o homem se responsabilize por suas atitudes. Pode-se afirmar, com Manara (2002), que o fato de existir uma moral não garante que também exista uma ética; afinal, a ética consiste em uma reflexão a partir da qual se interpreta e questiona determinados valores morais. Isso significa, portanto, que a ética está voltada para a prática, pois diz respeito a valores cuja existência depende da ação humana. Ou seja, na ética, reflexão e ação podem ser consideradas como dois lados de uma mesma moeda. Nessa perspectiva, a relevância da ética atinge uma dimensão relevante na administração pública, pois estão em jogo diversos interesses dentre os quais se deve priorizar o bem coletivo, como se verá na seção seguinte. 2.3 Ética e moral na administração pública Camargo (2001) argumenta que a esfera administrativa não pode abrir mão da ética enquanto um repertório de fazeres necessários ao bom êxito de suas funções. Para o âmbito do Direito Administrativo, por exemplo, o agente deve ser regido pelos cânones de moralidade, impessoalidade e eficiência. Deve, ainda, pautar suas ações pela busca do bem comum, levando em consideração tanto o interesse público como o privado, tendo em mente que tal ponderação não significa que irá negociar o interesse público, mas os modos de atingi-lo com maior eficiência, de sorte que no conflito entre interesse público e privado prevalecerá o primeiro (MOREIRA NETO, 2006). Com efeito, é a prudência no agir administrativo que faz do agente um bom administrador, pois, conforme afirma Hauriou, o princípio da moralidade extrai-se do conjunto de regras de conduta que regulam o agir da Administração Pública; tira-se da boa e útil disciplina interna da Administração Pública. O ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só a lei, mas a própria moral, porque nem tudo que é legal é 136 honesto, conforme afirmavam os romanos. Para Hely Lopes Meirelles, apoiado em Manoel Oliveira Franco Sobrinho, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do bom administrador, aquele que, usando de sua competência, determina-se não só pelos preceitos legais vigentes, como também pela moral comum, propugnando pelo que for melhor e mais útil para o interesse público (apud GASPARINI, 1996, p. 7). Essa ideia de moralidade administrativa circunscreve, inclusive, o exercício discricionário no âmbito do poder administrativo, uma vez que exige uma atuação em conformidade com valores sociais e para a justa realização dos fins estatais (BATISTA JUNIOR, 2007). Refletindo acerca da ética na administração pública, Mendes (2002, p. 67-68) problematiza: Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados no pensamento administrativo? Pode ser que as pessoas estejam começando a perceber que não é possível construir patrimônios estando apoiadas em análises administrativas que prescindam da ética… como se a antiga ilusão de ganhar dinheiro a qualquer custo tivesse se transformado em desespero em face das vigorosas exigências éticas. No campo da administração, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultados desalentadores. De fato, no âmbito da administração pública, as tomadas de decisão exercem impacto sobre a máquina administrativa, definindo seu futuro. Assim, o agente na administração pública precisa estar sempre ciente de que suas decisões terão implicações não apenas para si próprio como também para todos os cidadãos, de modo que suas decisões não podem ser equivocadas, abusivas ou inconsequentes (GIANETTI, 1993). Portanto, o gestor público consciente de sua postura ética consegue lidar de forma saudável com sua enorme responsabilidade gerencial, e faz dessa responsabilidade um fator decisivo para seu êxito. Nesse sentido, a ética pode ser pensada não só como um componente ligado aos valores como também como um fator que exerce impacto na economia (MENDES, 2002). Uma vez discutida a ética no bojo das organizações administrativas, cumpre, na seção seguinte, tratar exatamente de uma conduta que destoa tanto da ética quanto da moral, qual seja, a improbidade administrativa. 137 3. Aspectos conceituais da improbidade administrativa Ao contrário do administrador particular, que tem livre arbítrio para agir em conformidade com os interesses de sua empresa, lançando mão de diversos recursos para lograr êxito pessoal, o agente público é obrigado a agir em consonância com os ditames legais. Segundo Menezes (2002), tal especificidade ocorre porque ao administrador público é outorgado, pelo Estado, um conjunto delimitado de poderes por meio dos quais ele exercerá ingerência sobre uma comunidade em favor dos interesses dessa mesma comunidade. Segue-se, portanto, que Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve ser assim’. [...] Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício coletivo, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda a ação administrativa (MEIRELLES, 2005, p. 88). De fato, a própria expressão administração pública tem conotação coletiva na medida em que indica o modo pelo qual a res publica é gerenciada por aqueles que, eleitos democraticamente pelos cidadãos, devem agir no sentido de zelar pelos interesses desses últimos, sem distinção de raça, gênero, classe ou credo. Destarte, de acordo com Batista Junior (2007), o administrador público deve agir no limite da lei, mantendo rígida observância ao conjunto de ritos e medidas protocolares que caracterizam seu enquadramento funcional. Nesses termos, a administração pública consiste na esfera de atuação em que o agente, numa ordem social democrática, deve satisfazer o interesse coletivo, agindo dentro das balizas delimitadas judicialmente para o exercício de seu cargo. Nesse sentido, qualquer forma de abuso de poder, de anteposição do interesse individual ao bem-estar coletivo ou de concessão de privilégios 138 redunda em ofensa aos princípios éticos e morais, discutidos anteriormente; redunda, portanto, em improbidade administrativa, como se verá a seguir. 3.1. Conceituação de probidade e improbidade De acordo com Houaiss e Villar (2004), o termo improbidade advém do latim improbitate, que significa desonestidade. No âmbito do Direito Administrativo, a improbidade consiste em condutas ilícitas que infringem as regras instituídas, de sorte que a improbidade deve ser concebida, sumariamente, como a conduta ética e moralmente inadequada e, portanto, como um comportamento impróprio e passível de receber sanções legisladas pelas leis competentes. Na administração pública, essa ilicitude é convencionalmente denominada improbidade administrativa, sendo enquadrada, no Brasil, pela Lei n. 8.429/1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. De acordo com Martins Junior (2001), a improbidade administrativa diz respeito a toda sorte de condutas ilícitas praticadas por administradores públicos. Dentre estas, incluem-se as estratégias de enriquecimento ilícito e a corrupção e o favorecimento de determinados cidadãos em detrimento de outros. De fato, a improbidade constitui a contraface da probidade, como demonstra Silva (2003, p. 649) ao distinguir a probidade e a improbidade administrativa: A probidade administrativa consiste no dever de o ‘funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.’ O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo. Uma vez conceituadas a probidade e a improbidade administrativas, a seção seguinte trata de elencar os princípios delimitadores da probidade, uma vez que é a inobservância a tais princípios que acarreta a improbidade. 139 3.2. Princípios que delimitam a probidade Nesta seção, cumpre apresentarmos brevemente quais são os princípios que circunscrevem o limite entre a probidade e a improbidade. Parafraseando Moreira Neto (2006, p. 128), podemos afirmar que os princípios de probidade são os seguintes: I. Princípio da legalidade: o administrador público deve seguir fielmente os ditames legais relativos ao exercício de seu encargo; II. Princípio da moralidade: o administrador público deve observar os preceitos éticos e morais concernentes ao seu campo de atuação; III. Princípio da Impessoalidade: a administração pública deve se dedicar estritamente ao interesse público, e não ao privado, ou seja, não deve priorizar interesses particulares em detrimento da coletividade; IV. Princípio da Publicidade: deve prezar a transparência, dando a conhecer ao público seus atos, mediante divulgação; V. Princípio da Eficiência: a administração pública deve zelar pela eficiência através da ênfase na produtividade, na agilidade, na redução de desperdícios e na otimização da qualidade dos serviços prestados. Após apresentarmos alguns dos aspectos conceituais mais relevantes no que concerne à improbidade administrativa, a seção seguinte procede a um levantamento histórico das medidas legais adotadas no Brasil com a finalidade de conter a improbidade. 4 Esboço histórico das medidas legislativas contra a improbidade Arraigado no contexto social, histórico e discursivo, o Direito não surge ex nihilo, pois tem sua implantação assentada em imperativos historicamente situados (WOLKMER, 2003). Desse modo, ao legislar sobre a conduta jurídica, o direito afeta o âmbito dos costumes e é afetado por ele, de modo que, construído e legitimado historicamente, mantém uma estreita relação com evolução da história do país. Nesse sentido, a emergência do que se veio a denominar, sob efeito da globalização, de sociedade da informação, fez emergir a noção de transparência pública, haja vista a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada 140 em 2000, que legisla sobre a exposição de dados financeiros pela administração pública (FERREIRA JUNIOR, 2006). Nesse contexto, o Direito Administrativo, em concatenação com a evolução sociohistórica, emerge como um ramo dedicado a zelar pela observância à transparência ética na administração, com o fito de zelar pelos direitos de cidadania e isonomia daqueles que, de algum modo, são impactados pela administração pública. No Brasil, ao longo de décadas, o poder legislativo vem estabelecendo regulamentações que convergem para conter a improbidade administrativa. Assim, as prefeituras são pressionadas a criarem rotinas de procedimentos para o acompanhamento dessa legalidade (BATISTA JÚNIOR, 2007). Na Constituição de 1934, por exemplo, foi propugnada a obrigatoriedade da prestação de contas. Assim, tanto a União quanto os Estados e os Municípios deveriam, a partir desse diploma legal, adotar práticas que garantissem sua transparência administrativa. O documento se mostrava rigoroso inclusive nas sanções previstas para o Presidente da República: Art. 58 - O Presidente da República será processado e julgado nos crimes comuns, pela Corte Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal Especial, que terá como presidente o da referida Corte e se comporá de nove Juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três membros do Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O Presidente terá apenas voto de qualidade. [...] § 7º - O Tribunal Especial poderá aplicar somente a pena de perda de cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações civis e criminais cabíveis na espécie. (BRASIL, 2013a, s.p). Ainda segundo o documento, também eram passíveis de penalização os agentes públicos que se valessem de seu cargo para prestar favorecimentos a partidos políticos ou para forçar seus subordinados a tomarem decisões eleitorais em seu benefício. Caso cometessem tais infrações, estariam sujeitos, dentre outras penalidades, à perda do cargo. Poucos anos mais tarde, as iniciativas jurisprudenciais de combate à corrupção foram complementadas com o Decreto Lei n.º 3.240, promulgado em 08 de maio de 1941. Segundo tal decreto, em seu artigo 1º, 141 Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado. (BRASIL, 2013b, s. p.). Essa legislação expressava o rigor adotado pelas instâncias jurídicas frente aos crimes cometidos contra as finanças públicas, demonstrando como o ordenamento jurídico brasileiro já se mobilizava, ainda nas primeiras décadas da república, em prol da idoneidade na administração pública. Por seu lado, a Constituição de 1946, lançada ao final da Segunda Guerra Mundial, manteve a preocupação quanto à postura ética dos servidores públicos, corroborando a alçada do Direito Administrativo ao dispor sobre as restrições imputadas aos administradores públicos. A Carta Magna se mostrou inovadora ao partir da premissa democrática de igualdade de direitos, imputando ao cidadão comum a possibilidade de empreender uma ação popular contra improbidades operadas no exercício da administração da fazenda pública: Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 38 - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista. (BRASIL, 2013c, s. p). A fim de conferir regulamentação ao artigo 141 da Carta, em 1º de junho de 1957 foi promulgada a Lei n.º 3.164. Conhecido popularmente como Lei Pitombo Godói Ilha, o diploma legal determinava que os bens amealhados por meio de medidas abusivas ou abuso de poder e influência deveriam ser sequestrados do réu, ainda que sem prejuízo de sua imputação criminal (DI PETRO, 2007). Mais tarde, foi promulgada a Lei n.º 3.502, datada de 21 de dezembro de 1958. Conhecido como Lei Bilac Pinto, esse documento tornou exequível o anteriormente estabelecido pelo texto constitucional, pois seu empenho 142 consistiu em regulamentar a legalidade do sequestro e da subtração dos bens em situações tais como o enriquecimento ilícito decorrente de uso do cargo público em benefício próprio (ROCHA, 2001). Prafreaseando Meirelles (2005, p. 116), consideramos que esse dispositivo legal acarretou diversas implementações novas para o âmbito legislativo, dentre as quais se podem destacar: Expandiu a concepção de servidor público ao incluir nessa rubrica todos os indivíduos enquadrados em algum cargo, seja civil, seja militar, vinculado às esferas da União, dos estados, dos municípios ou do Distrito Federal; Designou o sequestro e a subtração de bens como sanções legalmente imputáveis ao servidor público, bem como ao gestor de autarquia; Autorizou qualquer cidadão a empreender ação de denunciar judicialmente administradores supostamente atuantes de forma ilícita contra a fazenda pública. Por sua vez, na Lei Federal nº 4320, datada de 17 de março de 1964, esboçou a necessidade das empresas priorizarem a probidade em seu modus operandi administrativo. O diploma legal definiu as competências para o cumprimento das atividades regulamentares pelas instâncias: Art. 76. O Poder Executivo exercerá os três tipos de controle a que se refere o artigo 75, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas ou órgão equivalente. Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subsequente. Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão, poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens ou valores públicos. Art. 79. Ao órgão incumbido da elaboração da proposta orçamentária ou a outro indicado na legislação, caberá o controle estabelecido no inciso III do artigo 75. Parágrafo único. Esse controle far-se-á, quando for o caso, em termos de unidades de medida, prèviamente estabelecidos para cada atividade. Art. 80. Compete aos serviços de contabilidade ou órgãos equivalentes verificar a exata observância dos limites das cotas trimestrais atribuídas a cada unidade 143 orçamentária, dentro do sistema que for instituído para esse fim (BRASIL, 2013d, s.p.). Já em 1967, o Decreto-Lei nº 200/67 dispõs acerca da ingerência estatal nas atividades administrativas, elencando os princípios basilares que deveriam nortear a esfera administrativa, quais sejam, o planejamento, a coordenação, a descentralização e a delegação de competência (GUERRA, 2003). Por sua vez, a Carta Magna de 1967, promulgada no contexto de emergência ditatorial, manteve as disposições legais precedentes, tendo em mira proteger a administração pública (CARVALHO FILHO, 2005). Todavia, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro de 1968, foi acompanhado por uma atmosfera de medo e insegurança em todo o país. Tal Ato conferia plenos poderes ao Presidente da República para legislar acerca de toda e qualquer matéria, bem como intervir ilimitadamente nos direitos conferidos a todos os cidadãos (SILVA, 2003). À guisa de ilustração, o artigo 8 do AI-5 dispunha: Art. 8º - O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. (BRASIL, 2013e, s. p). Todavia, foi por ocasião da Constituição Federal de 1988 que o imperativo da moralidade administrativa se legitimou como procedimento necessário à gestão da fazenda pública. Afinal, a Carta delegou aos Estados a incumbência de empreenderem as devidas alterações e adequações na Constituição dos Estados e na Lei Orgânica dos Municípios, com o fito de efetivarem as novas normas constitucionais no sistema de controle interno. Conforme expõe o diploma legal, Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei (BRASIL, 2007, p. 78). A Carta Magna consagrou a democracia e os direitos fundamentais do homem e da dignidade da pessoa humana como substratos do atual Estado, 144 denominado Democrático e de Direito (BRASIL, 2007). Assim, em observância às disposições da Carta, tanto na alçada do Poder Público quanto na seara do Direito Privado é necessário que seja garantido o efetivo cumprimento dos mandamentos constitucionais, pressupondo que o Estado seja regido pelos cânones de justiça, virtude e ética. De acordo com Oliveira (2012), o artigo 37 do referido documento estabeleceu o alicerce para a disposição jurídica acerca da improbidade administrativa, uma vez que delimitou os princípios que deveriam reger a Administração Pública, quais sejam: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, os quais já foram mencionados brevemente em seção anterior deste trabalho. Nesta parte do texto, é pertinente retomar tais princípios, mediante paráfrase de Moreira Neto (2006), expondo um detalhamento maior de cada um deles na medida em que compõem, em sua somatória, um conjunto de valores que devem ser preconizados pelos responsáveis pela administração pública no exercício de suas funções, quais sejam: Legalidade: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei” Art. 5º, inciso II Constituição Federal. É o principio da Legalidade, na administração pública as ações só podem ser realizadas se forem precedidas por LEI. A administração pública não pode conceder direito algum, nem obrigações por ato administrativo e sim por autorização da LEI. Impessoalidade: Esse princípio estabelece que a todos seja concedido o mesmo direito, sem qualquer discriminação. Vemos nesse direito a exclusão da promoção social praticadas por autoridades ou servidores públicos, quando na atuação de suas atribuições. Moralidade: Mesmo que o ato esteja devidamente amparado por LEI, deverá respeitar os princípios éticos da justiça e de razoabilidade. Publicidade: o princípio fala da publicidade dos atos, contribuindo para a fiscalização do controle social. Nesse sentido da publicidade deve ser observado que não deve haver promoção pessoal ou qualquer tipo de propaganda de favorecimento ao gestor ou que vá de encontro ao período da administração. 145 Eficiência: O gestor público precisa ser eficiente, é o que o princípio afirma. Deve a luz da Lei buscar a igualdade, zelando pela objetividade e imparcialidade. Atentando também para os padrões modernos de administração, atualizando-se e modernizando, buscando assim maior eficácia nas suas ações (MOREIRA NETO, 2006, p. 47). Diversos autores ressaltam a relevância assumida pela Carta Magna na consubstanciação da cultura jurídica brasileira, nomeadamente no que tange ao estatuto da probidade administrativa (cf. MARTINS FILHO, 2001; MOREIRA NETO, 2006; MEIRELLES, 2005). De fato, o texto constitucional menciona explicitamente a questão da improbidade administrativa, além de apresentar as sanções designadas para a prática da improbidade, incluindo-se a suspensão de direitos políticos, a subtração do cargo público, a tomada dos bens amealhados ilicitamente e o ressarcimento daqueles prejudicados. Segundo Morais (2007, p. 338-339), A Constituição Federal de 1988 foi mais além do que simplesmente prever o perdimento de bens. Em seu art. 37, § 4º, a Constituição Federal determina que os atos de improbidade administrativa importarão: a suspensão dos Direitos políticos; a perda da função pública; a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Assim, pode-se asseverar que o princípio da moralidade administrativa foi instaurado oficiosamente pela Constituição Federal de 1988, no referido artigo 37, o que demonstra como o processo de modernização e democratização do país foi assinalado pela preocupação quanto à ética e à moralidade no serviço público. Afinal, anteriormente à carta constitucional a improbidade administrativa era prevista tão-somente para a alçada política stricto sensu, ao tempo que os demais administradores públicos eram penalizados somente em situações tais como o enriquecimento ilícito. De acordo com Sobrane (2010), a partir da Constituição a improbidade administrativa alcançou maior envergadura, pois abarcou todas as modalidades de serviço público e estabeleceu outras formas de infração para além do enriquecimento ilícito. Ainda segundo esse autor, 146 Surge no texto constitucional, portanto, a primeira referência à proteção da probidade administrativa, dando mostras o legislador constituinte de que a coisa pública dever ser cercada de garantias para que não seja apropriada pelo particular e que o agente autor de ato de improbidade administrativa deve ser impedido de continuar desempenhando outra função (SOBRANE, 2010, p. 20). Após a Carta Constitucional, o documento mais relevante entre os que dispõem sobre a improbidade administrativa consiste na Lei de Improbidade administrativa nº. 8.429/92. Tendo em mira propugnar a administração pública contra formas de irregularidades diversas, o diploma legal outorgado pelo sistema legislativo federal apresentou um detalhado conjunto de prescrições a serem observadas pelos gestores públicos. No documento, o artigo 1º circunscreve o conjunto de instituições passíveis de incorrer em improbidade, como se vê a seguir: Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos (BRASIL, 2013f, s.p). Com efeito, na referida lei de improbidade administrativa, os artigos dedicados à definição e delimitação das categorias administrativas são o nono, o décimo e o décimo primeiro. Por seu turno, as sanções a serem aplicadas estão elencadas no artigo décimo segundo. Tais disposições são divididas em doze incisos, como se vê abaixo, na citação que transcreve na íntegra o artigo a fim de favorecer sua compreensão pelo leitor: 147 Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou ndireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; 148 IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei (BRASIL, 2013f, s.p). Mais recentemente, a Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000, mais conhecida como LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), finalmente decretou a obrigatoriedade da implantação de normas de finanças públicas, tendo em mira o equilíbrio entre receitas e despesas, bem como a estagnação da dívida pública, a consecução das metas estabelecidas, o controle de resultados e a avaliação e controle de custos (GUERRA, 2003). Nesse sentido, a LRF promoveu um rígido controle dos gastos públicos e, ao demandar uma mudança de conduta por parte dos administradores públicos mediante a implementação de um Sistema de Controle Interno, também assegurou maior transparência por parte da gestão pública. Ademais, facilitou o acesso da população às questões orçamentárias e financeiras do governo municipal, favorecendo a aproximação entre a administração pública e os cidadãos, que sofrem diretamente os efeitos da política administrativa (MENEZES, 2006). Já em 2009, a Lei complementar 131 dispôs especificamente acerca da transparência, acrescentando à LRF a determinação de disponibilização em tempo real das informações pormenorizadas da execução orçamentária e financeira das ações realizadas pelo poder público: Art. 1o O art. 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 48. ................................................................................... Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração 149 e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A” (BRASIL, 2013g, s.p). Também devem ser mencionadas a Lei Federal 8666/93 e a Lei Federal 11.494/2007, bem como as Instruções Normativas dos Tribunais de Contas e as Leis Orgânicas dos Municípios. Segundo Moreira Neto (2006), tais dispositivos legais estabelecem normatizações adicionais que também orientam o modus operandi municipal no que concerne ao controle interno e à prestação de contas. Considerações finais Ciente da relevância da probidade e da transparência para a administração pública, este trabalho buscou contribuir para o campo do Direito Administrativo fornecendo indicadores de como os profissionais devem contemplá-la em seu exercício profissional. O trabalho demonstrou que a transparência na administração pública consiste em um imperativo constitucional chancelado por uma gama de documentos legislativos que visam não apenas assegurar completa observância aos ditames da lei como também assessorar os gestores para que administrem de forma segura e transparente. Observamos que ao longo das últimas décadas o sistema legal tem movido esforços no sentido de estabelecer uma série de diretrizes que orientem o serviço público municipal à prática da moralidade administrativa, de modo a garantir o êxito em seus processos decisórios, a efetividade de sua controladoria e a transparência em suas ações. Também sublinhamos a importância de uma maior preocupação das entidades administrativas com sua transparência e idoneidade, que são fundamentais para a qualidade dos serviços fornecidos, bem como pela imagem externa da entidade frente aos cidadãos. 150 O trabalho evidenciou que a ética deve ser entendida como princípio e valor norteadores da conduta do ser humano, fazendo-se acompanhar pela noção de moralidade. Desse modo, o agente administrativo deve atuar com ética, que apresenta em si a noção de justiça, sintetizada como a dialética entre as aspirações da pessoa (o desejável) e a instituição da justiça (o legal). O desvirtuamento desse sistema leva à responsabilização, configurando improbidade. Referências ANTUNES, Luís Filipe Colaço. O direito administrativo sem Estado: crise ou fim de um paradigma? Coimbra: Coimbra, 2008. ANTUNES, Luís Filipe Colaço. Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da Administração: tradição e reforma. Coimbra: Almedina, 2000. BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves.Transações administrativas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. BITENCOURT NETO. Henrique. Direito administrativo transnacional. Revista Redae, n. 18, p. 1-17, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto Constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºˢ. 1/92 a 53/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºˢ. 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007. BRASIL. Ato institucional nº 8, de 2 de abril de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 fev. 2013e. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 nov. 2013a BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 nov. 2013c. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.240, de 8 de maio de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22 nov. 2013b. BRASIL. Lei complementar nº 131, de 27 de maio de 2009.Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm Acesso: 21 nov. 2013g. BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 nov. 2013f. CAMARGO, Marculino. Fundamentos de ética geral e profissional. Petrópolis: Vozes, 2001. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2007. FERRAZ, Luciano. Controle consensual da Administração Pública e suspensão do processo administrativo disciplinar (SUSPAD) – a experiência do Município de Belo Horizonte.Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, v. 65, 2007. 151 FERREIRA JUNIOR, Silvio. Desempenho Fiscal e Gestão Pública nas Esferas Estaduais: uma avaliação das execuções orçamentárias no período de 1995 a 2004. Brasília: ESAF, 2006. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1996. GIANNETTI, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. GUERRA, Evandro. O controle interno e externo na administração pública e os tribunais de contas. Belo Horizonte: Fórum, 2003. HOUAISS, A.; VILLAR, M. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. MANARA, Lílian. Ética e moral. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005. MENDES, Judas Tadeu. Gestão do capital humano. Curitiba: Bom Jesus, 2002. MENEZES, Rafael. Efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre as categorias e funções de despesas dos municípios brasileiros. Dissertação de mestrado. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, 2006. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. OLIVEIRA, Alfredo Emanuel de Farias. O fundamento dos direitos da personalidade. Belo Horizonte: Arraes, 2012. PEQUENO, Marconi. Ética, educação e cidadania. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/01/04_marconi_pequeno_etica_ educacao_cidadania.pdf Acesso em 28 nov. 2013. QUEIRÓ, Afonso. Lições de Direito Administrativo. Coimbra, [s.n.], 1976. ROCHA, Lincoln. A função do controle na administração pública: controle interno e externo. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, 2001. SÁ, A. Lopes de. Ética profissional. São Paulo: Atlas, 2001. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003. SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa. São Paulo: Atlas, 2010. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez.Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. 152 FATORES GERADORES DE TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS NAS ORGANIZAÇÕES DO SÉCULO XXI Aurélio José Parreira – IPTAN Mestre em Matemática – UFSJ Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ Monique Terra e Silva – IPTAN Especialista em Gestão de Negócios – UFSJ Renata Pinto Dutra Ferreira – IPTAN Especialista em Administração de Sistemas de Informação – UFLA Augusto César da Cunha Silva Resende Graduado – IPTAN Resumo: Este trabalho apresenta um estudo a respeito dos fatores geradores de transtornos psicológicos nas organizações do século XXI. Serão abordados o desenvolvimento da psicologia industrial/ organizacional bem como os pioneiros na discussão deste assunto nas organizações, a relação existente entre o trabalho e as pessoas, os diversos conceitos de transtornos psicológicos e os que mais assustam as organizações no mercado de trabalho. Também serão explicitadas as causas que deixam os colaboradores mais suscetíveis aos transtornos psicológicos nas organizações. Em contrapartida, se faz necessária a explanação dos conceitos de qualidade de vida nas organizações e como a mesma influencia no bem- estar dos colaboradores em suas carreiras. O presente artigo científico implicará em uma pesquisa bibliográfica, no que envolve artigos acadêmicos e científicos, revistas técnicas e cientificas pertinente ao tema. O acervo será disponibilizado em bibliotecas e sites especializados garantindo a veracidade do tema. Palavras-chave: Transtornos psicológicos – Doenças psicossomáticas – Qualidade de vida – Saúde ocupacional – Psicologia organizacional Introdução Os colaboradores do século XXI vêm apresentando quadros patológicos que exigem das empresas providências iminentes. A saúde ocupacional é de suma importância na vida dos profissionais que atuam no mercado. Empregados com a qualidade de vida prejudicada no trabalho terão dificuldades para gerar a produtividade exigida. A saúde ocupacional precisa ser vista pelos gestores como assunto primordial nas organizações em prol da prevenção aos transtornos psicológicos e ocasionando o melhor gerenciamento da empresa. Os funcionários com as melhores condições de trabalho irão consequentemente desenvolver suas atividades com mais eficiência e eficácia e gerar ganhos para a empresa. As 153 ações para garantir a saúde do trabalhador devem ter como foco as mudanças nos processos e nas relações de trabalho. Nestecontexto,tem-se como problema de pesquisa deste estudo a seguinte questão: qual a necessidade de detectar as ferramentas essenciais para combater os transtornos psicológicos e preservar a saúde ocupacional? Este artigo científico possui por objetivo geral analisar nas organizações os fatores que geram transtornos mentais nos colaboradores, tais como a depressão, stress, síndrome de Burnou tentre outras e por meio de pesquisas propor soluções que visam a preservação da saúde ocupacional nos colaboradores. Dentre os objetivos específicos que complementam o objetivo acima citado estão: - Apresentar os conceitos de transtornos mentais segundo autores especializados na área; - Analisar fatores organizacionais que influenciam a manifestação dos transtornos nas organizações; - Demonstrar como o clima organizacional é afetado pelos distúrbios mentais; - Pesquisar métodos e instrumentos preventivos a fim de melhorar a saúde ocupacional. A abordagem do tema é pela necessidade premente das empresas a tratar o assunto. O avanço tecnológico, acompetição, a concorrência e outras influências do mercado, tornam as pessoas mais suscetíveisa apresentar quadros patológicos. E uma vez que estes transtornos são adquiridos, além do colaborador ficar com sua saúde comprometida, a empresa tem grandes perdas em sua gestão, tais como o absenteísmo e a queda de produtividade. A pesquisa elaborada transcorre da preocupação do discente com as organizações que estão vulneráveis a estes transtornos e pela promoção de um conhecimento sobre o assunto. Consequentemente poderá dar suporte às organizações e também alavancar uma especialização sobre otema. Arealizaçãodeste estudo implicará em uma pesquisa bibliográfica, no que envolve artigos acadêmicos e científicos, revistas técnicas e cientificas pertinentes ao tema. O acervo será disponibilizado em bibliotecas e sites especializados garantindo a veracidade do tema. 154 1 O desenvolvimento da psicologia e o ambiente organizacional Esta seção irá explanar o desenvolvimento da psicologia organizacional nas indústrias e organizações, bem como suas teorias, a relação entre o ambiente organizacional e o trabalho, mostrando a influencia do trabalho sobre o trabalhador. Também serão abordados os conceitos de transtornos psicológicos e saúde ocupacional. 1.1 A evolução da psicologia industrial/ organizacional A literatura mostra que os problemas e a preocupação com a saúde dos trabalhadores foram objetivos de estudo desde antes de Cristo. De acordo com Bulhões (1976, s. p. apud ITO; POLETO; SILVA, 2004, p. 9) Hipócrates descreveu sobre a verminose em mineiros , bem como as cólicas intestinais que manifestavam em colaboradores que trabalhavam com o chumbo e também sobre as propriedades tóxicas do metal. Também explanou sobre as condições de trabalho nas minas de Siracusa, de como eram horríveis e penosas. Avançando na história, em 1700, foi publicado por um médico italiano, Ramazzini, De Morbis Artificium Diatriba (As doenças dos trabalhadores). Segundo Ito, Poleto e Silva (2004, p. 9) neste livro são descritas cinquenta profissões distintas e as doenças a elas relacionadas. Ainda lembram que na mesma época do lançamento do livro as atividades profissionais eram artesanais, sendo realizadas por grupos pequenos de trabalhadores e que consequentemente os casos relatados de doenças profissionais inexistiam. Com isso passa a ser irrelevante a publicação de Ramazzini. Os psicólogos industriais/ organizacionais são frequentemente, empregados nas empresas, na indústria e no governo. Conforme relata Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649): [...] Seu foco está em três importantes áreas: (1) psicologia dos fatores humanos (melhorar o design e a função das máquinas e do ambiente de trabalho); (2) psicologia dos recursos humanos (recrutamento, teste, treinamento, colocação e avaliação de funcionários); e (3) psicologia organizacional (estilo gerencial, motivação de funcionários e satisfação no trabalho). 155 O estudo formal da psicologia é muito recente, cerca de 125 anos. Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649) o estudo da psicologia industrial e organizacional é ainda mais recente, originando com os trabalhos de Walter Dill Scott, Frederick W. Taylor e Hugo Munsterberg no início do século XX. Em dezembro de 1901, Walter Dill Scott, professor de psicologia, orientava um grupo de profissionais de propaganda. Em sua prelação propôs usar os princípios da psicologia no campo da propaganda. Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649) nos relata: [...] Em vez de, simplesmente, exibir um produto e esperar que os clientes percebessem a necessidade dele, imaginou que os anunciantes poderiam influenciar agressivamente os clientes, sugerindo que comprassem, ou argumentando e debatendo os méritos inegáveis da compra. Em outras palavras, o uso da persuação e da argumentação para vender. Scott também propôs varias outras ideias, radicais para o tempo, mas plenamente aceita nos dias de hoje. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649), sugeriu imitações dos produtos, da propaganda e das políticas de produção bem sucedidos em outras empresas. Encorajou a competição das empresas que produziam bens similares, estimulou a lealdade entre fabricantes e fornecedores e incentivou a criação de produtos especializados para os mercados. A segunda principal autoridade da psicologia industrial/ organizacional, Frederick W. Taylor enfatiza o valor do planejamento da situação do trabalho para aumentar a produção do trabalhador. Como nos relata Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649), Taylor em seu livro Princípios de administração cientifica (1911), formulou quatro princípios que aumentasse a eficiência e a rentabilidade de qualquer organização: planeje cientificamente os métodos de trabalho para aumentar a eficiência, selecione os melhores trabalhadores e treine-os em novos métodos; desenvolva um espírito cooperativo entre gerentes e trabalhadores e por fim encoraje a cooperação entre os trabalhadores e a administração para melhorar o ambiente de trabalho. 156 Como Scott, Hugo Munsterberg era um jovem psicólogo interessado em aplicar psicologia no ambiente de trabalho. De acordo com Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 651), Munsterberg em seu livro Psychology and industrial efficiency (1913) cobria três tópicos: seleção de trabalhadores, planejamento das situações de trabalho e uso da psicologia nas vendas. Embora esses autores tenham demonstrado importância da aplicação da psicologia nas organizações, para muitas pessoas ele passou a ter maior respeitabilidade na indústria durante a Primeira guerra Mundial. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 651), no inicio da segunda guerra mundial, a Associação psicológica Americana, fez testes nos oficiais do exército para avaliar suas habilidades mentais. Os resultados seriam usados para atribuir aos recrutas as tarefas militares apropriadas. Durante as duas grandes guerras, o crescimento da psicologia industrial/ organizacional manteve seu crescimento. Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 651), muitas empresas criaram departamentos de recursos humanos pela primeira vez e várias universidades e faculdades passaram a oferecer treinamento nestas áreas. A universidade de Harvard fez estudos em ambientes de trabalho, onde instalaram lâmpadas de várias intensidades nos diversos salões. Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 651) nos relatam: [...] A produtividade melhorou tanto com o aumento, quanto a redução da iluminação! Ainda mais surpreendente foi quando o nível de iluminação permaneceu inalterado e o desempenho ainda sim aumentou! Simplesmente por saber que estavam participando de uma pesquisa, os trabalhadores, aparentemente, melhoraram o desempenho. Isso ficou conhecido como efeito Hawthorne, quando as pessoas mudam o comportamento por causa da novidade da situação de pesquisa, ou por saber que estão sendo observadas (Grifo do autor). No inicio, a psicologia industrial/organizacional (I/O) limitava-se apenas à industria, focalizando a eficiência e produtividade dos operários. Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 652) nos dizem que durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu a psicologia dos recursos humanos como ramo de 157 especialização e muitos pesquisadores passaram a mudar a atenção do chão de fabrica para o escritório da administração. Como resultados criaram a psicologia organizacional e acrescentaram o “O” à psicologia I/O. É notório que a influência do trabalho sobre o homem é inevitável, e as mesmas geram consequências na vida e saúde dos colaboradores. A descrição dessa relação será descrita na sequência deste trabalho com a explanação dos pontos mais relevantes. 1.2 A relação homem/ trabalho Desde a antiguidade são conhecidos os impactos do ambiente de trabalho na saúde física e mental do trabalhador. Como relata Grubits e Guimarães (2004, p.157): “[...] só na metade do século passado a medicina preventiva avançou, os envolvidos no processo de trabalho se conscientizaram e o surgimento de órgãos regulamentadores tornaram efetiva a implementação de medidas eficazes na proteção dos trabalhadores.” Uma pessoa passa a maior parte do seu tempo no trabalho do que em qualquer outra atividade isolada, com a exceção do sono. De acordo com Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 658), a qualidade de vida está diretamente relacionada com a satisfação no trabalho. A importância da escolha da carreira não pode ser subestimada. Como as pessoas precisam de trabalho que maximize suas habilidades e satisfação, as empresas também necessitam de pessoas com habilidades e motivadas para o aumento da produção e lucratividade. As condições ruins de trabalho não proporcionam ao colaborador a disposição ideal para exercer suas funções de trabalho em seu ambiente organizacional. Segundo Ito, Poleto e Silva (2010, p.17): Qualquer trabalho apresenta condições especificas e peculiares, para ser executado. Estas condições referemse às pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas do posto de trabalho. Sob influência destas pressões o trabalhador reagirá e o alvo principal das consequências destas pressões será o corpo que poderá sofrer desgaste, envelhecimento e doenças somáticas. Em paralelo temos as pressões exercidas pela organização do trabalho. 158 O ambiente de trabalho deve ser visto como um todo, do menor ao maior grupo hierárquico e do chão de fábrica à alta administração. Conforme Bellusci (2007, p.11) mudanças profundas, intensas e aceleradas no processo produtivo, aliadas a diversidade das situações de trabalho, adoção de tecnologia, mudança no modo de gerenciamento, podem causar consequências na saúde do trabalhador. A divisão do trabalho é conceituada a partir de duas vertentes, a divisão do trabalho e a divisão de homens, ou seja, a divisão do trabalho engloba a divisão de tarefas na organização e respectivamente, a divisão do homem seria a repartição de responsabilidades, hierarquia, comando controle, etc. Como afirma Ito, Poleto e Silva (2010, p.17), as duas vertentes se completam e a divisão de homens completa a divisão de tarefas. Ainda, sobre esse assunto, os autores dizem que: Enquanto a divisão de tarefas incita o sentido e o interesse do homem pelo trabalho, a divisão dos homens solicita as relações pessoais, mobilizando sentimentos afetivos como ódio, amor, amizade, solidariedade, confiança, desconfiança (...). É importante salientar que aspectos emocionais referentes à organização do trabalho, podem interferir ocasionando doenças relacionadas às atividades laborais. O desenvolvimento de doença do trabalho ocorre por meio de um processo complexo e dinâmico. Afirma Bellusci (2007, p. 16) que é necessário compreender e acompanhar esse processo para corrigi-lo e impedir que estas doenças ocorram. Os fatores responsáveis pelas doenças do trabalho são vários. De acordo com Bellusci (2007, p.16) os fatores são físicos (ruídos, vibrações e demais), químicos (substancias tóxicas), biológicos (microorganismos e parasitas), poeiras orgânicas (algodão, linho. Sisal e outros), organização do trabalho (ritmo de produção mecânica ou eletronicamente controlada, constante repetição de ciclos de trabalho, responsabilidades e iniciativas, equipamentos auxiliares e locais de trabalho não- compatíveis com as necessidades de concentração, dificuldades em realizar as tarefas, longos 159 períodos de atenção sustentada, e outros) e por fim relações interpessoais. Segundo Bellusci (2007, p.20): Estamos, portanto, diante de uma situação de conflito, na qual o trabalho, por um lado, é fonte de realização de satisfações concretas (proteção da vida, bem- estar físico, biológico e nervoso) e de satisfações simbólicas (satisfação que o trabalho confere de acordo com o que o individuo traz em si como desejo, expectativa de realização por meio do trabalho) e, por outro, é fonte de sofrimento, quando não realiza as aspirações do sujeito, de medo (nem sempre admitido pelo grupo de trabalho), quando um risco real se faz presente, e de ansiedade, quando há o risco de não acompanhar o ritmo de trabalho imposto. O trabalho pode tanto favorecer a saúde mental quanto fortalecer a constituição de distúrbios. Conforme a citação de Ito, Poleto e Silva (2010, p.17): A perspectiva de trabalho (com benefícios que este apresenta com a sobrevivência através do salário, satisfação de necessidade) gera uma satisfação subjetiva com a promessa de felicidade e segurança. Visando manter essa perspectiva de felicidade o homem encara os desafios que o ambiente laboral apresenta. Este enfrentamento pode gerar sofrimento não só para o corpo (por imposição de horário, de ritmo), mas também angustia e apreensão (por imposições de aprendizagem, de instrução, de diplomas etc.), contribuindo para o sofrimento mental. Sabe-se hoje que a maior parte das doenças é influenciada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. “Os transtornos mentais afetam as pessoas de todas as idades e em todos os lugares, causando sofrimento às famílias, as comunidades e aos indivíduos” (GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p. 25). Para o ambiente organizacional ser agradável às necessidades humanas, se faz justo que o mesmo apresente condições adequadas para exercer as suas funções laborais. Na sequência adentraremos nos conceitos da qualidade de vida, fator importante neste quesito. 160 1.3 A qualidade de vida no trabalho (QVT) O termo qualidade de vida no trabalho foi originado na década de 1970, por Louis Davis quando desenvolvia um projeto sobre desenho de cargos. Para ele, este conceito referia-se à preocupação com o bem estar e a saúde dos colaboradores no desempenho de suas atividades (CHIAVENATO, 2010, p. 487). As pessoas passam a maior parte do seu tempo nas organizações, o que torna o ambiente seu “habitat”. O ambiente de trabalho se caracteriza por condições físicas e materiais e por condições psicológicas e sociais. Segundo Chiavenato (2010, p. 470): de um lado, os aspectos ambientais que impressionam os sentidos e que podem afetar o bem estar físico, a saúde e a integridade física das pessoas. Por outro lado, os aspectos ambientais que podem afetar o bem estar psicológico e intelectual, a saúde mental e a integridade moral das pessoas. De um lado a segurança e higiene do trabalho e por outro lado a qualidade de vida na organização. A higiene do trabalho tem caráter eminentemente preventivo, pois objetiva a saúde e conforto do trabalhador, evitando que adoeça e se ausente provisória ou definitivamente do trabalho (CHIAVENATO, 2008, p. 349). A higiene do trabalho está relacionada com as condições ambientais da organização que asseguram a saúde física e mental e com as condições de saúde e bem estar das pessoas. Conforme Chiavenato (2010, p. 470): [...] Do ponto de vista da saúde física, o local de trabalho constitui a área de ação de higiene do trabalho, envolvendo aspectos ligados com a exposição de organismos humanos a agentes externos como ruído, ar, temperatura, umidade, luminosidade e equipamentos de trabalho. Assim, um ambiente saudável de trabalho deve envolver condições ambientes físicas que atuem positivamente sobre todos os órgãos dos sentidos humanos – como visão, audição, tato, olfato e paladar. Do ponto de vista da saúde mental, o ambiente de trabalho deve envolver condições psicológicas e sociológicas saudáveis e que atuem positivamente sobre o comportamento das pessoas evitando impactos emocionais, como o estresse. 161 Um ambiente de trabalho agradável facilita o relacionamento interpessoal e melhora a produtividade, bem como a redução de acidentes, absenteísmo e rotatividade de pessoal. Fazer do ambiente de trabalho um local agradável para exercer a ocupação, tornou-se uma verdadeira obsessão para as empresas (CHIAVENATO, 2010, p. 471). Não são apenas as condições físicas de trabalho que importam. As condições sociais e psicológicas também fazem parte da organização. De acordo com Chiavenato (2008, p. 365): pesquisas apontam que para alcançar a qualidade e produtividade, as empresas precisam de pessoas motivadas e participantes nos trabalhos que executam e serem recompensadas adequadamente por sua contribuição. Para satisfazer o cliente externo, é necessário satisfazer antes a seus funcionários responsáveis pelos produtos ou serviços oferecidos. Uma maneira de definir saúde é a ausência de doenças. O ambiente de trabalho em si, também pode provocar doenças. Uma definição mais ampla de saúde é o estado físico, psicológico e social de bem estar. Chiavenato (2010, p. 471) explana: [...] essa definição enfatiza as relações entre corpo, mente e relações sociais. A saúde de uma pessoa pode ser prejudicada por doenças, acidentes ou estresse emocional. Os gerentes devem assumir também a responsabilidade de cuidar do estado geral de saúde dos colaboradores, incluindo seu bem estar psicológico. Os programas de medicina ocupacional envolvem os exames médicos exigidos legalmente alem de executar campanhas de proteção à saúde dos funcionários, visando à qualidade de vida dos colaboradores e maior produtividade (CHIAVENATO, 2010, p. 472). Os programas de saúde começaram a atrair atenção pois as consequências de programas inadequados são perfeitamente mensuráveis, como afastamentos da empresa, absenteísmo, rotatividade de pessoal e baixa produtividade. Segundo Chiavenato (2010, p. 472): Um programa de saúde ocupacional requer as seguintes etapas: 1 - Estabelecimento de um sistema de indicadores, abrangendo estatísticas de afastamentos e acompanhamento de doenças; 2 - Desenvolvimento de 162 sistemas de relatórios médicos; 3 - Desenvolvimento de regras e procedimentos para a prevenção medica; 4 Recompensas aos gerentes e supervisores pela administração eficaz da função de saúde ocupacional. A qualidade de vida no trabalho é um assunto atual e merece todo cuidado. Como relata Chiavenato (2010, p. 487): a organização que investe diretamente no colaborador, esta investindo indiretamente no cliente. A gestão da qualidade total nas organizações depende fundamentalmente da otimização do potencial humano, e isso depende de quão bem as pessoas se sentem trabalhando na organização. A qualidade de vida dos colaboradores afetada é prejudicial aos mesmos, visto que, estes podem desencadear algum quadro de transtorno psicológico. Estes transtornos serão conceituados no item a seguir, explicitando suas principais definições. 1.4 Os conceitos de transtornos psicológicos Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver situações difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar dentro dela, que não vai suportar, que vai perder o controle de si mesma, ou seja, que vai enlouquecer. Tais pensamentos ocorrem quando se perde alguém próximo ou querido, em situações altamente estressantes, em que o individuo se vê com muitas duvidas e não percebe a possibilidade de pedir ajuda e/ou resolver a situação sozinha (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 344). Os indivíduos mais sadios são independentes, cooperadores, criativos, produtivos, capazes de relaxar e divertir. Eles aceitam tanto as suas qualidades quanto as suas limitações, dentro de um campo razoável. Porém o grau de saúde mental das pessoas nem sempre são os mesmos, vão variar de acordo com o momento, com as situações pela qual elas passam. Os transtornos mentais não são “doença” como as outras. Apesar de poderem apresentar sintomas físicos, não são eles que predominam; tais transtornos se apresentam, principalmente, na maneira de perceber, pensar, sentir e agir da pessoa (ROCHA, 2005, p.87). 163 Muitos pesquisadores definem os transtornos psicológicos em disfunções prejudiciais. Segundo Myers (2006, p. 451) eles catalogam o comportamento como prejudicial e disfuncional quando o julgam atípico, injustificável, mal-adaptativo e perturbador. Para justificar um comportamento confuso, as pessoas pensavam que forças estranhas estavam atuando. Relata Myers (2006, p.451) que a cura era livrar-se da força do demônio, seja apaziguando os grandes poderes, seja exorcizando o demônio. Até os dois últimos séculos, as pessoas loucas eram tratadas como animais enjaulados ou recebiam terapias para o demônio, tais como espancamento, queimadas ou castradas. A terapia era extrair dentes, retirar parte dos intestinos ou cauterizar o clitóris. Nos séculos XVII e XVIII, os critérios que definiam a loucura não eram médicos. Essa designação era atribuída à percepções que instituições como a igreja, a justiça e a família tinham do indivíduo e os critérios referiam-se à transgressão da lei e da moralidade (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 346). No final do século XVII, os loucos não eram vistos como doentes e faziam parte dos segregados da sociedade. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008, p. 346): no final deste mesmo século foi criado em Paris o Hospital Geral, onde se iniciou a grande internação. A população internada era heterogênea, porém, podiam ser divididas em quatro grupos, os devassos (doentes venéreos), os feiticeiros (profanadores), os libertinos e os loucos. O hospital geral não era uma instituição médica, mas assistencial. Não havia tratamento. Os loucos não eram vistos como doentes, e por isso, integravam um conjunto formado por todos os segregados da sociedade. O critério de exclusão baseava-se na inadequação do louco à vida social. Na segunda metade do século XVIII, iniciaram-se as reflexões médicas e filosóficas que situavam a loucura como algo que ocorria no interior do próprio homem. De acordo Foucault (1975, p. 18): a doença não é uma essência contra a natureza, ela é a própria natureza, mas num processo invertido; a história natural da doença só tem que restabelecer o curso da história natural do organismo são. 164 Em oposições a esses tratamentos brutais, os reformistas insistiam que a loucura não era possessão demoníaca e sim patologia da mente causada por stress severo e condições desumanas. Segundo Myers (2006, p. 452): [...] Atualmente, a perspectiva medica é familiar e pode ser reconhecida por nós na terminologia do movimento da saúde mental: uma doença mental (também denominada psicopatologia) precisa ser diagnosticada com base em seus sintomas e curada por meio de terapia, que pode incluir tratamento em um hospital psiquiátrico. A perspectiva médica só ganhou credibilidade a partir de descobertas recentes. Segundo Myers (2006, p. 452): “doenças mentais são transtornos diagnosticados no cérebro”, declarou um artigo da Casa Branca sobre doenças mentais em 1999. Os psicólogos atuais sustentam que todos os comportamentos, tanto os chamados normais quanto as alterações, surgem da interação natureza e criação. Conforme Myers (2006, p. 452): [...] Presumir que uma pessoa seja ‘mentalmente doente’ é atribuir a condição a apenas um problema interno – a uma ‘doença’ que deve ser diagnosticada e curada. Talvez não exista um problema interno profundo. Em vez disso, talvez exista no ambiente da pessoa, nas interpretações que ela dá ao fato, nos seus maus hábitos e nas suas competências sociais insatisfatórias uma dificuldade que bloqueia o crescimento. Em psicologia e psiquiatria, a classificação diagnóstica possibilita não apenas descrever um transtorno, mas também prever o seu curso futuro, estimular um tratamento adequado e pesquisar as possíveis causas do mesmo. Para estudar um transtorno é necessário nomeá-lo e descrevê-lo. O protocolo atual que autoriza a classificação dos transtornos mentais é o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da Aamerican Psychiatric Association, mais conhecida como DSM- IV (MYERS, 2006, p.453). Myers (2006, p.453) também afirma que a DSM- IV define dezessete maiores categorias para os transtornos mentais, descrevendo e listando sua prevalência sem presumir a explicação de suas causas. 165 Ninguém é completamente sadio ou completamente doente, em termos psíquicos. “Se formos classificar as pessoas de acordo com seu grau de saúde mental, teríamos das mais sádicas às mais doentes, passando por todos os níveis intermediários, e não seria possível definir onde termina a saúde e onde começa o transtorno psicológico” (ROCHA, 2005, p. 84). Os colaboradores não adquirem estes transtornos psicológicos involuntariamente, e, na seção seguinte, serão observados os fatores que desencadeiam os mesmos e também o que proporcionam aos funcionários das organizações. 2 Os transtornos psicológicos e seus fatores impulsionadores Ao longo do segundo capítulo serão tratados os fatores que impulsionam a manifestação dos transtornos nas pessoas, as doenças psicológicas que mais ocorrem nas organizações, o comportamento dos mesmos quando afetados e suas consequências no ambiente organizacional. 2.1A manifestação dos transtornos psicológicos nos colaboradores Desde a antiguidade são conhecidos os impactos do ambiente de trabalho na saúde física e mental do trabalhador. Porém, foi na metade do século passado que a medicina preventiva, a conscientização dos envolvidos, o surgimento de órgãos regulamentadores e por consequência as leis de proteção ao trabalhador começaram a ter medidas eficazes na proteção dos mesmos e prevenção a estes agravos. Analisando os principais riscos que influenciem o desencadeamento ou agravamento de distúrbios psíquicos nos trabalhadores, Guimarães e Grubits (2004, p. 157) denominam como riscos ocupacionais os agentes físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos que no ambiente de trabalho possam produzir danos à saúde do trabalhador. As pressões do ambiente de trabalho e os problemas pessoais das pessoas são fatores que influenciam no comportamento dos colaboradores na empresa. De acordo com Assis (2005, p.8): As pressões e desafios que enfrentamos em nossas vidas são traduzidos para nosso mundo interior de diferentes formas, modificando nossas percepções e conturbando de alguma maneira nosso equilíbrio interno. 166 Além das eventualidades de nosso trabalho e vida particular, temos outros fatores psicossociais que influenciam em nossas vidas. Segundo Guimarães e Grubits (2004, p. 257): outros fatores psicossociais, como congestionamento, insegurança social, criminalidade e poluição também interferem no bem estar da população, e os menos favorecidos socialmente, pagam maior ônus em termos de saúde física e mental. Dentre os variados fatores que podem desencadear transtornos psicológicos, podemos destacar também o assedio moral. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2008, p. 256): o assedio moral não é uma doença ocupacional, mas uma forma de pressão que pode ser exercida por aqueles que ocupam cargos de hierarquia mais alta. Evidentemente é exercida por chefes ou colegas não muito escrupulosos. Os colaboradores quando estão com algum tipo de transtorno psicológico apresentam características que não são sadias para suas vidas. Conforme Guimarães e Grubits (2004, p.25), é evidente que se a saúde mental estiver comprometida vai desempenhar significativo papel na diminuição do funcionamento imune, no desenvolvimento de doenças e na morte prematura. Uma definição largamente aceita sobre comportamento anormal são padrões de emoção, pensamento e ação. Revela-nos Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 530) quatro padrões básicos de comportamentos: 1- Raridade estatística: maneira de julgar quando o comportamento de uma pessoa é anormal é comparar sua frequência com a ocorrência de outros comportamentos. 2- Incapacidade ou disfunção: uma pessoa é considerada anormal se suas emoções, pensamentos ou ações interferir em suas habilidades de funcionar normalmente em sua vida e em sociedade. Incapacidade ou disfunção é o primeiro critério para a identificação do uso anormal de drogas. 3- Angústia pessoal: em vez de confiar em uma medida estatística objetiva ou na evidência de uma incapacidade, os profissionais de saúde mental preferem usar seu próprio julgamento individual dos níveis de funcionamento. 4- Violação de normas: este último parâmetro é baseado nas normas sociais, regras culturais que guiam o comportamento em situações 167 particulares. Comportamentos que violam normas sociais ou ameaçam outras pessoas podem ser consideradas anormais. Para complementar os padrões básicos do comportamento, Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 531) afirmam que o comportamento anormal só pode ser compreendido nos termos relativos à cultura em que ele está inserido. Acrescenta também que há sintomas ligados à cultura que são encontrados unicamente em culturas particulares, e sintomas culturalmente universais, que são encontrados em todas as culturas. Estudos apontam que um nível baixo de autoestima é um dos fatores causadores de transtornos psicológicos e fisiológicos nos colaboradores. Guimarães e Grubits (2004, p. 104) afirmam que tal estudo serve para maior conhecimento da função moderada da auto-estima em relação aos estressores no trabalho e seus resultados individuais e também aferir o quanto uma pessoa e mais ou menos vulnerável ao stress. Como percebido, o trabalho quando não bem estruturado e gerenciado gera aos colaboradores quadros negativos para sua saúde física e mental. Galafassi (1999, p.12) nos recorda: “a doença do trabalho é aquela desencadeada ou adquirida em função das condições especiais em que o trabalho é realizado”. Na sequência serão notados os transtornos que mais agravam as organizações do século XXI e consequentemente o que os mesmos trazem à vida das pessoas. 2.2 Os transtornos mentais mais ocorridos nas organizações Segundo Ito, Poleto e Silva (2010, p. 21), dentre as doenças mentais do trabalho, encontram-se a esquizofrenia, síndrome de Burnout, transtorno bipolar, depressão maior, exaustão emocional, alcoolismo, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), entre outras, e que as mais ocorrentes nos ambientes organizacionais são: Síndrome de Burnout, Exaustão Emocional, Depressão e alcoolismo. 2.2.1 Síndrome de Burnout Burnout é um termo bastante antigo, que no popular inglês se refere a aquilo que parou de funcionar por absoluta falta de energia. Conforme Cordes 168 & Dougherty (1993, s.p. apud ITO; POLETO; SILVA, 2010, p. 22), a síndrome de Burnout possui como um de seus principais sintomas a falta de animo para a realização se suas funções, originado por pressões de superiores, competitividade profissional ou por si próprio. O termo Síndrome de Burnout foi desenvolvido na década de 70 nos Estados Unidos por FREUNDERBERGER. Conforme Guimarães e Grubits (204, p. 43), ele observou que muitos voluntários com os quais ele trabalhava vinham apresentando gradualmente desgaste do humor e ou desmotivação. Esse processo durava por volta de um ano e era acompanhado a sintomas físicos e psíquicos que denotavam um particular estado de estar exausto. O desenvolvimento do conceito de Síndrome de Burnout apresenta duas fases em sua evolução histórica. Segundo Guimarães e Grubits (2004, p. 44): [...] uma fase pioneira, onde o foco esteve na descrição clinica da síndrome de ‘Síndrome de Burnout’, e uma fase empírica em que se sistematizaram as distintas investigações para assentar a descrição conceitual do fenômeno. Na década de setenta foi desenvolvido o termo síndrome de Burnout a partir da suposição que existe uma tendência individual na sociedade moderna a incrementar a pressão e estresse ocupacional, sobretudo nos serviços sociais. Conforme Cherniss, (1980, s.p. apud GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p. 44): os profissionais ligados a atendimento de pessoas doentes, necessidades ou carência material deveriam resolver mais problemas e, portanto, se produziria neles um conflito entre a mística profissional, a satisfação ocupacional e a responsabilidade frente ao cliente. Na década de oitenta as investigações sobre a síndrome se deram nos Estados Unidos e, posteriormente, o conceito começou a ser investigado em outros países do mundo. De acordo com Maslach e Schaufeli (1993, s.p apud GUIMARÃES; GRUBITS 2004, p. 44), em cada país se adotou e aplicou o instrumento utilizado nos Estados Unidos, especialmente o Maslach Burnout Inventory de Maslach e Jackson. Foi concluído através de estudo que não existe acordo sobre a evolução da síndrome de Burnout. Conforme Golembieswsky e Munzenrider (1998, s.p apud GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p. 47), existem oito possíveis 169 combinações para a síndrome, sendo a primeira fase a despersonalização, logo a reduzida realização pessoal e finalmente o esgotamento emocional. Uma segunda alternativa é que as dimensões se desenvolvam de forma simultânea, mas independentemente. 2.2.2 Exaustão emocional O ambiente de trabalho é um fator importante no desencadeamento da exaustão emocional, mas também e certo destacar que o ambiente externo, como a família, pode também impulsionar o mesmo. Existem aspectos negativos ao trabalhador chamados retaliação organizacional, que acarretam consequências improdutivas no trabalho. De acordo com Mendonça e Tamayo (2008, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA, 2010, p. 23), a retaliação organizacional é definida como represália, desforra ou desagravo. No Brasil ainda não há casos empíricos sobre este evento, porém acredita-se que é uma das causas de prejuízos monetários às organizações de trabalho. Mendonça e Tamayo (2008, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA, 2010, p. 23) ainda complementam que: A retaliação organizacional ocorre de maneira notória ou sutil. Na maioria das vezes, de maneira sutil, por exemplo, ações de colegas, superiores ou subordinados para impedir o bom desempenho organizacional. O bem- estar nas organizações tende a ser igualitárias para os homens e as mulheres com intuito de melhor produtividade e qualidade de vida nas organizações. Porem não é isso que ocorre hoje nas empresas. Conforme Caetano e Estrada, (2006, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA, 2010, p. 23), em várias observações foi constatado que pessoas do sexo masculino possuem o nível de bem- estar subjetivo mais elevado que o das mulheres. Constatou também que entre as enfermeiras e professoras, a exaustão foi maior nas mulheres mais jovens. A propensão à exaustão emocional é maior quando há maior carga horária. Outros valores também são interferentes à esse transtorno como valores organizacionais de autonomia, conservação, estrutura igualitária e harmonia. 170 2.2.3 Transtorno Depressivo Maior A depressão é uma das doenças emocionais que causam mais danos a saúde do colaborador, pois pode causar danos a sua vida pessoal e profissional. Segundo a definição de CID (1993, s. p. apud GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p.131), O episodio depressivo caracteriza-se pelo “humor deprimido”, perda de interesse e prazer, e energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada, atividade diminuída e cansaço após esforços leves. De acordo com sua gravidade é subdividida em leve, moderado e grave. Quanto ao desempenho no trabalho e o grau de incapacidade laborativa, geralmente na forma leve, o individuo poderá apresentar uma acentuada queda de rendimento, embora consiga permanecer no trabalho, sendo a duração mínima em torno de duas semanas. Nos episódios de moderado e grave, espera-se que a dificuldade para o desempenho profissional esteja seriamente comprometida, ocorrendo, na maioria das vezes, um afastamento do trabalho. A depressão tem sido registrada desde o Egito Antigo, quando a mesma era chamada de melancolia e tratada por padres. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 545), a maioria das pessoas se sente “para baixo” algumas vezes, especialmente após perder o emprego, no final de relacionamentos amorosos, ou com a morte de algum ente querido. Completa que pessoas que sofrem desse transtorno, contudo, podem sentir depressão contínua e duradoura sem que se possa identificar um motivo ou evento ou evento causador da depressão. Assim, como a ansiedade é uma resposta às ameaças ou perdas futuras, a depressão geralmente é uma resposta ao passado e a perdas atuais. Segundo Myers (2006, p. 461): a depressão é uma forma de hibernação psíquica, ela nos torna lentos, evita a atração de predadores, restringe esforços supérfluos e evoca ajuda. Quando um indivíduo está gripado, a tosse, vômitos e varias manifestações de dor, apesar de desagradáveis, protegem o corpo de toxinas perigosas. Sob essa perspectiva há sentido em sofrer quando o estagio de depressão se manifesta em alguém. Confirma Myers (2006, p. 461): parar 171 temporariamente e ruminar, como as pessoas deprimidas fazem, é uma maneira de uma pessoa acessar novamente a vida quando se sente ameaçada e redirecionar a energia em caminhos mais promissores. 2.2.4 Transtorno Bipolar Com ou sem terapia, os transtorno depressivos podem acabar ou serem tratados, e a pessoa retorna, temporariamente ou permanentemente, aos seus padrões prévios de comportamento. Conforme Myers (2006, p. 462): algumas pessoas têm um rebote para o extremo emocional oposto, um episódio maníaco de euforia, profundo otimismo e hiperatividade. Se estar em depressão é viver em câmera lenta, a mania é o oposto, a velocidade acelerada. Completa que esta transição de comportamento sinaliza um transtorno bipolar. As atitudes das pessoas com transtorno bipolar são variáveis e de acordo com o momento do emocional que a mesma está vivendo. Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 546): Durante o episódio maníaco, a pessoa fica superexcitada, extremamente ativa e distraída. O individuo exibe uma auto estima irreal e um exagerado senso de importância, até mesmo delírios de grandeza. Ela pode elaborar planos para ficar famoso ou rico. O individuo hiperativo pode ficar sem dormir por dias sem se sentir cansado. O pensamento torna-se acelerado e ele pode mudar abruptamente de assunto, mostrando uma “fuga de ideias”. A fala também se torna acelerada (“fala comprimida”) e torna- se difícil entender as palavras no final das frases. O julgamento prejudicado também é comum: a pessoa talvez dê suas coisas de valor ou passe por um frenesi de gastos. Episódios maníacos podem durar alguns dias ou meses e geralmente acabam bruscamente. De acordo com Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 546): o humor maníaco anterior, estilo rápido de pensamento e fala e a hiperatividade são revertidas, e o episódio seguinte de depressão pode durar até três vezes mais que o episódio maníaco. Conclui ainda que o risco de um transtorno bipolar durar a vida inteira é baixo, mas esse pode ser um dos transtornos mais debilitantes e letais. 172 2.2.5 Transtorno obsessivo compulsivo (TOC) Obsessões são pensamentos não desejados, enquanto as compulsões são ações que o indivíduo sente-se forçado a tomar. Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 541) introduzem: transtornos obsessivos- compulsivos (TOC) são caracterizados pela ansiedade difusa criada pela intrusão recorrente e incontrolável de pensamentos (obsessões) e impulsos irresistíveis de realizar rituais sem sentido (compulsões). As pessoas têm o costume de confundir às vezes atitudes que as consideram como transtorno obsessivo compulsivo, como desligar o gás antes de sair de casa. Porém o TOC é de uma vertente muito maior. Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 541): A diferença entre TOC e as formas mais amenas de compulsão é que comportamentos TOC são muito mais extremos, parecem irracionais a qualquer pessoa e interferem consideravelmente na vida diária. Indivíduos com TOC podem algumas vezes lavar as mãos centenas de vezes ao dia ou passar horas executando rituais sem sentido de organização e limpeza. Os pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos cruzam a tênue fronteira entre a normalidade e o transtorno quando se tornam persistentes e interferem no nosso estilo de vida ou quando causam perturbações. Conforme Myers (2006, p. 457): os pensamentos obsessivos tornam- se tão frequentes, e os rituais compulsivos tão sem propósito, consumindo tanto tempo, que o funcionamento normal se torna impossível. 2.2.6 Esquizofrenia Se a depressão é a gripe dos transtornos psicológicos, a esquizofrenia crônica é o câncer. De acordo com Organização Mundial da Saúde (2002, s. p. apud MYERS, 2006, p. 470), aproximadamente uma em cada cem pessoas vai desenvolver esquizofrenia, juntando-se aos 24 milhões ao redor do mundo que, segundo se estima, sofrem do mais terrível transtorno mental da humanidade. Completa ainda que geralmente acomete os jovens quando estão amadurecendo para a idade adulta, não tem fronteiras nacionais e afeta igualmente os homens e as mulheres. 173 Todos os transtornos que abordamos até agora causam uma angustia considerável, mas muito dos sofredores ainda podem viver normalmente. No entanto, a esquizofrenia é uma forma de psicose, um termo que descreve uma falta generalizada de contato com a realidade. Relata Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 551), pessoas com este transtorno adquirido têm sérios problemas para cuidar de si mesmos, relacionarem com os outros e manter um emprego. Em casos extremos, por causa da falta de contato com a realidade, as pessoas com esquizofrenia podem requerer cuidados institucionais ou custódia. Uma pessoa que é vitima de esquizofrenia pode perceber coisas que não estão no lugar. Essas alucinações geralmente são auditivas. Podem ouvir vozes que lhe fazem afirmações insultuosas ou dão ordens. Estas vozes desestimulam os pacientes com o distúrbio. De acordo com Myers (2006, p. 471), esse tipo de alucinação tem sido comparado com sonhos que ocorrem dentro da consciência acordada, e quando o irreal parece real as percepções resultantes são de bizarras a horripilantes. As emoções da esquizofrenia geralmente são grosseiramente inapropriadas. Afirma-nos Myers (2006, p. 471 que o comportamento motor pode parecer impróprio, as pessoas podem fazer atos compulsivos sem propósito e os que exibem catatonia podem permanecer sem movimento por horas e em seguida se tornar agitados. Temos descrito a esquizofrenia como uma doença apenas, mas na verdade trata-se de um aglomerado de outras doenças. Os subtipos compartilham alguns aspectos, mas também apresentam alguns sintomas que os distinguem. Segundo Myers (2006, p. 471): [...] pacientes esquizofrênicos que apresentam sintomas positivos podem experimentar alucinações, ser geralmente desorganizados e delirantes em seu discurso, e podem também exibir risos, lágrimas e raiva inapropriados. Os que têm sintomas negativos apresentam voz sem entonação, face inexpressiva ou mutismo e corpo rígido. Assim sendo, os sintomas positivos se caracterizam pela presença de comportamentos inapropriados, e os negativos pela ausência de comportamentos adequados. 174 Estudos apontam várias teorias que explicam a esquizofrenia. Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 553) relatam: teorias biológicas enfatizam mudanças físicas no sistema nervoso ou predisposição hereditária. Teorias psicossociais focam o estresse e os distúrbios familiares. 2.2.7 Alcoolismo Em 1956, a Associação Medica Americana, declarou que o alcoolismo é uma doença, e em 1960 essa concepção passou a ser aceita no mundo inteiro. Segundo Dejours (1990, s.p. apud VAISSMAN, 2004, p.22): O consumo de álcool pode de alguma maneira, ser promovido ao status de defesa coletiva, praticamente indissociável da profissão, contra outros sofrimentos que são difíceis de combater de modo diferente. Ele aponta que o alcoolismo é um comportamento alimentar e não uma defesa mental, sendo que o consumo de álcool pode ser uma confrontação com a organização do trabalho por parte dos trabalhadores, em relação às ideologias defensivas do ofício. O abuso de substancias ocorre quando a droga interfere nas funções e ocupações sociais da pessoa. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 562): uma pessoa é considerada abusiva no álcool se estiver frequentemente intoxicada ou intoxicada todo dia, se for incapaz de parar de beber, ou se o álcool causar comportamento instável, impulsivo ou agressivo. Embora o consumo por drogas ilícitas, como a maconha e cocaína, tenham uma atenção considerável, o abuso do álcool é o principal problema relacionado a drogas e cria dificuldades sociais e pessoais enormes. Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 562), o alcool causa diretamente ou está associado a mais de 100 mil mortes a cada ano. Ele contribui para a violência domestica e abuso infantil; é a principal causa conhecida de retardo mental e é o problema psiquiátrico mais comum em homens. A causa do alcoolismo é enfatizada por teóricos da aprendizagem que dizem que o álcool é um poderoso reforçador. Confirma Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 562): ele reduz o estresse, modera a tensão e ansiedade e o seu uso é socialmente condicionado em nossa cultura. Completa que outros autores atribuem a doença a fatores genéticos, citando evidencias de o problema está presente em famílias biológicas. 175 2.3 As características do ambiente organizacional afetado pelos distúrbios mentais As questões ligadas à saúde mental do trabalhador tem sido crescente objeto de estudo, principalmente pelas suas altas incidências e a sua repercução na vida das pessoas e nas organizações. De acordo com Guimarães e Grubits (2004, p.26), estes transtornos trazem sérios prejuízos ao desenvolvimento profissional dos trabalhadores e perdas econômicas para as organizações. A doença raramente é bem vista durante o trabalho. Relata-nos Sampaio, Galasso e Ribeiro (2009, p. 128) que para o empregador, a doença significa queda de produtividade, comprometimento nos resultados da empresa, necessidade de rever condições, processo de trabalho, problemas com sindicatos e pressão da fiscalização, além do comprometimento da imagem da empresa junto à comunidade e à opinião pública. Uma vez que o colaborador encontra-se em estado normal em seu ambiente de trabalho, a parte parassimpática do sistema nervoso autônomo tende a diminuir a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, enquanto os músculos do estomago e intestinos se movimentam mais rápido. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 470): sob condições de estresse, a parte simpática do sistema nervoso autônomo assume o controle. Aumenta a frequência cardíaca, pressão sanguínea, respiração e tensão muscular, diminui o movimento dos músculos do estômago, contrai vasos sanguíneos e libera hormônios como a epinefrina e cortisol. Na vida das organizações é comum as consequências causadas por colaboradores com quadros patológicos. De acordo com Sampaio, Galasso e Ribeiro (2009, p.128): os desdobramentos mais frequentes dentro da empresa, quando surgem queixas psicossomáticas, são queda de produção, despesas médicas e administrativas sem retorno, clima interpessoal negativo, indicação de problema pessoal e diagnostico de problemas. Com relação aos transtornos psicológicos e os resultados negativos que ele traz ao trabalho, Pereira (2002, p. 71) relata que: As consequências físicas e pessoais são as relatadas no item referente a sintomas, ocasionando prejuízos não só 176 pessoais, mas também no trabalho, assim como sociais e organizacionais, pela diminuição na qualidade do trabalho, faltas constantes, diminuição da produtividade e acidentes de trabalho entre outros. Inúmeros estudos têm enfatizado o prejuízo no desempenho individual e o impacto socioeconômico desencadeado pela depressão. Guimarães e Grubits (2004, p. 133) nos transcrevem que em uma pesquisa realizada por Wells (1989) e Stuart (1988), concluíram que essa enfermidade causa um prejuízo muito maior ao desempenho individual físico, profissional e social do que a hipertensão arterial, o diabetis melittus, os distúrbios gastrointestinais, pulmonares, ortopédicos e cardíacos. Ainda, completam dizendo que quanto ao impacto socioeconômico, são amplamente conhecidos os altíssimos custos diretos e indiretos atribuídos à depressão que podem levar ao absenteísmo, à queda de produtividade no trabalho, e também à hospitalização, consultas laboratoriais e uso de medicamentos. O absenteísmo é a frequência e/ou duração do tempo de tempo de trabalho perdido quando os colaboradores não comparecem ao trabalho. Segundo Chiavento (2010, p. 88), as causas e consequências do absenteísmo foram intensamente estudadas através de pesquisas que mostram que o mesmo é afetado pela capacidade profissional das pessoas e pela sua motivação para o trabalho, além de fatores internos e externos ao trabalho. Completa ainda Chiavenato (2010, p. 88): A capacidade de assiduidade ao trabalho pode ser reduzida por barreiras à presença, como doenças, acidentes, responsabilidades familiares e particulares e problemas de transporte para o local de trabalho. A motivação para a assiduidade é afetada pelas práticas organizacionais (como recompensas à assiduidade e punições ao absenteísmo), pela cultura de ausência (quando faltas ou atrasos são considerados aceitáveis ou inaceitáveis) e atitudes, valores e objetivos dos empregados. Quando os colaboradores encontram-se em situações estressoras, raramente entram em ação, então logicamente não têm a necessidade de aumentar a frequência cardíaca, pressão sanguínea e níveis hormonais. Como 177 nos relata Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 471): a resposta de fuga ou luta aos fatores estressores causam mudanças fisiológicas que, no final das contas, podem ser prejudiciais à saúde, contribuindo para doenças graves, como as cardíacas e o câncer. É de suma importância para os gestores e as empresas terem a ciência dos fatores causadores de transtornos psicológicos nas organizações, porém, maior ainda é terem conhecimento das ferramentas no combate a estes transtornos psicológicos do dia a dia. Tais assuntos serão explanados de forma sintética na seção seguinte. 3 Métodos e instrumentos de prevenção aos transtornos psicológicos Na explanação dessa terceira seção serão abordados os métodos e instrumentos de prevenção aos transtornos psicológicos e os benefícios para as empresas em manter a saúde ocupacional sob controle. 3.1 A qualidade de vida no trabalho como objeto da saúde mental Muito se fala em qualidade nas empresas, seja nos produtos, nos serviços prestados ou nos processos desenvolvidos. Existem muitos programas que visam a qualidade de vida das pessoas, bem como em seu ambiente de trabalho ou fora, nos seus momentos de tempo livre e lazer. A saúde ocupacional vem sendo estudada a muito tempo e assume maior relevância na década de 70. De acordo com Guimarães e Grubits (2004, p. 210), quando ocorre um esgotamento da organização de trabalho taylorista/fordista, no qual ocorreu um aumento de absenteísmo, da insatisfação do trabalho e do não cumprimento das metas estabelecidas, predomina o modelo japonês de organização de trabalho para tentar superar essa realidade e adquirir um controle importante da vida extraprofissional pela rigorosa utilização do tempo a serviço da organização. Todo gestor de empresa já se deparou ou até mesmo utilizou o clichê “ os colaboradores são o ativo mais importante da empresa e portanto devem ser tratados com a valorização de suas capacidades”. Isso é verdade, porém nem sempre é praticado nas organizações.Segundo Boog e Gustavo (2002, p. 404), a verdadeira Administração pressupõe que, para ter sucesso, os gestores 178 precisam garantir que seus empregados possuem boas condições de vida no trabalho. Tal afirmação, contudo, parece contraditória se analisarmos sob a ótica do atual ambiente empresarial. O acirramento da competição proporcionado pela globalização dos mercados e a complexidade e a diversidade das situações com as quais as empresas precisam lidar parecem não combinar com o bem- estar e qualidade de vida no trabalho. De acordo com Yuzuru (2002, s. p. apud BOOG; GUSTAVO, 2002, p. 404) o senso comum nos leva a acreditar que em situações de competição extrema, crises e mudanças constantes o único caminho possível parece ser “apertar ainda mais o cinto”, exigindo-se mais de cada um em nome de metas de produtividade que possam garantir a sobrevivência da empresa. Atualmente, o conceito de QVT envolve tanto os aspectos físicos e ambientais como os aspectos psicológicos do ambiente de trabalho. Conforme Chiavenato (1999, p. 391) há em qualidade de vida duas posições antagônicas, onde de um lado, a reivindicação dos empregados quanto ao bem estar e satisfação no trabalho, e do outro, o interesse das organizações quanto aos seus efeitos potenciais sobre a produtividade e a qualidade. A qualidade de vida no trabalho (QVT) representa o grau em que os membros da organização são capazes de satisfazer a suas necessidades pessoais com sua atividade na organização. Segundo Chiavenato (2008, p. 366): A qualidade de vida no trabalho envolve uma constelação de fatores, como: a satisfação com o trabalho executado, possibilidades de futuro na organização, reconhecimento pelos resultados alcançados, o salário percebido, benefícios auferidos, relacionamento humano dentro do grupo e da organização, ambiente psicológico e físico de trabalho, liberdade de decidir, possibilidades de participar e coisas assim. A QVT envolve não somente os aspectos intrínsecos do cargo, como todos os aspectos extrínsecos e contextuais. Ela afeta atitudes pessoais e comportamentos importantes para a produtividade, como: motivação para o trabalho, adaptabilidade e flexibilidade às mudanças no ambiente de trabalho, criatividade e vontade de inovar. 179 O desempenho no cargo e o clima organizacional representam fatores importantes na determinação da QVT. De acordo com Chiavenato (1999, p. 392), se a qualidade do trabalho for pobre, conduzirá o colaborador a alienação do trabalho, à insatisfação, à má vontade, ao declínio da produtividade e a comportamentos contraproducentes. Ao contrário, conduzirá o mesmo a um clima de confiança e respeito mútuo, no qual o individuo tenderá a aumentar suas contribuições e elevar suas oportunidades de êxito psicológico e administração tenderá a reduzir mecanismos rígidos de controle social. A qualidade de vida é, sem discussão, de fundamental importância para as organizações. Conforme Guimarães e Grubits (2004, p. 216), a vida ocupacional é uma instancia na qual as pessoas durante a fase adulta passam uma quantidade de tempo considerável. O local de trabalho é consequentemente um cenário propício para a promoção do bem-estar emocional, para a prevenção de agravos à saúde mental, e para impedir que os problemas de saúde mental existente se agravem. Não somente manter a qualidade de vida nas organizações se torna necessários para o não desencadeamento de transtornos do psicológico. Há também métodos e instrumentos na prevenção dos mesmos e estes serão discutidos a seguir. 3.2 Métodos e instrumentos preventivos na obtenção do bem- estar dos funcionários A partir da década de 70 foram desenvolvidos mais amplamente os programas de prevenção a saúde do trabalhador. Não somente à saúde mental, mas também a saúde física dos mesmos. De acordo com Galafassi (1999, p. 19), a educação do funcionário na prevenção de doenças é imprescindível nas organizações para um bom resultado. A prevenção de doenças começa desde o exame ocupacional exigido nas empresas, onde o médico avalia os colaboradores. Conforme Galafassi (1999, p.72), ao contrario do que se pratica em algumas empresas, o exame admissional não deve consistir na inclusão do candidato sadio e a exclusão do menos saudável, e sim no conhecimento prévio da atividade que irá exercer sem prejudicar sua saúde e a dos demais colegas. Os programas de bem-estar são geralmente adotados por organizações que procuram prevenir problemas de saúde de seus funcionários. Para 180 Chiavenato (1999, p. 393), o caráter profilático desses programas parte do reconhecimento de seu efeito sobre o comportamento dos funcionários e estilo de vida fora do trabalho, encorajando as pessoas a melhorarem seu estilo de vida. Completa que um programa de bem-estar tem geralmente três componentes: ajudar os colaboradores a identificar riscos potenciais de saúde, educar os mesmos a respeito de riscos de saúde e encorajar os funcionários a mudar seu estilo de vida através de exercícios físicos, boa alimentação e monitoramento da saúde. A importância das necessidades humanas varia conforme a cultura de cada indivíduo e de cada organização. Conforme Chiavenato (1999, p. 392), a qualidade de vida não é determinada apenas pelas características individuais (necessidades, valores, expectativas) ou situacionais (estrutura organizacional, tecnologia, sistemas de recompensas, políticas internas), mas, sobretudo pela atuação sistêmica dessas características individuais e organizacionais. Por esta razão, vários autores apresentam modelos de qualidade de vida no trabalho para alcançar o bem estar dos colaboradores. Chiavenato (1999, p. 392) revela-nos os três modelos mais importantes: Modelo de QVT de Nadler e Lawler, onde os mesmos fundamentam a QVT em quatro aspectos: 1- A participação dos funcionários nas decisões; 2- Reestruturação do trabalho através do enriquecimento de tarefas e de grupos autônomos de trabalho; 3- Inovação no sistema de recompensas para influenciar o clima organizacional; 4- Melhoria no ambiente de trabalho quanto a condições físicas e psicológicas, horário de trabalho e etc. Modelo de QVT de Hackman e Oldhan, onde apresentam modelo de QVT dedicada ao desenho de cargos. Para eles, as dimensões do cargo produzem estados psicológicos críticos que conduzem a resultados pessoais e de trabaho que afetam a QVT. As dimensões são: 1- Variedade de habilidades: o cargo deve ter varias e diferentes habilidades, conhecimento e competência das pessoas. 181 2- Identidade da tarefa: o trabalho deve ser realizado do inicio até o fim, para que o colaborador possa perceber que produz um resultado palpável. 3- Significado de tarefa: a pessoa deve perceber como o seu trabalho produz consequências e impactos sobre o trabalho de seus colegas. 4- Autonomia: a pessoa deve ter responsabilidade pessoal para planejar e executar suas tarefas, autonomia e independência para desempenhá-las. 5- Retroação do próprio trabalho: a tarefa deve proporcionar informação de retorno à pessoa para que ela própria possa avaliar seu desempenho. 6- Retroação extrínseca: deve haver retorno proporcionado pelos sueriores hierárquicos ou clientes a respeito do desempenho na tarefa. 7- Inter- relacionamento: a tarefa deve possibilitar contato inter pessoal do ocupante com outras pessoas ou com clientes internos ou externos. As dimensões do cargo são determinantes da QVT pelo fato de oferecerem recompensas intrínsecas que produzem à satisfação no cargo e automotivam as pessoas para o trabalho. Modelo de QVT de Walton, onde o mesmo diz que existem oito fatores que afetem a QVT: 1- Compensação justa e adequada: a justa distributiva de compensação depende da adequação da remuneração ao trabalho que a pessoa realiza, da equidade interna e da equidade externa. 