Cadernos de Pesquisa n° 4

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CADERNOS DE PESQUISA
IPTAN
Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves
EDIÇÃO ESPECIAL
ADMINISTRAÇÃO E DIREITO
Cadernos de Pesquisa
São João del-Rei
n. 4
p. 1-542
novembro de 2014
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IPTAN – INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR
PRESIDENTE TANCREDO DE ALMEIDA NEVES
DIRETOR PRESIDENTE
Dr. Nicolau Carvalho Esteves
DIRETOR GERAL
Prof. Msc. Ricardo Assunção Viegas
DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Prof. Dr. Heberth Paulo de Souza
DIRETORA DE GRADUAÇÃO
Profª Dra. Maria Tereza Gomes de Almeida Lima
COORDENADORA DE PESQUISA
Profª Dra. Carla Leila Oliveira Campos
COORDENADORA DE EXTENSÃO
Esp. Fernanda Joyce da Costa
COORDENADORA DE GRADUAÇÃO
Profª Esp. Fabíola de Oliveira Alvarenga
Av. Leite de Castro, 1.101 – Bairro das Fábricas
São João del-Rei / MG – CEP 36.301-182
Tel. (32)3379-2725
E-mail: [email protected]
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CADERNOS DE PESQUISA
Ano IV, n. 4, novembro de 2014
ISSN 2177-6245
Publicação do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves
Organizadores:
Prof. Dr. Heberth Paulo de Souza
Prof. Dr. Sílvio Firmo do Nascimento
Secretária:
Maria José da Silva
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CADERNOS DE PESQUISA
Ano IV, n. 4, novembro de 2014
Publicação do Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves
Av. Leite de Castro, 1.101 – Bairro das Fábricas
São João del-Rei / MG – CEP 36.301-182
Tel. (32)3379-2725
E-mail: [email protected]
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SUMÁRIO
O princípio da busca do pleno emprego na perspectiva da função social da
empresa e da lei falimentar e de recuperação das sociedades empresárias
DEILTON RIBEIRO BRASIL
CAROLINA TORGA REZENDE
MARCUS VINÍCIUS MARTINS ...........................................................................9
Planejamento fiscal e controle interno: a busca por meios legalmente aceitos
para amenizar o ônus tributário
CAIO RODRIGUES DO VALE
CARLA AGOSTINI
FÁBIO BRUNO DA SILVA
KAIRO WILLIAM DE CARVALHO ....................................................................26
Organizações criminosas
MARCOS CARDOSO ATALLA .........................................................................36
Assédio moral nas organizações: uma revisão bibliográfica
ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS
ÉMERSON DOS SANTOS RIBEIRO
MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES
PAULO ANDRÉ D’ ASSUNÇÃO
MARINA HELENA DE RESENDE ....................................................................46
Revitalização parcial rodoviária do leito desativado da Estrada de Ferro Oeste
de Minas: abordagem sobre paradigma do ecoturismo
RICARDO CARVALHO COUTO
RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES .....................................................................68
Novo Direito Constitucional: uma análise jurídico-filosófica
KARINA CORDEIRO TEIXEIRA
RAQUEL MARIA VIEIRA BRAGA ....................................................................84
A (in)eficácia da ampla defesa do parlamentar
PAULO CÉSAR OLIVEIRA DO CARMO ..........................................................98
Os direitos humanos e sua aplicação frente à crise nos presídios brasileiros:
uma análise do sistema carcerário brasileiro à luz dos pensamentos de Hannah
Arendt sobre os direitos humanos
FÁBIO ABREU DOS PASSOS
CLÁUDIA MÁRCIA LACERDA CARDOSO ....................................................112
Improbidade na administração pública
ELKE MARA RESENDE NETTO ARMANDO ................................................130
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Fatores geradores de transtornos psicológicos nas organizações do século XXI
AURÉLIO JOSÉ PARREIRA
ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS
MONIQUE TERRA E SILVA
RENATA PINTO DUTRA FERREIRA
AUGUSTO CÉSAR DA CUNHA SILVA RESENDE .......................................152
Gestão de conflitos na formação de equipes de trabalho assertivas: uma
revisão bibliográfica
ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS
MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES
MONIQUE TERRA E SILVA
RENATA PINTO DUTRA FERREIRA
RUBENS BASSE GONÇALVES FILHO .........................................................188
A não aplicação de princípios próprios do direito do trânsito e a contribuição
para o aumento de lesionados e mortos
LUCIANO MACHADO FERREIRA .................................................................211
A preponderância da gestão estratégica de pessoas na execução
de projetos organizacionais
ANDERSON LUIZ DUARTE
CLODOALDO FABRÍCIO JOSÉ LACERDA ...................................................223
Desafios para a (re)construção de uma identidade curricular: a análise
do currículo prescritivo do curso de Pedagogia do IPTAN
MÁRCIO EURÉLIO RIOS DE CARVALHO
ADELAIDE MARIA DO COUTO
THAÍS MARLEY FERREIRA DA SILVEIRA ...................................................237
Benefício de prestação continuada: aspectos polêmicos
LÍDIA GUIMARÃES VIANINI
RAQUEL MARIA VIEIRA BRAGA ..................................................................261
A tutela do patrimônio cultural imaterial e a linguagem dos sinos
em São João del-Rei: uma análise dos aspectos jurídico-antropológicos
CRISTIANO LIMA DA SILVA
KARINA CORDEIRO TEIXEIRA
HELTHON RESENDE DE ANDRADE ............................................................276
O processo de venda pessoal como estratégia para fidelização de clientes
JÚNIOR MOURA MALAQUIAS
ROMANA TOUSSAINT DE PAULA
SIMONE PÁDUA TORRES
YOLANDA NATHASHA DUTRA DE RESENDE ............................................289
A democracia liberal: uma abordagem histórica
MATHEUS BEVILACQUA CAMPELO PEREIRA ............................................305
7
Globalização e flexibilização de direitos trabalhistas frente à unicidade sindical
SERGIO LEONARDO MOLISANI MONTEIRO
FÚLVIO JACOWSON GOMES .......................................................................316
Três princípios para uma ética ambiental
PEDRO HENRIQUE SANTANA PEREIRA ....................................................345
O litisconsórcio ativo necessário no processo civil brasileiro
RAFAEL ISAAC DE ALMEIDA COELHO
FABRÍZIA LELIS NAIME DE ALMEIDA COELHO ..........................................366
La crisis de 1929 y sus distintas explicaciones y consecuencias
LUCIANO ISAAC ............................................................................................388
Uma concepção heterodoxa dos direitos humanos
SARA DE CARVALHO CAMPOS
FÁBIO ABREU DOS PASSOS .......................................................................400
A importância da educação financeira para uma gestão eficaz das finanças
pessoais no Brasil
RAFAELA DE SOUSA GODDI
LEONARDO HENRIQUE DE ALMEIDA E SILVA ..........................................418
Dano moral
WELINTON AUGUSTO RIBEIRO ..................................................................439
Agricultura orgânica – um bom negócio
RICARDO CARVALHO COUTO .....................................................................456
4 anos de Dilma, economia e política externa
LUCIANO ISAAC
RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES ...................................................................463
A importância da captação de recursos e as linhas de crédito mais vantajosas
para as IES no Brasil
MARA ALBINO DA SILVA
ROMANA TOUSSAINT DE PAULA ................................................................475
A percepção dos conflitos organizacionais sob a ótica dos paradigmas de
Burrel e Morgan
MONIQUE TERRA E SILVA
DIANA ALVES PRATES SIMÕES
FERNANDA CAROLINA FERNANDES
LÍLIAN BEATRIZ FERREIRA ..........................................................................490
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O papel do líder na gestão de conflitos organizacionais – uma análise da
empresa via varejo
CAROLINE OLIVEIRA SANTOS
ADNA MARIA GOMES DE CASTRO BRETAS
MÁRCIO LOBOSQUE SENNA NEVES
MONIQUE TERRA E SILVA
THAÍS ANTÔNIA DE SOUSA .........................................................................505
Os desafios da educação no século XXI: reflexões sobre corporeidade e
desenvolvimento integral
SIMONE PÁDUA TORRES ............................................................................527
9
O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO NA PERSPECTIVA DA
FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E DA LEI FALIMENTAR E DE
RECUPERAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
Deilton Ribeiro Brasil – IPTAN/FDCL
E-mail: [email protected]
Carolina Torga Rezende
Graduada em Fisioterapia – FFVJM
Marcus Vinícius Martins
Graduado em Turismo – CESA
E-mail: [email protected]
Resumo. Este artigo tem por objetivo analisar o princípio da busca do pleno
emprego sob a ótica da função social da empresa e da lei falimentar e de
recuperação das sociedades empresárias regulamentado pela Lei nº 11.101,
de 9-2-2005. O objetivo da lei é o de permitir a adoção de mecanismos que,
pondo em relevo os aspectos inequivocadamente institucionais das empresas
viáveis, busquem sua reorganização e recuperação econômica, com a
consequente preservação de empregos, sem prejuízo da produção e circulação
de mercadorias e riqueza. Afinal, o exercício da atividade empresária é a fonte
de arrecadação de impostos e de empregos, constituindo-se em um
instrumento fundamental para a progressiva eliminação das desigualdades
socioeconômicas da pobreza, contribuiindo, ainda, para a melhoria das
condições de trabalho e o fomento da atividade econômica.
Palavras-Chave: Busca do pleno emprego – Função social da empresa –
Falência – Recuperação de empresas
Introdução
Para Coelho (2005, p. 12) e Cavallazzi Filho (2006, p. 51), a atividade
econômica da sociedade empresária vem passando por evoluções, saindo da
marcante fase da teoria dos atos de comércio, vista como instrumento de
objetivação do tratamento jurídico da atividade mercantil. Isto é, com ela, o
direito de empresa deixou de ser apenas o direito de certa categoria de
profissionais que são organizados em corporações próprias, para se tornar a
disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados
por qualquer cidadão; para a fase da teoria da sociedade empresária, que
possui o acento tônico da comercialidade, em consequência do progresso da
técnica e da economia de massa, deslocando-se da noção de ato para a noção
de atividade. O exercício profissional da atividade intermediária entre a
produção e o consumo de bens impõe uma crescente especialização e a
criação de organismos econômicos cada vez mais complexos. Chega-se,
assim, ao cabo dessa evolução, numa síntese dos elementos descritos ao
10
conceito de atividade econômica organizada e, portanto, à noção de sociedade
empresária (BARRETO FILHO, 1988, p. 22).
Para Souza (2003, p. 288), verifica-se que o ponto referencial dessa
evolução consiste em situar a sociedade empresária na vida econômica como
ente determinante ou como agente executivo da política econômica e, como tal,
empenhada no cumprimento dos princípios ideológicos que norteiam toda a
ordem jurídico-econômica de uma nação.
Dessa forma, da leitura do art. 170, III da Constituição Federal, concluise que a sociedade empresária está ali contemplada como ente integrante de
ordem econômica nacional, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa desde que observados os princípios da propriedade privada e da
função social da propriedade (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 53).
A busca do pleno emprego está relacionada estritamente ao princípio da
preservação da sociedade empresária que, por sua vez, interessa ao direito e à
economia pela proteção que oferece à continuidade dos negócios sociais
(FACHIN, 2001, p. 199). Afinal, o exercício da atividade empresária é a fonte
de tributos e empregos. Ou seja, sem preservação da atividade empresária
inexiste emprego, razão pela qual não há como valorizar o trabalho, motivo por
que a pretensão do legislador constituinte fica reservada ao seu imaginário
(CASTRO, 2007, p. 43).
Em outras palavras, o princípio da busca do pleno emprego
corresponde ao da preservação da sociedade empresária (de que é corolário o
da recuperação da sociedade empresária). Segundo o qual, diante das opções
legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação
da atividade empresária e outra que possa também prestar-se à solução da
mesma questão ou situação jurídica sem tal consequência, deve ser aplicada
essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de
tutela jurídica (GONÇALVES NETO, 1998, p. 99).
Constata-se, portanto, que o legislador constituinte, de maneira
categórica, pretende evitar que a iniciativa econômica privada possa ser
desenvolvida de maneira prejudicial à promoção da dignidade da pessoa
humana e à justiça social. Rejeita, igualmente, que os espaços privados, como
a família, a sociedade empresária e a propriedade, possam representar uma
11
espécie de zona franca para violação do projeto constitucional (TEPEDINO,
2003, p. 118).
Nesse diapasão, Gama e Cidad (2007, p. 25) defendem que a dignidade
é valor próprio e extrapatrimonial da pessoa humana, especialmente no
contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral. Não há dúvida de
que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é o foco
principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo imperioso
harmonizar a dignidade da pessoa humana ao desenvolvimento da sociedade
e, consequentemente, do progresso científico e tecnológico, porquanto este
deve inclinar sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de
vida das pessoas humanas, e não o inverso.
Tem-se, ainda, para Silva (2004, p. 771), que a Constituição Federal
pode ser considerada o que a doutrina denomina de Constituição Econômica,
justamente por empreender um conjunto de normas que, garantindo os
elementos definidores de um determinado sistema econômico, estabelece os
princípios fundamentais de determinada forma de organização e funcionamento
da economia e constitui, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica.
Essa ordem econômica e financeira não é ilha normativa apartada da
Constituição. É fragmento da Constituição Federal, uma parte do todo
constitucional, e nele se integra. A interpretação, a aplicação e a execução dos
preceitos que a compõem reclamam o ajustamento permanente das regras da
ordem econômica e financeira às disposições do texto constitucional que se
espraiam nas outras partes da Constituição Federal. A ordem econômica e
financeira é indissociável dos princípios fundamentais da República Federativa
e do Estado Democrático de Direito. Suas regras visam atingir os objetivos
fundamentais que a Constituição colocou na meta constitucional da República
Federativa. A ordem econômica e financeira é, por isso, instrumento para a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária. É a fonte das normas e
decisões que permitirão à República garantir o desenvolvimento nacional,
erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (HORTA, 1995, p. 301).
Para Cavallazzi Filho (2006, p. 40), eventual conflito ou mesmo
incompatibilidade, ainda que transitória entre o lucro (compatível com a livre
12
iniciativa da atividade empresária) e a concretização dos Direitos Sociais, a
solução jurídica adequada para dirimí-lo deverá privilegiar, ao final, os objetivos
sociais.
Como consequência, resulta lógico sustentar que a ordem econômica
brasileira, a partir da Constituição Federal, defende a livre iniciativa e a
valorização do trabalho humano, para que auxiliem – em caráter preferencial –
na proteção da dignidade da pessoa humana, afastando, portanto, qualquer
possibilidade de desprezá-la. Em outras palavras, a Constituição Federal,
quando trata da ordem econômica funcionaliza a atividade econômica para que
auxilie na proteção da dignidade da pessoa humana. Conclui-se, portanto, que
a Constituição de 1988, fundada no trabalho valorizado e na liberdade de
iniciativa, insere a função social como um dos princípios da ordem econômica.
Com isso, visou alcançar existência digna para todos (CAVALLAZZI FILHO,
2006, p. 40-41).
Diante desse contexto constitucional, há que se defender que a
preservação da sociedade empresária foi erigida a princípio constitucional, sob
pena de não atingir os objetivos pretendidos, dentre os quais, repita-se, a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), mesmo
porque nem todos os princípios constitucionais estão escritos (CAVALLAZZI
FILHO, 2006, p. 41). A solidariedade, ou socialidade, é um dos princípios
basilares do Estado e deve ser entendida, em primeira colocação, como um
elemento essencial de interpretação, na forma de interpretação conforme a
Constituição, irradiada pelo princípio maior da democracia social e econômica
(CANOTILHO, 1996, p. 340). A circunstância de o legislador constituinte haver
incluído no texto constitucional vários princípios e regras tipicamente de direito
privado impõe que todas as normas infraconstitucionais de direito civil devam
ser interpretadas em conformidade com a Constituição (FACHINI NETO, 2003,
p. 38).
Na verdade, para Sarmento (2004, p. 338), a solidariedade implica o
reconhecimento
de
que,
embora
cada um de
nós componha
uma
individualidade irredutível ao todo, estamos também todos juntos, de alguma
forma irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade não
deve ser o locus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo
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projetos pessoais antagônicos, mas sim um espaço de diálogo cooperação e
colaboração entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam como tais.
Para Ávila (2006, p. 35), a comprovação da existência de princípios
constitucionais não escritos está no próprio texto constitucional que, ao tratar
dos direitos fundamentais, estabelece em seu art. 5º, §§ 1º e 2º, que as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e que
os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros,
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Não se pode falar, portanto, na concretização dos direitos fundamentais
e, por conseguinte, na construção de uma sociedade mais justa e solidária sem
enfrentar e destacar o papel desempenhado pelas sociedades empresárias na
sociedade contemporânea. Afinal, o exercício dessa atividade econômica não
gera apenas deveres e obrigações estabelecidos pelo ordenamento jurídico,
como também interesses econômicos para a subsistência dos envolvidos direta
e indiretamente, cujo desenvolvimento dessa cadeia produtiva alcança o
Estado como um todo (CAVALLAZZI FILHO, 2006, p. 136).
1 A busca do pleno emprego
O pleno emprego, entendido como a condição do mercado de trabalho
na qual todo cidadão disposto a trabalhar encontra ocupação remunerada
segundo
suas
aspirações,
qualificações
e
habilidades,
é
condição
indispensável para construir uma sociedade efetivamente democrática, garantir
o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, e
possibilitar, aos que não dispõem de renda da propriedade, a realização
individual, segundo suas potencialidades. Nesse sentido, é a contrapartida
social do direito individual de propriedade e a proteção constitucional daqueles
que nascem sem direito a herança, mas com direitos de cidadania (ASSIS,
2000, p. 122-123).
Em síntese, a busca do pleno emprego figura como um princípio da
ordem econômica, consagrando a perspectiva de valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa, de modo a assegurar a todos a existência digna,
materializando-se como princípio diretivo da economia. Tem como objetivo a
redução gradual e progressiva da desigualdade social, decorrente do alto
14
desemprego contemporâneo, tido como um fenômeno estrutural, associado ao
rápido desenvolvimento tecnológico das últimas décadas (ASSIS, 2002, p. 1314).
O princípio da busca pelo pleno emprego na Constituição Federal de
1988 foi baseado nas ideologias de John Maynard Keynes, economista
britânico, que na primeira parte do século XX promoveu uma verdadeira
revolução no pensamento econômico, pois reformulou teorias que explicitavam
a necessidade de intervenção do Estado na economia como principal meio de
promover o efetivo desenvolvimento sócio-econômico.
Dessa forma, o autor correlaciona o direito ao trabalho com as políticas
públicas, principalmente com as políticas de trabalho e emprego, pois são
consideradas importantes instrumentos para se alcançar melhores índices de
empregabilidade, o que corresponde à busca do pleno emprego, estabelecida
pelo art. 70, inciso VIII, da Constituição Federal.
Segundo Fonseca (2003, p. 194), as políticas públicas nada mais são do
que uma das formas de materialização do direito ao trabalho, eis que neste
caso ele se apresenta como um mandato aos poderes públicos para a
consecução de políticas que objetivem o pleno emprego.
O pleno emprego decorre de uma democratização das relações de
trabalho e pode ser definido como uma condição do mercado onde todos os
que são aptos a trabalhar e estão dispostos a fazê-lo encontram trabalho
remunerado (ASSIS, 2002, p. 17).
A compreensão dos motivos que conduziram o legislador constituinte a
estabelecer a busca do pleno emprego como um dos elementos basilares da
sistemática jurídica brasileira é bastante simples, pois é a atividade laboral que
confere ao trabalhador a remuneração que por ele será utilizada para a digna
subsistência sua e de sua família (NITSCHKE JÚNIOR, 2008, p. 24). Ou
melhor, visa que todos estejam aptos, de forma igual, a disputar os mesmos
cargos empregatícios. Todo aquele que se encontra apto a trabalhar estaria
sujeito a uma relação de emprego. Ferreira Filho (1998, p. 356) atribui como
significado a criação de oportunidades de trabalho para que todos possam
viver dignamente do próprio esforço.
Então, mais uma vez é atribuído a empresa e ao governo o dever de
incentivar a geração de postos de trabalho, fazendo com que maior parte da
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população encontre vagas disponíveis, diminuindo o desemprego e como
consequência a desigualdade social do país. Porém, em uma sociedade
capitalista como a que se encontra hoje, com um mercado de trabalho cada dia
mais afunilado e acirrado devido às exigências para se qualificar, esse principio
adquire caráter utópico se não houver uma maior intervenção estatal em
inúmeros setores, desde o educacional até o de qualificação ocupacional.
Segundo Santos (2006), o êxito de uma política de pleno emprego
depende diretamente da atuação de agentes desenvolvedores de atividade
econômica – empresários. Sendo assim, um programa de promoção de pleno
emprego requer a intervenção estatal no sentido de remover entraves
econômicos. Assis (2000, p. 119) defende que o instrumento fundamental para
a promoção do pleno emprego é a mudança de política econômica monetária e
de política fiscal, que depende da mobilização constante da opinião pública e
da capacidade das lideranças políticas de implementar uma ação concreta.
Maestro Buelga (2002, p. 65) cita, como exemplo, as intervenções
destinadas a influenciar diretamente a demanda e a oferta, instrumentadas
através de mecanismos tributários e creditícios. E acrescenta que as políticas
de
mudanças
públicas
introduzem
a
possibilidade
de
influenciar
o
comportamento dos entes privados e no comportamento do sistema.
2 A função social da empresa
Comparato (1990) entende a função social como um poder de agir sobre
a esfera jurídica alheia no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio
titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas
indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e
exclusivas contra o titular do poder. É nessa hipótese, precisamente, que se
deve falar em função social ou coletiva. A função social da propriedade não se
confunde com as restrições legais quanto ao uso e gozo dos bens próprios.
Em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de
dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade
transmuda-se quando tais bens são incorporados a uma exploração
empresária em poder-dever do titular do controle de dirigir a sociedade
empresária para a realização dos interesses coletivos.
16
Daí o porquê destas considerações explicarem a inserção da função
social da propriedade no âmbito constitucional, bem como da sociedade
empresária que, por sua vez, encontrou respaldo no art. 170, III, da
Constituição Federal, que o instituiu como princípio da ordem econômica,
segundo Cavallazzi (2006, p. 153), uma vez que a sociedade empresária atua
não apenas para atender aos interesses dos sócios, mas de toda a coletividade
e principalmente dos empregados, finaliza (COMPARATO, 1990).
A função social da sociedade empresária se vincula, pois, de sorte
imediata, à atividade empresária desenvolvida e pode ser dividida em duas
espécies: endógena e exógena, de acordo com os fatores envolvidos. A função
social de caráter endógeno diz respeito aos fatores empregados na atividade
empresária no interior da produção. Assim, fazem parte dessa espécie as
relações trabalhistas desenvolvidas no âmbito empresário; o ambiente no qual
o trabalho é exercido; os interesses dos sócios da sociedade empresária não
implícitos na relação administradores-sócios etc. A função social da sociedade
empresária em seu perfil exógeno leva em conta os fatores externos à
atividade desenvolvida pela sociedade empresária. Nesse sentido, são
compreendidos nessa espécie de incidência da função social da sociedade
empresária: concorrentes, consumidores e o meio ambiente (AMARAL, 2008,
p. 119). A título de demonstração de que tanto o perfil exógeno quanto o
endógeno foram levados em conta pelo legislador constituinte, para Amaral
(2008, p. 120), faz-se imprescindível a transcrição do texto do art. 170 da
Constituição Federal, asseverando-se que tal preceito abre as disposições
constitucionais acerca da ordem econômica no Estado brasileiro. Vejamos:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
I. Soberania nacional;
II. Propriedade privada;
III. Função social da propriedade;
IV. Livre concorrência;
V. Defesa do consumidor;
VI. Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII. Redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII. Busca do pleno emprego;
17
IX. Tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no país.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos
em lei.
Amaral (2008, p. 120-121) acrescenta ainda que a transcrição do
preceito não só demonstra a preocupação do constituinte com a construção de
uma sociedade justa e igualitária, como traz à baila o fato de que, ao serem
previstos diversos princípios aplicáveis à ordem econômica, cada um deles
deverá ter a mesma importância, mas poderá se moldar mais adequadamente
a determinado caso concreto.
Da mesma forma, o caput do art. 170 da Constituição Federal traça os
limites que deverão ser obedecidos na aplicação dos princípios que integram
seu rol, ao delimitar objetivo relativo à existência digna de todos os brasileiros,
devendo ser levados em conta os ditames da justiça social, isto é, de uma justa
organização social dos componentes da sociedade numa expressa referência
ao direito como instrumento social. Também há que se afirmar que a ordem
econômica deve ser explicitamente fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa. Verifica-se, pois, que os fatores exógenos e endógenos da
atividade empresária estão presentes em tal artigo da Carta Magna. Afinal, a
valorização do trabalho humano, sob o ponto de vista empresário, encontra-se
dentre os fatores endógenos da função exercida pela sociedade empresária.
No que se refere ao meio ambiente, aos consumidores etc., tem-se expressa
preocupação do legislador constituinte com fatores exógenos à função social
da sociedade empresária, vez que voltados à coletividade na qual a mesma
exerce suas atividades (AMARAL, 2008, p. 121).
Nesse sentido, para Carvalhosa (1977, p. 237), a sociedade empresária
tem uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os
fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado que dela retira
contribuições fiscais e parafiscais. Para o autor, existem três principais funções
sociais da sociedade empresária: a primeira refere-se às condições de trabalho
e às relações com seus empregados; a segunda volta-se ao interesse dos
consumidores; a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes. E, ainda mais
18
atual, é a preocupação com os interesses de preservação ecológica urbana e
ambiental da comunidade em que a sociedade empresária atua.
Quanto às outras importantes atuações da função social da sociedade
empresária, Brevidelli (2000, p. 5) explica que seus reflexos sobre o contrato de
trabalho também são evidentes. Neles, impõe-se a incidência de outro princípio
a reger o contrato: a boa-fé objetiva que, por sua vez, pode ser entendida sob
dois enfoques: o subjetivo e o objetivo.
Para Couto e Silva (1976, p. 29-31), a boa-fé subjetiva refere-se a um
estado de consciência que consiste em ignorar que se está prejudicando
interesse alheio, protegido ou tutelado pelo direito. A boa-fé objetiva impõe um
dever e um padrão de comportamento baseados em lealdade, probidade e
confiança recíprocas. Assim, ela permite a concreção de normas impondo que
os sujeitos de uma relação se conduzam de forma honesta, leal e correta. Temse ainda que a boa-fé objetiva incide em três fases: pré-contratual, contratual e
pós-contratual. Os deveres de respeito e lealdade, devidos pelo empregador no
contrato de trabalho, desdobram-se em: 1. Fase pré-contratual: respeito à
privacidade durante a seleção de pessoal, deveres de informação clara e
precisa das tarefas a serem desempenhadas e das cláusulas contratuais em
questão, respeito às expectativas criadas no candidato; 2. Fase contratual:
respeito às cláusulas contratuais, deveres de cuidados com a saúde física e
mental do trabalhador (devendo os conceitos de insalubridade serem
estendidos quanto ao nível psicológico); 3. Fase pós-contratual: respeito estrito
ao Direito Constitucional ao trabalho, inscrito no art. 6º da Constituição Federal,
com a consequente proibição de fornecer más referências a novos
empregadores potenciais.
Para Brevidelli (2000, p. 6), toda a essência da relação de trabalho e a
proteção do trabalhador pode ter uma nova dimensão e parâmetro dentro
desse novo pensar da sociedade empresária. A questão do trabalho, e até
mesmo da efetividade do processo do trabalho, perpassa a maneira como se
estruturam as sociedades empresárias, como o Direito as conforma e como
permite ou não brechas para que as obrigações empresárias contraídas e os
deveres contratuais não sejam cumpridos, favorecendo a instabilidade social, a
concentração de riquezas e aumentando o fosso da injustiça social.
19
A função social da sociedade empresária, portanto, acarreta a
superação do caráter eminentemente individualista, devendo o direito individual
do seu titular coexistir com a funcionalização do instituto, desempenhando,
pois, um papel produtivo em benefício de toda a coletividade. A atividade
empresária, então, apresenta um caráter dúplice, uma vez que serve não só ao
sujeito proprietário, como também às necessidades sociais (CASTRO, 2007, p.
138). A função social da sociedade empresária, então, constitui-se em linha
mestra do direito de empresa no Código Civil, o que reforça a opinião da
preservação da sociedade empresária como princípio essencial desse diploma
legal.
Ainda, no que diz respeito à função social da sociedade empresária,
registra Tokars (2002, p. 77-96) que a função social significa um paliativo
retórico aos efeitos concretos de nossas políticas econômicas, ou seja, traduz
uma válvula de escape psicossocial, a qual pode ser definida como instrumento
de aparente conquista social que, na realidade, acaba por atuar exatamente de
forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista dos
interesses sociais.
Tem-se, então, que a busca da concretização de uma sociedade mais
justa e solidária, com a efetiva participação da sociedade, exige que as
sociedades empresárias adotem uma
postura positiva no tocante à
concretização dos direitos sociais. Essa responsabilidade e dever social das
sociedades empresárias, por sua vez, não afastam os deveres inerentes ao
Estado. Ao contrário, incumbe ao Estado não só concretizar políticas públicas
destinadas à moradia, segurança, saúde e educação, como, também, evitar
práticas
anticoncorrenciais
de
determinados
grupos
de
sociedades
empresárias. Estado e sociedade empresária, portanto, não mais atuam em
setores distintos. Na verdade se completam (CASTRO, 2007, p. 143).
Com o mesmo raciocínio, Gama (2007, p. 28) e Barcellos (2002, p. 110113) apontam que a função social do direito civil, como uma das exigências
fundamentais do Estado brasileiro, é um aspecto componente do aparato de
proteção que se dá ao princípio da dignidade da pessoa humana no sentido de
viabilizar a consolidação efetiva dos princípios de igualdade material e justiça
social.
20
3 O pleno emprego no processo falimentar e na recuperação de
empresas.
Com a promulgação da Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que
passou a viger a partir do mês de junho de 2005, houve a regulamentação da
recuperação judicial, da extrajudicial e da falência do empresário e da
sociedade empresária. Ela se aplica à execução concursal (e aos meios de
evitá-la, que passam a ser a recuperação judicial e a extrajudicial) do devedor,
sujeito às normas do direito empresário, cuja base inicial teórica encontra suas
premissas no livro II da Parte Especial do Código Civil de 2002.
Entendeu o legislador que, mantendo a fonte produtora, preservam-se
os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores, aqui vistos como
interesses imediatos ligados diretamente aos recebíveis e interesses mediatos
relacionados à perenização do fornecimento de produtos ou serviços em
contribuição direta do credor para a recuperação e preservação da sociedade
empresária.
Equivale dizer, para Almeida (2006, p. 527), que o objetivo da lei é o de
permitir a adoção de mecanismos que, pondo em relevo os aspectos
inequivocadamente
institucionais
da
empresa
viável,
busquem
sua
reorganização e recuperação econômica, com a consequente preservação de
empregos, sem prejuízo da produção e circulação de riqueza. Para a Lei nº
11.101/2005, empresas viáveis são aquelas que reúnem os requisitos
subjetivos e objetivos previstos nos artigos 47 e 48 (recuperação judicial) e 161
(recuperação extrajudicial) e que ainda, de acordo com o art. 53, possuam as
condições de observar os requisitos do plano de recuperação judicial.
Atinge-se, assim, a função social da sociedade empresária e o fomento
da atividade econômica, como se pode depreender do art. 47 que bem define o
espírito da legislação, segundo Simão Filho (2005, p. 324),
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação
da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim
de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego
dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função
social e o estímulo à atividade econômica.
21
Para Santos (2006), verifica-se no processo falimentar um tratamento
diferenciado aos contratos que tenham como parte o empresário falido. Os
contratos recebem tratamento jurídico diferenciado e são afastadas as regras
específicas do direito civil, direito do consumidor e direito empresarial. A
disposição geral sobre os contratos na falência autoriza a resolução dos
bilaterais não cumpridos e dos unilaterais (arts. 117 e 118 da Lei nº
11.101/2005) por decisão do administrador judicial, autorizado pelo comitê de
credores que poderá exercer o juízo de conveniência e oportunidade quanto ao
cumprimento ou à resolução dos contratos bilaterais não cumpridos ou
unilaterais.
No entendimento de Coelho (2005, p. 315), é condição para a rescisão
que nenhuma das partes tenha dado início, ainda, ao cumprimento das
obrigações assumidas, ou seja, o contrato seja unilateral. Excluem-se do
âmbito do preceito, portanto, e da possibilidade de serem rescindidos pela
decretação da falência, os contratos que, embora definidos como bilaterais pelo
direito obrigacional comum, já tiveram a sua execução iniciada por qualquer
uma das partes. Em suma, a falência do contratante pode provocar a rescisão
do contrato em que ambas as partes assumem obrigações se a sua execução
ainda não teve início por nenhuma delas e daquele em que somente uma das
partes (unilaterais) se obrigou. Se a falida ou o outro contratante já haviam
iniciado a execução do contrato bilateral, cumprindo parcial ou totalmente as
obrigações contraídas, a falência não poderá importar a rescisão. Entretanto,
nos contratos interempresariais, costuma constar do instrumento a expressa
previsão de rescisão na hipótese de falência de um ou de qualquer dos
contratantes. Se as partes pactuaram cláusula de rescisão por falência, essa é
válida e eficaz, não podendo os órgãos da falência desrespeitá-la. Assim, o
contrato se rescinde não por força do decreto judicial, mas pela vontade das
partes contratantes, que o elegeram como causa rescisória do vínculo
contratual, conclui Coelho (2005, p. 317).
Campinho (2006, p. 352) defende a possibilidade de continuidade das
relações de trabalho mesmo durante o processo falimentar. Melhor explicando,
os contratos de trabalho, cujo empregador é o falido não se resolvem com a
falência, uma vez que somente com a cessação das atividades da sociedade
empresária é que ocorrerá a causa resolutória desses contratos. Na hipótese
22
de continuidade da relação de trabalho na falência, subsistem ao empregado
os direitos advindos da existência do contrato de trabalho (art. 449, CLT) e os
créditos dele decorrentes terão prioridade entre os credores concursais até o
limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos (art. 83 da Lei nº
11.101/2005). Também o art. 141 da Lei nº 11.101/2005 preceitua que:
Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da
empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das
modalidades de que trata este artigo.
[...] II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e
não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do
devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da
legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de
trabalho.
§2º - Empregados do devedor contratados pelo arrematante
serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o
arrematante não responde por obrigações decorrentes do
contrato anterior.
Para Santos (2006), esse dispositivo otimiza e incentiva a aquisição de
toda a estrutura empresarial (recursos materiais e imateriais empregados) para
que um outro agente econômico possa explorar. É o fim da sucessão
empresarial na alienação do estabelecimento para os débitos de qualquer
natureza, inclusive os trabalhistas e tributários, tanto na falência como na
recuperação judicial. Como afirmado, o vínculo trabalhista entre o adquirente
da empresa do falido e os empregados que continuarem trabalhando naquela
atividade econômica é novo e as obrigações do antigo empregador não podem
ser cobradas do adquirente, estimulando os agentes econômicos na aplicação
do princípio da busca do pleno emprego a partir da preservação dos contratos
de trabalho bem como do princípio da função social da empresa.
Ressalva-se, segundo Coelho (2005, p. 367), a situação de adquirentes
que estejam agindo em nome e por conta de um ou mais sócios da sociedade
empresária quebrada. Quer dizer, se quem arrematou a empresa ou ativos da
falida tiver alguma ligação com os empreendedores e investidores dessa, a
sucessão se estabelece. Trata-se de dispositivo destinado a evitar fraudes no
manuseio de instituto jurídico de real importância para obtenção dos recursos
necessários ao atendimento dos direitos dos credores. Não são beneficiados
pela regra de supressão da sucessão, portanto, o sócio da falida (controlador
23
ou não), seu parente, sociedade controladora ou controlada dessa ou quem,
por qualquer razão, for identificado como agente do falido.
Considerações finais
A
atividade
empresária
possui
especial
relevância
para
o
desenvolvimento das sociedades contemporâneas uma vez que é fonte
geradora de empregos e de recolhimento de impostos e contribuições sociais,
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Ao
desempenhar essa atividade, funciona como mecanismo de inclusão social, de
promoção da dignidade da pessoa humana e de inserção no mercado de
trabalho de todos aqueles que são aptos a trabalhar e que estão dispostos a
fazê-lo, competindo ao Estado promover condições macroeconômicas de pleno
emprego, mediante à manipulação das políticas fiscal e monetária.
Entretanto, Assis (2002, p. 20-21) chama a atenção para o fato de que o
direito ao trabalho remunerado, mesmo quando protegido constitucionalmente,
não tem uma contrapartida específica que obrigue que ele seja satisfeito pelo
setor privado ou pelo setor público empregador. Ele se traduz, analiticamente,
como direito coletivo a uma política pública de promoção ao pleno emprego.
Certamente, só o Estado dispõe de instrumentos de política econômica para
criar condições favoráveis ao pleno emprego no mercado de trabalho. São
políticas do lado da oferta (treinamento e reciclagem de mão de obra) e,
principalmente, do lado da demanda (gastos e déficit fiscal para financiar os
investimentos públicos, redução da taxa de juros, redução da carga tributária,
obras públicas, subsídios e incentivos a investimentos privados, oferta de
empregos públicos, reforma agrária).
O princípio da busca do pleno emprego, como um princípio regulador da
ordem econômica, para Santos (2006), encontra amparo e lança seus
fundamentos para sua interpretação e aplicação na Lei nº 11.101/2005 que
reconhece a importância social da empresa, ao proporcionar a sua
recuperação tanto judicial como extrajudicial. O princípio utilizado como critério
para a utilização do procedimento de falência ou recuperação judicial é a
viabilidade e preservação da empresa. Dessa forma, tem por objetivo viabilizar
a superação da crise do empresário, permitindo a manutenção da sociedade
24
empresária, dos empregos e dos interesses dos credores, tem por objetivo
preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens e ativos.
Daí, para Fazzio Júnior (2005, p. 35), basta a presunção de insolvência
da sociedade empresária para justificar a busca de uma solução jurisdicional. O
interesse de agir nos processos regidos pela lei falimentar e de recuperação
das empresas habita na necessidade de um provimento judiciário apto a dirimir
não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas também toda sorte
de relações decorrentes, de modo a preservar, se possível, a unidade
econômica produtiva.
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26
PLANEJAMENTO FISCAL E CONTROLE INTERNO: A BUSCA POR MEIOS
LEGALMENTE ACEITOS PARA AMENIZAR O ÔNUS TRIBUTÁRIO
Caio Rodrigues do Vale – IPTAN
Especialista em Auditoria e Perícia Contábil – UFSJ
E-mail: [email protected]
Carla Agostini – IPTAN
Mestre em Administração – FEAD
E-mail: [email protected]
Fábio Bruno da Silva – IPTAN
Especialista em Controladoria e Finanças – UFSJ
E-mail: [email protected]
Kairo William de Carvalho – IPTAN
Especialista em Controladoria e Finanças – UFSJ
E-mail: [email protected]
Resumo: O estudo que se segue teve como objetivo geral conjecturar a
contribuição do controle interno para o planejamento tributário como ferramenta
que possibilite uma considerável redução de gastos empresariais, de forma
legal, frente aos tributos recolhidos. A metodologia utilizada neste trabalho foi
dedutiva, através de técnicas de pesquisa bibliográfica e documentação
indireta. Muitas são as contribuições das técnicas de controle interno para o
planejamento tributário que é uma ferramenta imprescindível para as empresas
que têmo anseio de diminuir a carga tributária de forma legal, isto é, fazendo
uso da elisão fiscal. Diversamente do que o senso comum acredita, a elisão
fiscal não é um artifício ilícito de modo a sonegar ou postergar o recolhimento
das obrigações tributárias; e, sim, um meio embasado em dispositivos legais,
que permitem ao contribuinte, através de um planejamento, optar pela melhor
forma de tributação entre as diversas maneiras oferecidas pelo poder público.
Este estudo é uma contribuição aos demais estudos na área tributária,
pretendendo se desmembrar em estudos futuros sobre o comportamento de
impostos como IPI, ICMS, IRPJ entre outros.
Palavras-chave: Planejamento Fiscal – Controle Interno – Ônus Tributário
Introdução
A redução de custos é uma necessidade de todas as empresas
brasileiras que estão em condições de alta competitividade; algo que se impõe
de forma ainda mais premente no que tange aos custos tributários, dado seu
fortíssimo incremento nos últimos anos e sua característica de não gerar
benefícios diretos às organizações (OLIVEIRA, p.189, 2009).
O presente trabalho faz uma análise sobre a literatura existente a
respeito do controle interno e tenta através de suas definições e objetivos
demonstrar o quanto ele se faz importante na hora de se fazer um
27
planejamento tributário com o objetivo de buscar uma solução menos onerosa
à empresa.
O planejamento tributário é uma importante ferramenta de análise para
todos os tipos de empresas e a sua eficácia demanda necessariamente um
bom controle interno. Uma mensuração errada neste momento pode gerar
consequências indesejadas às organizações.
A legislação tributária no Brasil é bastante ampla e de difícil
interpretação. Alguns autores a qualificam inclusive como onerosa às
empresas.
Nesse
aspecto,
a
complexidade
do
controle
interno
e
consequentemente do planejamento tributário está ligada, além da amplitude
do sistema tributário, ao tamanho/volume das operações da organização.
Assim, além da escrituração fiscal e do controle dos tributos que incidem
sobre as atividades de uma empresa, uma das mais importantes funções da
contabilidade tributária corresponde ao conjunto de atuações e procedimentos
que levaria a uma redução legal do ônus tributário empresarial, recolhendo
exatamente o montante que foi gerado em suas operações. Dessa forma, é
possível alavancar a rentabilidade e competitividade empresarial. Tal
instrumento recebe o nome de planejamento tributário.
Maganhin (2006) afirma sobre o tema que:
[...] é necessário observar que a carga tributária
imposta no Brasil é considerada elevada, tanto para as
pessoas jurídicas como pessoas físicas, pois engessa
o poder de investimento, tanto de um como de outro,
pois, de um lado, as empresas deixam de investir em
mão de obra, melhoramento de seus equipamentos, o
que ocasionaria maior produção, havendo maior
demanda de produtos, aumentando o consumo pela
pessoa física, que menos onerada principalmente nos
denominados impostos indiretos, aqueles imbutidos
nos produtos e bens de consumo passaria a consumir
mais.
Outro aspecto relevante é a tênue linha existente entre evasão, elisão e
elusão fiscal. O planejamento tributário não é caracterizado como elusão ou
evasão fiscal, portanto não há impedimento legal. Além do mais, o
planejamento tributário não configura a hipótese do não pagamento do tributo,
apenas permite ao gestor uma escolha pela melhor maneira do seu
recolhimento.
28
Planejar é antecipar-se à realização do objeto de estudo, neste caso,
tributário, o que permite ao gestor fazer com que o ônus tributário não afete a
lucratividade nem a competitividade da empresa, já que, o tributo tem peso
considerável na precificação;
Essa pesquisa tem caráter teórico e pretende investigar apenas como os
conceitos e definições de controle interno podem auxiliar as empresas que se
planejam tributariamente mais precisamente para a redução de seus custos
tributários.
1 A legislação tributária brasileira
O sistema tributário brasileiro encontra-se instituído nos artigos 145 a
162 da Constituição Federal - CF, e a lei complementar que o regulamenta é a
Lei n. 5.175, de 25 de outubro de 1966, também conhecida como Código
Tributário Nacional - CTN, que dispõe sobre o sistema tributário nacional e
institui as normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados e
aos Municípios.
No intuito de resguardar suas obrigações institucionais previstas na
Constituição Federal, que tem valor econômico e social, o estado, por sua
atividade financeira, precisa obter, gerir e aplicar os recursos indispensáveis às
necessidades que assumiu ou que cometeu àquelas outras pessoas jurídicas
de Direito Público (BALEEIRO, 1977).
A competência da União, dos Estados e dos Municípios, para instituir
tributos, encontra-se na CF/88, que também define as limitações do poder da
tributação e a repartição das receitas tributárias, bem como da legalidade da
tributação.
O Código Tributário Nacional – CTN, além das disposições gerais,
institui os tributos federais, definindo o fato gerador, a base de cálculo e o
contribuinte ou substituto tributário, dentre outras disposições específicas.
O CTN também é regulamentado por outras leis, que disciplinam
alíquotas, isenções, imunidades, não incidências etc, respeitando sempre o
disposto na CF/88. Os Estados e Municípios instituem, mediante lei, os tributos
estaduais e municipais, definindo o fato gerador, a base de cálculo, o
contribuinte ou substituto tributário, alíquotas, isenções, imunidades, não
incidências etc.
29
Para Martins (1998, p. 2), o sistema tributário nacional não é “(...) uma
simples justaposição de normas, havendo necessidade de certa coordenação
destas entre si e subordinação a princípios coerentes e harmônicos”, cabendo
ao profissional da área ter profundo conhecimento e estar constantemente
atualizando-se.
O sistema tributário no Brasil dificulta que as empresas apresentem um
desenvolvimento mais substancial no setor. Em média, 33% do faturamento
empresarial é destinado ao pagamento dos tributos recolhidos pelo Estado; o
ônus do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o lucro
empresas pode representar
à
entidade
das
cerca de 51% do lucro líquido
apurado, afirma Pesce (2005).
2 O controle interno
O controle interno é definido por Crepaldi (2002) e Almeida (2003), como
aquele que “representa em uma organização o conjunto de procedimentos,
métodos ou rotinas cujos objetivos são proteger os ativos, produzir os dados
contábeis confiáveis e ajudar a administração na condução ordenada dos
negócios da empresa”.
O Instituto de Auditores Internos no Brasil, Audibra (1992, p.48) relata:
[...] controles internos devem ser entendidos como
qualquer ação tomada pela administração (assim
compreendida tanto a Alta Administração como os níveis
gerenciais apropriados) para aumentar a probabilidade de
que os objetivos e metas estabelecidos sejam atingidos. A
alta administração e a gerência planejam, organizam,
dirigem e controlam o desempenho de maneira a
possibilitar uma razoável certeza de realização.
Sendo assim, cabe observar que o controle interno consiste em um
complexo sistema de rotinas e procedimentos a ser implementado nas
atividades organizacionais, de forma que se possa atingir os objetivos que
levaram a organização a estabelecer esses controles.
Na administração, existem três significados para a palavra controle,
segundo estudos de Chiavenato (1993, p. 262):
a) Controle como função restritiva e coercitiva: serve para coibir ou limitar
certos tipos de desvios indesejáveis ou de comportamento não aceitos.
30
É também chamado de controle social, pois inibe o individualismo e a
liberdade das pessoas, nesse sentido apresenta um caráter negativo e
limitativo.
b) Controle como sistema automático de regulação: tem como objetivo
manter o grau de fluxo ou funcionamento de um sistema. Dentro desse
mecanismo
de
irregularidades
controle
e
se
destacam
proporcionam
possíveis
automaticamente
desvios
a
ou
regulação
necessária para voltar à normalidade.
c) Controle como função administrativa: é o controle como parte do
processo administrativo, assim como o planejamento, a organização e a
direção fazem parte.
Em virtude da alta complexidade do sistema tributário nacional, bem
como de suas constantes modificações, se faz necessário um constante
acompanhamento por parte do profissional contábil acerca das legislações
vigentes no país. Ora para cumprir os prazos e determinações legais, ora para
beneficiar-se de medidas governamentais que dispensam ou reduzem
significativamente as obrigações tributárias.
De acordo com Oliveira et al (2009): “É de fundamental importância a
realização periódica de auditoria ou revisões fiscais nas áreas tributárias das
empresas. Os trabalhos devem ser realizados de forma preventiva, para o
aumento da eficácia e eficiência.” Sendo assim, para que se possa traçar um
planejamento tributário efetivo, é necessário um levantamento de todos os
aspectos relevantes da empresa para mensuração, acompanhamento e
controle no que tange às exigências tributárias em questão.
3 Planejamento tributário
Entende-se por planejamento tributário, a maneira que, através de estudos
da legislação vigente bem como das práticas contábeis aceitas, visa
considerável economia legal de impostos.
Em geral, o planejamento tributário é usado pela empresa para a redução
de seus próprios custos tributários, buscando a fórmula: redução do custo,
ganho de escala, diminuição do preço de venda, ganho de mercado
(OLIVEIRA, 2009).
31
Assim,
é
importante
que,
aliado
ao
planejamento
tributário,
a
operacionalização da empresa, bem como seus demonstrativos, refleta, na sua
totalidade, a realidade da empresa.
O tributo é uma variável extremamente onerosa na precificação dos
produtos e serviços oferecidos. A mensuração equivocada aqui pode refletir em
custos ainda maiores, afetando a competitividade da empresa no mercado.
Nas palavras de Oliveira et al (2003),
Redução de custos é a estratégia que mais se ouve ser
empregada nos dias atuais, em todo o mundo
globalizado. Sem dúvidas, para obter o melhor
resultado numa economia tão instável como a
brasileira, um dos mais significativos instrumentos que
dispõem as empresas, para que possam racionalizar
seus custos tributários, sem afrontar, as diversas
legislações que regem os mais diversificados tributos, é
o planejamento tributário, em todas as fases da cadeia
de valores do ciclo produtivo comercial.
Para tanto, o contador tem que acompanhar a evolução da legislação fiscal
de forma que ele possa reduzir a carga tributária da empresa assistida,
amparado pela elisão fiscal que segundo Fabretti (2003, p.133), “(...) é licita,
pois é alcançada por escolha feita de acordo com o ordenamento jurídico,
adotando-se a alternativa legal menos onerosa ou utilizando-se de lacunas na
lei.”
A elisão fiscal diferencia-se da evasão e da elusão fiscal. A primeira diz
respeito ao contribuinte que, por meios ilícitos, visa eliminar, reduzir ou retardar
o recolhimento do imposto. Já a segunda consiste em usar negócios jurídicos
atípicos ou indiretos com a finalidade de evitar a incidência de norma tributária
impositiva (TORRES, 2010).
O planejamento tributário pode abranger diversos tipos de empresas. Na
prática, quanto maior e mais dinâmica, mais detalhamento será exigido em seu
planejamento tributário, o ponto de vista empresarial, Oliveira (2009, p. 207) o
planejamento tributário, em face a estrutura gerencial contábil-financeiro, pode
ser classificado como:
a) Operacional - Refere-se aos procedimentos formais prescritos pelas
normas ou pelo costume, ou seja, na forma específica de
32
contabilizar determinadas operações e transações, sem alterar suas
características básicas.
b) Estratégico
-
Implica
mudança
de
algumas
características
estratégicas da empresa, tais como: estrutura de capitais, tipos de
empréstimos, contratação de mão-de-obra etc.
Oliveira (p. 208, 2009) ainda nos traz três tipos de planejamento tributário
na visão jurídica: o preventivo, desenvolvendo-se por intermédio de orientações
às atividades de cumprimento da legislação; o corretivo, quando detectada
determinada anormalidade, procede-se ao estudo e às alternativas de correção
da anomalia; e o especial, decorrente da função da necessidade de expansão
empresarial.
Para Campos (1985), ainda podemos classificar o planejamento tributário
pelo critério das áreas de atuação e conforme o objetivo. Pelo critério das áreas
de atuação, ele pode ser: administrativo, por intervenções diretas no sujeito
ativo, por exemplo: a consulta fiscal; judicial, pelo pleito de tutela jurisdicional,
como em ação declaratória de débito fiscal; e pode ser, interno, com atos
realizados dentro da própria empresa, como o Comitê de Planejamento
Tributário.