2- Condições de segurança e saúde no trabalho: envolvendo as dimensões jornada de trabalho e ambiente físico adequado à saúde e bemestar da pessoa. 3- Utilização e desenvolvimento de capacidades: proporcionar oportunidades de satisfazer as necessidades de utilização de habilidades e conhecimentos do trabalhador, desenvolver sua autonomia, autocontrole e obter informações sobre o processo total do trabalho. 182 4- Oportunidades de crescimento contínuo e segurança: proporcionar possibilidades de carreira na organização, crescimento e desenvolvimento pessoal e segurança no trabalho de forma duradoura. 5- Integração social na organização: eliminação de barreiras hierárquicas marcantes, apoio mútuo, franqueza interpessoal e ausência de preconceito. 6- Constitucionalismo: refere-se ao estabelecimento de normas e regras da organização, direitos e deveres do trabalhador, recursos contra decisões arbitrarias e um clima democrático dentro da organização. 7- Trabalho e espaço total de vida: o trabalho não deve absorver todo o tempo e energia do trabalhador em detrimento de sua vida familiar e particular, de seu lazer e atividades comunitárias. 8- Relevância social da vida no trabalho: o trabalho deve ser uma atividade social que proporcione ao trabalhador orgulho de participar de tal organização. A organização deve ter uma atuação e uma imagem perante a sociedade. Uma das formas de tornar o ambiente organizacional agradável e equilibrado é o uso da música. Uma ferramenta pouco usada e bastante eficiente é a chamada âncora sonora. De acordo com Boog e Gustavo (2002, p. 543), trata-se de um som ou uma música que, quando executada, estimula o indivíduo imediatamente. Se for bem ancorada, essa musica ou som servirá para agrupar as pessoas para inícios de trabalho ou retornos de intervalos ou até mesmo se em um determinado momento do trabalho for preciso haver algum tipo de rodízio, algum jogo ou dinâmica com varias fases. Assim que tocar a música preestabelecida, as pessoas geralmente se movimentam no ritmo da música, e neste momento é responsabilidade do facilitador estipular o ritmo (energia) que ele deseja obter na sequência do trabalho. Muitos programas de bem- estar são baratos, como o fornecimento de informações sobre as calorias do cardápio diário do refeitório, e o nível de calorias exigido pelo organismo humano. Relata Chiavenato (1999, p. 394), que há outros programas mais caros, como as salas de fitness centers da IBM. O programa de bem- estar da Xerox inclui fitness centers, instrutores de exercícios físicos, educação sobre tabagismo, abuso de substâncias químicas, 183 controle de peso e da alimentação, alem de instalações de ginástica, piscinas e pistas de corrida. Uma vida saudável proporciona ao colaborador o bem- estar exigido pelo seu organismo e proporciona a terceiros, como as organizações, o melhor aproveitamento destes colaboradores para a empresa. Tais ganhos vão ser explicitados a seguir. 3.3 Benefícios em manter a saúde ocupacional nas organizações A saúde e segurança das pessoas constituem uma das principais bases para a preservação da força de trabalho adequada. Conforme Chiavenato (2008, p. 348), higiene e segurança do trabalho constituem duas atividades intimamente relacionadas no sentido de garantir condições pessoais e materiais de trabalho capazes de manter certo nível de saúde dos empregados. Completa o mesmo que saúde é um estado de bem estar físico, mental e social e que não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade. A higiene do trabalho ou higiene industrial tem caráter eminentemente preventivo, pois objetiva a saúde e o conforto do trabalhador, evitando que o mesmo adoeça e se ausente provisória ou definitivamente do trabalho. Dentre os principais objetivos em se manter a higiene do trabalho, Chiavenato (2008, p. 349) relata: - Eliminação das causas das doenças profissionais; redução dos efeitos prejudiciais provocados pelo trabalho em pessoas doentes ou portadoras de defeitos físicos; prevençãode agravamento de doenças e de lesões; manutenção da saúde dos trabalhadores e aumento da produtividade por meio de controle do ambiente de trabalho. Trabalhando em uníssono, em prol de uma única visão, a empresa se fortalece e o coletivo ganha força junto a cada individuo. Gustavo e Boog (2002, p. 406) afirmam que, para atingir a produtividade ideal, uma equipe precisa estar totalmente sincronizada, e a mesma é adquirida através da harmonia entre seus membros e o ambiente que os circundam. Ainda complementam que neste contexto a qualidade de vida se torna mais 184 importante do que nunca, visto que, a manutenção das condições de trabalho é necessária para a produtividade da empresa e que é de responsabilidade do gestor criar um “ecossistema” em que as pessoas se sintam bem, dando- lhes a oportunidade de desenvolver seu trabalho adequadamente. Os estilos de gestão influenciam diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores, que por sua vez está na base das questões associadas à motivação. Como já percebido, a motivação é fator chave para estas equipes atingirem os níveis de excelência nas empresas. De acordo com Gustavo e Boog (2002, p. 417) as equipes de alto desempenho visam potencializar o resultado do trabalho com ações de valorização do significado do trabalho para as pessoas. Participação no processo decisório e possibilidades de discutir soluções em conjunto, enfim, colaborar e ver o resultado dessa colaboração são fatores fortemente relacionados e descritos como decisivos em qualidade de vida no trabalho. A gestão da qualidade total é claramente observada no desenvolvimento das empresas e no estilo de vida dos seus respectivos colaboradores. Um desfecho imprescindível para este trabalho é explicitar as tendências das organizações que aplicam a gestão da qualidade total segundo artigo de Howard (1990, s.p.apud GUIMARÃES; GRUBTS, 2004, p. 242): a) A melhoria das perspectivas de sobrevivência e êxito econômico das organizações. As instituições que não adquirem a gestão da qualidade total irão se extinguir; b) Os gestores bons em qualidade total apontam os valores compartilhados como algo que reflete no comportamento dos diretores e trabalhadores em geral. Os colaboradores se sentem mais respeitados e valorizados; c) Os locais de trabalho baseados na gestão da qualidade total são mais acolhedores para o trabalhador, reina um clima menos estressante e é mais seguro em termos de acidentes que em outras empresas; d) A filosofia da qualidade exige que seja incorporado nos produtos e serviços uma política de prevenção a falhas ao invés de produzi-las. A política de prevenção da qualidade total é claramente compatível com a política de prevenção na saúde do trabalhador. 185 Tomando por base a conjuntura textual, podemos concluir que a qualidade de vida nas organizações é de extrema importância, uma vez que, os colaboradores quando trabalham satisfeitos, os ganhos para sua saúde e empresa, respectivamente, serão ótimos e ambos os lados vão lucrar com essa relação. Considerações finais Ao final deste artigo científico é importante retomar o objetivo geral que é analisar dentro das organizações os fatores que geram transtornos mentais aos colaboradores, tais como a depressão, stress, síndrome de Burnout entre outras e por meio de pesquisas proporem soluções que visa melhorar a qualidade de vida dos colaboradores. O tema deste estudo pode apresentar diversas vertentes. Ao longo da primeira seção foi necessária a explanação do desenvolvimento da psicologia industrial/ organizacional, mostrando a necessidade e a importância do estudo da psicologia dentro das organizações. As diversas consequências que o trabalho exerce sobre o homem foram explanadas de forma a apresentar a necessidade da qualidade de vida no trabalho e a importância que os colaboradores têm em exercer suas atividades laborais em um ambiente favorável ao seu organismo. Os transtornos psicológicos, tema foco deste trabalho, foram conceituados no decorrer do presente artigo com o intuito de mostrar aos interessados como os mesmos podem atuar de forma negativa dentro das organizações. Foram relatados como principais exemplos de transtornos psicológicos esquizofrenia, síndrome de Burnout, transtorno bipolar, depressão maior, exaustão emocional, alcoolismo, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Seguido da explanação destes transtornos, foi mencionado as maneiras diversas de manifestação dos mesmos nos colaboradores e de como o clima organizacional é afetado por estas doenças do psicológico Ao longo da terceira seção foi proposto que a qualidade de vida nas organizações é de fundamental importância nas organizações, visto que, na obtenção da saúde mental a mesma se torna indispensável. Complementando, foram explanados métodos e instrumentos de prevenção a transtornos mentais, 186 relatando a importância dos mesmos e de seu conhecimento pelos membros da organização. Para finalizar o estudo, foi citada a importância da manutenção da saúde ocupacional nas empresas, objetivando a conscientização de que a mesma em evidência proporciona as organizações um processo produtivo de maior eficiência e eficácia. Este estudo atingiu seu objetivo proposto, uma vez que através de pesquisa bibliográfica pôde apresentar os conceitos dos transtornos mentais nas organizações, bem como os que mais acontecem, sobre as maneiras que podem os colaboradores desenvolver um quadro patológico nas empresas e de como fica o ambiente organizacional das mesmas quando colaboradores estão afetados pelos transtornos. O problema de pesquisa foi detectado com clareza do decorrer do trabalho e, por conseguinte, foi detectada a necessidade em que as organizações tem em conhecer as ferramentas de combate a transtornos psicológicos e sua importância na vida das organizações. Pode-se concluir que os transtornos mentais nãosão “doença” comoasoutras. Apesar de poderem apresentar sintomas físicos, não são eles que predominam. Tais doenças podem afetar no comportamento das pessoas e podem de imediato ou gradualmente prejudicar o processo das organizações onde atuam. Daí a necessidade em apresentar ferramentas de combate aos mesmos, visto que, a saúde ocupacional em evidencia torna as empresas mais competitivas no mercado. Referências ABRH - Nacional, APARTH. Manual de gestão de pessoas e equipes: estratégias e tendências. Vol.1. São Paulo: Gente, 2002. ASSIS, Cintia Aparecida de. Estresse ocupacional: Estudo de caso com gerentes e supervisores de uma multinacional. Monografia apresentada ao curso MBA em Gestão de Pessoas, UFSJ, São João Del Rei, 2008. BELLUSCI, Silvia Meirelles. Doenças Profissionais ou do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Senac, 2007. BOCK, Ana Mercês Bahia et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 187 CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: o Capital Humano das Organizações. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. FRANÇA, Ana Cristina Limongi. Psicologia do Trabalho: psicossomática, valores e práticas organizacionais. São Paulo: Saraiva, 2008. GALAFASSI, Maria Cristina. Medicina do trabalho. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães; GRUBITS, Sonia. Série Saúde Mental e Trabalho. Vol. 2. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães; GRUBITS, Sonia. Série Saúde Mental e Trabalho. Vol. 3. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. HUFFMAN, Karen et al. Psicologia. São Paulo: Atlas, 2003. ITO, Eliana Tiemi et al. Saúde e segurança no trabalho: um levantamento em uma universidade pública do interior do estado de São Paulo – Período 2008 a 2010. Dissertação de conclusão de curso de extensão, UNESP, Araraquara, 2010. 45p. MYERS, David G. Psicologia. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006. PEREIRA, Ana Maria T. Benevides. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem- estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. SAMPAIO, Jader dos Reis et al. Stress e Trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. VAISSMAN, Magda. Alcoolismo no trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004. 188 GESTÃO DE CONFLITOS NA FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO ASSERTIVAS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ Márcio Lobosque Senna Neves – IPTAN Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ Monique Terra e Silva– IPTAN Especialista em Gestão de Negócios – UFSJ Renata Pinto Dutra Ferreira – IPTAN Especialista em Administração de Sistemas de Informação – UFLA Rubens Basse Gonçalves Filho Graduado em Administração – IPTAN RESUMO: Este artigo tem como objetivo identificar de que forma uma gestão de conflitos eficaz pode contribuir na formação de equipes de trabalho assertivas e bem estruturadas. Nós seres humanos nunca temos objetivos e interesses idênticos, são essas divergências que acabam produzindo algum tipo de discordância, seja em termos pessoais, seja em termos profissionais. Manter esses conflitos em níveis desejados é um desafio enfrentado por organizações e gestores da área. Uma vez que estes podem desestruturar equipes e projetos, afetando no desempenho da empresa. Com a administração destes é notória a melhora da organização, não só em relação aos lucros, como também na formação das equipes de trabalho, que por hora vem se tornando cada vez mais populares criando responsabilidade e compromisso com a empresa. Palavras-chave: Conflitos – Equipes de trabalho – Gestão de conflitos eficaz – Formação das equipes – Responsabilidade e compromisso Introdução Os conflitos existem desde o surgimento do homem e ainda é um fato que ocorre com muita frequência em nosso cotidiano, quer seja em termos pessoais quer seja em termos profissionais. Desta forma, pessoas ou empresas que não souberem gerenciá-los, estarão sujeitos a diversos contratempos, os quais por sua vez desestruturam equipes e projetos, tornando uma ameaça para o desempenho da organização. Quanto maior o número de envolvidos em uma organização, maior a probabilidade de conflitos. Uma vez que podem gerar problemas interpessoais e afetar as equipes de trabalho, as quais estariam empenhadas em prol de um objetivo comum. 189 Neste contexto, delimita-se como problema de pesquisa a seguinte questão: de que forma a gestão de conflito pode contribuir para formação de equipes de trabalho assertivas? Este trabalho justifica-se devido às discussões sobre as relações interpessoais em equipes de trabalho envolvem compreender de que forma as pessoas trabalham, se organizam e se relacionam, levando em consideração a existência de conflitos, sejam eles conflitos funcionais, que apóiam os objetivos do grupo, ou conflitos disfuncionais, que são aqueles que atrapalham o desempenho do grupo. Assim, o controle destes possibilita um resultado positivo para organização e contribui para formação de equipes de trabalho assertivas, produtivas e bem estruturadas, intensificando a relevância de pesquisar sobre o tema. O presente trabalho tem por objetivo geral identificar de que forma uma efetiva gestão de conflitos, pode contribuir na formação de equipes de trabalho assertivas. Bem como, a partir dos objetivos específicos, conceituar gestão de conflitos; apresentar a tipologia dos conflitos desmistificando sua negatividade; caracterizar as equipes de trabalho, trazendo seus tipos e processo de formação; diferenciar equipes de trabalho de grupos de trabalho; apresentar ao leitor uma revisão bibliográfica sobre a administração dos conflitos a fim de formar equipes de trabalho assertivas. Diante do exposto a pesquisa se caracteriza como uma revisão bibliográfica a partir de livros, artigos acadêmicos, jornais, revistas, sites especializados e publicações sobre a importância das equipes de trabalhos e de uma gestão de conflitos eficaz nas organizações para alcance de resultados. O leitor terá acesso a uma discussão teórica de vários autores relativos à área de gestão de pessoas, sobre dois temas de grande aplicabilidade nas organizações. Quando se pretende alcançar resultados e metas em um mercado de trabalho mais acirrado, competitivo e dinâmico. 1 Gestão de conflitos e suas peculiaridades O conflito é inerente à vida de cada individuo e é reconhecido como característica do ser humano. As pessoas nunca têm objetivos e interesses idênticos e essas divergências acabam produzindo algum tipo de discordância. Com o desenvolvimento cultural, social e principalmente tecnológico, houve um 190 aumento na existência destes, seja em termos pessoais, seja em termos profissionais. Entretanto existem inúmeras definições e conceitos sobre conflitos, apesar dos diferentes sentidos que o termo adquiriu. Segundo Robbins (2005, p.326), “podemos definir conflito, então, como um processo que tem início quando uma das partes percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar negativamente alguma coisa que a primeira considera importante.” Daí percebe-se que o conflito é um processo reconhecido como característica do ser humano, visto que as pessoas nunca têm objetivos e Interesses idênticos e são essas diferenças que por hora produzem alguma espécie de conflito. Já segundo Chiavenato (2010 p.455) “O conflito é inerente a vida de cada indivíduo e faz parte inevitável da natureza humana. Constitui o lado oposto da cooperação e da colaboração”. Conforme o autor, o conflito tem inicio a partir da falta de cooperação e colaboração de indivíduos ou grupos, tornando-se uma interferência causadora de conflitos. Conforme Chiavenato (2004 p.377): O conflito é um processo que se inicia quando uma parte – seja indivíduo, grupo ou a organização – percebe que a outra parte – seja indivíduo, grupo ou a organização – frustrou ou pretende frustrar um interesse seu. Dessa forma para que haja conflito, devem existir necessariamente contradições entre as partes envolvidas, gerando atritos, desacordos, divergências entre indivíduos ou grupos. Completando para Almeida (2008, p.3): Um conflito é mais que um desacordo, que uma discordância entre os membros de um grupo: implica um elevado envolvimento na situação, a emergência de certa intensidade de emoções e a percepção da existência de oposição e de tensão entre as partes. Assim não podemos confundir conflitos com problema. Num conflito as partes estão em confronto e desenvolve-se uma atitude de hostilidade, raiva, medo, descrédito entre uma parte e outra. Enquanto em um problema há um 191 grupo de pessoas que trabalham em conjunto e apresentam dificuldades na obtenção de um determinado objetivo. Segundo Nonata (2008, p.01), “sob a ótica do antigo paradigma, o conflito nada mais é que percepções e interpretações divergentes das partes sobre um determinado assunto.” Ainda Nonata (2008, p.01) “pela nova ordem sistêmica, o conflito é um meio, uma oportunidade de reconstrução de realidades e motor gerador de energia criativa.” Desta forma é percebido que o conflito apesar de levar a discussão, atritos e desacordos sobre determinados assuntos, também pode ser visto como uma força positiva capaz de permitir a expressão, interesses e valores de diferentes pontos de vistas, contribuindo para o desempenho do grupo. Acrescentando, Robbins (2005, p.326)aborda três visões, a partir de escolas de pensamentos, sobre a conceituação de conflitos: A visão tradicional, a visão de relações humanas e a visão interacionista, as quais serão examinadas detalhadamente. Na visão tradicional, Robbins (2005, p.326), O conflito era visto como uma disfunção resultante de falhas de comunicação, falta de abertura e de confiança entre as pessoas e fracasso dos executivos em atender às necessidades e aspirações de seus funcionários. Daí pode-se observar que a visão tradicional implica em algo que não está funcionando direito dentro de um grupo, e que o conflito deve ser evitado, uma vez que nesta visão o mesmo é danoso e possui um aspecto negativo. Na visão de relações humanas, Robbins (2005, p.327) “o conflito é uma ocorrência natural nos grupos e organizações.” Ainda Robbins (2005, p.327). “ele não pode ser eliminado e há ocasiões que ele pode ser até benéfico para o desempenho do grupo.” Conforme o autor supracitado o conflito é uma consequência natural e inevitável em qualquer grupo ou organização, podendo o mesmo ter um efeito positivo, uma força na determinação do desempenho do grupo. É importante ressaltar que “a visão de relações humanas dominou a teoria sobre conflitos no final dos anos 40 ate a metade da década de 1970.” Robbins (2005, p.327). Já a visão interacionista, segundo Robbins (2005, p.327), O conflito passa a ser encorajador, no sentido de que um grupo harmonioso, pacifico, 192 tranquilo e cooperativo está na iminência de tornar-se estático, apático e insensível à necessidade de mudanças e inovação. Ainda Robbins (2005, p.327), “encorajar os lideres de grupo a manter constantemente um nível mínimo de conflito – o suficiente para fazer com que o grupo viável, autocrítico e criativo.” Daí percebe-se que o conflito não apenas tem seu lado positivo, como também é necessário ter de forma moderada, para que ocorra o desempenho eficaz de todo o grupo. A palavra conflito está ligada a atritos, desacordos, divergências, controvérsia, mas nem sempre é assim. Por outro lado o conflito tem seu lado positivo, porem menos conhecido. Segundo Dias (2010, p.455 apud CHIAVENATO, 2010, p.455), A vida de uma pessoa é um constante defrontamento com conflitos, muito dos quais são tratados de uma maneira saudável ate a sua completa resolução. Outros conflitos infernizam a vida da pessoa ou do grupo durante muito tempo. Entender o conceito e a definição de conflitos é essencial. Uma vez que o mesmo é natural e inerente a nós seres humanos. A fim de aprofundar e entender melhor sobre conflito, o próximo subcapítulo apresentará os diversos tipos de conflitos, bem como sua classificação referente à forma e diferentes níveis encontrados nas organizações. Pode-se, ainda, classificar os tipos de conflitos, como: Conflito funcional e conflito disfuncional. Segundo Robbins (2005, p.327), “alguns conflitos melhoram os objetivos do grupo e melhoram o seu desempenho; estes são os conflitos funcionais, formas construtivas de conflito.” Conforme o autor supracitado percebe-se a visão interacionista quando se refere ao conflito de uma forma positiva está relacionando aos conflitos funcionais, ou seja, conflitos que melhoram os objetivos do grupo. Ainda Robbins (2005, p.327), “por outro lado existem conflitos que atrapalham o desempenho do grupo; são formas destrutivas ou disfuncionais de conflito.” Segundo o Autor, são aqueles tipos de conflitos capazes de gerar condições caóticas, danosas, destrutivas, podendo ser um problema sério para a organização. Para diferenciar um conflito funcional de um conflito disfuncional, é necessário observar o tipo de conflito. Segundo Robbins (2005, p.327), “existem três tipos de conflitos: de tarefa, de relacionamento e de pessoa”. 193 O conflito de tarefa segundo Robbins (2005, p.327), “está relacionado ao conteúdo e aos objetivos do trabalho.” Por estar diretamente relacionado ao trabalho níveis baixos a moderados de conflitos de tarefa são funcionais, uma vez que demonstram um efeito positivo no desempenho do grupo, por estimular a discussão de ideias que ajudam no trabalho em equipe. Ainda segundo Robbins (2005, p.327), ”o conflito de relacionamento se refere às relações interpessoais.” Conforme o Autor os conflitos de relacionamento são quase sempre disfuncionais. Uma vez que os atritos e as hostilidades interpessoais aumentam as probabilidades de brigas e desavenças, reduzindo a compreensão mútua, impedindo a realização das tarefas organizacionais. Já o conflito de processo segundo Robbins (2005, p.327), “está relacionado a maneira como o trabalho é realizado.” Ainda Robbins (2005, p.327), “para que o conflito de processo seja produtivo, seu nível tem de ser baixo”. Segundo o autor o conflito de processo deve apresentar em níveis baixos, visto que discussões intensas sobre quem deve realizar determinada tarefa, gera incertezas sobre os papéis de cada um, aumenta o tempo de realização das tarefas e leva os membros a trabalhar com propósitos difusos, desordenados. Já para Chiavenato (2010, p.455), “há vários tipos de conflitos: O interno (intrapessoal) envolve dilemas de ordem pessoal. O externo envolve vários níveis: interpessoal, intragrupal, intergrupal, intraorganizacional, interorganizacional.” O conflito intrapessoal, esta associado a conflitos de ideias, pensamentos, emoções, valores e predisposições. O conflito interpessoal surge entre indivíduos por razões diversas, tais como: limitação dos recursos, diferenças individuais, diferenciação de papéis. Conflitos Intragrupal acontecem quando o individuo não concorda com as normas, valores encontrados na cultura organizacional do grupo. Conflitos intergrupal, são conflitos entre grupos, devido a fatores como diferença de estilos gerenciais, ou ate mesmo a competição por recursos muitas vez escassos. 194 Conflitos entre organizações, onde muito das vezes a disputa por dinheiro, consumidor e mercado levam as organizações a entrarem em conflitos. Segundo Chiavenato (2010, p.455), “o conflito pode ocorrer em três níveis de gravidade, a saber”: Conflito percebido: ocorre quando as partes percebem e compreendem que o conflito existe por que sentem que seus objetivos são diferentes dos objetivos dos outros e que existem oportunidades de interferência ou bloqueio. É o chamado conflito latente, que as partes percebem que existe potencialmente. Conflito experimentado: quando o conflito provoca sentimentos de hostilidade, raiva, medo, descrédito entre uma parte e outra. É o chamado conflito velado, quando é dissimulado, oculto e não manifestado externamente com clareza. Conflito manifestado: quando o conflito é expresso através de um comportamento de interferência ativa ou passiva por pelo menos uma das partes. É o chamado conflito aberto, que se manifesta sem dissimulação. Conforme o autor supracitado os conflitos podem ocorrer em três tipos e de gravidade, porem para ocorrer conflitos é necessário à presença de condições que criam oportunidades para seu surgimento, onde podem ou não gerar frustração ou afetar outra parte, gerando um confronto. Segundo Quintino (2010, p.01), “Existem vários tipos de conflito e sua identificação pode auxiliar a detectar a estratégia mais adequada para administrá-lo, a saber,”: Conflito latente: não é declarado e não há, mesmo por parte dos elementos envolvidos, uma clara consciência de sua existência. Eventualmente não precisam ser trabalhados; Para lidar com conflitos, é importante conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como estamos preparados para trabalhar com eles; Conflito percebido: os elementos envolvidos percebem, racionalmente, a existência do conflito, embora não haja ainda manifestações abertas do mesmo; Conflito sentido: é aquele que já atinge ambas as partes, e em que há emoção e forma consciente; Conflito manifesto: trata-se do conflito que já atingiu ambas as partes, já é percebido por terceiros e pode interferir na dinâmica da organização. 195 Os conflitos existem, e deparamos com eles de várias naturezas, e em todas as áreas de nossa vida, seja familiar, afetiva, social, ou profissional. Desta forma é importante entender suas causas, compreender suas origens, perceber a expressão do sentimento do outro, saber qual é a dimensão do problema e se estamos preparados para administrá-los. Isso determina o nosso comportamento frente à situação. Percebe-se que o conflito não é apenas visto como uma forma negativa. Por ser natural devemos mantê-los em níveis desejados a fim de proporcionar resultados positivos para a organização. Ao analisar os tipos de conflitos existentes, constata-se uma grande diversidade de ideias e que podem ser classificados de maneiras diferentes. Apesar de o conflito ser inevitável, o administrador precisa conhecer suas possíveis soluções ou resoluções, as quais passam quase sempre pelas condições que o provocaram. Conforme explica Faria (2007, p. 1,) o conflito pode ter origem em uma destas três dimensões: • Percepção: quando você percebe que suas necessidades, desejos ou interesses tornam-se incompatíveis pela presença ou atitude de uma outra pessoa; • Sensação: quando você tem uma reação emocional frente a uma situação ou interação que aponta para um sentimento de medo, tristeza, amargura, raiva, etc. • Ação: quando você torna explícito para a outra parte, ou outras partes, as suas percepções, os seus sentimentos ou age no sentido de ter uma sua necessidade satisfeita, mas essa sua ação interfere na satisfação de necessidades de outras pessoas. Conforme o autor supracitado percebe-se que o conflito parte de dimensões diferentes e que na maioria das vezes essas dimensões apresentam intensidade e características diferentes, variando de acordo com o processo do conflito. Para Chiavenato (2010, p. 456), “existem dentro das organizações certas condições que tendem a gerar conflitos.” Ainda Chiavenato (2010, p.456), apresenta quatro tipos de condições chamadas de condições antecedentes por constituírem as condições dos conflitos, a saber: Ambiguidade de papel: quando as expectativas pouco claras e confusas além de outras incertezas, aumentam a 196 probabilidade de fazer com que as pessoas sintam que estão trabalhando para propósitos incompatíveis. Objetivos concorrentes: como decorrência do crescimento da organização os grupos se especializam cada vez mais na busca de seus objetivos. Por força da especialização, cada grupo realiza tarefas diferentes, focaliza objetivos diferentes, relaciona-se com diferentes partes do ambiente e começa a desenvolver maneiras diferentes de pensar e agir. Surge a diferenciação: Objetivos e interesses diferentes dos demais grupos da organização. Daí a percepção de objetivos e interesses diferentes e talvez incompatíveis e incongruentes. Recursos compartilhados: os recursos organizacionais são limitados e escassos. Se um grupo quer aumentar sua quantidade de recursos, um outro grupo terá de perder ou abrir mão de uma parcela dos seus. Isso provoca a percepção de objetivos e interesses diferentes e talvez incompatíveis e incongruentes. Interdependência de atividades: as pessoas e grupos de uma organização dependem um dos outros para desempenhar suas atividades e alcançar seus objetivos. Quando os grupos são realmente interdependentes, surgem oportunidades para que um grupo auxilie ou prejudique o trabalho dos demais. Assim conforme o autor supracitado, as condições antecedentes, são as responsáveis pelo surgimento do conflito nas organizações. Uma vez que, a partir dessas condições as partes envolvidas, sejam elas grupos ou indivíduos, se influenciam mutuamente e desenvolvem sentimentos como de hostilidade, raiva, medo, à outra parte, conduzindo esta a uma reação contraria, gerando um comportamento de conflito. Os conflitos surgem e é dever do gestor adotar uma ação adequada e positiva para o bem da organização. Segundo Nonata (2008, p.01), os conflitos se dão por aspectos, a saber: • Pela experiência de frustração de uma ou ambas as partes, ou seja, a incapacidade de atingir uma ou mais metas ou realizar os seus desejos, por algum tipo de interferência ou limitação pessoal, técnica ou comportamental. • Diferenças de personalidades, que são invocadas como explicação para as desavenças tanto no ambiente familiar como no ambiente de trabalho, e reveladas no relacionamento diário através de algumas características indesejáveis na outra parte envolvida; 197 • Metas diferentes, pois é comum estabelecermos ou recebermos metas a serem atingidas e que podem ser diferentes dos de outras pessoas e de outros departamentos, o que nos leva à geração de tensões em busca de seu alcance; • Diferenças em termos de informações e percepções, costumeiramente tendemos a obter informações e analisá-las à luz dos nossos conhecimentos e referenciais, sem levar em conta que isto ocorre também com o outro lado com quem temos de conversar ou apresentar nossas ideias, e que este outro lado pode ter uma forma diferente de ver as coisas. Para Robbins (2005, p.327), ”O processo de conflitos pode ser visto como um processo de cinco estágios: oposição potencial ou incompatibilidade, cognição e personalização, intenções, comportamento e consequências.”. No estágio I, oposição potencial ou incompatibilidade, o autor apresenta condições que criam oportunidades para o surgimento dos conflitos. Essas condições antecedentes ao conflito podem estar ligadas a comunicação, Estrutura e Variáveis pessoais. Elas devem existir para que ocorra o conflito. Já no segundo estágio, cognição e personalização, segundo Robbins (2005, p.330), “é a parte do processo em que os envolvidos decidem sobre o que é o conflito.” Neste estágio o autor supracitado apresenta duas formas em que os conflitos costumam ser definidos, a saber: Conflito Percebido, quando uma das partes envolvida percebe a existência de conflito, podendo assim colaborar, evitando situações caóticas para a organização. No conflito percebido, a parte envolvida que consegue manter o conflito em níveis desejados, resulta em um potencial de ganha-ganha para o grupo ou equipe envolvida. Conflito Sentido, quando as condições antecedentes de um conflito geraram um impacto sobre a parte envolvida, causando assim tensão, ansiedade, medo ou hostilidade. No terceiro estágio, intenções, segundo Robbins (2005, p. 330), “são decisões de agir de uma determinada maneira”. Daí pode se perceber que é preciso conhecer as intenções das partes envolvidas no conflito, para saber como responder ao seu comportamento. Estudar as condições antecedentes, bem como sua forma, implica nas intenções de administrar o conflito. Ainda Robbins (2005, p. 331), apresenta cinco intenções para administrar conflitos, a saber: 198 Competir: Quando uma pessoa busca a satisfação de seus próprios interesses, independentemente do impacto que isso terá sobre as partes em conflito; Colaborar: Quando as partes conflitantes desejam satisfazer os interesses de ambas, temos uma situação de cooperação e busca de resultados mutuamente benéficos; Evitar: A pessoa reconhece que o conflito existe e tenta suprimí-lo ou livrar-se dele; Acomodar-se: Quando uma das partes procura apaziguar a outra, pode se dispor a colocar os interesses dela antes dos seus; Conceder: Quando cada parte em conflito abre mão de algo, acontece um compartilhamento, que desemboca em um resultado de compromisso. Segundo Robbins (2005, p.332), “o estágio do comportamento inclui as declarações, as ações e as reações das partes envolvidas no conflito.” Daí percebe-se que neste estágio os conflitos se tornam mais visíveis. Uma vez que as reações e ações das pessoas se tornam explicitas, levando ao gestor analisar os estágios anteriores e tomar a melhor decisão na hora de administrar o conflito. No quinto e ultimo estágio, segundo Robbins (2005, p.332), o jogo de ação e reação entre as partes de um conflito resulta em consequências, Que podem ser funcionais, quando resultam em melhoria do desempenho do grupo; ou disfuncionais, quando atrapalham o seu desempenho. Assim, consideram consequências funcionais, aquelas que podem melhorar a eficácia do grupo. Que de maneira construtiva aumentam as qualidades de decisões, estimulam a criatividade, inovação, tornam o ambiente de trabalho, motivado e bem estruturado, capaz de produzir melhor e com uma melhor qualidade. Já as consequências disfuncionais, são aquelas ligadas aos conflitos destrutivos, que prejudicam o desempenho de um grupo ou organização. São condições caóticas que se não tomadas providencias muito das vezes drásticas, podem gerar problemas sérios para a organização. Assim, conhecer o processo de formação do conflito é essencial. Uma vez que o processo é composto por uma sequência de eventos e estágios que tendem a demonstrar fatores que dão origem aos conflitos. Assim torna 199 necessário administrar e manter estes em níveis desejados para o bem da equipe, tornando-a bem estruturada, motivada e consequentemente produtiva. 2 Equipes de trabalho nas organizações O trabalho em equipe tem sido cada vez mais valorizado dentro das organizações. Uma vez que as equipes criam responsabilidades e compromisso com a organização, assumem riscos, exploram os talentos e habilidades dos funcionários, facilitam na troca de informações e conhecimentos e são mais flexíveis na obtenção dos objetivos e metas. As equipes de trabalho têm se tornado cada vez mais populares nas organizações, haja vista uma maior interação entre os membros que a compõe e os resultados, muito das vezes satisfatórios para empresa. Assim Segundo Chiavenato (2004, p.237), as equipes de trabalho são grupos de pessoas cujas tarefas são redesenhadas para criar um alto grau de interdependência e que recebem autoridade para tomar decisões a respeito do trabalho a ser realizado. Daí percebe sua importância nas tomadas de decisões, uma vez que as tarefas são repassadas aos membros da equipe, possibilitando uma troca de conhecimento e agilidade, obtendo excelentes resultados para a organização. Complementando, Para Robbins (2005, p.213), “Uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço coordenado.” Desta forma é percebido uma transparência entre os membros a equipe, os esforços individuais em uma colaboração mútua resulta, em um desempenho maior para a organização, criando uma estrutura mais sólida para a equipe. Já segundo Padoan (2008, p.01): “Equipe é um grupo que compreende seus objetivos e está engajado em alcançá-los de forma compartilhada. A comunicação entre os membros é verdadeira e as opiniões diferentes são estimuladas”. Daí percebe-se que a comunicação24 entre os membros de uma equipe é de suma importância, uma vez que a troca de conhecimentos e agilidades deve ser repassada de forma clara e coesa para um melhor aproveitamento e resultado final. 24 Comunicação: Transferência de significados (informações e ideias), entre seus membros.(ROBBINS, 2009, p.135). 200 A comunicação facilita o envolvimento dos funcionários, podendo explorar melhor o talento destes, gerando criatividade, qualidade e maior produtividade para empresa. Assim as equipes de trabalho se tornam mais flexíveis e reagem melhor às mudanças do ambiente, têm a capacidade de democratizar a organização e aumentar a motivação dos funcionários que se tornam mais felizes e satisfeitos no lugar onde passam maior parte de seu tempo. Conforme Gil (2009, p.152), a equipe de trabalho avalia o desempenho de cada membro e define os objetivos e metas a serem alcançados. A partir daí como a própria equipe se torna responsável por esta avaliação, requer-se dela total maturidade e responsabilidade para que o processo funcione adequadamente e o objetivo seja alcançado de forma eficaz. Trabalhar em equipe requer, de cada individuo sentir-se, realmente, como membro de uma equipe. É como um time de futebol, onde todos os jogadores estão em prol de objetivo comum (marcar gols, vencer jogos), habilidades diferentes (goleiro, atacante, zagueiro), uma coordenação (o técnico), que após uma estratégia bem sucedia a equipe toda vibra por que o time todo sai ganhando. Para obter melhores resultados, atingir metas e, além disso, criar um ambiente de trabalho que motive seus funcionários, as organizações têm como primeiro objetivo implantar o trabalho em equipe, uma vez que o desempenho é maior do que a de um trabalho individual. Daí se vê a importância em diferenciar equipes de trabalho de grupos de trabalho, pois apesar das inúmeras semelhanças entre grupos e equipes de trabalho, é de suma importância saber diferenciá-los. As equipes, por exemplo, possuem todas as vantagens dos grupos, além de criarem um espírito único e positivo através de esforços coordenados para exercerem o trabalho coletivo. Assim de acordo com Vergara (2006, p.190): Um conjunto de pessoas trabalhando juntas é apenas um conjunto de pessoas. Para que se torne uma equipe é preciso que haja um elemento de identidade, elemento de natureza simbólica, que una as pessoas, estando elas fisicamente próxima, ou não. 201 O trabalho em equipe exige uma interação de todos os envolvidos do grupo, onde a tarefa é dividida entre todos e todos tomam decisões a respeito do objetivo a ser realizado. Segundo Robbins (2005, p.213), “Grupo de trabalho é aquele que interage basicamente para compartilhar informações e tomar decisões para ajudar cada membro em seu desempenho na sua área de responsabilidade.” Conforme o autor supracitado, nos grupos de trabalho os indivíduos possuem responsabilidades divididas, não existe uma sinergia25 entre os membros, somente o esforço individual. Os grupos apresentam características como: responsabilidades individuais entre os membros; possuem habilidades aleatórias e variadas, sinergia neutra e objetivos individuais referentes às áreas em que atuam. Já em relação às equipes de trabalho, aborda Robbins (2005, p.213), “uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço coordenado.” Assim percebe-se que as equipes de trabalho diferem dos grupos no que tange os esforços individuais que por sua vez resultam em um nível de desempenho maior que a soma das contribuições individuais (grupo). As diferenças entre grupos de trabalho e equipes de trabalho, onde fica comprovado que os grupos trabalham individualmente, não possuem uma sinergia ou troca de informações ou conhecimentos e agilidades, simplesmente têm como objetivo concluir a tarefa. Já as equipes de trabalho, antes de concluir a tarefa, exploram o conhecimento mútuo, trocam informações e habilidades, contribuindo para um melhor desempenho das atividades organizacionais. Neste contexto de comparação entre grupos e equipes de trabalho, Chiavenato (2010, p. 229), aborda diferentes caracteristicas a saber: os grupos de trabalho são conjunto de pessoas sem um objetivo comum; decidem de forma individual e os membros possuem os mesmos interesses porem não existe uma troca de ideias ou informações. Já as equipes de trabalho são conjunto de pessoas com um objetivo em comum; os membros decidem de maneira conjunta e existe uma troca de ideias e informações entre os mesmos, 25 Sinergia: Conjunto de forças agindo simultaneamente para um propósito. (ZILIOTTO, 2007, p.01) 202 os quais possuem uma forte interação emocional e afetiva. Assim para Wiesel (2007, p.01), Equipes vencedoras são formadas por pessoas que não pensam somente em sua vitória pessoal, mas sim, no todo. Vibram pelas conquistas dos colegas e entendem que o sucesso deles é também seu. São pessoas capazes de perceber que aquilo que se obtém, não vem por acaso, mas sim pelo resultado do trabalho de todos. Daí percebe-se a importancia de se trabalhar em equipe, uma vez que bem estruturadas, proporcionam resultados positivos para organização, bem como para todos os colaboradores ali envolvidos. 2.3 Tipos de equipes Existem diferentes tipos de equipes e uma grande variedade de coisas que estas podem realizar, tais como: fazer produtos, prestar serviços, coordenar projetos tomar decisões, entre outros. Segundo Robbins (2005, p.213), existem quatro formas de equipes que podem ser encontradas em uma organização: as equipes de solução de problemas, equipes autogerenciadas, equipes multifuncionais e equipes virtuais. As equipes de Solução de problemas segundo Robbins (2005, p.213), eram quase sempre compostas por de 5 a 12 funcionários, que se reuniam durante algumas horas para discutir formas de melhorar a qualidade, a eficiência e o ambiente de trabalho. Daí percebe-se que essas equipes são compostas por um numero menor de funcionários de um mesmo departamento, os quais reúnem, trocam ideias e buscam a solução de problemas, visando a melhoria do processo. Já as equipes de trabalho autogerenciadas segundo Robbins (2005, p.214), são compostas, geralmente entre 10 e 15 pessoas, que realizam trabalhos interdependentes e assumem muitas das responsabilidades que antes eram de seus antigos superiores. Complementando, segundo Chiavenato (2010, p. 229), ”são compostas de pessoas altamente treinadas para desempenhar um conjunto de tarefas interdependentes dentro de uma unidade natural de trabalho.”. 203 No entanto, percebe-se que as equipes autogerenciadas, são capazes alem de solucionar problemas, assumir total responsabilidade pelos resultados, uma vez que têm autoridade para tomar decisões e avaliar o desempenho uns dos outros, que era muito das vezes papel dos supervisores. Em relação às equipes multifuncionais segundo Robbins (2005, p.215) “são equipes formadas por funcionários do mesmo nível hierárquico, mas de diferentes setores da empresa, que se juntam para cumpri uma tarefa.” Conforme o autor supracitado verifica-se que por estar incluso na equipe membros com diferentes históricos, experiências e perspectivas, demore algum tempo para que desenvolva a confiança e o espírito de equipe. Porem essas diferenças leva a uma troca de informações e ideias, as quais podem ser de grande importância na solução de problemas. Por fim as equipes virtuais segundo Robbins (2005, p.215) “usam a tecnologia da informação para reunir seus membros, fisicamente dispersos, e permitir que eles atinjam um objetivo comum.” Percebe-se que este tipo de equipe utiliza de meios como a internet para se comunicarem com membros ate mesmo milhares de distancia e discutirem assuntos pertinentes ao objetivo a ser alcançado. Ainda Robbins (2005, p.215), apenas três fatores diferenciam as equipes virtuais das outras equipes, a saber: ausência de gestos não verbais; contexto social limitado; capacidade de superar limitações de tempo e espaço. Assim, para Moraes (2008, p.01), a ausência de encontros presenciais, torna a reunião muito formal o que pode desestimular a participação de pessoas que tem a necessidade de interação social, alem de aumentar o risco de conflitos entre seus membros. Desta forma cabe ao gestor analisar de forma eficiente, os membros e líderes de equipe, saber o tipo que melhor se adapte na organização, bem como evitar riscos e conflitos, tornando uma equipe sólida e bem estruturada. 3 Gestão de conflitos na formação de equipes de trabalho A questão primordial é administrar o conflito de forma a aumentar seus efeitos construtivos e minimizar os efeitos destrutivos. Desta forma cabe ao gestor analisar e utilizar estratégias pertinentes a cada tipo de conflito 204 buscando soluções construtivas para o bem da equipe e dos membros que a compõe. 3.1 Administrando Conflitos Conforme citado no primeiro capítulo, o conflito é inerente à vida do ser humano e é reconhecido como uma característica do mesmo. Porem é necessário entendermos o significado destes e administrá-los de forma que ao invés de irritação, atritos e divergências, ocorram mudanças, crescimento e criatividade entre os membros de equipe e organizações. Segundo Chiavenato (2010, p.458), “O administrador deve saber desativá-los a tempo de evitar sua eclosão.” Daí percebe-se que cabe ao administrador a importância de conduzir os conflitos a fim de evitar seu desenvolvimento. Ainda Chiavenato (2010, p.458) apresenta três abordagens que podem ser utilizadas para a administração destes, a saber: Abordagem Estrutural: está relacionado à estruturação das equipes e organizações. Neste contexto o Autor destaca os objetivos comuns, onde os gestores podem mostrar certos interesses em comum para que os membros deixem perceber a incompatibilidade de objetivos; Sistema de recompensas grupais, onde são utilizadas as recompensas pelo desempenho em conjunto e combinado de dois ou mais grupos, tornando vantajoso para todos estes desempenharem bem as atividades e cooperarem entre si; Reagrupamento, capaz de reduzir a diferenciação dos grupos; Separação, os grupos podem ser separados física e estruturalmente, baixando o nível de interdependência das atividades e a interferência distante reduzindo a possibilidade de conflitos. Abordagem de processo: nesta abordagem o autor procura reduzir conflitos através da modificação do processo, interferindo no acontecimento destes. Destaca os seguintes fatores: Desativação, onde uma das partes envolvidas reage cooperativamente ao comportamento de conflito da outra parte; Confrontação direta, onde as partes se reúnem para discutir e identificar as áreas de conflitos, na busca de soluções do tipo ganha/ganha; Colaboração, onde as partes trabalham juntas para solucionar o problema ou buscar soluções integrativas capazes de conjugar os objetivos de ambas as partes. Abordagem mista: agrega a administração tanto nos aspectos estruturais como nos de processo. Nela ocorre a adoção de regras para 205 resolução de conflitos e a criação de papéis integradores, ou seja, criar equipes dentro das organizações que estejam sempre disponíveis a ajudar na resolução dos conflitos que surgirem. Percebe-se que os membros do grupo ou organização estão diretamente ligados aos conflitos, e estes possuem suma importância no processo de resolução destes. Complementando Tavares (2007, p.215) “A adoção da gestão estratégica requer que os membros da organização adotem uma postura mais cooperativa e menos competitiva.” Já Robbins (2005, p.333), subdivide as técnicas de administração de conflitos, em: Técnicas de Resolução e técnicas de estimulação de conflitos. Essas técnicas podem ser utilizadas por administradores a fim de controlar e manter os conflitos em níveis desejados. Robbins (2005, p.333) cita as seguintes técnicas de resolução de conflitos: Resolução de problemas: as partes conflitantes se reúnem com o propósito de identificar e resolver o problema por meio de uma discussão aberta. Metas superordenadas: deve haver uma colaboração entre as partes conflitantes para atingir a meta compartilhada. Expansão de recursos: uma vez que a escassez de recurso causa conflitos, a expansão destes pode criar uma solução de ganha/ganha. Não-enfrentamento: suprimir o conflito ou evadir dele. Suavização: minimizar as diferenças entre as partes conflitantes ao enfatizar seus interesses comuns. Concessão: abrir mão de algo valioso. Comando autoritário: a administração fica responsável por resolver o conflito e posteriormente comunicar as partes conflitantes. Alteração de variáveis humanas: utilização de técnicas como treinamento em relações humanas, para alterar atitudes que causam conflitos. Alteração de variáveis estruturais: mudança na estrutura da organização/equipe e nos padrões de interação entre as partes conflitantes. Nota-se que algumas destas técnicas de resolução de conflitos foram citadas anteriormente como intenções, ao abordar o tema processo de 206 conflitos. Essas técnicas são utilizadas na administração de conflitos disfuncionais, ou seja, aqueles que atrapalham o desempenho do grupo, podendo paralisá-lo e ate ameaçar potencialmente sua sobrevivência. Porém o conflito pode funcionar como uma força para melhorar o desempenho do grupo. Desta forma Robbins (2005, p.333) apresenta técnicas capazes de estimular estes conflitos, a saber: VI.Comunicação: utilizar de mensagens ambíguas ou ameaçadoras para aumentar os níveis de conflitos. VII.Inclusão de estranhos: incluir nos grupos ou equipes, funcionário com histórico, valores, experiências e atitudes diferentes. VIII.Reestruturação da organização: alteração de regras e regulamentos, aumento da interdependência e outras mudanças estruturais similares que rompam à situação atual da empresa. IX.Nomeação de um advogado do diabo: Designação de um crítico que discuta, propositalmente, as posições defendidas pela maioria do grupo. Percebe-se que essas técnicas estimulam a criação de conflitos funcionais, uma vez que visa o aumento da qualidade das decisões, estimulando a criatividade, a inovação e promovem um ambiente de autoavaliação e de mudanças. Além de melhorar o desempenho do grupo. Portanto a adoção de métodos e técnicas eficazes resulta em benefício para a equipe e auxilia o desenvolvimento da organização. Assim o próximo subcapítulo apresentará fatores responsáveis pela criação de equipes de trabalho assertivas bem estruturadas e eficazes. 3.2 Criando equipes de trabalho eficazes. O processo de formação das equipes, bem como sua atuação eficaz na organização, depende de vários fatores e atributos a serem seguidos, conforme Chiavenato (2004 p.237): 1. Participação: todos os membros estão comprometidos com o empowerment26 e auto-ajuda. 2. Responsabilidade: todos os membros sentem-se responsáveis pelos resultados do desempenho. 3. Clareza: todos os membros compreendem e apóiam os objetivos da equipe. 26 Empowerment: Trata-se de dar poder, autoridade e responsabilidade às pessoas dentro da organização. (CHIAVENATO, 2010, p.190). 207 4. Interação: todos os membros comunicam dentro de um clima aberto e confiável. 5. Flexibilidade: todos os membros querem mudar e melhorar o desempenho. 6. Focalização: todos os membros são dedicados a alcançar as expectativas do trabalho. 7. Criatividade: todos os talentos e ideias são usados para beneficiar a equipe. 8. Rapidez: todos os membros atuam prontamente sobre os problemas e oportunidades. Percebe-se que os membros são os responsáveis pelo alcance de resultados e metas, tomam decisões, avaliam a contribuição de cada um do grupo e são responsáveis pela qualidade de trabalho. Desta forma é necessário escolher o membro que melhor se enquadra naquele tipo de equipe e que esteja preparado para integrá-la. Porém nem sempre é assim que acontece. Muitas pessoas preferem ser reconhecidas por suas realizações individuais. E também existem organizações que criam um ambiente de trabalho competitivo, onde somente os fortes permanecem. Assim, para criar uma equipe, alguns critérios devem ser seguidos. Robbins (2005, p. 216) subdividiu esses critérios em quatro categorias, onde a primeira, contexto, refere-se aos recursos utilizados, uma vez que a escassez destes reduz a capacidade de desempenhar o trabalho eficazmente. Há uma preocupação com a liderança e o clima organizacional, e ocorre a avaliação de desempenho e sistemas de recompensas visando à motivação do funcionário e para reforçar o empenho e o comprometimento das equipes. O critério de composição está relacionado à formação das equipes. O autor relata a importância na escolha de cada membro, suas habilidades e personalidades, a função a ser exercida por cada um na empresa, a diversidade (sexo, idade, educação, especialização...) podem auxiliar em um melhor desempenho para a organização. Já no critério projeto de trabalho serão abordados variáveis a respeito do que deve ser feito. Neste critério existe uma liberdade e autonomia, onde as habilidades e talentos de cada um são aproveitas em prol da equipe. Assim os membros identificam as tarefas estabelecidas bem como as executam. Essas características estimulam a motivação e aumentam a eficácia da equipe. 208 Por fim e relacionado à eficácia das equipes estão as variáveis de processo. Nessa fase incluem o empenho dos membros com um propósito comum, o estabelecimento de metas, a eficiência da equipe e os níveis de conflitos que devem ser mantidos em condições adequadas para a eficácia das mesmas. Desta forma e diante dos conceitos supracitados é possível criar equipes de trabalho eficazes e bem estruturadas, uma vez que haja a colaboração e a vontade de cada membro na busca por objetivos e metas a serem cumpridas. Considerações finais O trabalho apresentou a importância de uma gestão de conflitos eficaz na formação de equipes de trabalho assertivas e bem estruturadas. Após análise das teorias apresentadas percebe-se que o conflito é inevitável e deparamos com ele em todas as áreas de nossa vida, seja familiar, afetiva, social e principalmente profissional. Desta forma é necessário entendermos, suas causas, suas origens e assim administrá-los a tempo de evitar sua eclosão. O sucesso das empresas junto a este mercado competitivo se dá a partir de algo que a destaque perante as demais. Daí percebe-se a preocupação das organizações em desenvolverem equipes de trabalho assertivas, uma vez que estas auxiliam no desenvolvimento da empresa e criam uma estrutura mais sólida entre os membros dos grupos. Uma equipe vencedora reflete motivação aos membros e colaboradores que a compõem, uma vez que satisfeitos e realizados, atuam de forma produtiva, gerando uma sinergia no trabalho, na produção e no cumprimento de metas estabelecidas pela organização. Assim nota-se que uma equipe vencedora, torna uma organização vencedora. O presente trabalho teve como objetivo responder o seguinte problema de pesquisa: de que forma a gestão de conflitos pode contribuir na formação de equipes de trabalho assertivas? Uma vez que seja eficaz, a gestão de conflito pode evitar condições caóticas, danosas e até destrutivas para a organização. Como também pode auxiliar servindo como uma força, contribuindo na melhoria do desempenho desta. 209 Dentre os critérios apresentados na formação de equipes de trabalho assertivas, há uma preocupação em relação aos conflitos. Visto que nas equipes existe uma interação entre os colaboradores, havendo uma troca de conhecimentos e habilidade, estes são mais flexíveis e existe uma diversidade em relação a sexo, idade experiência que pode ser um fator motivador de conflitos. Neste caso o surgimento de conflitos deve ser sanado no começo, para que não ocorram danos na estrutura das equipes e as deixem vulneráveis. Cabe ao gestor utilizar de técnicas conforme abordadas nos capítulos anteriores para manter estes conflitos em níveis desejados ou ate mesmo evitá-los. É importante ressaltar que nem todos os conflitos são destrutivos. Muitas equipes opinam por utilizar como técnica a estimulação de conflitos, uma vez que conduzidos de forma correta auxiliam na qualidade das tomadas de decisões, instigam a criatividade e inovação e promovem um ambiente de auto-avaliação e de mudanças. Tudo isso gera uma sinergia ideal para que uma equipe destaque no mercado competitivo. Desta forma é possível observar que é de total relevância aplicar de forma correta uma gestão de conflitos eficaz na formação de equipes de trabalho que almejam se destacar na organização. Espera-se que este trabalho possa servir de base para outros estudos, bem como no incentivo à realização de novas pesquisas. Referências ALMEIDA, Paulo Antonio Alves. (2008). Treinamento Gestão de conflitos e técnica de negociação. Disponível em: <www.marketing500.com.br>Acesso em: 25 de Fev. 2013. CÉSAR. Julio. (2010). Gerente: desenvolva equipes eficazes. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/administracao-e-negocios/gerentedesenvolva-equipes-eficazes/48839/>Acesso em: 30 de Abr. 2013. CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: o capital humano nas organizações. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2004. CHIAVENATO, Idalberto. GestãodePessoas:onovopapeldosrecursoshumanosnasorganizações.RiodeJan eiro: Elsevier,2010. 210 FARIA, Carlos Alberto de. (2010). Conflito: o bem necessário. Disponível: <http://www.gestaoebt.com.br/blog/wpcontent/uploads/2010/08/conflitos_confro ntos.pdf> Acesso em: 06 de Mar. 2013. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio o minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. GIL, Antonio Carlos. Gestão de pessoas: enfoque nos papéis profissionais. 9 Reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. MORAES, Pedro Henrique. (2008) Equipes multifuncionais e sua contribuição ao desenvolvimento organizacional. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/producao-academica/equipesmultifuncionais-e-sua-contribuicao-ao-desenvolvimento-organizacional/4897/> Acesso em: 26 de Mar. 2013. NONATA, Silva. (2008). Conflito nas organizações. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/tecnologia/conflitos-nasorganizacoes/23111/>Acesso em: 26 de Fev. 2013. PADOAN, Cybele. (2008). Grupo X Equipe. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/administracao-e-negocios/grupo-xequipe/25857/> Acesso em: 15 de Mar. 2013. QUINTINO, Manoel. (2010). Manual para administração de conflitos organizacionais. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/manual-paraadministracao-de-conflitos-organizacionais/37691>. Acesso em: 28 de Fev. 2013. ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento organizacional. 11. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. TAVARES, Mauro Calixta. Gestão Estratégica. 2 ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de Pessoas. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. WIESEL, Gilberto. (2007). Trabalho em equipe uma vantagem competitiva. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/trabalhoem-equipe-uma-vantagem-competitiva/20460> Acesso em: 26 de Mar. 2013. ZILIOTTO, Donizeti. (2007). Sinergia. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/sinergia>Acesso em: 26 de Mar. 2013. 211 A NÃO APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS PRÓPRIOS DO DIREITO DO TRÂNSITO VEM CONTRIBUINDO PARA O AUMENTO DE LESIONADOS E MORTOS Luciano Machado Ferreira - IPTAN E-mail: [email protected] Resumo: o intuito deste trabalho é demonstrar a existência de alguns princípios próprios que possui o Direito do Trânsito. Embora seja este direito repleto de institutos que lhe são próprios, o mesmo é pouco difundido. O Direito do Trânsito é um ramo do direito ainda muito pouco usado pelos operadores no Brasil e em parte da América Latina e isto vem gerando um enorme prejuízo a seus cidadãos. O Direito do Trânsito possui regras e princípios próprios, não havendo a necessidade de se apenas consultar o Código de Trânsito Brasileiro e em seguida voltar-se para o Direito Civil e/ou Penal para se resolver a casuística. A aplicação de princípios próprios do Direito do Trânsito pode em muito ajudar a toda sociedade para amenização desta catástrofe que assola o país, qual seja, o grande numero de vitimados pelo trânsito. Palavras-chave: Trânsito – Vitimados – Princípios – Aplicação Introdução Buscaremos através de estudos principiológicos no ramo do Direito do Trânsito traçar relações que nos conduzam a desvendar se o uso de tais princípios está ou não relacionados com o alto número de vitimados em nossas vias terrestres. Sem querer esgotar o assunto, a pretensão deste artigo é mostrar o quanto os legisladores e, principalmente, os operadores do direito contribuem para o aumento de mortes e lesões no trânsito ao não aprofundarem seus estudos num ramo do Direito que ao longo dos anos está inerte. Referimos-nos ao Direito do Trânsito, ou Viário ou de Circulação. O Direito do Trânsito, tal qual os demais ramos do Direito, por exemplo, Direito penal, Direito civil, Direito constitucional, Direito administrativo e dentre outros, possuem em seu arcabouço princípios que lhe são próprios e tais devem ser usados pelos operadores do direitos nas querelas em que se desenrolarem o Direito do Trânsito. Estatísticas demonstram que os sinistros em trânsito matam tantas pessoas que em alguns países ocupam o 3º ou 2º lugar no índice de mortalidade, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e o câncer. Tais índices são preocupantes e devem servir de estímulo aos estudiosos do 212 direito para que possam com seus conhecimentos tentar no mínimo baixar estes números tão assustadores. Dentre os vários propósitos a que se prestam os diversos estudos científicos, talvez seja o de "salvar vidas" um dos mais nobres que devam ser sempre perseguidos por esta comunidade a todo instante em seus trabalhos. É neste caminho que procurar-se-á desenvolver este trabalho, qual seja, os princípios próprios do Direito do Trânsito possuem alguma relação no elevado número de vitimados nos acidentes de trânsito pelo fato do seu não uso pelos operadores do direito? Não é uma pergunta fácil de responder, contudo, há caminhos que nos conduzem em fazer afirmações que de alguma maneira possam colaborar com a redução dos números fatídicos que assolam nossa nação. Desnecessário se torna trazermos ao presente trabalho dados estatísticos do elevado número de vidas ceifadas e de mutilados por acidentes de trânsito em nossas vias terrestres. Já que tais números já são de conhecimento de todos nós ao ponto de quase já se tornar uma rotina em nossas vidas. A quantidade de veículos, hodiernamente, trafegando no Brasil só faz aumentar esta estatística. Diante, deste quadro catastrófico, o que devemos fazer para diminuir estes índices? A mais esta pergunta tem este trabalho o propósito de não oferecer uma resposta direta a esta questão, mas, é mostrar porque ele acontece. E é, neste diapasão que entra um ramo do direito que há muito se encontra adormecido, qual seja, o Direito do Trânsito. Não iremos estudar todos os princípios que norteiam o Direito do Trânsito, mas falaremos sobre três deles: da segurança viária, funcionalidade viária e da confiança. 1 Possíveis causas do afastamento do direito do trânsito Quem se aventura a operar no Direito do Trânsito – o que são poucos ou quase nada – muitas das vezes ou na sua grande maioria, apenas folheia o Código de Trânsito Brasileiro e dirige a casuística para o Direito Penal e/ou Direito Civil. 213 A maior intimidade dos operadores do direito com o Direito penal e o Direito civil, acima citados, faz com que estes operadores amoldem seus casos a esta seara. Ou seja, usam o Direito do Trânsito de forma subsidiaria e até mesmo residual, o que deveria ser ao contrário. Esta falta de intimidade com os princípios do Direito do Trânsito faz com que seus operadores amoldem suas querelas em outros ramos do direito, tais como direito penal e civil, e com isto fogem dos princípios que norteiam o Direito do Trânsito. Este afastamento dos princípios do direito do Trânsito traz uma grande consequência: é a contribuição, de forma indireta, do aumento de vitimados no trânsito. Para quem queira praticar o Direito do Trânsito necessitará ter um pouco de conhecimento de engenharia, segurança viária, psicologia, medicina e, dentre outros. Talvez devido a esta gama de conhecimentos necessários façam também que os operadores de direito se afastem deste ramo do direito, contudo, tais pequenos requisitos todos têm em suas experiências de vida já que todos nós, no mundo hodierno, utilizamos por demais as vias de circulação em nossos deslocamentos seja para a escola, para o trabalho, para nossos passeios, enfim para os diversos motivos. 2 A indiferença Em sua magnífica obra "Derecho del Tránsito - Los Principios" , Carlos Tabasso, narra que em 08 de fevereiro de 1906, houve o primeiro atropelamento com vítima fatal por acidente de trânsito no Uruguai e que tal fato causou à época grande comoção nacional que chegou a inspirar várias canções populares, contudo, hoje vários cadáveres estão em uma simples nota da imprensa em apenas uma edição, salvo quando se envolve pessoas notórias. Hoje há um enorme número de pessoas que ceifam suas vidas no trânsito e muitas das vezes nem sequer são lembradas. Parece que se tornou normal as perdas destas vidas em nossa vias de circulação. Aceitamos que tais perdas de vidas e o grande número de lesionados é uma consequência normal de quem faz uso das nossas estradas. Esta indiferença nos revela que 214 acidentes de trânsito constitui um acidente estranho à sociedade, ou seja, é o lugar onde a vida é menos valorizada. Tal conclusão dar-se-á por ser o maior número de acidentados no trânsito pertencer às camadas sociais economicamente mais carentes, por estarem mais expostas à condição de pedestres, ciclistas ou em veículos obsoletos, ou seja. Aqueles que se encontram numa posição social deficitária, afirma o ilustre mestre Carlos Tabasso. No Brasil o que se gasta com lesionados em acidentes de trânsito é um valor muito alto. Segundo pesquisa do IPEA o que se gasta com os acidentes de trânsito no Brasil chega à cifra de 22 bilhões de reais por ano, o que corresponde a 1,2% de nosso PIB – Produto Interno Bruto. Tais números são preocupantes e não podem deixar de ser observados com muita atenção que o tema prescinde. Necessita-se que o Direito do Trânsito se faça presente nesta temática. Os operadores do direito em quaisquer campo de atuação devem, como dever de cidadania, atentar que com suas atuações podem melhorar este cenário tão avassalador. 3 A não aplicação do direito do trânsito Sem querer fazer críticas ou induzir a empregar formas de aplicação do direito, numa análise bem pontual podemos afirmar que quando os operadores do direito deixam de no caso concreto de empregar os princípios do Direito do Trânsito, estar-se-ão operando contra legem. Sabemos que em muitos casos concretos que quando se chegam aos tribunais diversas situações em que se pede uma intervenção do Judiciário, muitas destas servem de subsídios para que o Legislativo. Qualquer sinistro de trânsito deve ser julgado à luz das normas, princípios e critérios próprios do Direito do Trânsito, que são completamente diferentes do direito civil, penal e outros ramos do direito. E é neste ponto fulcral que tentaremos através da exposição de alguns princípios, demonstrar a amplitude do Direito do Trânsito. Se os operadores do direito procurarem atuar dentro deste ramo, poder-se-iam contribuir em muito para este cenário tão angustiante. Sendo a Justiça e seus magistrados guardiães da dignidade da pessoa humana não devem virar as costas para o Direito de Trânsito. 215 É muito incomum virmos sentenças e/ou acórdãos que façam alusão ao Direito do Trânsito, no muito, estas saem do direito civil ou do direito penal e cão rapidamente ao Código de Trânsito Brasileiro e retornam por onde começaram. Dever-se-ia ser o contrário: começar no Direito do Trânsito e de forma subsidiária e até residual usarmos o direito civil, penal ou outros ramos. O ramo de Direito do Trânsito é tão importante que deveria, tal qual é no Chile, o oferecimento desta matéria nas faculdades de direito. Se nos há diversos fóruns de justiça no Brasil varas especializadas em direito da criança e adolescente, da mulher, dentre outras, há de se haver também varas especializadas em trânsito, não denegando a importância que aquelas merecem. Temos polícias especializadas em trânsito (Policia Rodoviária Federal, Polícia Rodoviária Estadual e Guardas Municipais), delegacias de policia civil que cuidam só de trânsito e outros diversos órgãos seja na esfera federal, estadual e municipal que se incumbem do trânsito, não faz sentido o motivo de o Judiciário e seus operadores se quer, salvo exceções, “menosprezarem” os princípios que norteiam do Direito do Trânsito. Nunca é demais lembrar, e é de bom alvitre sabermos que não devemos confundir Direito de Trânsito com o Direito de Transportes. Este tem a natureza jurídica de direito privado e seu objeto é a relação de cunho econômico entre os particulares no movimento de pessoas ou coisas; já aquele tem natureza jurídica de direito público e seu objeto é a relação técnica dos envolvidos em trânsito. O direito do Trânsito para alcançar seus objetivos deve-se recorrer a critérios técnico cientifico (noções básicas de física, matemática, engenharia, etc.) para compreensão de sua natureza. 4 Princípios Abster-nos-emos neste artigo de conceituar princípios jurídicos e de elencar alguns comuns a outros ramos de direito e ao Direito do Trânsito. Iremos nos fixar de forma rápida, clara e concisa ao estudo de alguns princípios próprios deste ramo do direito que, com certeza, contribuirá de alguma forma para o propósito deste trabalho. Conscientes, porém, que tal assunto não se esgota apenas nos princípios aqui que iremos estudar já que 216 há outros e estes são também de grande valia, contudo, para as suas apresentações necessitar-se-ia de um espaço maior. 4.1 Princípio da segurança viária Caso não houvesse no trânsito dispositivos técnicos e jurídicos para organizá-lo, com certeza, teríamos em “conflito” entre seus usuários. Se é que isto já não acontece, i.e. , brigas entre motociclistas e condutores de automóveis. Basta pesquisarmos na internet que veremos inúmeros vídeos deste cenário “bélico”. Se não houvesse regras no trânsito todos os seus usuários poderiam de forma livre e arbitrária fazer uso dele como bem quisesse, uns poderiam trafegar pela direita, outros pela esquerda, todos pelo centro, os pedestres em quaisquer lugar etc. Ao final iria prevalecer a vontade do mais forte e daí o caos seria generalizado. No trânsito não pode haver liberdade absoluta. O mesmo não pode ter uma liberdade natural, tal no mercado (oferta e procura). O trânsito oferece riscos e quem nele estar sabe que é uma atividade arriscada. Todos sabemos que participar do trânsito é aceitar em certo grau o mínimo de risco que poderemos correr. E este risco deve ser aceito, percebido e respeitado por todos. A questão de espaço e tempo no trânsito é intimamente ligada à segurança viária. É de forma dialética que se resolve tal problemática. A sociedade se desenvolve de forma dinâmica e a organização deste binômio, espaço e tempo, é de grande responsabilidade do Direito do Trânsito que deve equilibrar sempre a tensão entre ambos polos. A conjugação de liberdade do cidadão e o risco que o trânsito apresenta são fatores de suma importância que deve ser equacionalizado para a segurança viária. Neste diapasão devem os legisladores e operadores do direito se debruçarem para a conceituação de preceitos jurídicos precisos. Quando se incrementa segurança viária temos em troca uma diminuição da liberdade individual pelas restrições a que se visam a diminuir os riscos. Diante deste cenário caótico de nosso trânsito que tais construções devem ter como ponto de partida. Não se devem buscar soluções para problemas não apresentáveis ou fora de nossa realidade. As restrições à 217 circulação devem ter como meta principal a diminuição dos riscos, conforme sabemos, ser inerente do Direito do Trânsito. Devido a avanços tecnológicos e a dinamicidade do trânsito, percebe-se a grande quantidade de resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Trânsito. De olho nestas verificações devem os operadores do direito estarem permanentemente atualizados, bem como, também os condutores, razão pela qual deveriam estes passarem por uma qualificação sistemática desta evolução. Tais regras visam, pelo menos, é o que se espera, a diminuição dos riscos da circulação. 4.2 A liberdade de trânsito é um direito fundamental da pessoa, mas tem que se respeitar a segurança viária de todos. Podemos enfatizar de forma categórica que este princípio de segurança viária é um postulado superior, um vetor principal do Direito do Trânsito. Possui aspectos subjetivos, qual seja, cada usuário deve-se comportar de forma a estabelecer a todo instante a segurança viária; possui aspectos objetivos, qual seja, de cunho material, há de se construir meios para sempre garantir a segurança por meio da engenharia, medicina, etc. Devemos ficar atentos que para se incrementar este princípio não se torna necessária apenas a colocação discriminada de sinais de trânsito que visam dar maior segurança e nem tão pouco a edição de resoluções que tentam organizar a circulação, pelo contrário, deve-se usar destes artifícios não como um fim em si mesmo, mas seus usos devem ser de forma complementar à uma construção de vias que por si só já forneçam aos sues usuários um mínimo de segurança possível. A par disto podemos citar que em alguns trechos de nossas estradas por este Brasil, existam tantas placas limitadoras de velocidade que se chega ao absurdo que em média a cada 800 metros tem uma placa regulamentadora de velocidade. Assim se uma pessoa fizer uma viagem cujo percurso tenha uma distância de 100 quilômetros, o condutor será obrigado a prestar atenção em pelo menos 125 placas, ou seja, terá que ficar atento para regular sua velocidade várias vezes. Assim, se por descuido ou desatenção a uma destas placas ele não a observa poderá ocorrer um sinistro. É pedir muito das condições humanas de um condutor automobilístico. 218 Em resumo, regras de segurança viária tem como propósito a diminuição do risco. Daí, qualquer transgressão ou omissão a este princípio produzirá um perigo abstrato objetivo. Devem os operadores do direito repetindo – se embrearem no Direito do Trânsito para evitar que tais coisas aconteçam. Vê-se, então, que este ramo do direito oferece ferramentas próprias e eficazes para a casuística do trânsito. E este principio de segurança viária possui outros desdobramentos, e a eles devem os operadores do direito ficar sempre atentos e utilizá-los sempre e continuamente de forma que possa não somente aferir se os condutores respeitaram as regras de trânsito, mas também se pelo princípio da segurança viária pôde o Estado em suas manifestações contribuir para que tal segurança fosse alcançada. 4.3 Princípio da funcionalidade viária Nas vias de circulação encontram-se de forma vital e criticamente presentes os interesses econômicos, sanitários, culturais, educacionais, políticos, estratégicos e etc. Tamanha é esta importância que os diversos movimentos sociais que hoje se manifestam em nosso país já perceberam o quanto somos dependentes de nossas estradas que como forma de demonstrar suas intenções se valem da obstrução de nossas estradas, pois, já são sabedores de quanto necessitamos das mesmas. A funcionalidade viária está intimamente ligada à sua seguridade. Uma estrada segura deve oferecer uma funcionalidade de uso aos seus usuários com o intuito de não interromper o progresso de uma nação. Deve-se atentar para uma funcionalidade viária sem fechar os olhos para a segurança da mesma. Se os veiculos não trafegarem com uma velocidade compatível de que se necessita escoar as nossas riquezas sem um alto grau de custo, poderá levar nossa economia a um declínio. A funcionalidade está ligada a esta ideia de escoar num breve espaço de tempo nossas riquezas de forma a torná-la mais competitível e não mais a onerando. A funcionalidade está intimamente ligada ao progresso da nação. Se insere numa dinâmica na qual as estradas devem ser um caminho fácil de escoamento e não um obstáculo a si mesmo. Alguns consideram este princípio 219 da funcionalidade como um plus dos outros princípios, sendo os demais originários deste ou dele devem fazer referência. Na busca de se tornar as correntes de trânsito sempre fluirem para o desejável progresso de um país, não deve-se abrir mão da seguridade viária. Todos os operadores do direito devem ficar atentos que tal princípio tem como objetivo o desenvolvimento de uma nação, sem contudo, virar as costas para a segurança e os demais princípio que norteima tão importante ramo do direito. 4.4 Princípio da confiança Pode-se dizer que é um dos princípios há algum tempo mais badalado na Europa, mas que infelizmente no Brasil ainda é pouco conhecido. No trânsito onde há organização de acordo com sua normatização se espera que todos se comportem segundo estas disposições. O trânsito deve ser estruturado em seu aspecto físico, normatizado em consonância com as características de organização e conduta e, ainda, sinalizados de forma ostensiva para o conhecimento de todos os seus protagonistas afim de que cada um cumpra seu papel para a diminuição de riscos. Através deste principio empregamos a boa-fé nas relações. É um estado psicológico coletivo, onde todos creem na realidade, por exemplo, cremos que os semelhantes que nos cercam não irá nos matar. Não podemos crer que no trânsito todos sejam verdadeiros assassinos, pelo contrário, todos são respeitadores das normas de condução viária. Temos que crer que os pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores confiem no papel de desempenho cada um no trânsito. Esta confiança deve ser recíproca, do contrário, pode-se ter um colapso, pois o sentimento generalizado de desconfiança nos levaria a caminhos de erros e bloqueios infinitos. Tornase, deveras, impossível para todos nós ao usarmos as vias públicas partindo do pressuposto básico que ninguém irá cumprir as regras de circulação. Tal fato seria uma tortura mental e por não dizer uma loucura coletiva. Os usuários do trânsito têm o direito de que o outro tenha um comportamento ajustado nas normas viárias. É uma expectativa que se espera de todos. Jamais, poderá haver trânsito sem este ambiente psicológico de confiabilidade. Todo o usuário das vias de circulação, pelo princípio da 220 confiança, tem o direito de esperar de um comportamento adequado às normas de circulação e os demais usuários devem esperar o mesmo dele. Pode-se dizer que o princípio da confiança possui uma base extremamente frágil já que qualquer ação anormal, ainda que proveniente de uma pessoa apenas pode desencadear em um conflito imediato e este pode gerar riscos a um número indefinido de usuários. Toda e qualquer infração às normas de circulação é uma quebra da confiança e isto é uma "traição" prévia que todos sabemos, contudo, o pior efeito desta transgressão se dá quanto à sua imprevisibilidade de se saber quais os riscos que dela advirão. Porém, o que é previsível é que tais resultados danosos devem ser imputados ao seu "traidor". Este princípio possui alguns limites: o cumprimento das próprias obrigações, obrigação de prevenir o risco e o principio da defesa. Deve o magistrado empregar tal principio não se esquecendo das limitações acima, caso contrário, poder-se-ia ter um salvo-conduto justificador para qualquer transgressão no trânsito. A confiança deve ser sempre mútua (responsabilidade de todos). E, no caso concreto, todos os operadores do direito devem ficar atentos àquele(s) que descumpriu este princípio já que foi ele que com sua conduta transgrediu um "acordo prévio" estabelecido no nosso ordenamento jurídico das regras de circulação. Considerações finais O propósito deste trabalho, nem de perto foi o de querer esgotar o assunto, dada a sua magnitude. Foi apenas demonstrar que os operadores do direito devem sair de suas omissões no que tange a não aplicação dos princípios do Direito do Trânsito, pois, ao fazerem isto estão contribuindo para, cada vez mais, com o aumento de vitimados no trânsito. E, isto, foi feito apenas no estudo de dois grandes princípios: da segurança viária e da confiança. Assim como aconteceu com o consumidor, a criança e o adolescente, as mulheres e idosos que ao longo dos tempos reclamaram uma atenção devida e justa - tanto o é que foram presenteados com leis especificas, delegacias e até varas de justiça próprias – o direito de trânsito merece tal atenção. Há vários princípios que norteiam a aplicação do Direito do Trânsito e negá-los é deixar à sorte uma enorme quantidade de vítimas lesionadas em 221 acidentes de trânsito sem o devido amparo legal. Devemos atentar para a compreensão destes princípios. E esta atenção é no sentido de todos estes operadores aplicarem os institutos próprios deste ramo do direito, já que o mesmo possui código próprio e princípios que lhe são inerentes, conforme apresentados. E esta aplicação, com toda certeza, trará subsídios para as políticas públicas que tenham como grande missão a redução dos vitimados em nossas vias de circulação. Quando todos os operadores do direito em suas casuísticas estão a empregar institutos que não são próprios do Direito do Trânsito estão prestando um grande desserviço à Nação, já que os mesmos se mostram ineficazes para o caos que atravessamos em nossas ruas, avenidas, estradas e rodovias. Os demais ramos do direito devem ser usados de forma residual e não subsidiária ao Direito do Trânsito, contudo, é o que não acontece hoje em dia. Aquelas pessoas que tiveram, como já citado, seus direitos individualizados em leis e institutos próprios lograram um senso de justiça mais elevado. Tal qual, devemos nos ater às casuísticas de trânsito aos ditames do Direito de Trânsito. Fazendo isto, com certeza, iremos ajudar em muito o convívio menos arriscado e perigoso que hoje assolam todos nós ao utilizarmos as diversas vias de circulação que usamos no dia-a-dia para nos locomovermos. Assim, devem todos os operadores do direito aplicar sempre os princípios inerentes ao Direito do Trânsito com fincas de diminuir o grande número de lesionados e mortos no nosso trânsito. Referências <http:/www.viasseguras.com/os_acidentes/estatisticas/estatisticas_nacionais/estatisticas_do_ ministerio_da_saude/saude_brasil_2009> Acesso em : 27 mar 2012 ALCHOURRON, CARLOS E. y BULYGIN, EUGENIO. Introducción a la Metodologia de las Ciencias Juridicas y Sociales, Astrea, Buenos Aires.1993. ARAUJO, JULYVER MODESTO DE. Expressões interessantes da legislação de trânsito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2606, 20 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17235>. Acesso em: 27 mar. 2012. BREBBIA, ROBERTO. Problemática Juridica de los Automotores. Astrea, Buenos Aires. 1982. CREUS,CARLOS. Derecho Penal.5ed.Buenos Aires:Editorial Astrea,2004.549p. DARAY, HERNA. Accidentes de Transito. Ed. Astrea, Buenos Aires.1991. 222 DONIZETTI, ELPIDIO. Curso Prático de Direito Processual Civil. 11ed. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.1105p. ELBERT, CARLOS ALBERTO. Novo Manual Básico de Criminologia.Tradução: Ney Fayet Júnior.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 284 p. GONÇALVES,VICTOR E. RIOS. Direito Penal.Parte Geral.14ed. São Paulo: Saraiva,2007.214p. KAISER, GUNTHER. Delincuencia de Trafico y su Prevención General. E. Espasa-Calpe. Madrid, 1979. KELSEN, HANS. Teoria Pura del Derecho. Fundación de Cultura Universitaria. Montevideo, 1989. MIRABETE, JULIO FABRINI. Processo Penal, 16ed. São Paulo: Atlas, 2004. 849p. MORAES, ALEXANDRE DE. Direito Constitucional. 19ed. São Paulo: Atlas, 2006.948 p. NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código Penal Comentado. 7ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 1216p. ROSSI, JORGE OSCAR. Accidentes de Transito.Paso a Paso. Buenos Aires: D&D,2010. 424 p. TABASSO, CARLOS. Derecho Del Tránsito.Los Principios. Buenos Aires: B de F, 1997. 830 p. TÁVORA,NESTOR;ROQUE,FABIO. Código de Processo Penal para Concursos. 2ed.Salvador: JusPodivm,2011.810p. 223 A PREPONDERÂNCIA DA GESTÃO ESTRATÉGICA DE PESSOAS NA EXECUÇÃO DE PROJETOS ORGANIZACIONAIS Anderson Luiz Duarte Bacharel em Administração – FUPAC Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ Email: [email protected] Clodoaldo Fabrício José Lacerda – IPTAN Mestre em Administração – UNIPAC E-mail: [email protected] Resumo: Devido ao dinamismo e à crescente concorrência no mercado empresarial, o sucesso na execução de projetos constitui um dos grandes desafios para o setor executivo das organizações empresariais. Embora a realização de um projeto envolva fatores importantes, um dos mais complexos é o gerenciamento dos recursos humanos. Considerando a importância da gestão de pessoas na estrutural organizacional da empresa, este trabalho investiga, mediante pesquisa bibliográfica, qual o papel da gestão de pessoas para o êxito na execução de um projeto. A pesquisa conclui que a gestão de pessoas figura como fator estruturante do processo de construção de projetos e, em sentido mais geral, da organização empresarial como um todo, pois implica diretamente nos resultados das organizações. Assim, o êxito de um projeto depende do material humano que ela possui e das relações entre os diversos atores envolvidos nos processos produtivos. Palavras-chave: Gerenciamento de Pessoas – Projeto – Êxito Introdução Houve uma significativa mudança da sociedade industrial, que predominou entre os séculos XVIII e XIX, para a sociedade da informação, iniciada em meados do século XX. Conceituando esse novo arranjo social como “sociedade em rede”, Castells (1999) afirma que se trata de uma conjuntura que tem como base o aumento dos meios de comunicação, pela velocidade no processamento e disseminação da informação e pelo impacto da tecnologia no dia a dia, influenciando hábitos e costumes. Essa mudança no campo social e cultural implica uma alteração nos hábitos organizacionais, de forma que, em um contexto marcado por grandes avanços tecnológicos, a sobrevivência e o êxito de uma empresa dependem de sua capacidade de processar dados, convertê-los em informações, compartilhá-los com eficiência e utilizá-los em velocidade recorde em seus processos decisórios (BARTOLOMÉ, 1999). 224 A necessidade de aperfeiçoamento se relaciona, também, ao fenômeno da globalização, que, ao mesmo tempo em que dinamizou as relações comerciais, permitindo ampliar o campo de atuação de uma empresa, tornou a concorrência no mercado ainda mais acirrada. Isso porque, segundo Alvarenga Neto (2005), ocorreu um rompimento de fronteiras geográficas pelo capitalismo global fazendo com que as empresas tenham como concorrentes não apenas outras empresas de sua região como também diversas outras, inclusive situadas no outro extremo do planeta. De acordo com Chiavenato (2002, p. 57) a organização é formada pelo conjunto coordenado de diferentes atividades de seus colaboradores com o intuito de realizar transações planejadas com o meio ambiente. Muitas são as contingências que atingem a organização, tanto externamente quanto internamente. Para se adequar a essas transformações rápidas e em alguns casos inesperadas a organização precisa estar preparada. E como fazer isso? É nesse momento que entra a gestão de pessoas, gerir pessoas é propiciar as mesmas condições de efetuarem suas atividades de forma satisfatória e inovadora, criando estímulos capazes de motivá-las. Dessa forma os colaboradores se sentirão aptos e capazes de criar meios para se adaptarem a cada contingência que surge nesse ambiente tão competitivo. Como implicação dessa competitividade e do dinamismo e da crescente concorrência no mercado empresarial, o sucesso na execução de projetosconstitui uma dos grandes desafios para o setor executivo das organizações empresariais. Embora a realização de um projeto envolva fatores importantes, tais como o estabelecimento e observância aos prazos, o controle dos custos e sua exequibilidade, o fator mais complexo na execução de um projeto consiste no gerenciamento dos recursos humanos, sobretudo da equipe diretamente envolvida na execução. Entendendoque a gestão de pessoas exerce influências cruciais na gestão empresarial e, por conseguinte, no êxito de uma empresa frente à concorrência, este trabalho se inscreve entre os estudos voltados para a interpretação da estrutura organizacional para o êxito de projetos empresariais e investiga, mediante pesquisa bibliográfica, em que medida a gestão de pessoas é preponderante para o êxito na execução de um projeto. 225 A pesquisa tem como objetivo geral discutir a importância da gestão de pessoas para a realização de projetos. Como desdobramento desse objetivo mais amplo, os objetivos específicos consistem em: conceituar a noção de projeto e destacar sua função na organização empresarial; discutir o papel da gestão de pessoas para o êxito organizacional; eidentificar quais estratégias é relevante para uma boa gestão de pessoas, visando à realização de projetos. A pesquisa tem natureza descritiva (descreve a relação entre a gestão de pessoas e o êxito na execução de projetos empresariais) e explicativa, visando à interpretação do fenômeno investigado através de pesquisa bibliográfica. A escolha do método de pesquisa bibliográfica se justifica pela praticidade e possibilidade e estudar mais detidamente um determinado tema, já que essa técnica possibilita ao pesquisador uma visão mais ampla e geral de um assunto. Assim, o levantamento e exame de trabalhos científicos de referência fornecem conhecimentos teóricos a respeito do tema abordado, possibilitando uma compreensão mais aprofundada sobre tema no âmbito teórico para facilitar a realização, em trabalhos futuros, de uma possível pesquisa de campo. 1 Gestão estratégica de pessoas Normalmente as organizações se dedicam à promoção de uma imagem externa que transmite credibilidade e qualidade, de forma a satisfazer o público consumidor. No entanto, pouco se atentam para a necessidade de uma harmonia interna entre funcionários, servidores e consumidores. Esse ponto pode atrapalhar a produção na medida em que a falta de troca de informações pode acabar prejudicando a qualidade dos serviços, especificamente, no caso em questão que é a realização de projetos (ARANTES, 1998). A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os responsáveis pela sua sustentação. É graças ao seu trabalho que os objetivos e metas da organização são atingidos. Nesse sentido, os conceitos de gestão de pessoas (ou gestão de pessoal) e, mais recentemente, gestão do conhecimento, começaram a integrar o âmbito das discussões acerca da dinâmica funcional das empresas, levando ao desenvolvimento de trabalhos acadêmicos e a uma produção maciça de trabalhos acerca do tema (QUEIROZ, 2005). 