Considerando o objetivo, ele pode ser:
a) Anulatório – empregando-se estruturas e formas jurídicas a fim de
impedir a concretização da hipótese de incidência da norma.
b) Omissivo ou evasão imprópria – a simples abstinência da realização
da hipótese de incidência; por exemplo: importação proibitiva de
mercadorias com altas alíquotas.
c) Induzido – quando a própria lei favorece, por razões extrafiscais, a
escolha de uma forma de tributação, por intermédio de incentivos e
isenções; por exemplo: a compra de mercadorias importadas por
meio da Zona Franca de Manaus.
d) Optativo – elegendo-se a melhor forma elisiva entre as opções dadas
pelo legislador; por exemplo: opção entre a tributação do IR pelo
lucro real ou presumido;
e) Interpretativo ou lacunar – em que o agente se utiliza das lacunas e
imprevisões do legislador; por exemplo: não incidência do ISS sobre
transportes intermunicipais;
33
f) Metamórfico ou transformativo – forma atípica que se utiliza de
transformação ou mudança dos caracteres do negócio jurídico, a fim
de alterar o tributo incidente ou aproveitar-se de um benefício legal;
por
exemplo,
a
transformação
da
sociedade
comercial
em
cooperativa (menor ônus tributário no regime jurídico pátrio).
Essas classificações não abrangem todas as formas de planejamento
tributário, pois elas são limitadas apenas pela lei e pelos expedientes
imaginativos do tributarista. O planejamento pode – e, em geral, é o que ocorre
– não se ater só a uma fórmula ou conduta, mas se utilizar de vários métodos
interligados.
Em virtude da grande maioria dos tributos ter sua base de cálculo apoiada
em valores determinados pela contabilidade, o profissional dessa área, com o
tempo, torna-se um grande conhecedor das formas práticas de arrecadação e
do funcionamento dos tributos, podendo ter participação relevante no
planejamento tributário.
Como ciência, a Contabilidade tem como finalidade orientar e registrar os
fatos administrativos das entidades, permitindo um controle patrimonial e as
mutações ocorridas em um determinado período, exercendo, portanto, grande
importância na questão ora apresentada, e deve ser instrumento essencial para
elaboração de um planejamento tributário eficaz (BORGES, RODRIGUES,
RODRIGUES, 1998).
Em razão de sua principal ocupação em coordenar e operacionalizar a
contabilidade, o contador não tem disponibilidade temporal para atualizar-se
constantemente face às mutações legislativas. Essa talvez seja a dificuldade
principal para que ele tenha condições de executar um bom planejamento
tributário.
Considerações finais
Observados os aspectos legais das formas de tributação existentes, a
própria legislação vigente permite ao contribuinte opção entre diversas
maneiras de recolhimento de um dado tributo. Cabe à empresa se organizar e
optar por aquela que melhor se encaixa à sua atividade.
É nesse momento que se faz presente um estudo tributário, ou
planejamento tributário, a partir dos diversos controles internos que podem ser
34
estabelecidas para que, dentro dos vários regimes de tributação, a empresa em
questão possa tornar-se competitiva, a começar pela considerável economia de
impostos.
Para que se possa viabilizar tal estudo tributário, é importante também que
a empresa tenha um excelente controle de sua produção, evitando perdas,
desperdícios
e/ou
mensurações
equivocadas
que
possam
influenciar
negativamente seu planejamento tributário.
Cabe destacar que, além do reflexo negativo causado pelo equívoco na
mensuração de resultados, a empresa incorre no risco de auto arbitramento e
pagamento de penalidade pecuniária, que afeta consideravelmente o resultado
da empresa.
Este estudo é uma contribuição aos demais estudos na área tributária,
pretendendo se desmembrar em estudos futuros sobre o comportamento de
impostos como IPI, ICMS, IRPJ entre outros.
Referências
AUDIBRA – Instituído dos Auditores Internos do Brasil. Normas brasileiras
para o exercício da auditoria interna. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti. Auditoria: Um curso moderno e completo. 6.
ed. São Paulo: Atlas, 2003.
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1977.
BRASIL. Código Tributário Nacional. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,
1988.
BORGES, Antônio et al. Elementos de contabilidade geral. 16. ed. Lisboa:
Áreas, 1998.
CREPALDI, Silvio Aparecido. Auditoria Contábil. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2002.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração: teoria, processo e prática. 2. ed. São
Paulo: Makron Books, 1994.
FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. 10. Ed. São Paulo:
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MARTINS, Ives Gandra da silva et al. Comentários ao código tributário
nacional. 2 vol. São Paulo: Saraiva, 1998.
MAGANHINI, Thais Bernardes. A Função Social do Tributo. In.: I Encontro de
Estudos Tributários – ENET. Instituto de Direito Tributário de Londrina. 2006.
OLIVEIRA, Gustavo Pedro de. Contabilidade Tributária. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2009.
OLIVEIRA, Luiz Martins de et. al.Manual de Contabilidade Tributária: textos e
testes com respostas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
OLIVEIRA, Luiz Martins de et al.Manual de Contabilidade Tributária. 2. ed. São
Paulo: Atlas. 2003.
35
PESCE, R. A. Planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 533, p. 1-5, 2005.
TORRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia
privada/simulação/elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
36
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Marcos Cardoso Atalla – IPTAN
Especialista em Direito Público
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente artigo tem como finalidade realizar um estudo referente à
nova dinâmica da criminalidade no mundo, especificamente, quanto às
organizações criminosas. Trata-se de fenômeno afeto a inúmeros países, não
ficando o Brasil imune a tal criminalidade. Serão discutidas, primeiramente, a
dificuldade e a demora que o Estado Brasileiro teve em conceituar e tipificar as
organizações criminosas. Tal demora impossibilitou a diversos órgãos da
persecução criminal realizar um enfrentamento eficaz nas facções criminosas
que surgiram na década de setenta. Além disso, será feita referência às
diversas facções criminosas pelo mundo, principalmente na Itália, com as
famosas máfias, passando pelos cartéis mexicanos, piratas da Somália, além
de outras inúmeras organizações criminosas que utilizam o tráfico de drogas,
pessoas e outros crimes para se fortalecerem financeiramente. Esta nova
roupagem da criminalidade encontra terreno fértil em estados com grande
instabilidade social e política, como é o continente africano. Quanto à realidade
brasileira, será discutida a origem de facções criminosas, tais como: Comando
Vermelho e Primeiro Comando da Capital – PCC. A primeira, surgida com a
difusão de presos políticos e comuns no presídio da Ilha Grande no Estado do
Rio de Janeiro, durante a ditadura militar. Já o Primeiro Comando da Capital
surgiu na década de noventa com a reivindicação de presos políticos nos
presídios paulistas. Por fim, serão discutidos e mostrados quais são os
instrumentos jurídicos que o Estado Brasileiro possui para combater as facções
criminosas, bem como a eficácia dos mesmos.Tal discussão é necessária para
chegarmos à conclusão se enrijecimento da normatização será uma solução
ideal ou um fomento para a criação de novas organizações criminosas na
sociedade brasileira.
Palavras-chave: Organização – Criminosa – Combate
Introdução
No direito penal clássico, estudamos que cada crime tem um sujeito
ativo definido e uma vítima conhecida ou definida. Os crimes geralmente eram
praticados num espaço territorial limitado com o modus operandi simples e de
fácil constatação. Com o passar dos anos e a chegada da era da globalização,
a prática do delito não tem mais limitação territorial, expandido para uma
complexa rede de envolvidos, onde o iter criminis atravessa as fronteiras de
vários países.
37
Nessa realidade, a sociedade movida pelos ditames do mercado
capitalista e globalizado floresceu e, em consequência, cresceram as
organizações criminosas, que são associações de pessoas bem organizadas e
financeiramente fortes, unidas com o único propósito de conquistar poder com
práticas reiteradas de crimes, tendo conexões com diversas entidades privadas
e públicas.
Nas associações criminosas, prevalece uma hierarquia muito forte entre
as pessoas e uma fidelidade que vale a vida. Diversos países já enfrentam
esse problema há vários anos, como a Itália e os Estados Unidos. No Brasil, foi
no começo da década de 70 que surgiram, de forma embrionária, as primeiras
organizações criminosas.
Este artigo tem o escopo de mostrar e conceituar o que é a organização
criminosa, passando a mostrar a realidade do crime em outros países e no
Brasil e, por fim, demonstrar que o Estado Brasileiro tem instrumentos jurídicos
para combater estas facções criminosas.
1 Conceito de Organização Criminosa
Um dos problemas do enfrentamento no Brasil, no que tange à facção
criminosa, é sua definição. Mesmo sendo imensa a voracidade do legislador no
ramo do direito penal, não tínhamos, até pouco tempo, uma tipificação ou uma
definição do que seria uma organização criminosa.
A primeira norma que fez menção à organização criminosa foi a Lei n.º
9034/95 que dispunha: “sobre a utilização de meios operacionais para a
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”. A
referida legislação não definia o que seria organização criminosa, mas apenas
instrumentos jurídicos de para combate à referida associação criminosa.
Diante dessa lacuna, alguns doutrinadores utilizaram o conceito de
organização criminosa como sendo aquele feito pela Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) que
diz que o crime organizado seria
Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito
de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na
presente convenção, com a intenção de obter, direta ou
38
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício
material.
Essa conceituação era recomendada pelo próprio Conselho Nacional de
Justiça (CNJ Recomendação n.º 03/2006). Assim, essa orientação estabelecia
que um tratado internacional definiria o que seria organização criminosa.
Todavia, no Habeas Corpus de n.º 96.007/SP, o Supremo Tribunal
Federal, ao julgar questões sobre a nova lei de lavagem de dinheiro (Lei n.º
12.683/12), entendeu que o conceito de organização criminosa não podia ser
extraído da Convenção de Palermo, sob pena de ofender o princípio da reserva
legal, garantia individual prevista na Constituição Federal.
Nesse ambiente de indefinição e com intuito de proteger os operadores
do direito que julgam essas facções criminosas, surgiu a Lei n.º 12.694/12, que
“dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de
jurisdição de crimes praticados por organização criminosa”. Nessa lei, o juiz,
indicando os motivos que possam acarretar risco à sua integridade física,
poderá formar um colegiado para decisões cautelares, bem como para dar
sentença.
Além de outras medidas atinentes à segurança do magistrado, pela
primeira vez, o ordenamento jurídico define o que seja organização criminosa.
O art. 2º da Lei n.º 12.694/12 reza que:
Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa
a associação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter
transnacional.
Passado um ano, entra em vigor uma nova lei sobre a organização
criminosa, qual seja, a Lei n.º 12850/2013, tipificando, pela primeira vez, o
conceito de organização criminosa no seu art. 1º, § 1º, que estabelece:
Considera-se organização criminosa a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direita ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam
39
superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional.
Após esse relato, observamos que existem duas legislações a respeito
da definição de organização criminosa, surgindo a dúvida se houve por parte
da Lei n.º 12850/13 revogação tácita e parcial da Lei n.º 12694/12.
Alguns doutrinadores entendem que é possível conciliar as duas
legislações, mas há entendimento contrário, que merece respaldo e que deve
prevalecer, como esclarece o professor Lima (2014, p. 479):
Não podemos concordar com tal entendimento. Por mais
que a lei n.º 12.850/13 não faça qualquer referência à
revogação parcial da lei n.º 694/12, especificamente no
tocante ao conceito de organizações criminosas, é no
mínimo estranho aceitarmos a superposição de conceitos
distintos para definir tema de tamanha relevância para o
Direito Penal e Processual Penal.
2 Organização Criminosa no Mundo
Longe de ser uma realidade brasileira, o fenômeno das organizações
criminosas há muito tempo está presente em vários países. Assim,
considerando essa realidade, relato apenas algumas facções criminosas mais
famosas e a grande repercussão que causaram em virtude de suas atuações,
que levando a uma reflexão mundial por parte de organismos internacionais, no
intuito de combatê-las.
2.1 Máfia Italiana
Descrevo a Máfia Italiana como gênero, pois na Itália há diversas
organizações criminosas com denominação de máfia. A mais famosa e antiga é
a organização criminosa denominada “Cosa Nostra”, com origem na região da
Sicília. Essa facção é totalmente hierarquizada e rígida, como se fosse uma
empresa. O tráfico de heroína, lavagem de dinheiro, corrupção e tráfico de
armas militares são alguns delitos que sustentam esse grupo.
Hoje, essa organização criminosa está mais silenciosa, devido ao fato de
que, na década de 80, o Juiz Giovanni Falconi iniciou uma batalha contra a
“Cosa Nostra”, culminando no maior processo criminal até então existente na
Itália, com 360 mafiosos condenados e o seu chefão “Salvatore Riina” preso
em 1993.
40
Outra Organização Criminosa famosa na Itália é a “Camorra”, na região
de Nápoles. O que é específico dessa facção é a excessiva demonstração de
riqueza, com a exibição de mansões e carros de luxo. É uma máfia com
número de membros excessivamente alto, atuando na Espanha, França,
Holanda, Estados Unidos, Leste Europeu e na América Latina. Mantém-se pela
prática de tráfico de pessoas, drogas, contrabando de cigarros e despejo ilícito
de lixo.
Por fim, temos na Itália, a “Ndrangheta”, que apesar de ser a máfia
menos conhecida, é a mais rica. Tem sua origem na região da Calábria, sendo
uma forte distribuidora de cocaína, com estreita relação com os produtores
colombianos.
2.2 Cartel Mexicano
A guerra declarada dos Estados Unidos contra a droga teve início com
sua atuação permanente e compulsiva no território colombiano, o qual era visto
pelos mericanos como o maior produtor de cocaína do mundo. Ocorre que
esta investida, pelo destino, trouxe um resultado inusitado, ou seja, o
fortalecimento de organizações criminosas no México, país vizinho que faz
fronteira com diversos Estados Americanos.
Segundo afirma o repórter Dutra (2014, p.12), “O combate americano ao
tráfico de cocaína sufocou os cartéis colombianos. Em vez de acabar com a
droga isso abriu espaço para os sangrentos cartéis mexicanos, cujas disputas
já mataram 60 mil pessoas desde 2006.”
Os cartéis mexicanos são extremamente violentos e despejam heroína,
cocaína, ópio e metanfetamina nos Estados Unidos, pela Califórnia, Novo
México e Texas. Podemos citar como principais cartéis: Cartel do Golfo, Cartel
de Juarez, Los Zetas, Cartel de Sinaloa e, por fim, Cartel de Tijuana. Juntos,
esses cartéis já faturaram, em média, 29 bilhões de dólares no tráfico de
drogas.
2.3 Piratas da Somália
Com o fim da influência socialista da URSS, a Somália ainda enfrenta
em seu território uma verdadeira anarquia em face também inúmeras guerras
tribais. Somando a isso, com a influência também de grupos islâmicos, o
41
cenário ficou propício ao surgimento de piratas, que abordam inúmeros navios
petroleiros com intuito de saqueá-los, sendo que no período de 2005 a 2012
faturaram quase 400 milhões de dólares. A localização da Somália também
ajudou na expansão dessa facção criminosa, pois inúmeros navios petroleiros
vindos do Golfo Pérsico passam próximos ao litoral deste país.
2.4 Outras Facções
É possível o relato de diversas outras facções criminosas no mundo,
mas é importante salientar que estes grupos organizados estão espalhados no
mundo inteiro, aproveitando, principalmente, a fragilidade do Estado ou quando
a maioria está em grande instabilidade, com uma guerra civil. O objeto e a
prática de delitos são os mais variados possíveis: desde o tráfico de pessoas,
tráfico de órgãos, passando ainda pela falsificação de remédios e roupas, até
sequestro de crianças. Tudo com a finalidade de lucrar milhões de dólares e
demonstrar poder. Estando o Brasil inserido no mundo, não ficaria imune a tal
infecção, principalmente com o fenômeno da globalização. É deste fenômeno
em terras brasileiras que tratará o próximo tópico.
3 Facções criminosas no Brasil
Alguns historiadores defendem que a primeira organização criminosa
que imperou no Brasil foi conduzida no agreste nordestino, por Lampião, que,
por meio do seu grupo, espalhava terror quando chegava às cidades para
saquear e matar, no início do século passado. Entretanto, podemos dizer que
as duas facções criminosas mais importantes no Brasil seriam o Comando
Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital).
3.1. Comando Vermelho
Com a implantação do Estado Novo pelo presidente Getúlio Vargas, foi
criada, no litoral do Rio de Janeiro, mais precisamente na Ilha Grande, a
Colônia Penal denominada “Cândido Mendes”, que tinha por finalidade abrigar
presos políticos.
Com o passar dos anos e com a chegada do golpe militar de 1964, os
militares utilizaram novamente o referido presídio para custodiar os presos
políticos.
42
Também ficaram naquele local os presos que praticavam roubos a
bancos e sequestros sem conotação política, mas que se enquadravam na Lei
de Segurança Nacional.
No início da década de 70, naquele centro de encarceramento ficavam
separados os presos políticos e os presos comuns. Todavia, com o passar dos
anos, os presos foram misturando e a doutrina de organização e união para
reivindicação de direitos foi sendo disseminada para os presos comuns. Estes
não aprenderam a prática do crime, mas como estabelece Farias: “(...) o que
eles aprenderam foi que suas reivindicações dentro da cadeia poderiam ser
ouvidas e atendidas se fossem feitas por todos, como um grupo coeso, e que
sua desunião só favorecia seus carcereiros e a administração do presídio”.
Com este propósito, no ano de 1979, com a “Falange Vermelha”,
posteriormente denominada “Comando Vermelho”, foi consolidado o poder no
presídio da Ilha Grande da primeira organização criminosa do Brasil, que, na
década de 80 e 90, dominou o comando no morros cariocas para a prática do
tráfico de drogas.
3.2 Primeiro Comando da Capital – PCC
O surgimento da facção criminosa PCC teve sua origem no
interior do “Centro de Readaptação Penitenciária”, anexo à “Casa de Custódia
de Taubaté”, na cidade de São Paulo, mais conhecido como “Piranhão”.
No início, e segundo alguns escritores, o PCC nasceu após a
reunião de detentos em uma partida de futebol e teve como objetivo a luta pela
melhoria de condições dos presídios paulistas. Este período, década de 90, foi
uma época de estruturação e solidificação dos pilares do Primeiro Comando da
Capital.
A estrutura do PCC era totalmente formada por segmentos chamados de
células, compostos por “soldados” e comandados por “pilotos”. Cada “piloto”
era subordinado de uma “torre”, liderança que decidia as atividades desta
organização criminosa.
De organização interna dos presídios, o PCC passou a mostrar sua cara
em 18 de fevereiro de 2001, quando organizou uma Megarrebelião no estado
Paulista.
43
O apogeu desta facção criminosa adveio quando ocorreu
a maior rebelião da qual se tem notícia no mundo, a
chamada “Megarrebelião”, em 18 de fevereiro de 2001.
Tal rebelião envolveu 29 presídios com ações
simultâneas. O governo estima em 28 mil o números de
rebelados reunidos pelo Primeiro Comando da Capital em
19 municípios. Conforme sustentado pelo jornalista
Alexandre Silva, para se ter uma ideia da dimensão do
ato, a Polícia Civil de São Paulo, no mesmo dia, era
formada de 35 mil homens” (2007, apud Shimizu, 2011,
p.139).
Outra atuação do PCC, de forma ofensiva, foi no ano de 2006, com
atentados a agências bancárias, postos policiais e prédios públicos.
O Primeiro Comando da Capital é uma organização criminosa de
atuação no território brasileiro, funcionando como uma verdadeira empresa,
com arrecadação de taxas impostas e prática de crimes, com intuito de manter
o poder dentro e fora dos presídios brasileiros.
4 Ordenamento Jurídico no combate às organizações criminosas
Com a
crescente
atuação
das facções criminosas e
com o
reconhecimento das autoridades brasileiras da existência de organizações
criminosas, houve por parte do Estado Brasileiro uma reação legislativa de
forma desenfreada, que culminou na vigência de diversas normas de
enrijecimento e combate às organizações criminosas, que ficou denominada
“legislação penal do pânico”.
Podemos citar, como primeiro exemplo desta legislação, a Lei n.º
11343/06, que endureceu a pena de tráfico de drogas e possibilitou a
diminuição da pena de quem não participasse de organização criminosa. Em
relação ao direito processual, foi criado o interrogatório por vídeo conferência,
em caso de presos perigosos, e para garantir a ordem pública, afetando o
direito de presença que o réu tem em relação ao seu julgador.
No ano de 1995, foi editada a primeira lei de combate ao crime
organizado, a Lei n.º 9034/95, posteriormente alterada pela Lei n.º
10.217/2001, que criou mecanismos como a interceptação ambiental e
infiltração policial. A referida legislação foi criticada em virtude de não definir ou
criar um tipo penal referente à organização criminosa.
44
No campo da execução penal, foi criado o RDB – Regime Disciplinar
Diferenciado para presos que cometessem, dentro dos presídios, falta grave,
isolando o detento e retirando-lhe diversos direitos.
Já no ano de 2012, com o intuito de proteger magistrados que atuam em
processos referentes à organização criminosa, entrou em vigor a Lei n.º
12.694/12, que criou o juízo colegiado para julgamentos de crimes praticados
por organização criminosa. Essa lei foi a primeira a definir o que seria
organização criminosa, revelando que se trata de associação de mais de três
pessoas.
Todavia, no ano seguinte, veio a mais completa lei sobre o crime
organizado, a Lei n.º 12.850/2013, que: “define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal os meios de obtenção da prova, infrações penais
correlatas e o procedimento criminal”.
A referida norma legal foi um avanço no que tange à definição e
tipificação do conceito de organização criminosa, além de avançar em
inúmeros instrumentos no combate e investigação por parte do Estado.
Podemos citar os institutos jurídicos como: colaboração premiada, captação
ambiental, ação controlada, além de mecanismos já existentes, tais como:
acesso a registros de ligações telefônicas, dados cadastrais de bancos,
interceptação telefônica, afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, e
infiltração por parte de policiais.
Enfim, além da tipificação, essa nova legislação trouxe importantes
mecanismos de controle e combate às organizações criminosas, que darão aos
órgãos estatais mais eficiência no combate a essas facções criminosas.
Considerações Finais
A abordagem deste artigo teve a finalidade de demonstrar que as
organizações criminosas não estão no imaginário dos jornalistas ou são
apenas uma realidade no mundo do cinema. Trata-se de assunto e problema
real e grave, que as autoridades públicas têm o dever de reconhecer e
trabalhar para combatê-las, sob pena do crescimento e fortalecimento dessas
facções. Longe de ser uma realidade no território brasileiro, pelo contrário,
países como Itália, Estados Unidos e grande parte da Europa há muito tempo
vêm enfrentando essa nova roupagem da criminalidade. É dever do Estado
45
brasileiro coopera e procurar ajuda no sentido de assinar tratados de
cooperação, pois as organizações criminosas não têm limite territorial,
expandido-se por diversos países. No âmbito nacional, é necessário o
aprimoramento da legislação, dando instrumentos eficazes aos órgãos de
persecução criminal para o combate a essas facções. É evidente o necessário
equilíbrio, pois não podemos, como já foi falado, em nome da legislação penal
do pânico, bem como do direito penal do inimigo, desprezar e anular as
garantias constitucionais.
É necessário também entender que o enrijecimento e a repressiva política
criminal não trazem nenhuma solução. Pelo contrário, aumentam o problema,
pois sabemos que, na realidade brasileira, as facções criminosas tiveram seu
berço nos presídios estatais. Cabe, enfim, aos governantes, admitir essa nova
delinquência e munir os órgão estatais de eficientes instrumentos de
inteligência para o combate dessas organizações criminosas, sob pena de,
caso ocorra omissão, surgir um estado paralelo onde imperam a força, a
desordem e a violência.
Referências
LIMA, R. B. Legislação especial comentada, Salvador: Juspodivm, 2014,
SHIMIZU, Bruno. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas, São
Paulo: Ibccrim, 2011.
DUBRA, P. I. Los carniceiros:crime organizado. Super Interessante, São Paulo:
Abril, 2014.
SOUTHWELL, David. A história do crime organizado, São Paulo: Escala,
2014.
46
O ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA
Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN
Especialista em Gestão de Pessoas
Émerson dos Santos Ribeiro – IPTAN
Especialista em Matemática – OFIJ
Márcio Lobosque Senna Neves – IPTAN
Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ
Paulo André d’ Assunção – IPTAN
Especialista em Logística e Finanças – UFSJ
Marina Helena de Resende
Graduada em Administração – IPTAN
Resumo: Este artigo tem como objetivo conceituar o assédio moral,
enfatizando sua prática nas organizações e, diante disso, mostrar as
consequências trazidas para as vitimas do assédio, para os assediadores e,
também, para a empresa. Várias doenças, algumas mais graves que as outras,
podem afetar o assediado, na sua vida pessoal e profissional, prejudicando o
seu rendimento dentro da organização. O assédio moral é um grave problema
a ser sanado e necessita da intervenção jurídica para que isso ocorra. Daí o
surgimento de leis para punir os agressores morais e as empresas que, de
certa forma, “acobertam” essa situação desagradável.
Palavras-chave: Assédio moral – Doenças – Rendimento – Intervenção
jurídica
Introdução
O assédio moral dentro das empresas pode ser muito comum e seus
efeitos nos trabalhadores são visíveis, uma vez que implicam em transtornos
mentais e físicos. O assédio moral expõe o trabalhador a situações
humilhantes e/ou constrangedoras por períodos longos, com o objetivo de
desestabilizá-lo, por qualquer que seja o motivo. O assediador passa a ter um
poder sobre o assediado, que começa a trabalhar sob pressão. As práticas de
assédio podem envolver calúnias, xingamentos ou piadas, afetando a vida
pessoal do trabalhador, sua produtividade e, consequentemente, toda a
organização, uma vez que os desequilíbrios na saúde do funcionário trazem
consequências na qualidade dos serviços prestados e no nível de produção,
afetando o lucro e os custos da organização.
O assedio pode acontecer em toda organização e muitos não ficam
cientes, sendo sua discussão de extrema importância para a sociedade, uma
vez que em pleno século XXI a ocorrência desta situação ainda é um tabu,
47
sendo encoberta e não divulgada, o que torna o colaborador assediado uma
vítima sem suporte para enfrentar o problema. O assediador pode ser uma
única pessoa que está no ambiente de trabalho ou, até mesmo, um grupo de
pessoas, e esse tipo de ação ataca a autoestima do outro de tal forma que
afetará seu rendimento, sua vida pessoal e profissional. Assim, o assediado
fica submisso ao assediador e, na maioria dos casos, os assediados omitem a
ocorrência, seja por medo ou por vergonha e é aí que a organização deverá
atuar, defendendo os direitos dos trabalhadores, bem como o bom clima de
trabalho e a preservação das condições emocionais e psicológicas das
pessoas. Dessa forma, o tema proposto neste trabalho pretende contribuir para
uma visão acerca desse assunto, através da discussão das leis sobre o
assédio.
Diante dessa situação, surge o seguinte problema a ser analisado: quais
os danos causados à saúde do trabalhador e quais as consequências no
ambiente de trabalho quando da ocorrência de
assédio moral nas
organizações?
Este artigo possui por objetivo geral, portanto, analisar as causas e
consequências do assédio moral nas organizações visando a melhoria do
ambiente de trabalho. Para tanto, faz-se necessário no desenvolvimento do
trabalho conceituar assédio moral, diferenciando-o de assédio sexual;
identificar as possíveis causas do assédio Moral nas organizações; apontar as
leis que amparam o assediado perante tal situação; relatar as possíveis
consequências trazidas pelo assédio, como por exemplo, doenças e
transtornos, através de uma revisão bibliográfica sobre o assunto.
Como metodologia o trabalho consistirá em uma revisão bibliográfica
sobre o tema e será realizado através de pesquisas em livros que versam
sobre o assédio, bem como artigos científicos e de sites especializados,
revistas e periódicos, jornais, monografias, dissertações e teses, para, dessa
forma, trazer ao leitor uma visão mais apurada do tema em sintonia com o atual
cenário em que as pessoas se relacionam.
1 Conhecendo o assédio moral
É possível dizer que o Assédio Moral é tão antigo quanto a própria
relação trabalhista. Essa destruição moral sempre existiu, tanto no sentido
48
pessoal quanto no profissional, porém, principalmente nas organizações,
permanece oculta, muitas vezes, pelo medo de perder o emprego.
Existem vários conceitos para assédio moral, essas definições variam de
acordo com o enfoque, por exemplo, o enfoque médico, psicológico e jurídico.
Nesta seção serão abordados os conceitos de Assédio Moral, bem com a sua
história, diferenciando-o do assédio sexual e, por fim, discutindo como a
organização pode perceber a ocorrência do mesmo.
1.1 Caracterização do Assédio Moral
A expressão Assédio Moral varia de termos como mobbing,bullying ou
harassment, que foram utilizados por diversos pesquisadores que deram
diferentes enfoques ao assunto.
O termo mobbing foi utilizado pela primeira vez por Konrad Lorenz, em
1968, que queria denominar “os ataques de um grupo de pequenos animais
que ameaçam um animal maior”. Depois em 1972, Paul Heinemann, médico
renomado, utilizou esse termo para definir o comportamento perverso de
grupos de crianças em relação a um colega na escola. Heinz Leymann,
psicólogo do trabalho, encontrou um comportamento similar no ambiente de
trabalho e usufruiu da expressão, tornando-se o pioneiro no estudo do
mobbing. Assim, segundo Hirigoyen, (2001, p. 65), Psiquiatra, psicanalista e
psicoterapeuta,
[...] esse fenômeno foi estudado principalmente nos
países anglo-saxões e nos países nórdicos, sendo
qualificado de mobbing, termo derivado de mob (horda,
bando, plebe), que implica a ideia de algo importuno.
O termo Bullying é um termo que foi originado de uma situação de
ameaça e agressão física dentro das escolas. Já o termo harassment foi
utilizado pelo psiquiatra Brodsky. Segundo esse pesquisador, o trabalhador se
vê assediado não só por pessoas, mas também por fatores, como por exemplo,
a rotina monótona, tempo de serviço, a pressão de cumprimento de metas,
entre outras.
Dessa forma, Orson Camargo, mestre em sociologia pela UNICAMP
define bullying:
49
Bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”)
que se refere a todas as formas de atitudes agressivas,
verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem
sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais
indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de
intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade
ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro
de uma relação desigual de forças ou poder.
Em relação ao assédio moral, Guedes (2008, p. 33), afirma:
O Assédio Moral representa todos aqueles atos
comissivos
ou
omissivos,
atitudes,
gestos
e
comportamentos do patrão, direção, gerente, chefe,
superior ou colegas, que representam uma atitude de
continua e ostensiva perseguição apta a desencadear
danos Às condições físicas, psíquicas, morais e
existenciais do alvo.
E, para Hirigoyen (2001, p.65), psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta,
Por assédio Moral em local de trabalho temos que
entender toda e qualquer conduta abusiva manifestandose, sobretudo por comportamentos, palavras, gestos,
escritos que possam trazer dano à personalidade, à
dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma
pessoa, por em perigo seu emprego ou degredar o
ambiente de trabalho.
Dessa forma, pode-se entender por assédio moral qualquer atitude que
pode prejudicar a saúde física e/ou mental do trabalhador, oferecendo danos à
sua
personalidade,
colocando
até
mesmo
seu
emprego
em perigo.
Complementando, segundo Barreto (2000, p.14), médica do trabalho,
Assedio Moral no trabalho é a exposição dos
trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e
constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a
jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo
mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e
assimétricas, em que predominam condutas negativas,
relações desumanas e antiéticas de longa duração.
Na literatura, também se encontram algumas explicações para o termo
Assédio Moral, como sendo a exposição dos trabalhadores a situações
50
humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de
trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações
hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas
negativas, relações desumanas e sem ética. Assim, para Barreto (2004),
[...] uma exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a
situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e
prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício
de suas funções, sendo mais comuns em relações
hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que
predominam condutas negativas, relações desumanas e
éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a
um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da
vítima com o ambiente de trabalho e a organização,
forçando-o a desistir do emprego.
Atualmente, o individualismo nas relações de trabalho está mais
aflorado, uma vez que a pressão por produtividade e a distância entre os
cargos nas estruturas hierárquicas impossibilitam uma comunicação direta
entre os colaboradores, criando, assim, uma desigualdade no ambiente de
trabalho e a desumanização entre os funcionários.
Existem assédios empresariais cujos métodos de tortura têm cunho
sexual, e a tortura psicológica, nesse caso, é de igual valor ou até maior do que
no assédio moral. Assim, torna-se necessário diferenciar assédio moral de
assédio sexual.
1.2 Assédio Moral X Assédio Sexual
O assédio moral e o assédio sexual, embora afetem o colaborador, são
distintos. Pode-se dizer que o assédio sexual afeta o empregado moralmente,
uma vez que trará constrangimento ao mesmo. Ele pode ser configurado por
gestos, palavras e atos que tem por finalidade constranger e molestar alguém
contra a vontade.
O assédio sexual pode ocorrer:
 Do superior com o subordinado, que é a pior forma, pois envolve o poder
entre o dominante e o dominado;
 Entre colegas de equipe, nesse caso pode ser por chantagem ou por
atração;
51
 Do subordinado com o superior, é a forma mais difícil de acontecer, mas
não impossível.
Então, de acordo com a Cartilha do Ministério do Trabalho e Emprego
(2013, p. 34): “o assédio é uma forma de abuso de poder no trabalho, e pode
ser visto como uma chantagem ou intimidação.”
Nesse caso, o assediador não aceita a palavra não como resposta.
Desde 1976, o sistema judiciário americano reconhece o assédio sexual como
forma de discriminação. Já na França ele é reconhecido como infração, pois
inclui chantagem.
Segundo Hirigoyen (2001, p.65), “[...] o assediador não admite que a
mulher visada possa dizer não. Aliás, se ela o faz, sofre em revide humilhações
e agressões.”
Já segundo Nascimento (2007 p. 117), Presidente honorário da
Academia Nacional de Direito do Trabalho:
O assédio sexual configura-se mediante uma conduta
reiterada, nem sempre muito clara, por palavras, gestos
ou outros atos indicativos do propósito de constranger ou
molestar alguém, contra sua vontade, a corresponder ao
desejo do assediador, de efetivar uma relação de índole
sexual com o assediado.
Segundo a Lei Penal (Lei n. 10.224, de 13 de maio de 2001, DOUde
16.5.2001, em seu Art. 216-A):“[...] constranger alguém com o intuito de obter
vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição
de superior hierárquico”.
Não se pode confundir o assédio sexual com um simples ato de
galanteio ou paquera no ambiente de trabalho. O assedio sexual é algo que se
caracteriza quando a vítima não mostra interesse de corresponder ao
assediador e este passa a forçar emocionalmente com perseguições, ofensas e
grosserias. É necessário que a organização se comprometa a analisar casos
do tipo para evitar futuros problemas maiores, que a afetem como um todo.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT – definiu o assédio o
assédio sexual como atos de insinuações, contatos físicos forçados, convites
impertinentes, desde que apresentem umas das características a seguir: a) ser
uma condição clara para dar ou manter o emprego; b) influir nas promoções na
52
carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou
intimidar a vítima.
Existem duas formas distintas de se configurar o assédio sexual com
características diferenciais, que são o assédio sexual por chantagem e o
assédio sexual por intimidação. A primeira forma tem como pressuposto o
abuso de autoridade, referindo-se ao nível hierárquico, quando a pessoa
exerce qualquer tipo de poder sobre a vítima. Já a segunda forma é aquela que
se caracteriza por incitações sexuais importunas, pode ser verbal ou física,
com o intuito de prejudicar ou criar uma situação ofensiva, hostil, intimando a
vítima.
Definindo assédio sexual, a próxima seção retratará a percepção do
assédio moral nas organizações.
1.3 Percepção do assédio moral no ambiente de trabalho
Primeiramente, é importante dizer que conflitos empresariais são
comuns e inevitáveis dentro das organizações e acabam sendo até saudáveis,
isto é, quando esses conflitos favorecem para a alavancagem do local. Este
não é o caso do Assédio Moral que, ao contrário dos conflitos, não é nada
proveitoso para a empresa, fazendo do ambiente de trabalho um lugar tenso,
carregado e estressante. Assim, segundo Darcanchy (2005, p. 258), doutora e
mestre em direito das relações pessoais, “o assédio Moral instala-se
sorrateiramente, sem que a vítima perceba, num processo gradativo de
envenenamento psíquico e afetivo da vitima que, aos poucos, reflete-se em seu
corpo.”.
O assédio moral surge de modo inofensivo, sem maldade e propaga-se
como algo traidor, vagarosamente, destruindo a vítima. Em primeira instância,
o assediado se mostra forte perante a situação, não querendo demonstrar-se
ofendido, e, um segundo momento, os ataques aumentam de forma mais
profunda e avassaladora, deixando a vítima acuada e amedrontada, passando
assim a ficar submissa ao agressor, surgindo então as doenças psicológicas
mais comuns. Assim, segundo Hirigoyen (2001, p. 66),
Essa guerra psicológica no local de trabalho agrega dois
fenômenos: - o abuso de poder, que é rapidamente
desmascarado e não é necessariamente aceito pelos
empregados; - manipulação perversa, que se instala de
53
forma mais insidiosa e que,
devastações muito maiores.
no
entanto,
causa
Hirigoyen (2002, p. 108) salienta, ainda, que o desprezo pelo outro é o
primeiro passo em direção ao assédio moral e à violência. É uma tática
inconsciente para manter o domínio e desqualificar as pessoas.
Para melhor entendimento, segue uma listagem, no quadro 1, dos
grupos de atitudes hostis que possam se configurar como assédio moral dentro
das organizações, bem com suas porcentagens que se classificam:
Quadro 1 – Grupos de atitudes hostis que configuram o assédio moral.
ATITUDES
%
Atitudes que deterioram as condições de trabalho
53
Atitudes que geram isolamento e recusa de
comunicação
58
Atitudes que geram atentado contra a dignidade
56
Violência verbal física e/ ou sexual
31
Fonte: Adaptado Hirigoyen (2002, p. 108 -111).
De acordo com o quadro 1, pode-se perceber que dentro de uma
organização 53% dos grupos têm atitudes que deterioram as condições de
trabalho; 58% possuem atitudes que geram isolamento e recusa de
comunicação; 56% têm atitudes que geram atentado contra a dignidade e, por
fim, 31% possuem atitudes de violência verbal física e/ou sexual.
Assim, ainda para o autor supracitado (2002, p.112, 113 e 114), a
perseguição moral dentro do ambiente de trabalho pode ser horizontal ou
vertical. A primeira é a mais comum de ocorrer devido aos níveis hierárquicos.
A segunda se origina entre colegas de mesmos níveis e pode ser observada
quando não é possível conviver com diferenças, principalmente, quando estas,
de alguma forma, destacam-se.
Hirigoyen também realizou uma pesquisa com 186 pessoas e, a partir
daí apurou as origens do assédio, segundo o quadro 2:
54
Quadro 2 – A origem do assédio moral nas organizações.
ORIGEM DO ASSÉDIO
%
Hierarquia
58
Diversas Pessoas (incluindo
colega)
29
Colegas
12
Subordinados
1
TOTAL
100
Fonte: Adaptado HIRIGOYEN ( 2002, p. 111.)
De acordo com o quadro 2, pode-se perceber que 58% doas casos de
assédio moral são originados dos níveis hierárquicos; 29% podem ser dados
através de diversas pessoas, incluindo colegas de trabalho; e, somente 12 %
dos colegas e, por fim, 1% dos subordinados.
Muitas organizações aprovam a competitividade no ambiente de trabalho
e isso provoca comportamentos agressivos e indiferentes com os outros. A
globalização da economia provoca na sociedade uma exclusão e desigualdade
que trazem como consequência um ambiente de agressividade. Esse
fenômeno se caracteriza por algumas variáveis, segundo informa o site
Assedio Moral (2014, p. 01):
Indiferença ao sofrimento do outro e naturalização dos
desmandos dos chefes; dificuldade para enfrentar as
agressões da organização do trabalho e interagir em
equipe; rompimento dos laços afetivos, aumento do
individualismo e instauração do silêncio no coletivo;
comprometimento da saúde; sentimento de inutilidade e
coisificação; diminuição da produtividade.
Para enfrentar o problema, é necessário que a organização esteja atenta
aos relacionamentos entre os colaboradores, pois assim ficará mais clara a
percepção de assédios. Como já dito, o perfil do assediado muda perante o
assediador e cabe à empresa fiscalizar e punir quem o faz.
55
Dessa forma, a próxima seção apresentará discussões sobre transtornos
psicológicos e estresse, como os efeitos do assédio.
2. Transtornos psicológicos e estresse: efeitos do assédio
O estresse nas organizações tornou-se comum no mercado de trabalho
e, assim, a pressão psicológica diária faz com que esse quadro se agrave,
transformando-o em transtornos piores. Dessa forma, neste tópico serão
abordados os transtornos psicológicos, os níveis de estresse, bem como seus
impactos nos colaboradores e na organização.
2.1 Definições sobre transtornos psicológicos
Os colaboradores, quando assediados, são alvos de uma estratégia
cruel, cujo objetivo é torturá-los psicologicamente. A pressão por produtividade,
o cumprimento de metas cada vez mais rigorosas, aliados a uma exploração do
trabalho e combinados com as ameaças sobre a perda do emprego, implicam
na ruptura do direito fundamental do trabalho saudável.
A vitima do assédio moral é submetida a um ambiente de trabalho
extremamente nocivo a sua saúde mental e física, uma vez que está propícia a
humilhações, vexames e pressões. Assim, vejamos quais serão os transtornos
psicológicos oriundos do assédio moral, enfatizando o estresse ocupacional e
seu impacto tanto nos colaboradores quanto na organização.
Os transtornos psicológicos podem-se dar através da pressão sofrida
dentro do ambiente de trabalho. Assim, segundo Ballone (2008, p. 01),
A OMS – Organização Mundial da Saúde define como
Transtornos Mentais e Comportamentais as condições
caracterizadas por alterações mórbidas do modo de
pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações
mórbidas
do
comportamento
associadas a
angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento
psíquico
global.
Os Transtornos
Mentais
e
Comportamentais não constituem apenas variações
dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos
claramente anormais ou patológicos.
56
Os transtornos psicológicos resultam de fatores ambientais, são
reconhecidos pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Previdência Social,
podendo, dessa forma, afastar o funcionário de suas atividades profissionais.
De acordo com Alvarenga (2014), psiquiatra em neurociência,
Transtornos mentais (ou doenças mentais, transtornos
psiquiátricos ou
psíquicos)
são
condições de
anormalidade, sofrimento ou comprometimento de ordem
psicológica, mental ou cognitiva. Em geral, um transtorno
representa um significativo impacto na vida do paciente,
provocando sintomas como desconforto emocional,
distúrbio de conduta e enfraquecimento da memória.
Assim, destacar-se-á, a seguir, o estresse e seu impacto nos
colaboradores.
2.2 O estresse e seu impacto nos colaboradores
A palavra estresse é derivada do latim estressare e foi utilizada somente
no século XVII significando fadiga e cansaço, força, esforço e tensão. O
endocrinologista Selye (1969, p. 54), conceituou o estresse como “O estado
manifestado por uma síndrome especifica que consiste em todas as mudanças
não específicas induzidas dentro de um sistema biológico”.
É quase impossível não possuir nenhum tipo de estresse estando
inserido no mercado de trabalho, uma vez que enfrentar ameaças e vencer
desafios é comum nesse cenário. Quando essas características do mercado se
tornam agudas, o estresse no indivíduo passa a requerer acompanhamento
psiquiátrico e psicológico. Dessa forma, segundo Marras e Velozo (2012, p.11),
O estresse compreende todas as reações biológicas e
psicológicas de um indivíduo e as ações humanas delas
decorrentes para lidar com um agente estressor, sendo
que este pode se configurar como uma ameaça real,
percebida e/ou socialmente construída.
O estresse pode-se dar de várias formas e em contextos diferentes,
dependendo de suas respectivas características:
 Estresse de Sobrecarga e Monotonia: está diretamente ligado ao
número, frequência e intensidade de pressão ao colaborador. Se for em
excesso torna-se sobrecarga, ao mesmo tempo, se for pouco se torna
57
um processo monótono. Segundo Marras e Velozo (2012 p.15), “é
importante ressaltar que se destaque que o estresse de monotonia
desencadeia os mesmos sintomas e processos do estresse de
sobrecarga”.
 Estresse pós- traumático (TEPT): é a resposta das consequências da
ação de um agente estressor, que se manifesta de forma intensa, na
maioria das vezes com ameaças. Segundo Carlson (2002, p. 574),
As consequências de eventos trágicos, como aqueles que
acompanham as guerras e os desastres naturais,
frequentemente incluem sintomas psicológicos, que
persistem durante muito tempo após o evento
estressante.
 Estresse
ocupacional:
está
diretamente
relacionado
ao
âmbito
profissional, é decorrente de atividades, pressões e assédios no
ambiente de trabalho. Segundo Aubert (1993, p. 84),
O processo de perturbação engendrado no indivíduo pela
mobilização excessiva de sua energia de adaptação, para
o enfrentamento das solicitações de seu ambiente
profissional, solicitações estas que ultrapassam as
capacidades atuais, físicas e/ou psíquicas do indivíduo.
 Burn-out: Gíria inglesa usada para caracterizar aquele indivíduo que
chegou ao seu limite e, por falta de energia e capacidade, não possui
mais condições de desempenho físico e mental. Surge com um estado
prolongado de estresse. Segundo Trigo, Teng e Hallack (2007, p. 225),
“a síndrome de burnout é um processo iniciado com excessivos e
prolongados níveis de estresse (tensão) no trabalho”.
 Transtorno do Pânico e Agorafobia: condiz ao medo de se apresentar
em público e ao medo excessivo de qualquer situação. Segundo Caballo
(2003, p. 89),
A agorafobia é constituída por um conjunto de medos de
lugares públicos – especialmente quando sozinho- como
sair à rua, utilizar transportes públicos, ir a lugares muito
frequentados que produzem uma interferência grave na
vida diária.
58
A agorafobia e o transtorno do pânico podem ser considerados níveis
elevados de uma ansiedade e um sempre vem acompanhado do outro. Ainda,
para
Caballo
(2003,
p.
114):
“Segundo
o
DSM-IV
(American
PsychiatricAssociation, 1994), o transtorno de pânico envolve basicamente a
experiência de períodos discretos de repentino e intenso temor ou mal-estar
(ou seja, pânico)”.
Dessa forma, todos os transtornos psicológicos oriundos do estresse
podem afetar não só o colaborador, mas a organização como um todo. É de
extrema importância os gestores estarem envolvidos para que não ocorra este
tipo de problema, uma vez que é de responsabilidade da empresa.
Após essas abordagens, será apresentado ao leitor como o estresse e
os transtornos podem afetar toda a organização.
2.3 Os efeitos do estresse e dos transtornos na organização
A pressão no ambiente de trabalho corresponde a um dos principais
elementos do estresse. Quanto maior forem as responsabilidades dos
colaboradores, maior a possibilidade de se sentirem pressionados.
A elevada pressão e a competição no ambiente de trabalho, para que a
empresa atinja o nível de produção imposto, suas metas e seus lucros, expõem
os colaboradores a doenças físicas e, principalmente, mentais. Assim, segundo
Bernardes (2013, p. 01),
No Brasil, os transtornos mentais são a terceira causa de
longos afastamentos do trabalho por doença e levaram ao
pagamento de mais de R$ 211 milhões de novos
benefícios previdenciários em 2011. Na Faculdade de
Saúde Pública (FSP) da USP, pesquisa do médico do
trabalho João Silvestre da Silva-Júnior mostra que um
ambiente de trabalho com pouco apoio social, excessivas
demandas e baixo controle sobre as tarefas,
recompensas inadequadas ao nível de esforço do
trabalhador e o comprometimento individual excessivo
são fatores que aumentam a chance de ocorrência de
afastamento. O trabalho recomenda uma melhor
investigação sobre as condições psicossociais no
ambiente de trabalho para implantação de ações de
59
prevenção, além de maior fiscalização das empresas por
parte de órgãos públicos.
Um funcionário satisfeito é muito mais produtivo que um com a saúde
debilitada. O estresse é um caminho para outras doenças como, por exemplo,
fadiga, pressão alta, infarto, dentre outras. Em algumas empresas, a falta de
um funcionário significa muito para a linha de produção. Dessa forma, para
Marras e Velozo (2012 p. 84),
A função da administração e do gestor de pessoas, nesse
sentido, é bem clara: resolver essas contradições ou
problemas e proporcionar uma situação com menos
fontes de pressão, a fim de obter maior produtividade.
Um funcionário insatisfeito, passando por problemas psicológicos, não
produzirá e nem renderá como um funcionário que esteja bem. Isso para a
organização é prejudicial. Alguns casos vão parar em âmbito judicial e, a partir
daí, a empresa responderá processos e terá de indenizar a vítima.
As organizações podem ajudar a minimizar esse quadro, melhorando a
relação de trabalho com as pessoas, proporcionando treinamentos, dinâmicas,
viagens, eliminando exposições excessivas do trabalhador, realizando
palestras e questionários, como mostra no quadro 3, a seguir.
Quadro 3 – Questões para monitoramento dos agentes estressores percebidos
no trabalho.
Questões para o monitoramento do estresse
I.
Sentimento sobre o trabalho
1.
Como você se sente ao trabalhar dentro desta empresa?
2.
O que mais lhe satisfaz na relação de seu trabalho?
3.
O que mais incomoda na realização de seu trabalho?
4.
O que gostaria de mudar em seu trabalho?
II.
Fontes de pressão no trabalho ( agentes estressores)
1.
1.
Visão do trabalho na organização
De outros cargos que você já executou, qual foi o que lhe
deixava mais tenso ou nervoso?
60
2.
Quais são os cargos, mesmo que não tenha trabalhado nele,
que você acha que deixa os indivíduos que o executam mais
tenso?
2.
1.
Sobre o trabalho e a organização
Você considera que as tarefas que executa atualmente, podem
deixar os indivíduos que o executam tensos? Por quê?
2.
Você considera o seu trabalho como sendo naturalmente
tenso?
3.
O ambiente de trabalho da organização é normalmente tenso?
4.
E sobre a organização, o que tem a dizer em termos de clima
de trabalho em contraste com outras organizações que você
conhece?
3.
1.
Tipos
Em que momentos, na execução de seu trabalho, sente
angustia, ansiedade, tensão, nervosismo?
2.
Que elementos do seu trabalho poderiam ser descritos como
fontes de pressão no trabalho?
4.
1.
Presença: frequência e intensidade
Que fontes de pressão, entre as que citou, você classifica
como sendo mais frequentes em termos de dias?
2.
Quais seriam as fontes de pressão menos frequentes?
3.
Quais fontes de pressão lhe deixam mais tenso?
4.
Quais fontes de pressão acredita ser mais fraca?
Fonte: Marras (2012, p. 122-123).
O quadro 3 mostra uma série de perguntas desenvolvidas com o intuito
de monitorar os agentes estressores dentro de um ambiente de trabalho. As
questões devem ser aplicadas nos funcionários da organização. O quadro
aborda os principais pontos estressantes da organização, como por exemplo, o
sentimento sobre o trabalho (como se sente, se há incomodo ao realizar as
atividades e se há o interesse de mudança no ambiente).
61
Dessa forma, na terceira seção, torna-se necessário apresentar alguns
casos de assédio moral em empresas, bem como uma revisão bibliográfica
acerca do tema.
3. Revisão bibliográfica acerca do assédio moral
Esta seção abordará a legislação envolta do assédio empresarial,
mostrando casos verídicos de empresas famosas que passaram por essa
situação constrangedora, trazendo consequências desagradáveis e perigosas
para o futuro da organização.
3.1 Exemplos de casos de Assédio Moral
Algumas organizações tiveram que pagar caro por assediar moralmente
seus colaboradores, além de multas o nome dessas organizações ficou
comprometido perante o mercado de trabalho. Toda organização está propícia
a enfrentar casos de assédio moral entre colaboradores, porém quando o
mesmo ocorre de cima para baixo, envolvendo o nome da empresa, a situação
se complica, pois a imagem da mesma fica comprometida diante dos
fornecedores, funcionários, clientes e colaboradores.
 AmBev
A companhia Ambev foi criada em 1999, quando a Cervejaria Brahma e
a Companhia Antárctica decidiram unir seus esforços. O surgimento da
Companhia impulsionou o setor de bebidas brasileiro.
Em fevereiro de 2011, a empresa enfrentou problemas, pois teve um
recurso negado para anular a condenação de assédio moral a um ex-vendedor
que se sentiu lesado com o método da empresa “ motivar”. Segundo ele, a
empresa impunha metas e quem não cumprisse era obrigado a se deitar em
um caixão, rotulado como incompetente (simbolizando um funcionário morto). A
decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho estipulou uma
indenização de 25.000 reais.
 Carrefour
A empresa Carrefour foi criada em 1959 na França. Atualmente, ocupa a
segunda posição mundial do setor, atua em 30 países com 15 mil lojas,
incluindo hipermercados, supermercados, lojas de descontos, lojas de
conveniências e atacadistas.
62
Durante quatorze anos, uma funcionária do Carrefour de Brasília sofreu
discriminação racial, tratamento grosseiro e excesso de trabalho, o que a levou
a ficar incapacitada para o trabalho por três anos por conta de síndrome de
esgotamento profissional (ou Síndrome de Burnout). Ela foi indenizada porque
demonstrou
que
recebia
pressões
intimidadoras,
constrangedoras
e
humilhantes, e que inclusive um dos diretores a chamava de “macaca” na
presença de outros empregados.
 Unibanco
Em 2008, em uma agência do Unibanco em Porto Alegre, além de
chamar os trabalhadores que não atingiam metas de "incompetentes" e
"tartarugas", o gerente da agência classificava-os de acordo com sua
produtividade. Em um cartaz afixado na parede, as fotos dos empregados eram
coladas junto com a cor verde, para quem conseguia cumprir as metas, ou
vermelha, para os que não alcançavam os números estabelecidos, além de
ofensas a quem não cumpria os objetivos. Devido aos abusos, o Unibanco foi
condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região a pagar mais de
50.000 reais a uma funcionária, que também acusou um dos gerentes de
assédio sexual, por fazer comentários pejorativos sobre seu corpo e o de
outras colegas.
Na maioria dos casos, a forma que a organização encontra para motivar
os funcionários acaba dando errado e passando a realizar indiretamente o
assédio moral. Dessa forma, é possível dizer que, em casos de assédio moral,
há punição grave para empresas, como multas de alto valor. O assediador
também sofre a punição, porém perante a legislação que enquadra o assunto,
é a empresa que se responsabiliza (EXAME ABRIL, 2014).
3.2 Efeitos na legislação trabalhista
Diante dos efeitos do Assédio Moral Organizacional, as ações individuais
propostas são de pouca eficácia para fazer cessar o ato e assegurar um
ambiente de trabalho mais saudável. Assim, a atuação das leis e do Ministério
Publico é extremamente eficaz nesse sentido.
As maneiras de reparação do assédio moral no direito do trabalho
podem se dar por: indenização em dinheiro; prestação de serviços alternativos
à comunidade; atestatória; publicação em jornal de circulação, pelo
63
empregador de nota ou aviso esclarecido que o trabalhador não praticou
qualquer ato ilícito, como lhe foi anteriormente imputado.
3.2.1 No âmbito federal
A cultura brasileira é de indivíduos extremamente competitivos, onde
todos querem vencer, sem se importar como. Para que essa “guerra” seja
amenizada, a legislação toma frente diante de alguns casos. A penalidade em
âmbito federal foi de iniciativa de Rita Camata, deputada federal pelo
PMDB/ES. De acordo com a Lei Federal nº 4591/2011, O Congresso Nacional
decreta:
 Art. 1º - A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o
regime jurídico dos servidores públicos da União, das autarquias e das
fundações públicas federais fica acrescida do seguinte art. 117-A: "Art.
117-A É proibido aos servidores públicos praticarem assédio moral
contra seus subordinados, estando estes sujeitos às seguintes
penalidades disciplinares: advertência; suspensão; destituição de cargo
em comissão; destituição de função comissionada; demissão. § 1º. Para
fins do disposto neste artigo considera-se assédio moral todo tipo de
ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a
segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua
competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução
profissional ou à estabilidade física, emocional e funcional do servidor
incluindo, dentre outras: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar
alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar
crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um servidor só se dirigindo
a ele através de terceiros; sonegar informações necessárias à
elaboração de trabalhos de forma insistente; espalhar rumores
maliciosos; criticar com persistência; segregar fisicamente o servidor,
confinando-o em local inadequado, isolado ou insalubre; subestimar
esforços. § 2º. Os procedimentos administrativos para apuração do
disposto neste artigo se iniciarão por provocação da parte ofendida ou
pela autoridade que tiver conhecimento da infração. § 3º. Fica
assegurado ao servidor denunciado por cometer assédio moral o direito
de ampla defesa das acusações que lhe forem imputadas, sob pena de
64
nulidade. § 4º. A penalidade a ser aplicada será decidida em processo
administrativo, de forma progressiva, considerada a reincidência e a
gravidade da ação. § 5º. O servidor que praticar assédio moral deverá
ser notificado por escrito da penalidade a qual será submetido.
3.2.2 No âmbito estadual
I Minas Gerais
O governo de Minas Gerais, juntamente com seus representantes,
decretou e aprovou a lei que pune o ato de assédio moral. Segundo a Lei
complementar nº 117, de 11 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a prevenção
e punição do assédio moral na administração pública estadual de Minas
Gerais:
 Art. 1° A prática do assédio moral por agente público, no âmbito da
administração direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado, será
prevenida e punida na forma desta Lei Complementar.
 Art. 2° Considera-se agente público, para os efeitos desta Lei
Complementar, todo aquele que exerce mandato político, emprego
público, cargo público civil ou função pública, ainda que transitoriamente
ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação ou sob
amparo de contrato administrativo ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, no âmbito da administração pública.
 Art. 3° Considera-se assédio moral, para os efeitos desta Lei
Complementar, a conduta de agente público que tenha por objetivo ou
efeito degradar as condições de trabalho de outro agente público,
atentar contra seus direitos ou sua dignidade, comprometer sua saúde
física ou mental ou seu desenvolvimento profissional.
II Rio de Janeiro
A iniciativa de criação e aprovação da Lei foi do Deputado Estadual Noel
de Carvalho, e a Lei nº 3921, de 23 de agosto de 2002 veda o assédio moral
no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração
centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio
65
de Janeiro, inclusive, concessionárias e permissionárias de serviços estaduais
de utilidade ou interesse público, e dá outras providências.
3.3 Consequências organizacionais do Assédio Moral
O assédio Moral dentro das organizações é complexo e, muitas das
vezes, omisso. Dessa forma, é difícil mensurar os custos para a organização.
Os danos sofridos pela vítima de assédio moral dentro das organizações
podem gerar direita a indenização por caráter material e moral.
O ministro Luís Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção
do STJ, é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para
que, nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos por
analogia, a alçada dos Juizados Especiais, o recurso ao STJ seja barrado. A lei
processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é
uma distorção em desprestígio aos tribunais locais, critica o ministro. Assim,
segundo a Lei 11948/09,
Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer
empréstimos pelo BNDES a empresas da iniciativa
privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio
moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho
escravo ou crime contra o meio ambiente.
É incomum a existência de empresas perfeitas, porém o máximo deve
ser feito para que a organização se mantenha no mercado de trabalho sendo
bem vista pelos colaboradores, clientes e fornecedores, já que, uma vez
envolvida em denúncias e processos jurídicos, sua imagem fica denegrida por
tempo indeterminado. Pode-se dizer que as consequências de um assédio
moral na organização não trarão somente perdas financeiras, como também
status no mercado de trabalho.
Os problemas de relacionamento dentro do ambiente de trabalho e os
prejuízos daí resultantes serão maiores devido à má administração, má
organização da empresa e quanto ao grau de tolerância do empregador em
relação às praticas de assédio moral. Pode ser possível evitar as ocorrências
de assédio moral nas organizações, basta o líder promover reuniões,
treinamentos e dinâmicas, de forma que irá motivar todos os funcionários e
66
provocar uma maior interação entre eles, deixando claro os prós e os contras
de todos os atos feitos por eles dentro das organizações.
Considerações finais
Este estudo teve o intuito de apresentar as causas e consequências do
assédio moral dentro das organizações.
Diante do problema de pesquisa proposto, o objetivo do artigo foi
responder à seguinte questão: quais os danos causados à saúde do
trabalhador e quais as consequências no ambiente de trabalho quando da
ocorrência de assédio moral nas organizações? Foi possível observar as
situações que envolvem assédio moral podem gerar sérias consequências,
tanto para o trabalhador, quanto para a empresa.
Quando se refere ao
assediado, as consequências são visíveis afetando psicologicamente e até
fisicamente o trabalhador. Já para a empresa, os níveis de produção caem, a
convivência dentro do ambiente de trabalho se torna cada vez mais difícil, além
das multas que a organização está propícia a pagar de acordo com cada caso.
O assédio moral se dá quando, dentro do ambiente de trabalho, o
agressor pressiona psicologicamente a vítima, com ofensas, insultos, críticas
e/ou ameaças. Pode ocorrer do superior para o subordinado, entre colegas de
mesmo nível hierárquico ou, em casos mais raros, do subordinado para o
superior. Difere-se do assédio sexual, foi que este ocorre quando da existência
de contato físico e desejo sexual.
Não há dúvidas de que o assédio moral degrada o ambiente de trabalho,
contaminando a vida pessoal e profissional daqueles que são seus alvos, o
surgimento de doenças psicológicas é imediato, podendo variar de uma
simples depressão até mesmo à “ Síndrome de Burnout”, isto é, o estresse
crônico. Os prejuízos para a própria organização que fomenta a prática
também são inúmeros, pois o trabalhador assediado tem uma queda na
qualidade dos serviços prestados.
Nenhuma empresa está livre de passar por situações que envolvam
assédio moral e é por esse motivo que o poder legislativo interfere nesses
casos para punir e, desta forma, tentar inibir a ocorrência de novos casos.
67
Referências
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em <http://www.assediados.com/2012/10/empresa-indenizara-por-acusar.html>
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<http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=230> Acesso
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<http://www.senado.gov.br/textual/const88/con1988br.pdf> Acesso em: 02 abr.
2014.
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assédio moral organizacional- “gestão por estresse”. Juiz de Fora: UFJF, 2009.
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transtornos psicológicos: transtornos de ansiedade, sexuais, afetivos e
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<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/recife/trabalho_justica_mara
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SALVADOR, Luiz. Assédio Moral: Doença profissional que pode levar à
incapacidade permanente e até a morte. Disponível em: <http://
http://jus.com.br/artigos/3326/assedio-moral> Acesso em: 04 out. 2013.
68
REVITALIZAÇÃO PARCIAL RODOVIÁRIA DO LEITO DESATIVADO
DA ESTRADA DE FERRO OESTE DE MINAS: UMA ABORDAGEM SOB O
PARADIGMA DO ECOTURISMO 1
Ricardo Carvalho Couto – IPTAN
Especialista em Ecoturismo
E-mail [email protected]
Fone: (32) 3371-9878
Rafael Luiz Resende Pires – IPTAN
Especialista em Gestão de Negócios
E-mail [email protected]
Fone: (32) 3372-2067
Resumo: Este trabalho tem como foco apresentar uma proposta de utilização
do leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas através do ecoturismo, criando
propostas de roteiros a serem posteriormente implantados, considerando as
potencialidades existentes em cada localidade. Levando em conta a história,
cultura, aspectos naturais e sociais presentes no leito e no entorno da ferrovia,
o artigo tem, ainda, como escopo relatar os pontos negativos encontrados, bem
como possíveis propostas para resolução dos problemas.
Palavras-chave: Leito ferroviário desativado – Ecoturismo – Cultura
Introdução
O turismo é atualmente uma atividade econômica que representa
significativas cifras para o desenvolvimento de diversos países. No Brasil, nos
últimos anos, tem sido observado também um aumento significativo na entrada
de divisas, bem como no fluxo econômico interno proveniente do turismo.
Nesse cenário, o presente trabalho trata de assuntos concernentes à
utilização de forma rodoviária do leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas,
visto que tal trajeto representa um enorme potencial turístico para a região,
lembrando que a atividade de ecoturismo é um segmento do turismo com maior
crescimento mundial atualmente.
Tal pesquisa tem como objetivo demonstrar a viabilidade da utilização do
leito desativado da Ferrovia Oeste de Minas na atividade de ecoturismo, e que
o mesmo pode ser um fator coadjuvante para a preservação desse rico
patrimônio histórico-cultural.
1
Artigo resultante de monografia apresentada à Universidade Federal de Lavras como parte das
exigências do curso de pós-graduação Lato Sensu para a obtenção do título de especialista em
Ecoturismo: interpretação e planejamento de atividades em áreas naturais – “ECO”, sob orientação do
professor Ferdinando Filetto.
69
A pé, a cavalo, de bicicleta ou de carro, a Estrada de Ferro Oeste de
Minas reserva seus encantos e mistérios aos que se aventurarem a mergulhar
na história viva que se estende pelos confins do ouro. Mais que a revitalização
de um antigo caminho, o desafio deste trabalho é despertar a construção de
uma nova mentalidade que surge com a pretensão de inserir a região no
cenário turístico estadual.
Para tal, torna-se necessário embasamento teórico através de autores
que tratam de assuntos como o turismo, o ecoturismo, bem como experiências
de sucesso comprovado de ecoturismo em estradas com características
semelhantes ao trajeto deixado pela Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM)
em outras regiões.
Nesse sentido, este trabalho leva em conta não somente a história da
ferrovia, mas também o contexto atual existente no local como a gastronomia,
a fauna, a flora, o artesanato, bem como a própria cultura das comunidades
existentes no trajeto da ferrovia .
Para desenvolver o ecoturismo no leito da ferrovia, propõe-se dividir o
percurso da Oeste de Minas em pequenos roteiros com a finalidade de obter
melhores resultados e viabilizar uma melhor gestão destes roteiros, envolvendo
a comunidade autóctone, o poder público, os empresários locais, dentre outros.
Para exemplificar de forma objetiva tais roteiros, o trabalho apresenta a
realização de um dos roteiros, iniciado em São João del-Rei, percorrendo
várias antigas estações como Ibitutinga, Mestre Ventura, Congo Fino,
finalizando em Nazareno, aproveitando os atrativos que tal trajeto detém.
1 Metodologia e métodos
Para a execução deste trabalho, utilizou-se de um processo de pesquisa
baseado no positivismo, este processo é também conhecido como método
hipotético-dedutivo, partindo de três formas de pesquisa distintas.
Na primeira, denominada pesquisa de gabinete, foi possível identificar e
orientar-se a respeito da coleta de informações sobre o tema, buscando nas
cartas topográficas, a localização geográfica das cidades ao longo do trajeto a
ser estudado. Outra forma utilizada foi a pesquisa de campo, na qual
constatou-se o estado de conservação atual do leito da Ferrovia Oeste de
Minas (EFOM), bem como foram realizadas entrevistas com a comunidade
70
local do entorno da Ferrovia, sem contudo ter havido uma formulação de um
questionário específico, pois as perguntas dirigidas à população tinham como
caráter orientar-se sobre a localização de estações e paradas que hoje em dia
não existem mais, outra pergunta fundamental foi a aceitabilidade de
revitalização do leito da Ferrovia. Por fim, utilizou-se da pesquisa bibliográfica,
com o intuito de verificar a viabilidade do roteiro, a importância histórica da
EFOM, a relevância que o ecoturismo tem na utilização de estradas com
características histórico-culturais, bem como as potencialidades para o uso do
trajeto.
O método utilizado foi o de confirmação, pois foram coletadas evidências
para validar a hipótese da utilização da malha deixada pela EFOM, sendo uma
forma fidedigna, pois os dados coletados são confirmados através da mesma.
2 Revisão de lietratura
2.1 Conceitos de ecoturismo
Segundo Fennel (2002, p. 41), existem controvérsias referentes à
etimologia ou origem do vocábulo “Ecoturismo”: Existem autores que relatam
que o termo remota ao final dos anos de 1980, outros afirmam que o termo é
dos anos de 1970. É comum encontrar na literatura referente ao turismo de
natureza, atribuição a Ceballos-Lascuráin como sendo o primeiro a utilizar a
etimologia supracitada em seus trabalhos no início dos anos 1980. Entretanto,
existem autores que acreditam que o termo remonte a uma data ainda bem
mais antiga, tendo sido usado para explicar o relacionamento entre o turista, o
meio ambiente e as culturas.
Segundo o SENAC (2002, p. 20), para o Instituto Brasileiro de Turismo
(Embratur) o ecoturismo é a prática de turismo e lazer, esportivo ou
educacional, em áreas naturais ou urbanas:
Ecoturismo é um segmento da atividade turística que
utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e
cultural, incentiva sua conservação e busca a formação
de uma consciência ambientalista através da
interpretação do meio ambiente, promovendo o bemestar das populações.
71
Existem estudiosos do turismo que fazem uma separação na
terminologia turismo ecológico e ecoturismo, colocando ambos em plena
distinção. Para Beni (2001, p. 427), o turismo ecológico é a “denominação dada
ao deslocamento de pessoas para espaços naturais com ou sem equipamentos
receptivos, motivadas pelo desejo/necessidades de fruição da natureza.” Essa
segmentação do turismo também é chamada de turismo da natureza ou
turismo verde.
Beni (2001, p. 428) descreve ecoturismo como sendo uma
Denominação dada ao deslocamento de pessoas à
espaços naturais delimitados e protegidos pelo estado ou
controlados em parceria com associações locais e ONGs.
Pressupõe sempre uma utilização controlada da área,
com planejamento de uso sustentável de seus recursos
naturais e culturais, por meio de estudo de impacto
ambiental, estimativa de capacidade de carga [...], entre
outros.
Beni (2001, p. 428) considera que, no Brasil, o ecoturismo é confundido
com o turismo ecológico e, atualmente, é quase inexistente, seja pela falta de
planejamento estratégico, políticas integradas bem como áreas de proteção e
conservação ambiental, especificamente para o turismo.
Furlan (2003, p. 54) descreve que o termo sustentabilidade surgiu em
1713, utilizado por Carlowitz para referir-se à exploração de florestas cultivadas
na Alemanha. Seu significado, porém, estava restrito a qualquer utilização do
solo em que se garantia a longo prazo rendimentos econômicos estáveis.
Atualmente, o termo sustentabilidade é utilizado para relacionar o trato com a
natureza como sendo um bem renovável, contudo o termo sustentabilidade
vem sendo debatido por diversos estudiosos e tem sido criticado como sendo
ambíguo, portanto detentor de diversas interpretações, algumas dessas
contraditórias. O termo tem sido tratado de forma confusa utilizando-se do
vocábulo sustentável de forma igualitária, considerando-a mesma como tendo
o mesmo significado em diferentes usos como: “desenvolvimento sustentável“,
“crescimento sustentável” e “uso sustentável”, porém os termos possuem
significados distintos:
72
'Crescimento sustentável' é uma contradição em si
mesmo: Nenhum elemento físico cresce indefinidamente.
'Uso sustentável' aplica-se somente à recursos
renováveis: Significa o uso desses recursos em
quantidade compatíveis com a sua capacidade de
renovação.
'Desenvolvimento sustentável' é empregado nessa
estratégia com o significado de melhorar a qualidade de
vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte
dos ecossistemas. Mas qualidade a partir de que valores
? Em função de qual juízo? (FURLAN, 2003, p.55).
2.2 Estradas em patrimônios turísticos naturais
Oliveira (2002, p. 94) considera que lugares que reúnem elementos
criados pela natureza podem ser utilizados como atração turística, sejam estas
por suas características como clima, vegetação, fauna, flora, hidrografia,
localização, entre outras. As paisagens fazem parte do patrimônio turístico
natural, são atrações únicas, pois cada lugar é singular não existe outro igual,
e, portanto, necessita de cuidados especiais que incluem preservação,
conservação, educação, monitoramento e outros tantos que colaborem para
sua permanência.
Oliveira (2002, p. 95) relata que existem experiências da contemplação
da paisagem em várias partes do mundo em estradas que não possuem
infraestruturas como pavimentação, que para percorrer seus trajeto leva um dia
inteiro, enquanto que o mesmo trajeto percorrido em uma autoestrada levaria
apenas duas horas. Dentre essas pode-se citar como exemplo uma estrada na
costa Oeste dos Estados Unidos, litoral da Califórnia, entre as cidades de São
Francisco e Los Angeles, no qual os turistas percorrem seu trajeto sem agredir
o meio ambiente, retirando apenas seus benefícios de forma harmônica com a
natureza. A estrada proporciona uma variação constante de paisagens,
passando por florestas e vales. Percebe-se uma preocupação constante com o
visual, que transformou seu percurso em uma estrada de interesse turístico.
Como resultante da conservação e dos cuidados com o entorno da estrada, há
uma demanda significativa, pois grande parte dos turistas que visitam a
Califórnia preferem alugar um carro e viajar por terra do que utilizar-se de outro
meio de transporte, que poderia ser bem mais rápido e confortável. Tudo foi
planejado para que os turistas tenham a possibilidade de usufruir do contato
73
com a natureza e apreciar a paisagem, conhecendo cidades e vilarejos em seu
percurso, tirando fotografias, beneficiando estas cidades através do turismo
receptivo. Quanto mais tempo o turista gasta para percorrer seu trajeto, mais
ele gasta na região com diárias em hotel, refeições, transportes, combustível,
serviços diversos, compra de souvenirs, filmes, entre outros. Dessa forma, a
estrada contribui para promover a captação de recursos financeiros além de
gerar
postos de trabalhos, tão necessários na atualidade. É importante
observar que o produto turístico dessa estrada é a própria paisagem.
Sendo o trajeto deixado pela outrora Estrada de Ferro Oeste de Minas
carregado de características marcantes como a história, a cultura, bem como
os atrativos naturais de seu entorno, torna-se necessário atenção especial do
Poder Público como também da sociedade civil para evitar o seu sucumbir
deste valioso patrimônio. Dentre as alternativas de utilização da área e
também, como forma de preservar e conservar o leito da Ferrovia, encontra-se
o ecoturismo que, além de contribuir para tamanho benefício, pode colaborar
para o desenvolvimento econômico dos municípios circunvizinhos, através de
geração de impostos oriundos dos serviços oferecidos, além da criação de
novos postos de trabalho, melhorando a qualidade de vida das populações
autóctones dos municípios cortados pelo leito da Ferrovia.
Uma das possibilidades de aproveitamento do leito da Ferrovia no
ecoturismo seria dividi-la em pequenos roteiros turísticos, pois, dessa maneira,
sua administração e controle tornariam-se mais eficazes, tendo em vista sua
grande extensão. Isso permitiria que cada Município administrasse seus
próprios roteiros, procurando ressaltar o que cada lugar tem de peculiar e
significativo, fomentando a atratividade turística.
Uma possibilidade concernente para o ecoturismo no leito da EFOM
seria a forma itinerante, em que o turista percorre um maior número possível de
localidades em uma única viagem, com estadas curtas em cada um dos locais
visitados.
Andrade (2002, p. 85) afirma que a forma de turismo itinerante
proporciona uma permanência ou estadas em lugares diversos. É uma forma
em geral mais utilizada pelos jovens, que gostam de movimentação e variação
de
locais,
alternativas.
hospedagens,
alimentação,
entretenimento,
dentre
outras
74
Dessa maneira, a circulação de turistas, bem como a renda gerada pela
atividade turística estaria sendo melhor contemplada pelos diversos Municípios
e localidades existentes no trajeto da EFOM, como por exemplo Antônio
Carlos, Barroso, Prados, Caixa d’água da Esperança, Tiradentes, São João
del-Rei, Conceição da Barra de Minas, Nazareno e Ibituruna.
2.4 Roteiros ecológicos
Temos uma demanda constante por roteiros ecológicos, trata-se de um
nicho (pequeno segmento da sociedade) crescente do mercado. É considerado
nicho porque é ainda incipiente o que determina baixo volume de produção e
consumo, e é crescente porque está dentro da necessidade urgente de
melhores indicativos de qualidade de vida.
Segundo Fennel (2002, p. 184-185), a demanda de ecoturistas que irão
consumir os roteiros ecológicos busca experiências que interessam àqueles
turistas que procuram os recursos naturais, porém exige a presença de
empresas operadoras preparadas para fornecer equipamentos e serviços
especializados aos turistas. Além disso, fazem-se necessárias diretrizes mais
específicas ligadas a primeiros socorros, gestão de riscos, liderança, monitoria,
marketing e finanças, a fim de preparar as operadoras para a tarefa de
conduzir grupos em roteiros ecológicos.
3 Resultados
3.1 Histórico sucinto da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM)
De acordo com o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a Estrada de Ferro
Oeste de Minas (EFOM) foi aberta em 1880, ligando com bitola de 0,76 m as
estações de Sitio (Antônio Carlos) e Tiradentes. Mais tarde, em 1881, foi
prolongada até São João del-Rey, em 1887, foi ampliada, atingindo Aureliano
Mourão, onde havia uma bifurcação, com uma linha chegando a Lavras. Em
1894, seguiu para o norte, atingindo finalmente Barra do Paraopeba. Dela
saíam diversos e pequenos ramais. A linha foi extinta em pedaços, tendo sido o
primeiro em 1960 (Pompéu-Barra) e o último, em 1984 (Antônio Carlos Aureliano), com exceção do trecho São João del-Rei-Tiradentes que se
conserva em atividade até hoje. Também se conserva o trecho Aureliano-
75
Divinópolis, ampliado para bitola métrica em 1960, ligando hoje Lavras a Belo
Horizonte.
3.2 Histórico de algumas estações da EFOM
3.2.1 Estação de Congo Fino
Relata o site “Estacoes Ferroviarias” (2005) que a estação Congo Fino
foi inaugurada no dia 1 de maio de 1887, com o nome de Rio das Mortes (por
ficar perto da foz do Rio das Mortes pequeno, quando este deságua no Rio das
Mortes), e mais tarde teve seu nome mudado para João Pinheiro, em
homenagem ao então presidente da província de Minas Gerais. Em 1943, foi
renomeada como Congo Fino.
3.2.2 Estação de Mestre Ventura
De acordo com o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a estação de
Mestre Ventura, situada no Município de São João del-Rei e integrante da linha
do Paraopeba no Km 384, foi Inaugurada no dia 7 de setembro de 1931. Seu
primeiro nome teria sido José Deodoro. Já foi demolida.
3.2.3 Estação de Ibitutinga
Conforme o site “Estacoes Ferroviarias” (2005), a estação de Ibitutinga,
situada no município de São João del-Rei, pertencente à linha do Paraopeba
no Km 394, foi inaugurada no dia 20 de janeiro de 1887, então com o nome de
Santa Rita. O nome atual veio anos mais tarde. O tráfego cessou em junho de
1983 e a estação, fechada. Em dezembro de 1984, a linha da antiga EFOM foi
finalmente erradicada.
3.2.4 Estação de São João del-Rei
Segundo o site “Estações Ferroviárias” (2005), a estação de São João
del-Rei no próprio Município e presente na linha do Paraopeba no Km 413, foi
inaugurada com muitas festas e a presença do Imperador Dom Pedro II, no dia
28 de agosto de 1881. Era a ponta de linha do trecho que então ligava Sítio
(hoje Antonio Carlos), na Central do Brasil, a essa cidade. A linha só foi
prolongada para frente em 1887. A composição chegava e partia de São João
del-Rei para o mesmo sentido: havia que se fazer uma manobra no virador,
pois havia que se recuar para sair para Ibitutinga. Em 1984, com a erradicação
de todo o trecho de bitola de 0,76 m da linha da Barra do Paraopeba, o trecho
entre São João del-Rei e Tiradentes foi mantido.
76
3.2.5 Estação Chagas Dória
Comenta José Cláudio Henriques apud site “Geocities” (2005), em seu
jornal Bairro de Matosinhos - Berço da Cidade de São João del-Rei , que a
parada Matosinhos foi inaugurada em 25/05/1908, ou talvez um pouco antes,
pois há um aviso oficial do mesmo dia sobre custo de passagens nesta
estação. A linha primitiva entre São João del-Rei e Tiradentes passava pela rua
Amaral Gurgel, que ainda mantém o traçado da ferrovia. Algumas fontes dizem
que ela não tinha cobertura para movimentação de passageiros e cargas na
época, mas, como o prédio ainda existe, a informação não parece correta,
afinal, havia um prédio funcionando como parada. No mesmo ano, em agosto,
a Câmara Municipal de São João del-Rei solicitou, ao então diretor da EFOM, o
engenheiro Francisco Manoel Chagas Dória, a construção de um ramal que
partisse de Matosinhos até o balneário de Águas Santas. Quando inaugurado,
o ramal, em 21.03.1910, a parada já havia sido desativada pouco antes, pois,
para a construção do ramal, retificou-se a linha.
3.2.6 Estação Casa da Pedra
Conforme relato de Bruno Nascimento Campos apud site “Geocities”
(2005), a estação da Casa da Pedra foi inaugurada em 1881. A Casa de Pedra
é uma enorme gruta de calcário e próxima a ela há uma mineração que tomou
para si o nome. O transporte dos materiais ali extraídos era realizado pelo trem.
Lá também havia uma parada para carregar o trem de carga e para deixar ali
os trabalhadores da mineração.
3.2.7 Estação de Tiradentes
De acordo com Alexandre Linhares Giesbrecht apud site “Geocities”
(2005), a estação de Tiradentes foi inaugurada em 1881. Em 1984, o trecho
entre São João del-Rei e Tiradentes foi mantido.
3.2.8 Estação Caixa D’água da Esperança
Afirma Bruno Nascimento Campos apud site “Geocities” (2005) que a
parada da Caixa D'água da Esperança foi aberta em 1913. Ainda hoje existem
os restos da sua plataforma, sua caixa d'água que alimentava de água as
antigas máquinas a vapor e uma vila próxima. Essa caixa d'água é que
nomeou a parada.
77
3.3 Contexto atual EFOM
Atualmente a Ferrovia Oeste de Minas possui em atividade apenas o
trecho que liga São João del-Rei a Tiradentes em uma extensão de
aproximadamente 12 km, conforme o site “Geocities” (2005), passando pelas
estações de Chagas Dória e estação da Casa da Pedra, nas quais não mais
existem paradas.
O restante do leito da Ferrovia encontra-se totalmente desativado, desde
o ano de 1984, conforme o site “Estacoes Ferroviarias”, dos quais foram
retirados os dormentes e trilhos, restando somente a terraplanagem, conforme
observado pelo pesquisador em atividade de campo. Apesar de tamanha perda
histórico-cultural e material, oriunda pela desativação do restante do trajeto da
Oeste de Minas, restaram as belezas cênicas, onde se pode observar o
imponente Rio das Mortes, com suas corredeiras, mata ciliar e sua fauna e
flora
exuberantes.
Podem-se
observar,
ainda,
pequenos
trechos
remanescentes da Mata Atlântica, Campos Rupestres2, dentre outros. Também
observam-se pequenas propriedades rurais, tendo como atividade principal a
pecuária leiteira. Encontram-se também edificações remanescentes da referida
Oeste de Minas, como as casas de operários de trecho, Pontilhões 3 e estações
nas quais ainda existe uma forte presença viva e não muito distante da cultura
local, entre estas edificações remanescentes, pode-se destacar mais abaixo
apresentadas:
3.3.1 Estação de Nazareno
Atualmente, esta estação encontra-se inoperante, com suas instalações
preservadas, porém servindo de moradia para um cidadão desabrigado. Mas,
no passado, foi uma bela estação, onde o trem parava para as refeições dos
passageiros.
3.3.2 Estação de Congo Fino
Já foi demolida, hoje em dia, pode-se constatar que dela só restam os
seus alicerces.
3.3.3 Estação de Mestre Ventura
Hoje, como observado em trabalho de campo de coleta de dados para
esta pesquisa, dela só restam os alicerces.
2
3
Campos Rupestres: Área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado.
Pontilhões: Pontes que serviam de passagem entre duas margens.
78
3.3.4 Estação de Ibitutinga
Encontra-se atualmente em boas condições arquitetônicas, está sendo
utilizada como moradia de uma família que a invadiu, aparentemente, sem a
devida autorização dos poderes competentes. Pertence também ao conjunto
de Ibitutinga uma vila de operários a qual encontra-se em perfeitas condições
arquitetônicas, servindo aos moldes da estação como moradia.
3.3.5 Estação de São João del-Rei
É certamente o maior complexo ferroviário de toda a EFOM, contendo
em seu interior diversas construções como: Museu Ferroviário, onde encontrase um grande acervo histórico como a locomotiva número 1, peças antigas
usadas na manutenção da ferrovia entre outros curiosos equipamentos e
utensílios. Outra construção significativa é a Rotunda4, que contêm várias
locomotivas estacionadas e diversos vagões com diferentes finalidades. Hoje,
rodam as composições a vapor entre as duas estações com fins turísticos. O
passeio é operado pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).
3.3.6 Estação Chagas Dória
Desde final de 2004 encontra-se reformada, servindo como posto
destacado da polícia Militar de São João del-Rei, nos finais de semana e
feriados, como uma pequena feira de artesanato local.
3.3.7 Estação Casa da Pedra
Encontra-se desativada, resta um pouco de sua memória arquitetônica,
representada apenas por um muro em uma encosta de um barranco.
3.3.8 Estação de Tiradentes
É a última estação do trecho ainda em operação de toda a EFOM. Serve
como ponto de encontro para locação de charretes com destino ao centro de
Tiradentes. Nesta estação, encontra-se uma pequena rotunda onde turistas
observam-na e/ou interagem com a mudança de direção das locomotivas.
3.3.9 Estação Caixa D’água da Esperança
Resta somente a caixa d’água propriamente dita, que servia para o
abastecimento de água das locomotivas movidas à vapor. Hoje em dia, o
pequeno vilarejo vem se destacando pela sua culinária típica e começa a atrair
4
Rotunda : Local onde é feita a mudança de direção das locomotivas através de engrenagens que
facilitam a operação.
79
turistas que buscam um local simples e o contato com a população local de
forma caseira e harmônica.
3.4 Potencialidades Turísticas da EFOM
As potencialidades turísticas da EFOM são inúmeras, visto que o turismo
traz consigo o efeito multiplicador das oportunidades. Criam-se empregos,
aumenta-se a renda e a arrecadação, promove-se o desenvolvimento regional,
estimula-se a preservação das construções históricas, das áreas naturais, das
culturas locais, diminuem-se os índices de pobreza, incentiva-se a educação e
preparação de mão de obra, melhora-se a qualidade de vida das pessoas.
Entre as potencialidades turísticas oferecidas, destaca-se o próprio
trajeto deixado pela desativação da ferrovia que hoje em dia limita-se a uma
estrada secundária em boas condições de tráfego, possibilitando a implantação
de roteiros turísticos em seu traçado. Nesse trajeto pode ser observada a
beleza do Rio das Mortes com suas curvas, praias, corredeiras, ilhas e
afluentes. Destaca-se, ainda, o relevo composto por montanhas e serras de
beleza singular e as matas que envolvem seu entorno desde a mata ciliar até a
Mata Atlântica. A estrutura arquitetônica deixada pela EFOM como pontes,
pontilhões, vilas de operários e as estações são também notáveis
potencialidades. A cultura encontrada nas localidades é também um grande
atrativo, tendo em vista que o modo de fazer, os rituais católicos, os mitos e
lendas dessas comunidades ainda preservam características únicas e
marcantes.
Com todas essas características, o trajeto da EFOM é certamente uma
oferta turística, pois possui atrativos de valores ímpares, que podem ser
usadas para atrair turistas de diferentes regiões do país e do mundo,
considerando as potencialidades supracitadas.
3.5 Roteiro turístico “caminho do sertão” (trecho São João del-Rei –
Nazareno)
Devido à grande extensão do trajeto da Ferrovia, torna-se necessário
fragmentá-lo em pequenos trechos que podem ser denominados roteiros
turísticos para a sua melhor gestão, envolvendo os municípios geograficamente
agrupados.
80
Dentre as diversas opções de roteiros, pode-se citar o trecho de São
João del-Rei-Nazareno, que oferece uma riqueza histórico-cultural e natural
singular dentro da região. Tal roteiro inicia-se em São João del-Rei , onde
existe uma boa infraestrutura, de apoio e turística como meios de
comunicação, hotéis, restaurantes, bares, lanchonetes, transportes, além dos
atrativos turísticos como museus, igrejas históricas, praças, arquitetura civil.
São João del-Rei possui também o maior complexo ferroviário da EFOM, com
o museu ferroviário e outros atrativos que geram a oferta turística.
Seguindo o trecho percorrido às margens do Rio das Mortes, que
oferece uma beleza cênica ímpar, esse roteiro torna-se interessante,
permitindo um contato harmonioso com a fauna e flora local. Permite, ainda
uma observação da topografia acidentada do entorno da Ferrovia, com várias
elevações distintas como picos5, platôs6, espigões7, colos8 , esporões9, entre
outros.
Ao longo deste trecho, encontra-se a Floresta Nacional (FLONA)10 de
Ritápolis, onde existem viveiros de mudas nativas de árvores de grande porte
da Mata Atlântica, para reflorestamentos locais e mudas de plantas .
No mesmo local, encontra-se parte da história da Inconfidência Mineira,
pois as ruínas da fazenda do Pombal onde nasceu o alferes Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes, é muito procurado por turistas e visitantes o ano
todo.
Seguindo o trecho, encontra-se Ibitutinga, que possui um acervo
composto pela estação e sua vila de operários. Neste local, um grande atrativo
é a pesca, pois oferece pontos favoráveis a essa prática esportiva. Observa-se,
também, neste local, uma cachoeira exuberante, no córrego do Paiol com uma
queda de mais de 50 metros, indo ao encontro do Rio das Mortes. Um pouco
mais à frente, destaca-se, no trajeto, uma pequena ponte de ferro característica
da ferrovia Oeste de Minas, sobre o córrego do Brumado.
5
Pico: Cume agudo de um monte.
Platô: parte plana de uma elevação.
7
Espigão: elevação em forma triangular e alongada de pico, que se projeta em uma elevação.
8
Colo: Depressão, de pequena extensão, existente nas linhas de cristas.
9
Esporão: Semelhante ao espigão, porém, sobre uma extremidade, após um colo, ergue-se um cume mais
ou menos pronunciado.
10
Flona: unidade de conservação com a finalidade de preservar uma determinada floresta.
6
81
Continuando o trajeto, entre Ibitutinga e Mestre Ventura, existem, às
margens do Rio das Mortes, várias propriedades rurais, onde se pode observar
a atividade pecuária e agrícola. Destaca-se, ainda que em ruínas, o antigo
colégio interno católico, onde, segundo descrição verbal do ex-prefeito de
Conceição da Barra de Minas, Sr. Elias, eram educados filhos dos antigos
proprietários rurais de toda região. No local, encontram-se ruínas que outrora
foi a estação de Mestre Ventura.
Percorrendo o trecho Caminho dos Sertões, chega-se então às ruínas da
estação de Congo Fino, que, em seu entorno, mantém um engenho para
fabricação de cachaça artesanal em uma fazenda próxima. No mesmo local, é
possível comprar bem como acompanhar a confecção de artesanato em
papiermachet11 .
Ao final do percurso, destaca-se a estação de Nazareno que, devido ao
seu ótimo estado de conservação, com acesso pitoresco e marcante através de
uma ponte de ferro centenário em ótimo estado de preservação, permitia a
transposição ferroviária, hoje servindo para transposição rodoviária.
Esse roteiro representa um valioso acervo cultural, detentor de um
marcante potencial turístico, uma vez que agrega significativos patrimônios
histórico-culturais entre os municípios percorridos no trajeto, como a história
marcante de cada um, os atrativos naturais, o artesanato local, a arquitetura
singular de cada entreposto do trajeto, bem como o próprio legado ferroviário
deixado pela EFOM.
Considerações finais
Através deste trabalho, pôde-se observar que o leito desativado da
Estrada de Ferro Oeste de Minas representa um grande potencial turístico para
a região do Campo das Vertentes, pela diversidade cultural existente, seus
costumes, suas tradições, seus ofícios de forma ainda rudimentar, seus
atrativos naturais como a hidrografia, topografia e o relevo. São marcantes
também a própria história que os municípios percorridos pela EFOM detém,
através das personalidades nascidas na região e outras atraídas pelo
desenvolvimento proporcionado pela própria Estrada de Ferro. Destaca-se,
11
Matéria prima para artesanato elaborada a partir de papel reciclado, cola e água.
82
ainda, a peculiar gastronomia local, que se mantém desde os tempos do ciclo
do ouro, com o predomínio de ingredientes e temperos como a carne de porco,
o feijão, a mandioca, a cachaça, entre outros. Tais ingredientes proporcionam a
elaboração de um cardápio variado e saboroso, apreciado e desfrutado por
turistas, visitantes e pela própria população local.
Nota-se, porém, que o trajeto no leito desativado da Ferrovia,
denominado neste trabalho como Caminho dos Sertões, apresenta inúmeros
problemas como o grande número de dragas que retiram cascalho e areia de
forma predatória no Rio das Mortes, causando um forte impacto ambiental.
Grande parte dos proprietários rurais causam inúmeros transtornos ao trajeto,
através de construções de barreiras físicas como cercas de arame, tronqueiras,
porteiras e mourões que impedem e/ou dificultam a passagem de visitantes.
Nota-se, ainda, que figuram edificações de alvenaria que vão paulatinamente
ocupando o espaço do leito da estrada como embarcadouros de animais,
alicerces que vão pouco a pouco tomando lugar indevido, alguns proprietários
chegaram ao ponto de anexar às suas terras partes do leito da Ferrovia, as
quais pertencem à União. Medidas devem ser tomadas junto a esses
proprietários, através de ações civis junto às promotorias públicas para que
sejam retirados tais obstáculos, reintegrando as terras ora apropriadas pelos
mesmos, pois trata-se de uma via pública e um bem pertencente ao patrimônio
nacional.
Os imóveis pertencentes ao patrimônio da EFOM, como algumas
estações e vilas de operários, devem ser reintegrados à comunidade para
servirem a fins sociais como espaços culturais, oficinas de artesanato, dentre
outros inseridos nas antigas estações. As vilas podem ser transformadas em
unidades habitacionais para hospedagem dos turistas de forma peculiar à
época na qual havia uma atividade ferroviária intensa.
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de Cordada. São João del-Rei, 199?
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83
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84
NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE JURÍDICOFILOSÓFICA
Karina Cordeiro Teixeira
Especialista em Direito Público Municipal
E-mail: [email protected]
Raquel Maria Vieira Braga
Especialista em Direito Tributário
E-mail: [email protected]
Resumo: O surgimento do Estado Moderno, no século XVI, em meio à
decadência do feudalismo, teve como principal fundamento a supremacia do
poder dos reis. Todavia, na passagem do Estado Absolutista para o Liberal, a
ciência jurídica adere ao jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, que servira
de fundamento e inspiração para as revoluções americana e francesa. A partir
de então, as Constituições passaram a garantir, expressamente, direitos
naturais dos homens que, inclusive, norteavam e limitavam a atuação estatal.
Com a consequente positivação de tais direitos, a lei passa a ser vista como
expressão maior da razão e, já no século XIX, consolida-se o positivismo
racionalista, teoria jurídico-filosófica que concebe o Estado como fonte
exclusiva do poder e do Direito. Diante da concepção de que a efetivação da
justiça somente poderia ser concretizada através da lei em seu sentido
meramente formal, o Direito se distancia dos valores, da filosofia e, sobretudo,
da ética e hermenêutica jurídica torna-se um processo de verificação do
“encaixe” perfeito dos fatos à norma escrita, inexistindo, pois, qualquer caráter
de cunho criativo ou axiológico. Diante desse cenário, com base na
legitimidade do poder fundado exclusivamente no Direito Positivo, várias
atrocidades foram cometidas em nome da lei e em detrimento dos direitos
fundamentais dos cidadãos, das quais citam-se como exemplo, os regimes
fascista e nazista cuja decadência configuraria marco histórico à própria
superação do positivismo. A partir desse contexto, o presente estudo tem por
intuito analisar como vem sendo interpretada a Constituição Federal de 1988,
fundada em valores e princípios que se sobrepõem à lei em seu sentido frio e
literal. Para tanto, pesquisaremos as novas técnicas de hermenêutica jurídica
em que o intérprete passa a ter papel decisivo e criativo nas quais o Direito é
visto não só como um conjunto de normas cuja validade decorre meramente de
um procedimento formal, independente de seu conteúdo; pelo contrário, as
Cartas Constitucionais de hoje, fundadas em sua maioria num Estado
Democrático de Direito, passam a ter um papel relevante na efetivação de
direitos fundamentais e sua concretização depende também não só do império
da lei, mas também da valoração de princípios éticos e filosóficos. O Direito
volta, portanto, a se aliar à Filosofia, a fim de cumprir efetivamente o seu papel.
Palavras-chave: Constituição – Jusnaturalismo
Neoconstitucionalismo – Direito Constitucional
–
Positivismo
–
85
Introdução
A grande discussão acerca do papel do constitucionalismo atual envolve
a problemática em se justificar a legitimidade do Direito, ou seja, em se saber o
parâmetro (legítimo) de atuação do Estado na criação de suas normas.
Historicamente, durante a Idade Média, essa legitimidade baseava-se em
costumes
e
tradições
de
uma
dada
sociedade.
Todavia,
com
o
antropocentrismo renascentista, vários filósofos e pensadores procuraram
justificar o poder estatal através de uma aceitação dos indivíduos formalizada
por um “pacto/contrato” social. Nesse sentido, Souza Cruz e Duarte (2006, p. 3)
assim se posicionam:
O renascimento trouxe consigo significativa mudança, ao
colocar o homem no centro dos interesses da sociedade.
Esta viagem antropocêntrica procurou, pelo trabalho dos
contratualistas Hobbes (1997) e Rousseau (1983),
justificar o exercício do poder através de autorização
concedida pelos indivíduos e expressa pelo pacto/contrato
social. Trata-se da ideia de que os homens racionalmente
impunham a si mesmos regras de convivência social
(legislação).
Dessa forma, os ideais iluministas de Rousseau, baseados no conceito
de que a vontade popular seria realizada através da representação política,
hoje não mais prosperam, eis que verificamos a inexistência de uma sintonia
entre a vontade estatal e a vontade popular. Os governantes não mais
representam os interesses de seus governados. Assim, ainda segundo Souza
Cruz e Duarte (2006, p. 5),
Dentro dessa nova perspectiva, o Estado moderno passa
como um todo por uma crise de legitimidade,
especialmente quando se percebe clara dissintonia entre
o interesse público e o interesse estatal, ou seja, um
deslocamento de interesses de governantes e governados
para qual o modelo contratualista clássico não consegue
mais dar respostas. Está-se, pois, diante da falência da
chamada “democracia representativa”, cuja resposta deve
ser encontrada por cada povo, mas certamente com base
na denominada “democracia participativa”.
86
Logo, partindo da chamada “crise de legitimidade” do poder estatal,
buscar-se-á abordar no presente estudo as formas de se interpretar o Direito,
levando-se em consideração nosso modelo de Estado, qual seja, o
Democrático de Direito, com foco nos princípios inseridos em nossa Carta
Magna e na concepção de que a Constituição Federal de 1988 deve ser
interpretada como um sistema aberto de normas e princípios cujos valores
fundamentais devem ser concretizados pelas três funções estatais: a
legislativa, a executiva e a judiciária, em que a sociedade, hoje, tem o direito de
ser não só a destinatária das normas, mas a participante direta e ativa no
processo de construção do direito e da justiça.
Para tanto, iremos estudar as correntes filosóficas fundamentais que
procuraram explicar a maneira de se conceber e interpretar o Direito: a
jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista, abordando a ascensão e
decadência das primeiras, de acordo com uma análise histórica e filosófica.
Diante desse contexto, o presente estudo pretende pesquisar as
diversas
transformações
do
Direito
Constitucional
Contemporâneo,
descrevendo a importância da força normativa de uma Constituição
verdadeiramente democrática e a relevância do papel do intérprete do direito
ao reconhecer a normatividade dos princípios e valores insculpidos, explícita ou
implicitamente, em nossa Constituição Federal, a fim de se alcançar, com a
participação ativa dos membros da sociedade, o verdadeiro objetivo do Estado
na atualidade, qual seja, a satisfação do interesse coletivo e a concretização
dos direitos fundamentais.
1 Jusnaturalismo: ascensão e decadência.
Corrente filosófica que tem por fundamento o direito natural, o
jusnaturalismo reconhece a existência, na sociedade, de um conjunto de
princípios e valores (legítimos) que não decorrem de normas jurídicas
produzidas pelo Estado.
Assim, o direito natural encontra seu fundamento de existência e validade
numa ética superior que transcende e limita a norma estatal, servindo,
inclusive, de inspiração à sua produção.
Partindo de fundamentações diversas, ao longo da história até os dias
atuais, o direito natural, a despeito das múltiplas vertentes, baseia-se em duas
87
principais acepções: a primeira fundada em leis naturais ditadas por Deus e a
segunda, ditadas pela razão.
A partir do século XVI, as leis naturais, advindas exclusivamente das
amarras da fé, passaram a ser consideradas fruto da razão humana,
desvencilhando-se de vez da submissão integral à teologia cristã.
Os questionamentos dos dogmas religiosos medievais, seja pela
Reforma Protestante, seja por parte da Revolução Científica, que passaram a
contestar a visão geocêntrica do mundo, colocando, pois, o homem no centro
do universo (antropocentrismo), contribuíram de vez para a gradativa
separação entre religião e razão.
No entanto, o jusnaturalismo, ainda que racional e dissociado da religião,
era por muitos encarado por condicionantes morais. Essa visão, tendo Kant
como seu principal defensor, nos dizeres de Souza Cruz e Duarte (2006, p. 65)
“elevou o conhecimento jurídico à condição de categoria própria, autônomo em
face da religião, mas ainda subordinado aos condicionamentos da Moral.”
Assim, associando-se aos ideais do Iluminismo do século XVIII, o
jusnaturalismo, já desvinculado da fé, baseava-se em direitos naturais que,
através da razão, garantiam liberdade e igualdade aos indivíduos, as quais
deveriam ser preservadas e respeitadas pelo próprio Estado. Tais concepções
serviriam de estopim para a ascensão da burguesia ao poder por meio das
revoluções liberais francesa e americana.
Barroso (2009, p. 236-237) descreve com precisão essa passagem
histórica, a saber:
[...] O jusnaturalismo passa a ser a filosofia natural do
Direito e associa-se ao iluminismo na crítica à tradição
anterior, dando substrato jurídico-filosófico às duas
grandes conquistas do mundo moderno: a tolerância
religiosa e a limitação ao poder do Estado. A burguesia
articula sua chegada ao poder.
A crença de que o homem possui direitos naturais, vale
dizer, um espaço de integridade e de liberdade a ser
obrigatoriamente preservado e respeitado pelo próprio
Estado, foi o combustível das revoluções liberais e
fundamento das doutrinas políticas de cunho
individualista que enfrentaram a monarquia absoluta.
88
Ainda, em nota de rodapé, o mesmo autor (2009, p. 236-237) ilustra bem
a relação do iluminismo com o jusnaturalismo e a consequente separação entre
religião e ciência:
Iluminismo designa a revolução intelectual que se operou
na Europa, especialmente na França, no século XVIII. [...]
O antropocentrismo e o individualismo renascentistas, ao
incentivarem a investigação científica, levaram à
gradativa separação entre o campo da fé (religião) e o da
razão (ciência), determinando profundas transformações
no modo de pensar e de agir do homem. Para os
iluministas, somente através da razão o homem poderia
alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa em
sociedade, a liberdade individual e a felicidade. Ao propor
a reorganização da sociedade com uma política centrada
no homem, sobretudo no sentido de lhe garantir a
liberdade, a filosofia iluminista defendia a causa
burguesa contra o Antigo Regime. Alguns nomes
merecem destaque na filosofia e na ciência política:
Descartes, Locke, Montesquieu, Voltaire e Rousseau.
Dessa forma, com o advento do Estado Liberal, os direitos naturais
passaram a ser codificados, ou seja, traduzidos em normas escritas produzidas
pelo Estado, incorporando-se às Constituições positivas. Assim, de seu
apogeu, ocorre, paradoxalmente, a sua superação, pois tais direitos seriam
reconhecidos
somente
quando
expressamente
escritos,
ficando,
pois,
renegados à supremacia do positivismo do século XIX.
Na visão de Souza Cruz e Duarte (2006, p. 65),
[...] o jusnaturalismo foi o movimento emancipatório que
conduziu a transição do paradigma feudal para o liberal.
O positivismo surgiu como mecanismo de regulação de
uma sociedade cujo projeto burguês consolidou-se como
vitorioso. Assim como o zangão morre ao fertilizar a
abelha Rainha, o jusnaturalismo desvaneceu-se com
o constitucionalismo e a codificação (Grifos nossos).
Do exposto, a partir da positivação do direito natural, a interpretação
criativa, com base em princípios e valores voltados para a ética, passou a ser
ilegítima. O Direito era encarado exclusivamente como norma produzida pelo
Estado, ainda que afastada dos ideais de justiça e equidade. Pretendia-se,
portanto, atribuir à ciência jurídica caráter meramente matemático, com ênfase
89
no que poderia ser observado e experimentado, contribuindo, pois, para o seu
afastamento da especulação filosófica e dos valores morais e transcendentais.
Foi justamente a partir desse contexto que emergiu uma nova maneira de se
interpretar o Direito, qual seja, o positivismo jurídico – pensamento esse que
será estudado no tópico seguinte.
2 Positivismo Jurídico: ascensão e decadência
O positivismo jurídico tem como principal característica o predomínio do
direito sobre a moral, cujo fundamento teórico se justifica precipuamente nas
teorias contratualistas de Hobbes, Montesquieu e Rousseau (CELLA, 2010).
Bobbio(1997, p. 31-32)apud Cella (2010)assim disserta sobre o
pensamento de Hobbes:
Segundo BOBBIO, a doutrina política de HOBBES talvez
seja a teoria mais completa e consequente do positivismo
jurídico. Para HOBBES, com efeito, não há outro critério
do justo ou do injusto senão a lei positiva, ou seja,
somente o que for ordenado pelo soberano é tido como
justo, pelo simples fato de ter sido ordenado; e só é
injusto aquilo que é proibido, só pelo fato de estar
proibido.
Hobbes, portanto, acreditava que os indivíduos, ao saírem do estado de
natureza e passarem para o estado civil, deveriam renunciar suas liberdades
em prol do Estado, que seria o titular legítimo do poder de regrar a sociedade e
manter a ordem por meio do soberano.
Nesse sentido, Cella (2010), citando Perelman(1998, p. 19), aduz:
O soberano, portanto, terá à sua disposição um poder
quase absoluto sobre os súditos, o que lhe permitirá a
elaboração das normas como melhor lhe aprouver, “[...]
desde que não atente sem razão válida contra a vida dos
súditos, pois o medo da morte é a própria razão do pacto
social constitutivo do Estado”.
Dentro dessa acepção de que, teoricamente, a justiça somente seria
válida através da positivação das normas pelo Estado, podemos citar, ainda, o
filósofo Montesquieu, que também defendia que deveria existir a renúncia dos
direitos de liberdade em favor de um poder Estatal do qual emanaria as normas
positivas. No entanto, para esse pensador, ao contrário de Hobbes, o poder
90
estatal não poderia estar centrado nas mãos de uma única pessoa. A partir daí,
desenvolveu a clássica teoria da Separação dos Poderes (Executivo;
Legislativo e Judiciário).
Interessante ressaltar, no que tange ao positivismo jurídico, que, para
Montesquieu, nessa última função, qual seja, a judiciária, a atividade
jurisdicional deveria se resumir em tão somente a aplicar a literalidade da lei,
sendo vedado ao magistrado utilizar, para tanto, de quaisquer aspectos
subjetivos ao solucionar os litígios.
Vejamos o que esclarece Perelman (1998, p. 21-22):
Quanto aos juízes, eles serão apenas ‘a boca que
profere as palavras da lei; seres inanimados que não