226 Segundo Vergara (2003), na era da informação, a gestão de pessoal deve ficar atenta para como os processos comunicativos se relacionam ao conhecimento e sua gestão. Disso decorre que essa forma de gestão, longe de ocorrer isoladamente, dá-se em relação direta com a gestão organizacional como um todo. Assim, as empresas se deparam com um duplo desafio: gerir corretamente seus funcionários e aprimorar os processos produtivos e decisórios. De modo a facilitar o gerenciamento de pessoal, Davenport e Prusak (1999) destacam a importância do investimento em capacitação, gasto que pode implicar benefícios para a empresa através de conhecimento. Conforme esses autores, a empresa deve criar mecanismos que favoreçam não apenas a retenção do conhecimento como, principalmente, sua divulgação. Desse modo, cria-se uma atmosfera em que os funcionários assumem a empresa como seu patrimônio ao mesmo tempo em que se consideram patrimônio da empresa. Dessa forma, a gestão de pessoas é um processo complexo porque envolve fenômenos subjetivos como afetividade, sentimentos e emoções. Cabe, então, à gestão de pessoas criarem uma atmosfera de trabalho que favoreça ao máximo a consecução do projeto almejado. Para tanto, são imprescindíveis estratégias que visem a: estimular os funcionários, identificar quais são suas aptidões e deficiências e, a partir daí, potencializar as aptidões e minimizar as deficiências (VERGARA, 2003). Assim, pode-se afirmar que a gestão de pessoas desempenha um importante papel uma organização. Sua função écriar estímulos que motivem os colaboradores à máxima otimização de seu desempenho, além de situá-los sobre o que ocorre no interior da organização. Uma empresa que aspira um bom lugar no mercado não pode depender apenas de seu êxito econômico, de sua estrutura física e de suas condições materiais. Para atingir seus objetivos ela deve manipular corretamente o capital humano de que dispõe, uma vez que a gestão de pessoas consiste em um processo moderno e contínuo de aprendizagem organizacional. Assim, pode-se afirmar que os recursos humanos constituem a mola propulsora de uma empresa, pois todos os processos realizados dependem da participação dos sujeitos envolvidos. 227 Nesse sentido, o alcance das metas e objetivos traçados, bem como a imagem interna e externa da empresa e o ambiente organizacional dependem doentrosamento entre as pessoas que compõem o quadro de funcionários.Por isso, segundo Toledo (1992), deve-se incentivar a capacitação do pessoal mediante fomento à formação continuada através de cursos e especializações. Trata-se de um investimento cujo retorno se observa na qualificação dos funcionários que melhora os serviços e, consequentemente, agrega valor à empresa. Como se verá no item seguinte, um dos aspectos fundamentais da gestão de pessoas consiste na viabilização de uma comunicação interna satisfatória, e tal quesito é de suma importância para a realização de projetos. 2 Comunicação interna Ao longo de muito tempo, a comunicação organizacional se dava de forma unilateral e autocrática. Assim, o emissor formulava determinada mensagem, que seria transmitida através de um meio de comunicação, e não havia grande preocupação com o resultado final desse processo. O importante era transmitir a mensagem, sem considerar a recepção e tampouco a resposta, pois as relações eram verticalizadas. Assim, o receptor não passava de um decodificador passivo, sem participação efetiva na comunicação (PESSOA, 2003). No entanto, a evolução mercadológica exigiu que o receptor adquirisse uma função mais ativa no processo de comunicação empresarial. Dessa forma, tornou-se necessário que o emissor estivesse atento e aberto às opiniões, críticas e sugestões do receptor, que houvesse interação e troca de experiências. É preciso que a informação correta seja transmitida à pessoa correta no momento exato. Trata-se, portanto, de um exercício necessariamente sincrônico, pois a comunicação interna constitui um processo que perpassa todas as ações que ocorrem em uma organização, contribuindo para sua coesão interna. Uma vez que a velocidade de acesso e processamento da informação, bem como sua conversão em conhecimento, incidem na rapidez com que a empresa atinge seus objetivos, os dados, a informação e o 228 conhecimento devem receber uma gestão criteriosa. Com a dinamização do fluxo informacional, agiliza-se também a execução de projetos. A comunicação interna constitui um processo que perpassa todas as ações que ocorrem em uma organização, pois contribui para uma coesão interna da organização, o que reflete em sua imagem externa e na qualidade de seus produtos e serviços. Clemen (2005, p. 14) descreve que: A comunicação interna constitui uma inesgotável fonte de informações sobre o ambiente organizacional. No que diz respeito aos recursos humanos, viabiliza o conhecimento prévio de suas opiniões e aspirações, facilitando a criação de mecanismos capazes de avaliar a satisfação e de fomentar a motivação, que aliada à satisfação, traduz os reflexos de uma comunicação interna estratégica, capaz de agregar valor às atividades das organizações. Assim, a comunicação interna constitui um processo que perpassa todas as ações que ocorrem em uma organização, pois contribui para uma coesão interna da organização, o que reflete na qualidade de empreendimentos como os projetos. Nesse sentido, Fernandes (1999, p. 13) complementa que a comunicação interna “exerce um papel vital nas organizações e sua falta acarreta inúmeros problemas, que, namaioria das vezes, determinam o fracasso de projetos estabelecidos”. A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os responsáveis pela sustentação da empresa, pois é graças ao seu trabalho que os objetivos e metas da organização são atingidos. Conforme argumenta Marchiori (2006, p. 45), A integração do público interno é fundamental, pois quando as pessoas dispõem das mesmas informações e compreendem que são parte integrante da vida organizacional, que possuem valores comuns e que compartilham dos mesmos interesses, os resultados fluem. Assim, pode-se afirmar que uma comunicação interna eficiente ajuda a evitar erros e desvios de informação, além de promover um sentimento de coletividade e cooperativismo, de modo que cada funcionário se sente responsável pelo sucesso da empresa e, desse modo, se compromete e se empenha mais. 229 3 Clima organizacional Tendo em mira a execução de um projeto adequado aos planos da empresa, a gestão de pessoas deve constituir uma equipe coesa, na qual a coletividade supera o individualismo sem desconsiderar, contudo, a individualidade de cada um. Isso porque a criação de um clima satisfatório é fundamental para o trabalho em equipe. Segundo Queiroz (2005, p. 1875): O clima organizacional é um fenômeno resultante da interação dos elementos da cultura, como preceitos, caráter e tecnologia. Decorre do peso dos efeitos de cada um desses elementos culturais, valores, políticas, tradições, estilos gerenciais, comportamentos, expressões dos indivíduos envolvidos no processo e também resultante do conjunto de instrumentos, conhecimentos e processos operacionais da organização. Ao apontar diferentes tipos de clima organizacional, os autores destacam i) o clima hostil, no qual as relações humanas não são levadas em consideração; ii) o clima tenso, onde há uma pressão excessiva por resultados e cumprimento das normas, podendo levar a ameaças e aplicação de punições aos funcionários; e iii) o clima amistoso, no qual “existe plena aceitação dos afetos, sem descuidar-se de preceitos e do trabalho” e “prevalece o respeito e a prática da cooperação dos membros da organização, em função de objetivos compartilhados” (QUEIROZ, 2005, p. 1875). A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os responsáveis pela sua sustentação, e é graças ao seu trabalho que os objetivos e metas da organização são atingidos. Assim, é fundamental que as empresas, independentemente do ramo em que atuam, invistam na comunicação interna como ferramenta de auxílio à gestão, sobretudo porque, segundo Toledo (1992), um clima organizacional negativo pode gerar transtornos, perda de oportunidades de negócios, fracassos em transações e, como consequência, prejuízos econômicos para as organizações. Ainda segundo o autor, estabelecer uma atmosfera de harmonia em uma empresa constitui um grande desafio. Uma empresa na qual os funcionários reclamam que não são ouvidos tem grandes chances de ter insucesso. É importante que cada funcionário se sinta orgulhoso em fazer parte da empresa, com a qual tenha uma relação não apenas profissional como, sobretudo, 230 afetiva. Funcionários com elevada auto-estima tendem a desempenhar suas funções com mais motivação e prazer (TOLEDO, 1992). Para tanto, a empresa deve motivar seus funcionários, pois, embora consista em um movimento que venha do interior, a motivação pode, assim como outras competências, ser estimulada por expedientes tais como cursos e treinamentos.Isso porque o funcionário motivado, seja qual for a situação, olha os obstáculos de frente, como barreiras a serem transpostas e não como problemas a serem carregados como fardos. (Op. Cit.). É importante que cada funcionário se sinta orgulhoso em fazer parte da empresa, com a qual tenha uma relação não apenas profissional como, sobretudo, afetiva. Afinal, de acordo com Vergara (2003), funcionários com elevada auto-estima tendem a desempenhar suas funções com mais motivação e prazer, de modo que a gestão de pessoas deve favorecer a criação de ambientes colaborativos e investimento em capacitação, gasto que pode implicar benefícios para a empresa através de conhecimento. Com isso, podese criar uma atmosfera em que os funcionários assumem a empresa como seu patrimônio ao mesmo tempo em que se consideram patrimônio da empresa. 4 Projetos O projeto constitui um instrumental indispensável para as atividades realizadas em uma empresa e pode abranger desde um único indivíduo a milhares de participantes envolvidos; pode também ter durações extremamente curtas ou longas. De qualquer maneira, o projeto possui algumas características gerais independentemente de suas especificidades. Segundo Sato (2004), o projeto consiste em um empreendimento caracterizado por início e fim definidos, uso de recursos (materiais, financeiros, etc.) também definidos e execução por uma ou mais pessoas, tendo em mira o cumprimento de metas definidas a priori e levando em consideração sua exequibilidade. O projeto também tem duração limitada, pois seu fim ocorre basicamente devido a três situações: a) quando os objetivos que motivaram sua execução são alcançados, b) quando se torna evidente que as metas traçadas não serão cumpridas satisfatoriamente por razões diversas e c) quando não há mais necessidade da continuidade de sua execução. 231 Antes de implantar um projeto, a empresa deve possuir uma administração estratégica a fim de identificar quais as ferramentas mais adequadas às necessidades e aos objetivos do projeto. Seitz (2005, p. 96), por exemplo, destaca três conceitos fundamentais que uma administração estratégica precisa contemplar: 1) Planejamento Estratégico: técnica administrativa que objetiva manter uma organização como um conjunto apropriadamente integrado a seu ambiente, identificando oportunidades e ameaças, pontos fortes e fracos para o cumprimento de sua missão; 2) Administração Estratégica: processo contínuo e iterativo que visa capacitar a organização de forma a permitir que as tomadas de decisões estejam de acordo com as decisões estratégicas; 3) Decisão Estratégica: é toda aquela que resulta numa nova maneira de distribuir ou utilizar os recursos básicos da empresa; nem toda decisão estratégica é de longo prazo, embora seja, necessariamente, de longo alcance. Envolve, portanto, os escalões superiores da organização. Com base na citação, pode-se afirmar que a gestão estratégica fornece a estrutura necessária para a empresa realizar seus projetos. Afinal, de acordo com Vieira (2002), a atividade de elaboração e execução de projetos não se dá de forma isolada do contexto geral da empresa. Ao contrário, depende da confluência de uma série de fatores tais como: ■ Cultura organizacional; ■ Estrutura organizacional; ■ Tecnologias de informação disponíveis; ■ Perfil empreendedor; ■ Recursos humanos; ■ Gerenciamento de pessoas. Desses itens, um ponto crucial na definição de projeto é a necessidade de gerenciamento dos sujeitos envolvidos. Como se verá no item seguinte, o ato de controlar e administrar as tarefas realizadas por outrem configura uma das facetas mais importantes de um projeto, pois os objetivos dificilmente serão alcançados caso não haja um devido gerenciamento das pessoas envolvidas. 232 5 Papel da gestão de pessoas em projetos Uma vez que a elaboração e execução de um projeto constituem um processo que se caracteriza pela exigência de fatores como capacidade intelectual, precisão, dedicação e trabalho em equipe, a gestão dos recursos humanos adquire uma relevância capital para assegurar o cumprimento de tais fatores. Prado (2000) afirmaque o sucesso na execução de um projeto consiste no perfeito equilíbrio entre os recursos materiais e humanos, sendo que estes últimos são mais complexos de administrar, pois gerenciar pessoas implica gerenciar sentimentos diversos, motivações, desejos e conflitos interpessoais. Assim, uma empresa que preconiza a gestão de pessoas a fim de subsidiar sua política global tem maiores possibilidades de êxito, pois o gerenciamento dos sujeitos integrantes contribui para a maior eficiência do conhecimento e concatenação entre os diversos subsistemas que formam a empresa; afinal, os processos realizados na organização, precisamente por não se darem de forma isolada, dependem da aptidão individual dos sujeitos envolvidos (PRADO, 2000). Nessa mesma linha de raciocínio, Davemport e Prusak (1998) concordam que a gestão de pessoas constitui uma estratégia fundamental na implementação de projetos, pois, além de orientar e chamar atenção para possíveis falhas, estimulando o profissional a se identificar com a empresa, agregando-lhe valor. O gerenciamento de pessoas com vistas à execução de projetosprecisa desenvolver junto à equipe uma cultura de dinamismo e empenho, moldando os interesses da equipe de acordo com as necessidades que o projeto a ser cumprido exige. Por isso Valle (2007) aponta a necessidade de designar um gestor ad hoc especificamente para administrar os recursos humanos envolvidos no processo de execução do projeto. Tal profissional deve ter experiência no setor e tenha facilidade para trabalhar em equipe. Segundo o autor, caso a empresa possua seu próprio departamento de recursos humanos, deverá designar o profissional mais qualificado para o nível de exigência da tarefa, isto é, um profissional que se caracterize pela 233 organização, disciplina, conhecimento técnico, dinamismo, inteligência emocional e habilidades interpessoais. Conforme Antunes (1995), o gestor de pessoas se destaca por características como o dinamismo, a identificação com o que faz a capacidade de liderança e a facilidade para trabalhar em grupo. No entanto, a gestão de pessoas não pode ocorrer de forma unilateral e autocrática, na qual as relações são verticalizadas. Afinal, organização e hierarquia não significam, necessariamente, dominação e submissão, na qual os funcionários não passam de decodificadores passivos das informações e ordens transmitidas, sem participação efetiva nos processos decisórios. Assim, a gestão de pessoas, se não realizada de forma estratégica, pode ser pouco eficaz ou, mesmo, ter um efeito contraproducente. Assim, a gestão de pessoas, ao melhorar o relacionamento interno, favorece não apenas a comunicação de fatos e fenômenos importantes para a empresa como também propicia um clima organizacional mais amistoso, no qual as relações são solidárias e afetuosas. Tudo isso, evidentemente, tem implicações favoráveis ao desempenho final dos funcionários e da empresa como um todo, especificamente na implementação de projetos. Clemens (2005) explica que com o avanço das tecnologias, as empresas atuam em um mercado caracterizado por constantes mudanças, de forma que a velocidade e qualidade com que se processam as informações e se gerencia o conhecimento determinam o êxito de uma empresa em um cenário competitivo. Daí a importância de uma maior preocupação das empresas com sua dinâmica interna, atentando para o papel da gestão de pessoal na execução de projetos. De fato, o planejamento e a execução de um projeto precisam levar em consideração os sujeitos envolvidos, pois a participações deles tem implicações decisivas no seu resultado final. Nesse sentido, é preciso que os gestores da empresa tenham plenas condições de gerenciar os fatores humanos que podem contribuir ou prejudicar a feitura de um projeto, sobretudo no que toca ao nível de comprometimento, aos conhecimentos necessários e à harmonização do trabalho em equipe. Pelo exposto até aqui, pode-se afirmar que, em linhas gerais, são fundamentais para a execução de projetos uma boa cultura organizacional, que 234 estimule a comunicação e a cooperação, além de uma estrutura tecnológica adequada. A realização de projetos, precisamente por não se dar de forma isolada, depende da aptidão individual dos sujeitos envolvidos. Daí a necessidade de uma gestão de pessoal eficaz. Considerações finais Este artigo, pautado em pesquisa bibliográfica, permitiu uma reflexão acerca do quanto a gestão de pessoas é imprescindível para a realização de projetos empresariais, pois figura como fator estruturante do processo de construção de projetos e, em sentido mais geral, da organização empresarial como um todo, pois implica diretamente nos resultados das organizações. Como se viu ao longo deste trabalho, a empresa que ambiciona o êxito na confecção de projetos deve investir em treinamento e aperfeiçoamento de funcionários, pois esse esforço pode trazer retornos favoráveis para a empresa, já que uma empresa que possui funcionários motivados tem grandes chances de ter clientes satisfeitos. Além disso, com um bom clima organizacional, a empresa propicia que seu funcionário realize seu trabalho com liberdade, de modo que a realização de projetos se torna uma tarefa prazerosa na qual todos se empenham devidamente. Como forma de atender às especificidades do projeto em execução, a gestão de pessoas busca extrair e otimizar elementos ativos do conhecimento já existentes na organização a fim de melhor servir aos interesses e necessidades da empresa em determinado momento. Afinal, como já foi afirmada, a realização de projetos, ao invés de ocorrer isoladamente, dá-se em relação direta com a gestão de pessoal e com a gestão organizacional como um todo. Portanto, a gestão de pessoas exerce influências cruciais na realização de projetos e, por conseguinte, no êxito de uma empresa frente à concorrência. Podem-se afirmar, nesse sentido, que a maior riqueza de uma organização empresarial é seus funcionários, de modo que se deve ter bastante atenção para a gestão de pessoal. O êxito de um projeto depende do material humano que ela possui e das relações entre os diversos atores envolvidos nos processos produtivos. 235 Uma vez que esta pesquisa não tem pretensões conclusivas, espera-se que, devido à relevância do tema, o trabalho constituía uma fonte de consulta e pesquisa como forma de buscar ferramentas estratégicas para o melhoramento da gestão de pessoas no âmbito empresarial. Referências ALVARENGA NETO, Rivadávia C. Gestão do Conhecimento em Organizações: Proposta de Mapeamento Conceitual Integrativo. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Escola de Ciência da Informação, UFMG, Belo Horizonte. 2005. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. ARANTES, N. Sistemas de gestão empresarial. São Paulo: Atlas, 1998. BARTOLOMÉ, Fernando. Comunicação Eficaz na Empresa: Como melhorar o fluxo de informações para tomar decisões corretas. São Paulo: Campus, 1999. CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. CASTELLS, Manoel. A Sociedade em Rede: A era da informação – economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CLEMEN, Paulo. Como implantar uma área de comunicação interna: nós, as pessoas, fazemos a diferença: guia prático e reflexões. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. DAVENPORT, T.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial: como asorganizações gerenciam o seu capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 2003. FLEURY, M. T. L. O desvendar a cultura de uma organização: uma discussão metodológica. In: FLEURY, M. T. L.; FISCHER, R. Coord. Cultura e poder nas organizações. São Paulo, Atlas, 1990, p. 15-27. PRADO, D. Gerenciamento de projetos nas Organizações. Belo Horizonte: FDG, 2000. QUEIROZ, Marcos A. C. Gestão de pessoas e clima organizacional: práticas adotadas pelas empresas brasileiras para a valorização dos colaboradores. Anais do XXV Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 2005, p. 18731880. SATO, C. E. Y. Gestão Corporativa de Projetos para Instituições de Pesquisa Tecnológica: Caso Lactec. Dissertação (Pós-Graduação em Tecnologia) – Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, Curitiba, 2004. SEITZ, Helgo M. (2005) O planejamento estratégico de marketing e o plano de negócios. E Gesta, Revista Eletrônica de Gestão de Negócios. V. 1, nº 3, 2005, p. 91-126. Disponível em: <http://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/46.pdf> Acesso em: 20 mar. de 2012. 236 TOLEDO, F. Administração de pessoal: desenvolvimento de recursos humanos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1992. VALLE, A. B. et. al. Fundamentos do gerenciamento de projetos. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2007. VERGARA S. C. Gestão de pessoas. São Paulo: Ed. Atlas, 2003. VIEIRA, E. Gerenciando Projetos na Era de Grandes Mudanças: Uma breve abordagem do panorama atual. PMI Journal, p. 7-16, 2002. 237 DESAFIOS PARA A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE CURRICULAR: A ANÁLISE DO CURRÍCULO PRESCRITIVO DO CURSO DE PEDAGOGIA DO IPTAN Márcio Eurélio Rios de Carvalho – IPTAN Doutor em História (UFMG) E-mail: [email protected] Adelaide Maria do Couto Graduanda em Direito – IPTAN Thaís Marley Ferreira da Silveira Graduanda em Direito – IPTAN Resumo: O presente trabalho intentou realizar uma análise do currículo prescritivo do Curso de Pedagogia do IPTAN, adotando como pressupostos teóricos os Estudos Culturais, com suas contribuições acerca de gênero, raça, etnia e cultura; do Pós-estruturalismo, com enfoque nos temas da diferença, discurso, saber/poder, alteridade, consciência histórica e subjetividade; além do Pós-colonialismo, com suas análises de representação, resistência, hibridismo e mestiçagem. Percebeu-se que há uma defasagem entre o currículo atualmente implantado e o ideal proposto pelas teorias analisadas. Necessário que haja um rompimento com os discursos curriculares estáticos, buscando uma prática multiculturalmente comprometida com a desconstrução de (pre)conceitos, questionadora das injustiças e das desigualdades e interessada na inserção de um saber crítico. Um processo permanentemente voltado para a construção de um currículo e projeto pedagógico críticos, voltados a atender as demandas atuais. Os procedimentos metodológicos se resumiram na 1) análise do Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia do IPTAN (Instituto Presidente Tancredo de Almeida Neves), 2) Análise comparativa entre esse Projeto e alguns Projetos Pedagógicos de instituições públicas federais, 3) leitura e análise da bibliografia pertinente ao tema, sobretudo aquelas direcionadas para as teorias curriculares. Palavras-chave: Pedagogia – Multiculturalismo – Currículo Introdução Este trabalho teve como princípio norteador a análise do currículo do curso de pedagogia do IPTAN, buscando-se a reconstrução do ideário que permeia tal currículo, a partir do viés do multiculturalismo. Utilizou-se dos postulados da teoria dos Estudos Culturais e as problemáticas que envolvem os conceitos de gênero, raça, etnia e identidade cultural, além dos conceitos do Pós-estruturalismo e do Pós-colonialismo, teorias que trouxeram, para o campo da Pedagogia, novas propostas a respeito da diferença, da representação, do discurso, e do poder na ciência educacional. Propõe-se, a partir destas perspectivas, uma reconceitualização dos saberes, conhecimentos, experiências e práticas pedagógicas atualmente 238 dominantes no currículo do curso de Pedagogia do IPTAN. Com isso, objetivou-se uma reformulação de seus instrumentos curriculares, de modo que pudessem englobar as contribuições teóricas dos estudos acima citados. Objetivou-se auxiliar na construção de um currículo que pudesse ampliar a formação de profissionais da Educação, fazendo com que tais profissionais fossem capazes de propiciar um ambiente que privilegiasse a construção de uma realidade sociocultural dialética, que realmente levasse em conta a sociedade multicultural e desigual encontrada em nosso país. O corte com relação às teorias tradicionais se dá em função da impossibilidade de essencialização das identidades, posto que tais identidades culturais são construções inacabadas, a serem construídas. 1 Algumas contribuições do currículo prescritivo A pesquisa em questão se iniciou com o estudo do que é o currículo, quais são as teorias que o cercam e como se dá a sua aplicação nas escolas. Ao analisarmos o conceito de currículo foi possível identificá-lo como instrumento de dominação cultural, ao legitimar como conteúdos a serem ensinados aqueles aceitos e determinados pelos grupos dominantes sócioculturalmente. Uma pesquisa desta natureza justifica-se por sua relevância teórica e prática. A primeira pela própria contribuição acadêmico-científica de abordagem de um objeto a partir das recentes contribuições da Teoria do Currículo; a segunda por contribuir efetivamente para apontar as falhas, deficiências, deformações, insuficiências teóricas de um “documento de identidade”, para utilizar a expressão-título de Tomaz Tadeu da Silva, de grande penetração na vida escolar dos (as) discentes de Pedagogia. Nesse ultimo aspecto, ela pode apontar os deslocamentos necessários, as modificações urgentes para a construção de um currículo pautado nos valores democráticos que se espera de uma sociedade mais igualitária. Ou seja, por um lado, procura contribuir para o avanço das pesquisas relacionadas ao currículo, por outro lado pretende modificar um Projeto Pedagógico em início de execução, lapidando-o, ao cortar suas arestas indesejáveis, ou apontando suas omissões e distorções. 239 Embora se saiba, atualmente, que as variadas propostas curriculares tenham se pautado na relação ensino- aprendizagem e não exclusivamente no ensino, e que existem diversas dimensões no estudo do currículo (formal, oculto, real, avaliado) (BITTENCOURT, 2004, p.104), não se tem dado o merecido valor ao currículo prescritivo. Como demonstrado por Ivor Goodson, o currículo deve ser concebido como construção social tanto em nível da prescrição, quanto em nível de processo e prática (GOODSON, 2011, p. 67). O autor observa que uma reação contra o currículo prescritivo levou, por um lado, à explosão de análises voltadas para a ação, a prática, a sala de aula; por outro, à uma recusa total de qualquer teoria, e uma consequente sobrevalorização da prática. Mas ambos os modelos incorriam no grande equívoco de enfatizar o que deveria ser e não o que realmente é. Em suas palavras: Precisamos de um entendimento sobre como as prescrições curriculares estão, na realidade, socialmente construídas para uso em escolas; estudos sobre o real desenvolvimento dos cursos de estudo, planos curriculares nacionais, roteiros das matérias, e assim por diante. Reafirmamos, portanto, que o problema não é o fato do enfoque sobre a prescrição, mas o tipo deste enfoque e sua singular natureza. O que se exige é uma abordagem combinada – um enfoque sobre a construção de currículos prescritivos e política combinada com uma análise das negociações e realização deste currículo prescritivo e voltado para a relação essencialmente dialética dos dois (GOODSON, 2011, p. 71-72). Fica evidente em sua análise a necessidade de se entender a construção de currículos nos níveis de prescrição e do processo prático. Sugere uma análise que julgue o currículo pré-ativo e interativo e a vida particular dos professores. Nesse ultimo aspecto não se deve limitar a análise à visão dos participantes num determinado momento presente. A abordagem histórica permite que entendamos os modos em que o pensamento e a ação se desenvolveram nas circunstâncias sociais do passado, afinal, o modo em que as pessoas fazem sua história particular “não se realiza em circunstâncias de sua própria escolha” (GOODSON, 2011, p. 75). Qualquer tentativa de reconceitualização do currículo exige um estudo histórico sobre a sua 240 construção social, pois quase nada se sabe “sobre como as matérias e temas fixados nas escolas se originam, e são elaborados, redefinidos e metamorfoseados” (GOODSON, 2011, p. 76). O estudo da forma e do conteúdo curricular numa situação histórica particular, desde que não visto como dado, pressuposto, tem o mérito de enxergar o currículo escolar como componente essencial de produção e reprodução social e cultural, na medida em que inventa tradições e é por elas inventado. Se, conforme análises de Hobsbawm e Ranger, a nação seria a mais significativa e persistente das tradições inventadas, o currículo escolar tem um importante papel de compactuar ou resistir às leituras da nação elaboradas pelas elites27. De maneira sintética, “o currículo escrito, sob qualquer forma (...) é um exemplo perfeito sobre invenção da tradição” (GOODSON, 2011, p. 78), que se elabora constantemente. Daí que uma “perspectiva construcionista”, no dizer de Goodson, deveria se preocupar com a construção social do currículo prescritivo, mas não deixando no limbo “o que é apreendido” e “o que acontece”. Enfim, é preciso analisar o currículo escolar “em nível de prescrição como em nível de interação” (GOODSON, 2011, p. 78). Nos limites de uma pesquisa de graduação só nos foi possível deter no primeiro aspecto. Ao voltarmos para as teorias que legitimaram o currículo desde suas abordagens iniciais, foi possível perceber que os estudos tradicionais do currículo centravam-se no ensino, na avaliação, na didática, objetivos, metodologia e planejamento, já que compreendiam o currículo como o meio de organização do sistema educacional, de forma a torná-lo eficiente, possibilitando o desenvolvimento cognitivo dos alunos no período escolar. As teorias críticas já modificaram essa visão que se tinha do currículo, passando a questionar os currículos que até então eram utilizados, criticando o mecanicismo dos mesmos e a presença única e majoritária da ideologia do grupo dominante. Neste sentido, os conceitos do arcabouço teórico marxista estarão aí presentes, com ênfase para os conceitos de lutas de classes, Cf. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das Tradições. RJ: Paz e Terra, 1984. Para uma critica quanto ao que sustentaria a identidade nacional para esses autores, Cf AZEVEDO, Cecília. Identidades compartilhadas: a identidade nacional em questão. In: ABREU, Marta; SOIHET, Rachel (ORGS). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. RJ: Casa da Palavra, 2003. 27 241 emancipação e libertação, resistência, classes sociais, relações sociais de produção etc. Já as teorias pós-críticas, utilizadas atualmente, focam sua análise do currículo a partir do pluralismo cultural presente nas sociedades globalizadas, sendo o currículo um instrumento para a representação igualitária das culturas, possibilitando que todos se vejam inseridos na realidade escolar. Os conceitos mais abordados pelos teóricos pós-críticos são: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, multiculturalismo, representação, cultura, dentre outros (SILVA, 2011, p. 17). Ao analisarmos o Projeto Pedagógico do IPTAN (Instituto Presidente Tancredo de Almeida Neves), identificamos que em sua fundamentação teórica não estavam presentes as teorias pós-críticas essenciais para a formação atual de professores (as). Não havendo na grade curricular do curso disciplinas que contemplem os conceitos pós-críticos, como também não apresentando aquelas voltadas para a valorização da pesquisa educacional como um meio de desenvolvimento do aluno produtor de conhecimento e aprendizagem. A ausência de tais conceitos em uma sociedade definida como plural, na qual estão inseridas pessoas diferentes, tendo cada uma, características próprias, pode causar uma formação deficiente do profissional da Educação, já que se faz necessário que ele seja formado de maneira a saber lidar com essas diferenças presentes na sociedade. Além disso, embora o Projeto defina-se como interdisciplinar, falta-lhe uma contribuição teórica mais estreita de conceitos presentes em áreas como da Antropologia, História, Sociologia e Linguística. Finalmente, notou-se uma ausência de disciplinas voltadas para a pesquisa educacional, imprescindíveis para a formação de um profissional produtor de conhecimento. Para que os professores tenham esse preparo é necessário que as universidades insiram nos currículos dos cursos de Pedagogia as teorias e conceitos que possibilitem aos estudantes compreenderem como as diferenças culturais devem ser trabalhadas no ambiente escolar, fazendo com que as escolas consigam lidar melhor com as diferenças culturais entre os alunos (as). Com a definição de quais eram as falhas do Projeto Pedagógico analisado passou-se então a sua reestruturação, dividindo os conceitos estudados pela grade curricular do curso, distribuindo-os de maneira a possibilitar com que o 242 (a) aluno (a), ao final do curso, conheça de maneira progressiva os principais conceitos que regem a teoria educacional atual. Na tentativa de conjugar as contribuições significativas das teorias críticas e, sobretudo, das pós-críticas, optou-se por dividir a grade curricular da seguinte maneira, conforme os períodos letivos: 1º período: Ideologia, Poder, Reprodução social e Resistência; 2º período: Experiência, Memória individual e Subjetividade; 3º período: Temporalidade, Consciência histórica e Memória histórica; 4º período: Reprodução cultural, Política cultural e Cultura Midiática; 5º período: Diferença, Alteridade e Identidade cultural; 6º período: Gênero, Raça, Etnia e Sexualidade; 7º período: Significação, Discurso e Narratividade; 8º período: Colonialismo, Multiculturalismo e Representação/Dominação cultural. 2 Conceitos Estruturantes 2.1 Ideologia, reprodução social e resistência (1º período). A ideologia é a apreensão da realidade em uma ideia. São várias as formas de se disseminá-las. Instituições oficiais dão subsídios aos que precisam e sobrevivem à custa da ideologização. As relações de poder em nossa sociedade não mais são aquelas em que o rei soberano ditava as regras e exercia seu poder diretamente sobre os súditos. Essa perspectiva muda quando começam a surgir as chamadas, por Foucault, instituições de disciplina, que agora não mais se encontram no âmbito externo ou se direcionam ao patrimônio dos súditos. A disciplina agora atinge a alma dos indivíduos, que agora passam também a ter um status de utilidade. Nas palavras de Foucault, “o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 2001). Uma das instituições mais eficazes e de maior abrangência é a escola. A educação se transforma numa forma contundente de reprodução ideológica e sagazmente bem direcionada, ela mantém todos no devido lugar. 243 Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados. Os mecanismos que reproduzem este resultado vital para o regime capitalista são naturalmente envolvidos e dissimulados por uma ideologia da Escola universalmente reinante, visto que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a Escola como um meio neutro (ALTHUSSER, 1970) Neste sentido a escola torna-se um mecanismo de moldar/produzir a mão de obra, o futuro trabalhador que já será educado/adestrado para a sociedade capitalista. Assim cria-se um circulo vicioso em que a ideologização através do processo educacional reproduz novamente essa ideologia. 2.2 Experiência, Memória individual e Subjetividade (2º período). Na prática da docência, o professor deve se utilizar das teorias aprendidas com seus estudos, mas também deve relacionar aquilo que viveu, suas experiências e memórias para a melhora do exercício da sua profissão. Ao incorporar suas experiências e memórias, o professor consegue se aproximar da realidade do aluno, fazendo com que ele se interesse mais pelo conteúdo administrado. O uso dessa subjetividade do professor na sala de aula faz com que ele se torne gerador de conhecimento e aprendizagem, e passe a produzir o seu próprio material de ensino, podendo adequar o que os alunos necessitam aprender ao que deve ser ensinado. Para Guattari e Rolnik: "a subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares" (GUATTARI e ROLNIK, 1986, p. 33). 2.3 Temporalidade, consciência e memória históricas (3º período). No conjunto dos escritos de um importante filósofo judeu e membro da Escola de Frankfurt – Walter Benjamim – destaca-se o ensaio “A obra de arte 244 na época de sua reprodutibilidade técnica”, em que mostra a perda da aura da obra de arte, com seu caráter único e inefável, com os processos de reprodução, multiplicação e reedição infinitas; alguns ensaios sobre Baudelaire; as famosas teses “Sobre o conceito de história”, seu último escrito, que critica a crença no progresso da Socialdemocracia alemã, seu principal alvo, e sua tese de ingresso na Universidade de Frankfurt – “Origem do drama barroco alemão” –, recusada por ser ininteligível. W. Benjamin era favorável à ideia de que o ofício do historiador tem como função primordial a elaboração da história dos vencidos de ontem e de hoje. Ou seja, não basta à história tomar como objeto de investigação os excluídos, desclassificados, marginalizados para dar-lhes voz, mas também procurar a libertação destes indivíduos no presente. Ainda que o passado esteja consumado e irreparável, é possível retomar suas exigências, suas respostas inacabadas, seu futuro que não vingara. A história não é o campo de estudo do que se passou, mas das tentativas frustradas, dos projetos inacabados, dos sonhos impedidos. É exatamente por isso que a filosofia da história benjaminiana comporta aquilo que Marcel Proust chama de “ressurreições da memória”. Todavia, para o poeta francês é a reminiscência da lembrança individual, a experiência de um sabor, um odor, ou a visão presente que se remete às profundezas da memória de uma infância, de um momento que se foi no tempo, que a “quase tudo” corrói. Em Benjamin, ao contrário, existe uma preocupação com a memória coletiva a ser produzida pelo estudioso do passado. Cabe a ele a tentativa, muitas vezes em vão, de reencontrar esta memória perdida pela história dominante. São fragmentos, “cacos da história” que o presente deve procurar, impedindo que fiquem imersos no esquecimento. Se todo documento da cultura é também um documento da barbárie, ao historiador cabe “reter firmemente uma imagem do passado, como ela inadvertidamente se coloca para o sujeito histórico no momento do perigo. O perigo ameaça tanto o conteúdo dado da tradição, quanto aqueles que a recebem” (GAGNEBIN, 1993, p. 63). Do contrário, os erros do passado serão repostos em maior grau no presente. O conceito de experiência em Benjamin toma de empréstimo o modelo de narração de Marcel Proust. Segundo ele, “a verdadeira narração toma sua fonte de uma experiência no sentido pleno do termo (erfahrung), 245 progressivamente abolida pelo capitalismo” (GAGNEBIN, 1993, p. 58). Diferentemente da história pessoal (erlebnis), a experiência está ligada a uma tradição coletiva, típica das sociedades pré-capitalistas, cuja organização “reforça a vinculação consciente a um passado comum, permanentemente vivo nos relatos dos narradores” (GAGNEBIN, 1993, p. 58/59). E neste aspecto, a filosofia benjaminiana é melancólica com relação a esta perda da memória coletiva operada pela divisão social do trabalho da sociedade capitalista. Segundo ele, talvez seja esta a maior destruição deste sistema econômicosocial: a rápida destruição da memória comum que se transmite oralmente de geração em geração, bem como ao seu oposto, o culto do sempre novo, típico das notícias jornalísticas. 2.4 Reprodução cultural, Política cultural e Cultura midiática (4º período) A sociedade se caracteriza pelas várias culturas que a integram, devendo haver espaço para que todas essas culturas sejam representadas e valoradas no meio social. Mas essa valorização das culturas diferentes e a sua reprodução não é o que acontece. O ambiente escolar parece entender que a cultura a ser reproduzida é a cultura pertencente ao grupo dominante. Essa reprodução da cultura dominante é defendida pelo Estado que tem mecanismos para efetivá-la, utilizando-se das escolas para que ela seja disseminada para o maior número de pessoas. É estabelecida como cultura dominante aquela que vem dos grupos que detém o poder econômico, fazendo que essa soberania rebaixe as outras culturas existentes como não importantes, classificando-as como subculturas. Com efeito, essa reprodução cultural tem como intuito a consolidação da cultura dominante como única, não se levando em consideração nada do que é produzido pelos demais grupos sociais, o que aumenta a diferença entre as classes sociais. Como a cultura que é reproduzida nas escolas é a da classe alta, os alunos que veem reproduzidos na escola a realidade que vivem com sua família, percebem continuidade entre o que a família ensina e o que a escola ensina. Já os alunos vindos da classe baixa deparam-se pela primeira vez com aquela realidade, não havendo nenhuma adequação do que eles conhecem com o que está sendo apresentado. Isso faz com que os alunos abastados mantenham-se na escola e consigam a formação acadêmica, 246 mantendo-se seu nível social ou até melhorando-o. Enquanto os alunos menos abastados que não se encaixam nessa realidade, muitas vezes abandonam os estudos e continuam condenados a viver na mesma ou pior situação econômica. Para Bourdieu e Passeron diante dos problemas causados pela reprodução cultural nas escolas, a melhor solução seria a adequação de uma proposta pedagógica, na qual pedagogia e currículo reproduzissem, nas escolas, para as crianças de classe dominadas, as condições de aprendizagem que as crianças dominantes já possuem fora do ambiente escolar. A saída é não relegar a cultura delas como uma não cultura, que não tem valor, mas introduzindo na realidade escolar elementos presentes nessas culturas excluídas, desenvolvendo o interesse dos alunos, ao notarem a sua cultura representada no espaço escolar. [...] no funcionamento de uma instituição escolar que, sem dúvida, nunca exerceu um papel tão importante e para uma parcela tão importante da sociedade como hoje, essa contradição tem a ver com uma ordem social que tende cada vez mais a dar tudo a todo mundo, especialmente em matéria de consumo de bens materiais ou simbólicos, ou mesmo políticas, mas sob as espécies fictícias da aparência do simulacro ou da imitação, como se fosse esse o único meio de reserva para uns a posse real e legítima desses bens exclusivos (BOURDIEU, 1998, p.225). Essa reprodução cultural causa marcas dentro da sociedade, como já demonstrado, sendo que, apesar de ser um dos responsáveis pela desigualdade, é dever do Estado criar recursos para evitar que essa desigualdade aumente e cause resultados piores. Um dos meios para se diminuir essa diferença é a adoção de uma política cultural, descrita no verbete do Dicionário crítico de política cultural como: “Uma ciência da organização das estruturas culturais”, que deve ser entendida como programa de intervenções realizados pelo Estado, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política cultural apresenta-se assim como o conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, distribuição e o uso da cultura, a preservação 247 e a divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável (COELHO, 1997, p. 293). A política cultural tem muitos motivos para ser promovida. O primeiro é que a cultura pode ser vista como um forte “cimento social”, um meio de manutenção de uma ordem social e política, que serve para legitimar o Estado como a entidade que tem como fim o cuidado com todos. A segunda motivação é a da chamada difusão cultural, na qual a política cultural é o meio de transmissão de um núcleo cultural positivo que deve estar em contato com o maior número de pessoas possível, objetivando-se levar “cultura ao povo”. Já a terceira motivação para a implementação da política cultural é que pode ser o meio de resposta às demandas sociais, na medida em que os autores dessa política não criam nada por sua iniciativa, mas sim como resposta as reivindicações que lhe são apresentados. Com isso se entende política cultural como o meio do Estado ou dos agentes próximos a ele produzirem uma “circulação” de culturas, respondendo aos anseios populares e legitimando a posição do Estado dentro de uma sociedade. A política cultural deve ser encarada como um modo de preservação da tradição cultural, bem como um meio de reprodução de novos valores culturais. Como já demonstrado, a cultura possui diferentes modos de ser produzida e reproduzida, e um dos meios atualmente mais usados de reprodução e produção cultural são as mídias. Considerando-se como mídia todos os meios de comunicação de massa, tem-se um amplo leque de mecanismos para circulação de informações e opiniões. A mídia deve ser encarada como uma reprodutora cultural, já que são produtoras de cultura, pois transmitem mensagens, influenciam no comportamento, no modo de agir, pensar e sentir das pessoas. As culturas midiáticas também representam poder. A opinião que temos em relação a algum fato que está na mídia relaciona-se às nossas condições sociais e econômicas. Diante de tanta influência da cultura midiática na sociedade, é necessário que ela seja inserida na escola, possibilitando assim uma melhor instrução do que ela produz e qual a melhor maneira de utilizá-la. A cultura 248 midiática deve ser utilizada como um mecanismo que vai auxiliar a escola na formação dos alunos, promovendo uma interação entre diferentes culturas, e não só como geradora de uma nova cultura que aumente ainda mais as diferenças socioculturais. 2.5 Diferença, alteridade e identidade cultural (5º período). A identidade é construída a partir do reconhecimento da diferença que é a base da diversidade social. Essa identidade se molda através do contato com o outro, num processo dinâmico e dialético. É a alteridade que possibilita este encontro com o mundo, sem que ocorra a perda da subjetividade, reafirmando o “diferente” perante a própria subjetividade. Antes é preciso perder o temor ao outro, ao diferente e deslocar essa oposição, pois diante de uma infinita gama de possibilidades trazidas pela diversidade cultural, a compreensão dos processos de uma sociedade integrada torna-se uma estratégia de sobrevivência da própria diferença e consequentemente da identidade cultural. Como preleciona Stuart Hall: À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente(HALL, 2002, p. 13). O resgate ético com a alteridade leva ao encontro do outro, daquele ou daquilo que é diferente. É preciso reconhecer a diferença entre os povos, os seus costumes, suas histórias. Existe sim a diferença e ela não deve ser tratada como uma doença e sim como algo intrínseco, subjetivo, parte orgânica de seus membros. E parece ser essa diferença cultural das classes (gênero, raça, religião, e tantas outras formas que se denominam os grupos) a sua maior arma contra as injustiças sociais. A diferença é o caminho para a busca da igualdade social. A sociedade é multicultural. São expressões culturais e valores micro que constituem a macrocultura de uma sociedade. Esses variados grupos não se excluem e o multiculturalismo surge como um projeto capaz de lidar com essa sociedade multifacetada. Um processo permanente de construção e reconstrução em que é proposto ir além da valorização cultural, questionando a 249 própria construção das diferenças, dos estereótipos e preconceitos. O multiculturalismo canaliza essa relação na construção de uma sociedade livre, democrática e capaz de alcançar a tão sonhada justiça social. O papel da escola é mediar este processo de identificação através do conhecimento da cultura do outro, sem, no entanto opô-la, denegá-la. Compreendendo a diferença para alcançar o aprofundamento da alteridade, não se trata de apenas aprender sobre outras formas de expressões culturais e sim de compreender os contextos múltiplos de seu surgimento, suas raízes. O encontro da alteridade é uma experiência que nos coloca em teste: dele nasce a tentação de reduzir a diferença à força, podendo também gerar o desafio da comunicação como um empenho constantemente renovado (MELLUCCI, 1996, p. ?). Diferença, alteridade e identidade cultural precisam ser constantemente atreladas ao processo de aprendizagem, de uma forma que irá transformar paradigmas, desconstruir ideias preconcebidas, fornecendo um aporte estrutural no desenvolvimento de novos olhares sobre o outro e sua cultura, deixando para trás velhos estigmas sobre a simples “tolerância” ao diferente. A partir desse novo olhar será possível a construção de uma sociedade mais justa e com identidades culturais autônomas, capazes de agregação e fortes o suficiente para por fim à segregação cultural destes tempos de mundo globalizado e hierarquizado. É preciso inserir no projeto pedagógico as noções de identidades multiculturais de forma crítica, assim incorporando-as nos discursos curriculares e nas práticas discursivas, deixando para trás práticas de uniformização das identidades. A prática pedagógica precisa reconhecer a diversidade cultural, rompendo preconceitos através de um currículo baseado no multiculturalismo, em que há a valorização da diversidade cultural e que trate esta diversidade como algo em constante movimento. Este currículo em ação, através dos estudos multiculturais e de forma crítica, valoriza as diversas formas de expressões culturais trazidas pelas demandas dos alunos, porém visa não só esta alteridade com o diferente, procurando também questionar a própria construção cultural. Possibilita que os 250 próprios alunos analisem suas identidades e critiquem os valores préestabelecidos e com isso possam contrapor estes valores com a sua realidade. Ao se propor um currículo baseado no multiculturalismo de forma crítica, proporciona aos alunos que eles busquem informações, tomem consciência de todos os mecanismos que permeiam a criação das identidades culturais. Esse processo dialético é fundamental na busca de grandes mudanças sociais, através do quais professores, alunos e todos envolvidos no processo educacional, poderão superar as desigualdades. A postura crítica trás em seu bojo o condão de transformar a realidade, superar as desigualdades, dando aos agentes envolvidos um olhar sempre crítico. 2.6 Gênero, raça, etnia e sexualidade (6º Período). Segundo o Dicionário Mobile de Língua Portuguesa a palavra Sociedade é caracterizada como um conjunto de pessoas que mantêm relações sociais, e tais relações são construídas a partir da convivência entre as pessoas. Como as pessoas são diferentes, a sociedade também é cercada pela diferença. Essas diferenças se concentram no gênero, etnia, raça e sexualidade, necessitando-se de um discurso social em que as diferenças devam ser respeitadas e todos devam ser tratados de maneira igual, tanto por parte dos indivíduos quanto por parte do Estado. Mas essa não é a realidade que se pode observar. Ainda hoje a sociedade valoriza algumas características sobre outras, como a valorização da “raça” branca, do homem e do heterossexual, rebaixando-se muitas vezes aqueles que não se encaixam nesse padrão dominante. O conceito de gênero foi criado como uma tentativa das estudiosas feministas de diminuir essas diferenças impostas entre homens e mulheres, posto que elas intentaram contrapor a ideia de essencial, recusando as explicações pautadas no determinismo biológico, que explicavam o comportamento de homens e mulheres. Assim, o conceito de gênero estabelece que sejam analisadas questões sócio-culturais e não só biológicas, analisando-se a cultura na qual estão inseridos homens e mulheres. Quanto a raça, apesar de a ciência já ter se manifestado no sentido de que não existe geneticamente nenhuma diferença que possibilite a divisão dos seres-humanos em raça, ainda se tem uma construção social baseada na 251 superioridade da “raça branca”. O conceito de raça se funda em determinadas características físicas como cor da pele e tipo de cabelo que interferem no lugar social dos indivíduos dentro da sociedade. Enquanto a raça se concentra nas características físicas que distinguem as pessoas, a etnia se ampara na ideia de que as diferenças culturais também são responsáveis pela divisão dos grupos sociais. Algumas pessoas podem possuir os mesmos traços biológicos (cor, tipo de cabelo), embora sejam diferentes social e culturalmente, e pertencentes, portanto, a diferentes etnias. [...] podemos compreender que raça é, na realidade um misto de construções sociais, políticas e culturais nas relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Não significa, de forma alguma, um dado da natureza. É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças (GOMES, 2005, p. 49). Quanto à sexualidade, trata-se do conceito mais problemático e polêmico. A sociedade em sua maioria se declara heterossexual, aceitando-se somente os casais formados por homens e mulheres e entendendo como família aquilo que provém desse relacionamento. Se dentro da sociedade existem aqueles que não se encaixam nessa descrição, sendo “diferentes”, declarando-se homossexuais, como a escola pode manipular tais diferenças? Basta apenas lutar pelo direito ao respeito e diversidade? É preciso atentar para o fato de que o preconceito com o diferente está enraizado em todos os níveis da sociedade, inclusive na escola, na medida em que o currículo escolar sub-representa as mulheres, negros, indígenas e homossexuais. Em termos de representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente, as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas, um texto racial. A questão da raça e da etnia, não é simplesmente um “tema transversal”: ela é uma questão central de conhecimento, poder e identidade. O conhecimento sobre raça e currículo não pode ser separado daquilo que as crianças e jovens se tornarão como seres sociais (SILVA, 2011, p. 102). Para que haja uma mudança desse pensamento tão presente na sociedade é preciso uma mudança dentro do currículo escolar, no qual essas 252 diferenças sejam tratadas de maneira correta, em que todos sejam representados da mesma maneira, havendo espaço para a discussão dessas diferenças, e as razões histórico-sociais de domínio de determinados grupos sobre outros. 2.7 Significação, discurso e narratividade (7º período). O discurso é uma forma de nomear a realidade, expressam diferentes significados que são produzidos no seio da sociedade. A sua produção está imbricada nas relações de poder. São produtos de disputa política e o que é disseminado como discurso oficial é o resultado dessas forças antagônicas da luta de classes. Criticar o discurso dominante é conseguir desnaturalizá-lo para enxergar o que está por trás de sua construção. Ressignificá-lo através da narratividade, pois sem esse processo não há como existir o desenvolvimento da cultura. O discurso se insere no centro da formação das identidades culturais que formam os valores da sociedade para o qual são direcionados, e é através desses discursos que a cultura é transmitida. Essa vontade de verdade (...) apóia-se sobre um suporte institucional; é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da educação, das bibliotecas, como as sociedades de sábios de outrora, os laboratórios hoje. Mas ele é também reconduzido, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído (FOUCAULT, 1996). 2.8 Colonialismo, multiculturalismo e representação/dominação cultural (8º Período). O colonialismo designa o apogeu do expansionismo europeu, na segunda metade do século XIX, com a dominação de territórios da África e Ásia pela Grã-Bretanha, França e Alemanha. O conceito de colonialismo se difere do conceito de colonização, posto que no último se tem a exploração político-social de um território, enquanto que no primeiro se tem uma dominação política, hegemonia cultural e exploração de povos e terra conquistadas. 253 A hegemonia cultural é quesito essencial para haver o colonialismo, sendo que é através dela que o país conquistador vai se impor de maneira mais profunda no território “tomado”. Os mecanismos que possibilitam essa hegemonia é a imposição da cultura dominante sobre a cultura dominada, como a implementação da língua do dominador como língua oficial, que passa a ser ensinada nas escolas e não mais a língua nativa. Os europeus também se utilizavam do discurso de que a sua cultura é a que deveria ser imposta por ela ser mais desenvolvida e superior às culturas locais dominantes. Com o colonialismo muito da cultura local foi perdido, posto que as gerações que nasceram durante o período de dominação tiveram mais contato com a cultura “estrangeira” do que com a sua própria cultura, perdendo-se muito da tradição oral dessas culturas. Quando esses territórios conquistaram a sua independência no século XX, muitos teóricos passaram a analisar como se daria essa transição dentro da cultura desse “novo” país, uma vez que havia a preocupação de como a influência cultural da antiga metrópole influenciaria na produção cultura que começava a ser produzida. Esse estudo da influência da cultura europeia na produção cultural do país agora independente é feito pelo Pós-colonialismo, movimento que tem como um dos precursores Homi Bhabha (O local da cultura) e Edward Said (Cultura e imperialismo). Uma das questões abordadas no interior do póscolonialismo é o uso da língua do colonizador nas produções literárias, ao invés de se utilizar a língua local. O reconhecimento que a tradição outorga é uma forma parcial de identificação. Ao reencenar o passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis na invenção da tradição. Esse processo afasta qualquer acesso imediato a uma identidade original ou a uma tradição ‘recebida’. Os embates de fronteira acerca da diferença cultural têm tanta possibilidade de serem consensuais quanto conflituosos; podem confundir nossas definições de tradição e modernidade, realinhar as fronteiras habituais entre o público e o privado, o alto e o baixo, assim como desafiar as expectativas normativas de desenvolvimento e progresso (BHABHA,1998, p. 21). 254 Outra corrente que tem por intuito diminuir a influência e opressão que uma cultura tem sobre outra é o Multiculturalismo, iniciado nos Estados Unidos, no qual um grupo de afroamericanos reivindicou que as faculdades passassem a oferecer disciplinas em que eles pudessem estudar sua própria história e cultura. Tal movimento foi bem sucedido, sendo implementado gradualmente nas universidades pelos chamados Black Studies. O conceito de multiculturalismo foi sendo aperfeiçoado com o passar do tempo, sendo que hoje o objetivo multiculturalista é a defesa da igualdade das culturas. Não se defende uma homogeneidade de todas as culturas, mas que todas tenham os mesmos direitos de serem protegidas, praticadas e ensinadas. O multiculturalismo mostra que o gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça, etnia e sexualidade, por exemplo que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe. Além disso, o multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade não pode ser obtida simplesmente da igualdade de acesso ao currículo hegemônico existente, como nas reivindicações educacionais progressistas anteriores. A obtenção da igualdade depende de uma modificação substancial do currículo existente (SILVA, 2011, p. 90). Uma parte da teoria multicultural se destina às escolas, na tentativa de se programar um currículo multicultural, no qual todas as culturas tenham o mesmo espaço, e não haja a supremacia de uma sobre a outra, através do reconhecimento e da representação da diversidade cultural. Ao se analisar os movimentos que buscam legitimar a independência cultural, é necessário também entender o que possibilitou que houvesse esse predomínio de uma cultura sobre a outra. Essa legitimação se deu através, principalmente, de um discurso que representa uma ideologia, e essa representação transforma em verdade aquilo que se quer passar através dela. Ela tem o poder de “mudar” a realidade do cidadão, posto que ela é capaz de produzir imagens, conceitos e ideias. Essas análises culturais só se tornaram possíveis com a criação do chamado Estudos Culturais, que foi desenvolvido nos Estados Unidos no final da década de 1950 e início da década de 1960 pelos pesquisadores Hoggart, 255 Williams e Thompson, que começaram a observar as práticas culturais, assim como as mudanças e relações sociais. Atualmente os Estudos Culturais se concentram no estudo da formação das identidades sociais, analisando a linguagem e o poder, na tentativa de desvendar como a linguagem é usada como meio de moldar os interesses sociais. Para tanto o objeto de análise dos Estudos Culturais são as mídias, escritas e faladas, como rádio, televisão, literatura etc. 3 Em busca de um novo currículo A análise do currículo prescritivo do curso de Pedagogia do IPTAN, à luz dos postulados teóricos discutidos ao longo da realização do presente trabalho, demonstra que o mesmo possui algumas insuficiências teóricas e práticas em relação aos Estudos Culturais. Tal deficiência acaba por impedir que o curso atenda às exigências culturais trazidas pelas especificidades da realidade a qual os discentes estão inseridos, limitando sua formação como educadores. Nos primeiros anos escolares é que o iniciante na arte de aprender toma contato com um dos mecanismos mais eficazes de controle e disciplina social: a escola. Na sociedade atual esse direcionamento fica claro ao analisarmos os currículos prescritivos existentes. Há uma tendência à padronização de sua produção e este será imposto em sentido vertical, de cima para baixo. Quando se ensina a língua da classe dominante, o que se aprende não é apenas a linguagem e sim o modo de pensar dos criadores dessa linguagem. Tomaz Tadeus da Silva pondera que O currículo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, sequencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é disciplinar e segmentado. O currículo existente está baseado numa separação entre "alta" cultura e "baixa" cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano (SILVA, 1999, p. 115). Essa "educação" não se dá de forma amena, mas com punições, opressões, supressão da liberdade de pensar. A escola molda e conserta, pune e cerceia, sempre de acordo com as normas consideradas "corretas", ditadas pela classe dominante, enfim, ela impõe sua "cultura padrão". 256 A desigualdade, presente no espaço escolar, esconde o arsenal cultural dos alunos oriundos das classes dominadas. Estes alunos trazem consigo para a sala de aula uma diversidade cultural que é rechaçada logo de início. Tratados com o estigma de que sua cultura, seus valores e crenças são inferiores, têm seus conhecimentos, seus símbolos e seu acervo cultural relegado ao seu estrito convívio social, não tendo reconhecimento de suas expressões culturais. Na concepção de Bourdieu: Globalização é uma palavra que, funcional como uma senha e uma palavra de ordem, é, com efeito, a máscara justificadora de uma política que visa universalizar os interesses e a tradição particular das potências econômica e politicamente dominantes, sobretudo os Estados Unidos, e estender ao conjunto do mundo o modelo econômico e cultural mais favorável a essas potências apresentando-o ao mesmo tempo como norma, um tem-que-ser e um fatalismo, destino universal, de modo a obter a adesão ou, pelo menos, resignação universais (BOURDIEU, 2001, p. 90). Uma homogeneização assola o mundo globalizado, manifestações culturais deram lugar à cultura de massa, pasteurizada. Este se tornou o jogo de ideologização eficaz e barato que deixou marcas cruéis no mundo. Isso levou ao colapso de milhares de culturas minoritárias, massacre das sociedades dominadas, silenciando de vez quem já não tinha espaço no mundo dominado pelos ideais da elite. Em contrapartida a essa cultura uniformizada, surgem os estudos multiculturais numa tentativa de buscar uma educação que sensibilize e valorize a multiplicidade de universos culturais. O multiculturalismo traz de volta os valores a serem agregados, pois eles são as microculturas que constituem a macro cultura. Porém o multiculturalismo trás um problema em seu gene. Ao preconizar um currículo multicultural há um grande risco de uma disseminação da ideia de conveniência harmoniosa entre as várias formas de expressões culturais. Parece permanecer a velha ideia do parâmetro da cultura dominante. É como se eles dissessem: “vamos respeitar as várias culturas”, explicitando a 257 ideia de tolerância e de que “os brancos” são, além de melhores, bondosos por permitirem que se tenha essa abertura para os demais. No fundo as relações de poder permanecem e a cultura dominante se cristaliza cada vez mais. Desse modo, o multiculturalismo acaba por revelar as nuances que perpassam a questão da desigualdade. O que se percebe sobre o tratamento dado ao diferente é que, aquilo que é “diferente”, “outra cultura” na realidade é visto como algo exótico, tratado como folclórico, levando a uma naturalização dessa ideia do diferente, havendo consequentemente a reprodução da cultura dominante, que apenas cede espaço para essa diferença e continua tratando-a como simples expressão cultural da minoria. Ranço dos ideais iluministas, o currículo moderno tentou criar um homem autônomo e racional, trazendo uma homogeneização e “standartização”. A ordem e o progresso serviram aos desmandos do enfileiramento de pessoas, otimizando os recursos para a grande engrenagem de um sistema cruel que, sob o jugo da razão e da ciência, produziram sofrimento. Os currículos silenciam sobre os mais variados aspectos da vida dos seus alunos. O máximo que se fala da diversidade cultural presentes na realidade fática dos alunos e até dos professores é um dia de luta para cada cultura negada. Dão-lhes o "dia do Índio", da "consciência negra", por exemplo, para que, esporadicamente se lembre dessas culturas relegadas em um dia no calendário. Do silenciamento e afastamento dessas culturas, resta-lhes o papel de “souveniers”, carregados de estereótipos em que o diferente se torna “exótico”, deformado e que só serve para reforçar ainda mais as diferenças, sem, no entanto lidar de forma construtiva com a multiplicidade de culturas. Outra consequência desse distanciamento é a análise superficial e psicologizada, sem levar em conta as condições políticas, econômicas, culturais e religiosas que oprimem as variadas formas de cultura que não são as eleitas pela classe dominante. A partir destas novas críticas, o próprio processo educacional vem sofrendo mudanças estruturais, passando por uma reforma sem precedentes nas últimas décadas do século XX. Todo currículo deveria formar cidadãos ativos, críticos e conscientes de seus papéis na evolução da sociedade 258 democrática. No entanto, há uma arraigada mentalidade, herança de uma hegemonia preocupada com a formação de mão de obra robotizada, preparada para o modo de produção capitalista. Nesse sentido, falta aos currículos mecanismos que propiciem aos alunos e ao próprio professor uma chance de reflexão sobre a realidade. O que se faz urgente é uma pedagogia consciente, criativa, que liberte os professores das amarras dos ideais estabelecidos pela cultura dominante e cruel, que prescrevem currículos para a pasteurização das massas, que devem apenas repetir o que lhes é ensinado. É necessário que os alunos saibam e aprendam a assimilar as diferentes concepções de mundo e consigam compreender os problemas sociais sem desvinculá-los de sua realidade. Perceber a prática pedagógica como uma prática que se constrói discursivamente, voltada para o desafio da construção das diferenças, parece ser o caminho central para a concepção formativa de professores multiculturalmente comprometidos. Em tempos de choques culturais e intolerância crescente quanto àqueles percebidos como "diferentes", a educação e a formação de professores não podem mais se omitir quanto à questão multicultural. Narrar nossas experiências, dialogar com movimentos sociais e com práticas efetivadas nessa linha, bem como incrementar nossas pesquisas sobre pedagogias multiculturalmente comprometidas são, sem dúvida, alguns caminhos promissores para a concretização do ideal multicultural no currículo em ação. É preciso uma pedagogia que desvele as ideologias, que diga a verdade, que forneça as ferramentas necessárias para que o próprio aluno reconheça os mecanismos de dominação e consiga desvencilhar-se das amarras da alienação mental a que estão sujeitos em função dos currículos conservadores e elitistas. Para fazer parte da evolução democrática em busca da igualdade, dos direitos e garantias fundamentais é preciso saber refletir sobre os mecanismos que geram as desigualdades, injustiças e distanciamento cultural. Outra falha percebida da análise do currículo em questão é a falta de pesquisas científicas voltadas à melhorias de seus pressupostos teóricos. 259 Considerações Finais Atualmente, vivemos em uma sociedade definida como plural, na qual estão inseridas pessoas diferentes, as quais possuem características próprias, que devem ser respeitadas para que as relações sociais possam acontecer da melhor forma possível. Os Estudos Culturais através do multiculturalismo estipulam que todas as culturas presentes na sociedade devem ser respeitadas e representadas. Sendo a escola uma das principais reprodutoras culturais, faz-se necessário que os profissionais da Educação sejam formados de maneira a lidarem com essas diferenças presentes na sociedade. Para que os professores tenham esse preparo é necessário que as universidades tenham, nos currículos dos cursos de Pedagogia, conceitos e teorias que possibilitem aos estudantes entenderem que as diferenças culturais devem ser trabalhadas no ambiente escolar. Lidando com as diferenças culturais, a escola pode formar cidadãos críticos e alunos capazes de compreenderem seu lugar na sociedade, de modo a transformá-la. Referências ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970. APPLE, Michael. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. AZEVEDO, Cecília. Identidades compartilhadas: a identidade nacional em questão. In: ABREU, Marta; SOIHET, Rachel (Orgs.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. RJ: Casa da Palavra, 2003. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. BERNSTEIN, Brasil. A Estruturação do Discurso Pedagógico. Petrópolis: Vozes, 1996. BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Trad. Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2001. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: os cacos da história. 2ª ed. Trad. Sônia Salzstein. São Paulo: Brasiliense, 1993. GIROUX, Henry A. Praticando Estudos Culturais nas faculdades de educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.) Alienígenas na sala de aula. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 260 GOODSON, Ivor. Currículo: teoria e história. 11ª ed. Trad. Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 2011 (Ciências Sociais da Educação). GRIGNON, Claude. Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.) Alienígenas na sala de aula. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. HALL, Stuart. Identidade Cultural. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina / Parlamento Latino Americano, 1997. __________. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva; Guaracira Lopes Louro. 7ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PRESIDENTE TANCREDO DE ALMEIDA NEVES. Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia. São João DelRei, 2011. MELUCCI, Alberto. The Playing self. Person and Meaning in the Planetary Society. Cambridge, Cambridge University Press, 1996 in: BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. MOREIRA, A.F.B. A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões. Revista Brasileira de Educação, n. 18, set/dez 2001. MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 12ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regulação social e poder. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. ROCHA, Ubiratan. História, currículo e cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2002. SACRISTÁN, Jimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 261 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: ASPECTOS POLÊMICOS Lídia Guimarães Vianini – IPTAN Especialista em Direito e Processo Previdenciário – Universidade Leonardo Da Vinci Doutoranda em Direito Previdenciário - UNMDP – Universidad Nacional Mar del Plata Fone: (032)9916-7600 Email: [email protected] Raquel Maria Vieira Braga – IPTAN Especialista em Direito Tributário Fone (031)8812-3012 E-mail: [email protected] Resumo: O presente artigo visa dissertar acerca de questões polêmicas que abrangem o instituto de Direito Previdenciário, denominado “benefício da prestação continuada”. O benefício da prestação continuada-BPC consiste numa vantagem assistencial, no valor de um salário mínimo, garantida ao idoso e ao deficiente físico, benefício este amparado na Constituição Federal, em seu art. 203, inciso V, e, regulamentado pela Lei 8.742/93, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS. Serão discutidos pontos controvertidos que envolvem referido benefício, quais sejam: análise do requisito de renda per capita para sua concessão, direito de o estrangeiro receber o BPC e a legitimidade passiva nas ações que versam sobre sua concessão. Para isso, indispensável analisar os princípios que regem a assistência social, sempre sob o prisma do princípio da dignidade humana, expressamente previsto na Constituição Federal, o qual representa o núcleo essencial e norteador dos direitos fundamentais. Palavras-chave: Benefício de Prestação Continuada – Requisitos – Lei Orgânica da Assistência Social – Questões polêmicas – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Introdução O Direito de Seguridade Social, antes conhecido como direito previdenciário, abrange três vertentes, quais sejam: a assistência social, saúde e a propriamente a previdência. As duas primeiras constituem ações devidas pelo Poder Público, as quais não são vinculadas a nenhuma contribuição por parte do usuário, pois se tratam prestações obrigatórias do Estado para com a sociedade. Já a última, a previdência social, tem condão de assegurar um benefício às pessoas que passam sua vida útil contribuindo com parte de seu ganho capital a fim de, mais tarde, desfrutar de uma aposentadoria. 262 Como dito, a assistência social, tema em que se insere o objeto do presente estudo, é concedida a quem dela necessitar, independente de qualquer contribuição direta do beneficiário, conforme previsão do Art. 203, da Constituição Federal de 1988. Logo, podemos concluir que o requisito imprescindível à concessão de um benefício assistencial é a necessidade do indivíduo. A Lei 8.742/93, conhecida LOAS, Lei Orgânica de Assistência Social, surgiu com intuito de regulamentar a previsão assistencial do artigo constitucional supracitado. A finalidade principal é a proteção da pessoa desamparada que não teve condições de se tornar um segurado e contribuir com o sistema da seguridade social, visando, assim, preencher o espaço deixado pela previdência que, atualmente, não é capaz de abarcar toda a sociedade. Não é competência da previdência social prover com o sustento das pessoas carentes. Por isso, a assistência social é tratada como atividade complementar ao seguro social, sendo, atualmente, administrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), meramente por uma questão de economia e praticidade. A prestação pecuniária assistencial, conhecida tradicionalmente como Benefício de Prestação Continuada (BPC), foi instituída pela supracitada Lei nº. 8.742/93, e, apesar do nome, não representa propriamente um “benefício”, pois, para sua concessão não carecem contribuições dos particulares, apesar de carecer de prévio custeio, o qual, como veremos, é provido pela União. O legislador, ao criar o BPC, obviamente teve a intenção de proteger as pessoas menos favorecidas, aquelas que constantemente são deixadas à margem da sociedade e que não possuem condições de auferir renda para uma vida digna, dentro dos padrões da normalidade. Para que uma pessoa efetive seu direito ao recebimento de um salário mínimo, a título de benefício de prestação continuada, deve provar o preenchimento dos requisitos previstos na LOAS. O art. 20 da Lei n° 8.742/93 prevê os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial, quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa e não possuir meios de prover com sua própria subsistência ou tê-la provida pela família. 263 Da análise dos requisitos acima mencionados surgem questões polêmicas e, no presente artigo será dada especial atenção a algumas dessas questões. Não se pode olvidar que, como toda e qualquer legislação, a LOAS também deixa lacunas, o que dá margem a interpretações ambíguas ao ditar as regras de concessão desse benefício. Todos esses entraves legais, muitas das vezes impostos com fincas a restringir a concessão do amparo assistencial, para o Estado pode significar apenas uma mera negativa administrativa; porém, para o indivíduo revela a diferença entre a vida digna e a condição de miséria. 1 Assistência Social e conceito de Benefício de Prestação Continuada (BPC) Como visto, a Constituição Federal de 1988 trata especificamente da Assistência Social em seu título VIII, capítulo II, seção IV, no art. 203. Além da Carta Magna, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 8.212/91 também a disciplina em seu art. 4°. Por fim, o art. 3° do Decreto n° 3048/99, ainda, faz menção à Assistência Social. São objetivos da Assistência Social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração na vida comunitária, além da garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei nº 8.742/93, portanto, regulamenta a Assistência Social como serviço público, tendo por finalidade garantir os direitos mínimos do cidadão. Para tanto, institui benefícios básicos, sendo um deles o Benefício da Prestação Continuada (BPC), objeto do presente estudo. Nesse sentido, o doutrinador Martins (2009, p. 478) disserta que: A Assistência Social é, portanto, um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a 264 estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado. Sendo assim, constata-se que a Assistência Social tem como principal função garantir a proteção dos hipossuficientes, aqueles indivíduos que, por si só, não têm condições de prover com suas próprias necessidades e, por essa razão, deixam de ter efetivados direitos fundamentais que o texto constitucional expressamente prevê. A Lei 8.742/93 determina que a assistência social deva ser organizada em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e pela sociedade civil, o que foi confirmado pela IV Conferência Nacional de Assistência Social com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O conceito de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social é simples. Trata-se de um auxílio, assegurado pela Constituição Federal de 1988, o qual garante a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65(sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, cuja incapacidade pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas,que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O BPC representa, portanto, um benefício individual, não vitalício e de caráter intransferível, que integra a proteção social básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Apresenta-se um direito de cidadania assegurado pela proteção social não contributiva da Seguridade Social. Cumpre ratificar que para ter direito ao BPC não é necessário que o beneficiário já tenha contribuído para a Previdência Social. As pessoas que possuem legitimidade de receber o BPC estão discriminadas no art. 203, inciso V, da Constituição da República. Em suma, são as pessoas que lutam com a impossibilidade de meios de prover a própria subsistência e de sua família, como os idosos e os deficientes. 265 2 A interpretação da dupla incapacidade e a Súmula nº. 30 da Advocacia Geral da União (AGU) O parágrafo 2º, do artigo 20 da LOAS definia, até a edição da Lei 12.470/2011, o conceito de "portador de deficiência" para fins de recebimento do BPC, como sendo aquele incapaz para a vida independente e para o trabalho: Art. 20, §2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei n 12.435, de 2011) I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas: (Redação dada pela Lei n 12.435, de 2011) II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos:(Redação dada pela Lei n 12.435, de 2011) [Grifos nossos]. Com a nova redação, o dispositivo passou a ser assim disciplinado: Art. 20, § 2 o: Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Redação dada pela Lei n 12.470, de 2011). Havia, portanto, até a promulgação da lei 12.470/11, uma controvérsia acerca da legitimidade de se comprovar a dupla incapacidade do deficiente – para a vida e para o trabalho – para fins de concessão do BPC. Muitos acreditavam - para nós, acertadamente - que a lei não se ajustava aos fins para o qual foi criada, pois a intenção da norma era a de prover necessidades básicas àqueles que mais precisam, como os deficientes. Nesse sentido, os entendimentos doutrinário e jurisprudencial que prosperavam eram no sentido de que a inviabilidade para o trabalho, por si só, seria suficiente para caracterizar a incapacidade para a vida independente. Este é o entendimento o qual constava no Enunciado da AGU Nº 30, de 9 junho de 2008: 266 A incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da incapacidade para a vida independente, conforme estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. A orientação acima mencionada atendeu ao princípio constitucional pertinente à dignidade humana, também refletido na Súmula 29, da Turma Nacional de Uniformização, vejamos: Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento. O entendimento com relação à necessidade de dupla incapacidade foi objeto de análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que se posicionou no sentido de que, se a pessoa não possui capacidade para a vida laboral, o simples fato de não necessitar de outros para realizar atos da vida cotidiana não obsta a percepção do benefício. “(...) o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador” (RESP nº. 360.202/AL, 5ª Turma, Relator Min. Gilson Dipp, DJU 1º de julho de 2002). Sem dúvida, a autarquia que executa a concessão do BPC, o INSS, bem como seus procuradores devem se atentar primeiramente ao fato de que sua principal função na investidura de seu cargo é zelar pelo princípio da dignidade da pessoa humana e não pela proteção ao erário a qualquer custo. Afinal, não é incomum a reversão das decisões administrativas em juízo, fato que, poderia ser evitado com uso de uma análise mais adequada do caso concreto no âmbito administrativo, evitando que se acione o poder judiciário para que seja garantido referido direito fundamental. Cumpre ressaltar que nesses casos estamos diante de indivíduos que vivem em situação de extrema miséria, pessoas que, na grande maioria das vezes, não têm condição alguma de pleitear seus direitos judicialmente. Nesse sentido, um erro administrativo representa uma verdadeira covardia do Poder Público para com o indivíduo hipossuficiente, vez que estamos diante de um 267 Estado Democrático de Direito que deve visar resguardar o mínimo necessário à sobrevivência dos indivíduos. Certamente foi diante dessas “pressões” judiciais, doutrinária e da própria sociedade civil que o legislador próprio alterou o §2º do art. 20 da LOAS, superando, assim, o ponto controvertido que vigorou até 2011. Dessa forma, hoje, a legislação, sob o manto da dignidade da pessoa humana, considera como deficiente aquele que tem impedimentos de longo prazo que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, dissociando-se do critério (ilegítimo) da dupla incapacidade para vida e para o trabalho. 3 Requisito objetivo de renda per capita para recebimento do Benefício da Prestação Continuada Tem-se como requisito objetivo para concessão do BPC a hipossuficiência econômica do requerente, conceito expresso no Art. 20, §3º da Lei 8742/93. Tal dispositivo condiciona a concessão do benefício ao idoso ou portador de deficiência que não tenha como manter sua subsistência ou tê-la provida por sua família, tendo como marco referencial econômico o valor da renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo em vigor. Podemos perceber que aqui temos um critério puramente objetivo cuja adequação é inviabilizada ao caso concreto. Contudo, referido parâmetro tem sido motivo de discussão nos Tribunais. De fato, o legislador sempre corre grande risco de ser injusto quando estipula critérios evidentemente fixos e objetivos, em casos que nem sempre se parecem. Não é de bom tom, nesse caso, uma análise demasiadamente rígida, sendo que, na maioria das vezes, o INSS, tendenciosamente, tenta se embasar na citada Instrução Normativa nº 29, de 2008, para negar a concessão do BPC. Primeiramente, insta discorrer sobre a amplitude do conceito de família. O requisito legal baseia-se no valor per capta familiar. Nesse sentido, a doutrina manifesta que o conceito de família, nesse caso, não pode ser ampliado com a nítida intenção de negar o benefício. Isso porque, tendo em vista o Princípio da Legalidade, a definição utilizada deve ser a mesma da classificação de dependentes, nos termos do art. 16, da Lei 8.213/91, 268 ressaltando, ainda, a condição de que todos devem viver sob o mesmo teto, na forma do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93. A conceituação do termo família em sentindo amplo, mesmo que definida em leis assistencialistas (Lei nº. 10.219/01 e 10.689/03) não pode prosperar, pois, evidentemente, teria o condão de restringir uma garantia assegurada pela Carta Magna. Outro aspecto que merece ser discutido refere-se à (i)legitimidade de se contabilizar como renda familiar o BPC percebido a um membro da família quando da concessão do benefício a outro membro. No que se refere ao idoso, o benefício concedido a qualquer membro do núcleo familiar não fará cômputo na declaração de renda per capita por expressa previsão legal do art. 34, parágrafo único da Lei 10.741/03. Esse tratamento protetivo ao idoso deve ser respeitado por estar previsto em legislação especial, qual seja, o Estatuto do Idoso. Porém, quanto ao deficiente, tem-se – de forma questionável - aplicado a norma geral, ou seja, a LOAS, segundo a qual a concessão do benefício a qualquer membro da família integrará a renda familiar para fins de cálculo para concessão de benefício futuro. Essa diferenciação é um tanto quanto questionável quando passamos a fazer uma análise dos casos concretos. Se um casal de idosos, diga-se, nesse caso, maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, vivem sob o mesmo teto, ambos podem receber o BPC, tendo em vista que referida vantagem não fará cômputo no cálculo da renda familiar. Porém, o mesmo não ocorrerá se estivermos diante de um casal de deficientes, pois, quando o primeiro passar a receber, o segundo irá extrapolar a renda per capita permitida. Outra incongruência que a legislação provoca e, por isso, deve ser analisada é que, tratando-se de um casal de idosos, sendo um deles é aposentado, o outro não poderá receber o BPC, pois a aposentadoria faz cômputo de renda per capita, nos termos do art. 20, § 4º da LOAS, segundo o qual o BPC “não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime”. Nesse caso, o legislador fez diferenciação privilegiando o casal de idosos que não contribuiu para o sistema. Dessa forma, infere-se que a lei passa, assim, a tratar iguais de forma desigual, ferindo princípio Constitucional basilar. 269 Ressalta-se que a exclusão referenciada pelo Estatuto do Idoso restringe-se aos benefícios assistenciais recebidos por pessoas idosas, deixando de lado os benefícios assistenciais recebidos por pessoas deficientes, bem como, os benefícios previdenciários recebidos tanto por idosos quanto por deficientes. Essa situação gera desconforto aos aplicadores do Direito, tanto é que a jurisprudência tem entendimentos diversos. A decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em sede de liminar, na Reclamação nº 4374, esclarece: O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de ¼ do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição. Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição. Dessa forma é conclusivo que essa diferenciação, bem como a tentativa frustrada do legislador em estabelecer critérios objetivos na LOAS representou eminente dissonância ao princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, da Carta Magna, que prevê a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Diante disso, a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada como única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover com a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, pois representa apenas um marco objetivo para se aferir a necessidade do amparo assistencial, devendo ser analisado com um conjunto probatório que varia em cada caso. 4 Legitimidade passiva nas ações que reivindicam BPC Como dito anteriormente, apenas por uma questão prática é que os amparos assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada, são concedidos pelo INSS já que não se trata de um benefício previdenciário. 