podem moderar-lhe nem a força nem o rigor’. Essa é a
condição da segurança jurídica, pois, escreve ele
[MONTESQUIEU], ‘se os tribunais não devem ser fixos,
os julgamentos devem sê-lo a tal ponto que sejam sempre
apenas um texto preciso da lei. Se fossem uma opinião
particular do juiz, viveríamos em sociedade sem saber
precisamente quais compromissos contraímos (Grifos
nossos).
Por
fim,
cumpre
mencionar
a
importante
contribuição
para
a
consolidação do positivismo do terceiro filósofo, Jean Jacques Rousseau,
quem defendeu a teoria contratualista em sua clássica obra “’Do contrato
social”. Rousseau acreditava que a renúncia das liberdades públicas, por parte
dos indivíduos, deveria se dar em nome do povo, o titular efetivo do poder
(ROUSSEAU, 1997, p. 59-60); ao contrário de Hobbes, para quem o poder
deveria centralizar-se nas mãos de um único soberano. Nesse sentido, para
Rousseau, as normas jurídicas, muito embora devessem ser produzidas pelo
Estado, teriam que exprimir a vontade concreta do povo.
Essas ideias liberais, inclusive, acabaram por justificar as Revoluções
Burguesas que emergiram no século XIX, cujos fundamentos basearam-se no
reconhecimento e positivação dos direitos fundamentais.
A interpretação do Direito no positivismo limitou-se, portanto, a aplicar a
letra fria da lei, distanciando-se, pois, dos valores morais, éticos, filosóficos e
da própria noção de Justiça. Sobre isso Kelsen (2003, p. 62), expressão
máxima do positivismo, assim se pronuncia: “Justiça é um ideal irracional. Seu
91
poder é imprescindível para a vontade e o comportamento humano, mas não o
é para o conhecimento. A este só se oferece o direito positivo, ou melhor,
encarrega-se dele.”
Nesse sentido, com base na ideia de que a lei deve, a qualquer custo,
ser aplicada, independentemente de estar associada ao justo, o positivismo
jurídico chegou ao seu apogeu nos regimes totalitários europeus do século XX,
sobretudo na Itália e Alemanha. Nesses governos, os ditadores justificavam
suas ações na aplicação literal da norma e, esta, por sua vez, representava a
vontade do governante. Paradoxalmente, em decorrência das atrocidades
cometidas por tais regimes “em nome da lei”, o positivismo passou a ser
questionado.
Segundo Barroso (2009, p. 242),
a decadência do positivismo foi emblematicamente
associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na
Alemanha. Esses movimentos políticos e militares
ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade
vigente e promoveram a barbárie em nome da lei.
Diante disso, o positivismo representou o marco da superação do
jusnaturalismo. Por outro lado, também, a partir do questionamento da
concepção puramente positivista de que o Direito é tão somente aquilo que o
Estado produz por meio das leis, tal corrente filosófica contribuiu para o
surgimento de uma nova forma de se interpretar o ordenamento jurídico,
associando-o não apenas à lei formal, mas também às ideias de justiça e
equidade – o que será tratado adiante.
3 Estado Constitucional de Direito: Neoconstitucionalismo
Diante do exposto, podemos inferir que, ao longo da história, existiram
três paradigmas institucionais de Estado de Direito, a saber: o Estado prémoderno, o Estado Moderno e Estado Constitucional de Direito.
O Estado pré-moderno teve como marco histórico as Idades Antiga e
Média. Já o Estado Moderno, de início, era absolutista, representado pelo
poder indivisível do rei, cuja característica central baseava-se na ideia de
soberania estatal, mas, ao longo dos séculos XIX e XX, passou a ser liberal,
fundado no reconhecimento dos direitos fundamentais e no próprio positivismo
92
– que, segundo Barroso (2009, p. 243), também é conhecido como “Estado
Legislativo de Direito” - conforme estudado acima. Nesse contexto, o Estado
liberal, baseado no positivismo, representou, pois, o monopólio estatal da
produção jurídica, assentando, assim, sobre o princípio da legalidade estrita.
Daí falar-se que os juízes detinham o papel técnico de conhecimento e não de
produção do direito.
Por sua vez, o Estado Constitucional de Direito emergiu da superação
do positivismo jurídico, associando novamente o Direito posto à Moral e aos
ideais de justiça. Contudo, diferente do jusnaturalismo, buscou-se nesse
contexto conferir objetividade e cientificidade na aplicação das normas,
mediante aplicação novas técnicas de hermenêutica.
Nesse sentido, Barroso (2007, p.57)apud Novelino (2013, p. 192) atribui
a esse “conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito
constitucional [...]” o nome de Neoconstitucionalismo, cujas características
serão abordadas a seguir.
3.1 Neoconstitucionalismo: marco histórico
De
acordo
com
o
estudado
acima,
o
marco
histórico
do
Neoconstitucionalismo ocorreu, na Europa, a partir do final da Segunda Guerra
Mundial e, no Brasil, com o advento da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, tendo como pano de fundo o consequente processo de
redemocratização dos Estados.
Nos dizeres de Barroso (2009, p. 245),
A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após
a Segunda Grande Guerra e ao longo da segunda metade
do século XX, redefiniu o lugar da constituição e a
influência do direito constitucional sobre as instituições
contemporâneas. A aproximação dos ideias de
constitucionalismo e democracia produziu uma nova
forma de organização política, que atende por nome
diversos: Estado democrático de direito, Estado
constitucional
de
direito,
Estado
constitucional
democrático.
Quanto à experiência brasileira, como dito, a implantação desse novo
modelo de organização jurídico-política deu-se com convocação da Assembleia
Nacional Constituinte e a consequente promulgação da Constituição de 1988, o
93
que representou o marco histórico da passagem de um regime ditatorial para
um Estado Democrático de Direito. Com isso, criou-se um terreno fértil para a
emergência de uma nova concepção sobre a real função da teoria jurídica, que
definitivamente passa a reconhecer a normatividade da Constituição, dando
ênfase aos princípios e valores dela inferidos.
3.2 Neoconstitucionalismo: Marco filosófico
O pós-positivismo jurídico representa a corrente filosófica desse novo
Direito Constitucional. De acordo com Novelino (2013, p.185), “o termo póspositivismo se tornou conhecido na década de 1990, quando foi utilizado para
designar uma terceira via construída com o objetivo de superação da
tradicional dicotomia entre jusnaturalismo e positivismo jurídico”.
Nesse sentido, a expressão pós-positivismo é utilizada por vários
autores para designar a valoração jurídica dos princípios como alicerce de todo
Direito Constitucional, conferindo-lhes caráter de normatividade.
Diante da ideia de força normativa dos princípios, Santarosa (2013, p.
565) defende que os mesmos “[...] são destituídos de sentido a priori, motivo
pelo qual a sua complementação é realizada, no mais das vezes, pelos
tribunais. Instaura-se um novo modelo de constitucionalismo, no qual o
interprete também é participe da “criação” do direito.”
Do exposto, infere-se que o pós-positivismo não desconsidera a lei
positiva, mas propõe uma leitura moral do direito, atribuindo, pois,
normatividade aos princípios, além de propor uma diferenciação qualitativa em
relação às regras.
Mas como garantir normatividade aos princípios constitucionais? A
resposta a tal indagação deve ser buscada levando-se em consideração o
papel do intérprete da norma, que, mediante uma atuação criativa do direito,
deve procurar efetivamente concretizar os direitos fundamentais garantidos nas
Constituições. No entanto, vale dizer que tal não significa propriamente legislar,
mas, por meio da utilização de novas técnicas de interpretação, promover uma
reaproximação entre o Direito e a Ética.
Segundo Barroso (2009, p. 251),
A dignidade da pessoa humana está na origem dos
direitos materialmente fundamentais e representa o
núcleo essencial de cada um deles, assim os individuais,
como os políticos e os sociais. O principio tem sido objeto
no Brasil e no mundo, de intensa elaboração doutrinaria e
de busca de maior densidade jurídica. Procura-se
estabelecer os contornos de uma objetividade possível,
94
apta a prover racionalidade e controlabilidade à sua
utilização nas decisões judiciais.
Portanto, na tentativa de garantir em concreto a realização dos direitos
fundamentais, o Poder Judiciário deverá se ater essencialmente ao princípio da
dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, passa a ter no
Neoconstitucionalismo, valoração jurídica. Referido princípio representa um
valor espiritual e moral do indivíduo, constituindo um mínimo essencial de
direitos que todos os ordenamentos jurídicos devem garantir com caráter de
imperatividade.
Nesse sentido, a positivação do princípio da dignidade da pessoa
humana no constitucionalismo contemporâneo acabou por impor ao intérprete
o dever de aplicá-lo, consagrando-se, assim, a ideia de que o ser humano
constitui o valor supremo do Estado, na medida em que este deve servir
àquele.
3.3 Neoconstitucionalismo: Marco teórico
No âmbito teórico, para que as ideias do Neoconstitucionalismo possam
ser de fato implementadas, devem-se levar em conta três importantes teorias
que transformaram o Direito Constitucional, quais sejam, atribuição de força
normativa da Constituição; expansão da jurisdição constitucional e nova
dogmática da interpretação constitucional.
O Estado Constitucional de direito, na atualidade, tem como pressuposto
lógico-jurídico conferir à Constituição o caráter de norma imperativa, ou seja,
um conjunto aberto de regras e princípios. Dessa forma, todo ordenamento
jurídico deve ter seu fundamento de validade no texto constitucional. Tal é a
importância, portanto, do principio da supremacia constitucional.
Sendo assim, a fim de fazer valer a vontade da Constituição, é
necessário que exista um controle de constitucionalidade de leis e atos
normativos e, consequentemente, uma ampliação jurisdicional de tal controle
de forma a evitar que normas incompatíveis com a Constituição subsistam no
ordenamento jurídico. Passa-se, aqui, a falar em invalidação de normas
jurídicas, o que não ocorria no Estado Liberal em que não se vislumbrava a
possibilidade de o judiciário invalidar atos emanados do poder legislativo.
Cumpre mencionar que a Constituição brasileira de 1988 garantiu a todos os
órgãos de Poder, sobretudo ao Judiciário, a função de exercer o controle de
constitucionalidade das normas.
95
Para tanto, torna-se necessário estabelecer técnicas que vão revelar ou
atribuir sentido a textos normativos tendo como parâmetro a Constituição.
Nesse contexto, surge um novo paradigma de interpretação constitucional
pautado, nos dizeres de Barroso (2009, p. 266), nas seguintes premissas:
[...] o reconhecimento de normatividade aos princípios, a
percepção da ocorrência de colisão de normas
constitucionais e de direitos fundamentais, a necessidade
de utilização da ponderação como técnica de decisão e a
reabilitação da razão pratica como fundamento de
legitimação das decisões judiciais.
Nesse sentido, solidificou-se a reaproximação do Direito aos padrões
éticos, sedimentando o entendimento de que os princípios constitucionais –
expressos ou implícitos – são, ao lado das regras, parte do ordenamento
jurídico.
Ademais, o reconhecimento do fenômeno dos conflitos entre princípios
constitucionais, direitos fundamentais e valores e interesses constitucionais
(BARROSO, 2009, p. 331), quando da solução de um litígio, acabou por
evidenciar a inoperância e incompetência do método positivista da aplicação
fria da letra da lei, o que trouxe à baila o método da ponderação dos princípios.
Para prover tal técnica, o intérprete deve, a partir da identificação das normas
aplicáveis ao caso concreto, eleger aquela que mais se adequa ao caso
concreto, diante da relevância dos fatos. Nesse sentido, a interpretação passa,
no neoconstitucionalismo, a guiar-se pela subjetividade do aplicador da lei, que,
utilizando dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve garantir a
concretude dos direitos fundamentais.
Sem pretensão de esgotar o tema, pretendeu-se demonstrar a
relevância jurídica dos princípios e valores presentes na filosofia, na moral e na
ética com vistas a conferir ao direito o verdadeiro papel que lhe é inerente: a
garantia dos ideias de justiça e equidade, fim maior de toda norma.
Considerações Finais
É certo que a ciência jurídica não pode ser um fim em si mesma; existe
como instrumento para se alcançar determinada finalidade. De acordo com os
diversos contextos históricos relatados neste estudo, o Direito teve um fim a ser
96
perseguido, tomando como fundamento teórico uma ou outra corrente jurídicofilosófica.
Do presente trabalho, ainda que de forma sucinta, podemos inferir que,
atualmente, o papel do Direito está intimamente relacionado à ideia de
legitimidade, de forma que não basta a existência de um corpo normativo
positivo para a realização dos ideais de justiça e equidade.
Aplicar a “letra fria da lei” sem considerar os valores éticos e morais
pode ser perigoso e a História nos mostrou que, em nome da estrita legalidade,
o mundo assistiu às barbáries do holocausto.
Dessa forma, ao invés de conferir ao Direito um caráter meramente
metafísico, como pretenderam os jusnaturalistas, ou um caráter estritamente
científico, como o quiseram os positivistas, o delineamento atualmente
concebido é o de que as normas positivas devem ser interpretadas à luz de
valores éticos e morais, a fim de se garantir a concretização de direitos
mínimos necessários à própria sobrevivência dos indivíduos.
As Constituições democráticas, nesse contexto, apresentam um
conteúdo jurídico-axiológico, de caráter instrumental, em que suas normas vão
sendo aplicadas tendo como fim máximo o indivíduo nas suas diversas
acepções: o individual; o coletivo; o plural...
Dessa forma, o papel do novo Direito Constitucional deve buscar, na
Constituição, sua força normativa máxima, tendo como base, portanto, o
Princípio de Supremacia Constitucional. Nesse sentido, todas as demais
normas do sistema jurídico devem encontrar na Carta Suprema seu
fundamento de validade, sob pena de serem consideradas inválidas.
Diante de tal sistemática, de cabal importância é o conteúdo axiológico
de uma Constituição, pois a concretização dos direitos inerentes à própria
condição do ser humano depende dessa valoração e o parâmetro para
consecução dessa finalidade é a busca pela dignidade humana – princípio
norteador dos demais direitos fundamentais.
A dignidade da pessoa humana é, indiscutivelmente, a base da
concretização dos demais direitos dos indivíduos. A sua transposição do plano
religioso/moral/ético para a esfera jurídica ocorreu em decorrência desse novo
modo de repensar o Direito. Assim, sem desconsiderar o direito posto, escrito,
97
deve-se, também, mediante critérios e técnicas objetivas e racionais, aliar suas
regras a valores e princípios morais e éticos com vistas à consecução do justo.
Do exposto, a tarefa do novo Direito Constitucional é justamente garantir
a todos, não só à maioria, mas também à minoria, a plena satisfação de suas
necessidades básicas, pois o ser humano é um fim em si mesmo e o Direito um
instrumento de realização de suas necessidades.
Referências
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conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva,
2009
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constituciobalização do
direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). In: SOUZA NETO,
Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coords.). A constitucionalização do
direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 97-136.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de Maria
Celeste Cordeiro Leite dos Santos, Brasília: UNb, 1997.
CELLA, José Renato Gaziero. Positivismo jurídico no século XIX: Relações
entre direito e moral do Ancien Régime à Modernidade. In: XIX ENCONTRO
NACIONAL DO CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais... Fortaleza: 2010.
Disponível
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DERNIDADE>. Acesso em: 25 mai. 2014
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do
direito. 4. ed. Tradução de J. Cretela Jr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.
NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed.. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2013.
PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ou princípios do direito político
. Col. Os Pensadores . Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
SANTAROSA, Humberto. Jurisdição criativa e a motivação das decisões
judiciais. In: FUX, Luiz (Coord.). Processo Constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 2013. p. 559-632.
SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo; DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Além do
Positivismo Jurídico. Belo Horizonte: Arraes, 2013.
98
A (IN)EFICÁCIA DA AMPLA DEFESA DO PARLAMENTAR
Paulo César Oliveira do Carmo – IPTAN
Especialista em Direito Público
E-mail: [email protected]
Resumo: O objetivo do presente artigo é abordar a controvérsia existente
sobre a questão da perda do mandato dos parlamentares condenados pelo
cometimento de crimes. Os parlamentares federais, deputados Federais e
senadores da República possuem um rol de prerrogativas para o exercício
independente de seu mister na Constituição da República Federativa do Brasil
1988. O Estatuto dos Congressistas assegura ao parlamentar, submetido a um
procedimento de perda de mandato, a ampla defesa. A ampla defesa, no que
tange ao seu real conteúdo e eficácia, será variável conforme o procedimento a
que for submetido o parlamentar, ou seja, se se trata de cassação ou extinção
do mandato, nos termos dos respectivos §§ 2º e 3º, do art. 5º da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988. Em relação ao procedimento de
cassação de mandato do parlamentar condenado por sentença criminal
transitada em julgado existem entendimentos divergentes no Supremo Tribunal
Federal, os quais variam conforme a natureza do crime cometido, a pena
concreta e o regime de cumprimento desta.
Palavras-chave: Perda do mandato parlamentar – Ampla defesa
Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)
expressamente nos artigos 53 a 56 traz um regime jurídico dos parlamentares,
consistente em um rol de prerrogativas e imunidades em função do exercício
do mandato parlamentar, denominado pela doutrina de um verdadeiro Estatuto
dos Congressistas (CUNHA JÚNIOR, 2012).
O presente trabalho irá circunscrever sobre o procedimento das
hipóteses de perda do mandato parlamentar do Deputado Federal e do
Senador da República, previstas no artigo 55, §§ 2º e 3º da CRFB/88.
Especialmente no que tange ao procedimento constitucional previsto nos
§§ 1º e 2º do art. 55 da CRFB/88, ambos preveem, expressamente, que será
assegurado ao parlamentar a ampla defesa, direito e garantia fundamental cuja
eficácia e o âmbito de aplicação, variável, serão explanados; não se tem o
escopo de esgotar o tema, atualmente muito debatido pelos acadêmicos e
operadores do direito, ante aos acontecimentos expostos na mídia em relação
aos processos penais e políticos a que vêm sendo submetidos os
parlamentares do Congresso Nacional.
99
1 A perda do mandato parlamentar
A perda do mandato parlamentar pode resultar de cassação ou de
extinção, que configuram hipóteses distintas e têm procedimentos também
distintos.
Hely Lopes Meireles (2008, p. 643) explica e denomina a causa e o
efeito sobre a perda do mandato parlamentar:
A cassação, como ato punitivo, pode advir da própria
Câmara, nos caso de conduta incompatível do edil como
o exercício da investidura política ou falta éticoparlamentar que autorize sua exclusão da câmara, ou
pode provir da Justiça Penal, nos casos de condenação
por crime funcional que acarrete aplicação da pena
acessória de perda ou inabilitação para qualquer função
pública; a extinção, como simples ato declaratório do
perecimento do mandato nos casos expressos na lei, é
sempre de alçada do presidente da mesa.
Segundo a CRFB/88, no § 2º do art. 55, os incisos I (incompatibilidades),
II (decoro parlamentar), e VI (sofrer condenação criminal transitada em
julgado), a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou
pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante a provocação da
respectiva Mesa, ou de partido político representado no Congresso Nacional.
Diante desse procedimento de perda do mandato, ou seja, por decisão política,
tratam-se essas hipóteses de cassação do mandato.
Prevê ainda a Carta Política, no § 2º do art. 55, que os incisos III, IV e V
(ausência à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, perda
ou suspensão dos direitos políticos e decretação da justiça eleitoral nos casos
previstos na Constituição, respectivamente), a perda do mandato será
declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de
qualquer de seus membros, ou partido político representado no Congresso
Nacional. Tendo em vista que a perda do mandato será apenas declarada pela
Mesa da Casa a que pertencer o parlamentar, não havendo esta que decidir
fundado em juízo político, essas hipóteses possuem natureza de extinção do
mandado parlamentar.
Verifica-se que, quanto às hipóteses cuja natureza é a extinção, a
declaração da Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo que a
100
determina; no que tange às hipóteses de cassação do mandado, há a
submissão do fato ao juízo político da Casa a que pertence o parlamentar, ou
seja, a perda ou não do mandado, será decidida segundo a conveniência e a
oportunidade dos membros da Casa Legislativa participantes da votação
aberta.
2 A ampla defesa assegurada ao parlamentar
Ao parlamentar, independente da distinção do procedimento a ser
seguido para a cassação ou a extinção do mandato, é assegurado o direito à
ampla defesa.
Ainda que não houvesse a previsão, expressa nos §§ 2º e 3º do art. 55
da CRFB/88, da ampla defesa nos procedimentos de perda do mandato, o
parlamentar, ainda assim, poderia exercer esse direito e garantia fundamental
expresso no art. 5º, inciso LV (“aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) da Carta Política.
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo
Gonet Branco (2008) explicam, sob o prisma do direito comparado, o conteúdo
da densidade normativa do direito e garantia assegurado no inciso LV, do art.
5º da Carta Política:
Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional
comparado. Apreciando o chamado ‘Anspruch auf
rechtliches Gehor’ (pretensão à tutela jurídica) no Direito
alemã, assinala a Corte Constitucional que essa
pretensão envolve não só o direito de manifestação e o
direito de informação sobre o objeto do processo, mas
também o direito de ver os seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar
O Supremo Tribunal Federal, entendendo que houve vulneração do justo
processo da lei (“due process of law”) com fulcro no inciso LV, do art. 5º, da
CRFB/88, no julgamento do Mandado de Segurança 25.647/DF 12(caso em que
figurava como paciente José Dirceu), da relatoria originária do Ministro Carlos
12
MS 25647 MC, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR
PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2005, DJ 15-12-2006 PP-00082 EMENT VOL-02260-02
PP-00227.
101
Britto, cuja ementa, da lavra do Ministro Cezar Peluso, assevera o âmbito de
aplicação da ampla defesa:
PARLAMENTAR. Perda de mandato. Processo de
cassação. Quebra de decoro parlamentar. Inversão da
ordem das provas. Reinquirição de testemunha de
acusação ouvida após as da defesa. Indeferimento pelo
Conselho de Ética. Inadmissibilidade. Prejuízo presumido.
Nulidade consequente. Inobservância do contraditório e
da ampla defesa. Vulneração do justo processo da lei
(due process of law). Ofensa aos arts. 5º, incs. LIV e LV, e
55, § 2º, da CF. Liminar concedida em parte, pelo voto
intermediário, para suprimir, do Relatório da Comissão, o
inteiro teor do depoimento e das referências que lhe faça.
Votos vencidos. Em processo parlamentar de perda de
mandato, não se admite aproveitamento de prova
acusatória produzida após as provas de defesa, sem
oportunidade de contradição real.
Mesmo havendo no art. 5º da CRFB/88 a previsão da ampla defesa cuja
garantia é assegurada ao parlamentar, os §§ 2º e 3º, do art. 55, da mesma
Carta, expressamente preveem, novamente, nos respectivos procedimentos de
perda do mandato, a ampla defesa.
A previsão expressa da ampla defesa no âmbito dos procedimentos de
perda de mandato não se trata de mera repetição ou retórica legislativa.
A ampla defesa assegurada ao parlamentar ao se submeter a um
procedimento de perda de mandato, possui conteúdos eficaciais distintos
conforme a espécie (cassação ou extinção) procedimental e o fato motivador
de abertura deste.
No procedimento de cassação do mandato, os fatos a serem julgados
pela Casa a que pertence o parlamentar, estão previstos nos incisos I
(incompatibilidades), II (decoro parlamentar), e VI (sofrer condenação criminal
transitada em julgado) do art. 55 da CRFB/88. Haverá, nesse procedimento
uma análise política sobre os fatos, exarando os membros da Casa, mediante
voto aberto, um juízo de valor político.
Verifica-se que no procedimento de cassação do mandato, a ampla
defesa assegurada ao parlamentar, possui uma eficácia latente, uma vez que
terá o parlamentar a oportunidade de demonstrar e convencer a seus pares a
votarem em seu favor para a manutenção do mandato.
102
O parlamentar poderá exercer efetivamente o seu direito de defesa por
intermédio de todas as formas lícitas e legítimas admissíveis na tentativa de ter
uma decisão que lhe assegure o mandato.
Poderá, o parlamentar, no trâmite do procedimento, apresentar e
requerer provas admissíveis pelo ordenamento jurídico, apresentar defesa
escrita, apresentar defesa oral, interpor recursos, exercer o “lobby” partidário e
político etc.13,14
Nos fatos consistentes nos incisos I (incompatibilidades) e II (decoro
parlamentar), do art. 55 da Carta Magna, em relação ao conteúdo e ao âmbito
de aplicação da ampla defesa do parlamentar, não há debate jurídico e/ou
político cujo entendimento venha distinguir, limitar ou relativizar a sua força
normativa, há um consenso comum sobre a amplitude e a eficácia prática
sobre a aparente indeterminação da ampla defesa nesses casos concretos;
havendo, nesses casos, conforme ministra Marçal Justen Filho, um núcleo de
certeza sobre o conteúdo do conceito jurídico15.
Em relação ao inciso VI (sofrer condenação criminal transitada em
julgado) do art. 55 da CRFB/88, a ampla defesa assegurada ao parlamentar,
culminando na decisão da Casa Legislativa a que pertence o parlamentar, tanto
em relação ao exercício da ampla defesa, bem como ao conteúdo eficacial da
decisão, tem havido um debate jurídico acalorado, principalmente no âmbito do
Poder Judiciário, uma vez que a doutrina sempre foi assente quanto à eficácia
13
O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, no capítulo IV, art. 9º e
seguintes, prevê o procedimento disciplinar, assegurando a ampla defesa.
14
O Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, no capítulo VI, art. 12 e seguintes,
prevê o procedimento disciplinar, assegurando a ampla defesa.
15
“Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão "norma geral" comporta dois núcleos
de certeza. Há um núcleo de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangência inquestionável do
conceito. Há outro núcleo de certeza negativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre
esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. À medida que se afasta do núcleo de certeza
positiva, reduz-se a precisão na aplicação do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza negativa,
amplia-se a pretensão de inaplicabilidade do conceito. Não existe, porém, um limite exato acerca dos
contornos do conceito. A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não deságua na liberação do
aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo contrário. Conduz a
restringir a liberdade na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados. A incompatibilidade entre o
limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última" (JUSTEN FILHO,
Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed., São Paulo: Dialética, 1998.
p. 17-1).
103
prática do procedimento de perda de mandato e do âmbito de aplicação da
ampla defesa, cujo objeto seja condenação criminal transitada em julgado em
face de parlamentar federal.
Assim, a doutrina pátria, quanto ao entendimento sobre a perda do
mandato do parlamentar condenado por sentença criminal transitada em
julgado, sempre foi assente quanto à aplicação expressa do § 2º, do art. 55 da
CRFB/88, ou seja, ainda que o parlamentar fosse condenado pelo Poder
Judiciário pelo cometimento de crime, cuja sentença transitou em julgado,
dever-se-ía a Casa Legislativa a que pertence o parlamentar condenado,
decidir sobre a perda do mandato, havendo um juízo de conveniência política
(MENDES, 2008, p. 903).
Analisando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
verifica-se que há uma aparente contradição de determinados dispositivos que
dipõem sobre condições de elegibilidade, suspensão de direitos políticos e a
perda do mandato do parlamentar condenado criminalmente por sentença
transitada em julgado.
O artigo 14, § 3º, II, da CRFB/88, prevê como uma das condições de
elegibilidade o pleno exercício dos direitos políticos.
O artigo 15, III, da CRFB/88, determina que o indivíduo que sofre
condenação transitada em julgado fica com os seus direitos políticos
suspensos enquanto durarem os efeitos da condenação.
Há, ainda, no Código Penal, no art. 92, inciso I, uma prescrição de um
dos efeitos de sentença penal condenatória, determinando a perda de cargo,
função pública ou de mandato eletivo16.
16
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes
praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for
aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos,
sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime
doloso.
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença.
104
Os artigos 14 e 15 da Carta Magna, em seus preceitos, não
excepcionam determinados indivíduos e/ou cidadãos, é norma obrigatória para
todos indistintamente, inclusive os Deputados Federais e Senadores da
República.
Portanto, sob a prescrição dos referidos artigos (14, § 3º, II e 15, III,
ambos da CRFB/88), os parlamentares federais condenados por sentença
criminal transitada em julgado perderiam o mandato pelo fato de que seus
direitos políticos estariam suspensos, perdendo também uma causa obrigatória
de elegibilidade, como efeitos da sentença penal.
Essa aparente contradição foi e ainda está sendo debatida no Supremo
Tribunal Federal (STF).
Na Ação Penal nº. 470/MG – AP 470/MG, midiaticamente denominada
de “Julgamento do Mensalão”, uma vez havendo a condenação de
parlamentares federais, houve dois entendimentos distintos quanto à aplicação
da perda do mandato face à prescrição do § 2º, do art. 55, da Carta Política,
que submete a sentença criminal transitada em julgado ao crivo decisório da
Casa Legislativa, mediante ampla defesa do parlamentar condenado.
Segundo o entendimento, no caso minoritário, exarado pelos Ministros
do STF, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Carmen Lúcia, na
AP 470/MG, não ocorrerá a perda do mandato como consequência da
sentença criminal transitada em julgado, apenas como fundamento o art. 14, §
3º, II e art. 15, III, ambos da Carta Política.
Para os referidos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no caso dos
parlamentares federais, há uma norma específica que excepciona a regra geral
(art. 14, § 3º, II e art. 15, III, da CRFB/88), expressa no art. 55, VI e § 2º, da
Constituição da República.
Em seu voto, a Ministra Rosa Weber, sustentou, sintetizando, que a
constituição, deliberadamente, tratou de maneira diversa a sanção de
improbidade administrativa e a condenação criminal; para a Ministra, é
contrário à boa técnica hermenêutica interpretar os incisos IV e VI, do art. 55 da
Constituição à luz do que prescreve o art. 92 do Código Penal, norma
infraconstitucional, o que importaria em uma inversão da hierarquia das fontes.
Logo, para esta “corrente”, a interpretação correta para solucionar o
conflito aparente dos dispositivos constitucionais, seria no sentido de que o
105
Deputado Federal e o Senador da República, mesmo tendo sido condenados
criminalmente, com sentença judicial transitada em julgado, somente perdem o
mandato se assim decidir a maioria absoluta da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal, por meio de votação, assegurada a ampla defesa.
O Supremo Tribunal Federal, por maioria17, adotou este entendimento no
julgamento do Senador Ivo Cassol, na Ação Penal nº. 565/RO, tendo como
Relatora a Ministra Carmen Lúcia, de agosto de 2013.
Segundo esse entendimento, a ampla defesa do parlamentar, abarcaria
também, dentre outros meios lícitos e legítimos já citados, a própria ineficácia
da sentença penal condenatória proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em
relação ao efeito consequencial da cassação do mandato, caso os pares
parlamentares da Casa Legislativa votem pela manutenção do mandato do
parlamentar condenado.
O outro entendimento, vencedor no famoso processo, defendido pelos
Ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso
de Mello, proferido no AP 470/MG, é de que o § 2º do art. 55 da CRFB/88 não
precisa ser aplicado em todos os casos nos quais os parlamentares federais
tenham sidos condenados criminalmente, mas apenas nas hipóteses em que a
decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar
por não estarem presentes os requisitos legais do art. 92, I, do Código Penal
Brasileiro (CPB), ou se foi proferida anteriormente à expedição do diploma,
com trânsito em julgado em momento posterior.
A Casa Legislativa, portanto, apenas declararia a perda de mandato nos
casos de condenação criminal nos quais esteja ínsita a improbidade
administrativa (inciso I, a, do art. 92, do Código Penal), ou, nos casos de
condenação por outros crimes, a pena aplicada privativa de liberdade seja por
tempo superior a 4 (quatro) anos.
Portando, para esta segunda “corrente”, e que prevaleceu na AP
470/MG, se a decisão condenatória criminal determinou a perda do mandato
eletivo, nos termos do artigo 92, I, do CPB, não haverá necessidade do
julgamento político pela Casa Legislativa, não se aplicando o procedimento
previsto no art. 55, § 2º, da CRFB/88, ou seja, a deliberação da Casa
17
Ministros: Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Teori Zavaski e
Roberto Barroso.
106
Legislativa possuiria efeito meramente declaratório, sem que pudesse rever ou
tornar sem efeito decisão condenatória definitiva proferida pelo Supremo
Tribunal Federal.
Na esteira desse entendimento, a ampla defesa do parlamentar apenas
se limita a acompanhar o procedimento legal que culminará com a declaração
da perda do mandato pela Casa Legislativa, fiscalizando a comunicação, por
ofício, do Supremo Tribunal Federal a Mesa da Casa a que pertence o
parlamentar, bem como a instauração e o trâmite do procedimento nos termos
do Regimento Interno da Casa Legislativa, quanto aos atos, prazos e recursos
inerentes, desde que já circunscritos a aspectos meramente formais do trâmite
procedimental.
O âmbito de eficácia e aplicação do conteúdo conceitual da ampla
defesa, segundo o entendimento majoritário exarado na AP 470/MG, é
semelhante ao do procedimento de extinção do mandato prescrito no § 3º do
art. 55 da CRFB/88, sendo limitado, relativizado e de natureza meramente
formal.
O Ministro Luis Roberto Barroso, proferiu no Mandado de Segurança nº.
32.326/DF18, em 02.09.2013, decisão monocrática,19 recente, na qual revela
um terceiro entendimento.
18
O Trata-se de mandado de segurança, com requerimento de concessão de liminar, impetrado
pelo Deputado Federal Carlos Sampaio contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados, que submeteu
ao
Plenário da Casa deliberação sobre a perda ou não do mandato do Deputado Federal Natan
Donadon (Representação nº 20/2013), condenado criminalmente em caráter definitivo pelo Supremo
Tribunal Federal a 13 (treze) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial
fechado. Em essência, o pedido do impetrante é que seja reconhecido que, na hipótese, a perda do
mandato parlamentar não está sujeita a decisão do Plenário, mas a mera declaração da Mesa da Câmara
dos Deputados.
Posteriormente, o MS foi considerado prejudicado pelo Ministro Relator Luis Roberto Barroso,
com base no art. 38 da Lei 8.038/1990.
19
(...) “De tudo que vem de ser exposto e examinado, é possível assentar, em conclusão:
A. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso
Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer
condenação criminal transitada em julgado.
B. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado,
por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato
se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício.
C. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado
exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e
inexorável da
condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória.
107
Segundo essa decisão liminar, em caso de condenação de Deputado
Federal ou Senador da República, a Casa Legislativa irá decidir sobre a perda
ou não do mandato, nos termos procedimentais do § 2º, do art. 55, da
CRFB/88. No entanto, para o Ministro Luis Roberto Barroso, se o regime de
cumprimento da pena for o fechado e a quantidade da pena superior ao
mandato, a Casa Legislativa, obrigatoriamente, deverá determinar a perda do
mandato, considerando que as condições do regime fechado são logicamente
incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar.
Aplica-se, portanto, as regras do procedimento de cassação prescritas
no § 2º, do art. 55, da Carta Magna, salvo se a pena concreta e o regime da
pena forem incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar; o âmbito
de eficácia da ampla defesa parlamentar variará conforme o caso concreto, se
houver mera declaração da perda do mandato ou juízo político da Casa
Legislativa.
Em relação ao procedimento previsto no § 3º20, do art. 55, da CRFB/88,
o qual se refere aos incisos III (deixar de comparecer, em cada sessão
D. Acrescente-se que o tratamento constitucional dado ao tema não é bom e apresenta sequelas
institucionais indesejáveis. Todavia, cabe ao Congresso Nacional, por meio de emenda constitucional,
rever o sistema vigente.
Verifico estarem presentes os elementos que autorizam a concessão de medida liminar inaudita
altera pars (antes mesmo de ouvir a autoridade impetrada). Isto porque vislumbro fumus boni iuris
(aparência de bom direito) no pedido formulado, por considerar relevante e juridicamente plausível o
fundamento de que, no caso em exame, a perda do mandato deveria decorrer automaticamente da
condenação judicial, sendo o ato da Mesa da Câmara dos Deputados vinculado e declaratório.
Assim entendo porque o período de pena a ser cumprido em regime fechado excede o prazo
remanescente do mandato, tornando sua conservação impossível, tanto do ponto de vista jurídico quanto
fático.
Considero, ademais, haver periculum in mora (perigo na demora) pela gravidade moral e
institucional de se manterem os efeitos de uma decisão política que, desconsiderando uma
impossibilidade fática e jurídica, chancela a existência de um Deputado presidiário, cumprindo pena de
mais de 13 (treze) anos, em regime inicial fechado. A indignação cívica, a perplexidade jurídica, o abalo
às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação
imediata do Judiciário.
Como consequência, suspendo os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados
acerca da Representação nº 20, de 21 de agosto de 2013,até o julgamento definitivo do presente mandado
de segurança pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Esclareço que a presente decisão não produz a perda automática do mandato, cuja declaração –
ainda quando constitua ato vinculado – é de atribuição da Mesa da Câmara.”
20
“Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva,
de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no
Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”
108
legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo
licença ou missão por esta autorizada), IV (que perder ou tiver suspensos os
direitos políticos) e V (quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos
previstos nesta Constituição), do referido artigo constitucional, a Mesa da Casa
Legislativa apenas declarará a perda do mandato, uma vez que se trata de
extinção do mandado, assegurando ao parlamentar a ampla defesa.
Diante deste procedimento, no qual não haverá julgamento político pela
Casa Legislativa, mediante votação aberta, pode-se indagar de que adiantaria
assegurar ao parlamentar a ampla defesa, e qual seria o seu âmbito de
aplicação e eficácia21.
21
DECISÃO MANDADO DE SEGURANÇA - DEVIDO PROCESSO LEGAL TRANSGRESSÃO - RELEVÂNCIA - LIMINAR DEFERIDA. 1. João Alberto Rodrigues Capiberibe
impetra este mandado de segurança, formalizando pedido de concessão de liminar contra ato do
Presidente do Senado da República, senador Renan Calheiros, que o afastou do exercício do mandato de
Senador pelo Estado do Amapá, aludindo à posse de Gilvam Pinheiro Borges designada para a data de
hoje, às quatorze horas. Em síntese, sustenta o impetrante que o Presidente do Senado inobservou a regra
do § 3º do artigo 55 da Constituição Federal, deixando de ensejar o direito de defesa e implementando, no
campo individual, o afastamento. Discorre a respeito, reportando-se aos debates que se travaram no
âmbito da Casa Legislativa e afirmando que em jogo se faz direito subjetivo passível de proteção
mediante a ação mandamental. Ter-se-ia ou a competência do Plenário da Casa ou da Mesa para, somente
após o exercício do direito de defesa, concluir pelo afastamento. É pleiteada liminar que implique a
sustação dos efeitos da decisão atacada, restabelecida a situação jurídica anterior, vindo o Tribunal, após
citado o litisconsorte passivo e ouvida a Procuradoria Geral da República, a conceder a segurança para
tornar insubsistente o ato. Acompanharam a inicial as peças de folha 16 a 157. 2. A impetração ocorreu
neste dia às onze horas e trinta e oito minutos, chegando o processo ao Gabinete às treze horas e quarenta
e oito minutos, sendo que, a partir das quatorze horas, integrei a Sessão Plenária. No caso, não cabe
elucidar o alcance, em si, dos ofícios encaminhados ao Senado Federal, dando conta do julgamento
procedido no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, bem como da solução
emprestada à Questão de Ordem sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. Cumpre apenas ter presente
a Lei Fundamental, o que previsto no artigo 55 dela constante: Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou
Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento
for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão
legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta
autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça
Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença
transitada em julgado. § 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no
regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a
percepção de vantagens indevidas. § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta,
mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa. § 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa
da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido
político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 4º A renúncia de parlamentar
submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus
efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. Pois bem, quer se trate da perda
do mandato, presentes os incisos I, II e VI, quer verse a situação a extinção ante as previsões dos incisos
109
Para Kildare Gonçalves Carvalho (2011. p. 1012),22, na perda do
mandato segundo o procedimento de extinção, por mera declaração da Mesa
da Casa Legislativa correspondente, a ampla defesa possui um âmbito de
aplicação limitado, cuja eficácia é relativizada:
Uma vez comunicada a decisão à Casa Legislativa,
assegura-se ao parlamentar o direito à ampla defesa, a
qual, no entanto, não abrange a revisão de fatos, ou o
próprio mérito da decisão, mas aspectos formais, como a
validade da comunicação da Justiça Eleitoral, a
idoneidade dos documentos que comprovam a decisão,
ou a formação da coisa julgada material. De consignar
que o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de
que a atribuição da Mesa da Casa, a que pertence o
parlamentar que incorrera nas hipóteses sancionatórias
previstas nos incisos III a V do art. 55 da Constituição
Federal (cuidava-se especificamente da aplicação do
inciso V), circunscrever-se-ia a declarar a perda do
mandado, dando posse, por conseguinte, a quem devesse
ocupar o cargo vago, haja vista que o registro do
parlamentar já teria sido cassado pela Justiça Eleitoral,
não podendo subsistir, dessa forma, o mandato eletivo.
Asseverou-se, ademais, que a ampla defesa a que alude
o § 3º do art. 55 da Constituição Federal, não diria a
respeito a nenhum procedimento eventualmente
instaurado no âmbito de uma das Casas Legislativas, e
sim à garantia nos processos que tramitam na Justiça
Eleitoral, não cabendo à Mesa da Casa Legislativa a que
pertence o titular do mandato eletivo cassado aferir o
acerto, ou não, das decisões emanadas da Justiça
Eleitoral, ou ainda fixar momento adequado para cumprir
tais julgados Registrou-se que o ato da Mesa do Senado
III a V, tem-se como autores dos atos, respectivamente, o Plenário da Casa e a Mesa, assegurada, em
ambas as situações, a ampla defesa. As discussões travadas no Senado Federal revelam o afastamento do
impetrante sem que observados os ditames constitucionais, sem que observada a Lei Fundamental da
República, que a todos, indistintamente, submete, considerado o devido processo legal. Frise-se, por
oportuno, que à época da cassação do registro e diploma, o impetrante já estava no exercício do mandato
de Senador, não cabendo conferir à parte final do inciso V do artigo 55 da Carta Federal - "... nos casos
previstos nesta Constituição" - interpretação gramatical, simplesmente verbal, sob pena de se chegar a
verdadeiro paradoxo. Estando o pronunciamento judicial calcado nesta última, de envergadura maior, terse-ia a incidência do preceito do § 3º do citado artigo, enquanto a fundamentação em norma estritamente
legal dispensaria o atendimento às formalidades estabelecidas. A óptica não se sustenta. 3. Concedo a
liminar pleiteada para afastar os efeitos do ato atacado. Com isso, restabeleço a situação jurídica anterior,
viabilizando ao impetrante, ainda na qualidade de Senador da República, o exercício do direito de defesa.
4. Cite-se o litisconsorte passivo. 5. Dê-se ciência ao Presidente do Senado Federal. 6. Publique-se.
Brasília, 27 de outubro de 2005. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (MS 25623, Relator(a): Min.
MARCO AURÉLIO, julgado em 27/10/2005, publicado em DJ 09/11/2005 PP-00006).
22
STF, MS 27.613/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.10.2009. Informativo 565/STF.
110
ou da Câmara que dispõe sobre a perda do mandato
parlamentar (CF, art. 55, V) tem natureza meramente
declaratória.
A hipótese do inciso III (deixar de comparecer, em cada sessão
legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo
licença ou missão por esta autorizada), do art. 55 da Carta Política, limita o
exercício da defesa apenas às hipóteses expressas, que consistem em
justificar a ausência do parlamentar às sessões.
O art. 55, IV (que perder ou tiver suspensos os direitos políticos), da
Constituição da República, se refere às hipóteses previstas no art. 15 do
mesmo diploma Magno; não concedendo margem ao parlamentar de obstar os
efeitos determinantes do referido artigo 15 mediante o exercício de defesa,
selvo quanto ao aspecto meramente formal, acima explicado.
A perda do mandato quando o decretar a Justiça Eleitoral (art. 55, V, da
CRFB/88), abrange, conforme as previsões expressas na Carta Magna, a
decisão final de a ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, §§ 10 e 11),
as decisões relativas à inelegibilidade e à anulação de diplomas eleitorais (art.
121, § 4º, III e IV). A ampla defesa, por se tratar de procedimento de extinção
do mandato, também é limitada ao aspecto formal, não sendo permitido o
exercício que atente contra a decisão da Justiça Eleitoral, a fim de suspendê-la
ou desconstituí-la.
Considerações finais
A ampla defesa expressamente prevista nos procedimentos da perda do
mandato parlamentar, nos §§ 2º e 3º, do art. 55, da CRFB/88, possui âmbito de
aplicação e eficácia variada segundo a espécie de perda de mandato a que se
submete o parlamentar.
O procedimento da cassação do mandato (§ 2º, art. 55, CRFB/88), no
qual haverá um julgamento político, permite ao parlamentar exercer sua defesa
por todos os meios probantes lícitos e legítimos existentes no ordenamento
jurídico pátrio. O direito e a garantia da ampla defesa, neste caso, possui uma
eficácia real, ampla, e não somente formal, mas também material, uma vez que
poderá o parlamentar debater fatos e circunstâncias que lhes são imputados,
111
demonstrando e influenciando no julgamento por intermédio dos votos de seus
pares, para que possa manter o seu mandato.
Em relação aos parlamentares condenados por sentença criminal
transitada em julgado, cujo procedimento de perda de mandato também possui
natureza de cassação, a ampla defesa do parlamentar terá eficácia limitada e
relativa conforme o entendimento aplicado ao caso concreto. A regra, nesses
casos, é submeter o parlamentar ao julgamento político da Casa Legislativa a
que pertence, havendo, de acordo com o mandamento sentencial criminal,
exceções a esta regra.
O entendimento exarado no Mandado de Segurança nº. 32.326/DF, em
que se pese trata-se de decisão monocrática do Ministro Luis Roberto Barroso,
talvez seja o que mais se aproxima de uma solução hermenêutica consistente
em uma ponderação de valores expressos na Carta Magna, conciliando a regra
posta no procedimento de cassação, em caso de sentença criminal transitada
em julgado, com os princípios da moralidade e da probidade constitucional.
A eficácia da ampla defesa parlamentar, no âmbito do procedimento de
extinção do mandato (§ 3º, art. 55, CRFB/88) é limitada e circunscreve ao
aspecto formal de seu conteúdo. O parlamentar atuará, a bem da verdade,
como mero fiscalizador do procedimento que culminará na declaração da Mesa
da Casa a que pertence.
Referências
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
Disponível
em
<http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.> Acesso em: 08 de abr.
2014.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2011.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador:
Juspodivm, 2012.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. 5. ed. São Paulo: Dialética, 1998.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira et al. COELHO INOCÊNCIO, Mártires. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2012.
112
OS DIREITOS HUMANOS E SUA APLICAÇÃO FRENTE À CRISE NOS
PRESÍDIOS BRASILEIROS: UMA ANÁLISE DO SISTEMA CARCERÁRIO
BRASILEIRO À LUZ DOS PENSAMENTOS DE HANNAH ARENDT SOBRE
OS DIREITOS HUMANOS
Fábio Abreu dos Passos – IPTAN
Doutor em Filosofia – UFMG
E-mail: [email protected]
Fone: (32) 3372-3675
Cláudia Márcia Lacerda Cardoso – IPTAN
Bacharelanda em Direito – IPTAN
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a realidade dos
presídios brasileiros, questionando se os direitos humanos são respeitados
nessas instituições. Ao iniciarmos as pesquisas nos deparamos com um vídeo
intitulado “Mas afinal, o que é que são os Direitos Humanos” (migre.me/8cMLb)
que refuta o que já tínhamos descoberto em conversas informais com pessoas
da comunidade: poucos cidadãos tem consciência do que são em sua
totalidade, os Direitos Humanos. Atualmente o termo está ligado a um
determinado grupo que surge sempre que há uma rebelião ou que presos são
mortos em invasões policiais aos presídios. É comum ouvirmos a frase, “onde
estão os direitos humanos agora?” em referência a uma vítima de algum ato
violento. Mas ao serem perguntados sobre o real significado do termo, a
resposta invariavelmente é: “direito a vida.” Mostraremos no decorrer desse
texto como são violados os direitos dos presidiários, como eles vivem sua
realidade, como a sociedade os enxerga e qual a solução para o caos reinante
em nosso sistema prisional. Em nossa pesquisa foram feitas entrevistas com
alguns apenados, e traremos no final desse texto, nossas conclusões sobre os
resultados.
Palavras chave: Direitos Humanos – Encarceramento – Socialização –
Inclusão social
Introdução
Antes de sabermos se os detentos brasileiros têm seus direitos
humanos preservados, devemos entender o que são esses direitos, como
surgiram e o que protegem.
Vários povos moldaram os Direitos Humanos, como os conhecemos
hoje. O desenvolvimento se deu através de diversas civilizações, que tinham a
mesma necessidade: Limitar o poder do Estado e garantir o respeito à
dignidade humana.
113
A mais antiga manifestação do reconhecimento dos direitos humanos
data de 1690 a.C., o então rei da mesopotâmia, compilou um código de leis,
que ficou conhecido como o Código de Hamurabi.
No decorrer dos séculos, esses direitos sofreram várias influencias, e
foram se modificando. Inúmeros ciclos evolutivos contribuíram para que
ocorressem evoluções na ciência, na tecnologia, na política e como não
poderia deixar de ser, trouxeram mudanças sociais e jurídicas. Essas
mudanças foram de extrema importância para o surgimento e a evolução dos
direitos humanos.
A Magna Carta da Inglaterra, em 1215, foi um divisor de águas no que
diz respeito aos direitos humanos. Entre suas disposições estavam os direitos
de cidadãos serem livres para possuir e herdar bens, de serem protegidos
contra impostos abusivos, e até de viúvas que possuíam propriedades, de
decidirem ficar nesse estado civil, sem serem obrigadas a se casar novamente.
Instituiu o devido processo legal e a igualdade de todos perante a lei.
Mas foi na França de 1789, que se deu a consagração do
reconhecimento dos direitos fundamentais, com a Declaração dos Direitos
Fundamentais do Homem e do Cidadão.
Até que a segunda guerra mundial iniciasse, os Direitos Humanos
vieram evoluindo, se adaptando as mudanças da sociedade, mas com a
guerra, eles estiveram muito próximos da extinção. Nunca antes, o mundo
necessitou tanto da preservação dos direitos de seus cidadãos. Surge nesse
cenário a ONU, que tem como objetivo reafirmar os direitos humanos, focando
na dignidade e valor da pessoa humana. E sob a supervisão de Eleanor
Roosevelt, foi criada a comissão que elaborou e aprovou a “Declaração
Universal dos Direitos Humanos”. De acordo com Comparato “foi de suprema
importância para a consagração dos direitos humanos, como um verdadeiro
código de regras imputadas ao mundo para que toda a humanidade respeite,
ampare e combata a violação desses direitos” (2003. p 44).
Esse foi o pano de fundo dos pensamentos de Hannah Arendt. Em sua
opinião, os atos cometidos durante a segunda guerra, provocaram uma ruptura
dos direitos humanos. Essa tragédia sem precedentes cria uma massa de
homens supérfluos, excluídos socialmente, sem qualquer direito.
114
Arendt diz que os Direitos Humanos declarados no século XVIII, já
traziam problemas na própria fundamentação. Segundo ela, essa declaração
significou o prenúncio da emancipação do homem, porque foi a partir da
Declaração que o homem se tornou fonte de toda a lei, ou seja, o homem não
estava mais sujeito a regras divinas ou impostas pelos costumes da história,
mas se tornava dotado de direitos, apenas por ser homem. Criou-se assim a
convicção que esses direitos eram inalienáveis, pois pertenciam ao ser humano
onde quer que este estivesse.
Hannah Arendt fala sobre os Direitos Humanos em relação aos
apátridas, mas ainda hoje, esse mesmo pensamento pode ser dirigido a nossa
população carcerária. Mesmo tendo Leis nacionais que foram criadas para
ressocializa-los e ampará-los, muitos se situam em um limbo jurídico. As leis
são usadas para puni-los, e não para retirá-los da criminalidade. O sistema
carcerário brasileiro é incapaz de garantir aos detentos, até o mais primordial
dos direitos, a vida.
Hannah Arendt viveu na pele a experiência de ser considerada