270 Conforme art. 12, I, da Lei 8.742/93, LOAS, a competência para concessão, manutenção e administração do BPC é da União, sendo certo que foi através do Decreto nº. 6.214/07 que o INSS teve delegada a responsabilidade para gerenciar o benefício. Justamente por isso existe uma discussão acerca da legitimidade para figurar no polo passivo da ação, quando da negativa administrativa, pois, não se trata de ação previdenciária comum em que apenas o INSS se responsabiliza pelo recurso concedido ou negado. Ora, se o recurso o qual provê o BCP é originário da União, alguns doutrinadores acreditam que tal ente político deveria integrar o polo passivo numa eventual ação judicial. Contudo, a maior parte da doutrina se posiciona no sentindo de que a legitimidade é exclusiva do INSS, afinal, foi a própria autarquia que se posicionou no pela negativa na concessão do BPC. É de se ressaltar que a discussão não é absurda, de forma que justamente por isso o Tribunal Regional Federal chegou a editar uma súmula (Súmula nº. 61, revogada em 2004), orientando que União e INSS devessem figurar como litisconsortes passivos nas ações de reivindicação de Benefício de Prestação Continuada. Porém, o Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, tem se posicionado no sentido de que a legitimidade é exclusiva do INSS. Atualmente, os Tribunais Regionais Federais também entendem assim, e, na prática, não são comuns ações judiciais de reivindicação de BPC em que a União e o INSS sejam litisconsortes passivos. A doutrina minoritária entende, ainda, de uma terceira forma. Para esses estudiosos, a competência seria exclusiva da União. Vejamos o que diz o doutrinador Ibrahim (2010, p. 18): “Acredito, em verdade, que a legitimidade passiva seja exclusiva da União, pois a manutenção da Assistência Social é atributo desta, cabendo ao INSS a mera execução. Essa, no entanto, é posição francamente minoritária.” Contudo, nos parece que, diante de tantas questões controversas no caso do BPC, a legitimidade para figurar no polo passivo é a menor delas, todavia, é de relevo sublinhar que o entendimento dos Tribunais é majoritário no sentido de que a competência é exclusiva do INSS. 271 5 Benefício da Prestação Continuada para estrangeiros Com relação à saúde, a Constituição Federal não nos deixa dúvidas. Esta deve ser concedida a todos de forma universal, estrangeiros ou nacionais, sem qualquer distinção, sendo assegurada até mesmo àqueles que possuem condições financeiras. O mesmo não ocorre quando se trata do BPC. Nesse caso, existe uma discussão muito atual sobre a concessão do BPC ao estrangeiro residente no País. Essa matéria se tornou uma questão de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento. A polêmica ocorre, principalmente, porque os recursos da União são limitados, e, devemos nos atentar ao fato de que, não podemos coadunar com um sistema em que a minoria custeie e a maioria receba, haja vista que, o BPC é um amparo assistencial. É certo que o Brasil é país em constante crescimento e desenvolvimento econômico. Isso atrai diversos estrangeiros que ingressam no País em busca de melhores condições de vida, principalmente em uma época em que outros países latino-americanos passam por crises econômicas. Não obstante o crescimento da quantidade de imigrantes no país, muitos deles não conseguem se desenvolver no mercado de trabalho, criando uma situação de marginalização, fato que ocorre, na maioria das vezes, mesmo que o indivíduo esteja residindo no País de forma legalizada, pois, se sabe que a burocracia para ingressar e permanecer no Brasil não é rígida. Infelizmente, como resultado da marginalização dos estrangeiros residentes no Brasil, tem-se verificado um aumento considerável de requerimentos envolvendo a concessão BPC. A discordância do INSS na concessão desses amparos assistenciais é absoluta. A autarquia alega veementemente a total impossibilidade de conceder BPC ao estrangeiro. Algumas razões, tanto de natureza social quanto econômica, não podem deixar de ser observadas, nem pelo Estado, menos ainda pela sociedade, que, diga-se de passagem, são responsáveis solidários pelo atual sistema de Assistência Social. São diversas as considerações realizadas pelos que defendem a concessão do BPC ao estrangeiro. A primeira delas, sem sombra de dúvidas, refere-se ao princípio constitucional sob o qual toda nossa legislação é 272 embasada, também denominado de “mínimo constitucional”, qual seja, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Referido princípio é tratado pela Constituição da República Federativa do Brasil no art. 1º como fundamento de nosso Estado, pelo que podemos inferir que a intenção do constituinte é a de garantir o mínimo necessário ao indivíduo, independente de qualquer outro requisito objetivo. Nesse sentido, o Estado deve prestar-se ao indivíduo puramente enquanto pessoa humana, sendo este um fim em si mesmo. Soma-se a isso o disposto no art. 3º, também da Carta Magna, que prevê como objetivo da nossa República Federativa a erradicação da pobreza e da marginalização. Temos ainda o princípio da Igualdade, preconizando que todos são iguais perante a lei, e, nessa seara de entendimento, seria altamente injusto, deixar de acolher o pobre marginalizado, idoso ou doente, em decorrência da sua condição de estrangeiro. Ademais, o Brasil é signatário de vários tratados internacionais cujo principal objetivo é o de promover a vida digna a todo e qualquer ser humano, sem quaisquer distinções, como por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica. Nas palavras do doutrinador Alencar (2007, p. 539): Porém, em termos constitucionais, não encontra respaldo a discriminação pretendida pela Administração Pública Federal. Temos para nós que o termo “cidadão” utilizado no dispositivo não foi empregado no intuito de restrição, corrobora essa afirmativa o inciso IV do artigo 4º da própria lei que editada os princípios da assistência social (Benefícios Previdenciários, 3 Ed., São Paulo, Leud, 2007, p. 539-540). De fato, advogam alguns doutrinadores que, se os estrangeiros foram acolhidos e recebidos de forma legal em nosso País, nada seria mais justo do que sua inclusão no sistema de Seguridade Social, o qual abrande a assistência social. Outro importante aspecto, nesse sentido, é o que os estrangeiros que aqui residem também são contribuintes diretos e indiretos para o custeio do sistema na medida em que tudo o que consomem é devidamente tributado de forma indireta. Dessa forma, os estrangeiros devem fazer parte do sistema de 273 seguridade social na medida em que estão residindo no Brasil e consumindo os produtos aqui vendidos. Por outro lado, há os que defendem a impossibilidade de se conceder o benefício de amparo assistencial ao idoso e portador de deficiência estrangeiros, partido do pressuposto de que não existe regulamentação específica sobre essa matéria. Essa corrente entende que os requisitos para fazer jus ao BPC devem ser dispostos de forma expressa na legislação e, já que não há previsão literal de sua concessão a estrangeiros, o silêncio da lei deve implicar sua não concessão. Os que assim se posicionam, advogam que a LOAS, no seu artigo 1º, utiliza o termo “cidadão”, o que pressupõe, portanto, vínculo jurídico-político com a República Federativa do Brasil, ou seja, a nacionalidade brasileira, o que exclui os estrangeiros que residem no País de forma legalizada. Nesses termos, “cidadão” é o nacional brasileiro. Fato é que, até que o Supremo Tribunal Federal-STF se posicione sobre a matéria, a questão não será pacífica entre o INSS, doutrina e jurisprudência. Porém, não se pode olvidar que, no atual paradigma do Estado Constitucional, o fim supremo do Direito é a concretização de direitos fundamentais, já que a função do Estado é servir à pessoa humana, de forma que o indivíduo passa a representar um fim em si mesmo. Nesse sentido, acreditamos que a exclusão dos estrangeiros legalmente residentes no país do nosso sistema de assistência social fragiliza todo o sistema criado para minimizar a marginalização e erradicação da pobreza. O sistema de seguridade social não se encontra em iminência de falência que justifique tamanha discriminação entre pessoas que, na prática, em nada são diferentes. Considerações Finais Diante do exposto, sem qualquer pretensão de exaurir um tema de tamanha complexidade, resta evidente que o as questões que norteiam o instituto do Benefício de Prestação Continuada é controverso e por demais relevante. Afinal, estamos tratando de uma renda que, apesar de depender de custeio de toda a sociedade, não exige prévia contribuição do beneficiário. 274 É certo que a União deve se ater a questões que de fato parecem legítimas, pois a concessão incorreta do BPC pode gerar grave crise econômica e financeira ao país. Como consequência de uma grave crise no sistema de seguridade social, toda a sociedade poderá ser prejudicada. Contudo, por muitas vezes, a União, sob a pretensão de proteger o Erário, deixa de prestar um amparo devido, pelo qual, não só o Estado é responsável, mas também toda a sociedade. A erradicação da pobreza é, pois, um dever de todos. Importante destacar que cada caso concreto deve ser analisado com atenção que a pessoa humana merece. Caso o INSS não tenha condições administrativas de analisar com cautela cada um dos requerimentos de amparo assistencial, a União deve auxiliá-lo, provendo recursos humanos e administrativos, já que é a pessoa política que de fato presta o benefício. O que, definitivamente, não pode ocorrer é o afastamento de direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. Menos ainda, podem ser preteridos os objetivos firmados pela Constituição Federal, como a erradicação da pobreza e da marginalização social. Infelizmente, os efeitos decorrentes de negativas ilegítimas da concessão dos benefícios assistenciais, os quais possuem único objetivo de proporcionar uma vida mais digna ao cidadão, ferem de morte o Estado Constitucional de Direito. A omissão do Estado em relação às verbas alimentares de pessoas que não têm como prover com seu próprio sustento revela típica “covardia legal” de um Estado que usa o poder que lhe é conferido para se esquivar de suas responsabilidades. Referências ALENCAR, Hermes Arrais. Direito Previdenciário para Concursos Públicos. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007. ALENCAR, Hermes Arrais. Lei Orgânica da Assistência Social. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009. (Coleção de Leis Rideel). ALENCAR, Hermes Arrais. Lei n° 8.212/1991. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009. (Coleção de Leis Rideel). ALENCAR, Hermes Arrais. Lei n° 8.213/1991. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009. (Coleção de Leis Rideel). ALENCAR, Hermes Arrais. Supremo Tribunal Federal (Reclamação n.º 4374. Brasília, DF). Disponível em: 275 <http://www.stf.gov.br/globais/paginarpdf/default.asp?id=78699&desc=HC81319&tipo= AC&docTP=AC>. Acesso em: 17 out. 2010. BARRETO, Tobias. Introdução ao Estudo do Direito: Política brasileira. 1 ed. São Paulo: Landy, 2001. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: 2 Ed., São Paulo: Saraiva, 1999-2001. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL, Acórdão RESP 360.202/AL. RECURSO ESPECIAL 2002/0036163-3 DJ DATA:01/07/2002 PG:00185 Relator Min. Gilson Dipp (1109) Orgão Julgador T.5 - QUINTA TURMA. Disponível em <http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/ juri.asp>. Acesso em 26 de Mai. 2014. BRASÍLIA. Lei n.° 8213, de 24 de julho de 1991. Dispõe os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 de out. 1998. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da Constituição – Direito Constitucional Positivo. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. GUNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. Tradução de Cláudio Moltz. 1. ed., São Paulo: Landy, 2004. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 15. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed., São Paulo: Método, 2007. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Direito Previdenciário Complementar Procedimental. 1 ed., São Paulo: LTR, 2009. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 27. ed., São Paulo: Atlas, 2009. SANDIM, Emerson Odilon. Direito Previdenciário: Temas Polêmicos. 1. ed., São Paulo: LTR, 1997. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA. Consulta de jurisprudência/ Acórdão. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em 15 de Out. 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 7. ed., São Paulo: Atlas, 2007. 276 A TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL E A LINGUAGEM DOS SINOS EM SÃO JOÃO DEL-REI: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS JURÍDICO-ANTROPOLÓGICOS Cristiano Lima da Silva – IPTAN Mestre em História – UFF e doutorando em História Social da Cultura – UFMG E-mail: [email protected] Karina Cordeiro Teixeira – IPTAN Especialista em Direito Público Municipal – FESMP-MG E-mail: [email protected] Helthon Resende de Andrade Graduando em Direito – IPTAN E-mail: [email protected] Resumo: Este artigo tem por objetivo realizar uma análise interdisciplinar sobre a tutela do patrimônio cultural imaterial a partir de três abordagens fundamentais: uma antropológica, visando analisar os diferentes mecanismos que envolvem o homem enquanto um ser dotado de criação e reprodução de variadas culturas tanto materiais, quanto imateriais; uma sócio-histórica, para buscar entender como ocorre o surgimento das múltiplas representações e práticas culturais em determinados tempos e espaços; e, finalmente, uma abordagem do Direito a fim de discutir a importância da tutela jurídica na preservação de práticas e saberes culturais que passam a compor o patrimônio histórico do nosso país a exemplo da linguagem dos sinos em São João delRei. Palavras-chave: Patrimônio Cultural Imaterial – Linguagem dos sinos – Tutela Jurídica e Antropologia Introdução Não pensem que haja só continentes geográficos, formados de terra, mar etc. Há continentes de outra natureza, que são os da história e da cultura, os do conhecimento e do operar do homem (REALE, 2002, p.8). No campo do Direito um dos aspectos mais complexos e abrangentes refere-se à tutela do patrimônio cultural brasileiro, uma vez que o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 reconhece como bem jurídico destinatário de expressa proteção por parte do Estado os: 277 Bens de natureza material e imaterial, tomadas individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Assim, diferentemente dos patrimônios de natureza material (tangível), os imateriais (intangíveis) são transmitidos de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Contudo, Antônio Arthur Barros Mendes (2005, p. 4) argumentando sobre essa problemática em seu texto “A tutela do patrimônio cultural imaterial brasileiro: breves reflexões” observa que: Embora a Carta de 1988 tenha explicitado parcela desse ferramental jurídico-material, reconhecendo nos ‘inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação’, entre outros, mecanismos aptos às ações de preservação e acautelamento do acervo cultural intangível, nem todos se vocacionam a esse fim, quer pelas características do objeto a que institucionalmente se reportam, quer pelos efeitos que produzem ao nele incidirem. Segundo Edna Cardoso Dias (2004) um importante instrumento para preservação dos bens intangíveis fora a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial que, por meio do Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, instituiu o denominado Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Após aprovação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aqueles bens podem ser registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – 278 IPHAN – agrupados por categoria nos seguintes livros e suas respectivas funções: - Livro de Registro de Saberes, onde são inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; - Livro de Registro das Celebrações, onde são inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; - Livro de Registro de Formas de Expressão, onde são inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; - Livro de Registro dos Lugares, onde são inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Segundo informações do site do IPHAN atualmente entre os quarenta e sete processos de inventário em Andamento em todo o Brasil, onze são da região sudeste e, entre eles, encontra-se a Linguagem dos Sinos da cidade histórica de São João del-Rei em que a linguagem dos sinos, sonora e nãoverbal, funciona como um vínculo entre os são-joanenses, construindo códigos que combinam em mensagens, através das dobras e dos repiques, passando variadas informações de caráter religioso ou civil. Além disso, a linguagem dos sinos é amplamente reconhecida na cidade, fazendo parte do cotidiano do cidadão comum são-joanense, caracterizando-o e identificando-o, sendo transmitida de várias gerações, permanecendo viva até hoje em meio a vários sistemas de comunicação, em uma sociedade cada vez mais tecnológica. 1 Direito e a cultura Não se pode falar em Direito sem se falar de cultura e vice-versa. Miguel Reale em seu livro ”Lições Preliminares do Direito” destaca a importância da cultura e da História para a vida social humana identificando-a como sendo: O conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza, quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo. É desse modo, o conjunto dos utensílios e instrumentos, das obras e serviços, assim como das atitudes espirituais e 279 formas de comportamento que o homem veio formando e aperfeiçoando, através da história, como cabedal ou patrimônio da espécie humana (REALE, 2002, p.38). Dessa maneira, Derani (2002, p.155) afirma que os direitos intelectuais dos povos são associados ao meio, ao espaço territorial de desenvolvimento da vida e da cultura de cada povo: O conhecimento tradicional associado é conhecimento da natureza, oriundo da contraposição sujeito-objeto sem a mediação de instrumentos de medida e substâncias isoladas traduzidas em códigos e fórmulas. É oriundo da vivência e experiência, construído num tempo que não é aceito pela máquina da eficiência e da propriedade privada, mas cujos resultados podem vir a ser traduzidos em mercadorias geradoras de grandes lucros, quando tomados como recursos da produção mercantil. Assim, nada mais pertinente do que relacionar o estudo da Antropologia e da História ao campo do Direito buscando estudar o homem em suas várias dimensões culturais e as relações que desenvolve com o fenômeno de regulação jurídica. A criação de normas merece o questionamento sobre sua conveniência, adequação e utilidade para a cultura. Nesse sentido, Montesquieu em sua importante obra titulada “Do Espírito das Leis” destaca a necessidade de haver uma íntima relação entre a formulação de leis tanto políticas quanto civis com a natureza ou princípio de uma determinada cultura e o governo a ser estabelecido. Assim, para ele, as leis: Devem ser relativas ao físico do país; ao clima gélido, escaldante ou temperado; à qualidade do terreno, sua situação e grandeza; ao gênero de vida dos povos, lavradores, caçadores ou pastores; devem estar em relação com o grau de liberdade que a sua constituição pode suportar; com a religião de seus habitantes, com suas inclinações, com suas riquezas, com seu número, com seu comércio, com seus costumes, com seus modos. Enfim, elas possuem relações entre si; possuem também relações com sua origem, com o objetivo do 280 legislador, com a ordem das coisas sobre as quais foram estabelecidas (MONTESQUIEU, 2004, p.22). Etimologicamente, a palavra cultura tem origem no verbo latim colereque a aproxima muito mais ao sentido de cultivar, cuidar, semear a terrado que de instruir como forma de erudição. Por isso a Antropologia não emprega os termos cultuo ou inculto, nem faz juízo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois não considera uma superior à outra se pautando no estudo nos diferentes em níveis de tecnologia ou integração de seus elementos culturais. Todas as sociedades possuem cultura. Segundo Marconi e Pressoto (2001, p. 34), um dos primeiros antropólogos a formular um conceito de cultura foi Edward B. Tylo definindo-a como: “todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelos homens como membro da sociedade”. Nesse sentido, o sujeito é concebido como essencialmente histórico isso porque suas ações são sempre produzidas a partir de um determinado lugar e de um determinado tempo e, desse modo, à noção de sujeito histórico articula-se a noção de sujeito ideológico. Já para Clifford Geertz (1973) a cultura deve ser vista como um conjunto de “mecanismos de controle” – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento. Para ele, esses “mecanismos de controle” consistem de símbolos significantes, ou seja, “palavras, gestos, desenhos, sons musicais, objetos ou qualquer coisa que seja usada para impor um significado à experiência”. Esses símbolos, correntes na sociedade e transmitidos aos indivíduos – que fazem uso de alguns deles, enquanto vivem –, “permanecem em circulação” mesmo após a morte dessas pessoas. Daí a intrínseca relação entre a cultura e dominação traduzidas nas formas de controle social. O reconhecimento da necessidade se criar um corpo de leis em função da preservação da cultura pressupõe que se entenda, primeiramente, o conceito jurídico de normas programáticas, precisamente aquelas que, mesmo estando na Constituição, para produzirem efeitos materiais, necessitam de duplo interesse: um do legislador, para autorizar a atuação do Estado editando 281 leis, e outro dos órgãos administrativos que façam realizar a referida atuação aplicando efetivamente as leis pertinentes. Segundo Alves e Santos (2007) o estudo da Antropologia aplicado ao Direito se ocupa do aspecto legal ou normativo das sociedades, abrangendo também a questão da justiça, como elementos integrantes da organização social e cultural. Assim, para entendermos como a Antropologia se relaciona com o Direito é preciso analisar a questão simbólica do Poder, do Estado e da Sociedade. Para os mesmos autores, a interpretação da lei sob o ponto de vista do Direito perpassa pela ideia de distribuição da justiça, o que revela não somente a dinâmica jurídica, mas, sobretudo a simbologia do poder na relação com as partes do conflito. Já a interpretação da lei sob o ponto de vista da Antropologia propõe uma reflexão mais profunda do discurso jurídico e da ideia de justiça no momento da operacionalização do sistema normativo, observando seus limites e suas possibilidades. 2 Bem cultural imaterial Bens culturais imateriais ou intangíveis são aqueles que se relacionam à identidade, à maneira e à ação dos grupos sociais, incluindo nesse conceito as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, considerando os saberes, as formas de expressão e os lugares. Foi instituído através do Decreto 3.351 de 4 de Agosto de 2000, dez anos após a vigência da Constituição Federal de 1988, pelo poder executivo,considerando o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro, e também, criou o Programa Nacional do Patrimônio Cultural Imaterial. Por bem cultural imaterial compreende-se o conhecimento humano, que é intangível, não tridimensional, mas científico, incluindo todas as tecnologias, todas as disciplinas, podendo ser tanto erudito como popular. Assim, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), principal órgão internacional de guarda do patrimônio cultural, define como Patrimônio Cultural Imaterial: 282 As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural28. Deste modo, a busca pela preservação da identidade cultural e histórica de uma sociedade deve se pautar na tutela não só do patrimônio material, mas também do imaterial, pois ambos refletem os interesses e anseios de um determinado povo. Para tanto, cabe ao Estado favorecer a realização de todas as manifestações culturais por meio de incentivos diretos e indiretos, seja através de instrumentos legais acautelatórios, seja promovendo meios de acesso da produção cultural. Considerando a extrema diversidade cultural da humanidade pode-se tentar compreender cada grupo humano a partir de seus valores, suas normas de conduta e suas múltiplas reações psicológicas e sociais relacionadas aos fenômenos do cotidiano em que vive. Para a Antropologia, a relatividade cultural nos ensina que uma cultura deve ser compreendida dentro do seu próprio universo, e que as formas de pensar, agir e ser de grupos diferentes devem ser respeitadas e garantidas por constituírem aquilo de mais essencial para um povo: a sua identidade cultural. Observamos que a inscrição de um patrimônio cultural imaterial se fundamenta na importância da continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, identidade e formação da sociedade brasileira. A solicitação da instauração do processo de registro desses bens pode partir de diferentes iniciativas tais como: do Ministro de Estado da Cultura, das Instituições vinculadas ao Ministério da Cultura, das Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal, e sociedades ou associações civis. Por isso é necessário saber por que, como e quando as iniciativas e procedimentos jurídicos podem contribuir na garantia da preservação dos bens denominados como sendo intangíveis. 28 Retirado do site do Ministério da Cultura: <http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=49> 283 3 São João del-Rei e a linguagem dos sinos: uma abordagem histórica, social e cultural. Originada do Arraial Novo do Rio das Mortes, que antes era chamada de Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, a cidade de São João del-Rei completou, neste ano, 310 anos e mantém um importante patrimônio histórico preservado e tombado desde o ano de 1938 pelo IPHAN. A cidade começou a ser ocupada devido à descoberta de ouro por volta de 1704. Com o início da edificação das capelas, a tomada das terras e o erguimento das construções de taipa, iniciou-se assim o crescimento urbano que, junto aos inevitáveis conflitos de posses, levaram à Guerra dos Emboabas. Segundo Graça Filho (2002) a vila de São João del-Rei fora instituída cabeça da Comarca do Rio das Mortes no Alvará de 6 de abril de 1714. Embora tenha sofrido inúmeras alterações em sua geografia administrativa desde a sua criação, inicialmente sua jurisdição estendia-se pelo centro-sul, a sudoeste da capitania, compreendendo os termos de Jacuí, Baependi, Campanha da Princesa, Barbacena, Queluz, Nossa Senhora de Oliveira, São José do Rio das Mortes e Tamanduá. Destarte, no início do século XIX já se configurava como a mais extensa em área habitada e a mais populosa da então capitania de Minas Gerais. Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, São João del-Rei tornou-se um importante eixo de escoamento da produção regional e de abastecimento interno para a Praça do Rio de Janeiro, permanecendo como importante centro administrativo e jurídico da Comarca do Rio das Mortes durante todo o século XIX. A cidade possui uma rica atividade cultural, com duas orquestras bicentenárias, a Lira Sãojoanense e a Ribeiro Bastos, responsáveis pela grande tradição da música sacra. Ao longo do ano acontecem inúmeros eventos como o Inverno Cultural, no mês de julho, festividades populares e também religiosas, notadamente na Semana Santa. Em São Joãodel-Rei, no dia 12 de março de 2007, o então vereador Adenor Simões apresentou a proposta de criação do Museu Estação dos Sinos ao presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Luiz Fernando de Almeida. O projeto foi elaborado pela Santa Rosa Bureau Cultural, agência de produção cultural sediada em Minas Gerais, para o 284 Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e prevê o aproveitamento de dois galpões do antigo Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro de Minas. Planejado para abrigar espaços expositivos e de interação com o futuro visitante, o museu é uma proposta inédita no país e na América Latina que teria, entre seus espaços, uma oficina de mestres sineiros. Além disso, destaca-se que o turismo cultural intensificado pelo importante papel jurídico-administrativo desempenhado por São João del-Rei na história de Minas Gerais como principal entreposto comercial na rota da chamada Estrada Real. A revitalização desse passado intensifica a auto-estima da comunidade local e oferece além da oportunidade de uma maior compreensão sobre a história regional, também representa uma considerável fonte de renda tanto para a sociedade civil quanto para a arrecadação de impostos para o município atualmente. Assim, percebe-se a importância do estudo sobre patrimônio cultural no curso de bacharelado de Direito. Ainda mais quando esse se encontra em uma cidade histórica como São João del-Rei, a segunda cidade eleita como Capital Brasileira da Cultura em 2007, tendo concorrido com as cidades de Mariana (MG), Mossoró (RN), Santa Maria (RS) e Santa Cruz Cabrália (BA). O Comitê Julgador, reunido no dia 31 de março de 2007, na sede do Ministério da Cultura, em Brasília, constituído por representantes do Ministério da Cultura, do Ministério do Turismo, do IPHAN, da Prefeitura de Olinda, do SESC/SP e da Organização Capital Brasileira da Cultura ressalta essa escolha devido à importância de nossa cidade no universo cultural brasileiro. Os sinos de São João del-Rei possuem uma linguagem única que, durante um bom período da história da cidade, foi um dos principais meios de comunicação que atingia a população em uma maior quantidade. Esse código sonoro estabeleceu-se no século XVIII quando a vila São João del-Rei se consolidou como um dos mais prósperos centros urbanos da Capitania das Minas Gerais. Os sinos resistem ao tempo, se destacando no contexto social, dando a São João del-Rei uma característica única. Através dos dobres, toques e repiques diferenciados, em que cada tipo tem um significado diferente, os sinos informam, por exemplo, os horários das missas, dos enterros e das datas festivas. Dessa maneira, os sineiros mantêm 285 vivos os significados e a tradição dessa linguagem que foi inspirada nos sinos medievais. Viegas (1990) detalha as características dos toques e as mensagens que eles transmitem no dia a dia, os “chamados” mais simples dos sinos acontecem para as missas, geralmente meia hora e quinze minutos antes. O sino menor é percutido em pancadas seguidas. No final de cada toque de entrada da missa, são dadas pancadas espaçadas indicando quem será o celebrante. Se três, será o pároco auxiliar ou um padre simples; se quatro, o vigário; se sete, o bispo; e, se nove, um arcebispo. O número de pancadas aumenta de maneira diretamente proporcional ao cargo na hierarquia religiosa do celebrante da missa. Se a missa for festiva, executa-se um repique depois da entrada e outro no final, já que este é um modo mais alegre de tocar o sino, com o bater constante, rítmico e ligeiro do badalo. Os toques também anunciam a morte de irmãos das confrarias religiosas, sendo dezoito pancadas ou mais no sino grande para chamar para o enterro de um irmão. Se for homem, são dados três dobres de uma pancada; se mulher, dois dobres de uma pancada e, se for criança, com menos de sete anos de idade, o toque é festivo na hora do enterro. Esse ensejo festivo, ao invés de fúnebre, é devido ao fato da criança ser considerada um “anjo”, significando que a volta de um anjo ao céu tenha que ser comemorada jubilosamente. Se for o falecimento do papa, há dobre de hora em hora. Se for bispo, de três em três horas. Já o falecimento do vigário, de quatro em quatro, obedecendo uma hierarquia religiosa. Como afirma Vendramini (1982), do ponto de vista rítmico ou musical, os toques dos sinos podem ter a sua criação registrada em duas fontes: a criação popular e anônima, resultante da pura inspiração ou cópia, consciente ou inconsciente de um modelo escolhido; a lei da Igreja, que pode determinar o número de badaladas que compõe o toque, além da duração das badaladas e as situações em que se fará ouvir. Através da interpretação desses significados, é possível perceber como a Igreja, em interação com os fiéis, cria formas de comunicação, essenciais em uma comunidade, servindo como processo de integração ou de identidade cultural. 286 A linguagem dos sinos de São João del-Rei pode ser vista como um costume, tradição de gerações e forma de expressão, processo histórico, fruto da ação humana, portador de referência cultural em relação à comunidade local. Possui as características de um bem imaterial, integrante do patrimônio cultural brasileiro, e por isso mesmo é fator de identidade entre os atores sociais. Considerações finais A preocupação do Estado com a preservação dos bens culturais foi evoluindo gradativamente até chegar ao patamar desenvolvido que conhecemos hoje, estabelecido pela Constituição Federal de 1988 que além de se preocupar com os bens materiais, e o devido tombamento dos mesmos, estipulou sobre os bens culturais imateriais, mas somente com a criação do projeto 3.551 de 4 de Agosto de 2000 é que foi instituído o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro e, dessa maneira, foi criado o programa nacional do patrimônio imaterial, inviabilizando a efetiva proteção administrativa dos bens culturais intangíveis. Os aspectos tangíveis e intangíveis sempre se conjugam, assim, podemos dizer que o patrimônio cultural constitui-se de três elementos básicos: o meio ambiente, o conhecimento humano e os artefatos. O conhecimento humano é intangível, não tridimensional, mas científico, incluindo todas as tecnologias. O meio ambiente tem origem natural, podendo haver vários estágios entre natureza virgem e selvagem e aquela civilizada. Os artefatos, por sua vez, são aqueles bens que o homem produziu fazendo atuar seus conhecimentos sobre o meio ambiente. Dessa maneira, o patrimônio cultural enquanto bem jurídico não se confunde com o objeto físico que o ostenta. Com efeito, os direitos são sempre bens incorpóreos e a divisão classificatória de bens em materiais e imateriais refere-se aos objetos de tais direitos. Os bens culturais podem estar amparados em suportes físicos. O que o caracteriza é a relevância que possui a manifestação do espírito humano em relação ao suporte físico que lhe dê consistência, nos permitindo afirmar a importância da preservação da linguagem dos sinos em São João del-Rei para a sua população, já que se tratando de uma importante cidade histórica, 287 embrenhada a um contexto histórico/social de grande relevância para Minas Gerais, assim como para o Brasil, composta por uma sociedade em sua maioria muito religiosa, a linguagem dos sinos é uma identidade que os difere. Identificando-os como a “cidade onde os sinos falam”, toda uma técnica de mensagem perpassada de geração-a-geração que é utilizada pra comunicar/informar até hoje. A partir do que estipula o artigo 216 da Carta Magna e do Decreto n. 3.551, podemos dizer que é dever do Estado garantir a tutela desse bem imaterial, a linguagem dos sinos, já que de extrema relevância para o contexto social a qual ela pertence, sendo uma das características principais da sociedade são-joanense. Dessa maneira, seria interessante a implementação de uma educação patrimonial na cidade em que a linguagem dos sinos, assim como outras características culturais da cidade, fossem transmitidas para a nova geração, garantindo assim a continuidade da tradição e o acesso de todos os cidadãos às informações que constituem o lugar ao qual pertencem. Referências ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. ALVES, Elizete Lanzoni; SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Iniciação ao Conhecimento da Antropologia Jurídica: por onde caminha a humanidade? Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. São Paulo: Paulus, 2002. BESSA, Altamiro Sérgio Mol. Preservação do Patrimônio cultural – nossas casas e cidades, uma herança para o futuro. Belo Horizonte: Crea-MG, 2004. BRASIL, Constituição Federal (1998). Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de Outubro de 1988. São Paulo: Lex, 2008. DIAS, Edna Cardozo. Patrimônio cultural. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 417, 28 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5605>. Acesso em: 07 jul. 2013. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.São Paulo: Atlas, 2009. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1973. 288 GUIMARÃES, Nathália Arruda. A proteção do patrimônio cultural: uma obrigação de todos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 354, 26 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5372>. Acesso em: 07 jul. 2013. GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro, A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais: São João del-Rei (1830-1888). São Paulo: Annablume, 2002. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela Do Patrimônio Cultural Brasileiro.São Paulo: Del Rey, 2006. MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia:Uma Introdução. São Paulo: Atlas, 2001. MENDES, Antônio Arthur Barros. A tutela do patrimônio cultural imaterial brasileiro. Breves reflexões. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 633, 2 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6543>. Acesso em: 03 jun. 2013. MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2004. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A proteção do patrimônio cultural. Competências constitucionais municipais e o direito de construir regulado pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3160>. Acesso em: 10 mai. 2014. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. VIEGAS, Aluízio José. Linguagem dos sinos de São João del-Rey. 1990. 289 O PROCESSO DE VENDA PESSOAL COMO ESTRATÉGIA PARA FIDELIZAÇÃO DE CLIENTES Júnior Moura Malaquias– IPTAN E-mail: [email protected] Romana Toussaint de Paula– IPTAN E-mail: [email protected] Simone Pádua Torres– IPTAN E-mail: [email protected] Yolanda Nathasha Dutra de Resende– IPTAN E-mail: [email protected] Resumo: O presente trabalho apresentará estratégias de fidelização que as empresas podem inserir em sua estrutura organizacional, para atender e até superar as expectativas dos clientes. Irá identificar a importância do processo de venda pessoal que envolve a comunicação da empresa com os clientes, onde proporciona a interação da mensagem do vendedor de acordo com as necessidades e desejos dos consumidores. Serão analisadas as etapas do processo de venda pessoal e principalmente pós-venda, que vai trabalhar o contato com o cliente após a compra.O objetivo geral é analisar o processo de venda pessoal com o intuito de apresentar estratégias para fidelização de clientes. Pois a venda pessoal pode promover a fidelização de clientes através da confiança e comprometimento que a organização passa para os mesmos durante e após a negociação, além da qualidade dos produtos e serviços. O trabalho se justifica por ser um assunto indispensável para o crescimento das organizações e de suma importância na relação com os clientes. Palavras-chave: Organização – Venda pessoal – Cliente – Fidelização Introdução Com a crescente evolução do mercado, torna-se essencial a empresa ter seu foco voltado para o cliente, ter a arte de conquistá-los e fidelizá-los. Faz parte do ser humano ter o desejo de ser reconhecido e respeitado, portanto é essencial a empresa praticar um processo de venda pessoal eficaz, valorizando e satisfazendo as necessidades do cliente, sendo um ponto crucial para a indicação de novos clientes potenciais e a formação de uma postura competitiva no mercado. O processo de venda pessoal é um conjunto de ferramentas que trabalham com formas eficazes de comunicações, de forma que o vendedor interaja com os clientes, identificando suas necessidades, desejos e costumes para que atendam suas expectativas, sendo um grande caminho para a fidelização do publico alvo da empresa. 290 O problema de pesquisa deste estudo tem o intuito de identificar como o processo de venda pessoal pode promover a fidelização dos clientes? O tema de pesquisa é de suma importância para as empresas, pois mostrará como um relacionamento de respeito e comprometimento com os clientes é satisfatório não só para os mesmos, mas também para as empresas. Este artigo tem o objetivo de apresentar o processo de venda pessoal com o intuito de demonstrar a sua potencialidade para fidelizar os clientes, apresentando estratégias de fidelização de clientes; apresentar a importância do processo de venda pessoal nas organizações e suas etapas; apresentar ferramentas de pós-venda que mostram como a comunicação com os clientes após a compra é importante para construir um elo de comprometimento dos mesmos com a organização. A metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica, através das diversas publicações sobre venda pessoal, estratégias de pós-venda e fidelização de clientes. Serão apresentados os conceitos sobre o processo da venda pessoal e suas etapas como prospecção, identificação e qualificação de clientes, pré-abordagem, apresentação e demonstração, superação de objeção e fechamento das vendas. Além destes aspectos, serão abordadas também as estratégias de pós venda, fidelização de clientes, abordando estratégias e como fidelizar clientes no comércio virtual. 1 O processo de venda pessoal e suas aplicações Para que o êxito da conquista dos consumidores aconteça, pode-se destacar que a venda pessoal é uma das principais etapas a serem praticadas pelas empresas, pois inicia o processo de comunicação com os clientes. “Comparada a outros tipos de promoção, a venda pessoal é a forma mais precisa de comunicação porque assegura às companhias que elas estão em contato direto com excelente consumidor potencial” (FERREL, 2006, p. 286). Desta forma, Dias et al (2003, p. 310) contextualiza que a venda pessoal comporta a interação das mensagens do vendedor de acordo com as necessidades, desejos e crenças dos clientes. Segundo os conceitos de Churchill e Peter (2000, p. 452), a venda pessoal envolve a interação da organização com os consumidores através do 291 contato direto, ligações telefônicas e comunicações escritas, com o intuito de valorizar o cliente, para que se sinta seguro para realizar a compra. Kotler e Keller (2006, p. 618) abordam várias posições de vendas que existem entre os vendedores: a) Entregador – principal tarefa é fazer a entrega do produto; b) Tomador de pedidos – vendedor que atua basicamente em anotar pedidos; c) Missionário – o vendedor tem como principal tarefa construir uma boa imagem ou instruir o comprador atual ou potencial; d) Técnico – vendedor com alto nível de conhecimento técnico; e) Gerador de demanda – vendedor que se baseia em métodos criativos para vender produtos, principalmente tangíveis; f) Vendedor de soluções – sua especialidade é resolver um problema do cliente. Torna-se indispensável que os vendedores observem os costumes e culturas dos consumidores e o que esperam receber dos produtos comercializados pela organização, para que possam desenvolver uma negociação que satisfaça ambas as partes. Desta forma, o treinamento dos funcionários torna-se necessário, pois os mesmos irão aprender formas corretas de realizar um bom atendimento com os clientes, tornando-se um grande passo para satisfazê-los (CHURCHILL; PETER, 2000, p. 507). Segundo Kotler e Keller (2006, p. 627): Todas as abordagens de treinamento em vendas tentam fazer o vendedor deixar de ser um tomador de pedidos passivo e se transformar em um caçador ativo de pedidos, que se empenha na solução de problemas do cliente. Um caçador ativo de pedidos aprende a escutar uma pergunta do cliente, a fim de identificar suas necessidades e oferecer soluções seguras. Desde modo, a venda pessoal pode acarretar uma série de atividades e responsabilidades que os funcionários devem obter ao efetuar uma venda, que serão identificados no quadro 1. 292 QUADRO 1 – Atividades e responsabilidades na venda pessoal Atividades Responsabilidades 1. Função de vendas 2. Lidar com os pedidos 3. Atendimento sobre o produto 4. Administração de informações 5. Atendimento à conta 6. Comparecimento a reuniões e entrevistas 7. Treinamento/ recrutamento Planejar as atividades de venda; Procurar indicações de novos clientes; Visitar contas potenciais; Identificar os tomadores de decisão; Preparar informações e apresentações de vendas; Fazer apresentações de vendas; Superar objeções; Apresentar novos produtos; Visitar contas novas. Redigir pedidos; Aviar pedidos; Controlar devoluções; Administrar problemas de entrega; Localizar pedidos extraviados. Informar-se sobre o produto; Testar equipamentos; Supervisionar instalação; Treinar os clientes; Supervisionar os reparos; Realizar manutenção. Fornecer informações técnicas; Receber e fornecer o feedback; Confirmar as informações (checá-las com os superiores). Abastecer prateleiras; Montar displays; Receber estoque para o cliente; Controlar propaganda e promoção local. Participar de conferências e seminários de vendas; Comparecer a reuniões regionais de vendas; Trabalhar e dar apoio em conferências dos clientes; Organizar exposições dos produtos; Participar de sessões periódicas de treinamento. Recrutar novos representantes de vendas; Treinar novos vendedores; Apoiar e trabalhar com trainees e novatos 293 8. Entretenimento Entreter clientes com esportes ou outras formas de diversão; Sair com clientes para almoçar, happy ou jantar; Recepcionar e mostrar a empresa e a cidade aos clientes; Oferecer festas, palestras, e eventos para os clientes. 9. Viagens Viajar para fora da cidade, estado ou país; Passar noites na estrada, avião ou hotel; Conhecer sua região. 10. Distribuição Estabelecer um bom relacionamento com os distribuidores; Vender para os distribuidores; Controlar crédito; Cobrar contas vencidas. Fonte: Adaptado de Churchill e Peter (2000, p. 508). Pode-se dizer que o treinamento dos vendedores é importante para realizar uma venda eficaz, pois mostra para o vendedor como relacionar com os clientes, os caminhos a seguir e os benefícios que devem oferecer para que a negociação não seja uma simples etapa da organização e sim algo que irá atender as expectativas do cliente, tornando-se um forte caminho para futuras compras e para sua fidelização com a empresa. Desta forma, obter atividades com atuações responsáveis na etapa da venda pessoal é uma característica diferenciada para oferecer ao seu publico alvo pleno conforto e vantagens ao adquirir os serviços ou produtos, sendo uma forte estratégia perante a concorrência e ao mercado. Diante deste aspecto, para competir no mercado, às empresas vêm buscando formas de bons relacionamentos com os clientes. Segundo Churchill e Peter (2000, p. 511) para que os clientes sintam seguros com a compra, as relações de envolvimento deles com a empresa são bastante valorizadas, onde esperam conselhos de confiança dos vendedores para as decisões de compras e que sugerem produtos que atendam as necessidades dos compradores. Para atingir um bom desempenho no trabalho das vendas pessoais, torna-se necessário analisar várias etapas que a organização deve seguir para alcançar seus objetivos profissionais. 294 1.1 As etapas do processo de venda pessoal As etapas do processo de venda pessoal podem ocasionar um elo da organização com o cliente, pois irão trabalhar conceitos além do conhecimento do produto, mas sim técnicas de vendas capazes de conquistar os consumidores e oferecer benefícios que melhor satisfaça-os Estas etapas abordam a prospecção, identificação e qualificação dos clientes; préabordagem; apresentação e demonstração; superação de objeção e o fechamento das vendas. 1.1.1 Prospecção, identificação e qualificação dos clientes As etapas do processo de vendas iniciam-se pela prospecção do publico que a organização pretende atingir. “A prospecção é o método ou sistema através do qual os vendedores aprendem os nomes das pessoas que precisam do produto e dispõem de recursos para comprá-los” (STANTON; SPIRO, 1999, p. 48). É a etapa do processo de vendas que inicia a procura e a identificação dos compradores potenciais da organização, buscando apurar informações sobre seus costumes, características e preferências de produtos ou serviços. Perante estes aspectos, Churchill e Peter (2000, p. 512-513) destacam estes compradores em três divisões: Indicações: indivíduos ou organizações que são clientes em potencial; Clientes potenciais: indivíduos ou organizações com interesse no produto; Clientes potenciais qualificados: indivíduo ou organização que estejam inclinados a comprar e tenham condições e autoridades para isso. Stanton e Spiro (1999, p.51) contextualizam que “o objetivo da pesquisa de clientes é fazer com que os vendedores saibam o máximo possível sobre a empresa, os tomadores de decisão e suas necessidades antes de fazer a primeira visita”. Pode-se dizer que os vendedores devem identificar e selecionar seus clientes de acordo com o ramo e o foco da empresa, e a partir daí, observar se estes são qualificados de acordo com os requisitos do comprador que a organização quer atingir. Este fato promoverá maiores resultados lucrativos e eficazes para o crescimento organizacional. 295 Para Churchill e Peter (2000, p. 513) a qualificação “determina se um cliente potencial se encontra em condições de comprar um produto”, ou seja, se o mesmo possui condições financeiras aptas para adquirir um produto com um maior valor aquisitivo. Os vendedores que trabalham de forma a conhecer e relacionar com os clientes, tende a obter boas vendas e a plena satisfação de seu publico alvo. 1.1.2 Pré-abordagem Este processo de abordagem é o contato inicial com o cliente. Churchill e Peter (2000, p 514) afirmam que quando o vendedor conclui a identificação, começam a planejar as atividades de coleta de dados que irão recolher dos clientes, onde o vendedor deve planejar de forma dinâmica para chegar ao fechamento do negócio. Para Kotler e Keller (2006, p. 629) é condizente o vendedor conhecer os objetivos da organização em que atua para saber o tipo de produto que comercializam e suas características, qual o público que querem atingir e quais benefícios querem oferecer aos clientes, para com isto, os vendedores agirem de acordo com as metas da empresa. As metas da abordagem perante Churchill e Peter (2000, p.514) são “aprender mais sobre as necessidades dos clientes, obter atenção e estimular interesse”. Com estas metas, fica mais adequado para a empresa propor soluções para resolver os problemas dos clientes. É harmônico os vendedores elaborarem métodos de comunicações atrativos para que possam despertar no cliente interesse em relacionar com a empresa. 1.1.3 Apresentação e demonstração Nesta etapa, é apresentado aos clientes os benefícios e vantagens daqueles produtos ou serviços que evidenciaram interesses em adquiri-los. Para Churchill e Peter (2000, p. 514) “a apresentação de vendas comunica informações aos clientes, com a meta de estimular interesse adicional”. Segundo Stanton e Spiro (1999, p. 54) “a meta da apresentação é fazer com que o vendedor convença os clientes de que seus produtos ou serviços atenderão suas necessidades de maneira melhor que os concorrentes”. Desta 296 maneira, torna-se plausível argumentar que obtendo em um produto preços acessíveis, qualidade e um bom atendimento, são características atrativas para que os clientes comprem na organização sem comparar com a concorrência, formando um elo com a mesma, sendo um grande caminho para a fidelização destes compradores. Perante estes aspectos, observa-se que a apresentação das vendas tem o propósito de transformar o cliente potencial em cliente real, pois os vendedores praticam tarefas que são aptas para conquistá-los, sugerindo benefícios ao adquirir o produto ou serviço da empresa. Desta forma os clientes irão sentir-se seguros com os vendedores, de modo que diminuem as dúvidas e questionamentos em relação à compra. 1.1.4 Superação de objeção Em seguida da apresentação da venda, é mostrado suas objeções. As objeções são argumentos que são questionados antes de fechar o pedido, ou seja, aspectos apresentados pelos clientes para demonstrar algo que deseja saber ou recusar alguma proposta oferecida pelo vendedor. Para Churchill e Peter (2000, p. 517) “são as razões dos clientes potencias para não fazer compras”. Neste momento, os vendedores devem usar justificativas de compra que irão assegurar os clientes que o produto oferecido pela organização trará inúmeros benefícios. Ainda para Churchill e Peter (2000, p. 517) “os vendedores habilidosos sabem quando as objeções são válidas e demonstram respeito pelo desejo do cliente potencial de se esquivar”. Deste modo, observase que os mesmos vendedores podem usar os benefícios que o produto possui como estratégia de comparação em relação aos produtos concorrentes. Perante estes argumentos, pode-se observar que os vendedores esclarecendo as dúvidas dos clientes de forma clara e objetiva, tornam-se tendenciosos e seguros para fechar o negócio. 1.1.5 Fechamento O fechamento é a etapa de conclusão da compra, onde há uma relação de compromisso da empresa com o cliente. De acordo com Churchill e Peter 297 (2000, p. 517) “o fechamento da venda envolve a solicitação de pedidos e a obtenção de compromisso de compra por parte dos clientes potenciais”. Neste momento, o vendedor deve está seguro das informações passadas para o cliente e apto para realizar o negócio, responsabilizando com o compromisso tratado com o consumidor. Para Kotler e Keller (2006, p. 629) “os profissionais de venda precisam reconhecer os sinais de fechamento emitidos pelo comprador, incluindo atitudes físicas, declarações, comentários e perguntas”. Torna-se condizente destacar que esta etapa de fechamento requer bastante responsabilidade dos vendedores para efetuar um negócio eficaz para o cliente e a organização. Segundo Churchill e Peter (2000, p. 517) existem algumas técnicas para efetuar uma venda: a) Fechamento por tentativa: os vendedores sugerem aos clientes que destacam características e modelos do que estão comprando; b) Fechamento presumido: nesta etapa os vendedores tratam questões sobre formas de pagamento, financiamento e entrega do produto; c) Fechamento de urgência: ocorre uma decisão imediata da compra devido a fatores que podem acarretar aumento ao produto negociado, ou seja, um aumentado da taxa de juros estipulados pelo governo naquele período de compra. Partindo deste propósito, destaca-se que há varias técnicas que podem levar o cliente fechar um negócio, desde que o vendedor passa para o comprador respeito, compromisso e segurança na efetuação do negocio. A partir do fechamento, a empresa poderá obter estratégias para manter o cliente satisfeito, propondo um bom relacionamento com eles após a venda. 1.2. Estratégias de pós-venda O fechamento das vendas, não é o término do contato com o cliente, sendo pelo contrário, o inicio da relação deles com a empresa. A comunicação e o contato com o consumidor após a compra tornam-se fundamental para a garantia da satisfação do cliente. “O acompanhamento de vendas, servem para garantir que os clientes estão satisfeitos com a compra” (CHURCHILL; PETER, 2000, p. 518). 298 O serviço de pós-venda nas empresas atuais, torna-se uma ferramenta diferenciada como estratégia para manter-se no mercado, pois irá manter o vinculo com o cliente após a negociação. Segundo Churchill e Peter (2000, p. 518), para construir um relacionamento de longo prazo com os clientes, ligações telefônicas e emails para oferecer promoções e lançamentos de produtos ou para prestigiar em datas comemorativas, podem ocasionar grande valor aos clientes. Além disso, torna-se importante também ter um contato com o cliente após a compra, para ter informações se receberam o produto corretamente e para verificar se os mesmos ficaram satisfeitos com o negócio realizado com a empresa. Perante Kotler e Keller (2006, p. 629) o acompanhamento durante e após a entrega do pedido, pode garantir que a instalação do produto ou serviço seja realizada conforme o combinado com o comprador no ato da efetuação da compra. Uma das estratégias mais eficácias para a fidelização do cliente, se encontra no pós venda. Mostrar para o cliente que ele é importante para a empresa, torna-se relevante, pois o consumidor retornará para futuras negociações, originando resultados lucrativos para a empresa, indicação de clientes potenciais e fortificação da imagem da organização no mercado. 1.3. Fidelização Os consumidores quando se sentem realizados com a compra, eles constroem uma relação de preferência de compra com a empresa, pois vivenciaram boas negociações com a mesma, sabendo que a organização cumpre com seu compromisso e que fornece produtos que realmente satisfaz as expectativas do cliente. Pode-se perceber que um cliente fiel, torna-se uma grande propaganda para a organização, indicando-a para outros consumidores. Desta forma, perante o contexto de Sabatino (2003, p. 4) um caminho rápido e eficiente para conquistar o cliente é criar um vínculo forte com eles de maneira que a empresa estimule e faça seus consumidores a usar sempre o produto ou serviço fornecido, retornando frequentemente ao ponto de venda. Para que o êxito deste processo de fidelização aconteça, é coerente as organizações ter uma visão mais ampla e atual sobre a relevância do cliente 299 em uma empresa. Na figura a seguir será comparada a visão da empresa tradicional com a visão da empresa moderna em relação à importância dos clientes dentro das organizações. FIGURA 4 – Organograma tradicional versus organograma da empresa moderna orientada para cliente Fonte: Adaptado por Kotler e Keller (2006, p. 139) Avaliando o pensamento de Kotler e Keller (2206, p. 139), para as empresas tradicionais, os clientes são considerados a ultima classe da pirâmide, podendo interpretar que os mesmos não moviam as decisões das empresas, os consumidores que tinham que adaptar à cultura das organizações. Com a alta competição das empresas no mercado, as organizações foram construindo a necessidade de inverter a pirâmide do organograma tradicional, colocando os clientes no topo, o pessoal da linha de frente em seguida que vão identificar as características, costumes e necessidades do consumidor potencial, abaixo os gerentes de nível médio que vão continuar o contato com o cliente, aprofundando mais sobre o conhecimento do mesmo e por fim, a alta administração que contratará os funcionários da organização. Pode-se observar que as empresas devem adaptar sua estrutura organizacional de acordo com seus clientes, buscando obter uma relação prolongada com os mesmos, a fim de oferecer os benefícios que o cliente 300 deseja adquirir com o produto ou serviço da organização, com o propósito de aumentar suas vendas e fidelizá-los. Assim, Dias et al (2003, p. 300) contextualiza que “Fidelizar ou reter o cliente é o resultado de uma estratégia de marketing que tem como objetivos gerar frequência de compra dos clientes, aumentar as vendas por cliente e recompensar o cliente por compras repetidas”. Para que a gerência organizacional desenvolva métodos para originar fidelização dos clientes, torna-se necessário observar alguns pontos. Las Casas (2001, p.78) define estes pontos como: 1. Informação pormenorizada sobre o cliente; 2. Investimento no relacionamento comercial com o cliente; 3. Modelagem individual no relacionamento com o cliente, levando-se em conta suas características individuais; 4. Fomento e direcionamento planejado da interação com o cliente; 5. Integração do cliente nas estruturas da empresa e processos do fornecedor. Desta forma, torna-se relevante destacar que um dos principais pontos para fidelizar os clientes começa no bom atendimento, tanto durante ou quanto após a venda, a atenção com os mesmos é relevante, pois sentem se seguros e confiantes com a organização. Valorizar os clientes, principalmente os atuais que já fazem parte da empresa destaca-se necessário para seu crescimento econômico no mercado, buscando formas de desviá-los da concorrência. Portanto, Sabatino (2003, p. 12) contextualiza que a existência de um processo de fidelização, acontece pelo ato do cliente se sentir atraído pelos produtos e pelas atitudes e estrutura que a empresa dispõe no mercado. Com isto, as organizações podem desenvolver estratégias para fidelizar seus consumidores. 1.3.1 Estratégias de Fidelização Ao elaborar planos estratégicos, as empresas devem analisar o mercado, a concorrência e todo composto organizacional para adotar atitudes corretas para conquistar seus clientes. Assim, Sabatino (2003, p. 44), 301 contextualiza estratégia como uma construção das metas organizacionais, ou seja, os integrantes da empresa precisam desenvolver todas as atividades oferecidas para o consumidor com comprometimento e segurança no que atuam, com o intuito de transmitir para o cliente confiança nos produtos e serviços adquiridos. Para Oliveira (1991, p. 26) “a finalidade das estratégias empresarias é estabelecer quais serão os caminhos, os programas de ações que devem ser seguidos para alcançar os objetivos”. Desta forma, pode-se interpretar que cabe às organizações formular suas estratégias para conquistar novos clientes potenciais e para melhor atender seus atuais clientes e assim, destacar perante seus concorrentes. Antes de aplicar qualquer estratégia organizacional, é coerente destacar dois pontos: A formulação, onde será identificado as oportunidades e ameaças da empresa, e a implementação, que é o processo onde define quais estratégias serão tomadas e quais caminhos a percorrer, sendo uma etapa a ser executada de forma responsável, pois se obter decisões inseguras pode comprometer o nome da empresa (SABATINO, 2003, p. 44). Perante a visão de Bretzke (2000, p. 126) os programas de fidelização possuem um papel significante para construir estratégias para fidelizar clientes, pois diferenciam as empresas na mente dos consumidores, ou seja, cada gesto de reconhecimento, cada telefonema ou carta que os clientes recebem, os mesmos ficam satisfeitos, sabendo que a empresa se importa com eles. Segundo Dial et al (2003, p. 7) o marketing de fidelização é uma das estratégias mais adequadas para ativar e reter clientes. Suas atividades são praticadas por meio de ações integradas e continuas de comunicação e promoção, gerando frequência de compra dos clientes. As administradoras de cartões de crédito utilizam este modelo como estratégias de fidelização, que são os programas de prêmios por frequência de uso e volumes comprados com cartões e as campanhas aéreas que são os programas de milhagens gratuitas para os passageiros que mais usam os serviços da campanha (DIAS et al, 2003, p. 7). A essência da estratégia é justamente fazer com que as empresas estejam em constante busca de mudanças e inovações para destacar no mercado, valorizando seus clientes atuais e conquistando novos consumidores 302 potenciais. O comércio virtual pode ser considerado uma grande ferramenta estratégica que vem cada vez mais conquistando espaço nas empresas e no cotidiano das pessoas. 1.3.2 Fidelidade no comércio virtual O mundo está cada dia mais móvel e portátil, sendo capaz de provocar fortes mudanças comportamentais nos hábitos de compra, de lazer e de trabalho, além de influenciar no momento de compra de um produto ou serviço, pois proporciona mais rapidez e praticidade para os consumidores (SABATINO, 2003, p. 55). Entende-se que a tecnologia vem ocupando maior espaço na vida das pessoas e das empresas justamente pelo conforto, agilidade e praticidade ao concretizar uma compra. Para Churchill e Peter (2000, p.135), “a realidade virtual permite que os profissionais de marketing exibam novos produtos potenciais ou mostruários de produtos sem incorrer nos custos de construí-los fisicamente”. Torna-se favorável para as empresas oferecerem aos clientes formas mais praticas e modernas, desenvolvendo sites para que os mesmos tenham acesso aos produtos ou serviços sem deslocar para o local da empresa, e-mails e redes sócias para comunicar com os clientes em qualquer momento. Segundo contexto de Sabatino (2003, p. 63), possuem algumas empresas no mercado que estão inserindo formas para fidelizar seus consumidores em lojas virtuais, como por exemplo, disponibilização de brindes por frequência de compra e de pontos que os clientes ganham quando efetuam a compra e que podem trocar por prêmios. Um dos intuitos do estudo de fidelização é justamente mostrar para as empresas que o que tornará seus clientes fiéis é a forma de como irão valorizá-los, seja no mundo real ou virtual. Assim quando o cliente começa a envolver com a organização, o processo de venda pessoal torna-se importante, pois envolve a comunicação e o contato inicial com o cliente, a fim de que, a empresa busque formas para conquistá-lo, para que possa desenvolver estratégias, tanto no comercio virtual quanto no real para fidelizá-los. 303 Considerações finais Este artigo abordou o contexto sobre a importância do processo de venda pessoal para sua análise e como o mesmo proporciona estratégias para fidelizar clientes. Através dos fundamentos teóricos pesquisados, foi possível constatar que o processo de venda pessoal pode promover a fidelização de clientes através da confiança e comprometimento que a organização transmite aos seus clientes, além da qualidade dos produtos e serviços, realização das necessidades e desejos, preços justos e atenção com os mesmos durante e após a compra. Desta forma, os clientes sentem-se realizados e valorizados pela empresa, despertando-lhes a vontade de negociar novamente, tornandose fiéis à organização. Os principais tópicos para garantir a qualidade de um processo de venda pessoal de uma empresa diz respeito ao atendimento na loja, o conhecimento dos vendedores sobre os produtos, a atenção e o comprometimento da loja com os clientes. Um serviço que geralmente gera maior insatisfação é o atendimento telefônico. Como sugestão as empresas é investir na capacitação e treinamento dos funcionários que realizam essa tarefa. Outra sugestão é colocar uma secretária eletrônica que dê uma resposta imediata ao cliente, mais os vendedores devem retornar assim que possível, a fim de passar mais confiança sobre a empresa. Quando uma ligação não é atendida ou retornada, transmite ao cliente uma sensação de insegurança com a organização, achando que a organização encerrou suas atividades no mercado ou que a empresa possui um telefone de contato falso. Outra questão que as empresas devem ficar atentas é sobre o acompanhamento do pedido após a venda e o relacionamento com o cliente. Para fidelizar seus clientes a empresa poderá investir em treinamentos para os vendedores em relação ao retorno sobre o pedido e ao relacionamento com os clientes após a compra, com o intuito de que o consumidor fique satisfeito e e se possível encantado com a organização. Quanto à forma de pagamento as organizações devem ter formas mais flexíveis de parcelamento e cartões de crédito e débito diversos. Uma empresa que visa pela excelência no processo de pós venda não pode atrasar com prazos de entrega. Para isso torna-se relevante a empresa 304 analisar suas parcerias de transportes, verificando se as transportadoras coletam na loja e entregam direto para o cliente ou se esperam vincular mais cargas para completar a entrega. Também pode passar para o cliente, uma estimativa de prazo um pouco maior em relação ao tempo real de entrega da compra, incluindo possíveis imprevistos referentes ao transporte, a fim que não cause nenhum transtorno para os clientes. Empresas que desejam fidelizar devem ter em sua estrutura organizacional, programas de fidelização para atrair e manter seus clientes, utilizando ligações telefônicas ou enviando cartas, além das estratégias virtuais como o site, e-mails e redes sociais, com o intuito de manter um contato frequente com o cliente executando um marketing de relacionamento. Assim, torna-se relevante destacar perante o estudo e a pesquisa realizada, que é satisfatório para as empresas buscarem o aperfeiçoamento dos seus colaboradores, pois um dos grandes diferenciais das empresas está no processo de venda pessoal, que aplicado de forma eficaz, conquista a fidelização dos clientes. Referências BRETZKE, Miriam. Marketing de Relacionamento e Competição em Tempo Real. São Paulo: Atlas, 2000. CHURCHILL, Gilbert A., Jr.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os clientes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. DIAS, Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de Marketing. São Paulo: Saraiva, 2003 FERREL, O. C. Estratégia de Marketing. São Paulo: Thomson Learning, 2006. KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Novos Rumos de Marketing. São Paulo: Atlas, 2001. MIGUEL, Nicolau Andre de. A Venda Pessoal.In: DIAS, Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de Marketing. São Paulo: Saraiva, 2004. OLIVEIRA, D.P.R. Estratégia empresarial: uma abordagem empreendedora. São Paulo: Atlas, 1991. SABATINO, Luiz. Fidelização: A ferramenta de marketing que promove relacionamentos duradouros com os clientes. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2003. STANTON, W. J.; SPIRO, R. Administração de vendas. 10. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. 305 A DEMOCRACIA LIBERAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA Matheus Bevilacqua Campelo Pereira Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional – PUC-RJ E-mail: [email protected] Fone: (32)8857-8008; 3372-1376 Resumo: O presente artigo busca a análise da democracia reformulada no século XVIII pelo liberalismo, e que redesenhou o constitucionalismo moderno, tanto por meio da criação do Estado de Direito, como pela adoção do método representativo como emanação da soberania popular, permeado de garantias fundamentais. Com isso, mantém-se a essência da democracia dos gregos, pela titularidade do Poder Político, contudo, modifica-se o sistema de representação política, bem como, quanto às proteções concedidas por este Estado moderno para que as liberdades públicas individuais, como o voto, direito de manifestação, associação etc. pudessem ser inseridas em um núcleo constitucional de proteção. Contudo, consideramos que a democracia participativa, como prevista em nossa Constituição Federal se mostra em demasia contida, o que imputamos justamente ao modelo liberal de formatação do Estado, que impõe uma séria de proteções aos direitos fundamentais, porém, em contrapartida, se mostra omisso em assegurar a efetividade de alguns direitos, como por exemplo, a participação dos cidadãos no debate político. Palavras chave: Estado de Direito – Liberalismo – Democracia – Constituição Federal – Redemocratização – Democracia participativa Introdução Muito se tem exaltado, quanto ao aniversário de 25 anos da Constituição Federal brasileira, celebrado em 05 de outubro de 2013. Tal constatação, indiscutivelmente se deve a tradição não democrática dos países insertos na América Latina, aonde o Brasil lamentavelmente não é exceção, bem como, do período predecessor a Carta Magna vigente, marcado por um autoritarismo jamais experimentado em nosso país e que minou em grande parte qualquer tipo de participação popular no debate político nacional. Certo é que o Brasil acompanhou o processo de democratização que se instalou na América Latina por volta de 20 a 25 atrás e que marcou inegavelmente o discurso político dos anos 80 na América Latina, ou seja, a queda de regimes ditatoriais dando surgimento às chamadas novas democracias. Nesses termos, no momento em que as transições cheguem ao fim, como aqui observamos e com as ressalvas que faremos, é relevante e interessante questionarmos se a democracia consolidada formalmente pelo texto constitucional foi apta o suficiente, no 306 sentido de garantir concreta participação política daqueles cidadãos que por vários anos de ditadura não puderam atuar efetivamente nas decisões coletivas de nosso país. Chamamos a atenção para tal constatação, pelo fato de que no Brasil houve um longo e tenebroso processo de transição democrática, ou seja, de um regime autocrático, de natureza militar, que durou por mais de 20 anos, para um regime democrático, com forte apelo protetivo, cujas bases foram traçadas na Assembleia Nacional Constituinte, que se instalou entre 1º de fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988. Para ilustrar este momento, de intenso debate pela renovação política, citamos Pilatti na seguinte passagem: Ao encerrar o longo processo de transição democrática que se iniciou no final dos anos 1970 em nosso País, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 -1988 (ANC) foi palco de grandes conflitos de interesse e opiniões que haviam permanecido latentes, irresolutos ou agravados, durante os anos de repressão. Tais conflitos ensejaram moboilizações de intensidade e extensão inéditas na história das Constituições brasileiras. Entre 1º de fevereiro de 1987 e 5 de outubro de 1988, o edifício do Congresso Nacional, em Brasília, tranformou-se em ponto de afluência de múltiplos setores organizados da sociedade civil brasileira (PILATTI, 2008, p. 1). Decerto que a democracia brasileira, positivada no preâmbulo, como nos artigos 1º e 14 do texto constitucional, produto da Assembleia Nacional Constituinte, prescrevem uma democracia fundada na soberania popular, aonde “todo o poder emana do povo que o exerce por seus representantes eleitos ou diretamente”29. Com isso, o texto constitucional manteve incólume a essência da democracia, pois em que pesem as inegáveis variações históricas em sua definição, parece-nos ser inconciliável desta, a identificação e 29 PREAMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático... Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I plebiscito; II - referendo;III - iniciativa popular. 307 legitimidade do Poder Político no povo. Mesmo com variações, a essência da democracia cinge-se a uma real participação política dos cidadãos, aonde estes deixam de ser meros expectadores e destinatários desta manifestação do poder estatal para atuarem de maneira ativa no processo decisório. Tal referência pode ser retirada em José Afonso da Silva, que assim dispõe: A democracia, em verdade repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão essência conceitual: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo, (b) a participação direta ou indireta do povo no poder, para que esta seja efetiva expressão da vontade popular, nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação (SILVA, 135). Desse modo, quanto à intensidade desta participação popular no contexto político, podemos citar uma democracia direita, aquela indireta e outra representativa. Para Sgarbi, a democracia direta é aquela que mais se aproxima do ideal democrático, pois pressupõe a ideia de que o povo conduz, sem intermediários, a gestão da coisa pública, onde governantes e governados se confundem na gestão do todo coletivo, exercendo diretamente os poderes governamentais e cessando, por tal método, qualquer representatividade (SGARBI, 1999, p.85). De outro lado, na democracia indireta ou representativa, regra imposta em nossa Constituição Federal, o povo outorga pelo sufrágio universal, o poder político aos seus representantes. Quanto à democracia participativa, novamente citamos Sgarbi, que define tal sistema democrático “que melhor expressa a coexistência de norma(s) prevendo o uso de instrumento(s) de atuação conjugada (= mandantes e mandatários), direta (=mandantes) e de indireta (=mandatários agindo em nome dos mandantes) num mesmo ordenamento jurídico” (SGARBI, 1999, p. 84-85). Seguindo, com o intuito de materializar o inegável referencial democrático, a Constituição Federal criou alguns instrumentos de participação “direta” dos cidadãos no cenário político nacional. Como mecanismos aptos a desempenhar de maneira “direta” a soberania popular, para isso prescreveu o texto constitucional a iniciativa popular de leis, o referendo e o plebiscito. 308 Buscando trazer pertinência ao tema, destacamos que tais instrumentos, em que pese sua inegável aptidão democrática, no sentido de romper com o monopólio da representatividade e estimular a participação direta dos cidadãos, foram completamente negligenciados pelo Legislativo Nacional. Dizemos isso, pois quanto a iniciativa popular de leis, não mais que cinco propostas legislativas, nesse contexto, foram apresentadas a Câmara dos Deputados desde a promulgação da Constituição Federal, para sua conversão em lei, dentro os quais destacamos a lei Lei 8.930, de 7 de setembro de 1994, tipificando novos crimes hediondos e mais recentemente foi o projeto Ficha Limpa, ocorrido em 2010. Lamentavelmente tal constatação negativa também se faz quanto ao referendo e ao plebiscito30. Quanto ao primeiro, passados 25 anos da promulgação de nossa constituição, o povo, então titular do poder político, somente foi convocado uma única vez, em 23 de outubro de 2005, para ratificar ou não a alteração no art. 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º do estatuto. Como o novo texto causaria impacto sobre a indústria de armas do país e sobre a sociedade brasileira, o povo deveria concordar ou não com ele. Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei. Quanto ao plebiscito, a irrisória participação popular também se revela, isso por que, somente em 21 de abril de 1993, foi realizado plebiscito que demandava escolher monarquia ou república e parlamentarismo ou presidencialismo. Essa consulta consolidou a forma e o sistema de governo atual. Enfim, nesse ponto chamamos a atenção para que, em que pese a Constituição Federal se referir aos instrumentos democráticos acima citados, como manifestação de uma democracia direta, como expresso no artigo 1º, parágrafo único e artigo 14, no presente artigo seguiremos Adrian Sgarbi, em “O Referendo”,no sentido de considerá-los como parte integrante de um modelo participativo. Isso porque, como bem observa o autor em estudo, que a doutrina clássica sempre buscou conciliar a democracia direta como uma forma de participação política dos cidadãos de maneira pura, ou seja, com antes já fizemos menção, sem intermediários. Desse modo, tanto o referendo, como o 30 Conforma consulta realizada no site do TSE (http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-ereferendos). Acesso em 25 de abril de 2014. 309 plebiscito e a iniciativa popular de leis demonstram uma participação conjunta entre representantes e representados o que não permite seu enquadramento como mecanismo de uma democracia pura, o que impõe a utilização, no presente artigo, da expressão “democracia participativa”, como método democrático também utilizado na Constituição Federal (SGARBI, 1999, p. 84). Vencidas tais questões e voltando para a identificação do tema de nosso artigo, constatamos que os mecanismos previstos na Constituição Federal, então concebidos com o intuito de aproximar os cidadãos no debate político, sinalizam para uma incontroversa inaptidão para os fins que se destinam. Com isso, propomos uma reflexão sobre os motivos desta apatia constatada em nossa democracia participativa em estimular e garantir a real participação popular na tomada de decisões políticas no Brasil, via iniciativa popular de leis, plebiscito e referendo. Com intuito de apuramos os motivos desta letargia, propomos uma breve abordagem histórica e que muito, a nosso ver, nos auxilia na busca das respostas sobre a apontada inaptidão democrática de nossa democracia participativa. Na breve análise histórica aqui proposta, evidencia-se que a democracia, pelo menos naquela moldada na Constituição Federal de 1988, se mostra em construção, aonde a legitimação e seu efetivo exercício são ainda de sobremaneira limitadas, pois como adverte Gómez: É claro que a popularidade global sem precedentes alcançada pela democracia como regime político não significa que sua extensão seja plena ou, com se verá mais adiante, que tenham sido superadas as graves dificuldades e eliminados os problemas com relação aos processos efetivos de democratização da vida política e social dos países. Basta lembrar que são numerosos os governos abertamente antidemocráticos ou democráticos apenas de faixada no mundo, ao mesmo tempo que a maioria das “novas” democracias – por razões institucionais, econômicas, sociais e culturais – ainda não se consolidou e não há garantia que que isso aconteça em um futuro próximo (GÓMEZ, 2000, p.17). Queremos dizer com isso, que nem todo o regime representativo é democrático e até, que nem toda democracia traz o reflexo da vontade popular, o que é traço característico do Estado Liberal, ou seja, nem sempre a maioria parlamentar exprimi a vontade da maioria, o que nós leva a crer também que 310 nem toda democracia é participativa, nos termos aqui postos. Elucidando o que dito acima, citamos Adrian Sgrabi, em “Teoria do Direito”: Em síntese, há o problema “empírico” da constituição de concerne a sua “existência fática”, e há o problema “político” da constituição, que diz respeito a sua “adesão” e a sua “capacidade” de servir de referente para a solução de conflitos. Porque como a constituição é resultado de uma decisão política, o regime político envolve a análise da questão de “quem” manda, o “que” manda e “como” manda. Portanto, uma coisa é estabelecer uma análise de normas válidas (que independe do regime político e da legitimidade da ordem jurídica); outra é aceitar a ordem jurídica, porque tê-la como legítima é aprovar o regime jurídico que ela consagra. A primeira é atividade de “conhecimento”; a segunda de “aprovação”. Ter conhecimento de algo não implica aceitar, aprovar o que se conhece, ter o conhecimento de que uma constituição é “operativa” não significa pessoalmente “aceitá-la. Essas distinções nos conduzem à questão da estabilidade (SGARBI, 2007, p.365). Salientamos nesse momento, que uma das causas da apontada inefetividade dos instrumentos democráticos em fomentar efetiva participação popular na tomada de decisões políticas de um Estado, ao qual o Brasil não é exceção, se deve justamente pelo momento em que a democracia, com a conhecemos hoje, foi concebida. Dizemos isso, pois a democracia, como “regime político fundado no princípio da soberania do povo e um decantado elenco de arranjos institucionais e regras” (GÓMEZ, p.16), é forma de governo que remonta da antiguidade, mais precisamente na Grécia antiga, por volta dos séculos IV e V a.C31.,contudo, somente com a criação do Estado Liberal de Direito é que esta ganhou os contornos como a conhecemos hoje. Desse modo, de uma democracia identificada pela participação direta das pessoas, na chamada “democracia dos antigos”, passa-se a um conceito de democracia participativa, onde o povo como antes, continua como titular do Poder Político, contudo, este passa a ser exercido por meio dos seus representantes, com outorga do Poder Político por meio do sufrágio universal. Para ratificar nossa 31 Para Sgarbi, o surgimento da democracia se dá pela forma direta, mais precisamente nas cidadesestados da Grécia antiga (séculos IV e V a.C.), em que a eclésia (assembleia do povo) dispunha de todos os poderes, não havendo espaço para qualquer tipo de representação ou delegação (SGARBI, 1999, p. 93 e 94). 311 tese, adverte José Afonso da Silva, que a democracia há de ser entendida como um conceito histórico, dessa assertiva podemos extrair que tal regime político se apresenta na realidade de diferentes maneiras, ainda mais se observado o momento de tais manifestações; há variações (SILVA, 2000, p. 129). Nesse ponto é que chamamos a atenção para a constatação de que o Liberalismo, como forma de organização do poder político na qual o Estado tem poderes e funções limitadas e que se legitimou no final do séc. XVIII, em especial pela Revolução Francesa, com a derrocada do absolutismo, também foi fundamental para consolidação desta forma de governo, pautada na soberania popular, dominante em todo o mundo. Nesse contexto, o Estado Liberal de Direito, deu surgimento ao Estado mínimo, forma de organização estatal aonde o poder político passou a ser freado por meio da positiviação de Direitos fundamentais, que justamente estimulavam esse afastamento do Estado frente ao cidadão, de maneira que as liberdades civis clássicas, como direito a vida, propriedade e liberdade somente puderam ser estiumuladas e preservadas pela não interferência do Estado em tais direitos. Tal postura estatal visava atender os anseios dos cidadãos, exauridos pelo desrespeito a direitos fundamentais historicamente perpetrados pelo Estado Absolutista, com isso, o Liberalismo seguiu uma tendência política natural de respeito às liberdades individuais, o que impôs forte contenção ao poder público por meio de um não fazer do Estado, ou seja, uma conduta negativa frente ao indivíduo. Consoante os estudos de Wolkmer (2000, p. 124), o liberalismo foi mera tendência trazida de uma experiência europeia, com o objetivo de racionalizar o poder e combater uma sociedade burocrática improdutiva e retrógrada e que agora, sua estrutura administrativa se concentrava nas mãos de uma burocracia patrimonialista. Assim, citamos o autor: [...] o liberalismo político das oligarquias fundava-se numa concepção da democracia representativa sem nenhuma relação com a representativa sem nenhuma relação com a representatividade da vontade popular; tratava-se, ao contrário, de uma concepção elitista que negava às massas incultas a capacidade de participação no processo decisório e atribuia aos homens letrados a responsailidade exclusiva do funcionamento das instituições democráticas (WOLKMER, 2000, p.124). 312 Desse modo, a democracia moderna, ou seja, democracia do Estado Liberal, também passou a ser concebida sob essa perspectiva de afastamento do Estado, no exercício deste ato de soberania, instrumentalizada pela participação das pessoas na tomada de decisões políticas. Para ilustrar tal aspecto da democracia moderna, citamos Bobbio da seguinte maneira: Não só o Liberalismo é compatível com a democracia, mas a democracia pode ser considerada como o natural desenvolvimento do Estado Liberal, apenas se tomada não pelo lado de seu ideal igualitário, mas pelo lado de sua fórmula política, que é, como se viu, a soberania popular. O único modo de se tornar possível o exercício da soberania popular é a atribuição ao maior número de cidadãos do direito de participar direta e indiretamente na tomada das decisões coletivas; em outras palavras; é a maior extensão dos direitos políticos até o limite último do sufráio universal masculino e feminino, salvo o limite da idade ( que em geral coincide com a maioridade) (BOBBIO, p. 43. 2000). Nessa mesma linha, Bobbio pondera que o bom funcionamento da democracia se faz também pelo respeito, por parte do Estado, de Direitos invioláveis do cidadão, o que somente foi conquistado justamente pelo liberalismo. Com isso, a garantia do direito de voto é apenas um dos elementos que identificam um regime democrático, sendo este inábil a exercer soberania, ou seja, poder que este cidadão possui em influenciar as decisões coletivas, se outros direitos não sejam também protegidos, como por exemplo, “liberdade de opinião, de reunião, de associação, de todas as liberdades que constituem a essência do Estado Liberal e que enquanto tais passam por pressupostos necessários para que a participação seja real e não fictícia” (BOBBIO, p.44). Traçadas tais premissas sobre o liberalismo e a democracia, importante ressaltar que Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, publicado no ano de 1748, contribui, mesmo passados mais de 250 anos de sua publicação, de maneira determinante para o estudo e entendimento da democracia contemporânea que aqui se sente. Quanto a este, o desenvolvimento de sua fundamentação há de ser visto no quadro histórico em que a obra em comento foi produzida, com nítido cunho Liberal, aonde os movimentos revolucionários eram feitos geralmente em nome do todo, face ao Estado arbitrário. Sendo assim, o liberalismo, neste sentido de proteção do cidadão frente ao Estado somente poderia ser concebido em um contexto de 313 Estado de Direito, onde o próprio Estado passou a encontrar limites de atuação. Para isso, citamos clássica passagem de Montesquieu e que expressa muito bem o cerne do liberalismo: Mas é uma experiência eterna que todo homem que tem poder é levado a abusar dele. Vai até encontrar limites. Quem diria! A própria virtude precisa de limites. Para que não possamos abusar do poder, precisa que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder (MONTESQUIEU, 2008, p.167). Nesse mesmo contexto, citamos trecho de Ferdinand Lassalle, em “A Essência da Constituição”: Então a população burguesa grita: não posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem contarem com minha vontade; quero governar também e que o príncipe reine limitando-se a seguir minha vontade e regendo meus assuntos e meus interesse (LASSALLE, 2001, p.32). Portanto, como também expôs Paulo Bonavides (2001, p 43), este novo Estado Liberal que se afirmava na Europa, teve como êxito apenas o Liberalismo, mas não a democracia, uma vez que a concepção Liberal ao defender os direitos fundamentais, como a participação política em contrapartida não se preocupa em torná-los acessíveis. Por meio da referência histórica acima citada, somo levados a crer que a democracia, como a prevista na Constituição Federal, em especial a participativa, foi fortemente influenciada pela doutrina clássica liberal, o que coloca em flagrante risco o regime democrático brasileiro por esse afastamento do Estado frente aos mecanismos democráticos participativos. Justifica-se deste modo, a postura negligente e omissa de nosso legislativo em tornar que os instrumentos já previstos em nossa constituição, iniciativa popular de leis, o referendo e o plebiscito sejam de fato aptos a aproximar a democracia do seu titular, já que passados 25 anos da promulgação da Constituição Federal o resulto de tal processo se mostra insuficiente. Enfim, no presente artigo foi traçado um breve referencial histórico, com o objetivo de justificar a omissão e distanciamento do Estado em fomentar nossa democracia participativa, como natural consequência do constitucionalismo liberal, que prestigiou a autonomia privada em detrimento da 314 pública. Contudo, passados 25 da publicação de nossa Constituição Federal, é possível descrevermos que tipo de democracia essa nova Constituição foi capaz de criar, mensurada pela efetiva participação popular. Assim, mesmo apontando os problemas dessa nova democracia, ainda em formação, jamais poderemos mitigar sua relevância, sobretudo se visto pela perspectiva de nossa tradição não democrática. Por fim, chamamos a atenção ao fato de que, caso os problemas que apontamos, dentre vários outros, na democracia brasileira não sejam solucionados, certo que esse mesmo modelo político tão festejado e exaltado nos últimos anos, entrará em inevitável crise, como já se observa, pois como alerta Benjamim Constant, em sua obra “Princípios Políticos Constitucionais: A limitação da soberania é, pois, verdadeiro e praticável. Será assegurada primeiro pela força, que garante todas as verdades reconhecidas através da opinião; depois o será, de uma forma mais precisa, pela distribuição e pelo equilíbrio dos poderes. Mas comecemos por reconhecer essa limitação saudável. Sem tal preocupação tudo é inútil (CONSTANT, p. 63 e 71). Com tal referência, sinalizamos desde o início, que a proposta do presente artigo não era de apresentar possíveis soluções para vencer a apatia de nossa democracia participativa, mas somente apresentar uma justificativa histórica para os problemas de representatividade aqui apurados, o que não retira a reflexão para uma urgente e imprescindível reforma política, apta a vencer o distanciamento do debate político daquele que é o seu legítimo titular: o povo. Referências BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia participativa. São Paulo. Malheiros, 2008. BONAVIDES, Paulo. Do estado Liberal ao estado social. 7, ed. São Paulo: Malheiros, 2001. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia / Norberto Bobbio, tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 2000. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999. CONSTANT, Benjamim. Editora Líber Júris LTDA, Rio de Janeiro. 315 GÓMEZ, José Maria. Política e Democracia em tempo de globalização / José Maria Gómez – Petrópolis, RJ : Vozes; Buenos Aires: CLACSO, Rio de Janeiro: LPP – Laboratório de Políticas Públicas, 2000. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2001. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689 – 1755. O espírito da leis: as formas de governo, a federação, a divisão de poderes. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988. Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo. Rio de Janeiro: EditoraLumen Juris, 2008. SIEYÈS, Emanuel Joseph. A Constituinte Burguesa - Qu’est-ce que le Tieres Etat?. Lumes Júris. Rio de Janeiro. SGARBI, Adrian. In: Teoria do Direito (Primeiras lições), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. SGARBI, Adrian. O Referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 316 GLOBALIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS FRENTE À UNICIDADE SINDICAL Sergio Leonardo Molisani Monteiro – IPTAN Fúlvio Jacowson Gomes – IPTAN Resumo: O presente trabalho tem por finalidade analisar a possibilidade e/ou viabilidade da flexibilização dos direitos assegurados constitucional e infraconstitucionalmente aos trabalhadores, sob o contexto atual do mercado de trabalho globalizado e levando-se em consideração as gradativas transformações econômicas no sistema produtivo, bem como a força sindical no sistema brasileiro. Palavras Chave: Direito Trabalho – Globalização – Crise econômica – Flexibilização – Unicidade sindical Introdução O Direito do Trabalho se caracteriza, principalmente, por suas funções, ou seja, pela proteção dos direitos dos trabalhadores, pela regulamentação legal das condições mínimas da relação de emprego e pelos princípios trabalhistas, além de medidas sociais necessárias ao ambiente do trabalho. No entanto, este ramo do direito não se limita a estas funções, sendo de crucial importância suas atuações em prol do trabalhador, combatendo o desemprego, lutando pela saúde e segurança do trabalhador, bem como garantindo a função social da empresa. É exatamente na busca da proteção ampla do trabalhador que, por vezes, o direito trabalhista se presta a garantir a manutenção da própria atividade econômica geradora de emprego, ou seja, busca tutelar a empresa visando um bem maior, o próprio emprego e o mínimo essencial ao trabalhador. Exatamente neste sentido são as palavras da ilustre Vólia Bomfim Cassar quando afirma que “em determinados casos, o Direito do Trabalho prioriza a preservação da empresa, tomando medidas que visem atenuar a crise econômica e relativizar os direitos e princípios trabalhistas” (BOMFIM, 2010, p. 1). E completa a renomada doutora afirmando a necessidade de adaptação do Direito do Trabalho às realidades socioeconômicas do país: As sucessivas crises econômicas, a globalização da economia, as modernas tecnologias, a robotização, a 317 informática, a necessidade de redução dos custos para aumentar a competitividade, são fatores que modificam os meios de produção e de trabalho e, como consequência, o próprio Direito do Trabalho. Daí a necessidade de adaptação (BOMFIM, 2010, p. 1). Considerando-se o contexto atual do mercado de trabalho globalizado e levando-se em consideração as gradativas transformações econômicas no sistema produtivo, o presente trabalho tem por finalidade analisar a possibilidade, e/ou viabilidade, da flexibilização dos direitos assegurados constitucional e infraconstitucionalmente aos trabalhadores, como forma de adaptação do direito à realidade, por meio de normas legais ou mesmo por meio dos sindicatos e suas negociações coletivas. 1 Surgimento do direito do trabalho Para iniciarmos a exposição do tema convém, antes, retratar de forma breve o surgimento do direito do trabalho, que permitirá concluir que o surgimento das normas de proteção aos trabalhadores se deu como forma de reação aos abusos cometidos pelos empregadores. Na sociedade pré-industrial não havia um sistema de normas de proteção do trabalhador. Isso porque, num primeiro momento, o escravo/servo não possuía qualquer tipo de prerrogativa, na medida em que era equiparado a uma coisa, um bem. Na Idade Média, com seu sistema de produção baseado nas corporações de ofício, quando já superada, pelo menos em parte, a questão do trabalho escravo, ainda não existiam direitos trabalhistas, vez que os regulamentos, até então, existentes se destinavam mais à proteção da corporação do que dos seus membros. No início do Sec. XVIII se deu o advento do período industrial com a introdução da máquina a vapor e, consequentemente, da fábrica, local este em que se tornou possível produzir em larga escala e com custo mais baixo. Neste momento se introduz o modo de produção capitalista fundado na livre iniciativa. Os novos modos de produção contrariavam os interesses da monarquia, que ainda se mostrava altamente dependente dos senhores feudais, isso porque a existência de produção excedente gerou a busca de novos mercados pela nova 318 classe produtiva, a burguesia, que era impedida de expandir seus marcados em razão do sistema social repartido em feudos, com normas e mercados próprios. Com o fortalecimento da classe burguesa eclodiu a Revolução Francesa que buscava exatamente a liberdade do indivíduo perante o Estado. Nesse momento histórico as corporações de ofício foram suprimidas gradativamente em virtude do pensamento liberalista desenvolvido após a Revolução Francesa, vez que sua dinâmica não se enquadrava nos ideais de liberdade individual. Em sequencia, com a ascensão da burguesia ao poder, tem-se início a Revolução Industrial, que não somente alterou o sistema produtivo, mas, principalmente, a forma de trabalho e as relações entre trabalhadores e empregadores. É, exatamente neste sentido, os ensinamentos de Segadas Vianna quando aduz que: “A invenção da máquina e sua aplicação à indústria iriam provocar a revolução nos métodos de trabalho e, consequentemente, nas relações entre patrões e trabalhadores (...) tudo isso iria importar na redução da mão de obra” (SUSSEKIND, 1997, p. 34). Sobre a passagem, destaque-se a lição extraída de artigo do ilustre Ministro Alexandre Belmonte (2008, 295-311): A burguesia liberal ascendeu ao poder, triunfando a indústria capitalista. Os ideais iluministas, de liberdade, igualdade e fraternidade se propagam pela Europa. Com a Revolução Industrial, deu-se a passagem para a sociedade industrial e consolidou-se o liberalismo. O período do liberalismo é caracterizado como sendo a primeira dimensão dos direitos fundamentais, direitos de liberdade individual/formal, de dimensão negativa, caracterizado pelo abstencionismo estatal, no qual o Estado não poderia intervir no mercado produtivo. O abstencionismo estatal, ao contrário do que se imaginou, acabou por agravar ainda mais a situação do trabalhador, antes incorporado nas oficinas de forma mais digna, passando a ter uma liberdade meramente formal, haja vista que não possuía condições dignas de usufruir dessa liberdade. Tal período é marcado pela enorme desigualdade econômica e social. 319 Tal desigualdade se deu, principalmente, em razão da substituição da mão de obra pelo maquinário, tal fato acarretou a excessiva oferta de trabalhadores, que passou a ser absolutamente maior que a demanda, contribuindo, em larga escala, para a desvalorização do trabalhador. Na busca desesperada de emprego, os trabalhadores se submetiam à jornadas extenuantes e salários miseráveis, admitindo-se, ainda, a exploração de mulheres, idosos e crianças. Soma-se a tudo isso o quadro de desemprego, péssimas condições de vida do trabalhador que passa a viver aglutinado nas grandes cidades, ao redor das indústrias, na busca incessante de um emprego. Constata-se, pois, que após a Revolução Industrial, com seus objetivos de produção em massa, a mão de obra dos trabalhadores livres passou a ser explorada de forma totalmente abusiva, em sua maioria das vezes que sem qualquer controle estatal. Como forma de se combater os enormes abusos a que eram acometidos os trabalhadores surgem os primeiros movimentos sociais que posteriormente culminaram na eclosão do pensamento socialista. Ato contínuo, nas palavras do Ministro Alexandre Belmonte (2008, p. 295-311): Surge o Estado Social e o Direito do Trabalho, as constituições sociais de 17 (México) e 19 (Weimar) e a O.I.T. (19). Deu-se a expansão dos direitos sociais na industrialização crescente e postos de trabalho no setor de serviço decorrente da produção e das relações sociais. Como saída para a proliferação dos ideais socialistas, os países capitalistas, em especial, os Estados Unidos, são obrigados a fazer algumas concessões de cunho protecionista aos trabalhadores para que, com isso, pudessem frear a disseminação comunista. Tangente às renúncias perpetradas pela classe empresária, destaca-se o posicionamento de Leandro do Amaral Dorneles (2002, p. 42): O grande pacto social firmado no capitalismo organizado representou, por parte dos trabalhadores, a aceitação lógica do lucro e do mercado como princípios orientadores do desenvolvimento. Em troca, seriam defendidos padrões mínimos de vida, direitos sindicais e direitos democráticos liberais. Ainda, seria combatido o 320 desemprego em massa e a renda real dos trabalhadores subiria gradualmente de acordo com a produtividade do trabalho, tudo isso através da intervenção do Estado. As concessões nada mais foram que a criação de normas protetivas em beneficio dos trabalhadores, ou seja, a criação do direito do trabalho. Ocorre que, os países capitalistas obrigando-se a garantir a proteção dos trabalhadores teriam seu custo de produção elevado, acarretando a queda da competitividade. Objetivando a reestruturação do mercado produtor, criou-se uma organização internacional, que posteriormente, veio a se tornar a OIT – Organização Internacional do Trabalho, para que pudessem ser estendidas as obrigações trabalhistas assumidas a todos os demais países capitalistas, visando sempre a garantia da competitividade mundial pela equiparação dos custos de produção. Percebe-se, pois, que, justamente em razão da exploração abusiva dos trabalhadores, surgiu a necessidade da tutela dos empregados, que somente foi conquistada após intenso movimento e revolta social. Neste ponto aponta-se como pano de fundo a transição da primeira dimensão dos direitos fundamentais, direitos de liberdade individual/formal, de dimensão negativa, caracterizado pelo abstencionismo estatal, para a sua segunda dimensão, de liberdades sociais e materiais, de dimensão positiva, caracterizado pelo intervencionismo estatal. A criação do direito do trabalho, por sua vez, nada mais foi do que uma verdadeira forma de intervenção do Estado no sistema produtivo e, por conseguinte, na economia. Considerando-se a Revolução Francesa e Industrial como sendo, na verdade, uma série de mudanças tecnológicas que acarretaram na total subversão das ordens econômica, social e política do sec. XVIII e XIX, constata-se que foi exatamente em razão desta revolução tecnológica que surgiu a necessidade da tutela dos trabalhadores, por meio da criação do direito do trabalho, verdadeiro instrumento de proteção do trabalhador-cidadão em face do capital. Não poderia ser diferente com os novos avanços tecnológicos, decorrentes da atual fase de globalização, ou seja, o direito do trabalho, diante 321 da nova sistemática de produção e exploração do trabalho, deve adaptar-se, reformular-se, adequando-se aos novos anseios, à nova sistemática econômica, para continuar a garantir a proteção dos trabalhadores sobre o poderio econômico empresarial. É justamente na busca desta fórmula de proteção frente à globalização e aos avanços tecnológicos que a doutrina e a jurisprudência trabalhistas tentam, ora pelo enrijecimento, ora pela flexibilização dos direitos trabalhistas, perpetrar a garantia dos trabalhadores, e nas brilhantes palavras da Dra. Vólia Bomfim (2010, p. 6): “A ciência jurídica depende do modelo de Estado praticado. Este, por sua vez, é moldado pela economia interna e externa.” 2 Atual panorama econômico mundial Como visto acima, o sistema jurídico de tutela dos trabalhadores foi idealizado e construído no momento áureo do sistema produtivo industrial, visando, naquele momento, garantir, por meio da interferência do Estado na economia, um mínimo de dignidade para os trabalhadores, parte hipossuficiente na relação empregatícia. Ocorre que, o sistema econômico-produtivo, até então vigente, teve de se reestruturar em razão da crise do petróleo da década de 1970 que, elevando os custos operacionais do transporte, obrigou as empresas a buscarem outra saída para a distribuição de mercadorias e/ou redução de custos da produção. Como alternativa à crise do petróleo, as empresas passaram a investir na informática, na automação, nas comunicações e na produção globalizada, fato este que culminou no surgimento da telemática (telecomunicações por meio da informática) e a robótica, inaugurando-se assim a era pós-industrial ou tecnológica. Viabilizando-se a integração de sociedades e culturas por meio de comunicação rápida e eficaz. Pelo sistema mundial de computadores, estabeleceu-se a globalização que, nas palavras da Desembargadora Vólia Bomfim (2010, p. 6) se caracteriza como sendo: (...) o processo mundial de integração de sistemas, de culturas, de produção, de economias, do mercado de trabalho, conectando comunidades e interligando o mundo através de redes de comunicação e demais instrumentos tecnológicos, quebrando fronteiras e barreiras. 322 Constatada a globalização, pode-se destacar os seguintes efeitos na economia e, consequentemente, nas relações de trabalho: Como decorrência da globalização e da automação, postos tradicionais de trabalho foram eliminados, por obsoletos; acelerou-se a incapacidade de absorção, pela indústria, do mesmo contingente proporcional de mão de obra; tornou-se possível que o mesmo produto ou serviço pudesse ter as suas etapas de elaboração espalhadas por diversos locais ou mesmo diversos países, gerando concorrência mundial de mão de obra e precarizando as condições de trabalho; o capital passou a ter enorme mobilidade, transferindo-se para os locais de menor custo; passou-se a valorizar a qualificação, em detrimento da especialização (BELMONTE, 2008, p. 295-311). Quanto às consequências da globalização necessário ressaltar, pela importância ao tema ora debatido, a crescente taxa de desemprego, originada pela automação dos antigos postos de trabalho, somado à importação de mão de obra estrangeira ou mesmo pela possibilidade de prestação dos serviços à distancia, ou seja, pelo deslocamento da produção para o exterior (BONFIM, 2010, p. 9). Segundo Luiz Gonzaga, o resultado do desemprego em massa, em face da significativa redução de pessoas trabalhando no mercado, mesmo que de maneira informal, acarretou “extrema pobreza, formação de uma categoria de indigentes, aumento e extensão do consumo de drogas e da criminalidade, enfim, tudo que conduz à desintegração social” (ADOLFO, 2001, p. 66). Diante da total subversão da ordem econômica mundial, começa-se a questionar a efetividade do Direito do Trabalho, que, aparentemente, não é mais suficiente para a proteção dos trabalhadores. Isso porque o ambiente do trabalho, em que as normas trabalhistas tiveram sua criação, mostra-se totalmente diverso do modelo econômico atualmente vigente, permitindo concluir que o sistema jurídico bolado para aquele momento históricoeconômico, ou seja, pelo sistema intervencionista criador de desigualdades jurídicas, para suplantar as desigualdades econômicas já não mais atende aos anseios dos trabalhadores modernos. Exatamente neste sentido são as lições do Dr. Alexandre Belmonte (2008, p. 295-311): 323 O clássico contrato individual de trabalho, engendrado conforme as necessidades de outrora, ou seja, sob o impacto da Revolução Industrial, dos nefastos efeitos da omissão do Estado liberal e para pacificar a questão social, procurou corrigir as desigualdades econômicas através de desigualdades jurídicas impostas pelo Estado interventor. Esse modelo serviu por mais de um século às finalidades protetivas da mão de obra em meio a grande período de crescimento econômico. Serviu enquanto durou o modo de prestação do serviço conhecido até a experimentação dos efeitos das novas tecnologias, que simplesmente derrubaram as barreiras espaciais e temporais do trabalho, automatizaram a mão de obra urbana e rural, eliminaram postos de trabalho convencionais, diminuíram a necessidade numérica de trabalhadores e modificaram sobremaneira o objeto e os custos da produção. Neste momento de crise, aliado ao pensamento neoliberal, passa-se a questionar, nos países menos desenvolvidos, o direito trabalhista, vez que responsável pela elevação excessiva do custo de produção, o que diminui, ainda mais, a competitividade dos mercados. Nesse sentido são as elucidações de Vólia Bomfim (2010, p. 17): Argumentam os neoliberais que a alta proteção trabalhista e o bem estar social como praticados no Brasil ocasionaram sociedades ocidentais não (ou menos) competitivas em relação às economias industrializadas sem garantias e, por isso, tais direitos dever ser drasticamente reduzidos, diminuindo-se os gastos, o que possibilita uma melhor competitividade no mercado. (...) O Direito do Trabalho passa a ser o vilão da história. Passase a adotar expressões como “custo trabalhista”, “risco trabalhista”, “passivo trabalhista” como entraves à maior lucratividade. Nessa mesma esteira de ideias e incentivando o pensamento neoliberal necessário se faz lembrar da alta competitividade dos mercados produtivos asiáticos que ganham, a cada dia, mais espaço nos mercados ocidentais, em virtude, justamente, de seus baixos preços, conquistados, sabidamente, pela total desregulamentação de suas normas trabalhistas. Exatamente neste sentido, considerando a atual realidade do desemprego global, sempre observado em face da rigidez da legislação trabalhista, surgiu na Europa um movimento de ideias que prega os institutos 324 da flexibilização e desregulamentação do Direito Trabalhista, movimento este que conquistou vários adeptos dentre os juristas, legisladores e operadores do direito brasileiro. É neste retrato socioeconômico que se devese pensar/analisar a possibilidade de flexibilização das regras trabalhistas, autônoma ou heteronomamente, como forma, acima de tudo, de se garantir a sobrevivência das fontes produtoras e, consequentemente, a manutenção do emprego. Neste campo de pensamento flexibilizante é que entram os sindicatos. No entanto, necessário se mostra analisar, de forma conjunta, a efetividade e a força negocial dos sindicatos para validar ou não as flexibilizações perpetradas pelas negociações coletivas. 3 Flexibilização – surgimento e evolução Etimologicamente, a palavra flexibilização pode ser definida como sendo a possibilidade de tornar algo flexível, maleável, ou, em sentido negativo, tornar algo menos rígido. No entanto, ao contrário do que se pensava na origem do instituto, não se trata, simplesmente, de eliminar as normas trabalhistas, ou mesmo torná-las menos rígidas. O instituto evoluiu para entendermos, hodiernamente, como sendo uma forma de adaptação do direito ao novo modo de produção. O instituto da flexibilização, como já dito, surgiu na Europa. Na doutrina europeia a flexibilização pode se dar de duas formas: pela adaptação, mais branda, definida pela mitigação das normas sem afastá-las; e pela desregulamentação, mais radical, que se caracterizaria pela eliminação de algumas normas protetivas. Desregulamentação pode ser conceituada pela ausência do Estado, ou seja, pela revogação de direitos impostos pela Lei, permitindo a livre manifestação de vontade para regulamentar a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A teoria da desregulamentação foi de plano descartada pela esmagadora doutrina mundial, que pode ser sintetizada, nas palavras da Desembargadora Vólia Bomfim Cassar (2010, p.19): É certo que a nova ordem econômica exige uma revisão da legislação trabalhista brasileira para harmonizar os 325 interesses profissionais e empresariais, flexibilizando algumas regras até então rígidas e inflexíveis. Todavia, não se pode admitir a inteira desregulamentação ou a flexibilização ampla dos direitos trabalhistas, sem uma garantia mínima. Como afirma Sussekind (2003, p. 201) “há normas fundamentais que, independentemente das prioridades nacionais, são inseparáveis do esforço da humanidade em favor da justiça social”. O Brasil então, adotando a tendência mundial, optou somente pela forma mais sutil, qual seja, a flexibilização pela adaptação (LIMA, 2005), ou seja, pelaadaptabilidade as normas de direito do trabalho às novas exigências do momento econômico, social, histórico e cultural.32 No direito trabalhista brasileiro, Flexibilização pode ser conceituada da seguinte forma: “Flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida lei trabalhista, autorizar a adoção de regras especiais para casos diferenciados” (BONFIM, 2010, p. 40). Ou ainda como: “adaptação de normas jurídicas trabalhistas para atender as alterações na economia, refletidas nas relações de trabalho e capital” (CATHARINO, 1997, p. 51). Pela simples leitura do trecho supra transcrito, constata-se a superação do pensamento voltado para a eliminação de normas trabalhista, ou seja, da desregulamentação, direcionando-se o foco para interpretar o instituto da flexibilização como sendo, na verdade, uma alternativa para enquadrar a nova forma produtiva e econômica dentro dos limites legais, ou seja, uma forma de adaptação. Entretanto, mesmo considerando-se a flexibilização da forma mais branda possível, é necessário ressaltar, desde já, que toda e qualquer redução de direitos trabalhistas deve se dar de forma criteriosa e pontual, visando quase que exclusivamente a manutenção da fonte produtora e sempre observando, como limites, o direito à dignidade da pessoa humana, os direitos 32 Perceba-se que na flexibilização por adaptação, ao contrário do que ocorre na desregulamentação, a proteção ainda existe, porém ela é limitada, mitigada.Trata-se do negociado sobre o legislado, mas mantendo as regras mínimas de proteção ao trabalhador. 326 fundamentais do trabalho, a preservação da proteção do trabalhador, os fins sociais de empresa, e, por fim, o principio da condição mais favorável 33. Nesse sentido, e segundo Arnaldo Sussekind (1999, p. 49), o instituto da flexibilização pode ser classificado da seguinte forma: 1) Flexibilização Funcional – trata-se da multifuncionalidade do trabalhador, ou seja, da adaptação do pessoal para que assumam novas tarefas e novos métodos de produção; 2) Flexibilização Salarial – trata-se da vinculação da remuneração à produção; 3) Flexibilização Numérica – se vincula à possibilidade de adaptação do fator de trabalho à demanda dos produtos da empresa; 4) Flexibilização para manutenção da saúde da pessoa jurídica – consistente na redução ou supressão de vantagens para a superação da crise econômica, por meio de norma coletiva. Quanto aos agentes, o renomado jurista divide a flexibilização em três tipos: 1) Unilateral – quando imposta pela autoridade pública ou pelo empregador; 2) Negociada – quando negociada com o sindicato 3) Mista – quando se aceita uma ou outra forma de flexibilização acima. Amauri Mascaro Nascimento (1999, p. 127), por sua vez, sugere ainda uma outra classificação: 1) Quanto a finalidade: a) Proteção – quando se prestar a preservar a ordem social ou, em última análise, favorecer o empregado; b) Adaptação – quando se der por meio de acordos derrogatórios, ou seja, por intermédio da autonomia coletiva; c) Desproteção – quando suprimir direitos, sendo sinônimo de desregulamentação. 2) Quanto ao conteúdo (que analisa a flexibilização do sistema normativo dividido entre): a) Totalmente legislado 33 Este principio é elevado ao status constitucional em razão do caput do art. 7º da CF que aduz que “outros que visem a sua melhoria de condição social” 327 b) Misto c) Aberto 3) Quanto às formas de contratação: a) Por meio de contratos por prazos determinados; b) Pela terceirização; c) Por meio de contrato por tempo parcial d) Pelo emprego dividido e) Por empregos flutuantes 4) Quanto aos direitos do trabalhador a flexibilização recai sobre: a) Compensação de jornada, supressão de horas extras e de sua integração ao salário; b) Redução dos salários por acordo coletivo, desindexação dos salários, remuneração variável; c) Suspensão do contrato d) Reclassificação dos modelos de dispensa Há ainda quem classifique em flexibilização condicionada, quando a renúncia de direitos do trabalhador é acompanhada com alguma contrapartida do empregador; e incondicionada em que não há qualquer compensação por parte da empresa (BONFIM, 2010, p. 55). Já Alice Monteiro de Barros (2005, p. 82) classifica a flexibilização em “normativa” e “de novo tipo”. A flexibilização normativa seria heterônoma, ou seja, imposta unilateralmente pelo Estado, já a de novo tipo se vincula a ideia de autonomia, pressupondo a primazia da negociação coletiva. Pela análise da Constituição Federal, de uma maneira isolada, nos permitiria concluir que o Brasil adotou tão somente, a flexibilização negociada ou autônoma, já que, somente, permite a flexibilização de direitos em três hipóteses e sempre mediante a participação do sindicato. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; (...) 328 XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. Entretanto, o que se percebe é que, no Brasil, permite-se a flexibilização heterônoma, implementada por lei, que inclusive não se restringe às hipóteses constitucionais, acima citadas, como foi o caso, a título de exemplo, da criação do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), em substituição à estabilidade decenal. É exatamente sobre as hipóteses em que o ordenamento não prevê a possibilidade de flexibilização, por negociação, que o tema merece atenção. 4 Hipóteses de flexibilização heterônoma infraconstitucional Uma das primeiras manifestações do instituto da flexibilização, no Brasil, deu-se por meio da Lei 4.923, de 1965, que permitia a redução geral, e transitória, dos salários dos empregados, até o limite de 25%, por meio de acordo sindical. Num segundo momento, aponta-se a Lei 5.107, de 1966, instituidora do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, permitindo a despedida de forma livre dos empregados regidos pelo FGTS, ou seja, que acarretava na renúncia à estabilidade decenal. Ainda, a título de exemplos de normas infraconstitucionais que, de certa forma, aplicaram efeitos flexibilizantes ao Direito do Trabalho brasileiro, cita-se: a Lei 6.019, de 1974, conhecida como a Lei do Trabalho Temporário; a Lei 6.494, de 1977, a Lei do Estagiário (substituída, recentemente, pela Lei 11.788/2008); e a Lei 9.601, de 1998, a Lei do Contrato Temporário. Acrescente-se a isso, ainda, a possibilidade de compensação das horas extras por meio dos bancos de horas.34 34 São outras hipóteses legais de flexibilização: a) Revogação de normas protetivas ao trabalho da mulher, permitindo o trabalho insalubre, perigoso e noturno; b) Criação de mais hipóteses de contratos determinados pelo Decreto 229/67 que alterou o art. 443 da CLT; c) Programa de alimentação do trabalhador afastando a natureza salarial da alimentação in natura pela Lei 6321/76; d) Imposição de terceirização ao vigilante pela Lei 7102/83; e) Permissão do aumento de jornada do funcionário sob o cargo de confiança; f) Permissão de adoção do regime de trabalho por tempo parcial com a consequente 329 5 Hipóteses de flexibilização autônoma – visão dos tribunais Como será demonstrado, a jurisprudência trabalhista brasileira tem alargado, por vezes, sem qualquer critério, as hipóteses constitucionalmente previstas para a flexibilização autônoma, ou seja, pela flexibilização por meio de negociação coletiva. É exatamente sobre as hipóteses extra constitucionais que se debruçam os estudos doutrinários bem como boa parte da discussão jurisprudencial. Como bom exemplo de hipótese de flexibilização, por negociação, aceita pelo Tribunal Superior do Trabalho, desta-se a redação da OJ 342, II, da SDI-1 do TST: INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. EXCEÇÃO AOS CONDUTORES DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS, EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO. I – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT - e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva. II – Ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os condutores e cobradores de veículos rodoviários, empregados em empresas de transporte público coletivo urbano, é válida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a redução do intervalo, desde que garantida a redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e duas semanais, não prorrogada, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionários ao final de cada viagem, não descontados da jornada. redução salarial – art 58§2º CLT; g) criação do contrato provisório pela Lei 9601/98; h) Redução das hipóteses de salário utilidade; i) Limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho; j) Autorização de transação e renúncia de direitos trabalhistas, durante ou após a extinção do contrato de trabalho nas Comissões de Conciliação Prévia; dentre outras [...]. 330 Cita-se, também, a Súmula 85, do TST, que permite a compensação de jornada atreves de acordo individual, desde que obedecida a forma escrita e a ausência, ou omissão, de proibição em instrumento coletivo: SUM-85 COMPENSAÇÃO DE JORNADA I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva. Além das hipóteses supra transcritas, há jurisprudência, também, no sentido de permitir a flexibilização autônoma desde que seja condicionada, ou seja, desde que haja uma contrapartida ao trabalhador por meio de concessões recíprocas, adotando-se a Teoria da Conglobalização dos Pactos Coletivos: REAJUSTE SALARIAL DIFERENCIADO PREVISTO EM ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO À FUNÇÃO GRATIFICADA INCORPORADA. Decorrem as negociações coletivas de concessões recíprocas, em que se observa a autonomia das partes convenentes, sedimentada na Carta Magna, as quais podem abrir mão, inclusive, de uma vantagem, em prol de condições que lhes tragam maiores benefícios. Tal flexibilização ajustada, patenteia-se, a exemplificar, nas disposições do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal. Há, pois, que prevalecer o Acordo Coletivo do Trabalho, que determina índices de reajuste diferenciados para as 331 diferentes rubricas salariais, estabelecendo que o reajuste de 25% tem pertinência, tão somente, à tabela de empregos permanentes da Reclamada – EP, não se estendendo à gratificação de função incorporada.35 Por fim, necessário ressaltar importante crítica de Vólia Bomfim (BONFIM, 2010, p. 48-49) aos julgados de nossos tribunais quando constata que: Todavia, ainda há jurisprudência do TST no sentido de aceitar a flexibilização de qualquer direito. Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a Constituição autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo, logo o menos também é permitido. Como visto, a jurisprudência brasileira tem expandido de forma ampla e, em alguns casos, sem qualquer limite, as hipóteses de negociação coletiva para além daqueles casos em que se busca a saúde da empresa, ou seja, para além dos casos em que o que se está em jogo seria a própria existência da empresa, hipótese esta que se permitiria indiscutivelmente a flexibilização, haja vista que se estaria visando um bem maior, a própria proteção ao emprego. Entretanto, para concluirmos pela possibilidade (ou não) de aumento/alargamento das hipóteses de flexibilização dos direitos trabalhistas pelas negociações coletivas, necessário se mostra o estudo da força (ou não) sindical brasileira, tendo ponto de análise a unicidade sindical. Sindicalismo – surgimento e evolução Para a compreensão do sistema sindical atualmente utilizado no país é preciso, antes, realizar um breve histórico do surgimento do sindicalismo no mundo e, posteriormente, no Brasil. Ao contrário do que se costuma pensar, a origem do direito sindical não se encontra propriamente nas corporações de ofício da Idade Média. Isso porque os regulamentos até então existentes se destinavam mais á proteção da corporação do que dos seus membros. 35 TRT/DF – Processo n.º 00704.2004.011.10.00.3 – Rel. Designado: Juiz Alexandre Nery de Oliveira. DJ/DF 14/01/2005 332 A origem do direito sindical pode, entretanto, ser identificada neste mesmo período nas associações de companheiros, que segundo Arion Sayão Romita (1976, p. 30-31) revelavam certa afinidade com os sindicatos por representarem movimento contra os mestres, com a realização de greves, até, em consequência de sua insatisfação com o rígido controle do trabalho e impossibilidade de acesso ao último grau das corporações. Tais associações foram, juntamente com as corporações de ofício, suprimidas, gradativamente, em virtude do pensamento liberalista desenvolvido após a Revolução Francesa, vez que sua dinâmica não se enquadrava nos ideais de liberdade individual. Exatamente neste sentido são as lições de José Claudio Monteiro de Brito Filho (2009, p. 50) em sua obra Direito Sindical: (...) a supressão das corporações de ofício, decorre da adoção do liberalismo, que se revela incompatível com a existência de associações ou assemelhados que se pudessem sobrepor entre os indivíduos e o Estado. Ou ainda, em outras palavras, corrobora Amauri Mascaro Nascimento (1986, p. 3): O liberalismo da Revolução Francesa de 1789 suprimiu as corporações de ofício, dentre outras causas, por sustentar que a liberdade individual não se compatibilizava com a existência de corpos intermediários entre o indivíduo e o Estado. Para ser livre, o homem não pode ser subordinado à associação porque esta suprime a sua livre plena manifestação, submetido que fica ao predomínio da vontade grupal. Chega-se, então, à segunda metade do Sec. XVIII, momento em que as profundas alterações socioeconômicas, proporcionadas pela Revolução Industrial, criaram o arcabouço necessário para o surgimento do sindicalismo como atualmente se conhece. Como principais fatores responsáveis pela criação do sindicalismo, destaca-se o grande excedente de trabalhadores, a inexistência de qualquer força negocial individual, mas, essencialmente, a aglutinação de pessoas nas cidades e ao entorno das fábricas, resultantes do êxodo rural para a busca de emprego, tudo isso somado à proliferação dos ideais socialistas. 333 Sobre este ponto, Antonio Álvares da Silva (1979, p. 28) afirma que “o despertar da consciência coletivista das classes trabalhadoras” foi a contribuição da Revolução Industrial. Doutrinariamente, divide-se a evolução do sindicalismo no mundo em três fases, sendo a primeira, a fase de proibição, momento em que além de não possuir qualquer reconhecimento legal, em alguns países como, por exemplo, a França, a associação era inclusive tipificada como crime. 36 Em um segundo momento, chega-se à fase do reconhecimento, haja vista que “O Estado então, como não podia deixar de ser, deixou de lado sua postura de indiferença legal à questão e se curvou a uma realidade que não havia como ser ignorada” (BRITO FILHO, 2009, p. 54). Neste momento histórico, pela relevância do tema destaca-se a Constituição do México, em 1917 e em seguida a Constituição de Weimar, da Alemanha em 1919. Não se pode esquecer também da criação da OIT pelo tratado de Versailles, também em 1919. Por fim, alcança sua fase final, qual seja, a do sindicalismo internacional, que ocorre de diversas formas, dentre elas, como bem destaca Alfredo Ruprecht, “por meio de organizações sindicais de mais de um país; pelas convenções celebradas pelos Estados e pela atuação da Organização Internacional do Trabalho” (RUPRECHT, 1995, p. 75). Entretanto, como cediço, o surgimento, e o amadurecimento do direito sindical, não se deu de forma uniforme em todos os países, nesse sentido as palavras de Alfredo J. Ruprecht (1995, p. 75): “Costuma-se dividir a evolução do sindicalismo em três períodos, mas é preciso ter em mente que essa evolução não se processa simultaneamente em todos os países e que, em alguns, certos períodos não se dão ou não são nitidamente precisos”. Cumpre, agora, relatar, de forma sucinta, o histórico do sindicalismo no Brasil. O sindicalismo, no Brasil, teve seu surgimento em momento posterior ao do movimento sindical europeu. Isso porque, como cediço, vigorava no Brasil, naquele momento histórico, o regime escravocrata de exploração da mão de obra. 36 Vide Lei de 22 de germinal do ano XI (12 de abril de 1803). 334 Com o desaparecimento da escravatura, pela Lei do Ventre Livre (1871) e, posteriormente, pela Lei Áurea (1888), com a consequente promulgação da primeira Constituição Brasileira, em 1891, garantiu-se o direito de livre associação, estava aí formado o arcabouço necessário para germinar o sindicalismo brasileiro. O Estado deixa de regular as relações de trabalho, dentro da concepção de ser o contrato o instrumento apto a regular a relação entre trabalhador e empregador. Este é um período, entretanto, relativamente fértil para o sindicalismo (BRITO FILHO, 2009, p. 58). Neste período, além de inúmeras associações de classe, surgem, também, as primeiras leis sindicais, dentre elas, o Decreto n.º 979, de 1903, e o Decreto n.º 1637 de 1907. Esta época, segundo Mascaro, foi denominada de anarcosindicalismo ou sindicalismo revolucionário, vez que apolítico, voltado, apenas, para as questões profissionais, tendo sido precursor de inúmeros movimentos grevistas. Tais sindicatos eram basicamente compostos por imigrantes europeus, mais cultos do que os trabalhadores brasileiros e ainda mais discriminados. A partir de 1930, inicia-se, no Brasil, uma fase que, segundo Romita (1976, p. 35), teve “feição intervencionista, sujeitando o sindicato ao Estado e retirando-lhe a autonomia. Firmou-se a regra do monossindicalismo”, cujos traços persistem até hoje. Estabeleceu-se, ainda, neste período, a sindicalização por categoria, estruturou-se o sistema confederativo, transformou-se o sindicato em órgão de colaboração do Estado, deu-lhe uma função assistencial extirpando qualquer cunho político. Luiz Werneck Vianna (1989, p. 146-147) sintetiza que tal período foi marcado pela “Desmobilização, despolitização e desprivatização.” Este modelo, que deveria ter vida curta, em razão da promulgação de nova Constituição, em 1934, que previa a pluralidade, liberdade e autonomia sindical, foi brevemente retomado, quando da implantação do Estado Novo, e sua nova ordem Constitucional de (1937). 335 Tal panorama se manteve mesmo com o fim do Estado Novo ou mesmo com a implementação do Regime Militar de 1964. Chega-se, então, à promulgação da Carta Magna de 1988, que apesar de pregar a liberdade sindical, mantém as bases do sistema corporativista: a unicidade sindical; a contribuição compulsória e a competência normativa da Justiça do Trabalho, as quais, juntas, denominamos de tripé da incompetência ou tripé da farsa, por sustarem um sindicalismo sem compromisso com suas bases, além de outras restrições dissonantes de um regime de liberdade sindical (SILVA NETO, 1998, p. 131). Para elucidação, necessário transcrever a redação do artigo 8º, caput e inciso II da Constituição Federal de 1988: Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município. Em que pese a adoção formal da liberdade sindical, o que se percebe no direito trabalhista brasileiro são traços marcantes do modelo sindical antiquado e superado na medida em que, nas palavras de Arnaldo Sussekind, “a organização sindical montada pela Constituição de 1988 reproduziu, surpreendentemente, a Constituição de 1937”37. Isso porque, a liberdade sindical deve garantir, por definição, o direito dos trabalhadores de constituir as organizações sindicais da melhor forma que julgarem pertinentes ou convenientes, ditando suas próprias regras de funcionamento e direcionando suas ações, sempre com total liberdade de ingresso, permanência ou retirada, o que de fato não ocorre no sistema sindical adotado pela Constituição de 1988. 37 SUSSEKIND. Arnaldo. Os direitos constitucionais trabalhistas. In: MONTESSO, Claudio José; FREITAS, Marco Antonio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges (coord.). Direitos Sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTr, 2008, p. 48 336 Pela simplicidade das palavras de Amauri Mascaro Nascimento (1989, p. 115-128) pode-se subdividir a liberdade sindical em 5 formas distintas: como liberdade de associação; como liberdade de organização; como liberdade de administração; como liberdade de exercício das funções e como liberdade de filiação sindical. Pelo primeiro aspecto, deve ser garantida a existência de sindicatos. O segundo, relativo à liberdade de organização, pressupõe a organização espontânea das entidades sindicais, de qualquer grau, vedada a interferência do Estado. O terceiro aspecto, referente à liberdade de administração, é expresso em duas ideias básicas, sendo a primeira delas a democracia interna, que corresponde á possibilidade das entidades definirem seu regramento interno e a autonomia externa, significando a impossibilidade de interferência externa. A liberdade de exercício de funções, que é o quarto aspecto da liberdade sindical, diz respeito à atuação dos sindicatos, na busca do cumprimento de suas funções. Por derradeiro, temos o quinto aspecto, que importa no direito de filiação e desfiliação, não podendo alguém ser obrigado a ingressar ou não em entidade sindical. Constata-se, pois, que o conceito de liberdade sindical não constitui noção simples, “engloba, na realidade, varias liberdades e representa, na verdade, um feixe de liberdades” (ROMITA, 1991, p. 224) o que, infelizmente, não tem correspondido à realidade brasileira. Para simplificar a analise das liberdades decorrentes da liberdade sindical no direito Brasileiro, seguiremos a ordem supra mencionada e proposta por Amauri Mascaro Nascimento. O primeiro aspecto a ser enfrentado diz respeito á liberdade de associação que reflete a necessidade de se assegurar o direito de trabalhadores e empregadores criarem organizações sindicais sem que haja qualquer controle ou embaraço discricionário pelo Estado. Num primeiro momento, constata-se que o modelo de unicidade sindical não segue à risca a liberdade de associação, conforme idealizada, vez que essa possibilidade é restringida por categoria, por alcance territorial, bem como por prioridade, ou seja, “quem chegar primeiro leva o prêmio” 38. 38 STF-RE n.º 209.993, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 22.10.1999 e STF-RE n.º 199.142, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 14.12.2001 337 O segundo aspecto, diz respeito à liberdade de organização, como o próprio nome diz relaciona-se com o direito de os trabalhadores e empregadores definirem seu modelo de organização sindical. Tal liberdade, nas palavras de José Claudio Monteiro, se mostra absolutamente incompatível com: restrições que digam respeito ao numero de sindicatos existentes; à forma de constituição dos grupos que podem integrar um determinado sindicato; aos tipos de entidades sindicais que podem ser constituídas, em suma, tudo que disser respeito a qualquer forma de vedação ou limitação ao direito de livre estruturação das entidades sindicais. A liberdade de administração, por sua vez, diz respeito à liberdade de organização interna, não podendo sofrer interferências de terceiros ou mesmo do Estado. Quanto à liberdade de exercício das funções deve ser conferido às associações todas as prerrogativas para o fiel desempenho de suas finalidades, quais sejam: garantir a igualdade de autonomia criativa e discursiva do trabalhador por meio da ampliação da capacidade comunicativa dos trabalhadores entre si e destes com os empregadores (GOMES, 2013, p. 170171). Como último aspecto mencionado encontra-se a liberdade de filiação sindical que consiste, basicamente, no direito amplo e irrestrito de os trabalhadores e empregadores decidirem pela filiação ou não, ou ainda, caso filiados, o direito de permanecer ou não. Ocorre que no direito brasileiro, seguindo a doutrina americana das “agency shop”, que embora o empregado não seja obrigado a filiar-se a nenhum sindicato, fica obrigado a uma contribuição como forma de se evitar os “free riders”, ou seja, como forma de evitar com que alguns não filiados se beneficiem de graça pela luta dos sindicatos, adotou a Contribuição Sindical. No exato sentido de se resguardar as cinco dimensões da liberdade sindical é que a OIT, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagram o principio da liberdade sindical de forma ampla. 338 Convém ressaltar, pois, a Convenção n.º 87, da Organização Internacional do Trabalho, intitulada de “Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização” que registra: Artigo 2º - Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a elas se filiarem. Artigo 3º - 1. As organizações de trabalhadores e empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regimentos, eleger livremente seus representantes, organizar sua administração e atividades e formular seus programas de ação. 2. As autoridades públicas abster-seão de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou cercear seu exercício legal. Importante mencionar que o Brasil não ratificou a Convenção n.º 87 da OIT. Entretanto, de forma contraditória o país ratificou a Convenção n.º 98, que complementa a anterior. Em que pese a doutrina mundial, bem como as orientações da OIT, a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 8º, de forma diametralmente contrária às dimensões da liberdade sindical, prevê, expressamente, restrições no sentido de se manter a unicidade sindical, os limites de base territorial mínima, a sindicalização por categoria e o sistema confederativo da organização sindical, sem falar na definição de representação exclusiva da categoria pelo sindicato. Como visto, a partir do momento em que a Constituição de 1988 prevê que a única forma de comunicação coletiva se dê por meio do sindicato ela afasta toda e qualquer outra forma de negociação fora da entidade sindical, gerando uma gravíssima limitação à legitimidade negocial (GOMES, 2013, p. 172). Além do fato de que a criação do sindicato ser definida pelo critério da prioridade, na lógica de “quem chegar primeiro leva”, o monopólio do sindicato se dá de duas maneiras: por meio da limitação por categoria e pela limitação territorial. Uma grande critica a limitar o sindicato por categoria profissional é a própria definição da categoria profissional, haja vista que seu conceito somente 339 é encontrado a partir de uma interpretação negativa a partir da definição da categoria econômica, ou seja, se vincula não á atividade desempenhada pelo trabalhador, mas sim ao enquadramento da atividade econômica do empregador, o que de fato afasta o sindicato de seus associados, distorcendo a representatividade e, consequentemente, a capacidade negocial. A segunda critica que se faz, com relação à limitação por categoria ou mesmo pela localidade se dá em razão que todos aqueles enquadrados em determinada categoria, caso já exista um sindicato para a localidade em que se encontram, ficarão a mercê daquele sindicado já existente, seja ele atuante ou não, e não raras vezes situados em grandes centros, distanciando-se das pequenas localidades, igualando-os todos. Ademais, a representação exercida pelas entidades sindicais, no Brasil, é compulsória, ou seja, o trabalhador é afetado por suas decisões, independentemente de sua efetiva participação ou mesmo filiação ao respectivo Sindicato. Insta mencionar que outra falha que prejudica, ainda mais, o sistema atual, de representatividade compulsória, é a possibilidade daqueles que não são associados e que se veem restringidos ou limitados em algum direito, por parte do sindicato que, em tese, o representaria, poderem ajuizar ação, visando a declaração da nulidade de cláusula de acordo ou convenção coletiva, quando entender que, embora fruto de uma intensa negociação, o prejudica, significando perda de direitos, assim, requerem, por meio do judiciário trabalhista, o pagamento daquela benesse retirada, e de forma retroativa. Tais fatos, somados à instituição de contribuições devidas pelos sindicalizados, afasta, ainda mais, a motivação para a associação dos trabalhadores, o que, mais uma vez, diminui a força negocial e poder de barganha perante a classe econômica. Não se esqueça de que a limitação pelo sistema da unicidade aliado à Contribuição Sindical compulsória permite, ainda, a acomodação dos sindicatos que não mais precisam “conquistar” associados, vez que com a verba garantida, e sem concorrência, não tem qualquer estímulo à intensificação das reivindicações e a luta pela classe representada. Neste aspecto, ressalte-se que no sistema de pluralidade sindical, exigese, constantemente, que as entidades representativas busquem novos 340 associados por meio de critérios de eficiência e pela demonstração de resultados para manter sua representatividade, o que de fato estimula a luta por melhorias para toda a classe. Constata-se, pois, que no panorama de liberdade sindical distorcida, estabelecida no Brasil, pela instituição do sistema de unicidade sindical, elimina-se, quase que totalmente, a força negocial das entidades representativas, fato este que, diminuindo o poder de barganha, permite abusos por parte da classe econômica que passa a se valer dos instrumentos de negociação coletiva como mais uma forma de exploração dos trabalhadores, retirando-lhes vantagens sem qualquer contrapartida, ou mesmo sem qualquer necessidade, visando, tão somente, o aumento do lucro. É exatamente esta a conclusão de Enoque Ribeiro dos Santos (1999, p. 70): Na Europa, a flexibilização das condições de trabalho foi implementada de forma mais amena, por ter resultado de negociações com os sindicatos. Na América Latina e, principalmente, no Brasil, em que a atuação dos sindicatos é limitada pelo modelo rígido de distribuição por categorias, pela pouca representatividade e pelo forte intervencionismo estatal, as alterações legislativas serviram apenas para reduzir os direitos trabalhistas, sem produzir qualquer efeito substancial ou qualitativo no aproveitamento da mão de obra. Inexistindo, no atual sistema de unicidade, qualquer força, e ou ineresse, negocial por parte dos sindicatos representativos dos trabalhadores, ilógico se mostra permitir a amplitude negocial fora dos limites expressamente previstos, sob pena de verdadeiro retrocesso aos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de toda a evolução da sociedade moderna. Assim, para que a flexibilização autônoma, ou seja, negociada, possa se afastar de vez da desregulamentação, necessário se mostra a fixação de limites bem definidos, devendo, pois, o judiciário estar atento aos abusos cometidos, restringindo tais possibilidades somente para a proteção da própria existência da empresa e sempre levando-se em consideração à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais do trabalho, a preservação da proteção do trabalhador e, por fim, o principio da condição mais favorável. 341 Considerações finais Como visto o direito trabalhista surge em razão da crise sócioeconômica gerada pela Revolução Industrial, juntamente com a eclosão dos ideais socialistas e intervencionistas, quando se percebeu que o trabalhador, como pessoa hipossuficiente deveria ser merecedor da proteção do Estado. Soma-se a isto a fixação constitucional dos direitos trabalhistas e de princípios protetores, todos com força normativa, limitando ainda mais a liberdade negocial das partes. Percebe-se que o direito dos trabalhadores tem sua maior expressão, exatamente, em decorrência da revolução tecnológica da época que tornou possível a substituição do homem pela máquina, ocasionando a ampla e abusiva exploração dos trabalhadores. Considerando-se o contexto atual do mercado de trabalho globalizado, e levando-se em consideração as gradativas transformações econômicas no sistema produtivo, em razão da nova revolução tecnológica (telemática, robotização etc.), percebeu-se que uma possível alternativa à manutenção do direito do trabalho perante aos avanços tecnológicos seria adaptar-se, reformular-se, adequar-se aos novos anseios, à nova sistemática econômica para continuar a garantir a proteção dos trabalhadores sobre o poderio econômico empresarial. Exatamente neste sentido, considerando a atual realidade do desemprego global, sempre observado em face da rigidez da legislação trabalhista, surgiu na Europa um movimento de ideias que pregava os institutos da flexibilização do Direito Trabalhista, movimento este que conquistou vários adeptos dentre os juristas e operadores do direito brasileiro, como forma, acima de tudo, de se garantir a sobrevivência das empresas e, consequentemente, a manutenção do emprego. Importante lembrar que flexibilização deve ser entendida no ordenamento brasileiro não como forma de desregulamentação, mas sempre como forma de adaptação, destacando-se, pela conexão ao tema, a flexibilização autônoma, ou seja, negociada, por meio das organizações sindicais. No entanto, para avaliar-se a viabilidade ou não da flexibilização autônoma, necessário se mostrou analisar, de forma conjunta, a efetividade e a 342 força negocial dos sindicatos para validar ou não as flexibilizações perpetradas pelas negociações coletivas. Nesse sentido, demonstrou-se que, no atual sistema de unicidade, inexiste qualquer força negocial por parte dos sindicatos representativos dos trabalhadores, haja vista que o modelo de unicidade sindical não segue à risca a liberdade de associação, conforme idealizada, vez que essa possibilidade é restringida por categoria, por alcance territorial, bem como por prioridade, ou seja, “quem chegar primeiro leva o prêmio”. Demonstrou-se ainda que tais limitações oriundas da unicidade sindical quando somadas à obrigatoriedade da Contribuição Sindical agravaram, ainda mais, a situação, prestigiando a acomodação e o desinteresse dos sindicatos que não mais precisaram “conquistar” associados, vez que com a verba garantida e sem concorrência, não terão qualquer estímulo à intensificação das reivindicações e na luta pela classe representada. Constata-se, pois, que no panorama de liberdade sindical distorcida, estabelecida no Brasil, pela instituição do sistema de unicidade sindical, eliminou-se quase que totalmente a força negocial das entidades representativas, fato este que, diminuindo o poder de barganha, permitiu abusos por parte da classe econômica que se passou a valer dos instrumentos de negociação coletiva como mais uma forma de exploração dos trabalhadores retirando-lhes vantagens sem qualquer contrapartida, ou mesmo sem qualquer necessidade, visando, tão somente, o aumento do lucro. Nesse exato sentido são as palavras do ilustre Fabio Rodrigues Gomes (2013, p. 201): “A rigor, a chamada flexibilização tornou-se sinônimo de retrocesso social, diminuição da proteção ou mesmo de um verdadeiro massacre dos trabalhadores assalariados. Uma raciocínio equivocado mas compreensível uma vez que surgiu de uma realidade distorcida.” Dessa forma, ante a ausência de poder negocial dos sindicatos, ilógico se mostra permitir a amplitude negocial fora dos limites expressamente previstos sob pena de verdadeiro retrocesso aos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de toda a evolução da sociedade moderna. Ademais, com a constitucionalização do Direito do Trabalho, as normas trabalhistas se tornaram indisponíveis em face da irradiação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, daí que tais direitos devem se impor à 343 autonomia privada de negociar. Sendo assim, a negociação somente se torna cabível quando expressamente prevista. Esta foi a intenção constitucional protetiva. Importante lembrar ainda, nas belas palavras de Vólia Bomfim (2010, p. 202) que: Na era em que o direito comum (civil) caminha para a visão social, a publicização de seus institutos, a humanização e a centralização do homem como figura principal a se proteger; na era em que a Carta de um país prioriza os direitos fundamentais do homem, sua dignidade, o valor social do trabalho, da função social da justiça e do direito, abandonando a priorização do capital, da propriedade sobre a pessoa e seus valores, o Direito do Trabalho tende a um retrocesso? Assim, para que a flexibilização autônoma, ou seja, negociada, possa se afastar de vez da desregulamentação, e assim respeitar o ordenamento, necessário se mostra a fixação de limites bem definidos, devendo, pois, o judiciário estar atento aos abusos cometidos, restringindo tais possibilidades somente para a proteção da própria existência da empresa e sempre levandose em consideração à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais do trabalho, a preservação da proteção do trabalhador e, por fim, o principio da condição mais favorável. Referências ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica, 2001 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. BELMONTE, Alexandre Agra. Problemas Jurídicos do Teletrabalho no Brasil. Anuario de la Facultad de Derecho, vol. XXVI , 2008 BOMFIM, Vólia. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Niterói Impetus, 2010 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito Sindical. 3ª Ed. São Paulo. LTr. 2009 CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela. São Paulo: LTr, 1997 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009. DORNELES, Leandro do Amaral D. de. A transformação do direito do trabalho: da lógica da preservação à lógica da flexibilidade. São Paulo. LTR. 2002 FILHO, Ives Gandra da Silva Martins, Os Direitos Fundamentais e os Direitos Sociais na Constituição de 1988 e sua Defesa, "in" A Efetividade do Processo do Trabalho, São Paulo. LTr - 1999. 344 GOMES, Fabio Rodrigues. Direitos Fundamentais dos trabalhadores: critérios de identificação e aplicação prática. São Paulo: LTr, 2013 LIMA, Francisco Meton Marque de. Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista. 11. ed. São Paulo. Ltr, 2005 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. Parte geral, 4ª ed. São Paulo: LTr, 1991 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 16ª Ed. São Paulo, 1999. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. São Paulo: Saraiva, 1989. ROCHA, Paulo Santos. Flexibilização e desemprego. Rio de Janeiro. Forense. 2006. ROMITA, Arion Sayão. Direito Sindical Brasileiro. Rio de Janeiro: Brasilia/Rio. 1976. ROMITA, Arion Sayão. Os direitos sociais na Constituição e outros estudos. São Paulo: LTr, 1991 ROMITA, Arion Sayão (coord.). Sindicalismo. São Paulo. LTr. 1986. RUPRECHT, Alfredo J. Relações Coletivas de Trabalho. Tradução Edilson Alkmin Cunha.São Paulo: LTr, 1995. SANTOS, Enoque Ribeiro dos . O direito do trabalho e o desemprego. São Paulo: LTr, 1999. SILVA, Antonio Alvares da. Direito coletivo do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979. SILVA NETO, Manoel Jorge e (coord.) Constituição e trabalho. São Paulo: LTr, 1998. SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 17 ed. São Paulo: LTr, 1997. v.1. SUSSEKIND. Arnaldo. Os direitos constitucionais trabalhistas. In: MONTESSO, Claudio José et al (coord.). Direitos Sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTr, 2008. SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Dirieto do Trabalho. São Paulo: LTr, 21 ed., vol I, 2003. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 3 Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 345 TRÊS PRINCÍPIOS PARA UMA ÉTICA AMBIENTAL Pedro Henrique Santana Pereira Especialista em Direito Público – UCAM Especialista em Direito Ambiental e Projetos Sociais – UFSJ E-mail: [email protected] Resumo: Este artigo aborda três princípios correlatos aos ramos da Filosofia e da Ética, que devem ter sua aplicação no estudo de Ética Ambiental, para tornar as relações entre o homem e o meio ambiente menos utilitária. Palavras-chave: Ética Ambiental – Biocentralização – Alteridade – Cuidado – Responsabilidade Introdução Apesar da grande relevância quando considerada em meio aos demais ramos científicos, percebe-se que a Ética Ambiental é estudo ainda englobado pela da Ética, que como ciência imperativa em meio às ações do homem e regras de conduta, perpassa também pelas questões ambientais.O que se pretende neste trabalho, é refletir sobre a necessidade de uma emancipação da Ética Ambiental. É diante da difícil missão de mudar a visão utilitária em prática nas sociedades, que a Ética, responsável pelo estudo dos costumes sociais, necessita tomar parte de um maior amparo para com as questões ambientais, pois a ameaça ao ambiente é questão eminentemente Ética, e depende de uma alteração de conduta. Como os princípios são as bases norteadoras de qualquer ramo de conhecimento, e diante da eminente necessidade de uma melhor estruturação da Ética Ambiental enquanto ciência, alguns princípios de caráter éticofilosófico como os da alteridade, responsabilidade e cuidado, necessitam ser melhor estudados e contextualizados para que sirvam como alicerce à sedimentação de um ramo da Ética capaz de levar as sociedades à reflexão acerca da existência e viabilidade da atual forma de ser. Com tal finalidade, o trabalho passará inicialmente pela revisão de alguns termos ligados a Ética Ambiental, seguindo a argumentos de estudiosos que corroboram a necessidade de um maior estudo e ênfase da Ética Ambiental, para que a seguir adentre no estudo de três dos princípios 346 importantes para auxiliar no processo de estruturação desta ciência: os da alteridade, responsabilidade e cuidado. 1 Ética ambiental e temos correlatos Inicialmente é importante conceituar alguns termos ligados à Ética Ambiental, para que compreendidos no contexto de tal ramo, sirvam de auxílio à reflexão pretendida no trabalho. 1.1. Meio ambiente: O primeiro termo importante no contexto pretendido é o de meio ambiente. Para a maioria das pessoas, meio ambiente diz respeito apenas à fauna, flora e parte da natureza relativa às florestas, matas, bosques etc. Com base em Aurélio (2004), pode-se ver que o ambiente é tudo aquilo "[...] que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados". Nesse mesmo contexto, a Enciclopédia Encarta (2001) define meio ambiente como o "[...] conjunto de elementos abióticos (energia solar, solo, água e ar) e bióticos (organismos vivos) que integram a fina camada da Terra chamada biosfera, sustentáculo e lar dos seres vivos." Assim, pode-se constatar que no conceito de meio ambiente considera a totalidade de inter-relações existentes no planeta, desde a simplória fecundação de um minúsculo inseto, à fascinante perseguição de um leão à sua presa favorita. O homem não é unanimidade nessa relação, centro do meio ambiente. Portanto, jamais pode se perpetuar numa visão egocêntrica do meio ambiente. É oportuna a conceituação de Milaré (2004, p. 78), que traz as definições de meio ambiente em sentido estrito e amplo. Na visão estrita, o meio ambiente "[...] nada mais é do que a expressão do patrimônio natural, e as relações com e entre os seres vivos." (2004, p. 78). A visão ampla, adotada no contexto desse trabalho, engloba o conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais em interação, propiciando o desenvolvimento equilibrado da vida em todas suas formas. Ainda há a definição dada pela lei 6.938/81, relativa à Política Nacional do Meio Ambiente (PNAMA), que o vê como "[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas" (art. 3º, I). 347 A legislação pátria vem tendendo cada vez mais à acepção de meio ambiente como um todo, permitindo entender que o mundo não se resume naquilo próximo de cada um; ele é uma plenitude de locais e situações que jamais se esgotam na experiência de cada um, e por isso nunca pode ser depredado tão inconsequentemente. 1.2. Direito Ambiental: Diversas são as definições encontradas nos mais renomados autores que lecionam acerca da temática jurídico-ambiental. No plano internacional pode-se destacar, num primeiro momento, a definição do jurista americano Willian Rodgers Júnior, que em seu "Environmental Law", reconhece que: Environmental law is not concerned solely with the natural environment- the physical condition of the land, air, water. It embraces also the human environment- the health, social and other man-made conditions affecting a human being's place on earth"39 (apud ANTUNES, 2000, p.6). Já o francês Michel Prieur, ensina ser: O Direito do Ambiente, constituído por um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as poluições. Ele se define, portanto, em primeiro lugar pelo seu objeto. Mas é um direito tendo uma finalidade, um objetivo: nosso ambiente está ameaçado, o Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de prevenção ou de reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões da sociedade moderna. Então o Direito do ambiente mais do que a descrição do Direito existente é um Direito portador de uma mensagem, um Direito do futuro e da antecipação, graças ao qual o homem e a natureza encontrarão um relacionamento harmonioso e equilibrado (apud ANTUNES, 2000, p. 8). No âmbito da América Latina, merece destaque a definição do uruguaio Marcelo J. Cousillas, que como cita Antunes (2000, p. 7.) tende a identificá-lo: [...] como un conjunto normative nuevo y dinâmico, que a diferencia de otras ramas del Derecho possue uma esencia preventiva más que reparatoria o sancionatoria, y 39 "O direito Ambiental não está apenas preocupado com o meio ambiente natural-a condição física da Terra, do ar e da água. Ele diz respeito também ao meio ambiente humano-a saúde e outras condições que afetam o lugar em que os seres humanos habitam na Terra." [T.A] 348 um enfoque sistêmico, multidisciplinario y colectivo, basado em um amplio sustracto metajuridico.40 Já em âmbito nacional, a farta doutrina toma para si diversas vertentes da conceituação de Direito Ambiental, advindas de tendências traduzidas de estudiosos americanos e europeus. Conforme Tycho Brache Fernandes, o Direito Ambiental consiste no "[...] conjunto de normas e princípios editados, objetivando a manutenção de perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente." (Apud ANTUNES, 2001, p. 8.). Na mesma esteira, mas comungando de uma definição mais abarcante, Carlos Gomes de Carvalho evidencia ser o Direito Ambiental o "[...] conjunto de princípios e regras destinados à proteção do meio ambiente, compreendendo medidas administrativas e judiciais, com a reparação econômica e financeira dos danos causados ao ambiente e aos ecossistemas de uma maneira geral." (Apud ANTUNES, 2001, p. 8-9.) Deixando de lado ramificações jurídicas específicas, o professor Toshio Mukai prevê em sua obra "Direito Ambiental sistematizado" que: "[...] O Direito Ambiental (no estágio atual de sua evolução no Brasil) é um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente" (apud ANTUNES, 2001, p.9.) Paulo de Bessa Antunes, buscando um conceito mais englobante, considera que: O Direito Ambiental pode ser definido como um direito que se desdobra em três vertentes fundamentais, que são constituídas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e á proteção dos recursos naturais. Mais do que um Direito autônomo, o Direito Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar sob o 40 "[...] como um conjunto normativo novo e dinâmico, que a diferença de outros ramos do Direito possui uma essência preventiva mais que reparatória ou sancionatória, e um enfoque sistêmico, multidisciplinar e coletivo, baseado em um amplo substrato metajuridico" [T.A] 349 conceito de desenvolvimento sustentado (ANTUNES, 2000, p. 9). Já para Edis Milaré, o Direito Ambiental seria: [...] o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações (MILARÉ, 2004, p.134). Fartas as definições, é importante notar que o Direito Ambiental, em resumo, diz respeito a um conjunto de princípios, regras e normas interdisciplinares, que visam conscientizar o cidadão e resguardar seu direito fundamental de usufruto do meio, bem como garantir a harmonia e posteriorização do ambiente, por meio de sanções cíveis, penais e administrativas (dentre outras possíveis) aos transgressores. 1.3. Ecocentrismo ou biocentrismo? Para o propósito deste trabalho, os termos biocentrismo e ecocentrismo serão considerados similares. Em ambos os casos, o sufixo "centrismo" indica nos conformes do Aurélio (2004), "[...] posição ou tendência daqueles que se colocam politicamente ao centro". Diz respeito ao foco de atenção que é dada com maior minudência pelas sociedades a determinada forma de concepção do mundo e da realidade. Como exemplo, pode-se lembrar do teocentrismo, corrente que atinava a Deus como centro de todo o universo e das coisas, e do antropocentrismo, ainda em vigor, que dá ao homem o status das atenções de todo o mundo, vendo-o como superior aos demais seres. Os termos "eco" e "bio", apesar das denominações divergentes, voltamse para o mesmo princípio-base: a vida em todas suas formas. Como bem explicita o Aurélio (2004), o prefixo "eco" advém do grego oikos, que significa casa, domicílio habitat. Já "bio" é oriundo do grego bíos, que designa a vida, a existência material dos seres terrenos. Nos dois casos, biocentrismo e ecocentrismo denominam respectivamente a consideração da vida em todas suas formas e o reconhecimento da Terra como habitat, espaço de convivência de todos os biomas. 350 1.4. Ética, moral e consciência ambientais: Outros conceitos importantes para compreensão do trabalho são os da Ética Ambiental, moral e consciência ambiental. Dentro da Filosofia, não existe um consenso acerca da diferenciação entre Ética e moral, pois como bem ensina Ferrater Mora (1994, p. 2460), moral "[...] se deriva de mos «costumbre», lo mismo que 'Ética' de hqος, y por eso 'Ética' y 'moral' son empleados a veces indistintamente. "41 Assim, fica difícil o detalhamento das correntes e discussões às quais a questão ético-moral toma para si, pois tratam de temática de contínua e de inesgotável investigação. Para os fins do estudo, será feita uma simples diferenciação, considerando a Ética como a ciência que se ocupa dos objetos morais em todas suas formas, encontrando-se por isso, em patamar mais elevado, e entendendo a moral como a composição das condutas e regras postas e praticadas em uma dada sociedade, possuindo por isso, um caráter mais concreto e menos universal que a Ética. Nesse sentido, afirma Silvio Firmo (2004, p.78): Segundo os filósofos modernos, a ética se ocuparia dos fundamentos da moral, sendo anterior a ela. A própria ética procede, na ordem do fundamento, a noção da lei moral. A ética se distingue por seu caráter mais reflexivo na sistematização dos valores e normas. Ela tem o papel de investigar os valores e normas e depurá-los para que possam inspirar e guiar de melhor forma possível a vida humana tendo em vista a sua realização plena. Acerca da imprescindibilidade dos estudos da Ética e da moral, cabe lembrar que, como bem leciona o mesmo autor (2004, p.79): O ethos, a ética e a moral formam a base imprescindível da sociedade tanto no nível das macroestruturas quanto no nível das micro-estruturas, ou seja, das relações mais próximas e imediatas que permeiam nossos laços comunitários e familiares. Sobre o conceito de Ética Ambiental, tendo em vista a inexistência de qualquer definição já posta dentro dos estudos no ramo, bem como coerência 41 "Deriva-se de mos «costumbre», o mesmo que 'ética' de hqoç, e por isso 'ética' y 'moral' são empregados as vezes indistintamente" [T.A] 351 nas definições trazidas em diversos estudos42, será adotada a que sustentei em trabalhos precedentes, que reconhece a Ética Ambiental como sendo um "[...] conjunto de princípios de caráter imperativo, mediante os quais devem ser regidas todas as interações existentes entre o homem e a multiplicidade de biomas existentes" (PEREIRA, 2008, p.197.) O movimento ecológico tem afirmado a necessidade de uma Ética que tome princípios universais de regulamentação da inter-relação do homem com o meio, pois o ser humano é o único capaz de afirmar essa diretriz, criando meios de uma relação equilibrada com a natureza. Comentando acerca da importância de uma Ética Ambiental, diz Ribeiro dos Santos (2006, p.311) que: Essa nova visão ecocêntrica, que podemos definir como o homem centrado em sua casa (oikos = casa em grego), ou seja, o homem centrado no tudo ou no planeta como sua morada, permite o surgimento de uma ética que estuda também o comportamento do homem em relação à natureza global; com ela o ser humano passa a entender melhor sua atuação e responsabilidade para com os demais seres vivos. Surge, então, a necessidade dessa nova forma de conduta em relação à natureza. Uma nova forma de importância, uma nova concepção filosófica homem-natureza. A ética passa a ser também, nesse caso, um estudo extra-social e extrapola os limites intersociais do homem, surgindo assim uma nova ética diversa da tradicional. Adiante serão retomadas mais expressamente as discussões sobre o tema. Acerca da moral ambiental, "[...] pode-se afirmar que diz respeito às práticas comuns das sociedades, que evidenciam a preocupação das mesmas para com as questões do entorno" (PEREIRA, 2008, p.197). A moral é de caráter subjetivo, e perpetua-se de forma divergente em cada grupo social, possibilitando dizer que no tocante a questões ambientais, algo moralmente correto num determinado contexto, pode não o ser em outro.43 42 Uma das definições bastante utilizadas advém de artigos da autoria de Antônio Silveira Ribeiro dos Santos que diz ser a Ética Ambiental "[ ... ] a conduta comportamental do ser humano em relação à natureza, decorrente da conscientização ambiental e consequente compromisso personalíssimo preservacionista, tendo como objetivo a conservação da vida global. (SANTOS, 2006, p.312). 43 Exemplo simples é o relativo à escassez das águas potáveis: no Brasil, tal questão tem uma repercussão imensamente inferior à de países tais como os do Oriente Médio e África, que paulatinamente amargam com a efetiva escassez da principal fonte de vida. Nesse sentido: MILARÉ, 2004, p.47, e NALINI, 2001, p.114-115. 352 Sobre o terceiro termo (consciência ambiental), tem-se que guarda estrita relação com a moral ambiental, apesar de seu caráter mais subjetivo. Difícil é traçar uma diretriz específica do termo "consciência" que pode, segundo Ferrater Mora, tomar três interpretações (1994, p.809.): em primeiro lugar, tratar-se-ia de uma voz divina que sussurra ao homem certos imperativos e preceitos; em segundo, diria respeito a uma voz que se identifica com a consciência moral; e por último seria a expressão da vocação intransferível de cada homem a ser cumprida. Neste ensaio, objetiva-se considerar a consciência com fundamento em sua definição moral (a chamada consciência moral), que nos termos do Aurélio (2004) diz respeito à faculdade que possibilita aos seres humanos julgar o que é certo ou errado, bom ou mal, devido ou indevido, tudo de acordo com o senso moral que lhes é peculiar.44 Em síntese, a consciência pode ser considerada uma espécie de "eu interno" que guia as ações a serem tomadas por cada um, tendo por base o que foi apreendido desde a infância. No lastro ambiental, a temática não segue por denominações diferenciadas, sendo parte de um conjunto de aprendizados, experiências e práticas que levam o indivíduo a tomar determinada forma de conduta quando em relação com o meio, tendo por base os aprendizados anteriores. Infelizmente, o caráter subjetivo da moral e consciência de respeito ao meio ambiente acaba não refletindo aquilo que deveria ser esperando das sociedades. Elas promovem bandeiras de sustentabilidade e conscientização, sem pensar que práticas sociais são altamente falíveis e que apenas a objetivação de preceitos de caráter preservacionista seria capaz de propiciar a perpetuação da vida na terra. Nesse rumo segue o interessante pronunciamento do teólogo Hans Kung (1998, p. 8): O que para mim se coloca como resultado é a necessidade de uma ética para toda a humanidade. Nos últimos anos, ficou-me cada vez mais claro que este mundo em que vivemos somente terá uma chance de 44 Acerca da conceituação de "consciência moral", Ferrater Mora toma de exemplo o filósofo grego Sócrates (470-399 a.C.), que segundo Platão, sempre sentia a presença de uma voz sussurrante a seu redor, nos momentos em que necessitava tomar alguma decisão: "Existe em mim não sei que espírito divino e demoníaco [...] é como uma voz que possuo dentro de mim desde criança, e que, toda vez que eu a ouço, sempre faz com que eu desista do que estou para fazer, e nunca me convence a realizar qualquer outra coisa." (PLATÃO, 2000, p.81.) 353 sobreviver se nele não mais existirem espaços para éticas diferentes, contraditórias ou até conflitantes. Este mundo uno necessita de uma ética básica. Certamente a sociedade mundial não necessita de uma religião unitária, nem de uma ideologia única. Necessita, porém, de normas, valores ideais e objetivos que interliguem todas as pessoas e que todas sejam válidas. A compreensão pretendida pelo trabalho não foge daquilo pensado por Hans. Não há como chegar a uma Ética Ambiental através de meros trabalhos de conscientização e promoção como advogam inúmeros estudiosos e tematizadores da matéria45, visto que: [...] a consciência é de caráter subjetivo, e diferencia-se na multiplicidade da existência individual, e a moral atende a critérios meramente localistas; a sustentabilidade depende também de parâmetros pessoais, pois para difundir-se carece do consenso e compromisso da integralidade (PEREIRA, 2008, p. 199-200).46 45 Em sua obra "Ética Ambiental", Nalini descreve alguns passos rumo a uma Ética Ambiental. Dentre eles, preceitua a conscientização por meio do estudo: "Um primeiro dever ético daquele que se preocupa com o ambiente é o estudo permanente." (2001 , p. XXVIII) A educação ambiental também pregada por Nalini é de suma importância no moroso processo de conscientização social, mas atende como sempre a uma minoria localizada em determinados grupos, como alunos, professores e interessados, não surtindo o efeito necessário a curto prazo. Quanto a Pelizzoli, este também dá grande ênfase ao processo educacional, dizendo que a educação deve ser "menos tecnificadora e reprodutora de sistemas instrumentais dicotomizantes, objetificadores e dominadores (2003, p.174)", apontando como Nalini, alguns passos importantes para a ambientalização da sociedade (cf. p.174 e ss.). O autor também adentra em várias das correntes pertinentes à Ética Ambiental, por meio de um viés interessante: o da hermenêutica de todo o meio, para que este seja antes de explorado, compreendido: "O hermeneuta, ao pensar a História, busca aquilo que na tradição remete a uma visão de conhecimento menos dominadora e mais dialógico-dialética, com o sujeito deixando-se admirar e impressionar mais pela natureza, pela arte, pelo ser das coisas (2003, p. 163)." De qualquer forma, a visão de Pelizzoli continua distorcida, pois o processo hermenêutico é plausível a minorias, e tem junto a si a pressuposição de interesse no desvelar, aprofundar, o que é algo pertinente a poucos. Quanto a J. R Junges, este diz que "A alfabetização ecológica significa uma mudança do paradigma cultural que regeu as relações entre os seres humanos e a natureza nos últimos quinhentos anos. Esse câmbio cultural só é possível pela conversão moral das atitudes de consumo e convivência vigentes. Isso mostra que a questão de fundo do problema ecológico é Ética. A alfabetização ecológica necessita de um novo ethos cultural, inspirado numa Ética Ambiental consistente" (p.109.). Apesar de pensar o problema central, Junges continua como os demais, acreditando ser também possível uma solução por meio da educação. Ainda crê Junges na necessidade da Ética biocêntrica, fazendo de sua obra "uma tentativa de sair do impasse entre antropocentrismo e biocentrismo na discussão da ética ambiental" (Idem). 46 Conforme já prelecionado em artigo "Como se chegar a uma solução para os problemas ambientais?", "Fala-se na atualidade, da sedimentação de uma consciência ambiental. Todavia, por mais que se demonstre como indispensável meio de preservação, o desenvolvimento de uma consciência ambiental não se desfoca da percepção subjetiva e pessoal que as sociedades têm da questão preservacionista. Num país farto de recursos hídricos como o Brasil, as preocupações de ambientalistas com tal fator são mínimas levandose em consideração a disputa já iminente pela água em regiões como a do oriente médio. Já em relação ao desmatamento, os esforços para seu desenfrear na Amazônia jamais serão 354 Apenas por meio de uma Ética Ambiental é que pode surgir, ainda tempestivamente, um consenso global com a finalidade de manutenção da vida. Tal assunto será mais bem minudenciado em seguida, com a finalidade de demonstrar por meio de três princípios basilares, o quanto a Ética Ambiental é importante para que o ser humano possa reconhecer seu papel preservacionista, e a responsabilidade que tem diante do meio ambiente. 2 Alguns argumentos a favor da ética ambiental A visão antropocêntrica e objetificante do universo tem deixado marcas irreparáveis no planeta Terra. As tentativas de conscientização e de controle por meio de normas jurídicas têm se demonstrado insuficientes, pois a consciência tem caráter subjetivo, e as normas infelizmente não consegue prevenir integralmente as atitudes prejudiciais ao ambiente. É relevante para a justificação dos princípios que seguem no terceiro tópico, a abordagem do pronunciamento de alguns autores acerca de questões relacionadas ao direito ambiental e à difícil missão preservacionista. Nesse sentido serão tomadas algumas considerações de Edis Milaré, Paulo de Bessa Antunes, José Renato Nalini, Plauto Faraco de Azevedo e Antônio Silveira Ribeiro dos Santos. O primeiro, Édis Milaré, sustenta no capítulo "A crise ambiental e a lei" (2004, p.107-113) que a atual realidade "[...] evidencia sinais de verdadeira crise, isto é, de uma casa suja, insalubre e desarrumada, carente de uma urgente faxina." (2004, p.107) Segundo ele, e conforme o relatório do WWF acerca do índice de pressão ambiental exercido pelo homem na natureza: [...] estamos consumindo 20% além da capacidade planetária de suporte e reposição. As contas mostram que a Terra tem 11,4 bilhões de hectares-terrestres e marinhos- considerados produtivos e sustentáveis, isto é, com capacidade de renovação. Mas já está sendo usado o equivalente a 13,7 bilhões de hectares para produzir alimentos, água, energia. A diferença- 2,3 bilhões- sai de estoques não renováveis, configurando uma crise sem precedentes (2004, p. 111). proporcionais ao de países que quase não abrigam mais vegetação alguma" (PEREIRA, 2007, p.6). 355 O autor reconhece que "[...] o ideal e correto seria que a potestade do ambiente fosse reconhecida intuitivamente, até porque 'não temos o direito de exterminar o que não criamos" (2004, p.112), além de adentrar em vários problemas relacionados à aplicabilidade da lei no Brasil: morosidade, falta de consciência, de educação, e de fiscalização, dentre outros fatores (2004, p.128-129). Paulo de Bessa Antunes, no tópico "O Direito Ambiental como Direito Humano" (2000, p.17-23), retoma questões também relacionadas à morosidade e controvérsias na aplicação da lei ambiental pelo judiciário pátrio. O estudioso diz que: [...] a complexidade da matéria ambiental faz com que a legislação seja uma resposta ineficiente e, quase sempre, tardia e distante das situações de fato [...] a construção judicial do Direito Ambiental não se faz sem contradições e dificuldades. O papel desempenhado pelo Poder Judiciário na elaboração do Direito ambiental é, como nos demais setores do Direito, contraditório (2000, p.18). Em tópico seguinte, o autor trabalha a questão central do último subtítulo deste ensaio, qual seja: o reconhecimento do ser humano como co-dependente no entorno. Afirma ele que: [...] as normas de Direito Ambiental, nacionais e internacionais, cada vez mais vêm reconhecendo direitos próprios da natureza, independentemente do valor que esta possa ter para o ser humano. [...] O que o Direito Ambiental busca é o reconhecimento do Ser Humano como parte integrante da natureza (ANTUNES, 2000, p.21). Já em Nalini (2001, p. XXIII), pode-se ler que: [...] a lei ambiental não tem sido freio suficiente. A proliferação normativa desativa a força intimidatória do ordenamento. Outras vezes, a sanção é irrisória e vale a pena suportá-la, pois a relação custo/benefício estimula a vulneração da norma. Vários outros autores também conscientes da necessidade de modificações ambientais retratam em suas obras a importância de que surja um paradigma holístico, que venha a considerar a importância de todos os seres. Nessa direção escreve Azevedo (2006, p.13): 356 Tudo evidencia a insofismável crise civilizacional presente, a tudo permeando, -a política, a economia, o direito, a democracia, a ética, a ciência-, tudo indicando um paradigma científico superado, em meio à difícil emergência de um outro, capaz de abranger e compreender a multiplicidade e a interligação de todas as dimensões da vida. Neste contexto, em que se constata a anemia da política, dominam o constrangimento econômico e o pensamento unidimensional e servil ao status quo, tudo desaguando, de modo dramático, no meio ambiente. É, então, que o pensamento parcelar, cindido, revela sua impotência e suas funestas consequências. É na natureza, em suas múltiplas formas e ecossistemas, que se desvela o point de non retour de uma civilização tão sofisticada tecnologicamente quanto suicida. Ainda segundo o autor: Para superar esta regressão, faz-se necessária uma ética capaz de valorizar e superar o pensamento tecnoeconomicista, que contamina o direito, a política, a ciência e a tecnologia. Sua construção tem que ser feita a partir da realidade humana concreta, tendo em vista que o homo sapiens é também demens (AZEVEDO, 2006, p.131). A emergência de uma nova forma de considerar a relação do homem com o meio pode ser vista como um dos grandes desafios dentro do campo ético-jurídico na atualidade. Nunca em tempos anteriores algo do tipo necessitou ser pensado. Como bem leciona Hans Kung (1998, p. 32), até então as Éticas sempre estiveram voltadas para o agora, para as questões que envolvem meramente o emaranhado de relações dos seres humanos entre si. Nunca buscaram pensar o depois, com vistas à prevenção de futuras consequências. Apenas grupos isolados têm procurado soluções para o problema, por meio de reflexões, debates e busca de princípios paradigmáticos, depositando no próprio homem a capacidade de reconhecerse a si como parte em relação com o meio. Segundo Junges (2004, p. 22): É necessário superar a concepção do ser humano como espécie dominante e separada do mundo, despojando-se do seu isolamento individualista e colocando-se no ponto de vista de todos. Trata-se de assumir uma perspectiva holística, adotando formas transpessoais em atitudes junto à natureza. Assim surge um ser humano ecóico em 357 vez de egoico, que se compreende essencialmente como um ser em relação. De forma similar considera Santos (2006, p. 295): Para entender melhor o que será exposto, é necessário ter uma visão de caráter geral, que podemos chamar de holística, deixando-se de lado a visão estreita antropocêntrica. Pois, partindo-se desta última visão e preconceitos em relação à natureza e sua importância como um complexo homogêneo, o homem estaria acima dela, observando-a como um ser superior e a natureza existiria apenas para servi-lo. Já partindo-se de uma visão global, o homem passa a ser um ente integrante da natureza, como todos os outros (independentemente de se questionar sua origem), facilitando assim o entendimento das regras e princípios gerais que regem o universo. Então o ser humano estará inserido no contexto global, fazendo parte da natureza. Em teor mais profundo, o cientista Fritjof Capra, já na década de 80 ensinava acerca da inovadora visão holística que precisa emergir: A nova visão da realidade, de que vimos falando, baseiase na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenosfísicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no âmbito de novas instituições. Não existe, no presente momento, uma estrutura bem estabelecida, conceituai ou institucional, que acomode a formulação do novo paradigma, mas as linhas mestras de tal estrutura já estão sendo formuladas por muitos indivíduos, comunidades e organizações que estão desenvolvendo novas formas de pensamentos e que se estabelecem de acordo com novos princípios (1982, p.244). Com a quebra atual de inúmeros paradigmas, a Ética parece vir perdendo o caráter imperativo e norteador da relação entre os homens, pois eles têm perdido seus referenciais, visto que: “[...] não sabem mais com base em que normas fundamentais devem tomar as pequenas decisões do dia-dia. Não sabem mais que preferências seguir, que prioridades colocar e que imagens orientadoras escolher. Pois as instâncias orientadoras não têm mais o mesmo valor (KUNG, 1998 p.24).” 358 Ao que tudo indica, a ascensão de um novo paradigma de caráter biocêntrico, no qual a visão holística da inter-relação entre o homem e o meio torna-se o enfoque a partir do qual as condutas passam a ser ponderadas, é o maior desafio a ser enfrentado dentro dos atuais padrões éticos existentes. De acordo com Junges (2004, p.8): “[...] os biocêntricos defendem que o ser humano é apenas um elemento a mais no ecossistema da natureza, um elo entre muitos na cadeia de reprodução da vida. Por isso, o protagonismo pertence à vida e a crise ecológica precisa ser equacionada numa perspectiva biocêntrica.” Acerca do assunto, Fritjof Capra lembra a necessidade de compreensão do mundo de maneira sistêmica, de forma que tudo seja compreendido como indissociável:"[...] a concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores" (1982, p.245).” Na obra "Teia da Vida", o autor trata muito claramente da necessária ascensão do pensamento holístico. Para ele: “O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica [ ... ] (1998, p.16).” No intuito da adoção de uma visão biocêntrica da realidade, é necessário pensar em princípios que possam auxiliar na reflexão e modificação da forma de lidar entre os homens e o ambiente, permitindo uma visão na qual o ser humano não se entenda como superior47. Com tal escopo, a seguir, serão sugeridos três princípios que podem ser considerados dentre os essenciais à pretendida modificação, os da responsabilidade, da alteridade e do cuidado. 3 Três princípios para uma ética ambiental Como bem abordado pelo professor Miguel Reale em suas "Lições Preliminares de Direito", os princípios são a base para que um novo sistema cognitivo possa emergir, pois para ele: “[...] os princípios são ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem 47 "De que vale uma ética se ela não tem validade incondicional, sem qualquer 'mais' ou 'porém'? Ética não pode ser condicional, não 'hipotética', mas 'categórica' (KANT apud KUNG, 1998, p.79)." 359 evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis (2001 , p. 305). Na lição de De Plácido (2002, p.639), os princípios: [...] notadamente no plural, significa as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. [...] princípios revelam conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Como em outros tantos ramos, para auxílio à concretização de uma Ética Ambiental, é muito importante que sejam escolhidos, divulgados e assimilados alguns princípios, que retirados de ensinamentos da filosofia e da ética, resguardam relação com a necessária modificação do paradigma vigente. Os princípios que serão relatados adiante são resultado de estudos realizados pelo autor pretendendo justamente criar e ampliar o espaço de compreensão da Ética Ambiental como seara coligada, mas independente de demais ramos do conhecimento, e voltada para a discussão da relação existente entre o ser humano e meio em que vive, visando encontrar uma nova forma de se pensar tal contexto, e trazer a tona um paradigma biolcêntrico. 3.1. Princípio da Responsabilidade Pelo princípio da responsabilidade, deve-se buscar segundo Jonas (1995, p.40), um novo Imperativo Categórico, caracterizado no agir de um modo pelo qual os efeitos dessa ação, não sejam destrutivos às gerações futuras, colocando em perigo as condições de continuidade de vida na Terra. A partir desse princípio evidencia-se o surgimento de uma visão comprometida com a posteridade, com aqueles que ainda irão existir 48. 48 Segundo Jonas (1995, p.40) "[...] nosotros no tenemos derecho a elegir y ni siquiera a arriesgar el no ser de las generaciones futuras por causa dei ser de la actual Por qué carecemos de ese derecho, por qué, ai contrario, tenemos una obligación para con aquello que todavia no es en absoluto y que tampoco tiene «en sí» por qué ser -que, en cualquier caso, en cuanto no existente, no tiene ningún derecho a exigir existencia [ .. .]". Nesse sentido, conferir o capítulo IV, "EI deber para con el futuro". 360 A falta de responsabilidade das gerações passadas deixou cicatrizes marcantes para a atual geração, já que o presente foi moldado conforme projetos do passado, e "[...] existirão homens de acordo com a ideia vigente de humanidade [...]" (OLIVEIRA, 2007, p.294). Por causa desse problema, é necessário que a atual geração passe a reger seus atos e projetos com responsabilidade e visando o bem futuro, pois do contrário se continuará a preterir as gerações seguintes. 3.2. Princípio da Alteridade A alteridade (alter= outro+ [i]dade= qualidade, caráter, atributo), diz respeito à atribuição ao outro da qualidade de também ser um eu. Deve, portanto, ser considerada também como princípio importante para construção de um novo prisma na relação ético-ambiental, pois a concepção dos outros como meros objetos de interesse impede a compreensão de que todos são iguais. Para além da visão objetificante (que percebe o outro como objeto de interesses), há segundo Martin Buber49, como considerar o outro de uma maneira que não o torna objeto, que o concebe como Eu, numa relação de encontro, que não se limita a interesses50 e por isso se apresenta: "The thou meets me”.51 Na apresentação incondicional, no qual se desencadeia uma relação sem pré-conceitos, o Tu se torna outro Eu. Conforme Reale: "[...] o eu fala ao Tu, dialoga com o Tu: a realidade humana é esse diálogo, essa relação [...] O 49 'Martin Buber (1878-1965), foi filósofo austríaco de grande repercussão na Europa, e defensor do movimento sionista (que buscava a recriação do estado de Israel), através do conhecimento das raízes hebraicas por seu povo(REALE; ANTISERI, 2006, p.418). 50 De acordo com Buber: ''The life of human beings is not passed in the sphere of transitive verbs alone. lt does not exist in virtue of activities alone which have some thing for their object. I perceive something. I am sensible of something. L imagine something. I will something. I feel something. I think something. The life of human beings does not consist of ali this and the like alone. This and the like together establish the realm of lt. But the realm of Thou has a different basis. When Thou is spoken, the speaker has no thing for his object. For where there is a thing there is another thing. Every lt is bounded by others; lt exists only through being bounded by others. But when Thou is spoken, there is no thing. Thou has no bounds. When Thou is spoken, the speaker has no thing ; he has indeed nothing. But he takes his stand in relation" ([s.d.] p.4.). 51 "o tu se apresenta a mim" (BUBER, [s.d.], p.11). 361 Tu não é um objeto; é sujeito desde o começo. E esse sujeito-tu é indispensável para que apareça o sujeito-Eu" (2006, p.420)52. O que se propõe por meio do princípio da alteridade, é uma “sujeitificação” das relações humanas entre si, e com o meio ambiente, considerando cada ser existente como extensão e parte da constituição do Eu. Nas palavras de Pelizzoli: “[...] a operação aqui é aproximar a abordagem da Natureza no conceito de Outro, interligar a ela o estatuto da alteridade, ou seja, ela é mais do que posso conhecer/dominar; ela tem vida própria, e deve ser acolhida em sua dignidade (2003, p. 110).” Parece ser bastante ousada a proposta da “alterização” do meio ambiente, já que sua ocorrência continua inexistente nas relações entre homens. Mas não há outra solução! A consideração individualista ainda sustentada pela sociedade não tem privilegiado a vida, ponto crucial para permanência do planeta. Apenas por meio do “sujeitamento”, da elevação do ambiente como outro que se reveste de eu, será possível traçar novos caminhos para a permanência do homem na Terra, pois a visão antropocêntrica e individualista permite apenas a destruição do todo, desconsiderando inclusive a responsabilidade para com o agora e o futuro. 3.3. Princípio do Cuidado Por fim, é importante eleger o saber cuidar (cuidado) como mais um dos pilares da Ética Ambiental. Embasamento ético na doutrina de Leonardo Boff encontrado em obra de mesmo nome, o saber cuidar preconiza a necessidade iminente de um zelo do ser humano para com a totalidade dos biomas existentes. Para Boff, "[...]o cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante, e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade" (2004, p.13). É por meio dele que deve ser pensado o atual modo de interação do ser humano com todo 52 Numa mesma reflexão acerca do outro, pode-se inserir E. Lévinas, que na sua obra "O humanismo do outro homem", prega a epifania do outro, tendo como prisma a consideração de sua aparição de forma nu, pois "o outro que se manifesta no rosto perpassa, de alguma forma,sua própria essência plástica, como um ser que abrisse a janela onde sua figura no entanto já se desenhava. Sua presença consiste em se despir da forma que, entrementes, já a manifestava. Sua manifestação é um excedente (surplus) sobre a paralisia inevitável da manifestação. É precisamente isto que nós descrevemos pela fórmula: o rosto fala. A manifestação do rosto é o primeiro discurso. Falar é, antes de tudo, este modo de chegar por detrás de sua aparência, por detrás de sua forma, uma abertura na abertura" (1993, p.59). 362 o meio, e percebido o insustentável fenômeno do descaso constatado há décadas, mas ainda mantido pelas gerações presentes. Para o estudioso: Há um descuido e um descaso pela vida inocente de crianças usadas como combustível na produção para o mercado mundial. Os dados da Organização Mundial da Infância de 1998 são aterradores: 250 milhões de crianças trabalham. Na América Latina 3 em cada 5 crianças trabalham. Na África, uma em cada 3. E na Ásia, uma em cada duas. São pequenos escravos a quem se nega a infância, a inocência e o sonho. Não causa admiração se são assassinados por esquadrões de extermínio nas grandes metrópoles da América Latina e Ásia. Há um descuido e descaso manifesto pelo destino dos pobres e marginalizados da humanidade, flagelados pela fome crônica, mal sobrevivendo da tribulação de mil doenças, outrora radicadas e atualmente retornado com redobrada virulência. Há um descuido e descaso imenso pela sorte dos desempregados e aposentados, sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, tidos como descartáveis e zeros econômicos. Esses nem sequer ingressam no exército de reserva do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo e de alguma seguridade social. Há um descuido e abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo com o individualismo e a exaltação da propriedade privada que comporta. [...] Há um descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do simulacro e do entretenimento. Há descuido e descaso pela dimensão espiritual do ser humano, pelo espírito de finesse (espírito de gentileza) que cultiva a lógica do coração e do enternecimento por tudo que existe e vive. Não há cuidado pela inteligência emocional, pelo imaginário e pelos anjos e demônios que o habitam. Todo tipo de violência ou excesso é mostrado pelos meios de comunicação com ausência de qualquer pudor ou escrúpulo. Há um descuido e um descaso pela coisa pública (2004, p.18-19). Assim como a criança necessita de imenso cuidado para que tenha boa formação, o mundo carece de tal meio de consideração pelo homem, para que não se torne insistentável. "O cuidado há de estar presente em tudo" (BOFF, 2004, p.34.), representando, segundo Boff, uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afetivo com o outro. 363 Em sociedades que continuam sem saber cuidar, é possível observar a desordem, confusão e caos. O saber cuidar pressupõe equilíbrio, autocontrole e moderação. Ele não deve ser visto como prejudicial à vida, ao trabalho e à existência humana. Nas palavras de Boff: Dar centralidade ao cuidado não significa deixar de trabalhar e de intervir no mundo. Significa renunciar à vontade de poder humana. Significa recusar-se a todo despotismo e a toda dominação. Significa derrubar a ditadura da racionalidade fria e abstrata para dar lugar ao cuidado. Significa organizar o trabalho em sintonia com a natureza, seus ritmos e suas indicações. Significa respeitar a comunhão que todas as coisas entretêm entre si e conosco. Significa colocar o interesse coletivo da sociedade, da comunidade biótica e terrena acima dos interesses exclusivamente humanos. Significa colocar-se junto e ao pé de cada coisa que queremos transformar para que ela não sofra, não seja desenraizada de seu habitat e possa manter as condições de desenvolver-se eco-evoluir junto com seus ecossistemas e com a própria Terra (2005, p. 9). Saber cuidar é um princípio que se conecta perfeitamente com os anteriores, pois alteridade e responsabilidade surgem com o zelo propositado à vida. Considerando a relação entre tais princípios, pode-se dizer que sem cuidado não há como pensar no outro, ou dizer de responsabilidade com o futuro. Considerações finais Parece difícil aprender a considerar a vida em todas as suas formas, submetendo a visão antropocêntrica e individualista a modificações para que haja respeito e consideração ao todo. Ações isoladas ou em grupos visando a conscientização, dificilmente levarão a transformações em nível global. Contudo, os resultados negativos já contabilizados não devem impedir o inicio de mudanças que visem frear os problemas existentes. Por isso a importância de se pensar e aplicar uma Ética Ambiental na atualidade, pois é difícil, sem embasamento por meio de preceitos éticos gerais, que significativas mudanças ocorram. Os princípios brevemente abordados, (responsabilidade, alteridade e cuidado) são simples exemplo de diretrizes que podem nortear e conduzir a 364 forma de relação do homem com os demais seres. Muitos outros princípios podem e devem ser adotados com a finalidade de levar à estruturação de um novo paradigma voltado ao respeito e preservação da vida em todas as suas formas. As respostas dadas até então para o problema do respeito ao ambiente, raramente buscam meios de superação do paradigma antropocêntrico, pois carregam em seu bojo a promoção preferencial do ser humano acima de qualquer pretexto. O desafio da biocentralização está colocado, e cabe as sociedades em conjunto pensarem a melhor forma de o considerar, para que os problemas e degradação que persistem no meio ambiente, não terminem com o que ainda resta para as gerações futuras. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. ABBAGNANO, Nicola. Historia da Filosofia. Lisboa: Presença, 1982. ANTUNES. Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. AZEVEDO. Plauto Faraco de. Ecocivílização: Ambiente e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. P.13. BOFF, Leonardo et al. Valores de uma prática militante. São Paulo: Expressão Popular, 2005. BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Ética do humano. Petrópolis: Vozes, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1.981. BUBER, Martin. I and Thou. Edinbugh: T & T Clark, [s.d.] CANTO-SPEBER, Monique (org.) Dicionário de Ética e Filosofia Moral. São Lepoldo: Unisinos, 2003. Vol. I. CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1998. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Versão 5.11 a, 2004. JONAS, Hans. El princípio de Responsabilidad. Barcelona: Herder, 1995. JUNGES, José Roque. Ética Ambiental. São Leopoldo: Unisinos, 2004. KUNG, Hans. Projeto de ética mundial. São Paulo: Paulinas, 1998. LÉVINAS. Emmanuel. Humanismo do outro homem. São Paulo: Vozes, 1993. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MILL John Stuart. EIUtilitarismo. E-book. Disponível em: <http://www.4shared.com> Acesso em 12 jan. 2008. MORA, Ferrater. Diccionario de Filosofia. Barcelona: Ariel, 1994. Voll e 11. NALINI, José Renato. Ética Ambiental. Campinas: Millennium, 2001. NASCIMENTO, Silvio Firmo do. Teses morais do século XIX. Londrina: Humanidades, 2004. 365 OLIVEIRA, Paulo César de. A ética da responsabilidade em Hans Jonas. ln: PEREIRA, Pedro H. S. et a/. Atas da IX Semana de Filosofia da UFSJ. São João dei-Rei: SEGRA, 2007, p.289-295. PEREIRA, Pedro H. S. Faça a sua parte? ln:Jornal Folha das Vertentes. Ano III, n° 72. Segunda quinzena de fevereiro de 2007. PEREIRA, Pedro H. S. Como se chegar a uma solução para os problemas ambientais? ln: Jornal Folha das Vertentes. Ano IV, n° 89. Primeira quinzena de novembro de 2007. PEREIRA, Pedro H. S. Prosperidades ln: Jornal Folha das Vertentes. Ano IV, n° 95. Primeira quinzena de fevereiro de 2008. PEREIRA. Pedro H. S. Ainda em Tempo. ln: Folha das Vertentes. Ano V, no109, 1a quinzena de setembro de 2008, p.6. PEREIRA, Pedro H. S. Implicações do Dois-em-um socrático na perspectiva arendtiana. ln: CARVALHO, José Maurício de. Atas da VIII Semana de Filosofia da UFSJ. São João dei-Rei: SEGRA, 2006, p. 257-263. ISBN 85-88414-20-1 . PEREIRA, Pedro H. S. org. et. al. Atas da IX Semana de Filosofia da UFSJ. São João dei-Rei: SEGRA, 2007. ISBN 978-85-88414-31-0. PEREIRA, Pedro H. S. org. et. a/. Atas da X Semana de Filosofia da UFSJ. São João dei-Rei: SEGRA, 2008. ISBN 978-85-88414-37-2. PEREIRA, Pedro H. S. Como se chegar a uma solução para os problemas ambientais? ln: Jornal Folha das Vertentes. Ano IV, n° 89. Primeira quinzena de novembro de 2007. PELIZZOLI, M. L.Correntes de Ética Ambiental. Petrópolis: Vozes, 2003. SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. Direito Ambiental: Surgimento, Importância e Situação Atual. ln: BITTAR, Eduardo C. 8. (org.),História do Direito Brasileiro: leituras de ordem jurídica nacional. São Paulo: Atlas, 2006. SILVA SOARES, Guido Fernando. Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência, Obrigações e Responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2003. 366 O LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Rafael Isaac de Almeida Coelho – IPTAN Fabrízia Lelis Naime de Almeida Coelho – IPTAN Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir o instituto do litisconsórcio ativo necessário no processo civil brasileiro em relação ao direito de demandar garantido na Constituição da República. O trabalho inicia-se com uma abordagem do litisconsórcio no processo civil com todas as suas classificações. Já no segundo capítulo, enfrenta o conflito entre o litisconsórcio ativo necessário e o direito de demandar disposto na Constituição de 1988, examinando as diversas posições adotadas pelos doutrinadores. Por fim, apresenta o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre o litisconsórcio ativo necessário. Palavras-Chave: Processo Civil – Litisconsórcio Ativo Constituição Federal – Direito Fundamental – STF – STJ Necessário – Introdução As relações jurídicas podem ocorrer com a presença de uma ou mais pessoas, sendo que os interesses delas decorrentes podem ser individuais ou coletivos. Os interesses individuais que surgem de determinadas relações podem pertencer a mais de uma pessoa, situação em que a tutela jurisdicional do mesmo deve se dar em juízo com a pluralidade de partes em um dos polos da relação processual. A pluralidade de partes na relação processual, defendendo interesse pertencente a mais de uma pessoa, ocorrerá seja por haver entre elas comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide, ou pelos direitos ou obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito, ou por haver entre as causas conexão pelo objeto ou pela causa de pedir e, ainda, por ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Em todos esses casos, a referida pluralidade de partes dará origem ao instituto processual denominado litisconsórcio. O litisconsórcio poderá ocorrer no polo ativo, no passivo ou em ambos, a depender do interesse tutelado. Pode ser inicial ou surgir no decorrer do processo, bem como pode exigir ou não uniformidade decisória em relação aos litisconsortes. 367 No entanto, a grande dificuldade do instituto do litisconsórcio relacionase com a sua necessariedade. O litisconsórcio pode ser facultativo, situação em que o interesse tutelado de forma conjunta pelas partes da relação pode também se dar de forma individual, ou necessário que, como o próprio nome diz, não é possível que ocorra sem a presença de todos os interessados. A necessariedade litisconsorcial no polo passivo resolve-se com a citação dos demais réus para compor a lide e, assim, integrar a demanda. Porém, no que diz respeito à necessariedade no polo ativo, tema do presente trabalho, há certos óbices em razão do conflito entre a impossibilidade de obrigar alguém a demandar (direito de não estar em juízo como autor) e o direito de ação de outrem, que não pode ter a sua tutela jurisdicional condicionada à vontade do litisconsorte renitente. No presente trabalho, abordaremos o instituto do litisconsórcio, com suas principais características e classificações e, posteriormente, faremos a abordagem das posições doutrinárias e jurisprudenciais em relação à necessariedade litisconsorcial no polo ativo, bem como apresentaremos as soluções que são propostas sobre o tema. 1 Litisconsórcio 1.1 Conceito As partes na relação processual são, em linhas gerais, aquelas que formulam pedidos e aquelas contra as quais pretensões são deduzidas. A bilateralidade existente entre os litigantes não significa que cada polo deve ser ocupado por apenas uma pessoa. Pode mais de uma pessoa atuar em juízo, no mesmo polo, assumindo a mesma função processual e com os mesmos interesses (SILVA, 2002, p. 247). A pluralidade de partes em um dos polos da relação processual dá ensejo à cumulação subjetiva. Se houver entre as partes que ocupam o mesmo polo uma uniformidade de interesses, dar-se-á a formação de litisconsórcio. A existência ou não de afinidade entre as partes diferencia a cumulação subjetiva de uma de suas espécies, o litisconsórcio. 368 1.2 Fontes53 do litisconsórcio A formação do litisconsórcio não pode ocorrer ao arbítrio das partes, pela simples vontade ou interesse em participar conjuntamente em determinado processo. Necessária se faz a previsão legal nesse sentido, determinando as fontes das quais pode originar a relação litisconsorcial (SANTOS, 2008, p. 2). O Código de Processo Civil, em seu artigo 46, estabelece quais as fontes ou pressupostos (SANTOS, 2008, p. 3) que dão origem à formação do litisconsórcio, sendo elas a comunhão, a conexidade e a afinidade de questões. Art. 46 Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. [...] A comunhão de direitos ou de obrigações relativas à lide é determinada, geralmente, pela relação das partes com o direito material. Ocorre nos casos de solidariedade, condomínio, composse e nos casos de fiança prestada sem reservas (NERY JR.; NERY, 2007, p. 256). A conexidade entre duas ou mais demandas justifica o litisconsórcio, tendo por finalidade obter a harmonia de julgados e evitar decisões diferentes relativas ao mesmo caso. Segundo Dinamarco (2009, p. 7), basta uma identidade parcial do título, pois se exigisse a identidade das causas de pedir em toda sua extensão, reduziriam-se a poucos casos as demandas conexas. A conexidade pode ser objetiva ou subjetiva. O Código de Processo Civil, artigo 105, admite a reunião de ações propostas em separado em casos de conexão, a fim de que sejam decididas 53 Expressão utilizada pela maioria da doutrina processual civil brasileira (Cf. MARINONI e MITIDIERO, 2008, p. 131; SANTOS, 2008, p. 2). 369 simultaneamente. Essa é a mesma razão pela qual se admite a cumulação subjetiva (litisconsórcio) desde o início (MARIONI e MITIDIERO, 2008, p. 131). A afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito, prevista no Código de Processo Civil, artigo 46, inciso IV, consiste na existência de pontos em comum nos fundamentos de fato ou de direito de duas ou mais demandas. Tal afinidade é liame menos intenso que a conexidade, sendo caracterizado pela mera existência de algum quesito comum de fato ou de direito, o qual, aparecendo em todas as causas de pedir (ainda que implicitamente), se apresente como uma das premissas necessárias para a decisão da causa. A existência de um simples ponto em comum a duas ou várias causas de pedir (que permanecem diferentes e autônomas em todo o mais, com fatos absolutamente diversificados, menos nesse ponto) não chega a caracterizar a conexidade, mas simples afinidade entre as demandas (DINAMARCO, 2009, p. 102). Fundado na conexidade imprópria, essa espécie de litisconsórcio é tutelada pelo sistema em razão da economia processual que é apta a propiciar. Ao contrário das hipóteses de conexidade, no litisconsórcio por mera afinidade pequeno é o risco de conflito entre julgados. A possibilidade de formação de litisconsórcio pode decorrer também do mesmo fundamento de fato e de direito, previsto no inciso II do supra referido artigo. São demandas que têm em comum a causa de pedir, e não apenas alguns pontos, como no litisconsórcio impróprio. Esse inciso é dispensável em razão da previsão da conexidade como fonte de formação do litisconsórcio, pois está abarcada a hipótese prevista no inciso II naquela prevista no inciso IV. A conexão pela causa de pedir é uma conexidade objetiva. 1.3 Classificação 1.3.1 Quanto à posição processual dos litisconsortes O litisconsórcio pode ser ativo, passivo ou misto. No primeiro, tem-se mais de um autor da demanda, enquanto no segundo, corresponde à situação em que tem vários réus. Havendo a presença de pluralidade de autores e réus, será o misto (ou recíproco). 370 1.3.2 Quanto ao momento de formação A formação do litisconsórcio será inicial se a ação for proposta por vários autores ou em face de vários réus. A apresentação da pluralidade de partes ocorre na petição inicial. No entanto, a formação pode ocorrer no curso do processo, após instaurada a relação processual, sendo denominado litisconsórcio ulterior. O litisconsórcio ulterior pode surgir em razão de uma intervenção de terceiros, pela sucessão processual ou pela conexão. No caso de o litisconsórcio ser facultativo ativo, a formação tem como momento processual adequado a petição inicial, ou seja, deve ser inicial. Nessa hipótese, não se deve admitir o litisconsórcio ulterior sob pena de ofensa ao princípio do juiz natural, propiciando ao jurisdicionado a escolha do juiz (NERY JR.; NERY, 2007, p. 255). Segundo conclusão de Athos Gusmão Carneiro (1999, p. 28), comentando julgados do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: a) a admissão de litisconsórcio facultativo ulterior, após feita a citação do réu, conspira contra os princípios do juiz natural, da livre distribuição e da estabilidade da demanda; e b) já deferida medida liminar em favor do autor da demanda em curso, a extensão dessa liminar a um ‘litisconsorte’ facultativo ulterior virá ofender, ainda com mais gravidade e ostensividade, ao princípio do juiz natural, pois permite ao tal ‘litisconsorte’ escolher o juízo onde já encontrará decisão favorável à sua pretensão, com prejuízos igualmente às regras da bilateralidade e da boa-fé que devem presidir o relacionamento em juízo. Verifica-se que reais são as razões para se afastar a formação ulterior de litisconsórcio ativo facultativo e sua consequente ofensa ao princípio do juiz natural. 1.3.3 Quanto à exigência ou não de uniformidade decisória O litisconsórcio comum (ou simples), norteado pelo princípio da autonomia dos litisconsortes, é aquele em que o juiz pode julgar de forma diferente as pretensões a ele expostas. O julgamento pode ou não ser 371 homogêneo em razão da pluralidade de relações discutidas no processo ou por se discutir uma relação jurídica divisível. Conforme conclui Didier Jr. (2007), “o litisconsórcio simples é o que parece ser: cada um dos litisconsortes é tratado como parte autônoma” (p. 277). O comportamento de cada litisconsorte no processo, a princípio, influenciará apenas na decisão a ele relativa, segundo o CPC, artigo 48, “salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”. A atuação mais diligente de um dos litisconsortes na fase instrutória ou postulatória, a existência de ato dispositivo que não seja de todos os litisconsortes ou não se refira a todos ou a distinção da posição de cada um deles em relação ao direito material a possibilita a existência de julgamentos de mérito heterogêneos (DINAMARCO, 2009, p. 145). Aplica-se, nas hipóteses de litisconsórcio simples, o princípio da independência (ou autonomia) entre os litisconsortes, implicando o estabelecimento para cada um deles dos pressupostos processuais; cada um produzirá suas provas, a qual terá, a princípio, sua eficácia limitada à relação jurídica existente entre ele e seu adversário; o recurso interposto limita-se àquele que recorreu e a desistência do recurso independe da concordância dos demais. No entanto, a autonomia dos litisconsortes é mitigada em razão da necessidade da harmonia dos julgados, existente ainda que em diferentes escalas nas relações litisconsorciais. Pode-se verificar a relativização no campo das provas, sendo que a prova trazida por um dos litisconsortes beneficia todos na medida em que se refira o fato de interesse comum (o juiz não pode considerar o fato provado em relação ao que produziu a prova e não provado em relação aos demais). Exemplos: reconhecimento do pedido, transação, renúncia ao direito, desistência da ação, renúncia ou desistência do recurso. Sendo comum o litisconsórcio e assim comportando decisões díspares para os colitigantes, cada qual tem legitimidade só quanto ao próprio interesse e seu ato dispositivo carecerá de eficácia geral. Atos como a dispensa de um meio de prova não podem ser regidos pela legitimatio ad actum 372 individual pelo simples motivo de que, permanecendo o interesse de um dos litisconsortes e sendo produzida a prova, seu resultado poderá ser relevante para todos (DINAMARCO, 2009, p. 155)[grifos meus]. Sobre a pluralidade de lides e de sujeitos existente nas relações litisconsorciais e o princípio da autonomia dos colitigantes, bem se posiciona Moacyr Amaral Santos (2008, p. 11) no sentido de que, verbis: o fenômeno de lides autônomas suscitando relação processual única, isto é, dando lugar à formação de um único processo, por um lado atribui a cada um dos litisconsortes a autonomia própria dos sujeitos daquelas, de outro os submete às consequências da unidade processual. E continua o autor explicando que, “por um lado, por força da autonomia das lides, cada litisconsorte é parte distinta em relação aos adversários, mas, por outro lado, por força da unidade processual, se subordina à marcha do processo, que é igual para todos” (idem, p. 11). Existem, contudo, situações em que há necessidade de decisão uniforme em razão da própria natureza da relação jurídica, a qual torna impossível que tenha efetividade sem abranger igualmente a todos. Nessas relações, o litisconsórcio será unitário. O julgamento do mérito no litisconsórcio unitário será homogêneo em razão da incindibilidade da relação jurídica. A decisão heterogênea, nessas relações, não teria utilidade, sendo impossível a imposição de seus efeitos. No litisconsórcio unitário, afasta-se o princípio da autonomia dos litigantes, a qual permite que o ato de um dos litisconsortes não influencie na situação de todos e pode conduzir os litisconsortes a soluções substancialmente diferentes. No entanto, o afastamento da autonomia dá-se tão somente em relação ao mérito, conforme leciona Dinamarco (2009, p. 166): A integral derrogação do princípio da (relativa) autonomia entre os litisconsortes refere-se exclusivamente aos atos relevantes para o julgamento da causa em si mesma, ou seja, do chamado mérito principal (o Hauptsache, da doutrina germânica). Situações personalíssimas, como a conduta processual de cada um e eventual sanção a sua litigância de má-fé, não se comunicam aos demais. É 373 perfeitamente compatível com o regime especial do litisconsórcio unitário a exclusão de um dos litisconsortes do processo, desde que não se trate de litisconsorte também necessário (p. ex., por ilegitimidade ad causam ativa de um não-cidadão na ação popular movida por mais de um sujeito). Os atos individuais realizados pela parte que favorece a ela e aos seus litisconsortes são eficazes a todos; ao contrário, atos não praticados por todos os litisconsortes que prejudiquem os demais não terão eficácia em relação àqueles. A confissão feita por um litisconsorte ou a transação entre ele e seu adversário somente se confirmadas ou consentidas pelos demais litisconsortes é que produzem os efeitos que lhe são próprios (SANTOS, 2008, p. 13); não haverá revelia, salvo se todos permanecerem omissos em contestar a ação; a falta de pressuposto processual em relação a um dos litisconsortes impede apreciar o mérito em relação aos demais; não pode haver desistência isolada da demanda e o recurso interposto por um dos litisconsortes, nos termos do Código de Processo Civil, artigo 509, aproveita os demais (SILVA, 2002, p. 266). 1.3.4 Quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação O litisconsórcio pode ter sua formação obrigatória em razão da natureza da relação jurídica ou por determinação legal. Nessas hipóteses, a legitimidade ordinária só se completa com o concurso de todos os litisconsortes, sob pena de carência de ação. É denominado litisconsórcio necessário em razão da imprescindibilidade da pluralidade de partes em determinado polo da relação processual. As relações jurídicas das quais decorre o litisconsórcio são aquelas estruturadas de certa forma que necessária se faz a formação por uma pluralidade de pessoas, sendo ilegítima a constituição por apenas alguma delas. “Diz-se que o litisconsórcio é necessário quando, por disposição de lei, ou pela natureza da relação litigiosa, o processo só se possa formar com a presença de mais de um autor ou mais de um réu, ou seja, de todos os interessados” (SILVA, 2002, p. 248). 374 O Código de Processo Civil, no art. 47, determina os casos em que o litisconsórcio será necessário: quando exigir a natureza da relação jurídica deduzida em juízo (ligando, a princípio, a necessariedade à unitariedade) ou quando exigir a lei, independente da natureza da relação jurídica. Segundo Didier Jr. (2007, p. 278), é possível a existência de litisconsórcio necessário comum (ou simples), podendo a lei, por questões de conveniência, para que haja harmonização de julgados ou por economia processual, determinar a necessariedade. O litisconsórcio necessário por força de lei, na maioria das vezes, não é unitário, pois não há uma incindibilidade da relação, comportando decisões heterogêneas. A lei impõe o litisconsórcio, por exemplo, nas ações que versem sobre direitos reais imobiliários, em que os cônjuges serão litisconsortes; nas ações de divisão de terras, em que todos os condôminos deverão ser citados; na ação de usucapião, em que há integração como litisconsortes passivos necessários o proprietário do imóvel e seus confinantes (SANTOS, 2008, p. 5). O litisconsórcio necessário por exigência da relação jurídica deduzida em juízo implica a unitariedade, em decorrência da incindibilidade da relação e necessidade de homogeneidade da decisão, sob pena de ineficácia. São exemplos de litisconsórcio necessário e unitário: a ação de nulidade de casamento, quando proposta por terceiro ou pelo Ministério público, sendo litisconsortes necessários os cônjuges; a ação de impugnação de paternidade, a ser movida conjuntamente ao suposto filho e à suposta mãe; a ação de anulação de sociedade, que exige a participação de todos os sócios no polo passivo; a ação rescisória movida por terceiro ou pelo Ministério Público, com a presença necessária das partes do processo originário. Sendo o litisconsórcio necessário, se o mesmo não se forma, cabe ao juiz determinar ao autor que tome providências no sentido de constituí-lo. Segundo o Código de Processo Civil, parágrafo único do artigo 47, “o juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.” Essa é a postura que deve ser adotada quanto à ausência de litisconsorte passivo necessário. No que se refere ao litisconsórcio ativo necessário, não há consenso na doutrina e jurisprudência, tema que será detidamente analisado nos próximos capítulos do presente trabalho. 375 A formação do litisconsórcio pode, contudo, ser facultativa. Há possibilidade de as partes estarem ou não conjuntamente no mesmo polo daquela relação processual, não havendo qualquer necessidade quanto ao objeto da demanda ou determinação legal nesse sentido. Ao contrário do permitido pelo Código de Processo Civil de 1939, não mais se admite a recusa peremptória pelo réu da formação do litisconsórcio facultativo. Permite-se, contudo, que havendo número muito grande de litisconsortes facultativos (litisconsórcio multitudinário) a ponto de inviabilizar o exercício da jurisdição, o juiz poderá propor o desdobramento das ações. Essa atitude pode ser requerida pelo réu em contestação, desde que demonstre prejuízo para o exercício de seu direito de defesa, sob pena de preclusão (NERY JR.; NERY, 2007, p. 255). No entanto, parte da doutrina entende não haver preclusão para essa alegação, pois se trata de justiça do processo que é matéria de ordem pública (MARINONI; MITIDIERO, 2008, p. 132). O típico litisconsórcio facultativo é o previsto no Código de Processo Civil, artigo 46, inciso III, ou seja, o baseado na conexidade como: da vítima acionando os responsáveis pelo fato delituoso; o credor acionando o devedor e o respectivo fiador; vários credores solidários acionando o devedor comum. O litisconsórcio facultativo impróprio é o previsto no inciso IV do referido artigo, decorrendo da afinidade de questões; por exemplo: vários contribuintes acionando a Fazenda Pública para haver repetição do pagamento do mesmo imposto, por considerá-lo inconstitucional (SANTOS, 2008, p. 8-9). 2 A exigência do litisconsórcio ativo necessário e o conflito com o direito de (não) demandar 2.1 O litisconsórcio necessário e o direito de ação A excepcionalidade da formação do litisconsórcio necessário decorre da restrição pelo mesmo ao direito de ação, na medida em que a legitimidade para determinada demanda, seja ativa ou passiva, passa a pertencer a mais de uma pessoa. Cada um dos titulares do direito de estar em juízo depende da presença e vontade dos demais para completar a legitimidade ad causam. A necessariedade pode decorrer da indivisibilidade da relação de direito material e justifica-se pela inutilidade do provimento sem a presença de todos; 376 pode decorrer também por força de lei, com vista à maior utilidade do processo e da atuação jurisdicional. No entanto, a finalidade de evitar conflito lógico de julgados não justifica a necessariedade do litisconsórcio (DINAMARCO, 2009, p. 247). O litisconsórcio necessário no polo passivo implica somente a exigência de que o autor inclua como réus na demanda todos os legitimados e, caso não o faça, que o juiz ordene que sejam tomadas as providências necessárias à integração dos litisconsortes, nos termos do Código de Processo Civil, parágrafo único do artigo 47, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito. Ou seja, nessa hipótese, basta a manifestação de vontade do autor no sentido de integrar aquela pessoa na relação na qualidade de réu. Conforme enfatiza Dinamarco (2009, p. 261), o problema se instala na necessariedade do litisconsórcio ativo. Segundo o autor, verbis: ou estão todos presentes e a parte ativa é legítima, ou não estão e ele não dispõe de meios aptos a coagir os demais a compartilhar de sua posição no processo. Realmente, ninguém pode ser compelido a agir em juízo, sendo autor ou exequente contra sua própria vontade. Nesses casos, doutrina e jurisprudência não chegam a um consenso, sendo várias as posições no sentido de solucioná-la. Em alguns casos, a fim de evitar o problema mencionado, a própria lei exclui a necessariedade do litisconsórcio ativo, utilizando de técnicas que possibilitam que a decisão alcance o colegitimado sem que este atue como litisconsorte. Dinamarco (2009, p. 255), na lição a seguir colacionada, bem exemplifica a técnica legislativa mencionada: Constitui eterna fonte de inseguranças a hipótese das obrigações indivisíveis representada pela solidariedade ativa (CC, art. 260). Trata-se sem dúvida de crédito indivisível e, portanto, de uma relação jurídica incindível, estando os credores solidários em estado de comunhão no direito controvertido no processo (CPC, art. 46, inc. I). O direito oferece uma solução pragmática, dispensando o litisconsórcio (e, portanto fazendo-o facultativo), mas estendendo ao credor ausente os efeitos da sentença 377 favorável – aquele que não participou do processo receberá a sua parte, deduzidas as despesas na proporção de seu crédito (CPC, art. 291). A possibilidade da exclusão da necessariedade do litisconsórcio no polo ativo por lei não se faz presente em todos os casos, sendo que nos demais deve ser feita uma ponderação entre direito de ação e os demais direitos em colisão ou se obter uma técnica processual que a este problema resolva. 2.2 Considerações doutrinárias e respectivas críticas 2.2.1 A admissibilidade excepcional do litisconsórcio ativo necessário e sua averiguação diante do caso concreto O litisconsórcio ativo necessário deve ser admitido nos casos em que seja inevitável proferir uma decisão sem a presença de todos os interessados, diante da impossibilidade de coagir alguém a ajuizar uma ação. O princípio da demanda impõe à “lei e aos juízes um estado de inércia que só há de se romper quando houver precisa e específica provocação da pessoa interessada” (DINAMARCO, 2009, p. 262). A princípio, não pode o juiz, o réu ou o próprio autor ampliar subjetivamente o polo ativo da demanda sem que haja manifestação do litisconsorte renitente nesse sentido. A cada sujeito é dado escolher o momento para demandar, pondo em ato a estratégia de ataque que lhe pareça mais oportuna – e virá apenas quando estiver seguro dos meios e provas de que dispõe, evitando despesas ou o risco de suportá-las, escolhendo patrono de sua preferência, etc. Não é lícito violar essa liberdade toda que tradicionalmente se outorga ao demandante e que, afinal, é a expressão do princípio da iniciativa da parte, inerente ao sistema (DINAMARCO, 2009, p. 262). Dinamarco (2009, p. 273) entende que em alguns casos o próprio legislador dispensa a necessariedade do litisconsórcio, mas em outros o magistrado deverá optar entre o direito de ação e a incindibilidade da relação de direito. “O resultado a ser pleiteado mediante o processo há de ser 378 necessariamente querido por todos, sob pena de não poder ser obtido por nenhum. Nesses casos o consenso é indispensável”. Ou seja, o autor aceita a existência excepcional do litisconsórcio ativo necessário, desde que o juiz entenda diante do caso concreto pela sua exigibilidade. Didier Jr. (2007) critica a posição adotada por Dinamarco (2009), pois este transfere a identificação do litisconsórcio ativo necessário ao magistrado quando houver o silêncio da lei. Segundo Didier Jr. (2007, p. 290), não há diferença entre as situações que ensejam o litisconsórcio necessário, devendo ou permitir a facultatividade do litisconsórcio, ou vedar a legitimação conjunta ativa (litisconsórcio ativo necessário) e preservar o direito de ação. A crítica apresentada à possibilidade de se admitir excepcionalmente o litisconsórcio ativo necessário, averiguando-se diante do caso concreto sua existência ou não, é pertinente em razão da segurança jurídica que se exige o sistema. Uma solução casuística ao problema não apenas deixa de resolver o problema da formação do litisconsórcio ativo necessário, como também gera incertezas aos demandantes em relação àquela demanda. Não será possível sequer prever se o juiz extinguirá o processo por carência de ação em razão da ausência do litisconsorte ou se prosseguirá sem o mesmo, proferindo sentença de mérito que também o abarcará. 2.2.2 O litisconsórcio necessário ativo como réu A garantia constitucional do direito de ação impede que a atitude de uma das partes da relação de direito material impeça a outra de litigar. Se, em razão da relação de direito material, necessária for a formação do litisconsórcio e um dos litisconsortes não quiser litigar em conjunto com o outro, ofenderá, a princípio, o direito de ação, pois o direito de ir a juízo estaria condicionado à vontade de outrem. Segundo Nery Jr. e Nery (2007), o autor poderá sozinho ajuizar a ação, devendo incluir o litisconsorte que deveria necessariamente participar (no polo ativo) daquela ação no polo passivo na qualidade de réu. Justifica-se referida posição, pois aquele que não quer participar como litisconsorte ativo está resistindo à pretensão do autor, sendo também réu. 379 Embora o litisconsorte não possa ser obrigado a litigar como autor, ou seja, não pode ser obrigado a ajuizar uma ação, ele pode ser citado e, assim, integrado de maneira forçada à relação processual como réu. Integrado no processo, terá opção de permanecer como réu ou de integrar o polo ativo juntamente com o autor, seu litisconsorte necessário. Sobre o tema, completam Nery Jr. e Nery (2007, p. 875), verbis: Em qualquer dos dois casos, a sentença será dada em relação a ele, litisconsórcio necessário renitente, e produzirá normalmente seus efeitos. O que importa, para que se cumpra a lei e se atenda aos preceitos do sistema jurídico brasileiro, é que os litisconsortes necessários – isto é, todos os partícipes da relação jurídica material discutida em juízo – integrem a relação processual, seja em que polo for. Haverá a formação de um litisconsórcio ativo não íntegro, mas soluciona-se o problema com a citação daquele que participa da relação de direito material e se recusa a litigar como autor. Embora ele tenha o direito de não demandar como autor, ele não poderá recusar-se a ser réu. Integrando a relação o litisconsorte necessário do autor (ainda que no polo passivo, como réu), a sentença proferida poderá produzir efeitos em relação a ele, suprindo-se a exigência do direito material e do direito processual. No entanto, a posição apresentada por Nery Jr. e Nery (2007) é também criticada por Didier Jr. (2007) em vários aspectos. Oss autores não informam se o pedido será feito um contra o réu e outro contra o litisconsorte renitente, nem se isso seria possível diante do Código de Processo Civil, artigo 292, segundo o qual os pedidos cumulados devem ser feitos em relação a todos os réus (Didier Jr., 2007, p. 288-289). Critica-se, ainda, a possibilidade daquele que deveria ser litisconsorte juntamente com o autor poder deixar de ser réu, pois, a princípio, ninguém pode optar em uma relação processual por não ser réu. Por fim, critica com referida posição com a seguinte conclusão: [...] o litisconsorte recalcitrante será citado como réu, circunstância frisada em diversos momentos, 380 litisconsórcio ativo não há no processo, que se estrutura subjetivamente da seguinte forma: A contra B (réu originário) e C (litisconsorte renitente). Pelo que se vê, forma-se um litisconsórcio passivo, e não ativo (DIDIER JR., 2007, p. 288-289). A possibilidade de citar o litisconsorte ativo necessário para integrar a demanda como réu, ainda que solucione a questão de direito material no sentido da participação do renitente na solução da lide que lhe diga respeito, não resolve de todo a questão sob o aspecto processual. A insuficiência da corrente apresentada inicia-se a partir da colocação “litisconsorte ativo necessário” como “réu”. Esta, por si só, já denota deixar de ser uma situação de litisconsórcio ativo, pois a pluralidade subjetiva estaria concentrada no polo passivo da demanda. Outra demonstração de insuficiência da mesma relaciona-se aos pedidos feitos pelo autor, que deveriam ser os mesmos a todos os réus, e à atuação deste então chamado “litisconsorte passivo necessário” na posição de réu, mas com interesse igual ou ao menos mais próximo ao do autor da demanda. 2.2.3 Negação da existência de litisconsórcio ativo necessário A existência do direito constitucional de acesso à justiça impede que o direito de ir a juízo seja condicionado à vontade de outrem. Assim, a existência do litisconsórcio ativo necessário viola tal direito na medida em que esta impedindo o exercício do direito de ação de uma das partes (DIDIER JR., 2007, p. 286). Pela razão apresentada, parte da doutrina entende no sentido da inexistência do litisconsórcio ativo necessário. Fundamenta-se na tese de que ninguém pode ser coagido a demandar, nem, por outro lado, ter seu direito de ir à juízo condicionado ao arbítrio de outrem. Em razão do Código de Processo Civil determinar a citação de todos os legitimados, Barbi (1981) entende que os casos de litisconsórcio necessários ocorrerão somente no polo passivo, pois citação faz-se somente de réu e não de autor. Referido autor somente aceita excepcionalmente o litisconsórcio ativo necessário quando a lei assim determinar. 381 Todas as peremptórias negativas à existência de um litisconsórcio ativo necessário significam “deixar vazios de julgamento, com risco de contradições práticas que poderiam ocorrer” (DINAMARCO, 2009, p. 258). O esforço legislativo não é capaz de abarcar e regulamentar todos os possíveis casos de litisconsórcio ativo necessário, razão pela qual não se pode simplesmente negar sua existência doutrinariamente e abster-se de resolver o problema. 3 A jurisprudência e o litisconsórcio ativo necessário A jurisprudência não se posiciona de forma uníssona sobre o tema do litisconsórcio ativo necessário. Em alguns casos, ele é admitido e reafirmado; em outros, é refutado com veemência. Há decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ele ser cabível apenas em situações excepcionais, diante da impossibilidade de forçar alguém a litigar como autor. Senão, vejamos: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. LEI 8.213/91. PRINCÍPIO DA ECONOMIA E FINALÍSTICA PROCESSUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. 1. Somente há que se falar em litisconsórcio ativo necessário em situações excepcionais, uma vez que ninguém pode ser compelido a comparecer nos autos como autor. 2. A hipótese sob análise não configura esta circunstância excepcional, pois a Lei 8.213/91 dispõe em seu art. 76 que a concessão de pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente. 3. Em face dos princípios da economia e finalística processual, impõe-se reconhecer que a anulação do feito, no estágio em que se encontra e após transcorrido grande lapso temporal, configuraria prejuízo inegavelmente maior às filhas do que a ausência delas na relação processual. Ao contrário, a decisão favorável obtida pela esposa do segurado beneficiará as suas descendentes, pois a pensão por morte se reverterá para o âmbito familiar de que fazem parte. 4. Recurso Especial provido (REsp 956.136/SP, 2007, p. 219)[grifos meus]. No julgado colacionado, o Tribunal Superior entendeu ser maior o prejuízo trazido pela anulação do processo à litisconsorte que não participou do 382 mesmo (a qual, a princípio seria uma litisconsorte ativa necessária) que a prolação de uma decisão sem sua participação. Fundamentado na economia e na finalidade do processo, decidiu por manter a decisão que beneficiária a litisconsorte (necessária) que não atuou no polo ativo da relação jurídica. Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça também reconhece a legitimidade ativa ad causam isolada de empresa cedente de mão-de-obra e de tomadora de serviço para questionar retenção de contribuição previdenciária, reafirmando a posição da excepcionalidade da admissibilidade de litisconsórcio ativo necessário, por envolver limitação a direito constitucional de agir, verbis: RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO DE 11%. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA. LITISCONSÓRCIO ATIVO. DESNECESSIDADE. MÉRITO. RETENÇÃO DE 11%. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO. 1. À falta do indispensável prequestionamento, não se conhece do recurso especial em relação à violação dos arts. 480 a 482 do CPC (Súmulas 282 e 356 do STF). 2. Tanto a cedente de mão-de-obra como a tomadora do serviço têm legitimidade ad causam para questionar, em juízo, a retenção de onze por cento (11%). Isso porque o valor retido deve ser descontado na nota fiscal ou fatura pela tomadora, e tal valor está sujeito à restituição por parte da cedente, quando do recolhimento da contribuição previdenciária, conforme dispõe o art. 31 da Lei 8.212/91, com redação dada pela Lei 9.711/98. 3. Não há previsão legal no sentido da necessidade de formação de litisconsórcio necessário entre a empresa prestadora do serviço e a tomadora, de maneira que a relação processual entre essas empresas não se enquadra na previsão do art. 47 do CPC. Ademais, consoante entendimento desta Corte, a admissibilidade de litisconsórcio ativo necessário envolve limitação a direito constitucional de agir; portanto, somente excepcionalmente pode-se admitilo. 4. A retenção de onze por cento (11%) a título de contribuição previdenciária, na forma do art. 31 da Lei 8.212/91, com a redação introduzida pela Lei 9.711/98, não configura nova modalidade de tributo, mas tãosomente alteração na sua forma de recolhimento, não havendo qualquer ilegalidade nessa sistemática de arrecadação. 5. Na referida sistemática prevista no art. 31 da Lei 8.212/91, a empresa tomadora de serviços é responsável tributária pelo regime de substituição 383 tributária. No caso, essa desconta parte do valor devido à Previdência Social, responsabilizando-se pelo recolhimento por meio de destaque na nota fiscal ou na fatura. Posteriormente, a cedente de mão-de-obra procede à compensação do valor, quando do recolhimento incidente sobre a folha de salário. Há, então, apenas um adiantamento de parte do recolhimento, sem alteração de alíquota ou base de cálculo. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido (REsp 803.217/SP, 2006, p. 241) [grifos meus]. E permanece o referido Tribunal Superior reafirmando a excepcionalidade em razão da limitação do direito constitucional de agir: PROCESSO CIVIL. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. EXCEÇÃO AO DIREITO DE AGIR. OBRIGAÇÃO DE DEMANDAR. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. RECURSO PROVIDO. I - Sem embargo da polêmica doutrinária e jurisprudencial, o tema da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo necessário envolve limitação ao direito constitucional de agir, que se norteia pela liberdade de demandar, devendo-se admiti-lo apenas em situações excepcionais. II - Não se pode excluir completamente a possibilidade de alguém integrar o polo ativo da relação processual, contra a sua vontade, sob pena de restringir-se o direito de agir da outra parte, dado que o legitimado que pretendesse demandar não poderia fazê-lo sozinho, nem poderia obrigar o colegitimado a litigar conjuntamente com ele. III - Fora das hipóteses expressamente contempladas na lei (verbi gratia, art. 10, CPC), a inclusão necessária de demandantes no polo ativo depende da relação de direito material estabelecida entre as partes. Antes de tudo, todavia, é preciso ter em conta a excepcionalidade em admiti-la a vista do direito constitucional de ação (Resp 141.172/RJ, 1999, p. 190)[grifos meus]. Conclui-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não nega a existência do litisconsórcio ativo necessário, mas na maioria dos casos afirma sua desnecessidade em razão da prevalência do direito de não demandar em relação ao direito de ação. 384 O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, nos julgados a seguir colacionados, também admite a existência de litisconsórcio ativo necessário, desde que demonstrada a inevitabilidade: Agravo regimental. Alegação da existência de litisconsórcio ativo necessário no mandado de segurança contra decreto que declara de interesse social para fins de reforma agrária imóvel rural. - Pela petição indeferida, da qual se deduzia que o litisconsórcio seria decorrente da controvérsia sobre a propriedade do imóvel expropriado, a fundamentação desse despacho foi a do despacho a fls. 91 e que está correta: ‘para haver litisconsórcio ativo necessário, unitário ou facultativo, é preciso, primeiramente, que os consortes sejam legitimados para agirem como autores conjuntamente, o que não sucede no caso em que o requerente pretende ser litisconsorte ativo necessário do impetrante por sustentar que este não possui legitimidade ativa por não ser o proprietário nem o possuidor do imóvel, sendo ele, que afirma ser o titular da propriedade em causa, o único legitimado ativo’. Já agora, pelo acordo a que a ora agravante-impetrante alude na petição de agravo regimental, a Indústria Açucareira em causa, ao que parece, não mais é a proprietária do imóvel a ser expropriado, o que implica dizer que o desfecho desse mandado de segurança não terá qualquer repercussão com referência a esta, para caracterizar-se a hipótese prevista no ‘caput’ do artigo 47 do C.P.C.: ‘Há litisconsórcio necessário, quando por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo’. Agravo a que se nega provimento (MS 23135 AgR-AgR, 1999)[grifos meus]. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA. LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. I. IMPERTINÊNCIA DA INVOCAÇÃO DO ART. 213, PAR-2. DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. II. NÃO CABE COGITAR DE LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO, NA FALTA DE EVIDÊNCIA DA SUA INEVITABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO (ACO 330 AgR, 1984) [grifos meus]. A jurisprudência pátria aceita a existência do litisconsórcio ativo necessário em casos excepcionais, demonstrada a inevitabilidade. Critica-se a jurisprudência sobre o tema, pois traz ao aplicador do direito à insegurança, 385 pois não poderá adivinhar se no caso específico o julgador optará por preservar a incindibilidade da relação ou o direito constitucional de ação. Considerações finais O litisconsórcio é instituto processual que permite a tutela de interesses relativos a mais de uma pessoa, em uma mesma relação processual, em razão da fonte da qual originam os referidos direitos. Nos casos em que a formação do litisconsórcio é necessária, não se pode, a princípio, litigar sem a presença de todos aqueles que têm relação com a tutela do direito em questão. Se a necessariedade se der no polo passivo, fácil é a solução, pois, não havendo formação do mesmo, cabe ao juiz determinar ao autor que tome providências no sentido de constituí-lo, ou seja, o juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, sob pena de declarar extinto o processo. Sendo a necessariedade litisconsorcial presente no polo ativo, há o conflito entre estar em juízo exercendo seu direito de ação, na defesa de seus interesses, e o direito de não demandar do litisconsorte renitente, o qual não pode ser coagido a compartilhar o polo ativo da relação processual. Dinamarco (2009), conforme abordamos no decorrer do presente trabalho, propõe a solução de que o juiz decida acerca da admissibilidade do litisconsórcio ativo necessário somente nos casos em que seja impossível proferir uma decisão sem a presença de todos os interessados. A princípio, não cabe ao juiz ampliar subjetivamente o polo ativo da demanda sem que haja manifestação do litisconsorte renitente. No entanto, em hipóteses excepcionais, entende o autor cabível a formação forçada do litisconsorte ativo, sob pena de afrontar de forma severa o direito de ação de outrem que lhe é dependente. Essa solução apresentada, além de não resolver o problema, gera grande insegurança ao jurisdicionado. Nery Jr. e Nery (2007) advogam no sentido de que o autor ajuíze a ação e inclua o litisconsorte que deveria necessariamente participar (no polo ativo) daquela ação na qualidade de réu. Segundo o autor, se não quer participar como litisconsorte ativo, está resistindo à pretensão, sendo também réu. Nesse caso, uma vez integrado no processo o litisconsorte renitente, caberá a ele a opção de permanecer como réu ou de integrar o polo ativo, juntamente com o 386 autor, na posição de litisconsorte necessário. Dessa forma, a sentença proferida poderá produzir efeitos em relação a ele, suprindo-se a exigência do direito material e do direito processual. As criticas apresentadas à solução proposta relacionam-se a como se dará o pedido do autor e em relação à possibilidade de alguém optar em uma relação processual por não ser réu. Barbi (1981) entende que não existe o litisconsórcio ativo necessário, pois, para ele, ninguém pode ser coagido a demandar, nem, por outro lado, ter seu direito de ação condicionado ao arbítrio de outrem. Segundo o autor, somente seria cabível quando a lei expressamente determinar, o que é praticamente inviável diante de todos os possíveis casos de litisconsórcio ativo necessário. Critica-se o autor por simplesmente negar a existência do litisconsórcio ativo necessário e abster-se de resolver o problema. Diante das doutrinas apresentadas, verifica-se não haver consenso em relação a qual melhor técnica processual a ser utilizada para solucionar o direito daquele cuja pretensão depende da presença de outrem no polo ativo, presença essa negada sob o fundamento do direito de não demandar. A jurisprudência, seguindo a corrente de Dinamarco (2009), conforme se verifica a partir de julgados apresentados, decide diante do caso concreto quais casos em que há a inevitabilidade da formação do litisconsórcio necessário no polo ativo. Decide, sempre, pela excepcionalidade do instituto, vez consistir em limitação constitucional ao direito de demandar. Por fim, diante de todas as doutrinas estudadas, verifica-se que a teoria de Dinamarco (2009), que apesar de causar certa insegurança, é a melhor teoria para solucionar o conflito entre o litisconsórcio ativo necessário e o direito de não demandar. Referências ACO 330 AgR, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, TRIBUNAL PLENO, julgado em 11/10/1984, DJ 08-11-1984 PP-18765 EMENT VOL-01357-01 PP00027 RTJ VOL-00073-03 PP-00670. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: Podivm, 2007. p. 277. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: Podivm, 2007. p. 288-289. DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: 387 Malheiros, 2009. MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 131. MS 23135 AgR-AgR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/1999, DJ 06-08-1999 PP-00041 EMENT VOL-01957-01 PP00202. NERY JR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 256. O litisconsórcio facultativo ativo ulterior e os princípios do “juiz natural” e do “devido processo legal”. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Ano 1, n. 1, p. 28, set./out. 1999. REsp 956.136/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2007, DJ 03/09/2007. p. 219. REsp 803.217/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/08/2006, DJ 31/08/2006. p. 241. Resp 141.172/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/1999, DJ 13/12/1999, p. 150. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. II. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 2. SILVA, Ovídio Araújo Baptista. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. Vol. I. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 247. 388 LA CRISIS DE 1929 Y SUS DISTINTAS EXPLICACIONES Y CONSECUENCIAS Luciano Isaac – IPTAN Mestre em Economia - Faculdad de Ciencias Económicas – Buenos Aires E-mail: [email protected] Introducción Sin lugar a dudas, el suceso económico más recordado del siglo XX es la Gran Depresión de los años 30, que comienza con una jornada histórica en la Bolsa de New York, que se quedaría para la historia como “el jueves negro”. La crisis impactó fuertemente a la política europea dando todavía más fuerza a los críticos de la democracia liberal, como Benito Mussolini, que ya imperaba en Italia desde 1922 y los nacionales-socialistas en Alemania, que tomarían el poder en 1933. Así ocurrió en todo el continente europeo, de forma dramática. También en América Latina las consecuencias fueron superlativas, con la caída de dinastías terratenientes, que de la noche al día, se veían pauperizadas por la falta de exportación. Hay quienes digan que en este momento surge, con más fuerza, los planteos de industrialización en la región, por su cíclica vulnerabilidad externa. En Estados Unidos, la mayor potencia del planeta, pero que todavía muy sesgada por el aislacionismo, las consecuencias fueron brutales: kilómetros de filas de personas sin empleo, bancos sin fondos para pagar a sus depositantes y suicidios de los techos de los edificios. La crisis hizo evidente la contracara del crecimiento económico impresionante que experimentaban los Estados Unidos, es decir, la cara de la pobreza, que hasta este entonces no tenia cualquier protección de parte del Estado. La respuesta a una crisis tan seria y profunda no podría ser sino igualmente profunda: el New Deal de Franklin Delano Roosevelt echó las bases para el moderno estado estadounidense y dejó la semilla para una de las corrientes del pensamiento económico más importantes del siglo – el keynesianismo. 1 Desigualdad en medio a la prosperidad. Para Fabio Nigra la Gran Depresión se explica primordialmente por la desigualdad. Los otros factores, según se puede notar en su lectura, son dependientes de esta causa primera. Su historia inconformista de los Estados Unidos va en contra la historiografía corriente que pone un rol destacado en los 389 consensos en la historia estadounidense, así como en factores de difícil mensuración o casi espirituales, como los valores del intrépido self-made man o el destino manifiesto al pueblo estadounidense y su desarrollo inevitable. Nigra señala que la desocupación ya venía en una trayectoria ascendiente desde mediados de la década del 20, cuando ocurrió el gran boom económico que precedió el crash de la Bolsa de New York. Es más, mitad de la población vivió esta década de crecimiento económico acelerado bajo la línea de la pobreza, mientras que el 0,1% poseía ingresos superiores al 42% de la población (NIGRA, 2007, p. 123). La brutal desigualdad mencionada arriba fue, en la visión de Nigra, en cuello de botella para la demanda privada y, luego, para la expansión de las ventas de las empresas y de los negocios, cuyos productos empezaron a no encontrar salida hacia el final de la década del 20. Por eso, los empresarios e industriales se volvieron hacia el mercado bursátil a fin de maximizar sus ganancias, lo que generó una irracional expansión, además de retornos altamente artificiales del sector terciario (…) lo que generó la distorsión que haría estallar la crisis (NIGRA, 2007, p. 124). Nigra, que adopta el análisis marxista, menciona también los sectores primario y secundario de la economía. Respecto al sector primario, es decir, la producción agrícola, la firma de la Ley Smoot-Hawley empeoró a la crisis pues a la medida proteccionista de los Estados Unidos, en este entonces ya el país más rico del mundo, se siguieron medidas similares en 25 países lo que disminuiría el mercado para las exportaciones estadounidenses. Cabe notar que la crítica hacia dicha tarifa es compartida por el marxista Fabio Nigra y los autores liberales. Sin embargo, esta no es la clave para comprender la depresión en el libro de Nigra, si no un factor agravante más (la personalidad y la clase social del presidente Herber Hoover también influyeron como veremos adelante). Para Nigra el centro del problema se halla en la desigualdad, y en el campo esta se manifestaba de la siguiente manera: Los datos estadísticos resultan elocuentes, ya que en todos los rangos la pauta es de concentración de la propiedad. Las granjas por debajo de los diez acres eran 289 mil en 1920, cuando comenzó la expansión, que llegó a sostener unos 378 mil en 1925. Sin embargo, su cantidad se reduce a 358 mil para 1930. Por el contrario, si bien las granjas de más de 1.000 acres sufrieron 390 parte de la crisis, en el peor momento lograron expandirse, es decir, de 67 mil que había en 1920 se llegó a 81 mil en 1930 (NIGRA, 2007, p. 127). En cuanto al sector secundario Nigra sigue su argumentación sobre la desigualdad, que en ciertos momentos del texto remiten a los “tiempos modernos” de Charles Chaplin envuelto en una maquinaria impersonal e incesante, donde la policía reprimía simplemente a los trabajadores. El trabajador promedio incrementó sus ingresos en U$ 176 entre los años 1919 y 1927, mientras que el incremento de la clase alta (ingresos de por lo menos U$ 5.000 al año) fue de $ 2.151 (NIGRA, 2007, p. 129). En otras palabras, la brecha entre pobres y ricos aumentaba en la velocidad de la expansión económica de los locos años 20. Otro dato llama la atención, especialmente para uno creado en un mundo donde las legislaciones laborales son un hecho por sentado: En 1929 la cantidad de horas necesarias para hacer lo mismo que en 1919 se redujo sensiblemente: para este año el promedio de trabajo era de 52 horas semanales; mientras que para 1929, lograr la misma producción requería solamente 34; sin embargo, la patronal estableció una semana de trabajo de 50 horas (NIGRA, 2007, p. 130). Nigra señala, aun, la pérdida de poder de compra relativa de los trabajadores del cultivo de algodón respecto a las clases industriales y rentistas. Es más, esta brecha demostrada exhaustivamente por el autor con datos concretos se dio en un momento de gran crecimiento económico y gran ganancia de productividad. La cuestión, entonces, es: ¿Quiénes se apropiaron de este PIB adicional? 2 Pánicos financieros antecedentes a 1929. Mucho de esta riqueza generada se volcó hacia la especulación en el mercado bursátil, que traía altos retornos con un pequeño esfuerzo. Aparte el componente especulativo de los agentes privados, Nigra menciona también el comportamiento del Federal Reserve (principalmente de la sucursal de New York, que se puede imaginar que estaba copada por miembros de los bancos locales) que sirvió como un incentivador de la burbuja, manipulando las tasas de interés de un modo que benefició a quienes operaban en el mercado. Había, aun, casos que rozaban a la conducta delictiva (NIGRA, 2007, p. 139) como 391 aquellos donde se vendían títulos de empresas al borde de la bancarrota, como si estuvieron operando normalmente. En este punto, hay que mencionar a una importante obra de Charles Kindleberg, cuya historia de las crisis financieras es explicada por ejemplos históricos. En el primer párrafo de la obra dice que “las crisis financieras se asocian a los puntos máximos de los ciclos económicos” (KINDLEBERG, 1984, 19), aunque aclare, líneas después, que “no todos los auges económicos son excesivos y conducen inevitablemente a la manía y el pánico, pero el patrón se da con la suficiente frecuencia y uniformidad.” En la lectura de Kindleberg se percibe un patrón claro de recurrencias en las crisis financieras. El estallido, para él, siempre será un shock exógeno que sacude el sistema macroeconómico, sea una cosecha abundante, el fin de una guerra, un invento de efectos penetrantes o un suceso político sorprendente. Cuanto a los objetos de especulación, pueden ser materias primas, bienes manufacturados, títulos nacionales, terrenos e inmuebles, contractos de compra y venta de bienes y divisas (KINDLEBERG, 1984, p. 36). Es decir, todo puede ser objeto de especulación bursátil. La crisis estallada el 1929 en Estados Unidos fue la más grande y profunda del capitalismo hasta aquel momento, pero no es verdad que un episodio de dicha naturaleza fuera inédito. David S. Landes sugiere que la crisis de 1873 – estallada en Europa - tuvo la profundidad de la “mayor deflación de la historia del hombre”, donde “Los precios cayeron en un promedio de (…) 1/3 en todos los productos. Las tasas de interés también cayeron, llevando a creer los observadores de la escena económica de la época que el capital se tornaba tan abundante al punto de llegar a ser una mercancía gratuita (LANDES, 2005, p. 239).” En 1890 otra crisis de consecuencia sistémica tuvo su epicentro en Argentina, en este entonces, uno de los países con producto total más grande del mundo. Para el caso argentino observamos, tal cual, ocurre en los Estados Unidos de la década del 20, un boom que precede el quiebre general. Por ejemplo, A fines de 1880, “una firma de Liverpool compró una estancia de 72 leguas cuadradas. La fraccionó en estancias de ovejas y a los cuatro meses volvió a vender las tierras en 72.000£, operación que le reportó una ganancia del 350%”. Esta operación demostraba, según escribió el director de The South 392 American Journal, “que no hemos incurrido en exageración alguna al afirmar, como lo hemos hecho frecuentemente, que ningún país del mundo ofrece al capital extranjero mayores ventajas que la Republica Argentina” (FERNS, 1966, p. 393). El monte total de inversiones británicas (estimadas) dan una idea más clara del boom económico por el cual pasó Argentina en esos años: Antes de la presidencia de Julio Roca, las inversiones sumaban 25 millones de libras. En el año de 1885 la cifra era de 45 millones de libras y, finalmente, hacia 1890, las inversiones alcanzaban 150 millones de libras. Es más, “1889 fue en verdad un annus mirabilis, en el cual la Argentina absorbió entre el 40 y el 50% de todas las inversiones británicas hechas fuera del Reino Unido” (FERNS, 1966, p. 397). La diferencia entre los casos, cabe destacar, es que en Estados Unidos los capitales eran endógenos y no oriundos de inversores externos, pero la caída posterior sería igualmente dañina y dramática que en las crisis financieras de 1873 y 1890. En resumen, las cuestiones realmente importantes son: ¿Qué podría haber hecho la autoridad monetaria para cohibir a la manía financiera instalada en los 1920? ¿Por qué la respuesta del gobierno Hoover fue, tras el estallido del 1929, tan tímida? En seguida veremos las causas y motivaciones del accionar del presidente Herbert Hoover, así como de su sucesor, el gobernador de New York, Franklin Delano Roosevelt, y luego llegaremos al debate sobre la crisis del 1929 entre Miltom Friedman y John Kenneth Galbraith, que tendría destacada importancia para la teoría económica posterior. 3 La timidez de Hoover y el activismo de Roosevelt. En el presente estudio no me interesan tanto los rasgos de personalidad de Herbert Hoover y Franklin Delano Roosevelt, sino que las consecuencias sociales y históricas de las políticas adoptadas por ambos, cuando ocuparon la butaca de presidente de los Estados Unidos. Decirlo no significa que los datos biográficos no sean importantes en la acción de un político, ya que no se puede perder de vista que se está tratando de una persona en definitiva, pero analizarlo nos obligaría a estudios biográficos y psicológicos comparativos que exceden mucho las limitaciones de espacio y la ambición de esta pequeña investigación. 393 Nigra destaca la timidez de las políticas de combate a la crisis de parte de la administración Hoover. En sus palabras, el presidente no se comportó como un estadista decimónico, sino como uno de los más lúcidos de la clase dominante, quien tomó todas las medidas posibles con un marco teórico que no alcanzó a solucionar las contradicciones (NIGRA, 2007, p. 146). Es decir, el mundo de Herbert Hoover ya no más existía. Estaba upside down para usar la expresión que Christopher Hill empleó para sintetizar a la Revolución Inglesa del 1670. De hecho, no le pasó solamente a Hoover, pero también a toda la corriente dominante de economistas de aquel entonces, que aprendieron su “ciencia” de los libros de Leon Walras y Alfred Marshall, basados en la Ley de Say. Estos, tal cual Edmund Burke en el siglo XVIII, no se dieron cuenta de los cambios del mundo desde fines del siglo XIX. Todavía vivían en su belleepoche donde una recesión podría ser ajustada a través de despidos de trabajadores y un nuevo nivel de salario, más bajo. El tema es que dicha teoría económica no se había escrito para una sociedad de masas casi urbana y un mundo con sindicatos muy fuertes. Hoover no era un hombre de este nuevo mundo y seguía creyendo que el papel del Estado era solamente incentivar al asociativismo de individuos y empresas, y luego no compartía a la idea de intervención directa en la economía patrocinada por el Estado. Al contrario de Hoover, Franklin Delano Roosevelt sí pudo hacer la lectura de este nuevo momento histórico: Roosevelt creó programas de auxilio a los pobres, frentes de trabajo e incluso empresas estatales, lo que en la cultura política estadounidense es casi sinónimo de socialismo. Roosevelt innovó no solamente en el ámbito de las políticas económicas, sino que también en su comunicación con los electores, lo que es destacado por William Leuchtenburg: ya en su primera conferencia de prensa suprimió los cuestionarios escritos y comunicó a los periodistas que podían hacerle preguntas espontáneas. Todavía en Leuchtenburg se nota un rasgo de Roosevelt que hace acordar a los líderes populistas e incluso fascistas de aquellos tiempos: dijo cierta vez un ciudadano común que en sus charlas informales, hablaba como un padre que estuviera en el living explicándole a su familia los problemas del país (PONZI, 2003, p. 99). La mera semejanza discursiva o en el uso de los medios entre FDR (como se conocía a Roosevelt) y estos líderes como Perón o Mussolini, guardando las diferencias entre cada 394 país, comprueba que se trataba de un líder de una sociedad de masas y no un noble de la política antigua restricta a pequeños sectores de la sociedad. Esta interpretación se encuentra también en Leuchtenburg: cuando Roosevelt asumió la presidencia, el país respondía, en gran medida, a la clase social de propietarios blancos, anglosajones y protestantes; sin embargo cuando se implementó el New Deal, nuevos grupos comenzaron a tener protagonismo (PONZI, 2003, p. 100). En el ámbito de las políticas económica, FDR basó sus acciones en los heréticos escritos del británico John Maynard Keynes, quien a su vez se inspiró, en su obre demoledora de la ortodoxia de aquel entonces, en la experiencia de la socialdemocracia sueca. Más allá de “meramente” impactar en la economía, el New Deal de FDR impactó en la mente de los estadounidenses, que pasaron, a partir de ahí, a mirar al Estado de otra manera, y se puede decir, incluso, con una fe renovada en la acción estatal. La cita siguiente provee un buen ejemplo de esto: Roosevelt insistió en poner en práctica un audaz proyecto que consistía en plantar hileras paralelas de árboles para formar una gigantesca barrera de protección que se extendería desde los estados de Dakota del Norte y Dakota del Sur hasta Virginia Occidental. En total se plantaron más de doscientos millones: álamos de Virginia y sauces, almezos y cedros, olivos rusos y naranjos Osage; en el término de seis años la visionaria barrera contra el viento ideada por el presidente logró convencer a los que antes la criticaban. El espíritu que impulsaban estas innovaciones generó un nuevo entusiasmo con respecto al potencial del gobierno (PONZI, 2003, p. 95). Es interesante notar que el cambio cultural por lo que pasaron los Estados Unidos de los años Roosevelt fue bastante más profundo de lo que es mencionado en la bibliografía oficial o que supone el saber convencional sobre la época, cuya énfasis se pone solamente en el aspecto económico (y no en el social) de los programas del New Deal. Para comprobarlo basta verificar los libros escolares o el abordaje corriente en los medios respecto al tema. Una vez más Leuchtenburg sintetiza la cuestión: En la década de 1930, el individualismo del siglo XIX dio lugar a un nuevo énfasis en la seguridad social y la acción colectiva. (…) el énfasis puesto en la esfera nacional implicó un rechazo especifico a los valores de la década 395 de 1920. Roosevelt criticó esa época y la tildó de “década de libertinaje”, Tugwell calificó a esos años de “década de progreso vano, que no contribuyó a forjar un futuro realmente mejor”, Morris Cooke deploró los “días de carrozas doradas” de 1929, y Alben Barkley percibió esa década como un “carnaval” arruinada por la “hedionda pestilencia del liberalismo financiero” (PONZI, 2003, p. 105). Es suma, la administración de FDR cambió el centro del debate político en Estados Unidos hacia el Estado, de la misma manera que la elección del republicano Ronald Reagan lo hizo en 1980, pero en la dirección opuesta, hacia un mayor control privado de la economía y un mayor individualismo en el discurso. Brad Wiley (PONZI, 2003, p. 110) se pone en acuerdo con esto, pero hace un hincapié más insistente de que solamente la entrada en la Segunda Guerra Mundial pudo bajar los niveles de desempleo y hacer subir los niveles de renta media en el país a aquellos índices anteriores al crack del 1929. Esto es cierto, y Leuchtenburg – en cuya lectura trasparece simpatía por el New Deal – no lo niega, pero sí plantea que las políticas llevadas a cabo en estos años echaron las bases para el funcionamiento del moderno Estadoestadounidense. 4 El debate entre Galbraith y Friedman. John Kenneth Galbraith, economista canadiense, galardonado con un premio Nobel, naturalizado estadounidense y funcionario en administraciones demócratas menciona que el alza financiera fue generado en las administraciones republicanas, primero con Calvin Coolidge y su Secretario del Tesoro Andrew W. Mellon (Bank of New York Mellon, agrego de mi parte), y después con Herbert Hoover. Galbraith, un keynesiano, señala que administraciones republicanas suelen ser pro desreglamentaciones financieras, y constantemente en su texto menciona a los altísimos niveles de endeudamiento a los cuales eran expuestos agentes en el mercado bursátil y empresas, el llamado leverage, que llevaría empresas a la bancarrota y empresarios de gran éxito y prestigio antaño al suicidio. La crisis del 29 también sirvió, en esta visión, para sepultar a la hegemonía de las ideas liberales en la discusión económica. Usando particular ironía, Galbraith apunta que: economistas profesionales fueron especialmente cooperativos en avanzar 396 con, y defender a esta ilusión (del alza indefinido del mercado bursátil). Algunos pocos, cuando lidian con la historia, todavía lo son (GALBRAITH, 1990, p. 86). La cita anterior de Galbraith es un claro ataque a las ideas predicadas por otro Nobel de Economía, el profesor de la Universidad de Chicago Milton Friedman, quien colaboró con los gobiernos de Richard Nixon, al comienzo de la década de 70, y luego, con lo del general Augusto Pinochet en Chile. La anteposición entre las ideas y los personajes de Friedman y Galbraith es casi novelesca. Ambos tuvieron programas en la tele pública estadounidense a fin de predicar sus respectivas ideas. Friedman defendía al mercado totalmente desregulado y daba la isla de Hong Kong como gran ejemplo, mientras que Galbraith era un típico defensor de la Gran Sociedad erigida en los 1960 y llegó incluso a presentar un programa sobre Karl Marx. La lección de la crisis del 29, para Friedman, era que la autoridad monetaria debería dejar lo más claro posible para empresarios y consumidores el nivel de dinero que circularía en la economía, a fin de prevenir la inflación o fenómenos de alta desmesurada del mercado accionario. Para él, el Federal Reserve actuó mal en los años 20 por no haber desincentivado la tenencia de dinero (incluso en la forma de bonos) por parte de los especuladores. Con menos dinero circulando en la economía, sugeriría Friedman, no habría cambios en el total de circulante y el valor de las acciones y bienes estaría dado simplemente por la oferta y demanda, de ahí la corriente que sigue a la opinión de Friedman es conocida como “monetarista”, por el rol central del stock monetario en su análisis. Es menester darse cuenta que ambos los autores critican a la especulación pero el gran debate, que hasta hoy en día es disputado por liberales y keynesianos como la crisis del 2008 lo comprueba, es sobre qué hacer para sacar a la sociedad del estancamiento o de la depresión. Este desacuerdo sobre qué hacer en momentos de crisis y ajuste se explica por las distintas visiones de qué se puede predecir de los sucesos económicos futuros. Mientras los keynesianos ponen énfasis en el corto plazo, los monetaristas la ponen en el largo plazo. El Keynesianismo trabaja con la incertidumbre por la “falta de base científica sobre la cual se pueden calcular las probabilidades”. Keynes diferencia la incertidumbre del riesgo, en la que el riesgo se puede calcular, pero la incertidumbre no, ya que el futuro está marcado también por sucesos exógenos como “guerras o el cambio 397 tecnológico”, por eso, la formación de expectativas hacia al futuro es subjetiva y depende del animal spirit. Los neoclásicos, en cambio, se dividen en dos respecto a las expectativas futuras: hay quienes afirmen que hay conocimiento perfecto del porvenir y hay quienes trabajen con la hipótesis de conocimiento probabilístico, salvo en casos de “shocks económicos aleatorios” que no se pueden predecir (MELLER, 1986, p. 26). Algunos monetaristas llegan a presuponer que los agentes son perfectamente racionales; aprenden con las experiencias pasadas (¡¿por qué siguen habiendo burbujas especulativas!?) y se anticipan a las acciones de política económica del gobierno – “De esta manera, los agentes neutralizan el impacto de la política económica, y se llega así a una de las conclusiones más sensacionalistas presentes en algunos autores, pero que seguramente pobló el sustrato intelectual de la retomada neoclásica: la inefectividad de la política económica” (MELLER, 1986, p. 28). Según Milton Friedman, los tres equívocos del keynesianismo que llevaron a su desengaño fueron: predecir una depresión después de la Segunda Guerra que jamás vino; el fracaso de “las políticas de dinero barato” ancladas en bajas tasas de interés, y, finalmente; la inflación causada por dichas políticas de dinero barato (FRIEDMAN, 1976, p. 3-4). El antídoto para esta inflación se halla en sus “fundamentos del monetarismo”: La noción central del monetarismo es que la moneda incide sobre las fluctuaciones económicas a corto plazo de la economía y sobre la inflación, o sea la tendencia de los precios. Parte de la noción central – rasgo que más la distingue del enfoque keynesiano – es que lo que importa es la cantidad de dinero – y no las tasas de interés, las condiciones del mercado monetario, las condiciones de crédito y cosas por el estilo (FRIEDMAN, 1976, p. 2). El pensamiento económico de Friedman, sin embargo, iba más allá del enfoque monetario de los fenómenos económicos, llegando a un nivel de predicación filosófica, cuya idea-fuerza era que “la libertad económica es un requisito esencial de la libertad política” (FRIEDMAN, 1976, p. 17). Friedman desarrolla la idea de la siguiente manera: (…) al permitir que las personas cooperen entre sí sin la coacción de un centro decisorio, la libertad económica reduce el área sobre la que se ejerce el poder político. Además, al descentralizar el poder económico, el sistema de 398 mercado compensa cualquier concentración de poder político que pudiera producirse. La combinación de poder político y económico en las mismas manos es una formula segura para llegar a la tiranía (FRIEDMAN, 1976, p. 20). Es decir, para Milton Friedman el poder político era un mal en sí mismo y, luego, la acción del Estado también lo era y debería ser disminuida en el mayor grado posible. De hecho, Friedman subraya a menudo en su obra el poder “del Estado federal y de los burócratas de Washington”, pero no curiosamente el poder de las grandes corporaciones de substraer libertades económicas o políticas de otros ciudadanos, o “individuos” como suele llamar. Por eso, esta parece ser una teoría que justifica el individualismo y la falta de atención hacia la esfera pública, una vez que es en el mercado donde se protegerán las libertades políticas y cualquier intento de planear políticas públicas es, en realidad, infructífero, pese a sus buenas intenciones. En uvque originó las diferencias metodológicas entre keynesianos y neoclássicos (MELLER, 1986, p. 37-38). Conclusión Franklin Delano Roosevelt no fue, y muy probablemente jamás quiso ser, un revolucionario. Tal cual John Maynard Keynes, un dileto hijo de la era victoriana, FDR era miembro de la élite de New York. Más allá de la personalidad, el New Deal jamás tuvo la base popular como iba a tener, en el futuro, la Great Society de Lyndon Johnson, pero es bastante razonable concluir que la segunda no podría haber existido sin el impulso inicial de la primera. Además, los programas económicos de FDR pueden no haber sido los responsables directos por la salida de la recesión, que solamente seria superada – y los indicadores de stock de capital y empleo lo demuestran – con la entrada de los Estados Unidos en la Segunda Guerra, en 1941. Tal vez ahí también se halle el comienzo del llamado keynesianismo militar en los EE.UU, o en otros términos, la gran dependencia para el conjunto de la economía (y también de la sociedad) de la industria bélica, que sería denunciada una década después de la muerte de Roosevelt por el entonces ex presidente saliente, Dwight Eisenhower. El propio hecho de que el actual presidente Barack Obama tenga mencionado el nombre de Roosevelt en algunos de sus discursos iniciales – proclamando un nuevo New Deal – demuestra su 399 importancia y su legado, que sería ferozmente combatido por las administraciones republicanas a partir de Richard Nixon, y después con más éxito por Ronald Reagan. Referencias FERNS, H.S. Gran Bretaña y Argentina en el siglo XIX. Buenos Aires: Solar, 1966. FRIEDMAN, Milton. Libertad de Elegir. Madrid: Rialp, 1966. FRIEDMAN, Milton. Moneda y Desarrollo Económico. Buenos Aires: El Ateneo, 1976. GALBRAITH, John Kenneth. A Short History of Financial Euphoria. Penguin Books. 1990. KINDLEBERG, C. P. Manías, Pánicos y Cracks. Historia de las Crisis Financieras. Ariel Sociedad Económica. 1984. LANDES, D.S. Prometeu Desacorrentado. 2. ed. São Paulo: Elsevier, 2005. MELLER, Patricio. Keynesianismo y Monetarismo: discrepâncias metodológicas. Desarrollo Económico, vol. 26, N°103 1986. NIGRA, Fabio. Una Historia Económica (inconformista) de los Estados Unidos, 1865- 1980. Buenos Aires: Maipue, 2007. PONZI, Pablo A. Una Polémica Historiográfica. El New Deal: ¿Una solución eficaz para la Gran Depresión?. 2003. 400 UMA CONCEPÇÃO HETERODOXA DOS DIREITOS HUMANOS Sara de Carvalho Campos – IPTAN Bacharelanda em Direito – IPTAN E-mail: [email protected] Fone: 3371-1629 Fábio Abreu dos Passos – IPTAN Doutor em Filosofia – UFMG E-mail: [email protected] Fone: (32) 3372-3675 Resumo: Os direitos humanos são concebidos à luz do pensamento da filósofa Hannah Arendt como o direito a ter direitos, ou seja, o direito de integrar uma comunidade política. Partindo desta concepção, podemos refletir a respeito dos marginalizados da sociedade atual. Ressaltando a visão arendtiana, nota-se que os encarcerados são desrespeitados como homens, excluídos e impossibilitados de integrar a sociedade política e devido a isso o cárcere não exerce suas funções. Palavras-chaves : Direito a ter direitos – Direitos humanos – Encarcerados Introdução Precipuamente neste artigo analisaremos o direito como um objeto cultural que resulta de uma necessidade de ordem, a exemplo, com o pensamento da filósofa e política Hannah Arendt. Elucidaremos a concepção heterodoxa de Arendt sobre os direitos humanos, pois segundo a pensadora é inexequível a ideia de homens inerentemente dotados de direitos, sendo assim ela se afasta da tradição jusnaturalista e defende que o direito é um produto da comunidade política. Os direitos humanos, portanto, em um diálogo a supramencionada filósofa estão vinculados ao direito de cidadania, ou seja, todos os homens devem ter a oportunidade de participar concretamente de uma comunidade política. A crise dos direitos humanos conduziu Arendt a pensar a sua realidade e prelecionar que a desconsideração com o homem, resulta da ausência de política. Posteriormente abordaremos a crise dos direitos humanos à luz de Arendt, como um produto da sociedade de massa, apolítica. Enfatizaremos a crise no cárcere como consequência da crise dos direitos humanos, que resulta do declínio da comunidade política. 401 Os condenados são vítimas de uma sociedade de exclusão, que não lhe concede oportunidade de integração. Sendo nítido que a desintegração política, gera infratores, pois não lhe oferece outro caminho. 1 O fundamento jusnaturalista da ideia de direitos humanos O direito é concebido por diferentes interpretações, sendo objeto cultural e está fadado à temporalidade e ao relativismo. Percebeu-se, portanto, ao analisar a história do direito, a existência de escolas jurídicas, que constituem um conjunto de autores que possuem uma determinada concepção de direito. Estas escolas possuem dessemelhanças e similitudes que nos possibilita dividi-las em positivistas e moralistas. Conforme elucida Sabadell (2002, p.47) “as escolas moralistas fundamentam o direito em uma autoridade bem determinada (Deus, natureza, razão humana) e, as escolas positivistas consideram o direito como a expressão de uma vontade política.” As escolas moralistas concebem que o direito é pré-determinado por leis que constituem o direito natural, que pode ser compreendido como algo imposto ou como um ideal a ser alcançado e que deve constituir o direito positivo. Podemos destacar três vertentes do pensamento moralista, a grega, a medieval e a moderna. Os gregos compreendiam o direito natural, como um conjunto de princípios imutáveis e permanentes, impostos pelo Cosmos (natureza ordenada), a que o homem estava subordinado. No medievo, o direito natural tem como fonte, a religião, permanecendo seu caráter de estabilidade, imutabilidade e permanência. A tradição medieval se distancia da tradição clássica: [...] Inaugura-se com Agostinho, outra visão daquilo que se possa chamar por direito natural. Para os gregos, o direito natural era a busca da natureza das coisas, flexível, histórica, social de cada caso. Para a tradição medieval, o direito naturalize que assim se pode chamá-lo na visão agostiniana – é um rol de regras inflexíveis, não naturais no sentido de que não se veem na natureza nem na sociedade, mas que são oriundas do desígnio divino. Nem com a tradição estoica a visão agostiniana sobre justiça se parece. Para Cícero , a lei natural era a mesma porque a natureza do homem é a mesma, e a razão assim também. Para Agostinho, não é a razão que alcança o justo, nem a 402 natureza do homem, mas o desígnio de Deus, que é insondável em suas razões (MASCARO, 2010, p.105). No alvorecer da modernidade, houve o desenvolvimento do jus naturalismo racionalista e a razão torna-se o fundamento do direito natural. A tradição moderna se afasta da tradição medieval, pois, segundo Lafer (1988, p.38), “busca um fundamento para o Direito que fosse válido independentemente da discussão sobre a existência de Deus”. Dentro da escola jusnauralista-racionalista comporta ressaltar três autores, a que referiremos brevemente, sendo eles: Hugo Grotius, Gootfried Wilhelm Leibniz e Immanuel Kant. Hugo Grótius possui o mérito de fundador do jusnaturalismo moderno (1583-1679). Este jurista defendeu o caráter essencialmente racional dos direitos naturais, explicitado nos seus prolegômenos (De jure belli acpacis), almejando que os direitos naturais fossem admitidos por todos os homens. Assim, sucintamente conforme este autor, a verdadeira natureza dos homens é a razão. Como Grotius, Leibniz argumenta que o direito adequado é um produto da razão, considerando que as leis positivas, podem ser injustas. Assim, como os autores supracitados, Kant eleva a razão humana, dizendo que somente esta pode diferir o justo do injusto e dizer se o direito que vigora é verdadeiro. A escola moralista, de forma geral defende, portanto o direito justo em detrimento do direito positivo. Paradoxalmente os positivistas interpretam o direito, como um instrumento elaborado com o intuito de governar. Eis como escreve Sabadell (2002, p. 34) “A questão central no positivismo é que os adeptos desta escola veem no direito a expressão de uma vontade política mutável. O que hoje é um delito pode não ser amanhã.” As escolas positivistas dividem-se em três amplas vertentes: as teorias positivistas centradas a legislação (o direito advém da vontade do legislador), as teorias positivistas centradas na aplicação (considera-se o direito aplicado pelos órgãos jurídicos) e a escola positivista de caráter sociológico (realiza-se uma leitura sociológica do direito). 