“supérflua” ao se tornar refugiada do regime nazista. Como afirma Celso Lafer,
“o particularismo de sua experiência de judia alemã, diante do nazismo,
traduziu-se na mensagem universal de liberdade” (LAFER,1988, p. 2). Ao
escrever “Origens do Totalitarismo” Arendt não poderia imaginar que sua
constatação sobre os apátridas, seria tão bem colocada em relação aos
detentos do século XXI, no Brasil:
Sua situação angustiante não resulta do fato de não
serem iguais perante a lei, mas sim, de não existirem
mais leis para eles, não de serem oprimidos, mas de não
haver ninguém mais que se interessasse por eles, nem
mesmo para oprimi-los (ARENDT, 2000, p. 329).
O totalitarismo rompe com todos os conceitos sociais, transforma o homem em
objeto descartável, supérfluo. No mundo contemporâneo, apesar do fim dos
regimes totalitários, isso ainda acontece, especialmente dentro dos presídios.
Celso Lafer descreve os motivos que podem criar os apátridas da
atualidade:
115
“Entre outras tendências, menciono a ubiquidade da pobreza e da miséria; a
ameaça do holocausto nuclear; a irrupção da violência; os surtos terroristas; a
limpeza étnica; os fundamentalismos excludentes e intolerantes” (LAFER,
1988, p.77).
Todas essas tendências são vistas na nossa sociedade e aparentemente
aumentam a cada semana. Toda a sociedade paga o preço da violação de
direitos, mas entre os encarcerados, esse preço é o mais alto.
É a relação entre os direitos humanos e os encarcerados brasileiros, que
esse trabalho tem como objetivo. E qual a real situação desses presídios?
Nosso sistema está apto a reintegrar esse indivíduo a sociedade, como um
verdadeiro cidadão? As penas aplicadas são apenas punitivas ou cumprem seu
papel de reeducar aquele que comete um crime?
1 A evolução do sistema prisional
Nas civilizações antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia) que tiveram as
primeiras instituições penais, o local reservado aos detentos era para custódia
e tortura, pois se acreditava que para pagar pelo erro cometido, o indivíduo
deveria ter punições físicas. Uma dessas “Casas de Correção” foi o hospício de
San Michel, em Roma, que era destinada primeiramente a encarcerar “meninos
incorrigíveis”.
Na idade média a justiça era atribuída a Deus, e exercida pelos
sacerdotes, que eram considerados os representantes de Deus na terra.
O sistema penitenciário progressivo surgiu no final do século XIX, mas só
se generalizou, através da Europa, após a I Guerra Mundial. A essência desse
regime consistia em distribuir o tempo de duração em períodos, ampliando em
cada um deles os privilégios que o detento poderia usufruir, de acordo com sua
conduta, e do avanço alcançado pelo tratamento reformador. Outro fator
importante era a possibilidade do detento reincorporar-se à sociedade antes do
término da pena a cumprir. O sistema fundamentava-se em dois pilares:
estimular a boa conduta dos condenados, e obter sua reforma moral para a
vida em sociedade. Hoje é o sistema aplicado no Brasil, com algumas
variantes. O condenado a regime fechado passa por várias etapas, todas
dependentes de seu comportamento e disposição para reintegrar-se a
sociedade. Passa-se do regime fechado para o semi-aberto, desse para o
116
aberto, vai se reinserindo o detento a sociedade através das Casas de
Albergados e por fim, a liberdade condicional. Em todas essas etapas, o
condenado é observado, analisado e acompanhado.
Mas para que chegássemos a esse sistema, foi um longo processo, pois
no Brasil, as políticas punitivas eram baseadas nas ordenações manuelinas e
filipinas, que defendiam a ideia de intimidação pelo terror, ou seja, era apenas
um instrumento punitivo contra o crime, com o emprego de ideias religiosas e
políticas da época. Em 1830, após a independência, os ideais ordenativos
foram se enfraquecendo, e dando lugar à construção de uma legislação
adequada a nação brasileira, que se afastava do domínio dos colonizadores e
sua política opressiva.
Houve um avanço no regime punitivo, baseado em uma cultura liberal,
que entre outras atualizações, trouxe a individualização da pena. Mas foi a
partir do Código Penal de 1890, que se aboliu a pena de morte e fez surgir um
regime penitenciário de caráter correcional. A mudança tinha como objetivo
ressocializar e reeducar o detento.
Apesar dessa mudança, o Código Penal Republicano, ainda deixava
muito a desejar. A crítica assinalava graves defeitos, muitas vezes com
excesso de severidade. Uma reforma se fazia necessária, e em apenas três
anos, já aparecia o primeiro projeto de Código para reformá-lo.
Foi através do pensamento de “Estado Novo”, em 1940, durante o
governo de Getúlio Vargas, que se publica a consolidação das Leis Penais,
completado com Leis modificadoras, chamado de Código Penal Brasileiro.
As penas passam a ser divididas em principais e acessórias,
dependendo da gravidade do delito, sendo de três tipos: reclusão, detenção e
multa.
O CPB de 1940 sofreria mudanças nos anos de 1969, 1977, 1981 e
1984, se adequando a ideologia vigente da época. Em 1984 foi estabelecida a
Lei 7210/84, conhecida como LEP – Lei de Execuções Penais, que visa
regulamentar a classificação e individualização das penas, definindo o
tratamento para o apenado, o resguardo de seus direitos e o estabelecimento
de seus deveres.
Uma grande inovação foi à redação do Art. 39 do CPB, e a do Art. 29 da
LEP, que possibilitam ao detento, o trabalho e sua remuneração.
117
Com a nova Constituição Federal de 1988, foram incorporadas várias
matérias, preocupando-se principalmente, com o princípio da humanidade, ou o
princípio da dignidade humana, e demais fundamentos trazidos pelo Art. 5º da
CF. Nela se proíbe a tortura, a pena de morte, de trabalhos forçados ou penas
cruéis. Se prima pelo respeito à integridade física e moral, o que significa um
grande avanço para o sistema carcerário do Brasil.
É sabido que a LEP (Lei de Execuções Penais) trás em sua redação,
como cada pena deve ser aplicada. Prevê-se o tamanho e o número de
ocupantes de cada cela, a classificação criminológica de cada condenado. É
direito do detento o acesso ao estudo e a cursos profissionalizantes.
É garantia legal que o condenado seja assistido pelo Estado, com o
objetivo de prevenir novos crimes e orientar o retorno a convivência em
sociedade.
A lei é ignorada na maioria dos nossos presídios. Faremos uma breve
análise da real situação carcerária brasileira, onde a LEP e os direitos humanos
não se fazem presentes.
2 A realidade carcerária brasileira
Convivemos no Brasil com um total abandono do sistema prisional. O
que deveria ser um instrumento de ressocialização funciona como escola para
o crime, devido à forma como os detentos são tratados pelo Estado e pela
sociedade.
O Estado não cumpre o que foi estabelecido nos diversos diplomas
legais, como a LEP, a Constituição Federal, e o Código Penal, além de ignorar
as regras internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ou a Resolução da
ONU que prevê as regras mínimas para o tratamento dos presos.
Frise-se que a Lei de Execuções Penais, em seu Art. 1º, estabelece que
a “execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social
do condenado e do internado”. A mesma norma prevê a classificação,
assistência, educação, saúde e trabalho aos apenados, o que visivelmente não
é cumprido.
118
2.1 Saúde dos detentos
Apesar de a LEP trazer em seu Art. 11, os tipos de assistências
obrigatoriamente do Estado em relação ao detento, e entre elas se encontrar a
saúde, o descaso com o preso é deplorável. As doenças imperam nos
estabelecimentos, muitos morrem por falta de atendimento médico ou
medicação.
A superlotação das celas, sua precariedade e sua
insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à
proliferação de epidemias e ao contágio de doenças.
Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má
alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de
drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão,
fazem com que um preso que adentrou lá numa condição
sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença
ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.
O que acaba ocorrendo é uma dupla penalização na
pessoa do condenado: a pena de prisão propriamente dita
e o lamentável estado de saúde que ele adquire durante a
sua permanência no cárcere. Também pode ser
constatado o descumprimento dos dispositivos da Lei de
Execução Penal, a qual prevê no inciso VII do artigo 40 o
direito à saúde por parte do preso, como uma obrigação
do Estado.
Outro descumprimento do disposto da Lei de Execução
Penal, no que se refere à saúde do preso, é quanto ao
cumprimento da pena em regime domiciliar pelo preso
sentenciado e acometido de grave enfermidade (conforme
artigo 117, inciso II). Nessa hipótese, tornar-se-á
desnecessária a manutenção do preso enfermo em
estabelecimento
prisional,
não
apenas
pelo
descumprimento do dispositivo legal, mas também pelo
fato de que a pena teria perdido aí o seu caráter
retributivo, haja vista que ela não poderia retribuir ao
condenado a pena de morrer dentro da prisão.
Dessa forma, a manutenção do encarceramento de um
preso com um estado deplorável de saúde estaria
fazendo com que a pena não apenas perdesse o seu
caráter ressocializador, mas também estaria sendo
descumprindo um princípio geral do direito, consagrado
pelo artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. O qual
também é aplicável subsidiariamente à esfera criminal, e
por via de consequência, à execução penal, que em seu
texto dispõe que "na aplicação da lei o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum (ASSIS, 2007, s.p).
119
Ao manter detidos doentes em total falta de higiene e sem assistência
médica, o Estado permite que a pena de morte seja aplicada. Além de
disseminar doenças infecto-contagiosas, como tuberculose, hepatite e AIDS, o
detento morre dentro das celas.
Os que sobrevivem mesmo doentes, até o fim da pena, nem sempre
conseguem tratá-la ao sair. Muitos transmitem as doenças adquiridas na
prisão, para familiares e amigos.
2.2 Superlotação
LEP Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível
com a sua estrutura e finalidade.
As cenas de prisões superlotadas, cercadas de violência e maus tratos,
retratadas pela mídia, no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão,
refletem os problemas de todo o sistema carcerário brasileiro. Dados do
Ministério da Justiça mostram o ritmo crescente da população carcerária. Entre
janeiro de 1992 e junho de 2013, a população nacional cresceu 36%, enquanto
a população carcerária cresceu 403,5%.
Essa superpopulação carcerária gera violência, ataques sexuais,
alimentação inadequada, mortes dentro do sistema criado para a proteção e
educação do preso, rebeliões e fugas.
Segundo Douglas Martins, membro do Conselho Nacional de Justiça, a
única forma do preso se sentir seguro é se associando a uma facção do crime
organizado. E isso transformou as facções, em verdadeiros monstros do país.
Alie-se a superlotação, um ambiente sem higiene, onde os detentos que
deveriam estudar e trabalhar tem diante de si, o ócio e o tédio. Temos assim
uma bomba pronta a explodir. E explodirá em forma de mais violência.
Essa explosão é vista nas rebeliões, no assassinato de outros detentos
ou de agentes penitenciários, em alguns casos essas mortes mostram um
elevado grau de requintes de tortura. Famílias de presos são feitas reféns. É a
demonstração que o sistema não funciona.
O problema maior é que, nesses estabelecimentos, não
há possibilidade de trabalho ou de estudo por parte do
preso e, a superlotação das celas é ainda mais
120
acentuada, chegando a ser em média de 5 presos para
cada vaga. As instalações nesses estabelecimentos são
precárias, inseguras, e os agentes responsáveis pela sua
administração não tem muito preparo para a função, e
muitas vezes o que se tem visto é a facilitação por parte
desses funcionários para a fuga de detentos ou para que
estes possam ser arrebatados por membros de sua
organização criminosa.
Todos esses fatores fazem com que não se passe um dia
em nosso país sem termos notícia da ocorrência de uma
rebelião de presos, mesmo que seja ela de pequenas
proporções. No que se refere às fugas, em análise a
todos as falhas existentes dentro de nosso sistema
carcerário e ainda levando-se em conta o martírio pelo
qual os presos são submetidos dentro das prisões, não há
que se exigir uma conduta diversa por parte dos reclusos,
se não a de diuturnamente planejar numa forma de fugir
desse inferno (ASSIS, 2007, s.p).
Ao possibilitar o trabalho e estudo ao preso, O Estado além de prepará-lo
para a reinserção na sociedade, ainda ocupa seu tempo de forma produtiva e
útil. Negando ao detento esse direito, estaremos condenando a própria
sociedade a receber de volta, alguém que teve anos para se aperfeiçoar na
arte do crime.
3 A visão da sociedade sobre o encarcerado
O olhar da sociedade reflete ainda uma visão antiga, de caráter meramente
punitivo. A imagem do preso é a de um ser humano, incapaz de conviver em
sociedade, que não merece respeito ou a preservação de qualquer dos seus
direitos. O sentimento predominante é de que lugar de bandido é na cadeia,
inclusive com a imposição de penas cruéis. O clamor pela pena de morte se faz
cada vez mais alto, a frase mais dita pela sociedade sobre esse assunto é a
mesma usada na década de 1980, pelo então delegado, Hélio Vígio: “bandido
bom, é bandido morto”.
A sociedade guarda a visão que a cadeia é lugar para pobres, pois não
pede com a mesma paixão, a pena de morte aos políticos corruptos, que
roubam do povo, o direito a dignidade. Os presídios estão lotados de pobres
realmente, pois são esses os que têm menor grau de instrução e
121
consequentemente menor renda, tornando mais difícil seu acesso ao judiciário,
e aos defensores.
A violência contra os encarcerados é encarada com naturalidade pela
sociedade, como se, ao mal tratá-los e mantê-los em condições subumanas,
gerássemos uma sensação de manutenção da ordem pública.
A sociedade precisa atentar para o fato, que o detento voltará à
convivência pública, circulará entre os cidadãos, e deverá ser preparado para
isso, e não punido com a mesma violência que praticou.
Nesse sentido se encaixa perfeitamente a frase do Deputado Domingos
Dutra, dita na CPI do Sistema Carcerário, realizada em 2009: “A nação precisa
cuidar e respeitar seus presos, pois hoje eles estão contidos, mas amanhã eles
estarão contigo”.
É ainda oportuno que se traga ao debate, a diferenciação entre o crime
público e o privado, pois há uma inversão na questão punitiva. Os crimes
privados são punidos de forma rigorosa, enquanto os crimes públicos são
abrandados. Os crimes públicos, geralmente relacionados a recursos
financeiros públicos, afetam a maior parte da sociedade, mas para esses a
punição, quando existente, é leve.
4 O Estado como violador dos Direitos Humanos
Os Direitos Humanos ainda carecem de identidade em nosso país. É comum a
população em geral classificá-los como “direitos de bandidos”. Essa vinculação
tem uma explicação plausível: após a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, surgem movimentos sociais que chamam a atenção do
Brasil para esse assunto. Contudo, com o golpe militar de 1964, tais grupos
são oficialmente perseguidos pelo regime ditatorial que os considera
comunistas, subversivos e traidores da pátria. Nasce assim, o senso comum,
que direitos humanos são direitos de bandidos.
Com a constituição de 1988, recebemos uma “chave de liberdade”, que
não tínhamos desde o golpe militar. Formalmente ganhamos a abertura
necessária e justificada de uma democracia. Nos auto-definimos como um país
democrático durante vários períodos, sem sê-lo de fato. As manifestações
sociais passam a ser permitidas, mas a concepção de “Direitos de Bandidos”,
perdura até a contemporaneidade.
122
O Estado deveria agir com rigor na defesa dos Direitos de seus
cidadãos, mas é o maior violador desses. Várias foram às ações
governamentais diretas ou indiretas, onde os direitos mais básicos foram
ignorados e violados.
Tivemos em outubro de 1992 a invasão, pela Polícia, na Casa de
Detenção, localizada na Zona Norte de São Paulo. A invasão deixou um saldo
de 111 mortos. A ação ficou conhecida como “O Massacre do Carandiru”. Esse
foi o mais comentado e ainda é assunto atual, mas temos também outros
exemplos que chamaram a atenção de todo o país: “Chacina da Candelária”
(julho de 1993); “Massacre de Eldorado dos Carajás” (1996); “Favela Naval”
(março de 1997); “FEBEM Tatuapé” (2005); etc. O que há de comum entre
todos esses episódios, é a violação dos Direitos Humanos, o maior bem da
humanidade é ostensivamente visto como algo banal. O primeiro direito que se
tem é a vida, e dela derivam as grandes liberdades clássicas.
Ao relembrarmos grandes massacres, fica claro que algo deu errado na
ação estatal. O Estado falha na proteção dos direitos de seus cidadãos. Tem
se mostrado incapaz de proteger até aqueles que estão sob sua proteção
direta. Os detentos no Brasil vivem em situação-limite, falta-lhes o mínimo
necessário para se pensar em um cumprimento de pena justo cominando com
sua ressocialização. Devido a essa situação, é comum os detentos pedirem a
presença de algumas autoridades e entidades, como por exemplo, o Juiz da
vara de execuções criminais, a Pastoral Carcerária, a Imprensa, representantes
da OAB, e os Direitos Humanos. Eles precisam de proteção contra a violação
de seus direitos feita pelo próprio Estado.
Mas se o Estado não é capaz de cumprir sua obrigação de ressocializar,
reeducar e preservar os direitos dos detentos, que esperança pode haver para
os milhares que compõem nossa população carcerária?
É o que trataremos no próximo item desse trabalho.
5 APAC - modelo de humanização do sistema penitenciário.
APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - é uma
entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à
recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de
liberdade.
123
Amparada pela Constituição Federal para atuar nos presídios, possui seu
Estatuto resguardado pelo Código Civil e pela Lei de Execução Penal.
A APAC opera como entidade auxiliar dos poderes Judiciário e Executivo,
respectivamente, na execução penal e na administração do cumprimento das
penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semi-aberto e aberto.
Surgiu em 1972, a partir da Pastoral Penitenciária, foi idealizada por
Mário Ottoboni, que a entendia como assistencialista voltada apenas ao alívio
do sofrimento dos encarcerados. A entidade se oficializou em 1974 com a
finalidade de
[...] desenvolver, no presídio, uma atividade relacionada
com a recuperação do preso, suprindo a deficiência do
estado e nessa área, atuando na qualidade de Órgão
Auxiliar da Justiça e da Segurança na Execução da Pena,
conforme se lê em seu Estatuto Social (OTTOBONI, 1997,
p.45-46).
O objetivo da instituição é promover a humanização das prisões, sem que se
perca a finalidade punitiva. Buscam diminuir a reincidência criminal, oferecendo
alternativas ao recuperando. Aplicam um método de valorização humana,
jamais visto em presídios tradicionais, vinculada a religião. Ao conduzirem
dessa forma o recuperando, amplia-se a perspectiva de proteção a sociedade,
a promoção da justiça e o socorro as vítimas.
Na APAC não existem encarcerados, detentos ou prisioneiros, são
cidadãos que cometeram uma infração penal e se denominam “recuperandos”.
Isso faz muita diferença na auto-estima e senso comunitário de cada um deles.
Cada um é co-responsável pela recuperação de todos. Recebem assistência
espiritual, médica, psicológica e jurídica prestadas pela comunidade.
A segurança e disciplina contam com a colaboração de todos os
recuperandos, tendo como suporte funcionários, voluntários e diretores das
entidades, sem a presença de grades, policiais e agente penitenciários.
É oferecido a cada recuperando cursos supletivos e profissionalizantes,
atividades variadas e trabalho, evitando-se a ociosidade. A metodologia fundase em disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e da família
124
do sentenciado. A preservação da dignidade humana é fator determinante no
método APAC, é responsável pelo baixo índice de reincidência e fugas.
Vale destacar que a APAC prima pela municipalização da execução
penal, o recuperando cumpre sua pena em presídio de pequeno porte e em
sua terra natal, ou onde resida sua família. Isso visa manter uma relação
próxima do apenado com sua família, o que é fator decisivo na recuperação.
A “filosofia apaqueana” se orienta pela seguinte expressão: “Matar o
criminoso e salvar o homem.” (Fuzatto p. 46).
Um ponto fundamental no objetivo de ressocializar é a valorização humana.
Busca-se reformular a auto-imagem do homem que errou. Procura-se chamá-lo
pelo nome, sua história de vida precisa ser conhecida e compreendida. Dessa
forma se apaga o sentimento de culpa e rejeição daquele que errou, fazendo-o
acreditar que é possível uma vida nova, afastada da criminalidade. Como diz
Ottoboni, sobre o assunto:
Será realizado grande esforço para fazer o encarcerado
dar-se conta da realidade na qual está vivendo, bem
como conhecer os próprios anseios, projetos de vida, as
causas que o levaram à criminalidade, enfim, tudo aquilo
que possa contribuir para a recuperação de sua autoestima e da autoconfiança (OTTOBONI, 2001, p.65).
A APAC não atua de forma independente, visto trabalhar em parceria com o
Estado, por meio da Secretaria de Defesa Social (no caso de Minas Gerais) A
entidade frisa que o fato criminoso acontece na comunidade, lesando-a em sua
segurança e paz. Diante disso, considera imprescindível a criação de meios
comunitários participativos, especialmente direcionados aos recuperandos,
tendo como meta sua ressocialização, e em decorrência dessa, a almejada paz
e segurança da sociedade. No entendimento de seu fundador, “a sociedade
precisa saber que o aumento da violência e da criminalidade decorre, também,
do abandono dos condenados atrás das grades, fato que faz aumentar o índice
de reincidência” (OTTOBONI, 2001, p.65).
Essa participação comunitária se faz através de adesão de voluntários,
disponibilização
de
recursos
financeiros
e
materiais,
campanhas
de
125
mobilização através de jornais, televisão, rádios, assembleias e igrejas, onde
são abordadas as necessidades de ajuda aqueles que se encontram presos.
Pelo método adotado pela APAC, é buscado um maior estreitamento
com a comunidade, especialmente com a família do apenado. A família
representa fator preponderante na reintegração social do recuperando, uma
vez que será em seu seio que ele será recebido, e será na família que o recém
liberto, encontrará apoio para que se condicione a uma vida longe da
criminalidade.
O objetivo além da ressocialização é tornar o cumprimento da pena
menos sofrido. Desenvolveu-se para isso um método que consiste em ajuda
mútua entre os recuperandos. Dessa forma tenta-se infundir na consciência de
cada um, que todos são capazes de praticar gestos de bondade e
solidariedade e, sobretudo, “fazer ver a ele que não basta deixar de fazer o
mal, é necessário praticar o bem” (OTTOBONI, 2001, p.68).
Segundo a APAC, há direitos de que o indivíduo deve continuar
gozando, apesar de privado de sua liberdade, e também determinados
aspectos de sua vida que devem existir no encarceramento. Esses direitos e
aspectos seriam o reflexo do princípio geral – de valorização humana – que
norteia a experiência do indivíduo. Seriam o direito à saúde, à assistência
jurídica, ao trabalho, e o convívio com a família e a religiosidade seriam
aspectos auxiliares em sua recuperação.
A implementação de todos os elementos do método APAC tem obtido
êxito na recuperação de apenados, diminuindo a reincidências desses
condenados. Sua eficiência é reconhecida no Brasil e no mundo. Enquanto a
reincidência em estabelecimentos prisionais estatais é de 80%, a APAC não
registra nem 10%.
A entidade nos mostra, que a pena pode ser cumprida com dignidade e
total recuperação. Que a modificação em nosso sistema prisional não é
inalcançável, dependendo apenas de propostas especificas de socialização.
6 Entrevistas com os recuperandos
Durante nossa pesquisa para a conclusão desse trabalho, fizemos
visitas a APAC de São João del-Rei, e ouvimos os apenados que vivem ali.
126
Percebemos que assim como a população em geral, eles não sabem
definir o que são os Direitos Humanos, todos os entrevistados declaram que se
trata de direito a vida.
Nossos entrevistados dizem que a pena recebida pelo judiciário é
compatível com o crime por eles cometidos, não houve qualquer reclamação
sobre o tempo de pena, mas sim, quanto a forma de cumprir essa pena.
Foram unânimes em dizer que o tratamento recebido na APAC dá a
cada um a dignidade que se acham merecedores, dizem ser tratados como
“humanos” e em momento algum se sentem humilhados ou maltratados.
A preocupação em não desagradar ao Diretor da instituição, Antonio
Carlos de Jesus Fuzatto, e ao juiz responsável Dr. Ernane Barbosa Neves é
clara em cada depoimento. Os recuperandos mostram total confiança no
julgamento de ambos, e tentam estar sempre em conformidade com as regras
impostas por eles. E não por medo, mas sim, por respeito recíproco.
Um dos recuperandos merece destaque neste trabalho, o chamaremos
de “Pedro”. Condenado há 23 anos, por homicídio qualificado, Pedro mostra
um real arrependimento. Não só por palavras, mas a própria atitude nos mostra
isso. Tem uma história de vida marcada pela carência afetiva e rodeada de
amizades erradas. Considera justa a pena imposta pelo judiciário, pois
segundo o mesmo “o crime cometido não pode ser perdoado”. Não se sente a
vontade para nos dizer em quais circunstâncias o crime ocorreu, fica clara a
vergonha que tem em falar sobre o fato em si.
Cumpriu parte da pena no Presídio Municipal, período do qual, não
guarda boas recordações. Relata-nos ter presenciado espancamento de presos
algemados, por parte dos agentes penitenciários. Alega não ter tido sua
dignidade preservada em momento algum. Era constantemente humilhado e
rotulado de assassino. Guarda com muita mágoa uma frase ouvida dentro do
referido presídio: “Bandido bom é bandido morto e enterrado de pé, assim
sobra espaço para enterrar mais bandidos”.
Pedro é o clássico exemplo da eficiência do método APAC. Réu primário
com condenação de muitos anos sentiu suas esperanças renovadas ao ser
transferido para a APAC, descobriu que é um ser humano com capacidade de
convivência em sociedade. Admite ter cometido um crime, mas não é um
criminoso. É apenas um cidadão que infringiu uma regra da sociedade, e que
127
merece por isso ser punido. Mas essa punição não pode ocorrer de forma a
violar todos os seus direitos.
Em entrevista sobre a instituição, realizada com Sr. Antonio Carlos de
Jesus Fuzatto, uma frase define o método APAC:
O recuperando não pode ser ressocializado e reeducado.
Ele precisa ser socializado e educado, pois nunca teve
acesso a socialização e educação. É como um filho
precisa ser ouvido, precisa ser valorizado e conduzido
gentilmente, porém com firmeza, de volta a sociedade que
nunca o reconheceu como igual.
Considerações Finais
É claramente visível que os Direitos Humanos ainda não têm sua
identidade definida em nosso país. Falta a conscientização de quais direitos
eles protegem, quais são os alvos dos defensores desses direitos.
A busca pela cidadania precisa ser o objetivo de toda a sociedade, é
através dela que alcançaremos a plenitude de nossos direitos.
Hannah Arendt conceituava a cidadania como o direito a ter direitos (LAFER,
1988).Essa discussão levada a cabo por Arendt se deu no período da segunda
guerra, especificamente devido a “descrença generalizada nos Direitos
Humanos” (ARENDT,2004 p.325) A Discussão nunca esteve tão atual, pois
hoje a descrença nos Direitos Humanos é ainda mais destacada.
A vítima perdeu seu direito a segurança, a vida, aos bens. O detento
perde seu direito garantido no Ordenamento Jurídico de receber uma punição
justa e que respeite o direito a dignidade humana. A vida, bem juridicamente
tutelado, de valor absoluto torna-se banalizada.
Em 11 de novembro de 1994, foi editada pelo presidente do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) a resolução nº 14, que
estabelecia as “Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil”. Em
2009, houve, em Belém – PA, uma jornada Científica do Comitê Permanente
da América Latina para a Revisão das Regras Mínimas da ONU para o
tratamento dos presos, onde ficou claro que as normas da ONU não precisão
de revisão, precisam de aplicação.
Na esfera constitucional, temos as garantias do Art. 5º, que nos diz que
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
128
A lei também assegura ao preso o respeito a integridade física e moral. Mas
essas normas só se fazem presente no papel, a realidade em nada combina
com elas.
O Estado não cumpre sua função de ressocializar e proteger o detento. A
sociedade não percebe que o detento precisa retornar a sociedade, reeducado,
e que o tratamento cruel não vai ajudá-lo, pelo contrário, fará ele alguém sem
sentimentos e com grandes chances de reincidência.
O método APAC surge como uma esperança para os detentos e a
sociedade. Nesse tipo de encarceramento a dignidade da pessoa humana é
preservada, a educação e profissionalização recebem destaques. A disciplina é
aprendida, e a preservação do sentimento de solidariedade cria laços de
amizade e respeito mútuo.
Precisamos de mais unidades da APAC, pois a cada detento recuperado,
a segurança e paz na sociedade se intensificam.
Essa discussão precisa ser feita por toda a sociedade, pois a solução precisa
ser urgente, não existe mais a possibilidade de adiarmos essa crise para a
próxima geração. Como ensina-nos Hannah Arendt “e tudo o que os homens
fazem, sabem ou experimentam, só tem sentido na medida em que pode ser
discutido” (ARENDT, 1997 p.12).
Referências
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130
IMPROBIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Elke Mara Resende Netto Armando – IPTAN23
Especialista em Ciências Jurídicas – FDUP
E-mail: [email protected]
Resumo: Inscrito na seara do Direito Administrativo, este artigo versa sobre a
improbidade na administração pública. De um lado, o trabalho demonstra a
relevância da ética para a positivação da imagem das organizações
administrativas frente à sociedade. De outro, ressalta como a inobservância à
eticidade na administração pública é prejudicial não apenas aos órgãos
administrativos como a toda a sociedade. Assim, mediante enfoque doutrinário
e hermenêutico, atenta para a improbidade administrativa e para os esforços
dos poderes jurídicos e legislativos brasileiros com vistas a atenuar sua
ocorrência.
Palavras-chave: Direito Administrativo – Administração Pública – Ética –
Improbidade
Introdução
A organização societária, desde suas primeiras formações até o
período contemporâneo, passou por inúmeros ciclos evolutivos que culminaram
em evoluções na ciência, tecnologia, política, economia e, por extensão, na
administração pública, com a ampliação e burocratização das práticas
administrativas para coaduná-las com a dinâmica dos novos arranjos sociais.
Dessa evolução decorreu uma necessária atenção das normas jurídicas para o
campo administrativo com vistas a assegurar sua correção moral e, por
conseguinte, o respeito à dignidade da pessoa humana a partir da probidade
na administração dos interesses coletivos (GASPARINI, 1996).
Todavia, em uma sociedade contemporânea balizada por intensas
transformações e crises de paradigmas, os valores morais são muitas vezes
desconsiderados ou interpretados sem critério em favor do individualismo, do
egocentrismo e da avidez por êxito a qualquer custo (CAMARGO, 2001). Por
vezes, esse quadro também incide sobre a administração pública, exigindo
uma série de medidas legais para contornar problemas como a corrupção e o
23
Professora da graduação em Direito no Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de
Almeida Neves (IPTAN). Bacharel em Direito pela Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC).
Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho (UGF). Pósgraduada em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Mestranda em
Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.Advogada atuante nas esferas do
Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário e Cível.
131
desvio de verbas. Isso, contudo, não deveria ocorrer, pois a administração
pública se distingue de outras formas de administração, tais como a
administração privada, porque em seu caso o objetivo principal não é a
geração de lucro, mas, sim, o equilíbrio das contas públicas e o bem-estar
social (GIANNETTI, 1993).
Ora, na administração pública, toda tomada de decisão que possa
implicar prejuízo a outrem é antiética, pois o comportamento ético prima pela
observância aos direitos humanos fundamentais. É por essa razão que se faz
pertinente
o
estudo do
comportamento
ético
e
moral
dos agentes
administrativos (MARTINS JUNIOR, 2001). Considerando tal panorama, este
trabalho, inscrito no âmbito do Direito Administrativo, versa sobre a
improbidade na administração pública, tendo em mira demonstrar a
necessidade de compreensão do homem enquanto agente dotado de valores
em sua atuação na administração pública, seguindo preceitos éticos que o
conduzem no exercício do poder administrativo perante a sociedade e o próprio
Poder Público.
1 Direito Administrativo
Segundo Queiró (1976, p. 6), o termo “administrar” advém das
expressões latinas ad ministrare (servir) e ad manus trahere (manejar). Essa
explanação etimológica é elucidativa na medida em que o Direito Administrativo
constitui-se de um “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os
órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta,
direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (MEIRELLES, 2005, p.
50). Nesse diapasão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 47) conceitua o
Direito Administrativo como “o ramo do direito público que tem por objeto os
órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a
Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os
bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”.
Assim, o Direito Administrativo trata de questões atinentes à ética, à moral e à
normatividade na esfera administrativa, atentando para a dimensão jurídica
dessas questões.
O Direito Administrativo tem como nascedouro o contexto histórico em
que se consubstanciou o princípio da legalidade, no qual a lei formal do Estado
132
se legitimou em face do poder administrativo, de sorte que esse direito nasceu
vinculado à administração pública, o que o identificou, portanto, com o Direito
do Estado (BITENCOURT NETO, 2009) – embora, como observa Colaço
Antunes (2008, p. 141) ao discutir a mudança estatuária do Direito
Administrativo em relação ao Estado nacional numa ordem contemporânea
transnacional, “o direito administrativo nasceu com o Estado, sendo que agora
se afirma e se desenvolve sem a sua referencialidade ou para além dele”.
Teórico português influente no âmbito jurídico brasileiro por tratar de temas
gerais, que transcendem as especificidades de ordenamentos jurídicos
estanques, Colaço Antunes (2000, p. 177), em outro trabalho, sublinha a
necessidade de “uma justiça administrativa que não se esgote na defesa dos
direitos dos cidadãos, garantindo também a juridicidade do agir administrativo
na prossecução do interesse público, que é dever e direito fundamental da
Administração realizar e realizar bem”.
O imperativo da judicidade do agir administrativo nos remete à dimensão
ética da administração pública, matéria da seção seguinte.
2 A dimensão ética na administração pública
Antes de discutir a improbidade tal como concebida no campo do Direito
Administrativo, convém empreender uma breve reflexão acerca da ética, uma
vez que é precisamente essa dimensão que a improbidade administrativa fere.
2.1 Ética
Uma
discussão
cara
ao
Direito
Administrativo
e
atrelada
à
administração pública é a ética, termo proveniente do grego “ethos”, tendo
como sinônimo “modo de ser” ou “caráter”. Enquanto ciência ou disciplina, a
ética consiste em um ramo da Filosofia cuja finalidade é investigar os princípios
norteadores do comportamento humano e refletir acerca da natureza desses
princípios. A partir dessa primeira conceituação, também se define a ética,
mais genericamente, como o conjunto de regras e valores morais de um
sujeito, um grupo ou uma sociedade (HOUAISS & VILLAR, 2004). Dentre os
estudiosos que discorrem mais detalhadamente sobre o conceito de ética, Sá
(2001, p. 15) afirma que
133
A Ética tem sido entendida como a ciência da conduta
humana perante o ser e seus semelhantes. Envolve, pois,
os estudos de aprovação ou desaprovação da ação dos
homens e a consideração de valor como equivalente de
uma medição do que é real e voluntarioso no campo das
ações virtuosas. Encara a virtude como prática do bem e
esta como promotora da felicidade dos seres, quer
individualmente, quer coletivamente, mas também avalia
os desempenhos humanos em relação às normas
comportamentais pertinentes. Analisa a vontade e o
desempenho virtuoso do ser em face de suas intenções e
atuações, quer relativos à própria pessoa, quer em face
da comunidade em que se insere.
Uma característica peculiar à ética é sua natureza reflexiva em vez de
coercitiva, já que a ética antecede a lei e as normas. Assim, enquanto, em
termos éticos, considera-se, por exemplo, que é importante respeitar a vida de
outrem, em termos coercitivos e legais se considera que é proibido matar. A
diferença é aparentemente sutil, mas é fundamental para a caracterização da
ética: o comportamento ético deve partir de uma reflexão do sujeito enquanto
ser no mundo, e não como uma norma que, se não cumprida, é passível de
punição (FERRAZ, 2007). Assim, o cidadão não precisa adotar determinada
postura ou conduta por temer punição, mas, sim, por considerá-la adequada.
Dessa forma, o homem exprime sua condição de sujeito pensante e agente,
participando politicamente da realidade social, e não como um ser passivo,
sujeitado às prescrições normativas (CAMARGO, 2001).
Quando se estuda a ética, estuda-se precisamente a conduta humana,
pois, ao enfocar essa conduta, a ética busca compreender a essência humana
e observar os modos de agir que sejam mais convenientes em cada situação e
contexto (SÁ, 2001). Portanto, a ética possui uma dimensão crítica enquanto
exercício de reflexão sobre como o comportamento dos sujeitos afeta o
contexto em que estes se situam. Nesse sentido, convém estabelecer, como
faremos na seção seguinte, uma distinção entre ética e moral, uma vez que
ambas são elementos constitutivos da vida social e informam, cada uma à sua
maneira, a dinâmica da convivialidade entre concidadãos.
134
2.2 Ética e moral
As sociedades, independentemente de sua especificidade geográfica
ou histórica, possuem uma moral, um sistema de valores sobre o que se deve
fazer e o que não se deve. Essa moral norteia a conduta dos indivíduos através
de normas, de modo que determinado ato é moral ou imoral à proporção em
que obedece ou desobedece a uma norma estabelecida aprioristicamente
(VÁZQUEZ, 2011).
Enquanto a moral está assentada nos costumes, na tradição e na
sociedade, a ética consiste em uma reflexão crítica desses costumes e de sua
importância para a sociedade. Nesse sentido, pode-se dizer que o exercício da
ética envolve uma grande carga de responsabilidade. Assim, pode-se afirmar
que a moral consiste em um conjunto de normas cristalizadas em uma
determinada cultura, ao passo que a ética engloba uma série de atitudes e
reflexões que transcendem essas normas (CAMARGO, 2001). Como a moral
pré-existe à ética, por ser um conjunto de normas vigentes, a ética avalia a
essência da moral, bem como os fundamentos da avaliação moral e dos juízos
morais. Em relação à moral, a ética consiste, portanto, em uma ciência do
comportamento moral dos cidadãos (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005).
Uma vez que a ética remete à conduta moral dos homens em
coletividade, um de seus aspectos mais importantes reside na compreensão do
liame entre o desejo individual e a obrigação para com os outros. Daí a
importância de refletir em relação à liberdade decisória e as normatividades
sociais de ordem moral, pois, conforme Pequeno (2013, p. 04),
Ética e moral são palavras que significam, em sua
origem, a mesma coisa, pois dizem respeito ao modo
como os indivíduos devem agir em relação ao outro no
espaço em que vivem. Entretanto, hoje podemos
estabelecer uma diferença entre ambas, pois a ética se
constitui como uma parte da filosofia que trata da moral
em geral, ou da moralidade de cada ser humano, em
particular. A ética é por muitos definida como a ciência da
moral. Isso significa que a moral aparece atualmente
como um objeto de reflexão da ética. Desse modo,
enquanto à ética compete estudar os elementos teóricos
que nos permitem entender a moralidade do sujeito, a
moral diz respeito à esfera da conduta, do agir concreto
de cada um. Pode-se resumir tais diferenças da seguinte
forma: a ética revela-se como reflexão (theoria), já a
moral diz respeito à ação (práxis).
135
A citação deixa entrever que a educação moral e ética também
prepara o indivíduo para atuar como cidadão exercer sua isonomia. Disso se
conclui que ética e política são atividades que se relacionam e se
complementam. É possível afirmar, desse modo, que a ética, ao constituir um
âmbito de reflexão, mostra como nossas atitudes exercem impacto sobre a vida
em coletividade e como, portanto, é importante que o homem se responsabilize
por suas atitudes.
Pode-se afirmar, com Manara (2002), que o fato de existir uma moral
não garante que também exista uma ética; afinal, a ética consiste em uma
reflexão a partir da qual se interpreta e questiona determinados valores morais.
Isso significa, portanto, que a ética está voltada para a prática, pois diz respeito
a valores cuja existência depende da ação humana. Ou seja, na ética, reflexão
e ação podem ser consideradas como dois lados de uma mesma moeda.
Nessa perspectiva, a relevância da ética atinge uma dimensão relevante na
administração pública, pois estão em jogo diversos interesses dentre os quais
se deve priorizar o bem coletivo, como se verá na seção seguinte.
2.3 Ética e moral na administração pública
Camargo (2001) argumenta que a esfera administrativa não pode abrir
mão da ética enquanto um repertório de fazeres necessários ao bom êxito de
suas funções. Para o âmbito do Direito Administrativo, por exemplo, o agente
deve ser regido pelos cânones de moralidade, impessoalidade e eficiência.
Deve, ainda, pautar suas ações pela busca do bem comum, levando em
consideração tanto o interesse público como o privado, tendo em mente que tal
ponderação não significa que irá negociar o interesse público, mas os modos
de atingi-lo com maior eficiência, de sorte que no conflito entre interesse
público e privado prevalecerá o primeiro (MOREIRA NETO, 2006).
Com efeito, é a prudência no agir administrativo que faz do agente um
bom administrador, pois, conforme afirma Hauriou,
o princípio da moralidade extrai-se do conjunto de
regras de conduta que regulam o agir da Administração
Pública; tira-se da boa e útil disciplina interna da
Administração Pública. O ato e a atividade da
Administração Pública devem obedecer não só a lei,
mas a própria moral, porque nem tudo que é legal é
136
honesto, conforme afirmavam os romanos. Para Hely
Lopes Meirelles, apoiado em Manoel Oliveira Franco
Sobrinho, a moralidade administrativa está intimamente
ligada ao conceito do bom administrador, aquele que,
usando de sua competência, determina-se não só pelos
preceitos legais vigentes, como também pela moral
comum, propugnando pelo que for melhor e mais útil
para o interesse público (apud GASPARINI, 1996, p. 7).
Essa ideia de moralidade administrativa circunscreve, inclusive, o
exercício discricionário no âmbito do poder administrativo, uma vez que exige
uma atuação em conformidade com valores sociais e para a justa realização
dos fins estatais (BATISTA JUNIOR, 2007). Refletindo acerca da ética na
administração pública, Mendes (2002, p. 67-68) problematiza:
Por que a ética voltou a ser um dos temas mais
trabalhados no pensamento administrativo? Pode ser que
as pessoas estejam começando a perceber que não é
possível construir patrimônios estando apoiadas em
análises administrativas que prescindam da ética… como
se a antiga ilusão de ganhar dinheiro a qualquer custo
tivesse se transformado em desespero em face das
vigorosas exigências éticas. No campo da administração,
as grandes expectativas de um sucesso pretensamente
neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram
resultados desalentadores.
De fato, no âmbito da administração pública, as tomadas de decisão
exercem impacto sobre a máquina administrativa, definindo seu futuro. Assim,
o agente na administração pública precisa estar sempre ciente de que suas
decisões terão implicações não apenas para si próprio como também para
todos os cidadãos, de modo que suas decisões não podem ser equivocadas,
abusivas ou inconsequentes (GIANETTI, 1993). Portanto, o gestor público
consciente de sua postura ética consegue lidar de forma saudável com sua
enorme responsabilidade gerencial, e faz dessa responsabilidade um fator
decisivo para seu êxito. Nesse sentido, a ética pode ser pensada não só como
um componente ligado aos valores como também como um fator que exerce
impacto na economia (MENDES, 2002).
Uma vez discutida a ética no bojo das organizações administrativas,
cumpre, na seção seguinte, tratar exatamente de uma conduta que destoa
tanto da ética quanto da moral, qual seja, a improbidade administrativa.
137
3. Aspectos conceituais da improbidade administrativa
Ao contrário do administrador particular, que tem livre arbítrio para agir
em conformidade com os interesses de sua empresa, lançando mão de
diversos recursos para lograr êxito pessoal, o agente público é obrigado a agir
em consonância com os ditames legais. Segundo Menezes (2002), tal
especificidade ocorre porque ao administrador público é outorgado, pelo
Estado, um conjunto delimitado de poderes por meio dos quais ele exercerá
ingerência sobre uma comunidade em favor dos interesses dessa mesma
comunidade. Segue-se, portanto, que
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade
pessoal. Enquanto na administração particular é lícito
fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública
só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa ‘pode fazer assim’; para o
administrador público significa ‘deve ser assim’. [...] Por
outras palavras, a natureza da função pública e a
finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem
de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei
lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração
Pública para serem utilizados em benefício coletivo, não
podem ser renunciados ou descumpridos pelo
administrador sem ofensa ao bem comum, que é o
supremo e único objetivo de toda a ação administrativa
(MEIRELLES, 2005, p. 88).
De fato, a própria expressão administração pública tem conotação
coletiva na medida em que indica o modo pelo qual a res publica é gerenciada
por aqueles que, eleitos democraticamente pelos cidadãos, devem agir no
sentido de zelar pelos interesses desses últimos, sem distinção de raça,
gênero, classe ou credo. Destarte, de acordo com Batista Junior (2007), o
administrador público deve agir no limite da lei, mantendo rígida observância ao
conjunto de ritos e medidas protocolares que caracterizam seu enquadramento
funcional. Nesses termos, a administração pública consiste na esfera de
atuação em que o agente, numa ordem social democrática, deve satisfazer o
interesse coletivo, agindo dentro das balizas delimitadas judicialmente para o
exercício de seu cargo.
Nesse sentido, qualquer forma de abuso de poder, de anteposição do
interesse individual ao bem-estar coletivo ou de concessão de privilégios
138
redunda em ofensa aos princípios éticos e morais, discutidos anteriormente;
redunda, portanto, em improbidade administrativa, como se verá a seguir.
3.1. Conceituação de probidade e improbidade
De acordo com Houaiss e Villar (2004), o termo improbidade advém do
latim improbitate, que significa desonestidade. No âmbito do Direito
Administrativo, a improbidade consiste em condutas ilícitas que infringem as
regras instituídas, de sorte que a improbidade deve ser concebida,
sumariamente, como a conduta ética e moralmente inadequada e, portanto,
como um comportamento impróprio e passível de receber sanções legisladas
pelas leis competentes.
Na
administração
pública,
essa
ilicitude
é
convencionalmente
denominada improbidade administrativa, sendo enquadrada, no Brasil, pela Lei
n. 8.429/1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. De
acordo com Martins Junior (2001), a improbidade administrativa diz respeito a
toda sorte de condutas ilícitas praticadas por administradores públicos. Dentre
estas, incluem-se as estratégias de enriquecimento ilícito e a corrupção e o
favorecimento de determinados cidadãos em detrimento de outros.
De fato, a improbidade constitui a contraface da probidade, como
demonstra Silva (2003, p. 649) ao distinguir a probidade e a improbidade
administrativa:
A probidade administrativa consiste no dever de o
‘funcionário servir à Administração com honestidade,
procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar
os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito
pessoal ou de outrem a quem queira favorecer.’ O
desrespeito a esse dever é que caracteriza a
improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade
administrativa qualificada. A improbidade administrativa é
uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e
correspondente vantagem ao ímprobo.
Uma vez conceituadas a probidade e a improbidade administrativas, a
seção seguinte trata de elencar os princípios delimitadores da probidade, uma
vez que é a inobservância a tais princípios que acarreta a improbidade.
139
3.2. Princípios que delimitam a probidade
Nesta seção, cumpre apresentarmos brevemente quais são os princípios
que circunscrevem o limite entre a probidade e a improbidade. Parafraseando
Moreira Neto (2006, p. 128), podemos afirmar que os princípios de probidade
são os seguintes:
I.
Princípio da legalidade: o administrador público deve seguir fielmente
os ditames legais relativos ao exercício de seu encargo;
II.
Princípio da moralidade: o administrador público deve observar os
preceitos éticos e morais concernentes ao seu campo de atuação;
III.
Princípio da Impessoalidade: a administração pública deve se dedicar
estritamente ao interesse público, e não ao privado, ou seja, não
deve priorizar interesses particulares em detrimento da coletividade;
IV.
Princípio da Publicidade: deve prezar a transparência, dando a
conhecer ao público seus atos, mediante divulgação;
V.
Princípio da Eficiência: a administração pública deve zelar pela
eficiência através da ênfase na produtividade, na agilidade, na
redução de desperdícios e na otimização da qualidade dos serviços
prestados.
Após apresentarmos alguns dos aspectos conceituais mais relevantes
no que concerne à improbidade administrativa, a seção seguinte procede a um
levantamento histórico das medidas legais adotadas no Brasil com a finalidade
de conter a improbidade.
4 Esboço histórico das medidas legislativas contra a improbidade
Arraigado no contexto social, histórico e discursivo, o Direito não surge
ex nihilo, pois tem sua implantação assentada em imperativos historicamente
situados (WOLKMER, 2003). Desse modo, ao legislar sobre a conduta jurídica,
o direito afeta o âmbito dos costumes e é afetado por ele, de modo que,
construído e legitimado historicamente, mantém uma estreita relação com
evolução da história do país.
Nesse sentido, a emergência do que se veio a denominar, sob efeito
da globalização, de sociedade da informação, fez emergir a noção de
transparência pública, haja vista a Lei de Responsabilidade Fiscal, promulgada
140
em 2000, que legisla sobre a exposição de dados financeiros pela
administração pública (FERREIRA JUNIOR, 2006).
Nesse contexto, o Direito Administrativo, em concatenação com a
evolução sociohistórica, emerge como um ramo dedicado a zelar pela
observância à transparência ética na administração, com o fito de zelar pelos
direitos de cidadania e isonomia daqueles que, de algum modo, são
impactados pela administração pública.
No Brasil, ao longo de décadas, o poder legislativo vem estabelecendo
regulamentações que convergem para conter a improbidade administrativa.
Assim, as prefeituras são pressionadas a criarem rotinas de procedimentos
para o acompanhamento dessa legalidade (BATISTA JÚNIOR, 2007).
Na Constituição de 1934, por exemplo, foi propugnada a obrigatoriedade
da prestação de contas. Assim, tanto a União quanto os Estados e os
Municípios deveriam, a partir desse diploma legal, adotar práticas que
garantissem sua transparência administrativa. O documento se mostrava
rigoroso inclusive nas sanções previstas para o Presidente da República:
Art. 58 - O Presidente da República será
processado e julgado nos crimes comuns, pela Corte
Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal
Especial, que terá como presidente o da referida Corte e
se comporá de nove Juízes, sendo três Ministros da
Corte Suprema, três membros do Senado Federal e três
membros da Câmara dos Deputados. O Presidente terá
apenas voto de qualidade.
[...]
§ 7º - O Tribunal Especial poderá aplicar somente a
pena de perda de cargo, com inabilitação até o máximo
de cinco anos para o exercício de qualquer função
pública, sem prejuízo das ações civis e criminais cabíveis
na espécie. (BRASIL, 2013a, s.p).
Ainda segundo o documento, também eram passíveis de penalização os
agentes públicos que se valessem de seu cargo para prestar favorecimentos a
partidos políticos ou para forçar seus subordinados a tomarem decisões
eleitorais em seu benefício. Caso cometessem tais infrações, estariam sujeitos,
dentre outras penalidades, à perda do cargo.
Poucos anos mais tarde, as iniciativas jurisprudenciais de combate à
corrupção foram complementadas com o Decreto Lei n.º 3.240, promulgado em
08 de maio de 1941. Segundo tal decreto, em seu artigo 1º,
141
Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa
indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda
pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e
VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele
resulte locupletamento ilícito para o indiciado. (BRASIL,
2013b, s. p.).
Essa legislação expressava o rigor adotado pelas instâncias jurídicas
frente aos crimes cometidos contra as finanças públicas, demonstrando como o
ordenamento jurídico brasileiro já se mobilizava, ainda nas primeiras décadas
da república, em prol da idoneidade na administração pública.
Por seu lado, a Constituição de 1946, lançada ao final da Segunda
Guerra Mundial, manteve a preocupação quanto à postura ética dos servidores
públicos, corroborando a alçada do Direito Administrativo ao dispor sobre as
restrições imputadas aos administradores públicos. A Carta Magna se mostrou
inovadora ao partir da premissa democrática de igualdade de direitos,
imputando ao cidadão comum a possibilidade de empreender uma ação
popular contra improbidades operadas no exercício da administração da
fazenda pública:
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 38 - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a
anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do
patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das
entidades autárquicas e das sociedades de economia
mista. (BRASIL, 2013c, s. p).
A fim de conferir regulamentação ao artigo 141 da Carta, em 1º de junho
de 1957 foi promulgada a Lei n.º 3.164. Conhecido popularmente como Lei
Pitombo Godói Ilha, o diploma legal determinava que os bens amealhados por
meio de medidas abusivas ou abuso de poder e influência deveriam ser
sequestrados do réu, ainda que sem prejuízo de sua imputação criminal (DI
PETRO, 2007).
Mais tarde, foi promulgada a Lei n.º 3.502, datada de 21 de dezembro
de 1958. Conhecido como Lei Bilac Pinto, esse documento tornou exequível o
anteriormente estabelecido pelo texto constitucional, pois seu empenho
142
consistiu em regulamentar a legalidade do sequestro e da subtração dos bens
em situações tais como o enriquecimento ilícito decorrente de uso do cargo
público em benefício próprio (ROCHA, 2001).
Prafreaseando Meirelles (2005, p. 116), consideramos que esse
dispositivo legal acarretou diversas implementações novas para o âmbito
legislativo, dentre as quais se podem destacar:

Expandiu a concepção de servidor público ao incluir nessa rubrica
todos os indivíduos enquadrados em algum cargo, seja civil, seja
militar, vinculado às esferas da União, dos estados, dos municípios
ou do Distrito Federal;

Designou o sequestro e a subtração de bens como sanções
legalmente imputáveis ao servidor público, bem como ao gestor de
autarquia;

Autorizou qualquer cidadão a empreender ação de denunciar
judicialmente administradores supostamente atuantes de forma ilícita
contra a fazenda pública.
Por sua vez, na Lei Federal nº 4320, datada de 17 de março de 1964,
esboçou a necessidade das empresas priorizarem a probidade em seu modus
operandi administrativo. O diploma legal definiu as competências para o
cumprimento das atividades regulamentares pelas instâncias:
Art. 76. O Poder Executivo exercerá os três tipos de
controle a que se refere o artigo 75, sem prejuízo das
atribuições do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.
Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de
execução orçamentária será prévia, concomitante e
subsequente.
Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas
anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão,
poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação
ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens
ou valores públicos.
Art. 79. Ao órgão incumbido da elaboração da
proposta orçamentária ou a outro indicado na legislação,
caberá o controle estabelecido no inciso III do artigo 75.
Parágrafo único. Esse controle far-se-á, quando for o
caso, em termos de unidades de medida, prèviamente
estabelecidos para cada atividade.
Art. 80. Compete aos serviços de contabilidade ou
órgãos equivalentes verificar a exata observância dos
limites das cotas trimestrais atribuídas a cada unidade
143
orçamentária, dentro do sistema que for instituído para
esse fim (BRASIL, 2013d, s.p.).
Já em 1967, o Decreto-Lei nº 200/67 dispõs acerca da ingerência
estatal nas atividades administrativas, elencando os princípios basilares que
deveriam nortear a esfera administrativa, quais sejam, o planejamento, a
coordenação, a descentralização e a delegação de competência (GUERRA,
2003).
Por sua vez, a Carta Magna de 1967, promulgada no contexto de
emergência ditatorial, manteve as disposições legais precedentes, tendo em
mira proteger a administração pública (CARVALHO FILHO, 2005).
Todavia, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro
de 1968, foi acompanhado por uma atmosfera de medo e insegurança em todo
o país. Tal Ato conferia plenos poderes ao Presidente da República para
legislar acerca de toda e qualquer matéria, bem como intervir ilimitadamente
nos direitos conferidos a todos os cidadãos (SILVA, 2003). À guisa de
ilustração, o artigo 8 do AI-5 dispunha:
Art. 8º - O Presidente da República poderá, após
investigação, decretar o confisco de bens de todos
quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de
cargo ou função pública, inclusive de autarquias,
empresas públicas e sociedades de economia mista, sem
prejuízo das sanções penais cabíveis. (BRASIL, 2013e, s.
p).
Todavia, foi por ocasião da Constituição Federal de 1988 que o
imperativo da moralidade administrativa se legitimou como procedimento
necessário à gestão da fazenda pública. Afinal, a Carta delegou aos Estados a
incumbência de empreenderem as devidas alterações e adequações na
Constituição dos Estados e na Lei Orgânica dos Municípios, com o fito de
efetivarem as novas normas constitucionais no sistema de controle interno.
Conforme expõe o diploma legal,
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo
Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e
pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo
Municipal, na forma da lei (BRASIL, 2007, p. 78).
A Carta Magna consagrou a democracia e os direitos fundamentais do
homem e da dignidade da pessoa humana como substratos do atual Estado,
144
denominado Democrático e de Direito (BRASIL, 2007). Assim, em observância
às disposições da Carta, tanto na alçada do Poder Público quanto na seara do
Direito Privado é necessário que seja garantido o efetivo cumprimento dos
mandamentos constitucionais, pressupondo que o Estado seja regido pelos
cânones de justiça, virtude e ética.
De acordo com Oliveira (2012), o artigo 37 do referido documento
estabeleceu o alicerce para a disposição jurídica acerca da improbidade
administrativa, uma vez que delimitou os princípios que deveriam reger a
Administração Pública, quais sejam: a legalidade, a impessoalidade, a
moralidade, a publicidade e a eficiência, os quais já foram mencionados
brevemente em seção anterior deste trabalho.
Nesta parte do texto, é
pertinente retomar tais princípios, mediante paráfrase de Moreira Neto (2006),
expondo um detalhamento maior de cada um deles na medida em que
compõem, em sua somatória, um conjunto de valores que devem ser
preconizados pelos responsáveis pela administração pública no exercício de
suas funções, quais sejam:
Legalidade: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de Lei” Art. 5º, inciso II Constituição Federal. É o
principio da Legalidade, na administração pública as ações só podem
ser realizadas se forem precedidas por LEI. A administração pública não
pode conceder direito algum, nem obrigações por ato administrativo e
sim por autorização da LEI.
Impessoalidade: Esse princípio estabelece que a todos seja concedido o
mesmo direito, sem qualquer discriminação. Vemos nesse direito a
exclusão da promoção social praticadas por autoridades ou servidores
públicos, quando na atuação de suas atribuições.
Moralidade: Mesmo que o ato esteja devidamente amparado por LEI,
deverá respeitar os princípios éticos da justiça e de razoabilidade.
Publicidade: o princípio fala da publicidade dos atos, contribuindo para a
fiscalização do controle social. Nesse sentido da publicidade deve ser
observado que não deve haver promoção pessoal ou qualquer tipo de
propaganda de favorecimento ao gestor ou que vá de encontro ao
período da administração.
145
Eficiência: O gestor público precisa ser eficiente, é o que o princípio afirma.
Deve a luz da Lei buscar a igualdade, zelando pela objetividade e
imparcialidade. Atentando também para os padrões modernos de
administração, atualizando-se e modernizando, buscando assim maior
eficácia nas suas ações (MOREIRA NETO, 2006, p. 47).
Diversos autores ressaltam a relevância assumida pela Carta Magna na
consubstanciação da cultura jurídica brasileira, nomeadamente no que tange
ao estatuto da probidade administrativa (cf. MARTINS FILHO, 2001; MOREIRA
NETO, 2006; MEIRELLES, 2005). De fato, o texto constitucional menciona
explicitamente a questão da improbidade administrativa, além de apresentar as
sanções designadas para a prática da improbidade, incluindo-se a suspensão
de direitos políticos, a subtração do cargo público, a tomada dos bens
amealhados ilicitamente e o ressarcimento daqueles prejudicados. Segundo
Morais (2007, p. 338-339),
A Constituição Federal de 1988 foi mais além do que
simplesmente prever o perdimento de bens. Em seu art.
37, § 4º, a Constituição Federal determina que os atos de
improbidade administrativa importarão: a suspensão dos
Direitos políticos; a perda da função pública; a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação
penal cabível.
Assim, pode-se asseverar que o princípio da moralidade administrativa
foi instaurado oficiosamente pela Constituição Federal de 1988, no referido
artigo 37, o que demonstra como o processo de modernização e
democratização do país foi assinalado pela preocupação quanto à ética e à
moralidade no serviço público. Afinal, anteriormente à carta constitucional a
improbidade administrativa era prevista tão-somente para a alçada política
stricto sensu, ao tempo que os demais administradores públicos eram
penalizados somente em situações tais como o enriquecimento ilícito.
De acordo com Sobrane (2010), a partir da Constituição a improbidade
administrativa alcançou maior envergadura, pois abarcou todas as modalidades
de serviço público e estabeleceu outras formas de infração para além do
enriquecimento ilícito. Ainda segundo esse autor,
146
Surge no texto constitucional, portanto, a primeira
referência à proteção da probidade administrativa, dando
mostras o legislador constituinte de que a coisa pública
dever ser cercada de garantias para que não seja
apropriada pelo particular e que o agente autor de ato de
improbidade administrativa deve ser impedido de
continuar desempenhando outra função (SOBRANE,
2010, p. 20).
Após a Carta Constitucional, o documento mais relevante entre os que
dispõem sobre a improbidade administrativa consiste na Lei de Improbidade
administrativa nº. 8.429/92. Tendo em mira propugnar a administração pública
contra formas de irregularidades diversas, o diploma legal outorgado pelo
sistema legislativo federal apresentou um detalhado conjunto de prescrições a
serem observadas pelos gestores públicos. No documento, o artigo 1º
circunscreve o conjunto de instituições passíveis de incorrer em improbidade,
como se vê a seguir:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios,
de Território, de empresa incorporada ao patrimônio
público ou de entidade para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta
por cento do patrimônio ou da receita anual, serão
punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão
também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade
que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou
creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja
criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção
patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos (BRASIL, 2013f, s.p).
Com efeito, na referida lei de improbidade administrativa, os artigos
dedicados à definição e delimitação das categorias administrativas são o nono,
o décimo e o décimo primeiro. Por seu turno, as sanções a serem aplicadas
estão elencadas no artigo décimo segundo. Tais disposições são divididas em
doze incisos, como se vê abaixo, na citação que transcreve na íntegra o artigo
a fim de favorecer sua compreensão pelo leitor:
147
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de
cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e
notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem
móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica,
direta ou indireta, a título de comissão, percentagem,
gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto
ou ndireto, que possa ser atingido ou amparado por ação
ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou
indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de
bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas
entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor
de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou
indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de
bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal
por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer
natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o
trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros
contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer
natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a
prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de
contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade
ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer
natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa
sobre medição ou avaliação em obras públicas ou
qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso,
medida, qualidade ou característica de mercadorias ou
bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas
no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício
de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de
qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer
atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa
física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público, durante a atividade;
148
IX - perceber vantagem econômica para
intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de
qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer
natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício,
providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu
patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°
desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei (BRASIL,
2013f, s.p).
Mais recentemente, a Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000,
mais conhecida como LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), finalmente
decretou a obrigatoriedade da implantação de normas de finanças públicas,
tendo em mira o equilíbrio entre receitas e despesas, bem como a estagnação
da dívida pública, a consecução das metas estabelecidas, o controle de
resultados e a avaliação e controle de custos (GUERRA, 2003). Nesse sentido,
a LRF promoveu um rígido controle dos gastos públicos e, ao demandar uma
mudança de conduta por parte dos administradores públicos mediante a
implementação de um Sistema de Controle Interno, também assegurou maior
transparência por parte da gestão pública. Ademais, facilitou o acesso da
população às questões orçamentárias e financeiras do governo municipal,
favorecendo a aproximação entre a administração pública e os cidadãos, que
sofrem diretamente os efeitos da política administrativa (MENEZES, 2006).
Já em 2009, a Lei complementar 131 dispôs especificamente acerca da
transparência, acrescentando à LRF a determinação de disponibilização em
tempo real das informações pormenorizadas da execução orçamentária e
financeira das ações realizadas pelo poder público:
Art. 1o O art. 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de
maio de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 48.
...................................................................................
Parágrafo único. A transparência será assegurada
também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de
audiências públicas, durante os processos de elaboração
149
e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e
orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento
da sociedade, em tempo real, de informações
pormenorizadas sobre a execução orçamentária e
financeira, em meios eletrônicos de acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração
financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de
qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e
ao disposto no art. 48-A” (BRASIL, 2013g, s.p).
Também devem ser mencionadas a Lei Federal 8666/93 e a Lei Federal
11.494/2007, bem como as Instruções Normativas dos Tribunais de Contas e
as Leis Orgânicas dos Municípios. Segundo Moreira Neto (2006), tais
dispositivos legais estabelecem normatizações adicionais que também
orientam o modus operandi municipal no que concerne ao controle interno e à
prestação de contas.
Considerações finais
Ciente da relevância da probidade e da transparência para a
administração pública, este trabalho buscou contribuir para o campo do Direito
Administrativo fornecendo indicadores de como os profissionais devem
contemplá-la em seu exercício profissional. O trabalho demonstrou que a
transparência
na
administração
pública
consiste
em
um
imperativo
constitucional chancelado por uma gama de documentos legislativos que visam
não apenas assegurar completa observância aos ditames da lei como também
assessorar os gestores para que administrem de forma segura e transparente.
Observamos que ao longo das últimas décadas o sistema legal tem
movido esforços no sentido de estabelecer uma série de diretrizes que
orientem o serviço público municipal à prática da moralidade administrativa, de
modo a garantir o êxito em seus processos decisórios, a efetividade de sua
controladoria e a transparência em suas ações. Também sublinhamos a
importância de uma maior preocupação das entidades administrativas com sua
transparência e idoneidade, que são fundamentais para a qualidade dos
serviços fornecidos, bem como pela imagem externa da entidade frente aos
cidadãos.
150
O trabalho evidenciou que a ética deve ser entendida como princípio e
valor norteadores da conduta do ser humano, fazendo-se acompanhar pela
noção de moralidade. Desse modo, o agente administrativo deve atuar com
ética, que apresenta em si a noção de justiça, sintetizada como a dialética
entre as aspirações da pessoa (o desejável) e a instituição da justiça (o legal).
O desvirtuamento desse sistema leva à responsabilização, configurando
improbidade.
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152
FATORES GERADORES DE TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS
NAS ORGANIZAÇÕES DO SÉCULO XXI
Aurélio José Parreira – IPTAN
Mestre em Matemática – UFSJ
Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN
Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ
Monique Terra e Silva – IPTAN
Especialista em Gestão de Negócios – UFSJ
Renata Pinto Dutra Ferreira – IPTAN
Especialista em Administração de Sistemas de Informação – UFLA
Augusto César da Cunha Silva Resende
Graduado – IPTAN
Resumo: Este trabalho apresenta um estudo a respeito dos fatores geradores
de transtornos psicológicos nas organizações do século XXI. Serão abordados
o desenvolvimento da psicologia industrial/ organizacional bem como os
pioneiros na discussão deste assunto nas organizações, a relação existente
entre o trabalho e as pessoas, os diversos conceitos de transtornos
psicológicos e os que mais assustam as organizações no mercado de trabalho.
Também serão explicitadas as causas que deixam os colaboradores mais
suscetíveis aos transtornos psicológicos nas organizações. Em contrapartida,
se faz necessária a explanação dos conceitos de qualidade de vida nas
organizações e como a mesma influencia no bem- estar dos colaboradores em
suas carreiras. O presente artigo científico implicará em uma pesquisa
bibliográfica, no que envolve artigos acadêmicos e científicos, revistas técnicas
e cientificas pertinente ao tema. O acervo será disponibilizado em bibliotecas e
sites especializados garantindo a veracidade do tema.
Palavras-chave: Transtornos psicológicos – Doenças psicossomáticas –
Qualidade de vida – Saúde ocupacional – Psicologia organizacional
Introdução
Os colaboradores do século XXI vêm apresentando quadros patológicos
que exigem das empresas providências iminentes. A saúde ocupacional é de
suma importância na vida dos profissionais que atuam no mercado.
Empregados com a qualidade de vida prejudicada no trabalho terão
dificuldades para gerar a produtividade exigida.
A saúde ocupacional precisa ser vista pelos gestores como assunto
primordial nas organizações em prol da prevenção aos transtornos psicológicos
e ocasionando o melhor gerenciamento da empresa. Os funcionários com as
melhores condições de trabalho irão consequentemente desenvolver suas
atividades com mais eficiência e eficácia e gerar ganhos para a empresa. As
153
ações para garantir a saúde do trabalhador devem ter como foco as mudanças
nos processos e nas relações de trabalho.
Nestecontexto,tem-se como problema de pesquisa deste estudo a
seguinte questão: qual a necessidade de detectar as ferramentas essenciais
para combater os transtornos psicológicos e preservar a saúde ocupacional?
Este
artigo
científico
possui
por
objetivo
geral
analisar
nas
organizações os fatores que geram transtornos mentais nos colaboradores, tais
como a depressão, stress, síndrome de Burnou tentre outras e por meio de
pesquisas propor soluções que visam a preservação da saúde ocupacional nos
colaboradores.
Dentre os objetivos específicos que complementam o objetivo acima
citado estão:
- Apresentar os conceitos de transtornos mentais segundo autores
especializados na área;
- Analisar fatores organizacionais que influenciam a manifestação dos
transtornos nas organizações;
- Demonstrar como o clima organizacional é afetado pelos distúrbios
mentais;
- Pesquisar métodos e instrumentos preventivos a fim de melhorar a
saúde ocupacional.
A abordagem do tema é pela necessidade premente das empresas a
tratar o assunto. O avanço tecnológico, acompetição, a concorrência e outras
influências do mercado, tornam as pessoas mais suscetíveisa apresentar
quadros patológicos. E uma vez que estes transtornos são adquiridos, além do
colaborador ficar com sua saúde comprometida, a empresa tem grandes
perdas em sua gestão, tais como o absenteísmo e a queda de produtividade.
A pesquisa elaborada transcorre da preocupação do discente com as
organizações que estão vulneráveis a estes transtornos e pela promoção de
um conhecimento sobre o assunto. Consequentemente poderá dar suporte às
organizações e também alavancar uma especialização sobre otema.
Arealizaçãodeste estudo implicará em uma pesquisa bibliográfica, no
que envolve artigos acadêmicos e científicos, revistas técnicas e cientificas
pertinentes ao tema. O acervo será disponibilizado em bibliotecas e sites
especializados garantindo a veracidade do tema.
154
1 O desenvolvimento da psicologia e o ambiente organizacional
Esta seção irá explanar o desenvolvimento da psicologia organizacional
nas indústrias e organizações, bem como suas teorias, a relação entre o
ambiente organizacional e o trabalho, mostrando a influencia do trabalho sobre
o trabalhador. Também serão abordados os conceitos de transtornos
psicológicos e saúde ocupacional.
1.1 A evolução da psicologia industrial/ organizacional
A literatura mostra que os problemas e a preocupação com a saúde
dos trabalhadores foram objetivos de estudo desde antes de Cristo. De acordo
com Bulhões (1976, s. p. apud ITO; POLETO; SILVA, 2004, p. 9) Hipócrates
descreveu sobre a verminose em mineiros , bem como as cólicas intestinais
que manifestavam em colaboradores que trabalhavam com o chumbo e
também sobre as propriedades tóxicas do metal. Também explanou sobre as
condições de trabalho nas minas de Siracusa, de como eram horríveis e
penosas.
Avançando na história, em 1700, foi publicado por um médico italiano,
Ramazzini, De Morbis Artificium Diatriba (As doenças dos trabalhadores).
Segundo Ito, Poleto e Silva (2004, p. 9) neste livro são descritas cinquenta
profissões distintas e as doenças a elas relacionadas. Ainda lembram que na
mesma época do lançamento do livro as atividades profissionais eram
artesanais, sendo realizadas por grupos pequenos de trabalhadores e que
consequentemente os casos relatados de doenças profissionais inexistiam.
Com isso passa a ser irrelevante a publicação de Ramazzini.
Os
psicólogos
industriais/
organizacionais
são
frequentemente,
empregados nas empresas, na indústria e no governo. Conforme relata
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649):
[...] Seu foco está em três importantes áreas: (1)
psicologia dos fatores humanos (melhorar o design e a
função das máquinas e do ambiente de trabalho); (2)
psicologia dos recursos humanos (recrutamento, teste,
treinamento, colocação e avaliação de funcionários); e (3)
psicologia organizacional (estilo gerencial, motivação de
funcionários e satisfação no trabalho).
155
O estudo formal da psicologia é muito recente, cerca de 125 anos.
Segundo Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 649) o estudo da psicologia
industrial e organizacional é ainda mais recente, originando com os trabalhos
de Walter Dill Scott, Frederick W. Taylor e Hugo Munsterberg no início do
século XX.
Em dezembro de 1901, Walter Dill Scott, professor de psicologia,
orientava um grupo de profissionais de propaganda. Em sua prelação propôs
usar os princípios da psicologia no campo da propaganda. Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 649) nos relata:
[...] Em vez de, simplesmente, exibir um produto e esperar
que os clientes percebessem a necessidade dele,
imaginou que os anunciantes poderiam influenciar
agressivamente os clientes, sugerindo que comprassem,
ou argumentando e debatendo os méritos inegáveis da
compra. Em outras palavras, o uso da persuação e da
argumentação para vender.
Scott também propôs varias outras ideias, radicais para o tempo, mas
plenamente aceita nos dias de hoje. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy
(2003, p. 649), sugeriu imitações dos produtos, da propaganda e das políticas
de produção bem sucedidos em outras empresas. Encorajou a competição das
empresas que produziam bens similares, estimulou a lealdade entre fabricantes
e fornecedores e incentivou a criação de produtos especializados para os
mercados.
A segunda principal autoridade da psicologia industrial/ organizacional,
Frederick W. Taylor enfatiza o valor do planejamento da situação do trabalho
para aumentar a produção do trabalhador. Como nos relata Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 649), Taylor em seu livro Princípios de administração cientifica
(1911), formulou quatro princípios que aumentasse a eficiência e a
rentabilidade de qualquer organização: planeje cientificamente os métodos de
trabalho para aumentar a eficiência, selecione os melhores trabalhadores e
treine-os em novos métodos; desenvolva um espírito cooperativo entre
gerentes e trabalhadores e por fim encoraje a cooperação entre os
trabalhadores e a administração para melhorar o ambiente de trabalho.
156
Como Scott, Hugo Munsterberg era um jovem psicólogo interessado
em aplicar psicologia no ambiente de trabalho. De acordo com Huffman,
Vernoy e Vernoy (2003, p. 651), Munsterberg em seu livro Psychology and
industrial efficiency (1913) cobria três tópicos: seleção de trabalhadores,
planejamento das situações de trabalho e uso da psicologia nas vendas.
Embora esses autores tenham demonstrado importância da aplicação
da psicologia nas organizações, para muitas pessoas ele passou a ter maior
respeitabilidade na indústria durante a Primeira guerra Mundial. Conforme
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 651), no inicio da segunda guerra mundial,
a Associação psicológica Americana, fez testes nos oficiais do exército para
avaliar suas habilidades mentais. Os resultados seriam usados para atribuir
aos recrutas as tarefas militares apropriadas.
Durante as duas grandes guerras, o crescimento da psicologia
industrial/ organizacional manteve seu crescimento. Segundo Huffman, Vernoy
e Vernoy (2003, p. 651), muitas empresas criaram departamentos de recursos
humanos pela primeira vez e várias universidades e faculdades passaram a
oferecer treinamento nestas áreas.
A universidade de Harvard fez estudos em ambientes de trabalho, onde
instalaram lâmpadas de várias intensidades nos diversos salões. Huffman,
Vernoy e Vernoy (2003, p. 651) nos relatam:
[...] A produtividade melhorou tanto com o aumento,
quanto a redução da iluminação! Ainda mais
surpreendente foi quando o nível de iluminação
permaneceu inalterado e o desempenho ainda sim
aumentou! Simplesmente por saber que estavam
participando de uma pesquisa, os trabalhadores,
aparentemente, melhoraram o desempenho. Isso ficou
conhecido como efeito Hawthorne, quando as pessoas
mudam o comportamento por causa da novidade da
situação de pesquisa, ou por saber que estão sendo
observadas (Grifo do autor).
No inicio, a psicologia industrial/organizacional (I/O) limitava-se apenas
à industria, focalizando a eficiência e produtividade dos operários. Huffman,
Vernoy e Vernoy (2003, p. 652) nos dizem que durante a Segunda Guerra
Mundial, surgiu a psicologia dos recursos humanos como ramo de
157
especialização e muitos pesquisadores passaram a mudar a atenção do chão
de fabrica para o escritório da administração. Como resultados criaram a
psicologia organizacional e acrescentaram o “O” à psicologia I/O.
É notório que a influência do trabalho sobre o homem é inevitável, e as
mesmas geram consequências na vida e saúde dos colaboradores. A
descrição dessa relação será descrita na sequência deste trabalho com a
explanação dos pontos mais relevantes.
1.2 A relação homem/ trabalho
Desde a antiguidade são conhecidos os impactos do ambiente de
trabalho na saúde física e mental do trabalhador. Como relata Grubits e
Guimarães (2004, p.157): “[...] só na metade do século passado a medicina
preventiva avançou, os envolvidos no processo de trabalho se conscientizaram
e o surgimento de órgãos regulamentadores tornaram efetiva a implementação
de medidas eficazes na proteção dos trabalhadores.”
Uma pessoa passa a maior parte do seu tempo no trabalho do que em
qualquer outra atividade isolada, com a exceção do sono. De acordo com
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 658), a qualidade de vida está diretamente
relacionada com a satisfação no trabalho. A importância da escolha da carreira
não pode ser subestimada. Como as pessoas precisam de trabalho que
maximize suas habilidades e satisfação, as empresas também necessitam de
pessoas com habilidades e motivadas para o aumento da produção e
lucratividade.
As condições ruins de trabalho não proporcionam ao colaborador a
disposição ideal para exercer suas funções de trabalho em seu ambiente
organizacional. Segundo Ito, Poleto e Silva (2010, p.17):
Qualquer trabalho apresenta condições especificas e
peculiares, para ser executado. Estas condições referemse às pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas
do posto de trabalho. Sob influência destas pressões o
trabalhador reagirá e o alvo principal das consequências
destas pressões será o corpo que poderá sofrer desgaste,
envelhecimento e doenças somáticas. Em paralelo temos
as pressões exercidas pela organização do trabalho.
158
O ambiente de trabalho deve ser visto como um todo, do menor ao maior
grupo hierárquico e do chão de fábrica à alta administração. Conforme Bellusci
(2007, p.11) mudanças profundas, intensas e aceleradas no processo
produtivo, aliadas a diversidade das situações de trabalho, adoção de
tecnologia,
mudança
no
modo
de
gerenciamento,
podem
causar
consequências na saúde do trabalhador.
A divisão do trabalho é conceituada a partir de duas vertentes, a
divisão do trabalho e a divisão de homens, ou seja, a divisão do trabalho
engloba a divisão de tarefas na organização e respectivamente, a divisão do
homem seria a repartição de responsabilidades, hierarquia, comando controle,
etc. Como afirma Ito, Poleto e Silva (2010, p.17), as duas vertentes se
completam e a divisão de homens completa a divisão de tarefas. Ainda, sobre
esse assunto, os autores dizem que:
Enquanto a divisão de tarefas incita o sentido e o
interesse do homem pelo trabalho, a divisão dos homens
solicita as relações pessoais, mobilizando sentimentos
afetivos como ódio, amor, amizade, solidariedade,
confiança, desconfiança (...).
É
importante
salientar
que
aspectos
emocionais
referentes
à
organização do trabalho, podem interferir ocasionando doenças relacionadas
às atividades laborais.
O desenvolvimento de doença do trabalho ocorre por meio de um
processo complexo e dinâmico. Afirma Bellusci (2007, p. 16) que é necessário
compreender e acompanhar esse processo para corrigi-lo e impedir que estas
doenças ocorram.
Os fatores responsáveis pelas doenças do trabalho são vários. De
acordo com Bellusci (2007, p.16) os fatores são físicos (ruídos, vibrações e
demais), químicos (substancias tóxicas), biológicos (microorganismos e
parasitas), poeiras orgânicas (algodão, linho. Sisal e outros), organização do
trabalho (ritmo de produção mecânica ou eletronicamente controlada,
constante repetição de ciclos de trabalho, responsabilidades e iniciativas,
equipamentos auxiliares e locais de trabalho não- compatíveis com as
necessidades de concentração, dificuldades em realizar as tarefas, longos
159
períodos de atenção sustentada, e outros) e por fim relações interpessoais.
Segundo Bellusci (2007, p.20):
Estamos, portanto, diante de uma situação de conflito, na
qual o trabalho, por um lado, é fonte de realização de
satisfações concretas (proteção da vida, bem- estar físico,
biológico e nervoso) e de satisfações simbólicas
(satisfação que o trabalho confere de acordo com o que o
individuo traz em si como desejo, expectativa de
realização por meio do trabalho) e, por outro, é fonte de
sofrimento, quando não realiza as aspirações do sujeito,
de medo (nem sempre admitido pelo grupo de trabalho),
quando um risco real se faz presente, e de ansiedade,
quando há o risco de não acompanhar o ritmo de trabalho
imposto.
O trabalho pode tanto favorecer a saúde mental quanto fortalecer a
constituição de distúrbios. Conforme a citação de Ito, Poleto e Silva (2010,
p.17):
A perspectiva de trabalho (com benefícios que este
apresenta com a sobrevivência através do salário,
satisfação de necessidade) gera uma satisfação subjetiva
com a promessa de felicidade e segurança. Visando
manter essa perspectiva de felicidade o homem encara os
desafios que o ambiente laboral apresenta. Este
enfrentamento pode gerar sofrimento não só para o corpo
(por imposição de horário, de ritmo), mas também
angustia e apreensão (por imposições de aprendizagem,
de instrução, de diplomas etc.), contribuindo para o
sofrimento mental.
Sabe-se hoje que a maior parte das doenças é influenciada por uma
combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. “Os transtornos
mentais afetam as pessoas de todas as idades e em todos os lugares,
causando sofrimento às famílias, as comunidades e aos indivíduos”
(GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p. 25).
Para o ambiente organizacional ser agradável às necessidades
humanas, se faz justo que o mesmo apresente condições adequadas para
exercer as suas funções laborais. Na sequência adentraremos nos conceitos
da qualidade de vida, fator importante neste quesito.
160
1.3 A qualidade de vida no trabalho (QVT)
O termo qualidade de vida no trabalho foi originado na década de 1970,
por Louis Davis quando desenvolvia um projeto sobre desenho de cargos. Para
ele, este conceito referia-se à preocupação com o bem estar e a saúde dos
colaboradores no desempenho de suas atividades (CHIAVENATO, 2010, p.
487).
As pessoas passam a maior parte do seu tempo nas organizações, o
que torna o ambiente seu “habitat”. O ambiente de trabalho se caracteriza por
condições físicas e materiais e por condições psicológicas e sociais. Segundo
Chiavenato (2010, p. 470): de um lado, os aspectos ambientais que
impressionam os sentidos e que podem afetar o bem estar físico, a saúde e a
integridade física das pessoas. Por outro lado, os aspectos ambientais que
podem afetar o bem estar psicológico e intelectual, a saúde mental e a
integridade moral das pessoas. De um lado a segurança e higiene do trabalho
e por outro lado a qualidade de vida na organização.
A higiene do trabalho tem caráter eminentemente preventivo, pois
objetiva a saúde e conforto do trabalhador, evitando que adoeça e se ausente
provisória ou definitivamente do trabalho (CHIAVENATO, 2008, p. 349).
A higiene do trabalho está relacionada com as condições ambientais da
organização que asseguram a saúde física e mental e com as condições de
saúde e bem estar das pessoas. Conforme Chiavenato (2010, p. 470):
[...] Do ponto de vista da saúde física, o local de trabalho
constitui a área de ação de higiene do trabalho,
envolvendo aspectos ligados com a exposição de
organismos humanos a agentes externos como ruído, ar,
temperatura, umidade, luminosidade e equipamentos de
trabalho. Assim, um ambiente saudável de trabalho deve
envolver condições ambientes físicas que atuem
positivamente sobre todos os órgãos dos sentidos
humanos – como visão, audição, tato, olfato e paladar. Do
ponto de vista da saúde mental, o ambiente de trabalho
deve envolver condições psicológicas e sociológicas
saudáveis e que atuem positivamente sobre o
comportamento das pessoas evitando impactos
emocionais, como o estresse.
161
Um ambiente de trabalho agradável facilita o relacionamento
interpessoal e melhora a produtividade, bem como a redução de acidentes,
absenteísmo e rotatividade de pessoal. Fazer do ambiente de trabalho um local
agradável para exercer a ocupação, tornou-se uma verdadeira obsessão para
as empresas (CHIAVENATO, 2010, p. 471).
Não são apenas as condições físicas de trabalho que importam. As
condições sociais e psicológicas também fazem parte da organização. De
acordo com Chiavenato (2008, p. 365): pesquisas apontam que para alcançar a
qualidade e produtividade, as empresas precisam de pessoas motivadas e
participantes
nos
trabalhos
que
executam
e
serem
recompensadas
adequadamente por sua contribuição. Para satisfazer o cliente externo, é
necessário satisfazer antes a seus funcionários responsáveis pelos produtos ou
serviços oferecidos.
Uma maneira de definir saúde é a ausência de doenças. O ambiente
de trabalho em si, também pode provocar doenças. Uma definição mais ampla
de saúde é o estado físico, psicológico e social de bem estar. Chiavenato
(2010, p. 471) explana:
[...] essa definição enfatiza as relações entre corpo, mente
e relações sociais. A saúde de uma pessoa pode ser
prejudicada por doenças, acidentes ou estresse
emocional. Os gerentes devem assumir também a
responsabilidade de cuidar do estado geral de saúde dos
colaboradores, incluindo seu bem estar psicológico.
Os programas de medicina ocupacional envolvem os exames médicos
exigidos legalmente alem de executar campanhas de proteção à saúde dos
funcionários, visando à qualidade de vida dos colaboradores e maior
produtividade (CHIAVENATO, 2010, p. 472).
Os programas de saúde começaram a atrair atenção pois as
consequências de programas inadequados são perfeitamente mensuráveis,
como afastamentos da empresa, absenteísmo, rotatividade de pessoal e baixa
produtividade. Segundo Chiavenato (2010, p. 472):
Um programa de saúde ocupacional requer as seguintes
etapas: 1 - Estabelecimento de um sistema de
indicadores, abrangendo estatísticas de afastamentos e
acompanhamento de doenças; 2 - Desenvolvimento de
162
sistemas de relatórios médicos; 3 - Desenvolvimento de
regras e procedimentos para a prevenção medica; 4 Recompensas aos gerentes e supervisores pela
administração eficaz da função de saúde ocupacional.
A qualidade de vida no trabalho é um assunto atual e merece todo
cuidado. Como relata Chiavenato (2010, p. 487): a organização que investe
diretamente no colaborador, esta investindo indiretamente no cliente. A gestão
da qualidade total nas organizações depende fundamentalmente da otimização
do potencial humano, e isso depende de quão bem as pessoas se sentem
trabalhando na organização.
A qualidade de vida dos colaboradores afetada é prejudicial aos
mesmos, visto que, estes podem desencadear algum quadro de transtorno
psicológico. Estes transtornos serão conceituados no item a seguir,
explicitando suas principais definições.
1.4 Os conceitos de transtornos psicológicos
Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver situações
difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai arrebentar dentro
dela, que não vai suportar, que vai perder o controle de si mesma, ou seja, que
vai enlouquecer. Tais pensamentos ocorrem quando se perde alguém próximo
ou querido, em situações altamente estressantes, em que o individuo se vê
com muitas duvidas e não percebe a possibilidade de pedir ajuda e/ou resolver
a situação sozinha (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 344).
Os indivíduos mais sadios são independentes, cooperadores, criativos,
produtivos, capazes de relaxar e divertir. Eles aceitam tanto as suas qualidades
quanto as suas limitações, dentro de um campo razoável. Porém o grau de
saúde mental das pessoas nem sempre são os mesmos, vão variar de acordo
com o momento, com as situações pela qual elas passam.
Os transtornos mentais não são “doença” como as outras.
Apesar de poderem apresentar sintomas físicos, não são
eles que predominam; tais transtornos se apresentam,
principalmente, na maneira de perceber, pensar, sentir e
agir da pessoa (ROCHA, 2005, p.87).
163
Muitos pesquisadores definem os transtornos psicológicos em
disfunções prejudiciais. Segundo Myers (2006, p. 451) eles catalogam o
comportamento como prejudicial e disfuncional quando o julgam atípico,
injustificável, mal-adaptativo e perturbador.
Para justificar um comportamento confuso, as pessoas pensavam que
forças estranhas estavam atuando. Relata Myers (2006, p.451) que a cura era
livrar-se da força do demônio, seja apaziguando os grandes poderes, seja
exorcizando o demônio. Até os dois últimos séculos, as pessoas loucas eram
tratadas como animais enjaulados ou recebiam terapias para o demônio, tais
como espancamento, queimadas ou castradas. A terapia era extrair dentes,
retirar parte dos intestinos ou cauterizar o clitóris.
Nos séculos XVII e XVIII, os critérios que definiam a loucura não eram
médicos. Essa designação era atribuída à percepções que instituições como a
igreja, a justiça e a família tinham do indivíduo e os critérios referiam-se à
transgressão da lei e da moralidade (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p.
346).
No final do século XVII, os loucos não eram vistos como doentes e
faziam parte dos segregados da sociedade. Segundo Bock, Furtado e Teixeira
(2008, p. 346): no final deste mesmo século foi criado em Paris o Hospital
Geral, onde se iniciou a grande internação. A população internada era
heterogênea, porém, podiam ser divididas em quatro grupos, os devassos
(doentes venéreos), os feiticeiros (profanadores), os libertinos e os loucos. O
hospital geral não era uma instituição médica, mas assistencial. Não havia
tratamento. Os loucos não eram vistos como doentes, e por isso, integravam
um conjunto formado por todos os segregados da sociedade. O critério de
exclusão baseava-se na inadequação do louco à vida social.
Na segunda metade do século XVIII, iniciaram-se as reflexões médicas
e filosóficas que situavam a loucura como algo que ocorria no interior do
próprio homem. De acordo Foucault (1975, p. 18): a doença não é uma
essência contra a natureza, ela é a própria natureza, mas num processo
invertido; a história natural da doença só tem que restabelecer o curso da
história natural do organismo são.
164
Em oposições a esses tratamentos brutais, os reformistas insistiam que
a loucura não era possessão demoníaca e sim patologia da mente causada por
stress severo e condições desumanas. Segundo Myers (2006, p. 452):
[...] Atualmente, a perspectiva medica é familiar e pode
ser reconhecida por nós na terminologia do movimento da
saúde mental: uma doença mental (também denominada
psicopatologia) precisa ser diagnosticada com base em
seus sintomas e curada por meio de terapia, que pode
incluir tratamento em um hospital psiquiátrico.
A perspectiva médica só ganhou credibilidade a partir de descobertas
recentes. Segundo Myers (2006, p. 452): “doenças mentais são transtornos
diagnosticados no cérebro”, declarou um artigo da Casa Branca sobre doenças
mentais em 1999.
Os psicólogos atuais sustentam que todos os comportamentos, tanto
os chamados normais quanto as alterações, surgem da interação natureza e
criação. Conforme Myers (2006, p. 452):
[...] Presumir que uma pessoa seja ‘mentalmente doente’
é atribuir a condição a apenas um problema interno – a
uma ‘doença’ que deve ser diagnosticada e curada.
Talvez não exista um problema interno profundo. Em vez
disso, talvez exista no ambiente da pessoa, nas
interpretações que ela dá ao fato, nos seus maus hábitos
e nas suas competências sociais insatisfatórias uma
dificuldade que bloqueia o crescimento.
Em psicologia e psiquiatria, a classificação diagnóstica possibilita não
apenas descrever um transtorno, mas também prever o seu curso futuro,
estimular um tratamento adequado e pesquisar as possíveis causas do mesmo.
Para estudar um transtorno é necessário nomeá-lo e descrevê-lo. O protocolo
atual que autoriza a classificação dos transtornos mentais é o Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, da Aamerican Psychiatric Association,
mais conhecida como DSM- IV (MYERS, 2006, p.453).
Myers (2006, p.453) também afirma que a DSM- IV define dezessete
maiores categorias para os transtornos mentais, descrevendo e listando sua
prevalência sem presumir a explicação de suas causas.
165
Ninguém é completamente sadio ou completamente doente, em termos
psíquicos. “Se formos classificar as pessoas de acordo com seu grau de saúde
mental, teríamos das mais sádicas às mais doentes, passando por todos os
níveis intermediários, e não seria possível definir onde termina a saúde e onde
começa o transtorno psicológico” (ROCHA, 2005, p. 84).
Os
colaboradores
não
adquirem
estes
transtornos
psicológicos
involuntariamente, e, na seção seguinte, serão observados os fatores que
desencadeiam os mesmos e também o que proporcionam aos funcionários das
organizações.
2 Os transtornos psicológicos e seus fatores impulsionadores
Ao longo do segundo capítulo serão tratados os fatores que impulsionam
a manifestação dos transtornos nas pessoas, as doenças psicológicas que
mais ocorrem nas organizações, o comportamento dos mesmos quando
afetados e suas consequências no ambiente organizacional.
2.1A manifestação dos transtornos psicológicos nos colaboradores
Desde a antiguidade são conhecidos os impactos do ambiente de
trabalho na saúde física e mental do trabalhador. Porém, foi na metade do
século passado que a medicina preventiva, a conscientização dos envolvidos, o
surgimento de órgãos regulamentadores e por consequência as leis de
proteção ao trabalhador começaram a ter medidas eficazes na proteção dos
mesmos e prevenção a estes agravos.
Analisando os principais riscos que influenciem o desencadeamento ou
agravamento de distúrbios psíquicos nos trabalhadores, Guimarães e Grubits
(2004, p. 157) denominam como riscos ocupacionais os agentes físicos,
químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos que no ambiente de trabalho
possam produzir danos à saúde do trabalhador.
As pressões do ambiente de trabalho e os problemas pessoais das
pessoas são fatores que influenciam no comportamento dos colaboradores na
empresa. De acordo com Assis (2005, p.8):
As pressões e desafios que enfrentamos em nossas vidas
são traduzidos para nosso mundo interior de diferentes
formas, modificando nossas percepções e conturbando de
alguma maneira nosso equilíbrio interno.
166
Além das eventualidades de nosso trabalho e vida particular, temos
outros fatores psicossociais que influenciam em nossas vidas. Segundo
Guimarães e Grubits (2004, p. 257): outros fatores psicossociais, como
congestionamento, insegurança social, criminalidade e poluição também
interferem no bem estar da população, e os menos favorecidos socialmente,
pagam maior ônus em termos de saúde física e mental.
Dentre os variados fatores que podem desencadear transtornos
psicológicos, podemos destacar também o assedio moral. Conforme Bock,
Furtado e Teixeira (2008, p. 256): o assedio moral não é uma doença
ocupacional, mas uma forma de pressão que pode ser exercida por aqueles
que ocupam cargos de hierarquia mais alta. Evidentemente é exercida por
chefes ou colegas não muito escrupulosos.
Os colaboradores quando estão com algum tipo de transtorno
psicológico apresentam características que não são sadias para suas vidas.
Conforme Guimarães e Grubits (2004, p.25), é evidente que se a saúde mental
estiver comprometida vai desempenhar significativo papel na diminuição do
funcionamento imune, no desenvolvimento de doenças e na morte prematura.
Uma definição largamente aceita sobre comportamento anormal são
padrões de emoção, pensamento e ação. Revela-nos Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 530) quatro padrões básicos de comportamentos:
1- Raridade estatística: maneira de julgar quando o comportamento
de uma pessoa é anormal é comparar sua frequência com a ocorrência de
outros comportamentos.
2- Incapacidade ou disfunção: uma pessoa é considerada anormal
se suas emoções, pensamentos ou ações interferir em suas habilidades de
funcionar normalmente em sua vida e em sociedade. Incapacidade ou
disfunção é o primeiro critério para a identificação do uso anormal de drogas.
3- Angústia pessoal: em vez de confiar em uma medida estatística
objetiva ou na evidência de uma incapacidade, os profissionais de saúde
mental preferem usar seu próprio julgamento individual dos níveis de
funcionamento.
4- Violação de normas: este último parâmetro é baseado nas normas
sociais, regras culturais que guiam o comportamento em situações
167
particulares. Comportamentos que violam normas sociais ou ameaçam
outras pessoas podem ser consideradas anormais.
Para complementar os padrões básicos do comportamento, Huffman,
Vernoy e Vernoy (2003, p. 531) afirmam que o comportamento anormal só
pode ser compreendido nos termos relativos à cultura em que ele está inserido.
Acrescenta também que há sintomas ligados à cultura que são encontrados
unicamente em culturas particulares, e sintomas culturalmente universais, que
são encontrados em todas as culturas.
Estudos apontam que um nível baixo de autoestima é um dos fatores
causadores de transtornos psicológicos e fisiológicos nos colaboradores.
Guimarães e Grubits (2004, p. 104) afirmam que tal estudo serve para maior
conhecimento da função moderada da auto-estima em relação aos estressores
no trabalho e seus resultados individuais e também aferir o quanto uma pessoa
e mais ou menos vulnerável ao stress.
Como percebido, o trabalho quando não bem estruturado e gerenciado
gera aos colaboradores quadros negativos para sua saúde física e mental.
Galafassi (1999, p.12) nos recorda: “a doença do trabalho é aquela
desencadeada ou adquirida em função das condições especiais em que o
trabalho é realizado”.
Na sequência serão notados os transtornos que mais agravam as
organizações do século XXI e consequentemente o que os mesmos trazem à
vida das pessoas.
2.2 Os transtornos mentais mais ocorridos nas organizações
Segundo Ito, Poleto e Silva (2010, p. 21), dentre as doenças mentais do
trabalho, encontram-se a esquizofrenia, síndrome de Burnout, transtorno
bipolar, depressão maior, exaustão emocional, alcoolismo, TOC (Transtorno
Obsessivo Compulsivo), entre outras, e que as mais ocorrentes nos ambientes
organizacionais são: Síndrome de Burnout, Exaustão Emocional, Depressão e
alcoolismo.
2.2.1 Síndrome de Burnout
Burnout é um termo bastante antigo, que no popular inglês se refere a
aquilo que parou de funcionar por absoluta falta de energia. Conforme Cordes
168
& Dougherty (1993, s.p. apud ITO; POLETO; SILVA, 2010, p. 22), a síndrome
de Burnout possui como um de seus principais sintomas a falta de animo para
a realização se suas funções, originado por pressões de superiores,
competitividade profissional ou por si próprio.
O termo Síndrome de Burnout foi desenvolvido na década de 70 nos
Estados Unidos por FREUNDERBERGER. Conforme Guimarães e Grubits
(204, p. 43), ele observou que muitos voluntários com os quais ele trabalhava
vinham apresentando gradualmente desgaste do humor e ou desmotivação.
Esse processo durava por volta de um ano e era acompanhado a sintomas
físicos e psíquicos que denotavam um particular estado de estar exausto.
O desenvolvimento do conceito de Síndrome de Burnout apresenta duas
fases em sua evolução histórica. Segundo Guimarães e Grubits (2004, p. 44):
[...] uma fase pioneira, onde o foco esteve na descrição
clinica da síndrome de ‘Síndrome de Burnout’, e uma fase
empírica em que se sistematizaram as distintas
investigações para assentar a descrição conceitual do
fenômeno.
Na década de setenta foi desenvolvido o termo síndrome de Burnout a
partir da suposição que existe uma tendência individual na sociedade moderna
a incrementar a pressão e estresse ocupacional, sobretudo nos serviços
sociais. Conforme Cherniss, (1980, s.p. apud GUIMARÃES; GRUBITS, 2004,
p. 44): os profissionais ligados a atendimento de pessoas doentes,
necessidades ou carência material deveriam resolver mais problemas e,
portanto, se produziria neles um conflito entre a mística profissional, a
satisfação ocupacional e a responsabilidade frente ao cliente.
Na década de oitenta as investigações sobre a síndrome se deram nos
Estados Unidos e, posteriormente, o conceito começou a ser investigado em
outros países do mundo. De acordo com Maslach e Schaufeli (1993, s.p apud
GUIMARÃES; GRUBITS 2004, p. 44), em cada país se adotou e aplicou o
instrumento utilizado nos Estados Unidos, especialmente o Maslach Burnout
Inventory de Maslach e Jackson.
Foi concluído através de estudo que não existe acordo sobre a
evolução da síndrome de Burnout. Conforme Golembieswsky e Munzenrider
(1998, s.p apud GUIMARÃES; GRUBITS, 2004, p. 47), existem oito possíveis
169
combinações para a síndrome, sendo a primeira fase a despersonalização,
logo a reduzida realização pessoal e finalmente o esgotamento emocional.
Uma segunda alternativa é que as dimensões se desenvolvam de forma
simultânea, mas independentemente.
2.2.2 Exaustão emocional
O ambiente de trabalho é um fator importante no desencadeamento da
exaustão emocional, mas também e certo destacar que o ambiente externo,
como a família, pode também impulsionar o mesmo.
Existem aspectos negativos ao trabalhador chamados retaliação
organizacional, que acarretam consequências improdutivas no trabalho. De
acordo com Mendonça e Tamayo (2008, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA,
2010, p. 23), a retaliação organizacional é definida como represália, desforra ou
desagravo. No Brasil ainda não há casos empíricos sobre este evento, porém
acredita-se que é uma das causas de prejuízos monetários às organizações de
trabalho. Mendonça e Tamayo (2008, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA, 2010,
p. 23) ainda complementam que:
A retaliação organizacional ocorre de maneira notória ou
sutil. Na maioria das vezes, de maneira sutil, por exemplo,
ações de colegas, superiores ou subordinados para
impedir o bom desempenho organizacional.
O bem- estar nas organizações tende a ser igualitárias para os homens
e as mulheres com intuito de melhor produtividade e qualidade de vida nas
organizações. Porem não é isso que ocorre hoje nas empresas. Conforme
Caetano e Estrada, (2006, s.p apud ITO; POLETTO; SILVA, 2010, p. 23), em
várias observações foi constatado que pessoas do sexo masculino possuem o
nível de bem- estar subjetivo mais elevado que o das mulheres. Constatou
também que entre as enfermeiras e professoras, a exaustão foi maior nas
mulheres mais jovens.
A propensão à exaustão emocional é maior quando há maior carga
horária. Outros valores também são interferentes à esse transtorno como
valores organizacionais de autonomia, conservação, estrutura igualitária e
harmonia.
170
2.2.3 Transtorno Depressivo Maior
A depressão é uma das doenças emocionais que causam mais danos a
saúde do colaborador, pois pode causar danos a sua vida pessoal e
profissional. Segundo a definição de CID (1993, s. p. apud GUIMARÃES;
GRUBITS, 2004, p.131),
O episodio depressivo caracteriza-se pelo “humor
deprimido”, perda de interesse e prazer, e energia
reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada,
atividade diminuída e cansaço após esforços leves. De
acordo com sua gravidade é subdividida em leve,
moderado e grave. Quanto ao desempenho no trabalho e
o grau de incapacidade laborativa, geralmente na forma
leve, o individuo poderá apresentar uma acentuada queda
de rendimento, embora consiga permanecer no trabalho,
sendo a duração mínima em torno de duas semanas. Nos
episódios de moderado e grave, espera-se que a
dificuldade para o desempenho profissional esteja
seriamente comprometida, ocorrendo, na maioria das
vezes, um afastamento do trabalho.
A depressão tem sido registrada desde o Egito Antigo, quando a mesma
era chamada de melancolia e tratada por padres. Conforme Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 545), a maioria das pessoas se sente “para baixo” algumas