403 Na teoria positivista centradas na legislação comporta citar o pensamento dos seguintes autores: Thomas Hobbes, Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e Hans Kelsen (1881-1973). Segundo a antropologia hobbesiana os homens cientes da impotência devido à igualdade e do estado de guerra a que está condicionado no estado de natureza, onde as paixões silenciam a razão, eles dispõem de seus direitos por unanimidade por intermédio de um contrato, a uma autoridade, ao Leviatã1. Assim elucida Ana Lúcia Sabadell: [...] Na visão de Hobbes é preferível um direito estabelecido e imposto por uma autoridade do que as “verdades” do direito natural, apresentadas pelos autores racionalistas. A existência de uma lei ruim é sempre preferível a uma situação de ausência de lei. Os homens devem obedecer ao direito positivo, porque só assim podem ser garantidos a segurança e o bem comum. Isto explica a famosa frase de Hobbes: “auctoritas non veritas facit legem” (a autoridade, não a verdade, faz a lei) (SABADELL, 2002, p. 34). Posteriormente, autor de cunho democrático Rousseau contrariamente a Hobbes que atribui todo o poder ao monarca, ele defende que o povo é quem deve legislar e aplicar as suas leis. A lei deve ser, portanto, a expressão da vontade geral (volonté générale). O jurista Kelsen em sua concepção pura afirma que o direito não deve ser influenciado por questões exteriores, sendo o direito um conjunto de normas e as relações entre elas indiferente à aspectos de cunhagem sociológica, histórica ou política. Dentre as teorias positivistas centradas na aplicação do direito, destacaremos a jurisprudência de interesses e o realismo jurídico. A jurisprudência de interesses tem como representante mais notável Philipp Heck (1858-1943), conforme esta abordagem o que importa é a finalidade e o espírito da lei. Para os realistas, as normas escritas não possuem muita relevância e sim as normas aplicadas a determinado caso em concreto. Na escola positivista de caráter sociológico citaremos a escola marxista, a escola histórica do direito e os autores Charles de Montesquieu (1689-1755) e Emile Durkheim (1858-1917). 404 O autor Montesquieu defende que não há um único direito adequado e justo, devido à pluralidade de ordenamentos jurídicos e suas peculiaridades em conformidade com o ambiente e à sociedade. A escola histórica do direito concebe que o a fonte do direito são as tradições populares, ou seja, o espírito do povo (Volksgeist). A ideologia marxista origina-se das obras de Karl Max (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), sendo o direito na visão dos autores marxistas um meio de perpetuação da desigualdade social. Emile Durkheim concebe o direito como um fenômeno social sendo essencial à coesão social. O direito são normas outorgadas, que independem dos anseios individuais. Em síntese, as concepções moralistas e positivistas do direito são produtos de criticas reinterpretações e conflitos, comportando elucidar a existência de autores que são influenciados por ambas as escolas. Como supracitado o racionalista Grócio, e os positivistas Thomas Hobbes, e Jean-Jacques Rousseau conceberam os direitos naturais como fonte legítima do direito político. Sendo assim os direitos humanos desde a modernidade é legitimado pelo direito natural, fundamentado na noção do homem como sujeito naturalmente dotado de personalidade jurídica. 2 Uma concepção heterodoxa dos direitos humanos Como supramencionado parte da tradição concebeu os direitos naturais como fundamento dos direitos humanos, ou seja, o simples fato de nascer confere ao homem personalidade jurídica. Portanto, conforme os jus naturalistas todo ser humano, independentemente de quaisquer condições possui direitos e obrigações. No entanto a ideia jusnaturalista de que o homem era inerentemente dotado de direitos, mostrou-se inexequível, com o aparecimento das displacedpersons54, pois se dizia independente da comunidade política. Eis como coloca Arendt: [...] Os direitos do homem, afinal, haviam sido definidos como “inalienáveis” porque se suponha serem independentes de todos os governos; mas sucedia que no 54 Displacedpersonssão pessoas excluídas da comunidade política, ou seja, que não possuem cidadania e portando a garantia de seus direitos. 405 momento em que seres humanos deixavam de ter um governo próprio, não restava nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los (ARENDT, 1989, p.325). Arendt se opõe ao jusnaturalismo, defendendo que os homens não são iguais e livres por natureza. Conforme o pensamento arendtiano, a lei lato sensu, instituída na comunidade política, é que assegura os valores liberdade e igualdade. Portanto, diz-se que um homem livre que vivencia a igualdade é aquele que mostra sua particularidade mediante plurais, ou seja, comunidade política. Conforme Celso Lafer elucida a ruptura com o pensamento tradicional em um diálogo com Arendt: [...] O término da I guerra mundial, no entanto, modificou radicalmente este padrão com o aparecimento em escala numericamente inédita, de pessoas que não eram bem vindas a lugar algum e que não podiam ser assimiladas em parte alguma. Estas displacespersons, observa Hannah Arendt, converteram-se no refugo da terra, pois ao perderem sues lares, a sua cidadania e os seus direitos viram-se expulsos da trindade Estado-PovoTerritório. Por isso, passaram a ser gente deslocada no âmbito de um sistema interestatal, baseado no princípio das nacionalidades. Esta é uma das origens do totalitarismo no sentido arendtiano, de eventos que iluminam como foi possível a conversão de um grande número de seres humanos em pessoas explicitamente supérfluas e incomodas no plano mundial (LAFER, 1988,p.139). Com o advento do fenômeno totalitário55, desapareceu a ideia da pessoa humana como base dos direitos humanos, pois uma das origens do totalitarismo conforme a filósofa foi a desconsideração com o homem. Assim preleciona Arendt sobre o fenômeno totalitário1, e se opõe também ao juspositivismo: Em vez de dizer que o governo totalitário não tem precedentes, poderíamos dizer que ele destruiu a própria alternativa sobre a qual se baseiam, na filosofia política, 55 O fenômeno totalitário é a dominação das massas, ou seja, dos indivíduos alienados. O Estado é uma sociedade política e distingue-se do conceito de nação. Conforme Dallari (2007, p.96) os indivíduos de uma nação não possuem vínculos jurídicos ao contrário do povo de um Estado. 406 todas as definições da essência dos governos, isto é, a alternativa entre governo legal e o ilegal, entre o poder arbitrário e o poder legítimo. Nunca se pôs em dúvida que o governo legal e o poder legitimo de um lado, e a ilegalidade e o poder arbitrário, de outro, são aparentados e inseparáveis. No entanto, o totalitarismo nos coloca diante de uma espécie totalmente diferente de governo. É verdade que desafia todas as lei positivas, mesmo a ponto de desafiar aquelas que ele próprio estabeleceu (como no caso da constituição Soviética de 1936, para citar apenas o exemplo mais notório) ou que não se deu ao trabalho de abolir (como no caso da Constituição de Weimar, que o governo nazista nunca revogou). Mas não opera sem a orientação de uma lei, nem é arbitrário, pois afirma obedecer a rigorosa e inequivocamente àquelas leis da Natureza ou da História que sempre acreditamos serem a origem de todas as leis (ARENDT,1989,p.513). A luz do pensamento de Hannah Arendt institui-se uma concepção heterodoxa de direitos humanos, ou seja, uma interpretação divergente da tradição. Arendt preleciona que os direitos humanos só eram assegurados se o sujeito participasse de uma comunidade política e conservassem seus direitos nacionais, pois o Estado estava subjugado aos anseios de uma nação. [...] Os apátridas estavam tão convencidos quanto as minorias de que a perda de direitos nacionais era idêntica à perda de direitos humanos e que a primeira levava à segunda. Quanto mais se lhes negava o direito sob qualquer forma, mais tendiam a buscar a reintegração numa comunidade nacional, em sua própria comunidade nacional (ARENDT, 1989) Hannah Arendt afirma segundo Lafer que os direitos humanos pressupõem a cidadania. Os direitos humanos que Arendt concebe como a ter direitos ou de participar de uma comunidade política. O direito a ter direitos, é a condição para ser humano, pois ser homem compreende integrar o mundo, ou seja, o espaço de construção cultural, moral e espiritual da humanidade. Portanto, conforme, Arendt “ser humano”, está relacionado a ser cidadão, ou seja, a conhecer e modificar o mundo. O pensamento de Hannah Arendt nos conduz a uma concepção heterodoxa dos direitos humanos, com o ocaso da ideia de homem inerentemente dotado de direitos. 407 O diálogo com o pensamento arendtiano é oportuno, pois vivenciamos, uma crise dos direitos humanos, que nos conduz a pensar e refletir, o que seriam estes direitos e como conquistá-los. O direito é uma construção do homem social, portanto, é incoerente, pensá-lo como algo concebido pela natureza, no sentido biológico. Comporta dizer que os direitos humanos devem ser conquistados diante de uma comunidade política, comporta dizer que existem, indivíduos que são marginalizados da sociedade políticas e como consequência não possuem seus direitos assegurados. Entre os indivíduos a margem da comunidade política está os encarcerados, que são indivíduos que cometeram algum tipo crime, a quem o Estado impôs uma pena, privando-os de sua liberdade. O Estado, portanto, priva o sujeito de seu bem mais valioso, ou seja, de sua liberdade. E abordando o conceito de liberdade de Hannah Arendt, que é a condição de ser humano, podemos dizer que o Estado abstrai a qualidade de homem daqueles que pune. Comporta dizer, no entanto, que o Estado não deve suprimir a total liberdade do sujeito do modo que ele deixe de ser humano, pois ao punir o Estado almeja fazer com que o apenado retorne a sociedade integrando-o ao meio social de modo que, eles retornem dignamente após o cumprimento da pena e recupere seus direitos e deveres. Abordaremos a respeito das penas para entender sua função e aplicação. 3 A missão das penas e os direitos humanos 3.1 Espécies de pena O Estado possui o direito de punir, aqueles que desobedecerem aos preceitos legais, que proporciona a coesão social. Conforme elucida Greco (2013, p.471) “A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente pratica um fato típico ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seuius puniendi”. No art. 32, do Código Penal, estão elencadas as espécies de pena, que são: restritiva de direitos, multa e privativa de liberdade. A pena restritiva de direitos se caracteriza segundo o artigo 43, que obteve seu rol ampliado pela lei n.9.714/ 98, à prestação pecuniária, perda de 408 bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A multa consiste no pagamento em pecúnia, fixada na sentença e calculada em dias-multa, sendo o mínimo de dez dias e máximo de trezentos e sessenta Greco citou a definição de multa de Vera Regina de Almeida Braga: [...] a pena de multa constitui uma modalidade de pena pecuniária, imposta pelo Estado às pessoas condenadas pela prática de infrações penais. Trata-se de uma retribuição não correspondente ao valor do dano causado, considerada como sanção de natureza patrimonial, por representar pagamento em dinheiro por determinação judicial, em virtude de sentença condenatória (GRECO, 2013, p.550). A pena privativa de liberdade pressupõe o seu objetivo pelo seu nomem iuris, consiste em privar o sujeito infrator, de sua liberdade. Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). No entanto, percebe-se que no sistema prisional atual ignora-se o encarcerado como homem físico, moral e espiritual. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Comporta em conformidade com a concepção de Arendt que o artigo 5º da Constituição, assegura liberdade de todos os brasileiros, sem discriminação, portanto se ser livre é participar de uma comunidade política, os encarcerados não devem ser marginalizados, deve ocorrer uma supressão mitigada se sua liberdade, caso contrario não se trata de uma realidade concretamente democrática. 409 A realidade não condiz com o artigo 3º da lei de execução penal mencionado abaixo, existindo distinções de todos os tipos, racial, social e política. Os encarcerados são oprimidos, e autoridades não ofertam a devida atenção a eles. Sendo trivial recordar que o Estado é extremamente seletivo ao punir, penalizando as minorias. Conclui-se que vivemos em um mundo56, em persistem à marginalização, conforme Arendt é um produto de uma sociedade de massa, ou seja, apolítica, que não constitui uma comunidade política. Art. 3º da lei de execução penal Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou políticos. 3.2 Objetivo das penas No alvorecer do século XIX extingue-se o espetáculo punitivo, se finda a ostentação do suplicio e ocorre uma mitigação na severidade das penas. Portanto, a missão das penas se modificou como se percebe no decorrer da história. Atualmente diz-se que as penas cominadas ao infrator objetivam punir, prevenir e regenerar. Estas são as três funções sociais da pena, presentes no ordenamento. Podemos citar concretamente o decreto n.40/91 e a lei 7210/84. O decreto nº 40/91 promulgou a convenção de direitos humanos contra a tortura e qualquer tratamento degradante. O decreto supracitado em seu artigo primeiro, na primeira parte define o que vem a ser tortura e a segunda parte legitima a violência estatal. ARTIGO 1º1. Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu 56 Segundo o pensamento de Hannah Arendt o conceito de mundo é distinto de terra. A terra é o espaço físico geográfico e o mundo refere-se à cultura , ou seja, espaço de criação do homem como ser moral e espiritual. 410 consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram. A lei de 7210 84 lei de execução penal em seu artigo primeiro elucida que: “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Ainda conforme o artigo 10º da lei supracitada “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o infrator ao retorno da convivência em sociedade”. Pressupõe-se que as três finalidades devem estar adjuntas, mas concretamente isto não ocorre, pois não é permitido o sacrifício dos objetivos punir e prevenir em prerrogativa da regeneração, mas o contrário ocorre. 3.3 As teorias da função social da pena A respeito das funções das penas, existem três teorias, sendo elas: teoria absoluta ou retribuía, teoria relativa ou da prevenção teoria mista ou unificadora da pena. Citaremos as três sucintamente. Conforme a teoria absoluta ou retribuição escopo da pena é compensar o crime, sendo uma forma de retribuição. A segunda teoria, a relativa ou da prevenção o escopo da pena é prevenir delitos futuros. A teoria supracitada subdivide-se em: teoria preventiva geral e teoria preventiva especial. A preventiva geral pode ser negativa e positiva. Sendo que a negativa ou prevenção por intimidação, almeja intimidar os criminosos e aos cidadãos com a cominação de uma pena busca convencer os potenciais infratores a não delinquir. E positiva ou prevenção integradora difunde valores e respeito. A preventiva especial, também pode ser positiva e negativa. A negativa almeja neutralizar o sujeito condenado a pena privativa de liberdade. E a positiva objetiva o regresso do delinquente à sociedade, ou seja, ressocializar. A teoria mista ou unificadora da pena conforme Nilo Batista (2007) almeja conciliar a contradição exposta nas tradicionais teorias absolutas e relativas. O código penal adota a teoria mista, conferindo à pena uma dupla função de retribuição ou reprovação e prevenção. 411 Comporta ressaltar, além das funções explícitas no ordenamento, as funções não declaradas da pena organizadas por Sandoval Huertase citadas por Nilo Batista no livro “Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro”: [...] Sandoval Huertas organizou as funções não declaradas da pena privativa de liberdade em três níveis: a) o nível psicossocial (funções indicativa e de ideológica); b) o nível econômico-social (funções de reprodução da criminalidade, controle coadjuvante do mercado de trabalho, e reforço protetivo à propriedade privada);c) o nível político (funções de manutenção do statoquo, controle sobre as classes sociais dominadas e controle de opositores políticos) (2007, p.113). Portanto os objetivos da pena são punir, prevenir e regenerar o sujeito ressalta-se que a pena deve ser cominada adequadamente, considerando-se os princípios básicos, elencados na Constituição. Comporta ressaltar o princípio da humanidade, que segundo Batista (2007, p.98), postula da pena uma racionalidade e proporcionalidade. 4 A ressocialização e o direito a ter direitos A ressocialização prevista na Lei nº 7. 210/ 84 (Lei de Execução Penal) constitui um dos fins da pena. Este instituto adveio com intento de preparar o sujeito para o retorno ao convívio social. Almeja o resgate da cidadania ou do direito a ter direitos para as pessoas privadas de liberdade por intermédio da educação e do emprego. Enfatiza-se que para que o criminoso retorne à sociedade são necessário investimentos e oferendas que possibilite a sua reeducação. Pode-se dizer que a ressocialização e a cidadania são fenômenos concomitantes, sendo que o encarcerado necessita de cidadania para se ressocializar. No entanto, percebe-se que o sistema penitenciário atualmente decadente, não possibilita a recuperação dos apenados. Generalizando, a par de exceções, os presídios não oferecem condições apropriadas, encontram-se superlotados, os agentes penitenciários são violentos, não há assistência médica, psicológica e obediência aos princípios éticos. O Estado é negligente por não proporcionar as condições adequadas, função a ele outorgada, de garantir à devida assistência aos cárceres. Comportando ao judiciário requerer que seja cumprido o fim da pena e buscar 412 a humanização desta. Ressalta-se que o cárcere falido gera o crime que reflete diretamente na sociedade. Sendo um dever social zelar pela adequação da função do cárcere e assim, evitar as consequências da marginalização dos apenados. No atual sistema prisional o indivíduo regressa ao convívio social, sem perspectiva, sofrendo discriminação resultando à sua volta ao crime e um ciclo de marginalização que não se finda, oriundo da ausência de assistência. Enfatiza-se a desconsideração aos direitos humanos que leva a reincidência. Considerando-se os direitos humanos à luz de Hannah Arendt como o direito a ter direitos, conclui-se que os detentos são ignorados pela comunidade política, que declina desde a condenação de Sócrates, conforme defende a mencionada filósofa. 5 O encarcerado como um cidadão A Constituição de 1988, em seu art.15º, inciso III elucida que os direitos políticos do condenado criminalmente serão suspensos, pode-se dizer que este dispositivo é incoerente com o estado democrático e a ideia de direitos e garantias fundamentais assegurados pela carta magna. Portanto, não condiz a suspensão dos direitos políticos do encarcerado, sendo que em seu artigo primeiro, inciso II, o constituinte garante a cidadania a todos sem distinção. O encarcerado é digno de exercer seus direitos políticos, pois o Estado reclama a tutela penal. O condenado merece ser ouvido, deve opinar sobre a intervenção estatelem sua vida e não ser marginalizado como ocorre no sistema prisional brasileiro. Assim, o preso deve participar da comunidade política e compartilhar os valores cultuados ela sociedade, para que ele possa retornar a ela de forma digna e não cometer novas infrações. É incoerente que o Estado, almeje recuperar um individuo que somente vivenciou valores oriundos da marginalização e espere que este não volte a infringir. Os estabelecimentos prisionais brasileiros estão incondicionados a penalizar ressocializando, pois não preservam sua estrutura ético-pedagógica. E preciso romper com a desumanização da execução penal e conferir aos presos o direito de se manifestarem. Conclui-se que o sistema ignora os direito a ter direitos e desrespeita o ordenamento de uma forma geral. 413 Percebe-se que há em nossa realidade uma abnegação dos princípios alicerces da carta magna, sendo que se presencia nos cárceres, falta de higiene, a violência constante das autoridades para com os detentos e a ausência de respeito mutua entre os sentenciados, a insegurança, a desordem e a má organização, comportando ressaltar a superlotação, todos esses fatores resultam na impossibilidade de se exercer coerção e coação. A autoridade negligenciou princípios constitucionais da isonomia, da proporcionalidade, da legalidade, da individualização e jurisdição. A constituição requer igualdade de tratamento a todos, sem distinção, no entanto, em nossa realidade, geralmente as pessoas de melhor poder aquisitivo são tratadas de forma mais digna enquanto os indivíduos que possuem condições precárias cumprem suas penassem péssimas condições e muitos permanecem presos mesmo após cumprir a pena, outros nem ao menos recebem o devido julgamento e defesa. O seguinte artigo citado trata-se de direitos do encarcerado, que notase serem ignorados. Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de 414 informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003) Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. 6 O método apaquiano e a ressocialização Pode-se dizer que a ressocialização é um dos direitos fundamentais e deve ser assegurada a todos os indivíduos, sem distinção, No entanto, o nosso sistema penitenciário, não permite a que os encarcerados retornem à sociedade, conferindo a lei um caráter abstrato, sendo válida, mas sem eficácia. Este sistema falido é incapaz de cumprir os deveres instituídos pelo artigo oitenta e três do código de penal, citado: Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. § 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários. (Renumerado pela Lei nº 9.046, de 1995) § 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos. (Incluído pela Lei nº 9.046, de 1995) § 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) § 3o Os estabelecimentos de que trata o § 2o deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas. (Incluído pela Lei nº 12.121, de 2009). § 4o Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante.(Incluído pela Lei nº 12.245, de 2010) § 5o Haverá instalação destinada à Defensoria Pública. (Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010). Em virtude, do sistema precário e sem eficácia, desumano, surge a APAC-Associação de proteção e assistência aos condenados. Esta sociedade 415 foi constituída com base nos princípios constitucionais e do dispositivo da lei de execução penal (lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984).Possuindo como escopo proteger e assistir os condenados em conformidade em seu próprio estatuto. Constata-se que a APAC e o método que esta associação utiliza é uma possível solução para se conferir a efetividade da lei, permitindo a penalização e ressocialização. O método apaquiano objetiva conduzir o encarcerado a reflexão e descoberta dos valores socialmente cultuados e preocupa-se com estado psicológico do encarcerado. Em razão de pesquisas de campos, realizadas no município de São João del-Rei, com objetivo de avaliar as condições do cárcere, percebe-se que existem diferenças entre o sistema prisional comum e a APAC, sendo que este último deve ser aplicado por ser mais efetivo. É nítido que a APAC possui melhor administração, há uma valorização humana, espiritual, um melhor atendimento médico e defesa de seus dos direitos dos presos. Comporta mencionar que o método desta associação enfatiza a participação da sociedade na recuperação dos presos, incentivam a convivência pacifica entre os recuperando , estimulando o companheirismo e união entre eles, reintegração social pelo mérito, conscientizando o recuperando a sempre fazer o “bem” (conceito social) e oferece prêmios àqueles que se comportam devidamente, concedendo por exemplo um ganho à limpeza e organização dos dormitórios, sendo um impulso à divisão de tarefas. O método apaquiano é, portanto mais eficaz, pois pune considerando o “homem”. No entanto, apesar desta associação ser a solução mais viável para a crise do sistema penitenciário, ela requer aprimoramentos. Nota-se que a APAC do município de São João del-Rei, necessita de melhores condições espaciais, para estudo e trabalho, sendo necessário ministrar mais cursos e palestras que acrescentem ao condenado. Portanto o Estado fica incumbido de promover a instituição de mais destas associações e estimular seu método, que visa a ressocialização do condenado, evitando a reincidência e consequentemente promovendo a coesão social. E mesmo sendo uma organização não governamental, esta entidade deve receber investimentos do Estado, pois este chamou para si a tutela penal. 416 7 A crise do sistema penitenciário, produto da ausência de política O sistema penitenciário vivencia uma crise cíclica, que advém da superlotação, do aumento do crime organizado, corrupção, ausência de políticas públicas cabíveis, agentes penitenciários sem especialização e falta de higiene, fruto do tratamento desumano, indigno que sofrem os encarcerados. A crise do sistema é um ciclo que não se romperá sem a integração da comunidade política. Percebe-se à luz do pensamento de Arendt que vivemos em uma sociedade de massa, sem reflexão, onde os indivíduos veem apenas a pena privativa de liberdade indignidade como punição. Estabelecendo um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt podese dizer que os indivíduos infratores são um produto de uma sociedade que marginaliza, onde os sujeitos são supérfluos, sem lugar no mundo. Sendo a crise dos direitos humanos o resultado da ausência de comunidade política. Considerações finais Os direitos humanos concebidos como o direito a ter direitos é uma concepção heterodoxa, ou seja divergente da tradição jusnaturalista. Para Arendt a cidadania é o direito essencial ao homem, pois sem a condição de cidadão de um Estado o sujeito deixa de ser homem, sendo supérfluo. Ressalta-se que todos devem integrar uma comunidade política, mas nota-se que em nossa sociedade existem indivíduos marginalizados, que são conduzidos a infringir a lei. Os infratores punidos pelo Estado, condenados ao cárcere, permanecem a vivenciar a exclusão e, portanto, não retornam ao meio social, devido a impossibilidade de serem cidadãos. Conclui-se que a crise no sistema carcerário é um ciclo vicioso que não se rompe, devido à ausência de política, que preleciona Hannah Arendt. Percebe-se que o Estado ao reclamar o ius puniendi para si, deve zelar pelos encarcerados e permitir que eles exerçam sua cidadania, no entanto nota-se que os encarcerados possuem seus direitos humanos ignorados, sendo tratados de forma indigna. Conclui-se, no entanto, que a cidadania plena deve ser conquistada, pelo povo, pois a crise no cárcere é um reflexo de uma crise política, de ausência de consciência comunitária e moralidade. Por 417 intermédio desta pesquisa, elucida-se que os direitos humanos e o direito dos encarcerados são antagônicos, contrários. Referências: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ARENDT, Hannah. A Promessa da Política. Tradução: Miguel Serras Pereira, Relógio D’Água Editores, Junho de 2007. BATISTA. Nilo. Introdução crítica ao Direito penal brasileiro: Rio de Janeiro: Revan,2007. DALLARI. Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado: São Paulo: Saraiva,2007. DAMIANI, João Paulo Rodrigues. O voto do preso: a cidadania emergente dos direitos humanos. Disponível em :<http://www.sociologiajuridica.net.br/numero3/169> Acesso em: 13 de janeiro de 2014 GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal-Parte geral: Rio de Janeiro. IMPETUS,2013. LAFER. Celso. A reconstrução dos Direitos humanos-Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras,1988. PALHARES. Vitor de Lima. A situação do sistema prisional brasileiro frente à humanização da pena através do método Apac. São João del-Rei: IPTAN, 2012. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Decretos, Leis e Medidas Provisórias. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br> Acesso em: 15 de janeiro de 2014. SABADELL. Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica-Introdução a uma leitura externa do direito. Revista dos Tribunais,2002. SOUZA, ANA PAULA DE, Função ressocializadora da Pena. Disponível em: http://monografias.brasilescola.com/direito/funcao-ressocializadora-pena.htm Acesso em: 13 de janeiro de 2014. 418 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA UMA GESTÃO EFICAZ DAS FINANÇAS PESSOAIS NO BRASIL Rafaela de Sousa Goddi – IPTAN Leonardo Henrique de Almeida e Silva Coordenador do Curso de Administração – IPTAN Resumo: Estar informado acerca dos desafios e oportunidades existentes no mercado financeiro é algo de grande importância para lidar com as finanças pessoais. É por meio do conhecimento financeiro que os consumidores se tornam mais instruídos para adquirir produtos que condizem com suas reais necessidades, conhecem as vantagens de investir, se planejam para consumir e não ultrapassar a renda, evitando recorrer a empréstimos, além de contribuir para um sistema financeiro mais sólido e eficiente. A educação financeira se mostra uma adequada ferramenta para uma administração eficaz das finanças, que orienta as pessoas quanto à melhor forma de lidar com o dinheiro. Dessa forma, este trabalho abordará conceitos sobre alguns dados econômicos, alguns aspectos que influenciam a gestão das finanças pessoais e sobre o tema educação financeira. Através deste contexto será possível perceber como estar informado financeiramente afeta de modo positivo a relação com as próprias finanças. Introdução Administrar de forma eficiente as próprias finanças inclui um conhecimento das mesmas bem como disciplina e organização. Para isso, deve-se estar atento aos desafios existentes no panorama econômico atual e, de um modo geral, àqueles aspectos que influenciam diretamente na gestão das finanças pessoais. Dessa forma, a educação financeira tem um papel de extrema relevância como ferramenta estratégica para uma gestão eficaz das finanças pessoais. Através dela é possível não só administrar melhor as finanças, mas também estar preparado para lidar com os desafios financeiros e saber aproveitar as oportunidades de investimento que o mercado oferece. Desta maneira, este estudo tem o seguinte problema de pesquisa: qual a importância da educação financeira para uma gestão eficaz das finanças pessoais no Brasil? O tema do trabalho apresenta relevância, principalmente nos âmbitos social e econômico. Para muitas pessoas lidar com as próprias finanças se torna um desafio, haja vista que dificuldades financeiras podem causar intranquilidade, stress, preocupação, entre outros fatores que podem interferir 419 no relacionamento com a sociedade e na vida profissional. Além de afetar a vida pessoal, uma gestão ineficaz das finanças pessoais reflete na economia de todo o país, como exemplo, nos altos índices de inadimplência que trazem riscos às micro e pequenas empresas. Tendo em vista a pouca abordagem atribuída ao tema pelas escolas e faculdades, aliada ao propósito de minimizar os problemas anteriormente expostos, faz-se importante a pesquisa para se conhecer e aprender a lidar com as finanças, bem como saber utilizá-las de forma eficaz. Isto justifica a relevância do trabalho que trará maiores conhecimentos aos interessados no assunto a fim de contribuir para a disseminação de novos estudos nessa área e uma melhor compreensão relacionada ao tema. A realização deste trabalho se constitui em uma pesquisa bibliográfica, ou seja, as consultas foram feitas em livros, artigos científicos, trabalhos acadêmicos, sites especializados, revistas e diversas publicações sobre gestão das finanças pessoais, educação financeira, economia brasileira contemporânea e áreas afins. O intuito da consulta bibliográfica consiste em definir conceitos e fazer análises a respeito dos dados econômicos no Brasil. A partir do estudo serão demonstradas as vantagens da educação financeira para uma gestão eficaz das finanças pessoais e os desafios que são encontrados ao gerir as finanças em um cenário de incertezas e consumismo. 1 Fatores que interferem na economia brasileira Questões econômicas a respeito de inflação, índices de desemprego, taxa Selic, por exemplo, geram dúvidas e esclarecê-las pode ser uma vantagem em muitas tomadas de decisões, principalmente financeiras. Por isso, estar informado sobre os problemas e desafios da economia brasileira, é algo de grande importância. Economia é definida por Vasconcellos e Garcia(2010, p. 2) da seguinte forma: Economia é a ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem (escolhem) empregar recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas. 420 A inflação é um fator bastante preocupante não só para os economistas, mas também para toda a população, e pode trazer graves problemas para a economia de um país, se não houver um controle sobre a mesma. De acordo com Lanzana (2005, p.18), a inflação tem sido um dos temas mais discutidos dentro das análises sobre a economia brasileira. Para ele, as causas da inflação diferem entre países e, mesmo num dado país, diferem no tempo, tratando-se dessa forma, de um tema de difícil abordagem. Para entendê-la melhor, deve-se partir do seu conceito dado por Vasconcellos e Garcia (2010, p. 223): [...] aumento contínuo e generalizado no índice de preços, ou seja, os movimentos inflacionários são aumentos contínuos de preços, e não podem ser confundidos com altas esporádicas de preços. O aumento de um bem ou serviço em particular não constitui inflação, que ocorre apenas quando um aumento generalizado, da maioria dos bens e serviços. Altas taxas de inflação causam vários problemas, sendo os principais sobre a distribuição de renda, pois o poder aquisitivo das classes baixas diminui; às exportações nacionais, pois o preço do produto nacional aumenta havendo menos venda ao exterior; às expectativas dos empresários e o planejamento empresarial e as perspectivas positivas sobre o futuro. Lanzana (2005, p.17) destaca que a experiência mundial demonstra que países que não obtiveram um razoável controle sobre as taxas de inflação não conseguiram promover, de forma sustentada, o crescimento da produção de bens e serviços. Para se combater a inflação de demanda no Brasil uma das principais formas utilizadasé a taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia brasileira. Lanzana (2005, p. 64) define taxa Selic da seguinte forma: “É a taxa que regula diárias com títulos públicos. É utilizada como taxa básica da economia e fixada mensalmente pelo Comitê de Política Monetária, o Copom.” Também é definida por Fortuna (2008, p. 131): É a taxa de referência do mercado, e que regula as operações diárias com títulos públicos federais, pois é a sua média diária que reajusta diariamente os preços unitários (PU) dos títulos públicos. Representa a taxa pela qual o BC compra e vende títulos públicos federais 421 ao fazer sua política monetária. É determinada nas reuniões periódicas do Copom. Outro fator importante de ser analisado é o consumo por estar relacionado também a outros pontos que interferem na economia do país. Alguns destes podem ser inadimplência, poupança, investimentos, planejamento financeiro, os quais serão abordados no decorrer deste artigo. Para Mankiw (2010, p.381), a decisão em relação ao consumo é imprescindível para a análise de longo prazo, por causa de sua participação no crescimento econômico, e no curto prazo pelo seu papel na determinação da demanda agregada. O consumo é definido por Gremaudet al (2008, p. 125) como “parcela da renda destinada à aquisição de bens e serviços para a satisfação das necessidades dos indivíduos.” O autor divide o consumo agregado em consumo pessoal e consumo do governo. Aquele corresponde às aquisições voluntárias dos indivíduos; e este se refere aos bens os quais os indivíduos não adquirem voluntariamente, mas por meio do pagamento de impostos. Domingos (2011, p. 56) afirma que como grande parte da população imagina não conseguir realizar grandes e ambiciosos sonhos, a maioria gasta além do que possui para adquirir pequenos objetos de desejo e assim, ter a sensação de estar minimamente inserida na sociedade de consumo. O mesmo autor (2011, p. 68) afirma também que para realizar os sonhos não depende de aumento de salário ou ganhar na loteria, por exemplo, mas fazer ajustes no padrão de consumo. O autor supracitado (2011, p. 78) ressalta que as pessoas estão perdendo a noção do valor do dinheiro, principalmente pelas características do mundo consumista e imediatista atual. Há muitos produtos à venda e cada vez mais facilidade para adquiri-los, porém, muitas das vezes adquirem sem uma análise se realmente é importante ter e se não comprometerá o orçamento doméstico. Para o autor, “O consumo inconsciente é o pior inimigo do equilíbrio financeiro. Quem reflete de forma constante sobre as suas reais necessidades de consumo tende a ter uma vida financeira mais saudável”. (DOMINGOS, 2011, p. 90) 422 Neste contexto ressalta-se então que mais importante ainda é ter consciência ao consumir, nesse momento a educação financeira e o planejamento financeiro assumem um papel de extrema importância, pois através deles as pessoas se tornam mais instruídas para fazerem as melhores escolhas de consumo, poupança e investimento. Outro fator que interfere diretamente na economia nacional é o alto índice de inadimplência. De acordo com Berlattoet al (2011, p.99), é considerada inadimplente, a pessoa que não tem condições de pagar todas as suas despesas e que o atraso das contas supere o prazo de um mês. Meio a tantas influências de propaganda, os consumidores se vêem estimulados ao consumo. Este incentivo é provocado por meio do marketing, que segundo Kotler (2005, p.6), “é um processo societal por meio do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo de que necessitam e que desejam com a criação, a oferta e a livre negociação de produtos e serviços”, dessa forma o marketing elabora estratégias para informar, persuadir e lembrar as pessoas sobre determinado bem ou serviço. Como ressalta o autor supracitado, “o ideal é que o marketing deixe o cliente pronto para comprar.” (KOTLER, 2005, p. 6) Com base nos conceitos expostos, pode-se dizer que o consumidor adquire muitas vezes desnecessariamente um produto, e ainda sem fazer um planejamento, podendo comprometer suas finanças, e tornando-se inadimplente. Em uma pesquisa feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) divulgada em fevereiro de 2013, foi apontado que 85% dos brasileiros compram por impulso, ou seja, sem planejamento. Para o estudo foram ouvidos 646 consumidores, no qual ansiedade e insatisfação com a aparência foram as principais causas que ocasionam a compra por impulso. Segundo a avaliação do SPC as compras sem controle servem como uma recompensa emocional para esses consumidores. A economista do SPC, Ana Paula Bastos, destaca que, “Na busca pelo prazer imediato ou para exibir um estilo de vida que não condiz com a própria renda, o comprador se alivia momentaneamente, sem se importar com o futuro do próprio bolso”. (SPC Brasil, 2013, s.p.) Na pesquisa foi mostrado que 37% dos consumidores entrevistados só analisam se a parcela cabe no bolso, e não avaliam as taxas de juros existentes no financiamento. Como disse Ana Paula, essa atitude é mais 423 acentuada nas classes C e D, pois não estão acostumados a lidar com o crédito e nem fazer compras de valores maiores. De acordo com o SPC Brasil (2013, s.p.), 42% dos entrevistados gastam tudo o que ganham e não conseguem poupar, e 30% dos consumidores não conseguiriam manter o padrão de vida nem por um mês, caso perdessem totalmente as fontes de rendimentos. A pesquisa também revelou que 74% dos brasileiros não possuem qualquer tipo de investimentos como a poupança. Isso mostra a falta de conhecimento sobre como e onde investir as próprias finanças. A economista finaliza, “apesar de a pesquisa apontar que 72% dos entrevistados se consideram aptos a fazer a administração das finanças de casa, o que se percebe é que o brasileiro não tem noções básicas de orçamento doméstico e não sabe lidar com o próprio dinheiro”. (SPC Brasil, 2013, s.p.) De acordo com Godinho (2009, p.24) o perfil do endividado, há cerca de 15 anos, era caracterizado por desequilíbrios financeiros decorrentes de uma nova realidade e responsabilidades, como por exemplo homens e mulheres, casados há poucos anos e com filhos pequenos. Para ela, atualmente não existe um perfil definido do endividado, mas sim uma variedade de idades, graus de escolaridade e salários. “O que diferencia uma pessoa endividada de outra é o salário e o tamanho da dívida,” complementa a autora. Para aqueles que não possuem uma reserva financeira, seja em poupança ou investimentos, perder o emprego significa redução do padrão de vida. Para prevenir-se contra uma situação como esta, torna-se necessário um planejamento de modo a evitar desequilíbrios financeiros, em casos de desemprego. Desempregado é considerado por Gremaudet al (2008, p. 84) como “todo aquele maior de 10 anos, que procura emprego, mas não o encontra.” Domingos (2011, p.77) afirma que a cultura do brasileiro é marcada por um descaso com o futuro. Ele diz ainda que no mínimo 90% da população vive apenas o momento presente, presa no imediatismo e não consegue programarse para um futuro saudável financeiramente. Dessa forma, o autor faz uma provocação que toca a maioria das pessoas com relação a falta de reserva financeira: “Se a partir de hoje eu não tivesse mais o meu ganho mensal, por 424 quanto tempo conseguiria manter meu padrão de vida?” (DOMINGOS, 2011, p.76) Através dos conceitos expostos, pode-se afirmar que o desemprego é um dos vários fatores que acarretam a inadimplência. Isso ocorre por este fator muitas vezes estar vinculado a uma situação inesperada. Dessa forma, com uma dívida contraída e a ocorrência do imprevisto, o consumidor pode se tornar inadimplente. Como em muitas das vezes o desemprego não é uma atitude voluntária, há uma grande necessidade de manter um controle financeiro, a fim de estar preparado para enfrentar eventos casuais. É importante destacar que existem outros fatos que podem ocorrer inesperadamente em momentos de emprego ou não, que também fortalecem a necessidade de estar financeiramente prevenido, como em casos de acidentes ou doenças. Além de estar informado a respeito da economia brasileira, outro fator importante para ter sucesso financeiro é conhecer alguns aspectos que podem influenciar a gestão das finanças pessoais. 2 Gestão das finanças pessoais Para gerir adequadamente as finanças pessoais não é necessário planilhas extensas e cálculos complicados. A tarefa é bem mais simples: gastar menos do que recebe. De acordo com Toledo (2012, p. 71) se os gastos superam as receitas, há dois caminhos a seguir: aumentar os ganhos, ou diminuir os gastos. Há dois pontos importantes na gestão das finanças pessoais, além de possuir o conhecimento sobre finanças, é necessário também ter disciplina. A junção destes dois fatores evitará empréstimos sem análise prévia a respeito dos juros envolvidos ou do melhor prazo, facilitando o controle dos gastos a fim de formar uma poupança que permitirá investir de maneira consciente e eficaz. Educar-se financeiramente possibilita uma maior autonomia e confiança ao lidar com as próprias finanças, e ainda prepara as pessoas para aproveitar as oportunidades que o mercado oferece (TOLEDO, 2012, p. 26). Existem vários fatores que influenciam a gestão das finanças pessoais, dentre eles, organização, definição de prioridades, disciplina em 425 controlar o próprio dinheiro, oscilações de juros, oportunidades do mercado e outros aspectos que serão abordados a seguir. É comum ouvir em jornais e reportagens assuntos relacionados a taxas de juros, investimentos e diversos outros temas ligados a finanças, porém nem sempre é fácil entendê-los. Gitman (2004, p. 4) afirma que “a área de finanças é ampla e dinâmica. Afeta diretamente a vida de todas as pessoas e organizações.” Lidar com as finanças inclui a forma como o dinheiro é alocado no presente, como ele é gasto e investido e a preocupação em haver uma sustentabilidade financeira ao longo do tempo. Gitman (2004, p. 4) define finanças como “a arte e a ciência da gestão do dinheiro” e complementa: Praticamente todos os indivíduos e organizações recebem ou levantam, gastam ou investem dinheiro. A área de finanças preocupa-se com os processos, as instituições, os mercados e os instrumentos associados à transferência de dinheiro entre indivíduos, empresas e órgãos governamentais. Administrar as finanças mostra-se uma tarefa bastante desafiadora. Isso acontece pelo fato de grande parte das pessoas terem dificuldades em controlar seus ganhos e na forma como ele é utilizado, ou seja, gerir o próprio dinheiro. De acordo com Domingos (2011, p. 23), o crescimento econômico sustentável que se espera do Brasil depende de uma revolução na educação formal, na qual ele acrescenta a necessidade de instruir a população no que se refere à administração do dinheiro. Para Gitman (2004, p. 4), “muitas pessoas poderão se beneficiar da compreensão do campo de finanças, pois lhes permitirá tomar melhores decisões financeiras pessoais.” Finanças pessoais é um assunto tratado com menor importância que outros temas. Isso pode ser percebido na maioria das escolas nas quais não incluem educação financeira na grande curricular. Mesmo em ensinos superiores, em cursos de Administração, Ciências Contábeis e Economia, por exemplo, os discentes se tornam capazes de analisar a economia do país, ou ainda, aprendem a gerir e a lidar com complicadas demonstrações financeiras 426 de uma organização, mas antes de tudo isso não aprendem a avaliar melhor suas próprias finanças, das quais conviverão com desafios diariamente e precisarão tomar decisões como as relacionadas a investimento. Para corroborar, Martins (2004, p. 56) expõe: A omissão da escola em relação a noções de comércio, de economia, de impostos e de finanças tem uma consequência perversa: a maioria das pessoas, quando adulta, continua ignorando esses assuntos e segue sem instrução financeira e sem habilidade para manejar dinheiro. As consequências se tornam mais graves se levarmos em conta que ninguém, qualquer que seja a sua profissão, está livre dos problemas ligados ao mundo do dinheiro e dos impostos. Dessa forma, conhecer os fundamentos das finanças pessoais determinará desde atitudes simples como evitar gastar com supérfluos até mesmo decisões mais cautelosas, como atingir a independência financeira. De acordo como Domingos (2011, p. 43), é preciso aprender a viver de acordo com o que ganha, e se há muitas dívidas, é provável que esteja vivendo fora do padrão de vida; é preciso manter um nível sustentável, que permita estar em posição de poupador, e não de devedor. Pessoas que possuem um conhecimento sobre finanças têm mais estabilidade financeira permitindo realizar investimentos lucrativos, evitam gastos desnecessários, gastam menos que suas receitas e possuem disciplina para traçar e alcançar metas. De acordo com Frankenberg (1999, p.39 apud BITENCOURT, 2004, p.48) “poupar com sabedoria, investindo com segurança e supervisionando regularmente os ganhos e, gastar com prudência, distinguindo o essencial do supérfluo, é o lema dos vencedores.” Com base nos conceitos expostos, percebe-se que possuir conhecimento financeiro pessoal é algo de extrema importância. Entender melhor os conceitos econômicos tornará mais clara a sua aplicação no âmbito pessoal como em momentos de poupar, investir, analisar gastos e até mesmo quando houver necessidade de recorrer a empréstimos. Existem várias modalidades de empréstimos e financiamentos, mas sempre que possível, é melhor evitá-los, como diz Hoji (2012, p. 107) “existem empréstimos e financiamentos apropriados para cada situação. A melhor 427 alternativa de financiamento é não precisar dela, mas, quando isso não é possível, deve-se escolher a melhor alternativa entre as disponíveis.” A melhor atitude é ter sempre uma reserva financeira, para que em eventuais acontecimentos inesperados, a opção não seja o empréstimo mais fácil e rápido, pois na maioria das vezes eles possuem altas taxas de juros. É necessário avaliar sempre as condições do empréstimo, principalmente os juros envolvidos, e analisar se as prestações estarão dentro do orçamento familiar. De acordo com Toledo (2012, p. 111) “toda e qualquer linha de crédito deve ser utilizada de forma consciente e racional, considerando a relação custo-benefício e o reflexo que causará na sua renda mensal.” Além de ter um conhecimento sobre finanças e ajustar gastos e despesas, é necessário poupar regularmente, e fazer da poupança um investimento que poderá transformar-se em uma fonte de renda complementar. O primeiro desafio das finanças pessoais está em gastar menos do que recebe e o segundo em investir corretamente. Hoji (2011, p.93) define investimento como: “aplicação de dinheiro em títulos, ações, imóveis, maquinários etc., com o propósito de obter ganho (lucro).” Para investir da melhor forma, é necessário conhecer as opções de investimentos, analisar o perfil como investidor e ter um objetivo claro para definir o tipo de aplicação adequada ao tempo. Cerbasi (2004, p. 121) ressalta que decisões inteligentes são tomadas quando o investidor sabe em que está aplicando, os riscos oferecidos, que situações geram ganhos e quais geram perdas e, principalmente, quais são as alternativas mais rentáveis do mercado. A tranquilidade financeira será obtida se houver a capacidade de aumentar as finanças através do que foi poupado, isso significa trabalhar com os juros a favor, como acontece em um simples investimento em poupança, por exemplo, mostrando-se dessa forma, a vantagem de investir. Para Cerbasi (2004, p. 120), investir é o caminho da garantia ou da melhoria no futuro daquilo que se construiu até o momento. É possível alcançar um padrão de vida bastante superior ao atual se for usado quatro fatores fundamentais: tempo, dinheiro, decisões inteligentes e juros compostos. Para Toledo (2012, p. 115), existem três tipos de perfis de investidor: 1- Conservador: prefere não correr risco de perdas de capital, dessa forma, não almeja grandes rentabilidades; 428 2- Moderado: aceita flutuações de preços, desde que haja perspectivas de ganhos moderados; 3- Arrojado: aceita correr riscos em investimentos de resultado incerto, mas tem foco em lucros elevados; Como dito anteriormente, além de saber qual o perfil como investidor é necessário definir o tempo que o investimento ficará aplicado, ou ainda, qual o tempo necessário para a realização do objetivo definido. Para a autora supracitada (2012, p. 15) curto prazo se refere a um período menor que dois anos, médio prazo, entre três e cinco anos e longo prazo, acima de cinco anos. Além disso, Toledo (2012, p. 116) mostra a importância de analisar o investimento quanto ao risco, ou seja, a incerteza da rentabilidade, acrescentando que quanto maior o risco maior a rentabilidade; avaliar a liquidez – tempo gasto para transformar o investimento em dinheiro; a rentabilidade real – quanto receberá pela aplicação após descontar impostos e taxas; saber quais impostos incidem sobre os rendimentos ou sobre o valor total do investimento; analisar o prazo necessário para obter o retorno desejado, e, por fim, estar informado sobre o valor mínimo para aplicação e para movimentação. Existem no mercado aplicações de renda fixa e renda variável, a primeira é definida da seguinte forma: “a Renda Fixa é uma aplicação na qual o investidor compra títulos de bancos, empresas ou do governo e recebe uma rentabilidade que pode ser determinada já no momento da aplicação. A rentabilidade será o valor da aplicação, mais os juros pelo período em que o dinheiro ficar investido” (BRASIL GOV, 2013, s.p.). Toledo (2012, p. 117) mostra algumas regras básicas para investir, tais como diversificar, ou seja, não colocar todos os recursos em um único tipo de investimento; ter disciplina para poupar e depositar mensalmente, pois o depósito contínuo e mensal rende mais do que o feito de uma única vez; estar sempre informado sobre o cenário econômico do país; analisar o tipo de investimento escolhido, seu risco e suas regras; começar a investir o mais cedo possível para não precisar depositar valores tão altos e acompanhar a situação das aplicações e, por último, ter uma cópia dos documentos da aplicação. Por meio do que foi abordado sobre investimentos pode-se afirmar que pessoas que possuem um conhecimento sobre finanças além de terem o 429 hábito de se planejar financeiramente, em muitas das vezes se organizam para investir o que foi poupado. A motivação em investir está na obtenção do lucro e no aumento da capacidade produtiva, pela remuneração do capital. Dessa maneira, investir é a melhor maneira de constituir uma reserva financeira a fim de prevenir contra instabilidades empregatícias, imprevistos na vida pessoal e da incerta previdência pública. Um adequado planejamento financeiro representa para as pessoas uma importante estratégia para um presente equilibrado e um futuro tranquilo, principalmente em relação à segurança e a qualidade de vida na aposentadoria, na qual muitos têm tempo, porém nem tantos assim têm dinheiro para aproveitar esse tempo da melhor forma possível. Não fazer um planejamento pode levar as pessoas a assumirem grandes perdas e riscos. Para Cerbasi (2004, p. 38), o planejamento financeiro tem um objetivo muito maior do que simplesmente não contrair dívidas. Mais importante do que conquistar um padrão de vida é mantê-lo, e é para isso que se deve planejar. Para Gitman (2005, p. 2), entender finanças não só prepara as pessoas para as carreiras, mas também dá condições para tomar decisões como investidores. Independentemente de quanto tem para investir, o conhecimento de finanças pode ajudar a decidir em que tipo de investimento financeiro colocar o dinheiro, quanto deve ser investido e como os recursos devem ser distribuídos entre diferentes investimentos. De acordo com Rodrigues (2013, s.p.), o teto máximo pago pelo INSS em 2013 é R$ 4.157,05, dessa forma, para quem recebe mais que o teto, deve começar a poupar o mais cedo possível, para complementar a renda na aposentadoria. Toledo (2012, p. 126) cita a previdência privada como uma forma de garantir uma renda complementar no futuro. E complementa que a vantagem desse tipo de investimento é que o Imposto de Renda 57 é recolhido somente no resgate, diferente de outros fundos de investimentos que são descontados mensalmente. Segundo a autora, para decidir qual é o melhor plano de previdência privada, deve ser levada em consideração algumas variáveis como: idade atual 57 O imposto de renda recai sobre qualquer lucro ou renda superiores a R$ 12.696,00 em salário ou outras fontes de rendimentos obtidos anualmente. (SANTANA, 2013, s.p.) 430 e data que almeja aposentar; valor mensal disponível; tipo de plano mais adequado e o risco que está disposto a correr (TOLEDO, 2012, p. 128). Percebe-se que para haver uma aposentadoria segura e tranquila é necessário que haja primeiro um planejamento financeiro. Este ocorrendo de forma eficaz e o quanto antes trará resultados bastante positivos, permitindo uma vida financeira mais saudável a fim de solucionar eventuais imprevistos com mais segurança e sabedoria. Para obter um planejamento financeiro eficiente com resultados como os descritos anteriormente, uma boa estratégia é adquirir educação financeira, a qual será definida e estudada a seguir. 3 Educação financeira como ferramenta estratégica das finanças pessoais A educação financeira tem um papel de grande importância na gestão das finanças pessoais. Compreendê-la significa estar mais preparado para lidar com o orçamento doméstico, consumindo de forma compatível com a renda familiar, tendo um conhecimento do cenário econômico e aproveitando as oportunidades de investimento oferecidas pelo mercado. Educação financeira é definida por Pereira (2001, p. 199 apud BITENCOURT, 2004, p.46) da seguinte forma: Educação Financeira é o processo de desenvolvimento da capacidade integral do ser humano de viver bem, física, emocional, intelectual, social e espiritualmente. Educação Financeira não é apenas o conhecimento do mercado financeiro com todos os seus jargões, produtos, taxas e riscos, mas esse conhecimento faz parte do processo. Essa é uma forma de estar aberto ao processo constante de aprendizagem, com a alegria da descoberta, para ir atualizando a própria vida. É conhecer fontes de informação, como sites, chats, fóruns via internet, jornais, livros, revistas, consultorias e acessá-las sempre que precisar. Segundo o Centro de Produções Técnicas (2013,s.p.), a educação financeira é um tema transdisciplinar, no qual se discutem termos essenciais em relação às finanças, a importância do dinheiro, como administrá-lo eficazmente e como consumir de forma consciente. Além disso, a educação financeira demonstra ainda as consequências do consumo sobre o meio ambiente e sobre as gerações futuras, reforçando a ética e a responsabilidade 431 social que estão envolvidas no ganho e no uso do dinheiro. Ela ainda auxilia na formação de jovens capazes de poupar e de planejar seus gastos, criando assim uma mentalidade adequada e saudável em relação ao dinheiro. Através dos conceitos expostos anteriormente, percebe-se a importância que a educação financeira representa tanto para os indivíduos quanto para o sistema financeiro, refletindo em toda a sociedade de um modo geral. Do ponto de vista de Braunstein e Welch( 2002, p. 1 apud SAVOIA et al 2007, s.p.): Participantes informados ajudam a criar um mercado mais competitivo e eficiente. Consumidores conscientes demandam por produtos condizentes com suas necessidades financeiras de curto e longo prazo, exigindo que os provedores financeiros criem produtos com características que melhor correspondam a essas demandas. De acordo com o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.),além da educação financeira ter sido sempre importante para auxiliar as pessoas a planejar e gerir sua renda, nos últimos anos sua relevância é ainda maior. Isso se dá em decorrência do desenvolvimento dos mercados financeiros, no qual estão mais sofisticados e há novos produtos com riscos e retornos que os consumidores não possuem um conhecimento de imediato, e os clientes possuem acesso a mais instrumentos bancários. Ainda segundo o site, a variedade de instrumentos de crédito, poupança, investimento, seguro e previdência e de instituições que os oferecem, tende a favorecer o consumidor pelo fato de permiti-lo escolher o produto que se enquadra melhor ao seu perfil. Em contrapartida, dificulta a tomada de decisão, em virtude da necessidade de analisar as características de cada opção. Em um cenário onde os indivíduos precisam entender e dominar muitas informações, Claudino et al (2013, s.p.) destaca: A importância da educação financeira, que compreende a inteligência de ler e interpretar números e assim transformá-los em informação para elaborar um planejamento financeiro que garanta um consumo saudável e o futuro equilibrado nas finanças pessoais. Quando essa educação é adquirida e aprimorada, as pessoas planejam seu futuro para acumularem ativos e 432 para terem um nível adequado de renda, além de elaborarem orçamentos compatíveis as suas capacidades financeiras. Os indivíduos financeiramente educados são importantes para o desenvolvimento da economia, uma vez que estes, geralmente, formam poupança. O governo é um agente deficitário, os recursos poupados pelas famílias representam uma importante fonte de financiamento para os setores da economia. Segundo Savoia (2007, s.p.), quando os indivíduos aprimoram o conhecimento sobre finanças e tomam decisões com maior precisão, eles tornam-se mais integrados à sociedade e mais atuantes no âmbito financeiro, ampliando seu bem-estar. Para Lucciet al (2006, p.4), a importância da educação financeira pode ser vista sob diversas perspectivas, tais como o bem estar pessoal, das quais decisões comprometerão o futuro. As consequências de decisões tomadas sem uma análise podem ser desorganização das contas domésticas e inclusão do nome em sistemas como SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, podendo prejudicar não só o consumo, mas até a carreira profissional. Para a mesma autora, outra perspectiva é o bem estar da sociedade, que pode trazer consequências mais graves. Em casos extremos, pode culminar no sobrecarregamento dos já precários sistemas públicos, ou ocasionar políticas públicas de correção, como o aumento de impostos e contribuições para equilibrar orçamentos deficientes de indivíduos, ou ainda o aumento da taxa básica de juros para conter consumo e diminuir taxa de inflação, além da total dependência de sistemas como SUS e INSS. Como foi abordado anteriormente sobre inadimplência, por meio do marketing, existem cada vez mais estímulos ao consumismo, como facilidades de aquisição de produtos por meio de parcelamentos e o uso de cartões. Dessa forma, sem educação financeira, as pessoas ficam mais vulneráveis e consomem sem necessidade, comprometendo a renda familiar sem uma avaliação e podendo levar a complicações financeiras como a inadimplência. Diante do que foi exposto, percebe-se o quanto a educação financeira é importante. Tendo em vista que, existem muitos produtos financeiros ofertados e sem um conhecimento adequado, as pessoas adquirem sem uma avaliação da melhor opção e mais adequada ao perfil. Dessa forma, a 433 educação financeira mostra-se uma medida preventiva contra insucessos pessoais e consequentemente sociais. Por meio do conhecimento adquirido haverá um maior controle e domínio das finanças pessoais, que resultará em uma harmonia do ser humano no âmbito emocional, social, físico e espiritual. Além disso, sem educação financeira é mais difícil as pessoas terem o hábito de realizar um planejamento financeiro a longo prazo, e investir em poupança ou previdência privada. A educação financeira mostra-se uma excelente ferramenta estratégia das finanças pessoais, pois ela auxilia no desenvolvimento de habilidades, de segurança e de consciência em relação aos riscos e oportunidades existentes no universo das finanças. Apesar de sua grande relevância, a abordagem nesta área no Brasil ainda é escassa. De acordo com o site Vida e Dinheiro (2013, p.19), o desconhecimento nesse campo não é exclusivamente brasileiro, sendo apontado, de forma unânime, por pesquisas realizadas em diversos países. Em decorrência da necessidade de uma maior aproximação com assuntos relacionados a finanças e devido à importância da educação financeira, o governo instituiu uma estratégia para disseminá-la no país, a chamada Estratégia Nacional de Educação Financeira – ENEF. De acordo com o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.), respondendo à necessidade atual da sociedade, o desenvolvimento do projeto nacional de educação financeira foi uma iniciativa das entidades e dos órgãos integrantes do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiros, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização – COREMEC. Dessa forma, desenvolveram uma proposição de Estratégia Nacional de Educação Financeira, resultado de dezoito meses de pesquisa e instalado em novembro de 2007. Ela prevê a promoção de um inventário nacional de ações e de projetos de educação financeira no país, além de uma pesquisa que mapeie o grau de conhecimento financeiro da população brasileira. Ainda segundo o site supracitado, os principais objetivos da ENEF são: promover e fomentar a cultura de educação financeira no país; ampliar o nível de compreensão do cidadão para efetuar escolhas conscientes relativas à administração de seus recursos e contribuir para a eficiência e solidez dos 434 mercados financeiro, de capitais, de seguros, de previdência e de capitalização (VIDA E DINHEIRO, 2013, s.p.). Além disso as diretrizes norteadoras das ações da ENEF são as seguintes: é um programa de Estado, de caráter permanente; com ações de interesse público; no âmbito nacional; a gestão é centralizada e a execução é descentralizada; havendo três níveis de atuação (informação, formação e orientação) e avaliação e revisão permanentes e periódicas (VIDA E DINHEIRO, 2013, s.p.). Objetivando auxiliar na execução da ENEF, foi lançando, em agosto de 2008, o sítio da Estratégia (www.vidaedinheiro.gov.br), para inicialmente cadastrar ações de educação financeira, gratuitas e de conteúdo não comercial existentes no Brasil, permitindo a formação de inventário nacional (VIDA E DINHEIRO, 2013, p.3). Para o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.), “o sucesso da ENEF vai contribuir para um consumo financeiro mais responsável da população, assegurar a conscientização dos riscos assumidos pelos consumidores e reforçar a estabilidade e confiança no Sistema Financeiro Nacional.” Além disso: A existência de maior grau de conhecimento de finanças pessoais tende promover uma maior inclusão de segmentos da população que estejam à margem do sistema financeiro, além de contribuir para a formação de poupança. A educação pode atuar diretamente nas variáveis pessoais e sociais, contribuindo para formar ou amadurecer uma cultura de planejamento de vida, capaz de permitir que a pessoa, conscientemente, possa resistir aos apelos imediatistas e planeje no longo prazo as suas decisões de consumo, poupança e investimento (VIDA E DINHEIRO, 2013, s.p.). Foi ressaltado ainda no site que a estratégia é o início de uma longa caminhada. E que ela deverá agregar novos parceiros e envolver toda a sociedade. E para que haja melhoria na capacitação financeira dos cidadãos o esforço deverá ser contínuo e sustentado em longo prazo (VIDA E DINHEIRO, 2013, s.p.). 435 Neste contexto, a ENEF mostra-se como um grande passo na busca por nivelamento de informações e conhecimento. Mas a estratégia somente será válida se o governo não delimitar-se em meramente instituí-la, mas aliado a isso é imprescindível que o Estado torne a sociedade mais consciente da importância de estar melhor informada sobre alguns aspectos relacionados a finanças. Vale ressaltar que, a função do governo é a de orientar, e não de incitar decisões finais. Para mensurar a repercussão da ENEF, é necessário um constante apuramento e acompanhamento dos resultados através de pesquisas para analisar índices de inadimplência e de investimentos, por exemplo, e quando necessário, implantar melhorias ou mudar estratégias de divulgação da educação financeira, como realização de palestras em escolas públicas e para a sociedade, distribuição de livros e cartilhas sobre o tema e inclusão do assunto em grades curriculares de ensinos básicos e superiores. Considerações finais Lidar com as próprias finanças é algo habitual, afinal, todos compram, pagam contas, alguns usam cheques e cartões, porém para muitas pessoas essa tarefa se torna um grande desafio, traduzindo-se muitas das vezes em uma barreira na vida pessoal. Mas o que a princípio parece ser apenas um problema individual, na verdade se manifesta em outros âmbitos, tais como o familiar, o profissional e até o social. Este problema ocorre devido ao fato de muitas pessoas serem vulneráveis a facilidades de consumo, comprometendo assim o orçamento doméstico futuro. Neste contexto, para evitar que situações como as descritas ocorram, pôde-se observar ao longo desta pesquisa que uma importante ferramenta é a educação financeira. A maioria, senão todos os autores sobre finanças pessoais pesquisados neste trabalho ressaltam que não importa o valor do salário, tampouco o quanto se tem, mas sim a forma de lidar com o dinheiro, e como administra o que possui. Com o intuito de responder o problema de pesquisa, este artigo não só buscou apontar a importância da educação financeira, mas também mostrou como esta é um instrumento essencial para lidar com as finanças pessoais. Em virtude das peculiaridades do sistema financeiro, estar informado a respeito do cenário econômico e alguns conceitos referentes a este, tais como 436 inflação e taxa selic, faz com que as pessoas fiquem mais atentas às oportunidades que o mercado oferece. Dessa maneira, analisam as taxas de juros verificando quais os melhores momentos para investir e fazer aquisições, além de saber quais as melhores opções de empréstimos, quando houver necessidade de recorrer a eles. A educação financeira possibilita às pessoas uma maior clareza, em relação à importância de planejar-se para o futuro. Com isso, ela permite um maior índice de consumo sustentável, ou seja, consumir sem comprometer a renda atual, visando um futuro financeiro mais tranquilo. Neste contexto, é imprescindível que haja uma sintonia da teoria com a prática, para isso é necessário aliar o conhecimento adquirido através da educação financeira com disciplina e organização para lidar com as finanças no dia-a-dia. Consumidores mais instruídos adquirem produtos relacionados à suas necessidades e com o seu perfil e tem um maior controle de seus gastos, isso resulta em um sistema financeiro mais eficiente. O governo consciente dessa necessidade de tornar as pessoas financeiramente mais esclarecidas criou uma estratégia de disseminação da educação financeira no Brasil a ENEF – Estratégia Nacional de Educação Financeira, que institui mais ações e projetos relacionados ao tema. Essa atitude do governo de tornar mais acessível a educação financeira aos brasileiros, traz grandes perspectivas iniciais, e mostra a preocupação com alguns aspectos, tais como a inadimplência e os gastos excessivos dos consumidores. Porém, o governo não deve restringir-se somente à teoria e à implantação da estratégia, mas de forma contínua, fazer análises dos dados econômicos por meio de pesquisas e sempre que necessário realizar mais mudanças a fim de incentivar e tornar cada vez mais eficaz a gestão das finanças pessoais no Brasil. Espera-se com a realização desta pesquisa que o interesse das pessoas nesta área aumente cada vez mais e que novos estudos voltados às finanças pessoais sejam realizados, a fim de contribuir com uma maior disseminação do tema. 437 Referências BERLATTO,Odir, et al. (2011).Principais fatores causadores da inadimplência.IN II Seminário de Iniciação Científica Ciências Contábeis. Disponível em: <http://ojs.fsg.br/index.php/anaiscontabeis/article/viewFile/27/22#page=99> Acesso em: 2 nov. 2012. BITENCOURT,Cleusa Marli Gollo. (2004) Finanças Pessoais versus Finanças Empresariais. Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Economia. Disponível em:<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6506/000486157.pdf?seq uence=1> Acesso em: 10 nov. 2012. CPT - Centro de Produções Técnicas. (2013). Educação Financeira e empreendedorismo nas escolas. Disponível em:<http://www.cpt.com.br/artigos/educacao-financeira-e-empreendedorismonas-escolas> Acesso em: 14 abr. 2013. CERBASI,Gustavo. Casais inteligentes enriquecem juntos. São Paulo: Gente, 2004. CLAUDINO, Lucas Paravizoet al. (2009). Finanças pessoais: um estudo de caso com servidores públicos. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/semead/12semead/resultado/trabalhosPDF/724.pdf > Acesso em: 10 nov. 2012. DOMINGOS, Reinaldo. Terapia Financeira. São Paulo: DSOP Educação Financeira, 2011. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços. 17. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008. GITMAN, Lawrence J., MADURA, Jeff. Administração Financeira: uma abordagem gerencial. São Paulo: Pearson, 2005. _____________. Princípios de Administração Financeira. 10. ed. São Paulo: Pearson Addison Wesley, 2004. GODINHO, Daniela. Inteligência financeira: faça mais com menos. São Paulo: Scortecci, 2009. GREMAUD, Amaury Patrick, VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de, JÚNIOR, Rudinei Toneto. Economia brasileira contemporânea. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2008. HOJI, Masakazu. Administração financeira e orçamentária: matemática aplicada, estratégias financeiras, orçamento empresarial. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. _____________. Administração Financeira na Prática: Guia para educação financeira corporativa e gestão financeira pessoal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. Investimentos. Renda Fixa. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/investimentos/renda-fixa> Acesso em 7 mai. 2013. 438 KOTLER, Philip. Marketing Essencial: conceitos, estratégias e casos. 2. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2005. LANZANA, Antonio Evaristo Teixeira. Economia Brasileira: Fundamentos e Atualidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. LUCCI, Cintia Retz, et al. (2006) A influência da educação financeira nas decisões de consumo e investimentos dos indivíduos. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/Semead/9semead/resultado_semead/trabalhosPDF /266.pdf> Acesso em: 10 nov. 2012. MANKIW, N. Gregory. Macroeconomia. Trad. e ver. téc.Teresa Cristina Padilha de Souza. Rio de Janeiro: LTC, 2010. MARTINS, José Pio. Educação Financeira ao alcance de todos. São Paulo: Fundamento Educacional, 2004. RODRIGUES, Azelma. Teto da aposentadoria do INSS é reajustado em 6,15%. 2013. Econômico Valor. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/2963076/teto-da-aposentadoria-do-inss-ereajustado-em-615 07/05/2013> Acesso em: 7 mai. 2013. SAVOIA, José Roberto Ferreira, et al. ( 2007). Paradigmas da educação financeira no Brasil. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rap/v41n6/06.pdf > Acesso em: 10 nov. 2012. SANTANA, Ana Lucia. Imposto de Renda. (2013)Info Escola. Disponível em:<http://www.infoescola.com/economia/imposto-de-renda/> Acesso em: 15 jun. 2013. SPC BRASIL. Serviço de Proteção ao Crédito. (2013). 85% dos brasileiros faz compras por impulso, revela pesquisa do SPCSPC Brasil. Disponível em: <http://www.spcbrasil.org.br/imprensa/noticia/11085dosbrasileirosfazcomprasporimpulsorevelapesquisadospc> Acesso em: 20 mar. 2013. TOLEDO, Elaine. Saiba mais para gastar menos: aprenda a desenvolver sua inteligência financeira. 2 ed. São Paulo: Alaúde, 2012. VASCONCELLOS, Marco Antonio S.; GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de Economia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. VIDA E DINHEIRO. (2013). Disponível em:<http://www.vidaedinheiro.gov.br/Enef/Default.aspx> Acesso em: 09 mai. 2013 _______________. (2013). Disponível em: <http://www.vidaedinheiro.gov.br/Imagens/Plano%20Diretor%20ENEF.pdf> Acesso em: 16 abr. 2013. 439 DANO MORAL Welinton Augusto Ribeiro Professor do Curso de Direito – IPTAN Resumo O presente trabalho tem o intuito de levar ao leitor uma compreensão adequada acerca do instituto do dano moral, trazendo algumas questões controvertidas e interpretações jurisprudenciais e doutrinarias. Não poderíamos deixar de mencionar que o dano moral surge a partir do momento em que há lesão aos direitos da personalidade, sendo certo que a preocupação maior do legislador é proteger a dignidade da pessoa humana, que é principio consagrado na Carta Magna de 1988. Observa-se ainda outro ponto interessante ao ficar demonstrado que a finalidade precípua do dano moral é compensar e não punir, trazendo um preço para apenas atenuar a dor e o sofrimento experimentados pelo prejuízo imaterial. O instituto em comento ganhou foro de constitucionalidade na legislação brasileira a partir de 1988, em que pese sua existência mesmo antes desta data em diversas legislações internas. Importante ainda ressaltar que o dano moral experimentado pelo sujeito de direito está num patamar de incômodo bem superior ao mero aborrecimento, sendo este consequência da vida em sociedade, insuscetível de pretensão de ressarcimento. O que não pode ocorrer é a banalização do dano moral, ou mesmo sua industrialização, devendo existir uma atenção maior dos aplicadores e operadores do direito de modo a não permitir aventuras jurídicas ou pretensões fadadas ao insucesso. Palavras-chave: dano moral; compensação; dignidade humana. direitos da personalidade; violação; 1 INTRODUÇÃO Nos dias atuais observa-se um grande crescimento de pretensões acerca de reparação por danos morais, sendo algumas embasadas em verdadeiros fundamentos, ao passo que uma grande maioria é calcada em meros aborrecimentos. Dessa forma, de suma importância definir o instituto do dano moral, sendo certo que pode ser conceituado como um prejuízo que provoca dano extrapatrimonial a uma pessoa natural ou jurídica, assim como uma lesão aos direitos da personalidade e, não necessariamente, mas na maioria da vezes, causando sofrimento, desconforto, dor, tristeza e angústia. Como se vê, hoje o dano moral não se restringe mais à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -, razão pela qual revela-se mais apropriado 440 chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito Português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 81) A partir daí é necessário um breve apanhado do desenvolvimento do instituto, assim como buscar compreender e identificar qual o bem jurídico tutelado, de modo a permitir que cada indivíduo possa viver em sociedade na mais plena harmonia, sem qualquer lesão ao seus direitos fundamentais. 2 BREVE HISTÓRICO Antes de abordar qualquer discussão acerca do tema proposto não poderíamos deixar de mencionar que César Fiúza afirma que a integridade da pessoa humana sempre foi preocupação do direito, embora nem sempre sob a mesma perspectiva. Busa Mackenzie Michellazzo (2001, p. 19), dentre outros grandes nomes do mundo juridico, são todos uníssonos em afirmar que a notícia mais longínqua sobre dano moral versa nos Códigos de Manu e Hammurabi, em que se prescreviam penas corporais e pecuniárias para alguns atentados contra a integridade física e moral das pessoas. A título de exemplo, o artigo 202 do código de Hamurabi dispunha: “Se um homem agrediu a face de um outro homem que lhe e superior, será golpeado sessenta vezes diante da Assembleia com um chicote de couro de boi.” Temos ainda no artigo 127: “Se alguém difama uma mulher consagrada ou a mulher de um homem livre e não pode provar, se deverá arrastar esse homem perante o Juiz e tosquiar-lhe a fronte. (BUSA MACKENZIE, 2001, p. 19) Observa-se também que no Direito Romano existia proteção à pessoa, que abrangia qualquer atentado ao cidadão, tanto físico quanto moral. Imperioso ainda trazer à baila o surgimento e a proteção dos direitos do homem, sendo certo que a categoria dos direitos da personalidade seria fruto da doutrina francesa. Segundo Norberto Bobbio (1992, p. 26) a paz é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos em cada 441 Estado e no sistema internacional. Diz ainda que a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais. De acordo com referido autor, a partir da Revolução Francesa, pode-se acreditar que a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789, por cerca de dois séculos, foi o modelo ideal para todos os que combateram pela própria emancipação e pela libertação do próprio povo. A revolução norte americana, que se deu um pouco antes da revolução francesa, tinha uma preocupação de relacionar os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade. Ao passo que os franceses pretendiam afirmar primária e exclusivamente os direitos dos indivíduos. Inegável que a norte-americana precedeu e influenciou a francesa, mas foram os princípios de 1789 que constituíram, durante um século ou mais, a fonte ininterrupta de inspiração ideal para os povos que lutavam pela sua liberdade. O primeiro artigo da Declaração de 1789 – “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” – foi quase literalmente mantido pelo artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pelas Nações Unidas em 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Bobbio (1992, p. 103) ainda afirma que Kant vira no entusiasmo com que foi acolhida a Revolução Francesa um sinal de disposição moral da humanidade. Busa Mackenzie (2000, p. 24) afirma que no Brasil a responsabilidade civil resultou de numerosos textos exparsos. Faz menção inicialmente ao Decreto 2.681, de 07/12/1912, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro: Art. 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, a vista da natureza da mesma e de outras circunstancias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, devera pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente. Art. 22. No caso de morte, a estrada de ferro respondera por todas as despesas e indenizara, a arbítrio do juiz, a 442 todos aqueles aos quais a morte do viajante privar de alimento, auxilio e educação. Diz ainda que, em seguida, veio a Lei 4.117, de 27/08/1962, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, a qual em seu artigo 81 aponta que: “Independentemente de ação penal, o ofendido pela calunia, difamação ou injuria, cometida por meio de radiodifusão, poderá demandar, no juízo cível, a reparação do dano moral [...]” O artigo 84 da Lei 4.117/62 mandava que o juiz, na estimação do dano moral, tivesse em conta, notadamente, a posição social do ofensor, a intensidade do animo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa. A Lei 5.250 de 09/02/1067, regulamentando a liberdade de manifestação do pensamento de informações, obriga, no artigo 49, aquele que no seu exercício, com dolo ou culpa, violar ou causar danos morais e materiais, a repará-los nos casos que indica, bem como nos de calúnia, difamação ou injúria. A Lei 5.988, de 14/12/1973, regulando os direitos autorais e outras providências, depois de ter enumerado, no artigo 25, cinco direitos morais do criador de uma obra, especifica três casos em que: quem, na utilização, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, deixar de indicar ou de enunciar como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor, intérprete e executante, alem de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhe a identidade. Aqui acrescenta-se que o dano moral ganhou foros de constitucionalidade com a Carta Magna de 20.09.1988, que faz menção ao dano moral em dois incisos do artigo 5°: V. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alem da indenização por dano material, moral ou a imagem. X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 443 Tem-se também o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), em seu artigo 6, VI e VII, que garante a reparação por danos morais. O dano extrapatrimonial e sua reparabilidade já foi questão controvertida em nosso ordenamento jurídico, sendo certo que nos dias atuais está pacificado até mesmo quanto à possibilidade de cumulação com o dano material, tendo sido reconhecido pelo nosso ínclito Superior Tribunal de Justiça, ao ser elaborada a Súmula 37, que reza: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”. O Código Civil, expressamente no artigo 186, faz menção também ao dano moral dizendo que comete ato ilícito quem viola direito e causa dano a outrem. 3 DIGNIDADE HUMANA E DANO MORAL A Constituição Federal de 1988, no artigo 1, ao rezar sobre os Princípios Fundamentais que darão norte a todo o texto constitucional, faz menção à dignidade da pessoa humana. E de imediato podemos dizer que a violação à dignidade da pessoa humana acarreta inúmeras causas de dano moral. Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 83), a Constituição consagrou o princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática. A dignidade da pessoa humana pode ser definida como virtude, grandeza, honestidade, decoro, de modo que sem a sua garantia a cada cidadão não haveria como o ser humano desenvolver-se em sua plenitude. A ideia maior é que cada indivíduo é portador de um valor moral pelo simples fato de ser homem, quaisquer que sejam suas qualidades individuais, sendo essa a finalidade do constituinte ao determinar como valor fundamental a dignidade da pessoa humana, ou seja, proteger em patamar de igualdade todo e qualquer cidadão. Maria Celina Bodin de Moraes cita o Ministro Francisco Rezek, quando faz um delineamento da noção de dano moral: 444 Penso que o que o constituinte brasileiro qualifica como dano moral é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem da pessoa. É causar a ela um mal evidente [...] (STF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1996). Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 41), a preocupação a partir daí consiste em traduzir para a ciência do Direito o que se visualizou como um mal evidente e, tendo em vista que existem inúmeros modos de viver e de ver a vida, deve-se muitas das vezes analisar o caso concreto, já que o que pode ser mal evidente para uns, pode não ser para outros. Pode-se afirmar que o dano moral é originado a partir de uma injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico, mais precisamente tendo sua fonte na Carta Magna de 1988 através do princípio da dignidade da pessoa humana. 4 A PERSONALIDADE COMO OBJETO DE SITUAÇÕES JURÍDICAS SUBJETIVAS Os direitos da personalidade apresentam grandes dificuldades para sua conceituação. Pode-se dizer que a categoria dos direitos da personalidade tem sua origem na doutrina francesa e germânica, mais precisamente na segunda metade do século XIX, segundo Norberto Bobbio. (1992, p. 85) Gustavo Tepedino (2004, p. 24), citando Giorgio Giampiccolo, diz que em síntese muito feliz, observou-se que o homem como pessoa manifesta dois interesses fundamentais: como indivíduo, o interesse de uma existência livre; como partícipe do consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da vida em relações. A esses dois aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as instancias específicas da personalidade. Gustavo Tepedino (2004, p. 27) afirma que a rigor, a personalidade pode ser considerada sob dois pontos de vista, sendo, sob o 445 ponto de vista dos atributos da pessoa humana, que a habilita a ser sujeito de direito, tem-se a personalidade como capacidade, indicando a titularidade das relações jurídicas. Seria o ponto de vista estrutural, em que a pessoa, tomada em sua subjetividade, identifica-se como elemento subjetivo das relações jurídicas. E ainda, sob o ponto de vista em que se tem a personalidade como conjunto de características e atributos da pessoa humana, que é considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico. A pessoa, vista deste ângulo, há de ser tutelada das agressões que afetam a sua personalidade, identificando a doutrina, por isso mesmo, a existência de situações jurídicas subjetivas oponíveis erga omnes. Francesco Ferrara, também citado por Tepedino (2004, p. 29), afirma que os direitos da personalidade são os direitos supremos do homem, aqueles que garantem a ele a fruição de seus bens pessoais. Em confronto com os direitos a bens externos, os direitos da personalidade garantem a fruição de nós mesmos, asseguram ao indivíduo a senhoria de sua pessoa, a atuação das próprias forças físicas e espirituais. E ainda, não menos renomado que os autores acima mencionados, Fiuza (2006, p. 172) afirma, caracterizando os direitos da personalidade, que são genéricos, extrapatrimoniais, absolutos, inalienáveis ou indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, intransmissíveis ou vitalício, impenhoráveis, necessários, essenciais e preeminentes: São genéricos por serem concedidos a todos. Extrapatrimoniais por não terem natureza econômicopatrimonial. Absolutos por serem exigíveis de toda a coletividade, sendo oponíveis erga omnes. Inalienáveis ou indisponíveis por não poderem ser transferidos a terceiros. Entretanto aqui, alguns são disponíveis, como os direitos a imagem, ao corpo, ao órgão, etc., por meio de contrato de concessão, de licença ou de doação. Irrenunciáveis, uma vez que a eles não se pode renunciar. Ninguém pode renunciar o seu direito de liberdade. Imprescritíveis por não haver prazo para seu exercício. Intransmissíveis por não se transferirem hereditariamente, apesar de a tutela de muitos interesses relacionados a personalidade manter-se mesmo após a morte. 446 Necessários, uma vez que todo ser humano os detém necessariamente, por forca de lei. São essenciais porque inerentes ao ser humano. E são preeminentes porque se sobrepujam a todos os demais direitos subjetivos. Fiuza (2006, p. 177) diz que o legislador brasileiro adotou a teoria monista, na qual os direitos da personalidade formam um só corpo, existindo um direito geral da personalidade. Quando se fala em direito à vida, à honra, à saúde, não está se referindo a vários direitos distintos da personalidade, mas a desdobramentos de um único direito geral. Na legislação brasileira, ao ter sido previsto na Constituição Federal como fundamento, a proteção à dignidade da pessoa humana, garantiu proteção de forma implícita aos direitos da personalidade. 5 CONCEITO DE DANO MORAL César Fiuza (2006, p. 731) conceitua dano moral como sendo o constrangimento que alguém experimenta, em consequência de lesão a direito personalíssimo, como a honra, a boa fama etc., ilicitamente produzida por outrem. Afirma ainda que em se tratando de dano moral não se fala em indenização, mas em compensação. Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 217) por sua vez, também afirma que aquele que sofre um dano moral deve ter direito a uma satisfação de cunho compensatório. Fala-se em compensação, pois o dano moral não é propriamente indenizável. O fato de se indenizar alguém significa fazer com que o patrimônio desse alguém seja devolvido ao estado anterior, ou seja, eliminar o prejuízo e suas consequências, o que não é possível no caso de um dano extrapatrimonial. Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 80), conceituando o dano moral, à luz da Constituição vigente, diz que pode ser caracterizado por dois aspectos distintos: Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e 447 da imagem corolário do direito a dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5°, V e X a plena reparação do dano moral. Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame e sofrimento podem ser consequências, e não causas. A partir dessa ideia, abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação a várias situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, até em crianças de tenra idade. Dessa forma, por mais pobre e humilde que seja a pessoa, ainda que completamente destituída de formação e bens materiais, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que qualquer patrimônio. Estamos falando da dignidade da pessoa humana, que não é privilégio apenas dos ricos, cultos e poderosos, e que deve ser respeitada por todos. Em sentido amplo, diz que os direitos da personalidade englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados a sua dignidade. Nessa categoria incluem-se os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 155) define dano moral como sendo aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. Afirma ainda que o dano é considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. Conclui-se que o dano moral, diante de sua natureza imaterial, pode apenas ser compensando, através da imposição de uma obrigação pecuniária ao infrator, e se caracteriza a partir do momento em que a dignidade 448 da pessoa humana é de alguma forma lesada de modo a causar constrangimento, tristeza, humilhação. Outra questão importante, muito confundida nos dias atuais, é aquela referente a um mero aborrecimento, que não passa de situação comum a que todos devem se sujeitar pelo simples fato de conviver em sociedade. Portanto, o incômodo, a humilhação, o constrangimento devem ser intensos a ponto de não se confundirem com meros aborrecimentos, caso contrário, não acarretam dano moral. 6 CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL Na atualidade percebemos uma busca constante por indenizações milionárias, o que tem sido permitido pela falta de critérios objetivos em nossa legislação. A indústria do dano moral é um dos grandes temores dos aplicadores do direito, já que nem sempre tem sido coibido o mero aborrecimento, ou mesmo situações corriqueiras, que na verdade não chegam a ser uma lesão a direitos da personalidade ou à dignidade da pessoa humana. É importante que todos os aplicadores do direito, ao avaliarem a existência ou não de um dano moral, façam-no com muito bom senso, aplicando a técnica, mas jamais se esquecendo da prudência, assim como aplicando uma criteriosa ponderação diante de cada fato do cotidiano. É sabido e ressabido, conforme afirmado alhures, que o dano moral é lesão à dignidade humana, portanto, não se caracterizando diante de qualquer contrariedade. E com base nessa linha de raciocínio, somente entenderemos como dano moral a dor, exposição a ridículo, sofrimento ou humilhação que interfira psicologicamente no comportamento do indivíduo, causando-lhe aflições e angústia, de modo a deixá-lo diante de situação insuportável. O que se pretende com as ponderações em comento é coibir, ou mesmo desencorajar pretensões fadadas ao insucesso, embasadas em fatos do cotidiano que, como já dito, devem ser suportados pelo simples fato de se viver em sociedade. 