vezes, especialmente após perder o emprego, no final de relacionamentos
amorosos, ou com a morte de algum ente querido. Completa que pessoas que
sofrem desse transtorno, contudo, podem sentir depressão contínua e
duradoura sem que se possa identificar um motivo ou evento ou evento
causador da depressão.
Assim, como a ansiedade é uma resposta às ameaças ou perdas
futuras, a depressão geralmente é uma resposta ao passado e a perdas atuais.
Segundo Myers (2006, p. 461): a depressão é uma forma de hibernação
psíquica, ela nos torna lentos, evita a atração de predadores, restringe esforços
supérfluos e evoca ajuda.
Quando um indivíduo está gripado, a tosse, vômitos e varias
manifestações de dor, apesar de desagradáveis, protegem o corpo de toxinas
perigosas. Sob essa perspectiva há sentido em sofrer quando o estagio de
depressão se manifesta em alguém. Confirma Myers (2006, p. 461): parar
171
temporariamente e ruminar, como as pessoas deprimidas fazem, é uma
maneira de uma pessoa acessar novamente a vida quando se sente ameaçada
e redirecionar a energia em caminhos mais promissores.
2.2.4 Transtorno Bipolar
Com ou sem terapia, os transtorno depressivos podem acabar ou serem
tratados, e a pessoa retorna, temporariamente ou permanentemente, aos seus
padrões prévios de comportamento. Conforme Myers (2006, p. 462): algumas
pessoas têm um rebote para o extremo emocional oposto, um episódio
maníaco de euforia, profundo otimismo e hiperatividade. Se estar em
depressão é viver em câmera lenta, a mania é o oposto, a velocidade
acelerada. Completa que esta transição de comportamento sinaliza um
transtorno bipolar.
As atitudes das pessoas com transtorno bipolar são variáveis e de
acordo com o momento do emocional que a mesma está vivendo. Segundo
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 546):
Durante o episódio maníaco, a pessoa fica superexcitada,
extremamente ativa e distraída. O individuo exibe uma
auto estima irreal e um exagerado senso de importância,
até mesmo delírios de grandeza. Ela pode elaborar planos
para ficar famoso ou rico. O individuo hiperativo pode ficar
sem dormir por dias sem se sentir cansado. O
pensamento torna-se acelerado e ele pode mudar
abruptamente de assunto, mostrando uma “fuga de
ideias”. A fala também se torna acelerada (“fala
comprimida”) e torna- se difícil entender as palavras no
final das frases. O julgamento prejudicado também é
comum: a pessoa talvez dê suas coisas de valor ou passe
por um frenesi de gastos.
Episódios maníacos podem durar alguns dias ou meses e geralmente
acabam bruscamente. De acordo com Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p.
546): o humor maníaco anterior, estilo rápido de pensamento e fala e a
hiperatividade são revertidas, e o episódio seguinte de depressão pode durar
até três vezes mais que o episódio maníaco. Conclui ainda que o risco de um
transtorno bipolar durar a vida inteira é baixo, mas esse pode ser um dos
transtornos mais debilitantes e letais.
172
2.2.5 Transtorno obsessivo compulsivo (TOC)
Obsessões são pensamentos não desejados, enquanto as compulsões
são ações que o indivíduo sente-se forçado a tomar. Huffman, Vernoy e Vernoy
(2003, p. 541) introduzem: transtornos obsessivos- compulsivos (TOC) são
caracterizados pela ansiedade difusa criada pela intrusão recorrente e
incontrolável de pensamentos (obsessões) e impulsos irresistíveis de realizar
rituais sem sentido (compulsões).
As pessoas têm o costume de confundir às vezes atitudes que as
consideram como transtorno obsessivo compulsivo, como desligar o gás antes
de sair de casa. Porém o TOC é de uma vertente muito maior. Segundo
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 541):
A diferença entre TOC e as formas mais amenas de
compulsão é que comportamentos TOC são muito mais
extremos, parecem irracionais a qualquer pessoa e
interferem consideravelmente na vida diária. Indivíduos
com TOC podem algumas vezes lavar as mãos centenas
de vezes ao dia ou passar horas executando rituais sem
sentido de organização e limpeza.
Os pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos cruzam a
tênue fronteira entre a normalidade e o transtorno quando se tornam
persistentes e interferem no nosso estilo de vida ou quando causam
perturbações. Conforme Myers (2006, p. 457): os pensamentos obsessivos
tornam- se tão frequentes, e os rituais compulsivos tão sem propósito,
consumindo tanto tempo, que o funcionamento normal se torna impossível.
2.2.6 Esquizofrenia
Se a depressão é a gripe dos transtornos psicológicos, a esquizofrenia
crônica é o câncer. De acordo com Organização Mundial da Saúde (2002, s. p.
apud MYERS, 2006, p. 470), aproximadamente uma em cada cem pessoas vai
desenvolver esquizofrenia, juntando-se aos 24 milhões ao redor do mundo que,
segundo se estima, sofrem do mais terrível transtorno mental da humanidade.
Completa
ainda
que
geralmente
acomete
os
jovens
quando
estão
amadurecendo para a idade adulta, não tem fronteiras nacionais e afeta
igualmente os homens e as mulheres.
173
Todos os transtornos que abordamos até agora causam uma angustia
considerável, mas muito dos sofredores ainda podem viver normalmente. No
entanto, a esquizofrenia é uma forma de psicose, um termo que descreve uma
falta generalizada de contato com a realidade. Relata Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 551), pessoas com este transtorno adquirido têm sérios
problemas para cuidar de si mesmos, relacionarem com os outros e manter um
emprego. Em casos extremos, por causa da falta de contato com a realidade,
as pessoas com esquizofrenia podem requerer cuidados institucionais ou
custódia.
Uma pessoa que é vitima de esquizofrenia pode perceber coisas que
não estão no lugar. Essas alucinações geralmente são auditivas. Podem ouvir
vozes que lhe fazem afirmações insultuosas ou dão ordens. Estas vozes
desestimulam os pacientes com o distúrbio. De acordo com Myers (2006, p.
471), esse tipo de alucinação tem sido comparado com sonhos que ocorrem
dentro da consciência acordada, e quando o irreal parece real as percepções
resultantes são de bizarras a horripilantes.
As
emoções
da
esquizofrenia
geralmente
são
grosseiramente
inapropriadas. Afirma-nos Myers (2006, p. 471 que o comportamento motor
pode parecer impróprio, as pessoas podem fazer atos compulsivos sem
propósito e os que exibem catatonia podem permanecer sem movimento por
horas e em seguida se tornar agitados.
Temos descrito a esquizofrenia como uma doença apenas, mas na
verdade trata-se de um aglomerado de outras doenças. Os subtipos
compartilham alguns aspectos, mas também apresentam alguns sintomas que
os distinguem. Segundo Myers (2006, p. 471):
[...] pacientes esquizofrênicos que apresentam sintomas
positivos
podem
experimentar
alucinações,
ser
geralmente desorganizados e delirantes em seu discurso,
e podem também exibir risos, lágrimas e raiva
inapropriados. Os que têm sintomas negativos
apresentam voz sem entonação, face inexpressiva ou
mutismo e corpo rígido. Assim sendo, os sintomas
positivos
se
caracterizam
pela
presença
de
comportamentos inapropriados, e os negativos pela
ausência de comportamentos adequados.
174
Estudos apontam várias teorias que explicam a esquizofrenia. Huffman,
Vernoy e Vernoy (2003, p. 553) relatam: teorias biológicas enfatizam mudanças
físicas no sistema nervoso ou predisposição hereditária. Teorias psicossociais
focam o estresse e os distúrbios familiares.
2.2.7 Alcoolismo
Em 1956, a Associação Medica Americana, declarou que o alcoolismo é
uma doença, e em 1960 essa concepção passou a ser aceita no mundo inteiro.
Segundo Dejours (1990, s.p. apud VAISSMAN, 2004, p.22):
O consumo de álcool pode de alguma maneira, ser
promovido ao status de defesa coletiva, praticamente
indissociável da profissão, contra outros sofrimentos que
são difíceis de combater de modo diferente. Ele aponta
que o alcoolismo é um comportamento alimentar e não
uma defesa mental, sendo que o consumo de álcool pode
ser uma confrontação com a organização do trabalho por
parte dos trabalhadores, em relação às ideologias
defensivas do ofício.
O abuso de substancias ocorre quando a droga interfere nas funções e
ocupações sociais da pessoa. Conforme Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p.
562): uma pessoa é considerada abusiva no álcool se estiver frequentemente
intoxicada ou intoxicada todo dia, se for incapaz de parar de beber, ou se o
álcool causar comportamento instável, impulsivo ou agressivo.
Embora o consumo por drogas ilícitas, como a maconha e cocaína,
tenham uma atenção considerável, o abuso do álcool é o principal problema
relacionado a drogas e cria dificuldades sociais e pessoais enormes. Segundo
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 562), o alcool causa diretamente ou está
associado a mais de 100 mil mortes a cada ano. Ele contribui para a violência
domestica e abuso infantil; é a principal causa conhecida de retardo mental e é
o problema psiquiátrico mais comum em homens.
A causa do alcoolismo é enfatizada por teóricos da aprendizagem que
dizem que o álcool é um poderoso reforçador. Confirma Huffman, Vernoy e
Vernoy (2003, p. 562): ele reduz o estresse, modera a tensão e ansiedade e o
seu uso é socialmente condicionado em nossa cultura. Completa que outros
autores atribuem a doença a fatores genéticos, citando evidencias de o
problema está presente em famílias biológicas.
175
2.3
As
características
do
ambiente organizacional
afetado pelos
distúrbios mentais
As questões ligadas à saúde mental do trabalhador tem sido crescente
objeto de estudo, principalmente pelas suas altas incidências e a sua
repercução na vida das pessoas e nas organizações. De acordo com
Guimarães e Grubits (2004, p.26), estes transtornos trazem sérios prejuízos ao
desenvolvimento profissional dos trabalhadores e perdas econômicas para as
organizações.
A doença raramente é bem vista durante o trabalho. Relata-nos
Sampaio, Galasso e Ribeiro (2009, p. 128) que para o empregador, a doença
significa queda de produtividade, comprometimento nos resultados da
empresa, necessidade de rever condições, processo de trabalho, problemas
com sindicatos e pressão da fiscalização, além do comprometimento da
imagem da empresa junto à comunidade e à opinião pública.
Uma vez que o colaborador encontra-se em estado normal em seu
ambiente de trabalho, a parte parassimpática do sistema nervoso autônomo
tende a diminuir a frequência cardíaca e a pressão sanguínea, enquanto os
músculos do estomago e intestinos se movimentam mais rápido. Conforme
Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 470): sob condições de estresse, a parte
simpática do sistema nervoso autônomo assume o controle. Aumenta a
frequência cardíaca, pressão sanguínea, respiração e tensão muscular, diminui
o movimento dos músculos do estômago, contrai vasos sanguíneos e libera
hormônios como a epinefrina e cortisol.
Na vida das organizações é comum as consequências causadas por
colaboradores com quadros patológicos. De acordo com Sampaio, Galasso e
Ribeiro (2009, p.128): os desdobramentos mais frequentes dentro da empresa,
quando surgem queixas psicossomáticas, são queda de produção, despesas
médicas e administrativas sem retorno, clima interpessoal negativo, indicação
de problema pessoal e diagnostico de problemas.
Com relação aos transtornos psicológicos e os resultados
negativos que ele traz ao trabalho, Pereira (2002, p. 71) relata que:
As consequências físicas e pessoais são as relatadas no
item referente a sintomas, ocasionando prejuízos não só
176
pessoais, mas também no trabalho, assim como sociais e
organizacionais, pela diminuição na qualidade do
trabalho, faltas constantes, diminuição da produtividade e
acidentes de trabalho entre outros.
Inúmeros estudos têm enfatizado o prejuízo no desempenho individual
e o impacto socioeconômico desencadeado pela depressão. Guimarães e
Grubits (2004, p. 133) nos transcrevem que em uma pesquisa realizada por
Wells (1989) e Stuart (1988), concluíram que essa enfermidade causa um
prejuízo muito maior ao desempenho individual físico, profissional e social do
que a hipertensão arterial, o diabetis melittus, os distúrbios gastrointestinais,
pulmonares, ortopédicos e cardíacos. Ainda, completam dizendo que quanto ao
impacto socioeconômico, são amplamente conhecidos os altíssimos custos
diretos e indiretos atribuídos à depressão que podem levar ao absenteísmo, à
queda de produtividade no trabalho, e também à hospitalização, consultas
laboratoriais e uso de medicamentos.
O absenteísmo é a frequência e/ou duração do tempo de tempo de
trabalho perdido quando os colaboradores não comparecem ao trabalho.
Segundo Chiavento (2010, p. 88), as causas e consequências do absenteísmo
foram intensamente estudadas através de pesquisas que mostram que o
mesmo é afetado pela capacidade profissional das pessoas e pela sua
motivação para o trabalho, além de fatores internos e externos ao trabalho.
Completa ainda Chiavenato (2010, p. 88):
A capacidade de assiduidade ao trabalho pode ser
reduzida por barreiras à presença, como doenças,
acidentes, responsabilidades familiares e particulares e
problemas de transporte para o local de trabalho. A
motivação para a assiduidade é afetada pelas práticas
organizacionais (como recompensas à assiduidade e
punições ao absenteísmo), pela cultura de ausência
(quando faltas ou atrasos são considerados aceitáveis ou
inaceitáveis) e atitudes, valores e objetivos dos
empregados.
Quando os colaboradores encontram-se em situações estressoras,
raramente entram em ação, então logicamente não têm a necessidade de
aumentar a frequência cardíaca, pressão sanguínea e níveis hormonais. Como
177
nos relata Huffman, Vernoy e Vernoy (2003, p. 471): a resposta de fuga ou luta
aos fatores estressores causam mudanças fisiológicas que, no final das contas,
podem ser prejudiciais à saúde, contribuindo para doenças graves, como as
cardíacas e o câncer.
É de suma importância para os gestores e as empresas terem a ciência
dos fatores causadores de transtornos psicológicos nas organizações, porém,
maior ainda é terem conhecimento das ferramentas no combate a estes
transtornos psicológicos do dia a dia. Tais assuntos serão explanados de forma
sintética na seção seguinte.
3 Métodos e instrumentos de prevenção aos transtornos psicológicos
Na explanação dessa terceira seção serão abordados os métodos e
instrumentos de prevenção aos transtornos psicológicos e os benefícios para
as empresas em manter a saúde ocupacional sob controle.
3.1 A qualidade de vida no trabalho como objeto da saúde mental
Muito se fala em qualidade nas empresas, seja nos produtos, nos
serviços prestados ou
nos processos desenvolvidos.
Existem muitos
programas que visam a qualidade de vida das pessoas, bem como em seu
ambiente de trabalho ou fora, nos seus momentos de tempo livre e lazer.
A saúde ocupacional vem sendo estudada a muito tempo e assume
maior relevância na década de 70. De acordo com Guimarães e Grubits (2004,
p. 210), quando ocorre um esgotamento da organização de trabalho
taylorista/fordista, no qual ocorreu um aumento de absenteísmo, da
insatisfação do trabalho e do não cumprimento das metas estabelecidas,
predomina o modelo japonês de organização de trabalho para tentar superar
essa realidade e adquirir um controle importante da vida extraprofissional pela
rigorosa utilização do tempo a serviço da organização.
Todo gestor de empresa já se deparou ou até mesmo utilizou o clichê “
os colaboradores são o ativo mais importante da empresa e portanto devem
ser tratados com a valorização de suas capacidades”. Isso é verdade, porém
nem sempre é praticado nas organizações.Segundo Boog e Gustavo (2002, p.
404), a verdadeira Administração pressupõe que, para ter sucesso, os gestores
178
precisam garantir que seus empregados possuem boas condições de vida no
trabalho.
Tal afirmação, contudo, parece contraditória se analisarmos sob a ótica
do atual ambiente empresarial. O acirramento da competição proporcionado
pela globalização dos mercados e a complexidade e a diversidade das
situações com as quais as empresas precisam lidar parecem não combinar
com o bem- estar e qualidade de vida no trabalho. De acordo com Yuzuru
(2002, s. p. apud BOOG; GUSTAVO, 2002, p. 404) o senso comum nos leva a
acreditar que em situações de competição extrema, crises e mudanças
constantes o único caminho possível parece ser “apertar ainda mais o cinto”,
exigindo-se mais de cada um em nome de metas de produtividade que possam
garantir a sobrevivência da empresa.
Atualmente, o conceito de QVT envolve tanto os aspectos físicos e
ambientais como os aspectos psicológicos do ambiente de trabalho. Conforme
Chiavenato (1999, p. 391) há em qualidade de vida duas posições antagônicas,
onde de um lado, a reivindicação dos empregados quanto ao bem estar e
satisfação no trabalho, e do outro, o interesse das organizações quanto aos
seus efeitos potenciais sobre a produtividade e a qualidade.
A qualidade de vida no trabalho (QVT) representa o grau em que os
membros da organização são capazes de satisfazer a suas necessidades
pessoais com sua atividade na organização. Segundo Chiavenato (2008, p.
366):
A qualidade de vida no trabalho envolve uma constelação
de fatores, como: a satisfação com o trabalho executado,
possibilidades de futuro na organização, reconhecimento
pelos resultados alcançados, o salário percebido,
benefícios auferidos, relacionamento humano dentro do
grupo e da organização, ambiente psicológico e físico de
trabalho, liberdade de decidir, possibilidades de participar
e coisas assim. A QVT envolve não somente os aspectos
intrínsecos do cargo, como todos os aspectos extrínsecos
e contextuais. Ela afeta atitudes pessoais e
comportamentos importantes para a produtividade, como:
motivação para o trabalho, adaptabilidade e flexibilidade
às mudanças no ambiente de trabalho, criatividade e
vontade de inovar.
179
O desempenho no cargo e o clima organizacional representam fatores
importantes na determinação da QVT. De acordo com Chiavenato (1999, p.
392), se a qualidade do trabalho for pobre, conduzirá o colaborador a alienação
do trabalho, à insatisfação, à má vontade, ao declínio da produtividade e a
comportamentos contraproducentes. Ao contrário, conduzirá o mesmo a um
clima de confiança e respeito mútuo, no qual o individuo tenderá a aumentar
suas contribuições e elevar suas oportunidades de êxito psicológico e
administração tenderá a reduzir mecanismos rígidos de controle social.
A qualidade de vida é, sem discussão, de fundamental importância
para as organizações. Conforme Guimarães e Grubits (2004, p. 216), a vida
ocupacional é uma instancia na qual as pessoas durante a fase adulta passam
uma
quantidade
de
tempo
considerável.
O
local
de
trabalho
é
consequentemente um cenário propício para a promoção do bem-estar
emocional, para a prevenção de agravos à saúde mental, e para impedir que
os problemas de saúde mental existente se agravem.
Não
somente
manter a qualidade de vida nas organizações se torna necessários para o não
desencadeamento de transtornos do psicológico. Há também métodos e
instrumentos na prevenção dos mesmos e estes serão discutidos a seguir.
3.2 Métodos e instrumentos preventivos na obtenção do bem- estar dos
funcionários
A partir da década de 70 foram desenvolvidos mais amplamente os
programas de prevenção a saúde do trabalhador. Não somente à saúde
mental, mas também a saúde física dos mesmos. De acordo com Galafassi
(1999, p. 19), a educação do funcionário na prevenção de doenças é
imprescindível nas organizações para um bom resultado.
A prevenção de doenças começa desde o exame ocupacional exigido
nas empresas, onde o médico avalia os colaboradores. Conforme Galafassi
(1999, p.72), ao contrario do que se pratica em algumas empresas, o exame
admissional não deve consistir na inclusão do candidato sadio e a exclusão do
menos saudável, e sim no conhecimento prévio da atividade que irá exercer
sem prejudicar sua saúde e a dos demais colegas.
Os programas de bem-estar são geralmente adotados por organizações
que procuram prevenir problemas de saúde de seus funcionários. Para
180
Chiavenato (1999, p. 393), o caráter profilático desses programas parte do
reconhecimento de seu efeito sobre o comportamento dos funcionários e estilo
de vida fora do trabalho, encorajando as pessoas a melhorarem seu estilo de
vida. Completa que um programa de bem-estar tem geralmente três
componentes: ajudar os colaboradores a identificar riscos potenciais de saúde,
educar os mesmos a respeito de riscos de saúde e encorajar os funcionários a
mudar seu estilo de vida através de exercícios físicos, boa alimentação e
monitoramento da saúde.
A importância das necessidades humanas varia conforme a cultura de
cada indivíduo e de cada organização. Conforme Chiavenato (1999, p. 392), a
qualidade de vida não é determinada apenas pelas características individuais
(necessidades, valores, expectativas) ou situacionais (estrutura organizacional,
tecnologia, sistemas de recompensas, políticas internas), mas, sobretudo pela
atuação sistêmica dessas características individuais e organizacionais. Por
esta razão, vários autores apresentam modelos de qualidade de vida no
trabalho para alcançar o bem estar dos colaboradores. Chiavenato (1999, p.
392) revela-nos os três modelos mais importantes:
Modelo de QVT de Nadler e Lawler, onde os mesmos fundamentam a
QVT em quatro aspectos:
1- A participação dos funcionários nas decisões;
2- Reestruturação do trabalho através do enriquecimento de tarefas
e de grupos autônomos de trabalho;
3- Inovação no sistema de recompensas para influenciar o clima
organizacional;
4- Melhoria no ambiente de trabalho quanto a condições físicas e
psicológicas, horário de trabalho e etc.
Modelo de QVT de Hackman e Oldhan, onde apresentam modelo de
QVT dedicada ao desenho de cargos. Para eles, as dimensões do cargo
produzem estados psicológicos críticos que conduzem a resultados pessoais e
de trabaho que afetam a QVT. As dimensões são:
1- Variedade de habilidades: o cargo deve ter varias e diferentes
habilidades, conhecimento e competência das pessoas.
181
2- Identidade da tarefa: o trabalho deve ser realizado do inicio até o
fim, para que o colaborador possa perceber que produz um resultado
palpável.
3- Significado de tarefa: a pessoa deve perceber como o seu
trabalho produz consequências e impactos sobre o trabalho de seus
colegas.
4- Autonomia: a pessoa deve ter responsabilidade pessoal para
planejar e executar suas tarefas, autonomia e independência para
desempenhá-las.
5- Retroação do próprio trabalho: a tarefa deve proporcionar
informação de retorno à pessoa para que ela própria possa avaliar seu
desempenho.
6- Retroação extrínseca: deve haver retorno proporcionado pelos
sueriores hierárquicos ou clientes a respeito do desempenho na tarefa.
7- Inter- relacionamento: a tarefa deve possibilitar contato inter
pessoal do ocupante com outras pessoas ou com clientes internos ou
externos.
As dimensões do cargo são determinantes da QVT pelo fato de
oferecerem recompensas intrínsecas que produzem à satisfação no cargo e
automotivam as pessoas para o trabalho.
Modelo de QVT de Walton, onde o mesmo diz que existem oito fatores
que afetem a QVT:
1- Compensação
justa
e
adequada:
a
justa
distributiva
de
compensação depende da adequação da remuneração ao trabalho que a
pessoa realiza, da equidade interna e da equidade externa.
2- Condições de segurança e saúde no trabalho: envolvendo as
dimensões jornada de trabalho e ambiente físico adequado à saúde e bemestar da pessoa.
3- Utilização e desenvolvimento de capacidades: proporcionar
oportunidades de satisfazer as necessidades de utilização de habilidades e
conhecimentos do trabalhador, desenvolver sua autonomia, autocontrole e
obter informações sobre o processo total do trabalho.
182
4- Oportunidades
de
crescimento
contínuo
e
segurança:
proporcionar possibilidades de carreira na organização, crescimento e
desenvolvimento pessoal e segurança no trabalho de forma duradoura.
5- Integração social na organização: eliminação de barreiras
hierárquicas marcantes, apoio mútuo, franqueza interpessoal e ausência de
preconceito.
6- Constitucionalismo: refere-se ao estabelecimento de normas e
regras da organização, direitos e deveres do trabalhador, recursos contra
decisões arbitrarias e um clima democrático dentro da organização.
7- Trabalho e espaço total de vida: o trabalho não deve absorver
todo o tempo e energia do trabalhador em detrimento de sua vida familiar e
particular, de seu lazer e atividades comunitárias.
8- Relevância social da vida no trabalho: o trabalho deve ser uma
atividade social que proporcione ao trabalhador orgulho de participar de tal
organização. A organização deve ter uma atuação e uma imagem perante a
sociedade.
Uma das formas de tornar o ambiente organizacional agradável e
equilibrado é o uso da música. Uma ferramenta pouco usada e bastante
eficiente é a chamada âncora sonora. De acordo com Boog e Gustavo (2002,
p. 543), trata-se de um som ou uma música que, quando executada, estimula o
indivíduo imediatamente. Se for bem ancorada, essa musica ou som servirá
para agrupar as pessoas para inícios de trabalho ou retornos de intervalos ou
até mesmo se em um determinado momento do trabalho for preciso haver
algum tipo de rodízio, algum jogo ou dinâmica com varias fases. Assim que
tocar a música preestabelecida, as pessoas geralmente se movimentam no
ritmo da música, e neste momento é responsabilidade do facilitador estipular o
ritmo (energia) que ele deseja obter na sequência do trabalho.
Muitos programas de bem- estar são baratos, como o fornecimento de
informações sobre as calorias do cardápio diário do refeitório, e o nível de
calorias exigido pelo organismo humano. Relata Chiavenato (1999, p. 394), que
há outros programas mais caros, como as salas de fitness centers da IBM. O
programa de bem- estar da Xerox inclui fitness centers, instrutores de
exercícios físicos, educação sobre tabagismo, abuso de substâncias químicas,
183
controle de peso e da alimentação, alem de instalações de ginástica, piscinas e
pistas de corrida.
Uma vida saudável proporciona ao colaborador o bem- estar exigido
pelo seu organismo e proporciona a terceiros, como as organizações, o melhor
aproveitamento destes colaboradores para a empresa. Tais ganhos vão ser
explicitados a seguir.
3.3 Benefícios em manter a saúde ocupacional nas organizações
A saúde e segurança das pessoas constituem uma das principais
bases para a preservação da força de trabalho adequada. Conforme
Chiavenato (2008, p. 348), higiene e segurança do trabalho constituem duas
atividades intimamente relacionadas no sentido de garantir condições pessoais
e materiais de trabalho capazes de manter certo nível de saúde dos
empregados. Completa o mesmo que saúde é um estado de bem estar físico,
mental e social e que não consiste apenas na ausência de doença ou
enfermidade.
A higiene do trabalho ou higiene industrial tem caráter eminentemente
preventivo, pois objetiva a saúde e o conforto do trabalhador, evitando que o
mesmo adoeça e se ausente provisória ou definitivamente do trabalho. Dentre
os principais objetivos em se manter a higiene do trabalho, Chiavenato (2008,
p. 349) relata:
- Eliminação das causas das doenças profissionais; redução dos efeitos prejudiciais provocados pelo trabalho
em pessoas doentes ou portadoras de defeitos físicos; prevençãode agravamento de doenças e de lesões; manutenção da saúde dos trabalhadores e aumento da
produtividade por meio de controle do ambiente de
trabalho.
Trabalhando em uníssono, em prol de uma única visão, a empresa se
fortalece e o coletivo ganha força junto a cada individuo. Gustavo e Boog
(2002, p. 406) afirmam que, para atingir a produtividade ideal, uma equipe
precisa estar totalmente sincronizada, e a mesma é adquirida através da
harmonia entre seus membros e o ambiente que os circundam. Ainda
complementam que neste contexto a qualidade de vida se torna mais
184
importante do que nunca, visto que, a manutenção das condições de trabalho é
necessária para a produtividade da empresa e que é de responsabilidade do
gestor criar um “ecossistema” em que as pessoas se sintam bem, dando- lhes
a oportunidade de desenvolver seu trabalho adequadamente.
Os estilos de gestão influenciam diretamente na qualidade de vida dos
trabalhadores, que por sua vez está na base das questões associadas à
motivação. Como já percebido, a motivação é fator chave para estas equipes
atingirem os níveis de excelência nas empresas. De acordo com Gustavo e
Boog (2002, p. 417) as equipes de alto desempenho visam potencializar o
resultado do trabalho com ações de valorização do significado do trabalho para
as pessoas. Participação no processo decisório e possibilidades de discutir
soluções em conjunto, enfim, colaborar e ver o resultado dessa colaboração
são fatores fortemente relacionados e descritos como decisivos em qualidade
de vida no trabalho.
A
gestão
da
qualidade
total
é
claramente
observada
no
desenvolvimento das empresas e no estilo de vida dos seus respectivos
colaboradores. Um desfecho imprescindível para este trabalho é explicitar as
tendências das organizações que aplicam a gestão da qualidade total segundo
artigo de Howard (1990, s.p.apud GUIMARÃES; GRUBTS, 2004, p. 242):
a) A melhoria das perspectivas de sobrevivência e êxito
econômico das organizações. As instituições que não
adquirem a gestão da qualidade total irão se extinguir; b)
Os gestores bons em qualidade total apontam os valores
compartilhados como algo que reflete no comportamento
dos diretores e trabalhadores em geral. Os colaboradores
se sentem mais respeitados e valorizados; c) Os locais de
trabalho baseados na gestão da qualidade total são mais
acolhedores para o trabalhador, reina um clima menos
estressante e é mais seguro em termos de acidentes que
em outras empresas; d) A filosofia da qualidade exige que
seja incorporado nos produtos e serviços uma política de
prevenção a falhas ao invés de produzi-las. A política de
prevenção da qualidade total é claramente compatível
com a política de prevenção na saúde do trabalhador.
185
Tomando por base a conjuntura textual, podemos concluir que a
qualidade de vida nas organizações é de extrema importância, uma vez que, os
colaboradores quando trabalham satisfeitos, os ganhos para sua saúde e
empresa, respectivamente, serão ótimos e ambos os lados vão lucrar com essa
relação.
Considerações finais
Ao final deste artigo científico é importante retomar o objetivo geral que é
analisar dentro das organizações os fatores que geram transtornos mentais aos
colaboradores, tais como a depressão, stress, síndrome de Burnout entre
outras e por meio de pesquisas proporem soluções que visa melhorar a
qualidade de vida dos colaboradores.
O tema deste estudo pode apresentar diversas vertentes. Ao longo da
primeira seção foi necessária a explanação do desenvolvimento da psicologia
industrial/ organizacional, mostrando a necessidade e a importância do estudo
da psicologia dentro das organizações. As diversas consequências que o
trabalho exerce sobre o homem foram explanadas de forma a apresentar a
necessidade da qualidade de vida no trabalho e a importância que os
colaboradores têm em exercer suas atividades laborais em um ambiente
favorável ao seu organismo.
Os transtornos psicológicos, tema foco deste trabalho, foram
conceituados no decorrer do presente artigo com o intuito de mostrar aos
interessados como os mesmos podem atuar de forma negativa dentro das
organizações.
Foram relatados como principais exemplos de transtornos psicológicos
esquizofrenia, síndrome de Burnout, transtorno bipolar, depressão maior,
exaustão emocional, alcoolismo, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo).
Seguido da explanação destes transtornos, foi mencionado as maneiras
diversas de manifestação dos mesmos nos colaboradores e de como o clima
organizacional é afetado por estas doenças do psicológico
Ao longo da terceira seção foi proposto que a qualidade de vida nas
organizações é de fundamental importância nas organizações, visto que, na
obtenção da saúde mental a mesma se torna indispensável. Complementando,
foram explanados métodos e instrumentos de prevenção a transtornos mentais,
186
relatando a importância dos mesmos e de seu conhecimento pelos membros
da organização. Para finalizar o estudo, foi citada a importância da manutenção
da saúde ocupacional nas empresas, objetivando a conscientização de que a
mesma em evidência proporciona as organizações um processo produtivo de
maior eficiência e eficácia.
Este estudo atingiu seu objetivo proposto, uma vez que através de
pesquisa bibliográfica pôde apresentar os conceitos dos transtornos mentais
nas organizações, bem como os que mais acontecem, sobre as maneiras que
podem os colaboradores desenvolver um quadro patológico nas empresas e de
como fica o ambiente organizacional das mesmas quando colaboradores estão
afetados pelos transtornos.
O problema de pesquisa foi detectado com clareza do decorrer do
trabalho e, por conseguinte, foi detectada a necessidade em que as
organizações tem em conhecer as ferramentas de combate a transtornos
psicológicos e sua importância na vida das organizações.
Pode-se concluir que os transtornos mentais nãosão “doença”
comoasoutras. Apesar de poderem apresentar sintomas físicos, não são eles
que predominam. Tais doenças podem afetar no comportamento das pessoas
e podem de imediato ou gradualmente prejudicar o processo das organizações
onde atuam. Daí a necessidade em apresentar ferramentas de combate aos
mesmos, visto que, a saúde ocupacional em evidencia torna as empresas mais
competitivas no mercado.
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188
GESTÃO DE CONFLITOS NA FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO
ASSERTIVAS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Adna Maria Gomes de Castro Bretas – IPTAN
Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ
Márcio Lobosque Senna Neves – IPTAN
Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ
Monique Terra e Silva– IPTAN
Especialista em Gestão de Negócios – UFSJ
Renata Pinto Dutra Ferreira – IPTAN
Especialista em Administração de Sistemas de Informação – UFLA
Rubens Basse Gonçalves Filho
Graduado em Administração – IPTAN
RESUMO: Este artigo tem como objetivo identificar de que forma uma gestão
de conflitos eficaz pode contribuir na formação de equipes de trabalho
assertivas e bem estruturadas. Nós seres humanos nunca temos objetivos e
interesses idênticos, são essas divergências que acabam produzindo algum
tipo de discordância, seja em termos pessoais, seja em termos profissionais.
Manter esses conflitos em níveis desejados é um desafio enfrentado por
organizações e gestores da área. Uma vez que estes podem desestruturar
equipes e projetos, afetando no desempenho da empresa. Com a
administração destes é notória a melhora da organização, não só em relação
aos lucros, como também na formação das equipes de trabalho, que por hora
vem se tornando cada vez mais populares criando responsabilidade e
compromisso com a empresa.
Palavras-chave: Conflitos – Equipes de trabalho – Gestão de conflitos eficaz –
Formação das equipes – Responsabilidade e compromisso
Introdução
Os conflitos existem desde o surgimento do homem e ainda é um fato
que ocorre com muita frequência em nosso cotidiano, quer seja em termos
pessoais quer seja em termos profissionais. Desta forma, pessoas ou
empresas que não souberem gerenciá-los, estarão sujeitos a diversos
contratempos, os quais por sua vez desestruturam equipes e projetos, tornando
uma ameaça para o desempenho da organização.
Quanto maior o número de envolvidos em uma organização, maior a
probabilidade de conflitos. Uma vez que podem gerar problemas interpessoais
e afetar as equipes de trabalho, as quais estariam empenhadas em prol de um
objetivo comum.
189
Neste contexto, delimita-se como problema de pesquisa a seguinte
questão: de que forma a gestão de conflito pode contribuir para formação de
equipes de trabalho assertivas?
Este trabalho justifica-se devido às discussões sobre as relações
interpessoais em equipes de trabalho envolvem compreender de que forma as
pessoas trabalham, se organizam e se relacionam, levando em consideração a
existência de conflitos, sejam eles conflitos funcionais, que apóiam os objetivos
do grupo, ou conflitos disfuncionais, que são aqueles que atrapalham o
desempenho do grupo. Assim, o controle destes possibilita um resultado
positivo para organização e contribui para formação de equipes de trabalho
assertivas, produtivas e bem estruturadas, intensificando a relevância de
pesquisar sobre o tema.
O presente trabalho tem por objetivo geral identificar de que forma uma
efetiva gestão de conflitos, pode contribuir na formação de equipes de trabalho
assertivas. Bem como, a partir dos objetivos específicos, conceituar gestão de
conflitos; apresentar a tipologia dos conflitos desmistificando sua negatividade;
caracterizar as equipes de trabalho, trazendo seus tipos e processo de
formação; diferenciar equipes de trabalho de grupos de trabalho; apresentar ao
leitor uma revisão bibliográfica sobre a administração dos conflitos a fim de
formar equipes de trabalho assertivas.
Diante do exposto a pesquisa se caracteriza como uma revisão
bibliográfica a partir de livros, artigos acadêmicos, jornais, revistas, sites
especializados e publicações sobre a importância das equipes de trabalhos e
de uma gestão de conflitos eficaz nas organizações para alcance de
resultados. O leitor terá acesso a uma discussão teórica de vários autores
relativos à área de gestão de pessoas, sobre dois temas de grande
aplicabilidade nas organizações. Quando se pretende alcançar resultados e
metas em um mercado de trabalho mais acirrado, competitivo e dinâmico.
1 Gestão de conflitos e suas peculiaridades
O conflito é inerente à vida de cada individuo e é reconhecido como
característica do ser humano. As pessoas nunca têm objetivos e interesses
idênticos e essas divergências acabam produzindo algum tipo de discordância.
Com o desenvolvimento cultural, social e principalmente tecnológico, houve um
190
aumento na existência destes, seja em termos pessoais, seja em termos
profissionais.
Entretanto existem inúmeras definições e conceitos sobre conflitos,
apesar dos diferentes sentidos que o termo adquiriu. Segundo Robbins (2005,
p.326), “podemos definir conflito, então, como um processo que tem início
quando uma das partes percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar
negativamente alguma coisa que a primeira considera importante.” Daí
percebe-se que o conflito é um processo reconhecido como característica do
ser humano, visto que as pessoas nunca têm objetivos e Interesses idênticos e
são essas diferenças que por hora produzem alguma espécie de conflito.
Já segundo Chiavenato (2010 p.455) “O conflito é inerente a vida de
cada indivíduo e faz parte inevitável da natureza humana. Constitui o lado
oposto da cooperação e da colaboração”. Conforme o autor, o conflito tem
inicio a partir da falta de cooperação e colaboração de indivíduos ou grupos,
tornando-se uma interferência causadora de conflitos. Conforme Chiavenato
(2004 p.377):
O conflito é um processo que se inicia quando uma parte
– seja indivíduo, grupo ou a organização – percebe que a
outra parte – seja indivíduo, grupo ou a organização –
frustrou ou pretende frustrar um interesse seu.
Dessa forma para que haja conflito, devem existir necessariamente
contradições entre as partes envolvidas, gerando atritos, desacordos,
divergências entre indivíduos ou grupos. Completando para Almeida (2008,
p.3):
Um conflito é mais que um desacordo, que uma
discordância entre os membros de um grupo: implica um
elevado envolvimento na situação, a emergência de certa
intensidade de emoções e a percepção da existência de
oposição e de tensão entre as partes.
Assim não podemos confundir conflitos com problema. Num conflito as
partes estão em confronto e desenvolve-se uma atitude de hostilidade, raiva,
medo, descrédito entre uma parte e outra. Enquanto em um problema há um
191
grupo de pessoas que trabalham em conjunto e apresentam dificuldades na
obtenção de um determinado objetivo.
Segundo Nonata (2008, p.01), “sob a ótica do antigo paradigma, o
conflito nada mais é que percepções e interpretações divergentes das partes
sobre um determinado assunto.” Ainda Nonata (2008, p.01) “pela nova ordem
sistêmica, o conflito é um meio, uma oportunidade de reconstrução de
realidades e motor gerador de energia criativa.” Desta forma é percebido que o
conflito apesar de levar a discussão, atritos e desacordos sobre determinados
assuntos, também pode ser visto como uma força positiva capaz de permitir a
expressão, interesses e valores de diferentes pontos de vistas, contribuindo
para o desempenho do grupo.
Acrescentando, Robbins (2005, p.326)aborda três visões, a partir de
escolas de pensamentos, sobre a conceituação de conflitos: A visão tradicional,
a visão de relações humanas e a visão interacionista, as quais serão
examinadas detalhadamente.
Na visão tradicional, Robbins (2005, p.326),
O conflito era visto como uma disfunção resultante de
falhas de comunicação, falta de abertura e de confiança
entre as pessoas e fracasso dos executivos em atender
às necessidades e aspirações de seus funcionários.
Daí pode-se observar que a visão tradicional implica em algo que não
está funcionando direito dentro de um grupo, e que o conflito deve ser evitado,
uma vez que nesta visão o mesmo é danoso e possui um aspecto negativo.
Na visão de relações humanas, Robbins (2005, p.327) “o conflito é uma
ocorrência natural nos grupos e organizações.” Ainda Robbins (2005, p.327).
“ele não pode ser eliminado e há ocasiões que ele pode ser até benéfico para o
desempenho do grupo.” Conforme o autor supracitado o conflito é uma
consequência natural e inevitável em qualquer grupo ou organização, podendo
o mesmo ter um efeito positivo, uma força na determinação do desempenho do
grupo. É importante ressaltar que “a visão de relações humanas dominou a
teoria sobre conflitos no final dos anos 40 ate a metade da década de 1970.”
Robbins (2005, p.327).
Já a visão interacionista, segundo Robbins (2005, p.327), O conflito
passa a ser encorajador, no sentido de que um grupo harmonioso, pacifico,
192
tranquilo e cooperativo está na iminência de tornar-se estático, apático e
insensível à necessidade de mudanças e inovação.
Ainda Robbins (2005, p.327), “encorajar os lideres de grupo a manter
constantemente um nível mínimo de conflito – o suficiente para fazer com que
o grupo viável, autocrítico e criativo.” Daí percebe-se que o conflito não apenas
tem seu lado positivo, como também é necessário ter de forma moderada, para
que ocorra o desempenho eficaz de todo o grupo.
A palavra conflito está ligada a atritos, desacordos, divergências,
controvérsia, mas nem sempre é assim. Por outro lado o conflito tem seu lado
positivo, porem menos conhecido. Segundo Dias (2010, p.455 apud
CHIAVENATO, 2010, p.455),
A vida de uma pessoa é um constante defrontamento com
conflitos, muito dos quais são tratados de uma maneira
saudável ate a sua completa resolução. Outros conflitos
infernizam a vida da pessoa ou do grupo durante muito
tempo.
Entender o conceito e a definição de conflitos é essencial. Uma vez
que o mesmo é natural e inerente a nós seres humanos. A fim de aprofundar e
entender melhor sobre conflito, o próximo subcapítulo apresentará os diversos
tipos de conflitos, bem como sua classificação referente à forma e diferentes
níveis encontrados nas organizações.
Pode-se, ainda, classificar os tipos de conflitos, como: Conflito
funcional e conflito disfuncional. Segundo Robbins (2005, p.327), “alguns
conflitos melhoram os objetivos do grupo e melhoram o seu desempenho;
estes são os conflitos funcionais, formas construtivas de conflito.” Conforme o
autor supracitado percebe-se a visão interacionista quando se refere ao conflito
de uma forma positiva está relacionando aos conflitos funcionais, ou seja,
conflitos que melhoram os objetivos do grupo. Ainda Robbins (2005, p.327),
“por outro lado existem conflitos que atrapalham o desempenho do grupo; são
formas destrutivas ou disfuncionais de conflito.” Segundo o Autor, são aqueles
tipos de conflitos capazes de gerar condições caóticas, danosas, destrutivas,
podendo ser um problema sério para a organização.
Para diferenciar um conflito funcional de um conflito disfuncional, é
necessário observar o tipo de conflito. Segundo Robbins (2005, p.327),
“existem três tipos de conflitos: de tarefa, de relacionamento e de pessoa”.
193
O conflito de tarefa segundo Robbins (2005, p.327), “está relacionado
ao conteúdo e aos objetivos do trabalho.” Por estar diretamente relacionado ao
trabalho níveis baixos a moderados de conflitos de tarefa são funcionais, uma
vez que demonstram um efeito positivo no desempenho do grupo, por estimular
a discussão de ideias que ajudam no trabalho em equipe.
Ainda segundo Robbins (2005, p.327), ”o conflito de relacionamento se
refere às relações interpessoais.” Conforme o Autor os conflitos de
relacionamento são quase sempre disfuncionais. Uma vez que os atritos e as
hostilidades
interpessoais
aumentam
as
probabilidades
de
brigas
e
desavenças, reduzindo a compreensão mútua, impedindo a realização das
tarefas organizacionais.
Já o conflito de processo segundo Robbins (2005, p.327), “está
relacionado a maneira como o trabalho é realizado.” Ainda Robbins (2005,
p.327), “para que o conflito de processo seja produtivo, seu nível tem de ser
baixo”. Segundo o autor o conflito de processo deve apresentar em níveis
baixos, visto que discussões intensas sobre quem deve realizar determinada
tarefa, gera incertezas sobre os papéis de cada um, aumenta o tempo de
realização das tarefas e leva os membros a trabalhar com propósitos difusos,
desordenados.
Já para Chiavenato (2010, p.455), “há vários tipos de conflitos: O
interno (intrapessoal) envolve dilemas de ordem pessoal. O externo envolve
vários
níveis:
interpessoal,
intragrupal,
intergrupal,
intraorganizacional,
interorganizacional.”
O conflito intrapessoal, esta associado a conflitos de ideias,
pensamentos, emoções, valores e predisposições.
O conflito interpessoal surge entre indivíduos por razões diversas, tais
como: limitação dos recursos, diferenças individuais, diferenciação de papéis.
Conflitos Intragrupal acontecem quando o individuo não concorda com
as normas, valores encontrados na cultura organizacional do grupo.
Conflitos intergrupal, são conflitos entre grupos, devido a fatores como
diferença de estilos gerenciais, ou ate mesmo a competição por recursos
muitas vez escassos.
194
Conflitos entre organizações, onde muito das vezes a disputa por
dinheiro, consumidor e mercado levam as organizações a entrarem em
conflitos.
Segundo Chiavenato (2010, p.455), “o conflito pode ocorrer em três
níveis de gravidade, a saber”:
 Conflito percebido: ocorre quando as partes percebem
e compreendem que o conflito existe por que sentem que
seus objetivos são diferentes dos objetivos dos outros e
que existem oportunidades de interferência ou bloqueio. É
o chamado conflito latente, que as partes percebem que
existe potencialmente.
 Conflito experimentado: quando o conflito provoca
sentimentos de hostilidade, raiva, medo, descrédito entre
uma parte e outra. É o chamado conflito velado, quando é
dissimulado, oculto e não manifestado externamente com
clareza.
 Conflito manifestado: quando o conflito é expresso
através de um comportamento de interferência ativa ou
passiva por pelo menos uma das partes. É o chamado
conflito aberto, que se manifesta sem dissimulação.
Conforme o autor supracitado os conflitos podem ocorrer em três tipos
e de gravidade, porem para ocorrer conflitos é necessário à presença de
condições que criam oportunidades para seu surgimento, onde podem ou não
gerar frustração ou afetar outra parte, gerando um confronto.
Segundo Quintino (2010, p.01), “Existem vários tipos de conflito e sua
identificação pode auxiliar a detectar a estratégia mais adequada para
administrá-lo, a saber,”:
Conflito latente: não é declarado e não há, mesmo por
parte dos elementos envolvidos, uma clara consciência de
sua existência. Eventualmente não precisam ser
trabalhados; Para lidar com conflitos, é importante
conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como estamos
preparados para trabalhar com eles;
Conflito percebido: os elementos envolvidos percebem,
racionalmente, a existência do conflito, embora não haja
ainda manifestações abertas do mesmo;
Conflito sentido: é aquele que já atinge ambas as partes,
e em que há emoção e forma consciente;
Conflito manifesto: trata-se do conflito que já atingiu
ambas as partes, já é percebido por terceiros e pode
interferir na dinâmica da organização.
195
Os conflitos existem, e deparamos com eles de várias naturezas, e em
todas as áreas de nossa vida, seja familiar, afetiva, social, ou profissional.
Desta forma é importante entender suas causas, compreender suas origens,
perceber a expressão do sentimento do outro, saber qual é a dimensão do
problema e se estamos preparados para administrá-los. Isso determina o nosso
comportamento frente à situação.
Percebe-se que o conflito não é apenas visto como uma forma
negativa. Por ser natural devemos mantê-los em níveis desejados a fim de
proporcionar resultados positivos para a organização.
Ao analisar os tipos de conflitos existentes, constata-se uma grande
diversidade de ideias e que podem ser classificados de maneiras diferentes.
Apesar de o conflito ser inevitável, o administrador precisa conhecer suas
possíveis soluções ou resoluções, as quais passam quase sempre pelas
condições que o provocaram. Conforme explica Faria (2007, p. 1,) o conflito
pode ter origem em uma destas três dimensões:
• Percepção: quando você percebe que suas
necessidades, desejos ou interesses tornam-se
incompatíveis pela presença ou atitude de uma outra
pessoa;
• Sensação: quando você tem uma reação emocional
frente a uma situação ou interação que aponta para um
sentimento de medo, tristeza, amargura, raiva, etc.
• Ação: quando você torna explícito para a outra parte, ou
outras partes, as suas percepções, os seus sentimentos
ou age no sentido de ter uma sua necessidade satisfeita,
mas essa sua ação interfere na satisfação de
necessidades de outras pessoas.
Conforme o autor supracitado percebe-se que o conflito parte de
dimensões diferentes e que na maioria das vezes essas dimensões
apresentam intensidade e características diferentes, variando de acordo com o
processo do conflito.
Para Chiavenato (2010, p. 456), “existem dentro das organizações
certas condições que tendem a gerar conflitos.” Ainda Chiavenato (2010,
p.456), apresenta quatro tipos de condições chamadas de condições
antecedentes por constituírem as condições dos conflitos, a saber:
Ambiguidade de papel: quando as expectativas pouco
claras e confusas além de outras incertezas, aumentam a
196
probabilidade de fazer com que as pessoas sintam que
estão trabalhando para propósitos incompatíveis.
Objetivos concorrentes: como decorrência do crescimento
da organização os grupos se especializam cada vez mais
na busca de seus objetivos. Por força da especialização,
cada grupo realiza tarefas diferentes, focaliza objetivos
diferentes, relaciona-se com diferentes partes do
ambiente e começa a desenvolver maneiras diferentes de
pensar e agir. Surge a diferenciação: Objetivos e
interesses diferentes dos demais grupos da organização.
Daí a percepção de objetivos e interesses diferentes e
talvez incompatíveis e incongruentes.
Recursos compartilhados: os recursos organizacionais
são limitados e escassos. Se um grupo quer aumentar
sua quantidade de recursos, um outro grupo terá de
perder ou abrir mão de uma parcela dos seus. Isso
provoca a percepção de objetivos e interesses diferentes
e talvez incompatíveis e incongruentes.
Interdependência de atividades: as pessoas e grupos de
uma organização dependem um dos outros para
desempenhar suas atividades e alcançar seus objetivos.
Quando os grupos são realmente interdependentes,
surgem oportunidades para que um grupo auxilie ou
prejudique o trabalho dos demais.
Assim conforme o autor supracitado, as condições antecedentes, são
as responsáveis pelo surgimento do conflito nas organizações. Uma vez que, a
partir dessas condições as partes envolvidas, sejam elas grupos ou indivíduos,
se influenciam mutuamente e desenvolvem sentimentos como de hostilidade,
raiva, medo, à outra parte, conduzindo esta a uma reação contraria, gerando
um comportamento de conflito.
Os conflitos surgem e é dever do gestor adotar uma ação adequada e
positiva para o bem da organização. Segundo Nonata (2008, p.01), os conflitos
se dão por aspectos, a saber:
• Pela experiência de frustração de uma ou ambas as
partes, ou seja, a incapacidade de atingir uma ou mais
metas ou realizar os seus desejos, por algum tipo de
interferência ou limitação pessoal, técnica ou
comportamental.
• Diferenças de personalidades, que são invocadas como
explicação para as desavenças tanto no ambiente familiar
como no ambiente de trabalho, e reveladas no
relacionamento diário através de algumas características
indesejáveis na outra parte envolvida;
197
• Metas diferentes, pois é comum estabelecermos ou
recebermos metas a serem atingidas e que podem ser
diferentes dos de outras pessoas e de outros
departamentos, o que nos leva à geração de tensões em
busca de seu alcance;
• Diferenças em termos de informações e percepções,
costumeiramente tendemos a obter informações e
analisá-las à luz dos nossos conhecimentos e
referenciais, sem levar em conta que isto ocorre também
com o outro lado com quem temos de conversar ou
apresentar nossas ideias, e que este outro lado pode ter
uma forma diferente de ver as coisas.
Para Robbins (2005, p.327), ”O processo de conflitos pode ser visto
como um processo de cinco estágios: oposição potencial ou incompatibilidade,
cognição e personalização, intenções, comportamento e consequências.”.
No estágio I, oposição potencial ou incompatibilidade, o autor
apresenta condições que criam oportunidades para o surgimento dos conflitos.
Essas condições antecedentes ao conflito podem estar ligadas a comunicação,
Estrutura e Variáveis pessoais. Elas devem existir para que ocorra o conflito.
Já no segundo estágio, cognição e personalização, segundo Robbins
(2005, p.330), “é a parte do processo em que os envolvidos decidem sobre o
que é o conflito.” Neste estágio o autor supracitado apresenta duas formas em
que os conflitos costumam ser definidos, a saber: Conflito Percebido, quando
uma das partes envolvida percebe a existência de conflito, podendo assim
colaborar, evitando situações caóticas para a organização. No conflito
percebido, a parte envolvida que consegue manter o conflito em níveis
desejados, resulta em um potencial de ganha-ganha para o grupo ou equipe
envolvida. Conflito Sentido, quando as condições antecedentes de um conflito
geraram um impacto sobre a parte envolvida, causando assim tensão,
ansiedade, medo ou hostilidade.
No terceiro estágio, intenções, segundo Robbins (2005, p. 330), “são
decisões de agir de uma determinada maneira”. Daí pode se perceber que é
preciso conhecer as intenções das partes envolvidas no conflito, para saber
como responder ao seu comportamento. Estudar as condições antecedentes,
bem como sua forma, implica nas intenções de administrar o conflito. Ainda
Robbins (2005, p. 331), apresenta cinco intenções para administrar conflitos, a
saber:
198