449 7 DANO MORAL E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL O mero fato de se descumprir um contrato, ou mesmo demorar a cumpri-lo, ou ainda ser ocasionado algum prejuízo econômico em razão da inadimplência, não caracterizaria isoladamente um dano moral, já que inexiste agressão ao principio da dignidade da pessoa humana. Importante aqui ressaltar que os aborrecimentos oriundos de um eventual inadimplemento contratual estariam reparados pelo dano material. Entretanto, repercutirem se na as consequências esfera da de dignidade um da descumprimento vítima, contratual ultrapassando os aborrecimentos advindos de uma perda patrimonial, chegando a expor o contratante a situação vexatória e contrangedora, aí, sim, poder-se-ia falar em dano moral. Pode-se exemplificar através de determinada senhorita, que espera ansiosamente pelo seu dia de contrair núpcias, quando irá receber seus convidados na igreja para cerimônia religiosa. É de curial sabença que referida data é única na vida de determinadas pessoas. Pois bem, após locar e conferir vestido de noiva em determinada empresa, recebe a mercadoria no dia e próximo ao horário da cerimônia. E para sua surpresa, ao colocar a vestimenta contratada, descobre uma grande mancha no vestido, sendo obrigada assim a entrar na igreja daquela forma, o que foi percebido por todos. Tal ocorrência, sem solução por parte da empresa contratada, e diante da situação peculiar que estava a contratante, por sua natureza e gravidade, exorbita o aborrecimento normalmente decorrente de uma quebra contratual, a ponto de repercutir na esfera da dignidade da vítima. Inegável que uma ocorrência dessa natureza deixa o contratante desconfortável e em situação constrangedora perante seus convidados. Ninguém pode negar, segundo as regras da experiência comum, que tal fato causa vexame e sofrimento, a merecer reparação por dano moral. A configuração do dano moral não está necessariamente atrelada ao ilícito, mas depende da repercussão que ele possa ter. 8 – INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL POR FATO PRATICADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO 450 Existem algumas situações que mesmo sendo desconfortáveis, ainda assim são imprescindíveis ao exercício regular de certas atividades, podendo-se mencionar, por exemplo, a revista de pessoas em aeroportos, o exame de bagagens, enfim, situações extremamente necessárias e que todos devem se sujeitar. Outra situação equivocada e que tem ocorrido com muita frequência na atualidade é o ajuizamento de indenizações embasadas em inquéritos ou processos criminais arquivados. Não raras vezes, vítimas pedem providências a autoridades no sentido de que investiguem determinadas práticas delituosas, e isso muitas das vezes acaba culminando com o nome de um ou alguns suspeitos. Em princípio não há que se falar em responsabilidade civil daquela vítima que não agiu com dolo diante da notícia de um delito a autoridade competente, principalmente quando apenas pede providências. Aliás, todos têm o dever de noticiar práticas ilícitas, sendo apenas a participação da sociedade em prol dela mesma, no sentido de se proteger. Enfim, não há que se falar em dano moral naqueles inquéritos ou ações penais que, mesmo o suspeito tendo sido absolvido, a vítima tenha noticiado o fato à autoridade na mais lidima boa fé, buscando do Estado apenas providências no sentido de que fosse apurada corretamente a autoria do ilícito. Talvez estaria nossa sociedade diante de dias melhores, menos violentos, com a criminalidade reduzida e acuada, se todos se conscientizassem que é dever moral e legal de cada um levar ao conhecimento da autoridade competente a ocorrência de fato ilícito, sempre em atenção a superiores interesses públicos. 9 A PROVA DO DANO MORAL Via de regra o dano moral não se presume, o que fará com que a pretensão indenizatória não seja acolhida, sendo julgada improcedente por falta de provas. 451 Entretanto, existem algumas situações que são tão óbvias, que o dano moral estaria ínsito na própria ofensa, decorrente da gravidade do ilícito e da repercussão por ele ocasionada. Pode-se concluir que a prova do dano moral será avaliada diante do caso concreto, ou seja, em alguns casos será imprescindível e em outras situações presumida. Esse tem sido o entendimento de nossos tribunais que, diante por exemplo da perda de um filho, reconhece que desnecessária é a prova do dano, já que pelas regras de experiência comum inegável o sofrimento pela perda de um ente querido. Em outros casos também tem sido entendido o dano presumido, como ocorre com a inclusão em cadastro de inadimplentes de pessoa não devedora. Não obstante tais entendimentos, é aconselhável que se observe o caso concreto e, sempre que possível, nada de mais que em ações judiciais se faça prova do sofrimento experimentado. 10 LEGITIMACAO PARA PLEITEAR O DANO MORAL A legitimação ativa para a propositura da ação de indenização por dano moral é de toda e qualquer pessoa que tenha sofrido um dano extrapatrimonial. Entretanto, uma questão de alta indagação e para a qual não há solução definitiva em nossa legislação, muito menos na doutrina e jurisprudência, é aquela referente à limitação do grau de parentesco. Em outras palavras, ate que grau um parente poderia pleitear indenização pela perda de um parente? Poder-se-ia pensar ate mesmo que um amigo íntimo seria legitimado a pleitear reparação por injusto apto a causar a perda de um ente querido, afinal, inegável que também sofreria algum tipo de abalo emocional. Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 87) entende que a solução deva ser buscada no princípio da razoabilidade. Inclusive menciona que o Código Civil Português, em seu artigo 496, n. 2, tem regra expressa sobre a questão, senão vejamos: no caso de morte da vítima, o direito a indenização por danos 452 não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima; na falta destes aos pais ou outros ascendentes, e por último aos irmãos ou sobrinhos que o representam. De forma lamentável o nosso Diploma Civil nada dispôs a respeito. Poder-se-ia analogicamente aplicar a regra do artigo 948, II, embora referente ao dano material, permitindo assim serem legitimados a propor ação de dano moral apenas aquelas pessoas que possuem estreita relação com a vítima. A partir daí, o dano moral pode apenas ser pleiteado pelo cônjuge, filhos pais, companheira, ou ainda parentes menores próximos que possuem convivência próxima, constante, e sob o mesmo teto. Não poderíamos deixar de mencionar que em se tratando de legitimação para o dano moral seria muito mais fácil se o nosso legislador fosse mais objetivo. 11 CRITÉRIOS PARA ARBITRAMENTO DO VALOR E inegável que na atualidade o dano moral vem experimentando uma expansão de tal maneira e de modo tão veloz, que hoje muitas são as ideias discordantes, existindo contradição na sua conceituação e principalmente na sua quantificação. Ao magistrado é concedida total liberdade para arbitrar o valor da reparação dos danos morais, o que entendemos ser de grande valia, já que permite ao julgador dosar de maneira adequada a fixação do valor devido diante do caso concreto, agindo obviamente com equilíbrio e prudência. Segundo menciona Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 93) o juiz formula juízos de valor não apenas no momento em que interpreta e aplica a norma jurídica, mas também antes, enquanto examina os fatos concretos, aos quais agrega aprioristicamente máximas de sua experiência de vida, de senso comum, e também dos costumes locais. É sabido e ressabido que nos dias de hoje, diante do prudente arbítrio do magistrado para se deferir o valor de uma reparação, há uma preocupação em se apurar a repercussão do dano, assim como a possibilidade do ofensor e as condições econômicas do ofendido. 453 É certo que não prevalece nenhum limite legal prefixado para se fixar o dano extrapatrimonial, ficando mesmo limitado à livre apuração e convencimento do magistrado. O juiz, ao fixar o valor da reparação, não pode deixar de observar o princípio da razoabilidade, agindo com sensatez e moderação, de modo que não permita seja o dano moral fonte de lucro. A doutrina dominante, em se tratando de valoração dos danos morais, menciona alguns requisitos básicos para se chegar ao valor de um injusto extrapatrimonial, tanto objetivos quanto subjetivos, tais como o prudente arbítrio do juiz, seu equilíbrio e moderação, o grau de culpa e a intensidade do dolo do ofensor, a situação econômica do ofensor, as condições pessoais da vítima e a intensidade de seu sofrimento, assim como a natureza, gravidade e repercussão da ofensa. 12 PESSOA JURÍDICA E DANO MORAL O nosso ordenamento jurídico admite, em que pese muitas vozes discordantes, a reparabilidade do dano moral sofrido pela pessoa jurídica. Tal entendimento encontra-se consolidado em nossos tribunais, principalmente após a edição da Súmula 227 do STJ, senão vejamos: “A pessoa Jurídica pode sofrer dano moral.” Podemos ainda mencionar o que nos reza o Código Civil no art. 52, quando fala de direitos da personalidade e pessoa jurídica, in verbis: “Aplica-se as pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade.” Dessa forma, a pessoa jurídica pode ter sua honra objetiva ofendida, razão pela qual pode sofrer dano a sua imagem e bom nome, configurando-se, pois, o prejuízo. Não obstante o entendimento dominante, tem surgido uma nova corrente entendendo que a pessoa jurídica é desprovida de dimensão psicológica, assim como de atributos relacionados à dignidade da pessoa humana, razão pela qual não poderia sofrer dano moral, podendo somente ser reparada pelo dano material ocasionado por um ato lesivo. 454 Apesar do posicionamento das discordantes correntes, ambas chegam a conclusão de que as pessoas jurídicas sofrem dano em decorrência de uma ofensa moral, podendo ser um dano diretamente originado da conduta, ou mesmo um dano material surgido pela conduta lesiva. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não obstante as considerações feitas no decorrer do trabalho e que são aplicadas nos dias atuais, a nosso ver, o grande desafio do instituto em comento nos próximos anos é coibir que seja transformado em uma indústria, de modo a não permitir o enriquecimento sem causa. Observa-se uma grande corrida em busca de indenizações embasadas em meros aborrecimentos, ou mesmo pretensões de valores incompatíveis com algum efetivo dano sofrido, o que não pode prosperar. Alguns problemas enfrentados pelo instituto da reparação do dano extrapatrimonial são atribuídos principalmente à falta de aplicação da técnica correta por parte de alguns operadores do direito, assim como a ganância por valores vultosos. É bem certo que, mesmo nossa legislação possuindo ainda algumas omissões, o legislador acertou ao permitir ao magistrado ampla possibilidade de aferir a ocorrência ou não de dano moral diante do caso concreto, ou mesmo restringir pretensões milionárias, o que acertadamente tem sido efetivado por nossos tribunais. Após a promulgação da Carta Magna de 1988 de uma vez por todas houve uma efetiva proteção à dignidade da pessoa humana, proteção essa que talvez seja o ideal de toda a humanidade, tanto que há mais de séculos vem sendo buscada incessantemente. O princípio da dignidade da pessoa humana, garantia fundamental existente em nossa Carta Magna, tem o escopo de coibir abusos e trazer igualdade e proteção a todos os cidadãos, para que todas as pessoas possam viver dias melhores, diante da certeza de que serão tratadas sempre com respeito e, sobretudo, com justiça. 455 REFERÊNCIAS BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2006. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004. FIUZA, César. Direito civil:curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. MICHELLAZZO, Busa Mackenzie. Do dano moral. São Paulo: Lawbook, 2001. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller, 2000. SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. São Paulo: Método, 2001. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 456 AGRICULTURA ORGÂNICA – UM BOM NEGÓCIO Ricardo Carvalho Couto – IPTAN Especialista em Ecoturismo E-mail [email protected] Fone: (32)- 3371-9878 Em setembro de 2012 a capa da revista Ciência Hoje trazia uma chamada deveras alarmante: o Brasil é a terra dos agrotóxicos 58. E esta liderança é duplamente assustadora: além de sermos o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo, somos também o líder mundial de utilização de agrotóxicos banidos no resto do mundo. Ao longo da última década, o consumo de agrotóxicos no mundo cresceu 93%. Mas no Brasil, segundo a Anvisa, esse crescimento foi de 190%. Hoje o país consome um quinto da produção mundial de ‘defensivos agrícolas’ – eufemismo publicitário utilizado para amenizar a negatividade do termo ‘agrotóxico’. Na safra de 2011, nossa agricultura consumiu nada menos que 936 mil toneladas de insumos químicos, dos quais 80% foram destinados ao cultivo de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Na ponta do lápis, isso equivale a cerca de 5 kg anuais de agrotóxicos per capita.59 Como veremos a seguir, a utilização de produtos tóxicos é relativamente nova na história da agricultura, e até há 50 anos atrás, o modo de produção agrícola era a agricultura orgânica. A agricultura orgânica é hoje vista no Brasil como uma cultura agrícola “alternativa”. Alternativa porque representa uma outra opção de produção, diferente da produção “convencional” praticada pela agroindústria. A chamada produção “convencional” de produtos agrícolas é feita utilizando-se em larga escala insumos industrializados tais como fertilizantes, herbicidas, inseticidas, fungicidas, nematicidas, moluscidas, formicidas e por aí vai... - muitos deles com utilização proibida em diversos países, mas ainda permitidos no Brasil; e outros tantos com proibição brasileira, mas usados mesmo assim, à revelia da lei. O artigo referido diz que “das 50 substâncias mais usadas em terras brasileiras, 24 já foram banidas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e, algumas, mesmo na Ásia”.60 Produtos que vêm sendo utilizados já há décadas na agricultura hoje têm ação deletéria mais do que confirmada pelos inúmeros 58 Ciência Hoje é a revista de divulgação científica da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 59 pp. 23-4. 60 p. 22. 457 casos de envenenamento dos agricultores que os utilizam, dos profissionais que os produzem e comercializam e, claro, dos consumidores que os ingerem. A utilização dos insumos químicos é “justificada” pela necessidade de se produzir alimentos baratos em larga escala para alimentar a cada vez maior população mundial. Mas este barato sai caro. Bem caro! Segundo o economista Wagner Soares, do IBGE, que recentemente estudou propriedades rurais no Paraná, cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos pode custar aos cofres públicos US$ 1,28 em futuros gastos com a saúde de camponeses intoxicados. Mas este é um valor subestimado. Afinal, Soares contabilizou apenas os custos referentes a intoxicações agudas. Levando-se em conta os casos crônicos, acrescidos da contaminação ambiental difusa nos ecossistemas, os prejuízos podem atingir cifras assustadoramente maiores. 61 Além da utilização de agrotóxicos permitidos no Brasil (ainda que proibidos no resto do mundo) e do uso ilegal de agrotóxicos proibidos no Brasil (é o caso, por exemplo, do brometo de metila, proibido desde 1987 mas ainda utilizado irregularmente), ainda temos que lidar com a utilização de agrotóxicos “fora dos padrões”. Operações de fiscalização realizadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entre 2009 e 2010 encontraram irregularidades em todas as 10 fábricas de agrotóxicos vistoriadas, entre elas a agroquímica suíça Syngenta, as alemãs Bayer e Basf e a norte-americana Monsanto. “Ao todo, quase 10 milhões de litros de agroquímicos adulterados, vencidos ou fora dos padrões de segurança e toxicidade exigidos pela Anvisa estavam prestes a ser destinados às lavouras brasileiras”. 62 A situação é realmente assustadora! Mas se a agricultura orgânica é hoje alternativa, se ela é periférica, se ela é marginal (à margem), se hoje ela é minoria, nem sempre isso foi assim. Na verdade, a agricultura convencional, chamada em seus primórdios da década de 1950 de Revolução Verde, é uma novidade na longa história agrícola de nossa espécie Homo sapiens. A agricultura orgânica é a agricultura praticada pela nossa espécie há mais de 10 mil anos (na verdade, muito mais!). Até que um dia, os agrotóxicos chegaram! Agrotóxico, como o nome diz, é tóxico. Se é tóxico, faz mal. Se faz mal, não deveríamos ingerir. Parece lógico, não? Mas na prática, o que fazemos é ingerir produtos tóxicos, venenos mesmo, todos os dias quando nos alimentamos. Loucura? Sim, parece que nossa espécie, de uns tempos prá cá, 61 62 P. 21. p. 23. 458 está bem maluca. Colocamos venenos, muitos venenos, de vários tipos, na comida que comemos. Perdoe-me o leitor pelo uso de palavras fortes, mas o fato é que toda a indústria dos agrotóxicos é filha da guerra. Desde a Primeira Guerra Mundial (1914-8) a indústria química participou ativamente do front. É bem forte a cena de soldados da Primeira Guerra em trincheiras usando máscaras contra gás mostarda. Na Segunda Guerra (1939-45), a química de guerra veio ainda com mais força, e em muito maior volume. Quando toda a indústria química americana, no esforço de guerra, altera suas atividades para produzir química de guerra e a guerra acaba, o que fazer com toda a química que sobra? “Ora, vamos espalhá-la sobre a terra! E se pudermos ganhar dinheiro com isso, tanto melhor!” Assim começa a Revolução Verde. Filha da guerra, derramando oceanos de venenos altamente tóxicos sobre a produção agrícola. Produção que, claro, vai alimentar bilhões de bocas humanas espalhadas pelo planeta. Assim, o veneno que não matou soldados na guerra, poderá cumprir seu desígnio nas mesas de jantar. Os venenos da guerra transformam-se em ‘defensivos agrícolas’ e os tanques em tratores. Sim, do ponto de vista da degeneração da espécie humana, parece não haver dúvidas. Estamo-nos matando e ao planeta conosco. Fato! Mas, olhando tecnicamente para a questão das duas agriculturas, a “orgânica” e a “convencional”, o que as diferencia? Vamos tentar explicar a diferença. Uma, fundamental, é que a convencional usa produtos químicos, e a orgânica não. Isto ocorre, dentre muitos outros motivos, por uma diferença de percepção do mundo. O praticante da agricultura orgânica vê sua plantação como um pequenino ecossistema, um sistema integrado, uma rede composta por diversos elementos heterogêneos inter-relacionados e inter-dependentes. O equilíbrio do todo é o que garante a abundância da produção. A natureza é vista eminentemente do ponto de vista da cooperação. Já na agricultura convencional, a plantação é vista como linha de produção de produtos agrícolas. Toda a química é utilizada porque o agricultor é cego para a visão sistêmica da agricultura. Quando opta-se por um único determinado tipo de cultivar, e quanto maior a escala, mais monocultural é a proposta, cria-se o desequilíbrio ecológico. Uma área onde toda a vegetação for retirada para o plantio de uma única ou umas poucas variedades, entrará em desequilíbrio. Este desequilíbrio poderá se manifestar, dentre muitas maneiras, como por exemplo no crescimento desordenado de alguma espécie de inseto. Crescimento desordenado de insetos, neste caso, pela visão míope do agricultor convencional, é visto como praga. E uma praga deve ser exterminada. Aí entram os pesticidas. Venenos. Que matam pulgões, gafanhotos, formigas, lagartas, joaninhas e, infelizmente, também matam Homo sapiens. Mas além dos insetos, também aparecem aqueles “matinhos”, as “ervas daninhas”, que vão se espalhando pela plantação, cobrindo os canteiros e tomando conta da situação. Para acabar com os matinhos, a agroquímica oferece os “mata-mato”. O mais famoso deles hoje em dia é o 459 Round Up. Qualquer semelhança entre o Round Up e o Napalm, o temido desfolhante químico utilizado pelo exército norte-americano nas florestas do Vietnam não é mera coincidência. A empresa norte-americana Monsanto, que produz o Round Up, é a mesma empresa que fabricou o agente laranja de 1965 a 1969, durante a Guerra do Vietnan63. E para completar o coquetel, o uso de fertilizantes para acelerar o crescimento das plantas. Estes fertilizantes químicos, normalmente, são feitos à base de petróleo e visam fornecer às plantas alguns minerais importantes para o seu crescimento, principalmente nitrogênio, fósforo e potássio (N, P, K). Esta associação de fertilizantes, pesticidas e herbicidas na produção agrícola, associada ao uso intensivo de maquinário, é o que ficou conhecido na década de 1950 como a Revolução Verde. Somada ao uso contemporâneo da biotecnologia dos transgênicos, é hoje o modo de produção agrícola dominante em todo o planeta. Faz parte da agroindústria atual, além dos produtos químicos citados, a utilização de sementes geneticamente modificadas. A legislação sobre transgênicos ainda é bastante conflituosa e mal esclarecida. Só sabemos é que nada ainda podemos saber sobre os efeitos do uso de transgênicos a longo prazo, uma vez que sua utilização é de certa forma recente. A agricultura convencional, como vimos, tem uma visão reducionista, não-sistêmica, da agricultura, e visa produzir alimentos utilizando químicos tóxicos. Neste caso, a química vem para “alimentar” a planta cultivada e exterminar “matos” e “pragas”. A agricultura orgânica não alimenta a planta. Ela alimenta o solo! O solo não é chão. O solo não inerte. O solo é vivo! O solo é um complexo ecossistema onde habitam por decímetro cúbico muitos bilhões de microorganismos. Para além das minhocas e outros pequenos animais que podemos ver a olho nu, uma verdadeira miríade de bactérias, protistas, fungos e pequeninas plantas habitam cada milímetro de solo de uma plantação, convivendo com os vegetais do agricultor. Esta complexa teia formada por representante de todos os cinco reinos (Monera, Protista, Fugi, Plantae e Animalia) é o tecido vivo e dinâmico onde o agricultor orgânico tece sua relação com a Natureza. Apenas pelo manejo consciente dos próprios elementos que já existem no local – ou pelo uso de caldas orgânicas e compostos homeopáticos em intervenções mais localizadas – o agricultor consegue reorganizar os fluxos de energia e matéria do ecossistema e integrar sua produção nesta rede. Neste sentido, o processo de compostagem é elemento fundamental na rede. Através da compostagem conseguimos transmutar cascas, podas, frutas estragadas, capinas, e todo o resíduo orgânico em composto, terra da melhor qualidade. Esta terra “feita em casa” vai realimentar os canteiros, que produzirão novos vegetais para serem comidos, cujos 63 Esta informação está acessível no próprio site da Monsanto! 460 resíduos irão para a composteira e vão virar terra, que vai abastecer os canteiros e reiniciar o ciclo. Não parece óbvio que comer um vegetal sem veneno faz muito mais sentido do que comer um vegetal com veneno? Então por que continuamos a comer veneno? E parar de comer vegetais, funciona? Não. Infelizmente não. O uso de agrotóxicos não se restringe apenas aos tomates e pimentões do supermercado. Praticamente toda a produção agrícola mundial está comprometida com agrotóxicos. Feijão com arroz? Cheio de agrotóxicos. Macarrão? É feito de trigo, que é um cereal, produzido com agrotóxicos. Biscoito? É feito com farinha de trigo. Por mais industrializado que seja, qualquer produto comestível começa numa lavoura, com agrotóxicos. Carnes são ainda mais envenenantes, pois além de agrotóxicos contidos nas rações dos animais, que passam para estes dentro da cadeia alimentar, ainda têm uma alta dose de hormônios e antibióticos. Meu Deus, mas então, o que é que eu vou comer? Está tudo envenenado? Sim, infelizmente este é o ponto em que nos encontramos... Somos mais de sete bilhões de humanos comendo veneno todos os dias, esgotando rapidamente os recursos naturais finitos do planeta, cada vez mais dependentes de eletricidade, destruindo as florestas, alterando a atmosfera do planeta que fica cada vez mais quente, poluindo, destruindo, consumindo, extinguindo... Diante deste quadro temos três opções: a primeira é fingir que não sabemos de nada. A segunda é acreditarmos que o mundo é assim mesmo, que não tem solução, que sim, a comida é toda industrializada e envenenada mas não temos opção e temos que comer isso porque não tem outra coisa para comer. A terceira é tomamos em nossas mãos a responsabilidade pelo nosso próprio bem estar, pela nossa saúde, e pela saúde do planeta. É termos consciência que não podemos revolucionar o mundo da noite para o dia, mas que podemos fazer nossa pequenina parte para revolucionarmos nossa própria vida. É acreditar que podemos sim sermos um foco de resistência, resistência pacífica e silenciosa, feita com amor e regada com carinho, com gratidão pela Mãe Terra que nos gerou, nos nutre e alimenta e, no momento oportuno, há de nos abraçar e nos recolher em seu ventre novamente, para transmutar nossos átomos em novas plantas, novas formigas, novos fungos, novas bactérias, e, quem sabe, até em novos Homo sapiens. Plantar não é difícil, não dá muito trabalho, e não tem mistério. Não precisa de terreno grande nem de empregado. Dá até para plantar sem terreno nenhum, em apartamento, no centro da cidade. Com criatividade e bom humor podemos plantar coentro, salsa, cebolinha, manjericão, orégano, alecrim, tomilho, nirá, alho poró, pimenta, enfim, temperos sem fim em pequenas jardineiras e vasos em apartamentos. Quem mora em casa e tem um quintal com terra, ou espaço para vasos maiores, pode plantar alface, chicória, couve, brócolis, cenoura, repolho, beterraba, gengibre, etc. Mais um bocadinho de 461 terra, e dá para abóbora, batata doce, inhame, mandioca. A lista é enorme! Qualquer pequeno quintal, com criatividade e algumas poucas horinhas de dedicação, pode virar uma pequena célula de produção agrícola orgânica. Agrotóxicos são tóxicos agrícolas. Não queremos venenos na nossa comida! Não nascemos para isso. Não queremos morrer disso. A opção por abandonar os grandes centros urbanos e buscar uma vida mais pacata e saudável junto à natureza, ou seja, reverter o movimento de êxodo rural que marcou profundamente a distribuição geográfica brasileira nos últimos 50 anos, com impactos sócio-ambientais terríveis, faz parte do movimento contra a loucura dos agrotóxicos. A prática do consumo consciente também é uma ação eficaz. Comer é um ato político! Não gostamos muito de pensar sobre o assunto, mas a escolha do que colocamos em nossos pratos – e consequentemente em nossos corpos – implica em profundos impactos na natureza. Um simples pãozinho francês com manteiga, acompanhado de uma xícara de café com leite e açúcar representa, historicamente, a destruição da mata atlântica e da Amazônia para o plantio de cana, café, trigo e para a criação de gado. Comer carne significa, hoje em dia, na verdade, comer a Amazônia! Mudanças alimentares individuais têm um efeito muito maior do que podemos imaginar. A mudança que quero para o mundo – dizia Gandhi – começa, antes de tudo, em mim. Plantar meus próprios alimentos, viver longe dos centros urbanos, reduzir o consumo, reutilizar produtos, negar-se a comprar certos tipos de alimentos, dar preferência por comprar em pequenas quitandas de produção local ao invés de grandes mercados, evitar o desperdício, enfim, a lista de responsabilidades individuais pode se estender quase ao infinito, numa espiral ascendente de conscientização e amor à Mãe Terra. Façamos, pois, a nossa parte com consciência e responsabilidade. A Natureza agradece! BIBLIOGRAFIA CITADA: KUGLER, Henrique. “Paraíso dos agrotóxicos”. Ciência Hoje, n. 296, vol. 50, set. 2012, pp. 20-5. SUGESTÕES PARA LEITURA: CAE-IPÊ (Centro de Agricultura Ecológica Ipê). O que é ser agricultor ecologista. RS: CAE-IPÊ, 1997. Cartilha. EMATER-RIO. Manual de boas práticas agrícolas. Cartilha. FUNDAÇÃO MOKITI OKADA. Agricultura natural – manual da horta caseira. SP: Fundação Mokiti Okada, 2003. Cartilha. GÖTSCH, Ernst. Homem e natureza – cultura na agricultura. Recife: Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, 1995. _______. O renascer da agricultura. RJ: AS-PTA, 2ª ed., 1996. HANNIGAN, J. Sociologia ambiental. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. IDACO (Instituto de Desenvolvimento e Ação Comunitária). Produzindo com a floresta – agrossilvicultura. Cartilha. 462 INDRIO, Francesco. Agricultura biológica. Publicações Europa-América, s/d. LONDRES, F. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. RJ: AS-PTA, 2011. PERES, F. (org.). É veneno ou remédio? RJ: Fiocruz, 2003. ROBIN, M. Le monde selon Monsanto. Paris: Éditions La Découverte, 2008. 463 4 ANOS DE DILMA, ECONOMIA E POLÍTICA EXTERNA Luciano Isaac Professor do IPTAN RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES Professor do IPTAN I. Introdução. Dilma Rousseff foi eleita presidente na noite de 31 de outubro de 2010 com mais de 55 milhões de voto, 12 milhões a mais que o perdedor José Serra (PSDB). A votação massiva e a grande diferença para o adversário mais próximo conferiam grande poder de agenda à ex-Ministra dos governos Lula. Os bons números da economia naquele ano, que crescia 7.5% pareciam indicar bons ventos futuros e a superação sem maiores problemas da crise internacional eclodida em setembro de 2008 pela quebra do banco Lehman Brothers de Nova York. O primeiro governo de uma mulher na presidência foi marcado, no entanto, por estagnação da atividade econômica e retração do país da arena internacional. Os números do PIB e do investimento público e privado decepcionaram as expectativas criadas em 2010, a indústria seguiu em sua rota descendente e os juros ficaram mais altos em relação a quatro anos atrás. A inflação, a situação fiscal e a credibilidade das contas públicas voltaram a ser problemas. Por outro lado, o desemprego quebrou novos recordes de baixa, a renda do trabalho seguiu subindo, o investimento externo direto se manteve alto e a pobreza e a miséria seguiram em queda na maior parte do período. II. O labirinto do crescimento e do investimento. Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) foram decepcionantes no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Os números são: 2.7% em 2011, 0.9% em 2012, 2,5% em 2013 e projeção de 0,3% para 2014. 64 65 O Professor Reinaldo Gonçalves aponta que em todo o período republicano, somente os 64 Banco Mundial - http://datos.bancomundial.org/indicador/NY.GDP.MKTP.KD.ZG Valor Econômico - FMI corta previsão e PIB do Brasil deve crescer muito abaixo da média 07/10/2014 http://www.valor.com.br/financas/3725274/fmi-corta-previsao-e-pib-do-brasil-devecrescer-muito-abaixo-da-media 65 464 governos de Fernando Collor e Floriano Peixoto tiveram desempenho pior. 66 Eduardo Giannetti da Fonseca observa que crescemos 61% da média continental.67 Um dos responsáveis pelo quadro é o baixo nível de investimento do país, que sai de 19.3% em 2010 e chega a 2014 em 17.9%, segundo a Fiesp.68 69 O nível de investimentos em 2010 já era baixo em comparação com os países asiáticos como China, Coreia do Sul ou Japão, no entanto era o patamar mais alto alcançado pelo Brasil desde 1994. Esse aumento, ainda que insuficiente, não se sustentou, e com a estagnação do consumo, a economia parou. Segundo o pesquisador do IPEA Mansuetto de Almeida, em um conjunto de trinta economias latino-americanas, o Brasil ocupa somente a 22a colocação em 2012: “Investimos mais apenas que Granada, Republica Dominicana, Barbados, Dominica, Guatemala, El Salvador, Paraguai e Trinidad e Tobago.”70 Com o fim do ciclo de consumo que caracterizou o governo Lula, os anos Dilma não foram de feliz memória para a indústria nacional. A produção industrial em Setembro de 2014 foi inferior àquela registrada em Janeiro de 2011. A trajetória da indústria no período é de queda no primeiro ano de governo, principalmente nos bens de capital, com queda próxima de 20%. 71 A partir de 2012 registrou-se uma lenta recuperação que, no entanto, se mostrou insuficiente, especialmente em se tomando em conta os seguidos pacotes de estímulo promovidos pelo governo federal com a finalidade de exatamente incentivar o investimento na indústria. Segundo levantamento do jornal O Estado de São Paulo, foram vinte e três pacotes de Agosto de 2011 a Março de 2014, ou uma média de um pacote governamental a cada cinco semanas. 72 66 Reinaldo Gonçalves - Governo Dilma e o Desempenho da Economia Brasileira: Mediocridade Esférica - http://www.coreconrj.org.br/pdf/Governo_Dilma_e_o_PIB_Mediocridade_esferica_27_02_2014_rev.pdf 67 Eduardo Giannetti da Fonseca, Folha de São Paulo, 11/07/2014 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eduardogiannetti/2014/07/1484211-dilma-x-dilma.shtml 68 IBGE - Séries Estatísticas - Taxa de Investimento http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN36 69 O Estado de São Paulo, 25/05/2014 - http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,taxa-deinvestimento-pode-ficar-abaixo-de-18-do-pib-imp-,1171303 70 Mansuetto de Almeida - 15/08/2013 - https://mansueto.wordpress.com/tag/taxa-deinvestimento/ 71 MDIC - Informes Estatísticos Mensais do Setor Industrial http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=2&menu=1478 72 O Estado de São Paulo, 01/04/2014. 465 Alguns destes pacotes, de proteção a indústria automobilística, se transformou inclusive em contencioso com a União Europeia na Organização Mundial do Comércio. O descontentamento do capital com a Presidenta é tal que o jornal Valor entrevistou, no primeiro semestre de 2014, vinte executivos das maiores empresas do país, sob a condição de permanecerem anônimos. Parte dos entrevistados chegava mesmo a torcer contra a seleção na Copa do Mundo que se avizinhava. Raciocinavam que uma derrota aumentaria o mau humor da população e afetaria os votos em Dilma. Apenas três entrevistados diziam esperar um segundo mandato melhor do que o primeiro. Um executivo do setor automobilístico, um dos mais beneficiados pelas seguidas isenções de impostos (como o IPI) reclamava da falta de integração destas medidas e da segurança pública, que dificultava a vinda de trabalhadores qualificados do exterior. O presidente de uma construtora reclamou da infraestrutura e qualificação, pois elevadores encomendados no início da obra só eram entregues depois de finalizado o edifício. Um entrevistado da área de infraestrutura reclamava da politização das decisões da recém criada EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Foi unânime a crítica ao represamento de tarifas de energia e combustível, e os mais pessimistas comparavam o Brasil à Argentina e Venezuela. Todos afirmaram que o ex-Presidente Lula se assessorava melhor que Dilma. Henrique Meirelles, ex-Presidente do Banco Central, e Luiz Fernando Furlan, ex-Ministro da Indústria e Comércio, foram repetidamente elogiados, enquanto que somente um ministro do gabinete atual recebeu menções positivas - Cesar Borges, dos Transportes. Apenas um dos entrevistados defendeu a política econômica empreendida por Dilma. 73 A perda de espaço da indústria de transformação na composição das exportações acentuou-se depois de 2009, tendência que permaneceu inalterada, constituindo um problema de reprimarização da pauta exportadora. Esta é uma das faces da desindustrialização, onde a economia passa a se basear cada vez mais nas atividades em volta das exportações primárias. A indústria de transformação empregava, em Outubro de 2014, 5% a mais de http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-ja-lancou-23-pacotes-de-estimulos-maspib-nao-reage,180914e 73 Valor Econômico, 29/05/2014 - http://valorcarreira.valor.com.br/politica/3566908/razoes-domau-humor-no-voto-empresarial 466 profissionais com carteira assinada que em Dezembro de 2010. Os setores de fabricação de têxteis, bebidas e vestuário estão estagnados, cada um somou à mão de obra meros 6.000 empregos formais nos últimos quatro anos. O mesmo ocorreu no setor de automotores, que gerou 16.000 novas vagas apenas. Os setores de couro, calçados, madeira e metalurgia cortaram postos de trabalho.74 Trabalho e Renda em alta. Neste contexto de estagnação, o mercado de trabalho se mostrou resiliente, registrando baixa históricas no desemprego. Em Dezembro de 2013 a taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre era de 2.6%. Em Belo Horizonte, em Outubro de 2014, o desemprego era de 3,5% e de 3,0% em Agosto de 2014 no Rio de Janeiro. A média nacional, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, que em 2011 era de 6.0%, caiu a 4.6% na medição de Outubro deste ano.75 76 Duas ressalvas metodológicas devem ser feitas quando se trata de emprego: primeiro que estes indicadores medem somente seis regiões metropolitanas. O desemprego medido pelo Pnad, que cobre vinte áreas metropolitanas, registrava 6.8% no terceiro trimestre de 2014, ainda assim uma taxa historicamente baixa. 77 A segunda ressalva é que ambas as contas não contam como desempregados aquelas pessoas que estão há mais de um ano sem ocupação formal, pois “deixaram de buscar trabalho”. Não somente o emprego aumentou no período, mas também o rendimento do trabalhador, que segue trajetória ascendente da última década: R$ 1.329 em 2003, R$ 1.625,00 em 2011 e finalmente, R$ 2.122,00 em 2014. 74 MDIC - Informes Estatísticos Mensais do Setor Industrial http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=2&menu=1478 75 IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Séries Históricas http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_ hist.shtm 76 IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Retrospectiva 2003-2011 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000732500110201250372 6116099.pdf 77 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 3o Trimestre/2014 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/ 467 Ou seja, a renda do trabalhador médio cresceu 30% no primeiro mandato de Dilma Rousseff.78 Porém, este é o crescimento nominal. Se quisermos checar o quanto a renda do trabalhador cresceu realmente, devemos descontar a inflação do período: O IPC-A, um índice de preços do varejo que cobre bens de consumo de famílias entre 01 e 40 salários mínimos, acumula alta de 25,4% no período segundo o Banco Central. Em um país de histórico inflacionário há dezenas de índices de inflação. Outros índices, que somam à amostragem a aferição de custos para a construção e custos para o atacado, como o IGPM, chegam a valores similares: 22% entre 2011 e 2014.79 Tomando outro medida, o aumento do custo da cesta básica na cidade de São Paulo medido pelo Dieese, que passou de R$ 261,25 em Janeiro de 2011 a R$ 337,80 em Setembro de 2014, ou seja, uma variação de 29% nos quatro anos. Esse é um índice de apenas uma capital, mas São Paulo representa ¼ do peso dos preços nacionais da cesta básica, logo é representativo da inflação no período.80 Ou seja, houve um aumento real do rendimento do trabalhador, mesmo com a persistente inflação que pode ter afetado mais a determinados grupos de renda e localização geográfica. Contudo, a inflação, sempre acima da meta de 4,5% do Banco Central, e por vezes superando o teto de 6.5% desta meta carcomeu grande parte dos ganhos salariais nos últimos quatro anos. O professor Naércio Menezes Filho, do Insper, estuda o paradoxo entre estagnação econômica e pleno emprego. Sua hipótese é de que empresários evitam demitir pelos altos custos trabalhistas e por estarem apostando no crescimento a médio prazo. Naércio observa, ainda, que os salários cresceram mais que a produtividade nos setores de serviços e indústria. Como os custos com salários cresceram mais que os ganhos com produtividade, este foram repassados ao consumidor como aumento de preço. Esta pressão inflacionária se soma aos maiores gastos governamentais e a indexação do aumento do 78 IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Outubro de 2014 ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicado res_ibge/2014/pme_201410pubCompleta.pdf 79 Banco Central do Brasil - Calculadora do Cidadão https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirF ormCorrecaoValores 80 Dieese - Cesta Básica em São Paulo - Setembro/2014 http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2014/201408cestabasica.pdf 468 salário mínimo, que por sua vez aumentam o poder de consumo de parte da população, que no entanto não encontra maior disponibilidade de bens e serviços.81 Redução da miséria A queda do número de pobres e miseráveis foi uma das grandes notícias na América Latina na primeira década do século XXI. O Índice de Gini diminuiu em toda a região, com pouquíssimas exceções. A evidência empírica aponta que as políticas de redistribuição (como o Bolsa Família), as melhoras na educação e o aquecimento dos mercados de trabalho, foram fatores responsáveis pela mobilidade social ascendente de quase cinquenta milhões de latino-americanos. O estudo Social Gains in Balance, uma parceria do Banco Mundial, Wilson Center e o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, apontou que a queda na miséria laitino-americna foi maior entre 2003 e 2007. Após a crise do sub-prime o ritmo de redução da desigualdade diminuiu e a redistribuição aumentou sua importância como fonte da redução de desigualdade.82 Em 2010, segundo o relatório, a queda do Índice de Gini estagnou no continente. Para o caso brasileiro específico, dados do IPEA 83 indicam que a redução da miséria estagnou pela primeira vez no século. Há o temor, entre analistas, que o desaquecimento da economia e a inflação afetem o mercado de trabalho e a queda na desigualdade. Cenário Externo. É quase um lugar comum da filosofia a frase que diz que o homem não governa as circunstâncias, mas as circunstâncias governam os homens. No caso de uma pequena economia aberta em um mundo de globalização financeira, o mesmo é verdade, pedindo habilidade e imaginação a políticos e 81 Naércio Menezes Filho, Valor Econômico, 15/08/2014 http://www.valor.com.br/opiniao/3654772/produtividade-e-salarios 82 World Bank - Social Gains in Balance - http://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2014/05/26/000333037_2014 0526152803/Rendered/PDF/851620REVISED00ial0Gains0201400web0.pdf 83 O Topo da Distribuição de Renda no Brasil: Primeiras Estimativas com dados Tributários e Comparação com Pesquisas Domiciliares, 2006-2012 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2479685 469 economistas. O cenário monetário e financeiro internacional que serviu de palco para a ação do primeiro governo Dilma foi de migração de divisas rumo a praças tradicionais e diminuição da locomotiva recente da economia internacional. Em relação à taxa de câmbio, Dilma herdou o país com um real sobrevalorizado, em R$ 1,62 em relação ao dólar. Durante seu mandato a moeda brasileira desvalorizou, encerrando 2011 em R$ 1,87; 2012 em R$ 2,04; 2013 em R$ 2,36, até chegar ao início do pregão de 08 de Dezembro de 2014 em R$ 2,59.84 85 O comportamento da moeda brasileira não diferiu da tendência de moedas de países emergentes nos últimos quatro anos: A rúpia indiana perdeu metade do seu valor desde 2011, até que enfim o execonomista chefe do FMI Raghuram Rajan foi contratado como presidente do Banco Central local como forma de injetar confiança. Situação similar foi enfrentada na Colômbia, África do Sul, Indonésia e Vietnã. Essa tendência global indica que menos dinheiro fluiu para mercados emergentes no período, especialmente em comparação com os anos de bonança do super ciclo de commodities. No refluxo da crise internacional, com rumores de que a zona do euro poderia perder membros como a Grécia em 2012, investidores tenderam a buscar ativos mais líquidos e seguros. O mesmo ocorreu no final de 2013 quando a expectativa em torno do fim do Quantitative Easing do Federal Reserve aumentou o fluxo financeiro para fora de países emergentes e desvalorizou suas moedas. No Brasil, Delfim Netto cunhou o termo “tempestade perfeita”, que consistiria no risco do fim do expansionismo monetário em Washington e um rebaixamento da nota de crédito do país. 86 87 Ainda no front externo, a desaceleração do crescimento econômico da China foi a outra grande notícia que regeu o primeiro mandato de Dilma Rousseff. A China sai de um crescimento do PIB de 10.4% em 2010, passa a 9.3% em 2011 até 7.7% em 2012 e 2013.88 Para 2014 a projeção de 2014 é de 84 Banco Central do Brasil - Dados Estatísticos Básicos - Dez/2013 http://www.bcb.gov.br/pom/spb/estatistica/port/EstatisticasRedBook2012.pdf 85 Valor Econômico - http://www.valor.com.br/valor-data 86 Kristin Forbes - 05/02/2014 - http://www.voxeu.org/article/understanding-emerging-marketturmoil 87 Valor Econômico - Certezas e Incertezas para 2014 e 2015 - 05/12/2013 http://www.valor.com.br/financas/3362494/certezas-e-incertezas-para-2014-e-2015 88 Banco Mundial - http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG 470 um crescimento de 7.4%. 89 Confirmados ou não os cálculos dos economistas do Fundo, o fato é que um crescimento quase 3% inferior ao registrado há quatro anos diminui, em muito, a demanda por bens de consumo e pelas matérias primas que se usam para sua produção. Daí a diminuição nos preços internacionais das commodities, que afeta centralmente países como o Brasil. O Índice de Commodities da Bloomberg dá uma ideia clara sobre o tema. O índice congrega todas as commodities negociadas nas bolsas, do petróleo do pré-sal ao azeite de dendê africano. Dilma assume o país em janeiro de 2011 com o Índice de commodities em 182,13, que no mês passado registrou 168.94 – queda de 7% no período dilmista. Como comparação ao período anterior, tal índice registrou 219.74 em meados de 2008, antes da eclosão da crise internacional.90 O debate entre desenvolvimentistas e liberais nos anos Dilma. A equipe econômica de Dilma Rousseff tentou um ensaio desenvolvimentista. Sob o nome de “Nova Matriz Macroeconômica”, cujos pilares seriam uma taxa de cambio desvalorizada, juros mais baixos e maior taxa de investimento. Destes, somente o câmbio convergiu segundo o desenhado pela equipe do governo. Houve, de fato, uma diminuição das taxas de juros capitaneadas pelos bancos públicos, que se reverteu adiante e o investimento, público e privado, foi na realidade mais baixo que o registrado no início do governo. Os liberais, que se congregam principalmente na PUC-Rio, culpam o gasto público e acusam a “Nova Matriz Econômica” de ter falhado estrepitosamente. Segundo estes a meta de inflação, iniciada em 1999, foi abandonada na prática pela gestão econômica dilmista. Enquanto isso, os economistas simpáticos ao governo, que tem na Unicamp e na UFRJ seus principais polos acadêmicos, argumentam que a inflação não é alta em comparação com outros anos desde o início do Plano Real e que esta é o efeito colateral necessário do expansionismo fiscal do governo, que busca 89 Valor Econômico - FMI corta previsão e PIB do Brasil deve crescer muito abaixo da média 07/10/2014 http://www.valor.com.br/financas/3725274/fmi-corta-previsao-e-pib-do-brasil-devecrescer-muito-abaixo-da-media 90 Index Mundi - http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=commodity-priceindex&months=300 471 manter o nível de emprego em um momento de severa crise internacional. A este argumento, os liberais respondem que o epicentro da crise de 2008 não foi o Brasil, a América Latina ou qualquer país em desenvolvimento - como fora o caso das crises dos anos 1990 - mas sim o centro do capitalismo - Estados Unidos e Europa. Isso significa que não há crise severa por aqui e o expansionismo fiscal permanente não se justifica, como no caso americano, com o Quantitative Easing ou no Japão com a chamada Abenomics do premiê Shinzo Abe. O debate entre desenvolvimentistas e liberais foi a tônica na discussão econômica nas eleições passadas, que contou inclsuive com um debate na televisão entre o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e um exocupante do cargo Armínio Fraga. Por outro lado, a política externa passou ao largo dos debates e do horário eleitoral. Assim foi também em grande parte do governo Dilma. Política Externa Em matéria de política externa, a presidência de Dilma Rousseff se caracterizou pela manutenção do viéis Sul-Sul, com foco na América do Sul, enquanto que as principais pautas da diplomacia no período foram os direitos humanos e ciência e tecnologia, ainda que em nenhum momento qualquer destas pautas tenha ocupado papel central no governo. Dilma era vista, antes de sua posse e no início de seu mandato, como esperança de melhores relações com os Estados Unidos. Em Janeiro de 2011, o Subsecretário Para Assuntos Hemisféricos da Casa Branca, Arturo Valenzuela, declarava que as perspectivas eram positivas, pois a presidenta era crítica da aproximação com o primeiro ministro iraniano Mahmud Amadineyad.91 Um mês antes Dilma declarara ao Washington Post que gostaria de estreitar as relações com os americanos. Ao mesmo veículo, chamou o apedrejamento de mulheres no Irã de “medieval”. 92 Seu antecessor jamais fora tão longe em seus comentários sobre o controverso aliado persa. 91 Estudios de Política Exterior. “Entrevista a Arturo Valenzuela, el Hombre Fuerte de Obama para Latinoamérica” http://www.politicaexterior.com/articulos/politica-exterior/entrevista-aarturo-valenzuela-el-hombre-de-obama-para-latinoamerica/ 92 Washington Post. “An Interview With Dilma Rousseff, Brazil’s President Elect http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/12/03/AR2010120303241.html 472 Como presidenta eleita, em março de 2011 na visita de Barack Obama ao Rio de Janeiro, que inicialmente discursaria à praça pública na tradicional Cinelândia, mas que por questões de segurança falou somente à convidados no Theatro Municipal, Dilma pleiteou uma “parceria em pé de igualdade” com a maior potência militar, econômica e cultural do mundo. Àquela altura, Dilma vivia o período de “lua de mel” com a população e os meios de comunicação. Os primeiros seis meses no cargo quando o presidente tem total iniciativa e notícias negativas são rarefeitas. Neste momento, a primeira presidente mulher do país promovia uma “faxina ética” demitindo, em curto espaço de tempo, seis ministros, aumentando sua popularidade, mas deixando insatisfeitos parte de sua base aliada. Nesse contexto, o discurso endereçado a Obama, notoriamente voluntarista por pleitear uma igualdade entre desiguais, não levantou maiores críticas, mas visto com o prisma da retrospectiva, antevia problemas na relação bilateral. Nos últimos dias de maio de 2013, começou a se espalhar por jornais de todo o mundo, como o The Guardian na Grã Bretanha, o The New York Times nos Estados Unidos e O Globo no Brasil, documentos que provavam o que se considerava, até então, mera paranóia conspiratória: O governo americano, por meio de National Secutiry Agency, a NSA, operava uma rede de espionagem de alcance mundial, que chegara a interceptar contas de correio eletrônico da Primeira Ministra alemã Angela Merkel e da Presidente Dilma Rousseff. As revelações trazidas à tona por um agente da prórpia NSA, Edward Snowden, que se exilaria na Rússia, marcaram o pior momento na relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos no passado recente. Outro ponto de tensão se deu em Setembro deste ano, quando no bojo dos bombardeios dos territórios sírio e iraquiano pela Força Aérea Americana, com o intuito de destruir bases do Estado Islâmico, a Presidente Dilma usou o púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas para criticar os Estados Unidos. Ato contínuo, o VicePresidente Joe Biden desmarcaria reunião previamente agendada por “problemas de agenda”. Na política hemisférica, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, o Brasil buscou asfixiar financeiramente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), entre 2011 e 2012. O país, como 473 quarto maior cotista do orgão, responde por 6% dos recursos anuais da Comissão, ou um mês de salários dos funcionários. A causa da contenda foi uma medida cautelar da CIDH favorável a entidades indígenas que questionavam o licenciamento ambiental das obras da hidroelétrica de Belo Monte, e que pedia a suspensão da obra. Em resposta, Brasília retirou seu Embaixador junto a OEA, Ruy Casaes. Até hoje o país segue sem ser representado por um Embaixador na organização. Quem comanda a delegação brasileira é o Ministro Breno Soares, um cargo mais baixo, o que evidencia o protesto brasileiro ao que considerou uma instromissão da CIDH em seus assuntos domésticos.93 Mais importante do que o hemisfério americano, é a América do Sul, para a diplomacia brasileira. Tal construção de um espaço político sulamericano vem de longa data, remontando a redemocratização do Cone Sul, com os primeiros esforços de construção do Mercosul, que se intensificaram no governo de Fernando Henrique Cardoso, que ainda patrocinou as iniciativas Casa e do Irsa. A partir de 2003 a integração sul-americana se acentua e ganha um discurso mais político que comercial, que muitos críticos rotulam como “anti-americano” ou “ideológico”.94 Ainda no região, O Brasil se alinhou favoravelmente a Argentina em sua disputa com os “fundos abutre” na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em setembro passado, seguindo tendência do antigo terceiro mundo, com adesão da Rússia. A votação era um ato meramente político e, portanto, não vinculante, porém uma vez mais demonstrou discordância entre uma posição brasileira e o defendido por Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha e Japão, que votaram contra a aprovação da resolução. Estes últimos, notavelmente, são membros fundadores de OCDE, grupo que disputa com as potências emergentes Brasil, Índia, China e Rússia a distribuição de votos no Fundo Monetário Internacional desde a década passada. A institucionalização deste grupo, inicialmente somente uma sigla inventada pelo funcionário Jim O’Neil do Goldman Sachs, avançou nos anos Lula e em 2014 atingiu um novo 93 Folha de São Paulo - Dilma Retalia OEA por Belo Monte e Suspende Recursos http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3004201117.htm 94 Celso Lafer - Academia Brasileira de Letras http://www.academia.org.br/antigo/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from_info_index=11&infoid=104 74&sid=705 474 patamar, com a assinatura da Carta de Fortaleza, que criou o Novo Banco de Desenvolvimento, para financiar projetos nos países sócios, e um Fundo de Reserva, para o caso de crises de balanço de pagamentos. A grande ausente da ribalta da agenda internacional da presidenta Rousseff foi a questão climática, que tampouco teve protagonismo na sua administração. O Rio de Janeiro foi sede da cúpula Rio+20 em 2012, que mobilizou todo o staff do Itamaraty, ademais da sociedade civil e mídia. Porém, o país não voltou a ocupar o centro do debate como o fizera na Cúpula de Copenhnagen em 2010, quando o então presidente Lula anunciou a adoção, pelo Brasil, de metas voluntárias de emissões de CO2. Da Rio+20 saiu-se com um gosto amargo. O número de chefes de Estado presentes à reunião foi inferior ao planejado pelo governo brasileiro. A ausência mais presente foi a de Barack Obama. Por outro lado, a Cúpula aprovou a criação de um indicador econômico que leve em conta o meio ambiente. O Índice de Carbonização elaborado pela PwC, que mede o volume de gases do efeito estufa emitido por unidade do PIB, detectou que o Brasil aumentou em 5.5% a intensidade do uso de carbono, em um ano em que seu PIB cresceu metade disso. O país foi dissonante de outros emergentes, que cresceram mais e na realidade diminuiram a intensidade do carbono em suas economias em 1.7%, ao passo que os países desenvolvidos o diminuiram em 0.2%. 95 95 Eduardo Giannetti da Fonseca - Folha de São Paulo, 19/09/2014 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eduardogiannetti/2014/09/1518267-carbonizacao.shtml 475 A IMPORTÂNCIA DA CAPTAÇÃO DE RECURSOS E AS LINHAS DE CRÉDITO MAIS VANTAJOSAS PARA AS IES NO BRASIL Mara Albino da Silva96* Romana Toussaint de Paula** RESUMO O presente artigo tratará da importância da captação de recursos financeiros para as Instituições de Ensino Superior Particular (IES), assim como apresentará as linhas de crédito mais vantajosas disponíveis para estas instituições. Com o propósito de apontar aos leitores as melhores opções de busca de capital de gira para as IES, a opção por estetema de pesquisa se deve ao crescimento da demanda pelos serviços prestados pelas empresas educacionais particulares e a importância que estas passaram a ter no mercado e na sociedade. Assim como o aumento das exigências para que as IES consigam se manter de portas abertas e sobreviver a competitividade no mercado, o que tornou a busca por capitais de terceiros importantíssimo para a manutenção de capital de giro das IES. Contudo, é importante capitar estes recursos financeiros de forma correta, o que justifica a presente pesquisa bibliográfica, que buscou fontes relacionadas aos tipos de financiamento no mercado para somente em um segundo momento destacar o mais ou os mais apropriados no momento. Palavras-Chave:IES, Captação de Recursos, Linhas de Crédito. ABSTRACT This article will address the importance of raising funds for private Higher Education Institutions (HEIs), as well as present the most favorable lines of credit available to these institutions. In order to show readers the best search options capital turns for HEIs, the choice of this research topic is due to the growing demand for services provided by private companies and educational importance that they now have in the market and society. As well as increased requirements for HEIs able to keep the doors open and survive market competition, which made the search for capital -important third to maintain working capital of HEIs. However it is important capitar these funds correctly, what justifies this bibliographic research, which aims sources related to the types of financing in the market only in a second moment to highlight the most or the most appropriate at the time. Keywords:HEIs, Captation Resource, Lines of Credit. * Bacharelado em Administração (UNIPAC), Técnico do Nível Superior (UNIPAC-Barbacena). E-mail: [email protected] ** Professora Orientadora, Mestre em Administração, Especialista em Gestão Financeira pela UFSJ E-mail: [email protected] 476 1 INTRODUÇÃO O ensino privado hoje é responsável pela maior parte da educação superior brasileira, e está é uma indústria que movimenta dez bilhões de reais anualmente, apresentando um dos maiores potencias de crescimento para próximos anos. Basta verificar o número de estudantes que concluem o curso superior na última década, passou de pouco mais de trezentos mil para aproximadamente um milhão, aumento que representa um salto muito importante para o país. Seguindo o crescimento da procura pelo ensino superior privado o Brasil é atualmente o sétimo país entre as nações do mundo em número de IES (Instituições de Ensino Superior), sendo na América Latina, o país com o processo mais acelerado de privatização do ensino superior. Diante desse senário torna-se notório a importância do papel das IES na economia brasileira, contribuindo com a formação profissional dos indivíduos, com a geração de novos empregos, e assim com o crescimento econômico, cumprindo um importante papel social. Como qualquer empresa, as IES precisam financeiramente buscar recursos de terceiros para a manutenção do capital de giro. Esse artigo objetiva apontar as formas mais vantajosas de captar recursos de terceiros entre as fontes de captação disponíveis no mercado, através de pesquisa bibliográfica e análise das fontes. As características dos serviços oferecidos pelas IES demandam adequações constantemente para a manutenção da competitividade no mercado, o que faz com que as IES dependem constantemente de algum mecanismo adequado de financiamento, justificando assim esse trabalho, que inicialmente tratará das fontes de capital disponíveis no mercado, para um segundo momento considerar as mais vantajosas. 1.1 Objetivo Geral Identificar as formas mais vantajosas de capitação de recursos para a manutenção do capital de giro disponíveis no mercado para as IES. 1.1.1 Objetivo Especifico 477 Para atingir o objetivo geral deste artigo, foram definidos alguns objetivos especifico a seguir: a) Definir quais são as modalidades normalmente aderida pelas IES; b) Apresentar o processo de obtenção de crédito desenvolvido pelas IES; c) Identificar quais as linhas de credito disponíveis nos principais bancos do Brasil; d) Fazer um comparativo e apresentar as vantagem e desvantagens destas linhas de crédito, buscando identificar as melhores. 1.2 Problema de Pesquisa (A relevância das fontes de capital de terceiros para a manutenção das IES). O desenvolvimento das empresas em qualquer país depende diretamente da existência de mecanismos adequados de financiamento. A inovação do parque tecnológico é uma das atividades das organizações que mais demanda recursos de médio e longo prazo. Com a globalização as empresas perceberam a necessidade de adaptação às novas tendências de ampliação e modernização sem comprometer seu capital de giro, principalmente as educacionais que dependem diretamente dessa tecnologia para se expandir. Para suprir suas necessidades recorrentes de financiamentos de bens, as empresas necessitam escolher uma das várias alternativas oferecidas pelo mercador financeiro para manutenção do capital de giro, com as IES não é diferente, pois demandam diversas adequações para se manter ativa no mercado. Adequações que são constantemente avaliadas pelo Ministério Educação (MEC), e essa avaliação é um fator determinante para o mercado consumidor definir quais as melhores escolhas entre as IES para buscar a profissionalização. Na busca de serem bem avaliadas para se manter competitiva no mercado, essas instituições, acabam em algum momento, necessitando de um capital financeiro alto e em curto prazo, para investir em infraestrutura, novos laboratórios, computadores mais potentes, melhora nas bibliotecas, adequações de estruturas prediais para acessibilidade etc. Essas adequações são investimentos essenciais para um impulso financeiro. Investimentos esse que normalmente será financiado por fontes de terceiros, pois a maioria das adequações exigidas pelo MEC é constante e em 478 curto prazo, as IES não dispõem desse capital de investimento, necessitando assim de um financiamento junto às instituições financeiras. 1.3 Justificativa A quantidade de instituições bancárias no mercado é grande, por isso as IES precisam buscar a melhor opção conforme suas necessidades, as modalidades de crédito disponível por estas também são muitas, diante dessa realidade se faz necessário uma pesquisa dessas instituições e as modalidades de créditos por elas oferecidos. É de fundamental importância que os gestores financeiros das IES conheçam a realidade do mercado financeiro para que possam buscar formas de financiar seu crescimento, assim esse artigo busca disponibilizar informações necessárias para a escolha da modalidade de crédito que melhor se adequa a necessidade das IES no momento. 2 MERCADO FINANCEIRO Hoje as instituições financeiras no Brasil obedecem as seguintes classificações; Bancos Comerciais, Bancos de Investimentos, Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento, Sociedade de Crédito Imobiliário, e os Bancos Múltiplos. Falar-se-á a seguir de cada uma dessas instituições financeiras, ressaltando de início que esta é a classificação oficial do Banco Central do Brasil. 2.1 Bancos Comerciais Os Bancos Comerciais são classificados como sendo; “[... intermediários financeiros, que recebem recursos de quem têm e os distribuem através do crédito seletivo a quem necessita de recursos, naturalmente criando moeda através do efeito multiplicador do crédito.]” (FORTUNA, 1999, p.22). Os Bancos Comerciais cumprem seus objetivos por meio de atendimento em agencias bancarias home banking ou internet, sendo que de acordo com Fortuna (1999, p.22) seu objetivo principal é “[... o suprimento oportuno e adequado dos recursos necessário para financiar, a curto e médio 479 prazo, o comercio, a indústria, as empresas prestadoras de serviços e as pessoas físicas.]”. 2.2 Bancos de Investimentos De acordo com Gonçalves, (2010, p.14), os Bancos de Investimentos “[... são instituições financeiras que tem como objetivo principal a prática de operações de investimentos, participações ou de financiamentos a prazos médio e longo...]”, com o objetivo de suprir o capital fixo ou de movimento das empresas do terceiro setor, ou seja, setor privado. Essas operações são realizadas com aplicação de recursos próprios, coleta, intermediação, e aplicação de recursos de terceiros. 2.3 Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento. A Sociedade de Créditos, Financiamento e Investimento segundo Fortuna, (1999, p. 136) tem a principal função “[... financiar bens de consumo duráveis por meio do popularmente conhecido “crediário” ou crédito direto ao consumidor]”. 2.4 Sociedades de crédito Imobiliário Para Gonçalves (2010, p. 22), “[... as sociedades de crédito imobiliário têm como objetivo proporcionar amparo financeiro a operações imobiliárias relativas à incorporação, construção, vendas ou aquisição de habitação.]”. 2.5 Bancos Múltiplos “Estes bancos são caracterizados por atuarem em diversos seguimentos tem seu funcionamento autorizado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.” (Fortuna, 1999, p. 23) É importante salientar que um banco para ser considerado múltiplo, deve ter sua atuação em pelo menos duas destas carteiras, comercial, imobiliária, financeira e investimento. 3 ADMINISTRAÇÃO DE CONTAS A RECEBER As contas a receber são geradas pelas vendas a prazo, que são feitas após concessão de crédito. Esse crédito representa troca de bens presente por 480 bens futuros. “Os créditos são concedidos aos clientes diante de promessa de pagamento futuro, é nessa transação que se firma o compromisso da dívida assumida pelo comprador em quita-la.” (HOJI, 2004, p.136). “Este compromisso pode estar expresso num instrumento como duplicata a receber, nota promissória, cheque pré-datado, comprovante de venda de cartão de credito etc.” (ASSAF NETO E SILVA, 2009, p.107). Mesmo com o grande risco de inadimplência, gerado normalmente pela venda a prazo, as empresas não pode deixar de se arriscar, pois as vendas a prazo é uma forma de alavancar o crescimento das vendas e da empresa obter lucro, o que deve ser levado em conta na hora da concessão de crédito aos clientes é fazer uma grande análise das possibilidades que o cliente tem para pagar, para que esse valor a receber não se torne valores que não serão recebidos. Hoje há várias formas de verificar essas possibilidades, contando com apoio de empresas como “Serviço de Proteção de Crédito (SPC), e Serviço bancário S.A (SERASA), e também utilizando de outros meios de avaliação do risco financeiro que o cliente representa para a empresa.” (HOJI, 2004, p.137). 3.1 Principais linhas de crédito para capital de Giro As instituições financeiras disponibilizam diversos tipos de financiamento para o capital de giro, diante das alternativas cabe avaliar quais são os produtos que atendem as IES quais as menores taxas de juros oferecidas por estas instituições no momento. Por meio de um contrato, são estabelecidas as condições gerais e específicas da operação, como valor, o vencimento e a taxa de juros. As garantias exigidas são as notas promissórias avalizadas, geralmente, por sócios ou diretores. Além das notas promissórias, podem ser exigidas garantias adicionais, como duplicatas, hipotecas e penhor mercantil. Estas linhas de crédito são; 3.1.1 Desconto de Títulos Os títulos descontados podem se duplicatas ou notas promissórias. O cedente da duplicata ou nota promissória transfere ao banco o direito de recebê-los nos respectivos vencimentos, recebendo antecipadamente o valor 481 líquido dos títulos após descontados os juros. No vencimento, o devedor paga o valor do título ao banco, que baixa da responsabilidade do cedente. Segundo Hoji, (2004, p207); “Na operação de desconto, o banco tem o direito de regresso [...], caso o devedor não pague o título no vencimento, o banco tem o direito de receber do cedente o valor do título acrescido de juros de mora e/ou multas”. 3.1.2 Hot Money É um empréstimo de curto prazo,um dia a uma semana na maioria das vezes. A taxa de juros de Hot Money é baseada na taxa diária do CDI, acrescida de spread do banco e impostos. As vantagens desse tipo de empréstimo são de que a empresa tomadora pode ajustar melhor seu fluxo de caixa e possibilita uma mudança rápida de fonte de financiamento, caso outros tipos de financiamento se tornem mais vantajosos. “A cobrança de impostos (IOF, CPMF etc.) pode tornar o custo efetivo de Hot Money excessivamente alto, o que limita esse tipo de empréstimo a eventuais operações de ajustes de caixa”.(HOJI, 2004, p.208) 3.1.3 Conta Garantida Para pessoa jurídica, o equivalente a cheque especial utilizado por pessoa física. O banco abre uma conta de crédito para empresa, que saca livremente o valor até o limite estabelecido e cobre o saldo devedor a qualquer tempo, até o vencimento do contrato. Os encargos financeiros são pagos periodicamente. “A grande vantagem da conta garantida é que o tomador pode ajustar melhor sua necessidade de caixa”. (HOJI, 2004, p.208) 3.1.4 Factoring Factoring é uma operação de fomento comercial, portanto, não sujeita a regulamentações do Banco Central. A operação consiste em ceder os direitos creditórios sobre duplicatas a empresas de factoring, recebendo em contrapartida o valor de face com deságio, correspondente a juros e spread da operação. A grande vantagem dessa operação é que nela é feita a venda definitiva das duplicatas, portanto, sem o direito de regresso, diferentemente do desconto 482 de duplicatas. “Por ser uma operação com custo final mais alto do que as taxas geralmente praticadas pelos bancos são utilizadas com maior frequência por empresas de pequeno e médio porte que tem dificuldades de obter linhas de crédito em bancos”. (HOJI, 2004, p.208) 3.1.5 Debêntures Debênture é um título emitido por sociedades anônimas de capital aberto, com a aprovação da emissão por Assémbleia Geral Extraordinária, para captar recursos de médio e longo prazo no mercado financeiro. As condições gerais e específicas sob as quais foi emitida a debênture constam de um documento chamado Escritura de emissão, com registro em cartório. As debêntures podem ser remuneradas com juros e prêmios sobre valores atualizados monetariamente, ou com taxas de juros prefixadas. As taxas de remuneração são repactuadas periodicamente. Caso não se chegue a um acordo quanto à taxa de remuneração do novo período, a empresa deve resgatar os títulos. “O prazo de resgate não deve ser inferior a um ano. O agente Fiduciário da operação zela pelos direitos dos debenturistas”.(HOJI, 2004, p.208) 3.1.6 Recursos do BNDES Praticamente, a maioria dos recursos de longo prazo existentes em moeda nacional é fornecida pelo sistema BNDES, dentro das políticas operacionais estabelecidas para cada setor de atividade econômica. O Sistema BNDES é formado pelo próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas subsidiárias Agencia Especial de Financiamento Industrial (Finame) e BNDES Participações S. A (BNDESpar). O Sistema BNDES pode operar diretamente com o financiado, mas a maioria das operações é intermediada pelas instituições financeiras credenciadas. Em alguns casos, o BNDESpar participa do capital social de empresas consideradas estratégicas ou com projetos prioritários. “Os encargos dos financiamentos são baseados em Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), apurada com base em uma cesta de moedas, acrescida de spread específico para cada linha de financiamento, mais a comissão do agente repassador”.(HOJI, 2004, p.209) 483 3.2 Financiamentos Algumas das linhas de financiamentos são: Financiamento de máquinas e equipamentos de fabricação nacional (Finame), Financiamento à exportação de máquinas e equipamentos (Finamex), Financiamento para subscrição de aumento de capital social, Garantia de subscrição de valores mobiliários. a) Financiamento em Moeda estrangeira; Pode ser a taxa de câmbio brasileira atrelada ao dólar, a maioria dos empréstimos e financiamentos em moeda estrangeira é denominada em dólar. As mais comuns são; b) Adiantamento sobre Contratos de Câmbio; Nesse tipo de operação, os exportadores, com base em contrato de fornecimento ou pedido de compra, vendem a termo os valores em moeda estrangeira que serão gerados pela futura exportação, recebendo antecipadamente o valor equivalente em moeda local, convertido pela taxa de câmbio da data da operação. Antes do embarque da mercadoria, a operação recebe o nome de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), mas após o embarque, essa operação passa a chamar-se Adiantamento sobre Contrato de Exportação (ACE). Por ser um incentivo financeiro à exportação, o custo dessa operação é, geralmente, mais baixo do que a taxa de mercado.(HOJI, 2004, p.209) c) Resolução 2770 (antiga resolução 63) Essa operação é regulamentada pela Resolução 2770 do Banco Central. Os bancos repassam aos tomadores locais, em moeda estrangeira, os recursos captados no exterior por meio de lançamentos de bônus e outros instrumentos financeiros. O prazo máximo no repasse não pode exceder o vencimento do empréstimo original, mas o balanço pode repassar o recurso por um prazo menor. “O banco local cobra do tomador uma comissão de repasse, que pode ser antecipada ou paga juntamente com os juros, e pode estar embutida na taxa de juros”.(HOJI, 2004, p.210) d) Financiamento de Importação Os bens adquiridos no exterior podem ser financiados por bancos do exterior. Em vez de o importador desembolsar as compras à vista, o banco do 484 exterior paga à vista ao exportador e o importador fica devendo a esse banco do exterior. “No vencimento do financiamento, o importador fará a remessa financeira pela compra de mercadorias”. (HOJI, 2004, p.210) 4 ARRENDAMENTO MERCANTIL O arrendamento mercantil (leasing, em inglês) é uma forma de financiamento de bens do Ativo Imobilizado. A ampla aceitação dessa modalidade de financiamento pelas empresas está baseada no princípio de que o lucro é gerado pela utilização do bem e não por sua propriedade. A operação de leasing consiste em uma empresa arrendadora adquirir um bem do fabricante (ou comerciante) escolhido pela arrendatária e arrendálo a esta mediante o recebimento de prestações periódicas (que podem ser mensais, trimestrais etc.). O bem adquirido fica contabilizado como Ativo Permanente da arrendadora até sua eventual venda para arrendatária. “O objeto do arrendamento pode ser: bens móveis ou imóveis, novos ou usados, de fabricação nacional ou estrangeira, contratado em moeda nacional ou em moeda estrangeira, com as arrendadoras nacionais ou estrangeiras”.(HOJI, 2004, p.211). 4.1 Modalidades de Arrendamento Mercantil Basicamente, existem duas modalidades de leasing: financeiro e operacional. 4.1.1 Leasing Financeiro O leasing financeiro equivale à operação de financiamento de médio ou longo prazo em que a arrendatária paga, geralmente, prestações mensais. Ao final do contrato, que não pode ser rescindido antecipadamente, a arrendatária terá o direito de adquirir o bem por um valor previamente combinado denominado valor residual garantido (VRG). O prazo mínimo de arrendamento é de dois anos para bens com vida útil de até cinco anos (veículos, equipamentos de informática etc.) e de três anos para os com vida útil superior a cinco anos (móveis e utensílios, maquinarias em geral etc.). A conservação e a manutenção do bem são de responsabilidade da arrendatária. 485 No Brasil, somente as sociedades de arrendamento mercantil (empresas de leasing) podem praticar as operações de leasing financeiro, pois essa modalidade de arrendamento está sujeita à regulamentação do Banco Central. 4.1.2. Leasing Operacional O leasing é uma operação de locação em que a arrendatária (locatária) paga uma taxa de arrendamento periódica (semanal, mensal, trimestral etc.) à arrendadora (locadora). A manutenção do bem arrendado nessa modalidade é de responsabilidade da locadora. O bem é devolvido à locadora ao final do contrato, ou qualquer tempo (se assim estiver previsto no contrato). Caso a locatária desejar adquirir o bem, o preço de venda será estabelecido de acordo com o valor de mercado. Nessa modalidade de arrendamento não existe um prazo mínimo obrigatório. Portanto, a duração de um contrato de locação poderia ser de apenas alguns meses (ou dias). O prazo do contrato de locação, ou a opção de devolução a qualquer tempo, dependerá da natureza e espécie do bem objeto de locação, pois existem bens de difícil comercialização no mercado de bens usados e com alta taxa de obsolescência. Não há necessidade de a empresa locadora ser uma sociedade de arrendamento mercantil para exercer as atividades de leasing operacional, pois essa modalidade de arrendamento não está sujeita à regulamentação do banco Central. A título de exemplo, as empresas de locação de veículos “adquirem” os veículos por meio de leasing financeiro e os arrendam a seus clientes por meio de leasing operacional.(HOJI, 2004, p.211) 5 ADMINISTRAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO Toda empresa necessita de capital de giro para o desempenho de suas atividades. Segundo Assaf Silva, (2009, p.14), ao destacar a importância de capital de giro nas empresas afirma que “[... o capital de giro tem participação relevante no desempenho operacional das empresas, cobrindo geralmente mais da metade de seus ativos totais investidos.]”. Uma administração inadequada de capital de giro resulta normalmente em sérios problemas financeiros, contribuindo efetivamente para formação de uma situação de insolvência. Segundo Hoji, (2004, p.117), “[... o capital de giro 486 e conhecido também como capital circulante e corresponde aos recursos aplicados em ativos circulantes, que se transformam constantemente dentro do ciclo operacional]”. Para Assaf Neto e Silva (2009, p.15) “[... o capital e giro representa os recursos demonstrado por uma empresa para financiar necessidades operacionais identificadas desde a aquisição de matérias-primas, mercadorias até o recebimento pela venda do produto acabado.]”. 6MODALIDADES DE CRÉDITOS NORMALMENTE ADERIDA PELAS IES Apresentaremos a seguir as modalidades de créditos em percentual de juros mais aderidas pelas IES, estes dados foram coletados no site oficial do Banco Central do Brasil no período entre 01/11/2013 a 07/11/2013. Tabela I: Capital de Giro Tipos de encargos Pré-fixado Prazo Até 365 dias Superior a 365 dias Bancos % % a.a % % a.m a.m a.a Caixa Econômica 1,30 16,80 1,20 15,3 Federal 2 Banco Itaú Unibanco 2,12 28,68 1,99 26,7 BM S.A 0 Banco do Brasil S.A 1,41 18,24 1,41 18,2 9 Banco Santander 1,70 22,39 1,71 22,5 (Brasil) S.A 3 Fonte: BCB Tabela II: Cheque Especial Tipos de encargos Pós-fixado Até 365 Superior a dias 365 dias % % % % a.a a.m a.a a.m 1,03 13,1 1,28 16,55 5 1,53 18,9 1.16 14,89 8 1,02 12,9 1,22 15,61 9 1,52 19,8 1,18 15,05 5 Pré-fixado Bancos % a.m % a.a Caixa Econômica Federal 4,72 73,95 Banco Itaú Unibanco BM S.A 8,24 15,73 Banco do Brasil S.A 9,06 183,12 Banco Santander (Brasil) S.A Fonte: BCB 10,50 231,45 487 Tabela III: Conta Garantida Tipos de encargos Bancos % a.m Caixa Econômica Federal Banco Itaú Unibanco 2,90 BM S.A Banco do Brasil S.A 1,80 Banco Santander 2,07 (Brasil) S.A Fonte: BCB Tabela IV: Desconto de Cheques Tipos de encargos Bancos % a.m Caixa Econômica 1,79 Federal Banco Itaú Unibanco 2,55 BM S.A Banco do Brasil S.A 2,43 Banco Santander 2,26 (Brasil) S.A Fonte: BCB Pré-fixado % a.a - % a.m 1,79 Pós-fixado % a.a 23,71 40,87 1,40 18,13 23,85 27,86 1,59 1,58 20,81 20,64 Pré-fixado % a.a 23,78 35,31 33,44 30,73 Tabela V: Antecipação de Fatura de Cartão de Crédito Tipos de Pré-fixado encargos Bancos % a.m % a.a Caixa Econômica Federal Banco Itaú 3,03 43,07 Unibanco BM S.A Banco do Brasil 1,94 25,89 S.A Banco 1,92 25,65 Santander (Brasil) S.A Fonte: BCB Essas modalidades de crédito estão sempre disponível o que pode variar com certa frequência são as taxas de juros que pode oscilar por diversos fatores, mas segue um controle do banco central. 488 Portanto é de fundamental importância que os gestores financeiros fiquem atentos as condições econômicas do mercado e possam contratar os créditos em períodos onde com taxas de juros aplicadas são menores. CONCLUSÃO Como se percebe na apresentação dos dados deste artigo, não falta hoje no mercado linhas especiais de crédito como o objetivo de atender as necessidades de capital de giro das empresas como as IES. Apresentamos as mais procuradas pelas empresas de educação privada, entre as disponíveis no memento são; Capital de Giro,Cheque Especial, Conta Garantia, Desconto de Cheques, Antecipação de Cartão de Crédito. Com o objetivo de apontar as mais vantajosas analisamos as taxas de juros oferecidas, concluímos que a modalidade mais viável em percentual de juros cobrados é a Capital de Giro oferecida pelo Banco do Brasil de 1,02 ao mês, considerando a taxa pós, fixado que normalmente é aplicada nessas modalidades. Não que o fator taxa de juros seja o único fator a se levar em consideração no momento da contratação, a de se considerar também condições da empresa arcar com os pagamentos a longo, médio e curto prazo, podendo ser mais rendoso para uma empresa que necessita de prazos mais longos pagarem juros um pouco mais elevados, mas garantir o prazo necessário para arcar com empréstimo. Assim como para algumas empresas é rentável até mesmo pagar mais em juros em curtíssimo prazo, contudo apresentamos aqui aquela modalidade que de modo geral por prazo e percentual de juros é a mais equilibrada e vantajosa. Essa pesquisa poderá servirá como base de consulta no momento da contratação de linhas de crédito pelas IES, até mesmo para negociar uma taxa real de juros no momento da contratação,pois existem fatores determinantes para a redução destas taxas, como exemplo, a relação da IES com os bancos. O número de produtos que a IES adere, e as garantias de pagamentos tudo isso e considerado para que o gestor financeiro negocie a melhor taxa, que não necessariamente será a menor apresentada nessa pesquisa. 489 REFERÊNCIAS ASSAF NETO,A. e SILVA César A.T. Administração de capital de giro. 3 ed.São Paulo: Atlas 2009. Banco Central do Brasil. Apresenta informações sobre; Linha de Crédito. Disponível Em: <http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/default.aspx> Acesso: 24 de nov. 2013. FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark. 1999. GONÇALVES, Adriano Machado. A captação de capital de giro por micro e pequenas empresas. 2010. 76 f. Monografia (Graduação em Ciências Contábeis). Curso de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. HOJI, Masakasu. Administração Financeira: uma abordagem prática. 5 ed. São Paulo:Atlas.2004. Revista Valor. Apresenta informações sobre; Mercado Financeiro. Disponível Em: <www.valor.com.br> Acesso: 17 de nov. 2013. 490 A PERCEPÇÃO DOS CONFLITOS ORGANIZACIONAIS SOB A ÓTICA DOS PARADIGMAS DE BURREL E MORGAN Monique Terra e Silva97 Diana Alves Prates Simões98 Fernanda Carolina Fernandes99 Lílian Beatriz Ferreira100 RESUMO Este artigo aborda a temática dos conflitos no ambiente organizacional sob a ótica dos paradigmas funcionalista, interpretativista, humanista radical e estruturalista radical, defendidos por Burrel e Morgan (1979). Neste sentido busca-se compreender a ótica de cada paradigma sob a percepção do conflito organizacional, bem como a forma que estas transformações conflitantes modelaram o comportamento do homem no ambiente organizacional. Para isso, apresentou-se uma análise evolutiva das transformações conflitantes pelas quais o homem se submeteu no contexto organizacional, descrevendo-o sob o olhar de diferentes teóricos. Sobre esta ótica, surgem novas formas de pensar o conflito nas organizações, uma vez que a discussão abre novos caminhos para se adotar abordagens inovadoras, a fim de encontrar maneiras mais eficazes de lidar com conflito organizacional. Palavras-Chave: Conflitos. Paradigmas. Comportamento. Organização 1 INTRODUÇÃO O termo conflito no ambiente organizacional sofreu fortes transformações ao longo dos anos. Com o início da Administração como Ciência, as novas concepções sobre a produção, deixaram a figura do homem de lado no processo, ressaltando aspectos como tarefa e estrutura organizacional. Com o surgimento da Escola comportamental, o homem ganha um pequeno espaço neste território, mas meramente superficial, uma vez que apenas observou-se sua condição no ambiente e não suas habilidades. Neste contexto, as teorias clássicas enfatizaram uma imagem do homem apenas funcional. Nenhuma atribuição a seu caráter transformador e decisivo dentro das organizações foi ponto de discussão como processo evolutivo 97 monique.silva@ mestrado.unihorizontes.br [email protected] 99 [email protected] 100 [email protected] 98 491 destas teorias. Somente após os estudos, abriu-se uma nova discussão a respeito da figura do homem, os conflitos decorrentes de seu comportamento frente ao grupo de trabalho e sua influência no poder de tomada de decisão como parte do processo organizacional. Diante disso, esta abordagem a respeito dos conflitos organizacionais vividos pelo homem ao longo dos anos, se torna o foco deste estudo, buscando apresentar uma análise evolutiva das transformações conflitantes pelas quais o homem se submeteu no contexto organizacional sob o olhar dos paradigmas defendidos por Burrel e Morgan (1979). Desta forma, busca-se entender o processo pelo qual eram tratados os conflitos organizacionais, assim como seus efeitos no ambiente de trabalho e apresentá-lo sob o olhar de diferentes paradigmas. Nesta perspectiva, a natureza humana pode ser considerada determinística a relação entre os seres humanos e seu ambiente, quando vê o homem e suas ações completamente determinadas pelas situações sociais e pelo ambiente e a considerada voluntarista, quando acredita na autonomia e na livre vontade do ser humano. No mesmo contexto, a metodologia diz respeito à condução de uma investigação e obtenção do conhecimento do mundo social, sendo considerada ideográfica quando só é possível obter conhecimento a partir da exploração detalhada do sujeito e de sua história de vida, analisando os aspectos subjetivos e é considerada nomotética quando valoriza as técnicas quantitativas, a construção de testes científicos, assim como a possibilidade de generalização a partir dos padrões de rigor científico (CARRIERI; LUZ, 1998). Por outro lado, Burrell e Morgan (1979), apresenta diferentes teorias refletem outras perspectivas, questões e problemas para estudo e são baseadas num conjunto de pressupostos que refletem uma visão particular da natureza e do objeto de investigação, podendo esta, ser de regulação ou de mudança radical. A primeira enfatiza a unidade de coesão e a segunda privilegia a emancipação do homem da estrutura que limita ou impede seu potencial de desenvolvimento. Tanto a sociologia da regulação, quanto da mudança radical servem de referência para a análise dos processos sociais e que, combinados 492 com as dimensões subjetiva e objetiva sobre a natureza da sociedade, definem quatro distintos paradigmas científicos: Funcionalista; Interpretativo; Humanista Radical e Estruturalismo Radical (CARRIERI; LUZ, 1998). Dessa forma, entender os conflitos organizacionais, sob o olhar destes paradigmas, assim como a percepção e a influência do mesmo nos processos organizacionais, torna-se objeto deste estudo. Para isso, buscar-se-á compreender a ótica de cada paradigma sob a percepção do conflito organizacional, bem como a forma que estas transformações conflitantes modelaram o comportamento do homem no ambiente organizacional. 2 O CONFLITO E OS PARADIGMAS ORGANIZACIONAIS Este tópico aborda a relação entre o conflito e os paradigmas organizacionais, e para melhor compreensão, cada paradigma foi apresentado separadamente. 2.1 O PARADIGMA FUNCIONALISTA O paradigma funcionalista é considerado de acordo com as suposições da ciência social como realista, positivista, determinista e nomotética. Sua natureza tem raízes na corrente da regulação, com uma abordagem objetiva dos fenômenos capaz de fornecer explicações racionais das relações sociais, uma vez que é ligado pela efetiva regulação e controle dos fatos sociais (CARRIERI; LUZ, 1998).Segundo Burrel e Morgan (1979), o funcionalismo foi fortemente criticado por ser conservador e inadequado para prover explicações sobre a mudança radical, uma vez que não vê os conflitos como fundamentais para gerar a mudança radical, principalmente através das crises políticas e econômicas. É sob este argumento que a visão tradicional sustentava que o conflito no ambiente de trabalho deveria ser evitado, pois se entendia que o conflito consumia tempo e recursos gerenciais que eram limitados, e sua evitação, fazia com que o trabalhador se encaixasse dento de âmbito aceitável de comportamento organizacional (MONTANA; CHARNOV, 2006). A negação da 493 existência dos conflitos era pautada na consideração que se fazia a respeito de sua contra producência e por isso era usado como sinônimo de violência, destruição e irracionalidade para reforçar seu aspecto negativo (SOARES, 2012). Com o surgimento da escola comportamental e as primeiras tentativas de integrar o homem à empresa de forma humanística, a visão do conflito no ambiente organizacional toma outro direcionamento, pautada na consideração que este era um fenômeno de ocorrência natural nos grupos e nas organizações. Desta forma, o conflito não podia ser evitado e havia ocasiões em que ele poderia ser até ser benéfico para o desempenho do grupo (MONTANA; CHARNOV, 2006). Entretanto, embora, os autores comportamentais tenha tratado o termo de uma forma mais dinâmica e complexa que a visão tradicional, a forma como se resolvia os conflitos ainda era pautada na negação dos sentimentos e emoções ligados aos trabalhadores (LAWRENCE; LORSCH, 1973). Desta forma, segundo os autores, não existia uma clara definição sobre a resolução de situações conflitantes no ambiente de trabalho, que resultava em uma inevitável dissipação de energia humana. As críticas em relação ao paradigma funcionalista estão na visão de que os conflitos não atuavam como uma das peças fundamentais para gerar a mudança radical, já que, embora sua existência fosse reconhecida, nenhuma medida importante era tomada para que por meio deles, fossem melhorados os processos organizacionais. O que se buscava, era a regulação do comportamento humano por meio da racionalidade/ objetividade. Neste sentido, a limitação dos gestores na capacidade de resolução dos conflitos existentes, e a diferença no modo de comportamento de cada gestor, definia a maneira como os mesmos seriam analisados e tratados (LAWRENCE; LORSCH, 1973). Portanto, dentro de uma visão positivista, na resolução dos conflitos, os problemas deveriam ser identificados e suas causas analisadas. Entretanto, as 494 pessoas ou situações que contribuíram para sua realização, deveriam ser eliminadas (KILMANN; THOMAS, 1978), uma vez que, a resolução de conflitos visualizada pela abordagem mecanicista, tratava o mesmo como um processo lógico e linear (ROBBINS, 2005). O tópico a seguir versa sobre a relação do paradigma interpretativista e o conflito dentre do ambiente organizacional. 2.2 O PARADIGMA INTERPRETATIVISTA O Paradigma Interpretativo é considerado de acordo com as suposições da ciência social como nominalista, anti-positivista, voluntarista e ideográfica. Suas raízes encontram-se também na abordagem social da regulação, embora sua abordagem seja subjetiva, procura explicação dentro da consciência individual e da subje