Competir: Quando uma pessoa busca a satisfação
de seus próprios interesses, independentemente do
impacto que isso terá sobre as partes em conflito;

Colaborar: Quando as partes conflitantes desejam
satisfazer os interesses de ambas, temos uma situação
de cooperação e busca de resultados mutuamente
benéficos;

Evitar: A pessoa reconhece que o conflito existe e
tenta suprimí-lo ou livrar-se dele;

Acomodar-se: Quando uma das partes procura
apaziguar a outra, pode se dispor a colocar os interesses
dela antes dos seus;

Conceder: Quando cada parte em conflito abre mão
de algo, acontece um compartilhamento, que desemboca
em um resultado de compromisso.
Segundo Robbins (2005, p.332), “o estágio do comportamento inclui as
declarações, as ações e as reações das partes envolvidas no conflito.” Daí
percebe-se que neste estágio os conflitos se tornam mais visíveis. Uma vez
que as reações e ações das pessoas se tornam explicitas, levando ao gestor
analisar os estágios anteriores e tomar a melhor decisão na hora de administrar
o conflito.
No quinto e ultimo estágio, segundo Robbins (2005, p.332), o jogo de
ação e reação entre as partes de um conflito resulta em consequências, Que
podem ser funcionais, quando resultam em melhoria do desempenho do grupo;
ou disfuncionais, quando atrapalham o seu desempenho.
Assim, consideram consequências funcionais, aquelas que podem
melhorar a eficácia do grupo. Que de maneira construtiva aumentam as
qualidades de decisões, estimulam a criatividade, inovação, tornam o ambiente
de trabalho, motivado e bem estruturado, capaz de produzir melhor e com uma
melhor qualidade.
Já as consequências disfuncionais, são aquelas ligadas aos conflitos
destrutivos, que prejudicam o desempenho de um grupo ou organização. São
condições caóticas que se não tomadas providencias muito das vezes
drásticas, podem gerar problemas sérios para a organização.
Assim, conhecer o processo de formação do conflito é essencial. Uma
vez que o processo é composto por uma sequência de eventos e estágios que
tendem a demonstrar fatores que dão origem aos conflitos. Assim torna
199
necessário administrar e manter estes em níveis desejados para o bem da
equipe, tornando-a bem estruturada, motivada e consequentemente produtiva.
2 Equipes de trabalho nas organizações
O trabalho em equipe tem sido cada vez mais valorizado dentro das
organizações.
Uma
vez
que
as
equipes
criam
responsabilidades
e
compromisso com a organização, assumem riscos, exploram os talentos e
habilidades
dos
funcionários,
facilitam
na
troca
de
informações
e
conhecimentos e são mais flexíveis na obtenção dos objetivos e metas.
As equipes de trabalho têm se tornado cada vez mais populares nas
organizações, haja vista uma maior interação entre os membros que a compõe
e os resultados, muito das vezes satisfatórios para empresa.
Assim Segundo Chiavenato (2004, p.237), as equipes de trabalho são
grupos de pessoas cujas tarefas são redesenhadas para criar um alto grau de
interdependência e que recebem autoridade para tomar decisões a respeito do
trabalho a ser realizado. Daí percebe sua importância nas tomadas de
decisões, uma vez que as tarefas são repassadas aos membros da equipe,
possibilitando uma troca de conhecimento e agilidade, obtendo excelentes
resultados para a organização.
Complementando, Para Robbins (2005, p.213), “Uma equipe de
trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço coordenado.” Desta
forma é percebido uma transparência entre os membros a equipe, os esforços
individuais em uma colaboração mútua resulta, em um desempenho maior para
a organização, criando uma estrutura mais sólida para a equipe. Já segundo
Padoan (2008, p.01): “Equipe é um grupo que compreende seus objetivos e
está engajado em alcançá-los de forma compartilhada. A comunicação entre os
membros é verdadeira e as opiniões diferentes são estimuladas”.
Daí percebe-se que a comunicação24 entre os membros de uma equipe
é de suma importância, uma vez que a troca de conhecimentos e agilidades
deve ser repassada de forma clara e coesa para um melhor aproveitamento e
resultado final.
24
Comunicação: Transferência de significados (informações e ideias), entre seus
membros.(ROBBINS, 2009, p.135).
200
A comunicação facilita o envolvimento dos funcionários, podendo
explorar melhor o talento destes, gerando criatividade, qualidade e maior
produtividade para empresa. Assim as equipes de trabalho se tornam mais
flexíveis e reagem melhor às mudanças do ambiente, têm a capacidade de
democratizar a organização e aumentar a motivação dos funcionários que se
tornam mais felizes e satisfeitos no lugar onde passam maior parte de seu
tempo.
Conforme Gil (2009, p.152), a equipe de trabalho avalia o desempenho
de cada membro e define os objetivos e metas a serem alcançados. A partir daí
como a própria equipe se torna responsável por esta avaliação, requer-se dela
total
maturidade
e
responsabilidade
para
que
o
processo
funcione
adequadamente e o objetivo seja alcançado de forma eficaz.
Trabalhar em equipe requer, de cada individuo sentir-se, realmente,
como membro de uma equipe. É como um time de futebol, onde todos os
jogadores estão em prol de objetivo comum (marcar gols, vencer jogos),
habilidades diferentes (goleiro, atacante, zagueiro), uma coordenação (o
técnico), que após uma estratégia bem sucedia a equipe toda vibra por que o
time todo sai ganhando.
Para obter melhores resultados, atingir metas e, além disso, criar um
ambiente de trabalho que motive seus funcionários, as organizações têm como
primeiro objetivo implantar o trabalho em equipe, uma vez que o desempenho é
maior do que a de um trabalho individual. Daí se vê a importância em
diferenciar equipes de trabalho de grupos de trabalho, pois apesar das
inúmeras semelhanças entre grupos e equipes de trabalho, é de suma
importância saber diferenciá-los.
As equipes, por exemplo, possuem todas as vantagens dos grupos,
além de criarem um espírito único e positivo através de esforços coordenados
para exercerem o trabalho coletivo. Assim de acordo com Vergara (2006,
p.190):
Um conjunto de pessoas trabalhando juntas é apenas um
conjunto de pessoas. Para que se torne uma equipe é
preciso que haja um elemento de identidade, elemento de
natureza simbólica, que una as pessoas, estando elas
fisicamente próxima, ou não.
201
O trabalho em equipe exige uma interação de todos os envolvidos do
grupo, onde a tarefa é dividida entre todos e todos tomam decisões a respeito
do objetivo a ser realizado.
Segundo Robbins (2005, p.213), “Grupo de trabalho é aquele que
interage basicamente para compartilhar informações e tomar decisões para
ajudar cada membro em seu desempenho na sua área de responsabilidade.”
Conforme o autor supracitado, nos grupos de trabalho os indivíduos possuem
responsabilidades divididas, não existe uma sinergia25 entre os membros,
somente o esforço individual.
Os
grupos apresentam características como:
responsabilidades
individuais entre os membros; possuem habilidades aleatórias e variadas,
sinergia neutra e objetivos individuais referentes às áreas em que atuam.
Já em relação às equipes de trabalho, aborda Robbins (2005, p.213),
“uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço
coordenado.” Assim percebe-se que as equipes de trabalho diferem dos grupos
no que tange os esforços individuais que por sua vez resultam em um nível de
desempenho maior que a soma das contribuições individuais (grupo).
As diferenças entre grupos de trabalho e equipes de trabalho, onde fica
comprovado que os grupos trabalham individualmente, não possuem uma
sinergia ou troca de informações ou conhecimentos e agilidades, simplesmente
têm como objetivo concluir a tarefa. Já as equipes de trabalho, antes de
concluir a tarefa, exploram o conhecimento mútuo, trocam informações e
habilidades, contribuindo para um melhor desempenho das atividades
organizacionais.
Neste contexto de comparação entre grupos e equipes de trabalho,
Chiavenato (2010, p. 229), aborda diferentes caracteristicas a saber: os grupos
de trabalho são conjunto de pessoas sem um objetivo comum; decidem de
forma individual e os membros possuem os mesmos interesses porem não
existe uma troca de ideias ou informações. Já as equipes de trabalho são
conjunto de pessoas com um objetivo em comum; os membros decidem de
maneira conjunta e existe uma troca de ideias e informações entre os mesmos,
25
Sinergia: Conjunto de forças agindo simultaneamente para um propósito. (ZILIOTTO,
2007, p.01)
202
os quais possuem uma forte interação emocional e afetiva. Assim para Wiesel
(2007, p.01),
Equipes vencedoras são formadas por pessoas que não
pensam somente em sua vitória pessoal, mas sim, no
todo. Vibram pelas conquistas dos colegas e entendem
que o sucesso deles é também seu. São pessoas
capazes de perceber que aquilo que se obtém, não vem
por acaso, mas sim pelo resultado do trabalho de todos.
Daí percebe-se a importancia de se trabalhar em equipe, uma vez que
bem estruturadas, proporcionam resultados positivos para organização, bem
como para todos os colaboradores ali envolvidos.
2.3 Tipos de equipes
Existem diferentes tipos de equipes e uma grande variedade de coisas
que estas podem realizar, tais como: fazer produtos, prestar serviços,
coordenar projetos tomar decisões, entre outros. Segundo Robbins (2005,
p.213), existem quatro formas de equipes que podem ser encontradas em uma
organização: as equipes de solução de problemas, equipes autogerenciadas,
equipes multifuncionais e equipes virtuais.
As equipes de Solução de problemas segundo Robbins (2005, p.213),
eram quase sempre compostas por de 5 a 12 funcionários, que se reuniam
durante algumas horas para discutir formas de melhorar a qualidade, a
eficiência e o ambiente de trabalho. Daí percebe-se que essas equipes são
compostas por um numero menor de funcionários de um mesmo departamento,
os quais reúnem, trocam ideias e buscam a solução de problemas, visando a
melhoria do processo.
Já as equipes de trabalho autogerenciadas segundo Robbins (2005,
p.214), são compostas, geralmente entre 10 e 15 pessoas, que realizam
trabalhos interdependentes e assumem muitas das responsabilidades que
antes eram de seus antigos superiores. Complementando, segundo Chiavenato
(2010, p. 229), ”são compostas de pessoas altamente treinadas para
desempenhar um conjunto de tarefas interdependentes dentro de uma unidade
natural de trabalho.”.
203
No entanto, percebe-se que as equipes autogerenciadas, são capazes
alem de solucionar problemas, assumir total responsabilidade pelos resultados,
uma vez que têm autoridade para tomar decisões e avaliar o desempenho uns
dos outros, que era muito das vezes papel dos supervisores.
Em relação às equipes multifuncionais segundo Robbins (2005, p.215)
“são equipes formadas por funcionários do mesmo nível hierárquico, mas de
diferentes setores da empresa, que se juntam para cumpri uma tarefa.”
Conforme o autor supracitado verifica-se que por estar incluso na equipe
membros com diferentes históricos, experiências e perspectivas, demore algum
tempo para que desenvolva a confiança e o espírito de equipe. Porem essas
diferenças leva a uma troca de informações e ideias, as quais podem ser de
grande importância na solução de problemas.
Por fim as equipes virtuais segundo Robbins (2005, p.215) “usam a
tecnologia da informação para reunir seus membros, fisicamente dispersos, e
permitir que eles atinjam um objetivo comum.” Percebe-se que este tipo de
equipe utiliza de meios como a internet para se comunicarem com membros
ate mesmo milhares de distancia e discutirem assuntos pertinentes ao objetivo
a ser alcançado.
Ainda Robbins (2005, p.215), apenas três fatores diferenciam as
equipes virtuais das outras equipes, a saber: ausência de gestos não verbais;
contexto social limitado; capacidade de superar limitações de tempo e espaço.
Assim, para Moraes (2008, p.01), a ausência de encontros presenciais,
torna a reunião muito formal o que pode desestimular a participação de
pessoas que tem a necessidade de interação social, alem de aumentar o risco
de conflitos entre seus membros.
Desta forma cabe ao gestor analisar de forma eficiente, os membros e
líderes de equipe, saber o tipo que melhor se adapte na organização, bem
como evitar riscos e conflitos, tornando uma equipe sólida e bem estruturada.
3 Gestão de conflitos na formação de equipes de trabalho
A questão primordial é administrar o conflito de forma a aumentar seus
efeitos construtivos e minimizar os efeitos destrutivos. Desta forma cabe ao
gestor analisar e utilizar estratégias pertinentes a cada tipo de conflito
204
buscando soluções construtivas para o bem da equipe e dos membros que a
compõe.
3.1 Administrando Conflitos
Conforme citado no primeiro capítulo, o conflito é inerente à vida do ser
humano e é reconhecido como uma característica do mesmo. Porem é
necessário entendermos o significado destes e administrá-los de forma que ao
invés de irritação, atritos e divergências, ocorram mudanças, crescimento e
criatividade entre os membros de equipe e organizações.
Segundo Chiavenato (2010, p.458), “O administrador deve saber
desativá-los a tempo de evitar sua eclosão.” Daí percebe-se que cabe ao
administrador a importância de conduzir os conflitos a fim de evitar seu
desenvolvimento. Ainda Chiavenato (2010, p.458) apresenta três abordagens
que podem ser utilizadas para a administração destes, a saber:
Abordagem Estrutural: está relacionado à estruturação das equipes e
organizações. Neste contexto o Autor destaca os objetivos comuns, onde os
gestores podem mostrar certos interesses em comum para que os membros
deixem perceber a incompatibilidade de objetivos; Sistema de recompensas
grupais, onde são utilizadas as recompensas pelo desempenho em conjunto e
combinado de dois ou mais grupos, tornando vantajoso para todos estes
desempenharem bem as atividades e cooperarem entre si; Reagrupamento,
capaz de reduzir a diferenciação dos grupos; Separação, os grupos podem ser
separados física e estruturalmente, baixando o nível de interdependência das
atividades e a interferência distante reduzindo a possibilidade de conflitos.
Abordagem de processo: nesta abordagem o autor procura reduzir
conflitos através da modificação do processo, interferindo no acontecimento
destes. Destaca os seguintes fatores: Desativação, onde uma das partes
envolvidas reage cooperativamente ao comportamento de conflito da outra
parte; Confrontação direta, onde as partes se reúnem para discutir e identificar
as áreas de conflitos, na busca de soluções do tipo ganha/ganha; Colaboração,
onde as partes trabalham juntas para solucionar o problema ou buscar
soluções integrativas capazes de conjugar os objetivos de ambas as partes.
Abordagem mista: agrega a administração tanto nos aspectos
estruturais como nos de processo. Nela ocorre a adoção de regras para
205
resolução de conflitos e a criação de papéis integradores, ou seja, criar equipes
dentro das organizações que estejam sempre disponíveis a ajudar na
resolução dos conflitos que surgirem.
Percebe-se que os membros do grupo ou organização estão
diretamente ligados aos conflitos, e estes possuem suma importância no
processo de resolução destes. Complementando Tavares (2007, p.215) “A
adoção da gestão estratégica requer que os membros da organização adotem
uma postura mais cooperativa e menos competitiva.”
Já Robbins (2005, p.333), subdivide as técnicas de administração de
conflitos, em: Técnicas de Resolução e técnicas de estimulação de conflitos.
Essas técnicas podem ser utilizadas por administradores a fim de controlar e
manter os conflitos em níveis desejados.
Robbins (2005, p.333) cita as seguintes técnicas de resolução de
conflitos:

Resolução de problemas: as partes conflitantes se reúnem com o
propósito de identificar e resolver o problema por meio de uma discussão
aberta.

Metas superordenadas: deve haver uma colaboração entre as
partes conflitantes para atingir a meta compartilhada.

Expansão de recursos: uma vez que a escassez de recurso causa
conflitos, a expansão destes pode criar uma solução de ganha/ganha.

Não-enfrentamento: suprimir o conflito ou evadir dele.

Suavização: minimizar as diferenças entre as partes conflitantes
ao enfatizar seus interesses comuns.

Concessão: abrir mão de algo valioso.

Comando autoritário: a administração fica responsável por
resolver o conflito e posteriormente comunicar as partes conflitantes.

Alteração de variáveis humanas: utilização de técnicas como
treinamento em relações humanas, para alterar atitudes que causam conflitos.

Alteração de variáveis estruturais: mudança na estrutura da
organização/equipe e nos padrões de interação entre as partes conflitantes.
Nota-se que algumas destas técnicas de resolução de conflitos foram
citadas anteriormente como intenções, ao abordar o tema processo de
206
conflitos. Essas técnicas são utilizadas na administração de conflitos
disfuncionais, ou seja, aqueles que atrapalham o desempenho do grupo,
podendo paralisá-lo e ate ameaçar potencialmente sua sobrevivência.
Porém o conflito pode funcionar como uma força para melhorar o
desempenho do grupo. Desta forma Robbins (2005, p.333) apresenta técnicas
capazes de estimular estes conflitos, a saber:
VI.Comunicação: utilizar de mensagens ambíguas ou ameaçadoras para
aumentar os níveis de conflitos.
VII.Inclusão de estranhos: incluir nos grupos ou equipes, funcionário com
histórico, valores, experiências e atitudes diferentes.
VIII.Reestruturação da organização: alteração de regras e regulamentos,
aumento da interdependência e outras mudanças estruturais similares que
rompam à situação atual da empresa.
IX.Nomeação de um advogado do diabo: Designação de um crítico que
discuta, propositalmente, as posições defendidas pela maioria do grupo.
Percebe-se que essas técnicas estimulam a criação de conflitos
funcionais, uma vez que visa o aumento da qualidade das decisões,
estimulando a criatividade, a inovação e promovem um ambiente de autoavaliação e de mudanças. Além de melhorar o desempenho do grupo.
Portanto a adoção de métodos e técnicas eficazes resulta em benefício
para a equipe e auxilia o desenvolvimento da organização. Assim o próximo
subcapítulo apresentará fatores responsáveis pela criação de equipes de
trabalho assertivas bem estruturadas e eficazes.
3.2 Criando equipes de trabalho eficazes.
O processo de formação das equipes, bem como sua atuação eficaz na
organização, depende de vários fatores e atributos a serem seguidos, conforme
Chiavenato (2004 p.237):
1. Participação: todos os membros estão comprometidos
com o empowerment26 e auto-ajuda.
2. Responsabilidade: todos os membros sentem-se
responsáveis pelos resultados do desempenho.
3. Clareza: todos os membros compreendem e apóiam os
objetivos da equipe.
26
Empowerment: Trata-se de dar poder, autoridade e responsabilidade às pessoas
dentro da organização. (CHIAVENATO, 2010, p.190).
207
4. Interação: todos os membros comunicam dentro de um
clima aberto e confiável.
5. Flexibilidade: todos os membros querem mudar e
melhorar o desempenho.
6. Focalização: todos os membros são dedicados a
alcançar as expectativas do trabalho.
7. Criatividade: todos os talentos e ideias são usados para
beneficiar a equipe.
8. Rapidez: todos os membros atuam prontamente sobre
os problemas e oportunidades.
Percebe-se que os membros são os responsáveis pelo alcance de
resultados e metas, tomam decisões, avaliam a contribuição de cada um do
grupo e são responsáveis pela qualidade de trabalho. Desta forma é
necessário escolher o membro que melhor se enquadra naquele tipo de equipe
e que esteja preparado para integrá-la.
Porém nem sempre é assim que acontece. Muitas pessoas preferem
ser reconhecidas por suas realizações individuais. E também existem
organizações que criam um ambiente de trabalho competitivo, onde somente
os fortes permanecem.
Assim, para criar uma equipe, alguns critérios devem ser seguidos.
Robbins (2005, p. 216) subdividiu esses critérios em quatro categorias, onde a
primeira, contexto, refere-se aos recursos utilizados, uma vez que a escassez
destes reduz a capacidade de desempenhar o trabalho eficazmente. Há uma
preocupação com a liderança e o clima organizacional, e ocorre a avaliação de
desempenho e sistemas de recompensas visando à motivação do funcionário e
para reforçar o empenho e o comprometimento das equipes.
O critério de composição está relacionado à formação das equipes. O
autor relata a importância na escolha de cada membro, suas habilidades e
personalidades, a função a ser exercida por cada um na empresa, a
diversidade (sexo, idade, educação, especialização...) podem auxiliar em um
melhor desempenho para a organização.
Já no critério projeto de trabalho serão abordados variáveis a respeito
do que deve ser feito. Neste critério existe uma liberdade e autonomia, onde as
habilidades e talentos de cada um são aproveitas em prol da equipe. Assim os
membros identificam as tarefas estabelecidas bem como as executam. Essas
características estimulam a motivação e aumentam a eficácia da equipe.
208
Por fim e relacionado à eficácia das equipes estão as variáveis de
processo. Nessa fase incluem o empenho dos membros com um propósito
comum, o estabelecimento de metas, a eficiência da equipe e os níveis de
conflitos que devem ser mantidos em condições adequadas para a eficácia das
mesmas.
Desta forma e diante dos conceitos supracitados é possível criar
equipes de trabalho eficazes e bem estruturadas, uma vez que haja a
colaboração e a vontade de cada membro na busca por objetivos e metas a
serem cumpridas.
Considerações finais
O trabalho apresentou a importância de uma gestão de conflitos eficaz
na formação de equipes de trabalho assertivas e bem estruturadas. Após
análise das teorias apresentadas percebe-se que o conflito é inevitável e
deparamos com ele em todas as áreas de nossa vida, seja familiar, afetiva,
social e principalmente profissional. Desta forma é necessário entendermos,
suas causas, suas origens e assim administrá-los a tempo de evitar sua
eclosão.
O sucesso das empresas junto a este mercado competitivo se dá a
partir de algo que a destaque perante as demais. Daí percebe-se a
preocupação das organizações em desenvolverem equipes de trabalho
assertivas, uma vez que estas auxiliam no desenvolvimento da empresa e
criam uma estrutura mais sólida entre os membros dos grupos.
Uma
equipe
vencedora
reflete
motivação
aos
membros
e
colaboradores que a compõem, uma vez que satisfeitos e realizados, atuam de
forma produtiva, gerando uma sinergia no trabalho, na produção e no
cumprimento de metas estabelecidas pela organização. Assim nota-se que
uma equipe vencedora, torna uma organização vencedora.
O presente trabalho teve como objetivo responder o seguinte problema
de pesquisa: de que forma a gestão de conflitos pode contribuir na formação de
equipes de trabalho assertivas? Uma vez que seja eficaz, a gestão de conflito
pode evitar condições caóticas, danosas e até destrutivas para a organização.
Como também pode auxiliar servindo como uma força, contribuindo na
melhoria do desempenho desta.
209
Dentre os critérios apresentados na formação de equipes de trabalho
assertivas, há uma preocupação em relação aos conflitos. Visto que nas
equipes existe uma interação entre os colaboradores, havendo uma troca de
conhecimentos e habilidade, estes são mais flexíveis e existe uma diversidade
em relação a sexo, idade experiência que pode ser um fator motivador de
conflitos.
Neste caso o surgimento de conflitos deve ser sanado no começo, para
que não ocorram danos na estrutura das equipes e as deixem vulneráveis.
Cabe ao gestor utilizar de técnicas conforme abordadas nos capítulos
anteriores para manter estes conflitos em níveis desejados ou ate mesmo
evitá-los.
É importante ressaltar que nem todos os conflitos são destrutivos.
Muitas equipes opinam por utilizar como técnica a estimulação de conflitos,
uma vez que conduzidos de forma correta auxiliam na qualidade das tomadas
de decisões, instigam a criatividade e inovação e promovem um ambiente de
auto-avaliação e de mudanças. Tudo isso gera uma sinergia ideal para que
uma equipe destaque no mercado competitivo.
Desta forma é possível observar que é de total relevância aplicar de
forma correta uma gestão de conflitos eficaz na formação de equipes de
trabalho que almejam se destacar na organização.
Espera-se que este trabalho possa servir de base para outros estudos,
bem como no incentivo à realização de novas pesquisas.
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<http://www.dicionarioinformal.com.br/sinergia>Acesso em: 26 de Mar. 2013.
211
A NÃO APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS PRÓPRIOS DO DIREITO DO
TRÂNSITO VEM CONTRIBUINDO PARA O AUMENTO DE LESIONADOS E
MORTOS
Luciano Machado Ferreira - IPTAN
E-mail: [email protected]
Resumo: o intuito deste trabalho é demonstrar a existência de alguns
princípios próprios que possui o Direito do Trânsito. Embora seja este direito
repleto de institutos que lhe são próprios, o mesmo é pouco difundido. O Direito
do Trânsito é um ramo do direito ainda muito pouco usado pelos operadores no
Brasil e em parte da América Latina e isto vem gerando um enorme prejuízo a
seus cidadãos. O Direito do Trânsito possui regras e princípios próprios, não
havendo a necessidade de se apenas consultar o Código de Trânsito Brasileiro
e em seguida voltar-se para o Direito Civil e/ou Penal para se resolver a
casuística. A aplicação de princípios próprios do Direito do Trânsito pode em
muito ajudar a toda sociedade para amenização desta catástrofe que assola o
país, qual seja, o grande numero de vitimados pelo trânsito.
Palavras-chave: Trânsito – Vitimados – Princípios – Aplicação
Introdução
Buscaremos através de estudos principiológicos no ramo do Direito
do Trânsito traçar relações que nos conduzam a desvendar se o uso de tais
princípios está ou não relacionados com o alto número de vitimados em nossas
vias terrestres.
Sem querer esgotar o assunto, a pretensão deste artigo é mostrar o
quanto os legisladores e, principalmente, os operadores do direito contribuem
para o aumento de mortes e lesões no trânsito ao não aprofundarem seus
estudos num ramo do Direito que ao longo dos anos está inerte. Referimos-nos
ao Direito do Trânsito, ou Viário ou de Circulação.
O Direito do Trânsito, tal qual os demais ramos do Direito, por
exemplo, Direito penal, Direito civil, Direito constitucional, Direito administrativo
e dentre outros, possuem em seu arcabouço princípios que lhe são próprios e
tais devem ser usados pelos operadores do direitos nas querelas em que se
desenrolarem o Direito do Trânsito.
Estatísticas demonstram que os sinistros em trânsito matam tantas
pessoas que em alguns países ocupam o 3º ou 2º lugar no índice de
mortalidade, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares e o câncer.
Tais índices são preocupantes e devem servir de estímulo aos estudiosos do
212
direito para que possam com seus conhecimentos tentar no mínimo baixar
estes números tão assustadores.
Dentre os vários propósitos a que se prestam os diversos estudos
científicos, talvez seja o de "salvar vidas" um dos mais nobres que devam ser
sempre perseguidos por esta comunidade a todo instante em seus trabalhos.
É neste caminho que procurar-se-á desenvolver este trabalho, qual
seja, os princípios próprios do Direito do Trânsito possuem alguma relação no
elevado número de vitimados nos acidentes de trânsito pelo fato do seu não
uso pelos operadores do direito?
Não é uma pergunta fácil de responder, contudo, há caminhos que
nos conduzem em fazer afirmações que de alguma maneira possam colaborar
com a redução dos números fatídicos que assolam nossa nação.
Desnecessário se torna trazermos ao presente trabalho dados
estatísticos do elevado número de vidas ceifadas e de mutilados por acidentes
de trânsito em nossas vias terrestres. Já que tais números já são de
conhecimento de todos nós ao ponto de quase já se tornar uma rotina em
nossas vidas.
A quantidade de veículos, hodiernamente, trafegando no Brasil só
faz aumentar esta estatística. Diante, deste quadro catastrófico, o que devemos
fazer para diminuir estes índices?
A mais esta pergunta tem este trabalho o propósito de não oferecer
uma resposta direta a esta questão, mas, é mostrar porque ele acontece. E é,
neste diapasão que entra um ramo do direito que há muito se encontra
adormecido, qual seja, o Direito do Trânsito.
Não iremos estudar todos os princípios que norteiam o Direito do
Trânsito, mas falaremos sobre três deles: da segurança viária, funcionalidade
viária e da confiança.
1 Possíveis causas do afastamento do direito do trânsito
Quem se aventura a operar no Direito do Trânsito – o que são
poucos ou quase nada – muitas das vezes ou na sua grande maioria, apenas
folheia o Código de Trânsito Brasileiro e dirige a casuística para o Direito Penal
e/ou Direito Civil.
213
A maior intimidade dos operadores do direito com o Direito penal e o
Direito civil, acima citados, faz com que estes operadores amoldem seus casos
a esta seara. Ou seja, usam o Direito do Trânsito de forma subsidiaria e até
mesmo residual, o que deveria ser ao contrário.
Esta falta de intimidade com os princípios do Direito do Trânsito faz
com que seus operadores amoldem suas querelas em outros ramos do direito,
tais como direito penal e civil, e com isto fogem dos princípios que norteiam o
Direito do Trânsito.
Este afastamento dos princípios do direito do Trânsito traz uma
grande consequência: é a contribuição, de forma indireta, do aumento de
vitimados no trânsito.
Para quem queira praticar o Direito do Trânsito necessitará ter um
pouco de conhecimento de engenharia, segurança viária, psicologia, medicina
e, dentre outros. Talvez devido a esta gama de conhecimentos necessários
façam também que os operadores de direito se afastem deste ramo do direito,
contudo, tais pequenos requisitos todos têm em suas experiências de vida já
que todos nós, no mundo hodierno, utilizamos por demais as vias de circulação
em nossos deslocamentos seja para a escola, para o trabalho, para nossos
passeios, enfim para os diversos motivos.
2 A indiferença
Em sua magnífica obra "Derecho del Tránsito - Los Principios" ,
Carlos Tabasso, narra que em 08 de fevereiro de 1906, houve o primeiro
atropelamento com vítima fatal por acidente de trânsito no Uruguai e que tal
fato causou à época grande comoção nacional que chegou a inspirar várias
canções populares, contudo, hoje vários cadáveres estão em uma simples nota
da imprensa em apenas uma edição, salvo quando se envolve pessoas
notórias.
Hoje há um enorme número de pessoas que ceifam suas vidas no
trânsito e muitas das vezes nem sequer são lembradas. Parece que se tornou
normal as perdas destas vidas em nossa vias de circulação. Aceitamos que tais
perdas de vidas e o grande número de lesionados é uma consequência normal
de quem faz uso das nossas estradas. Esta indiferença nos revela que
214
acidentes de trânsito constitui um acidente estranho à sociedade, ou seja, é o
lugar onde a vida é menos valorizada.
Tal conclusão dar-se-á por ser o maior número de acidentados no
trânsito pertencer às camadas sociais economicamente mais carentes, por
estarem mais expostas à condição de pedestres, ciclistas ou em veículos
obsoletos, ou seja. Aqueles que se encontram numa posição social deficitária,
afirma o ilustre mestre Carlos Tabasso.
No Brasil o que se gasta com lesionados em acidentes de trânsito é
um valor muito alto. Segundo pesquisa do IPEA o que se gasta com os
acidentes de trânsito no Brasil chega à cifra de 22 bilhões de reais por ano, o
que corresponde a 1,2% de nosso PIB – Produto Interno Bruto.
Tais números são preocupantes e não podem deixar de ser
observados com muita atenção que o tema prescinde. Necessita-se que o
Direito do Trânsito se faça presente nesta temática. Os operadores do direito
em quaisquer campo de atuação devem, como dever de cidadania, atentar que
com suas atuações podem melhorar este cenário tão avassalador.
3 A não aplicação do direito do trânsito
Sem querer fazer críticas ou induzir a empregar formas de aplicação
do direito, numa análise bem pontual podemos afirmar que
quando os
operadores do direito deixam de no caso concreto de empregar os princípios
do Direito do Trânsito, estar-se-ão operando contra legem.
Sabemos que em muitos casos concretos que quando se chegam
aos tribunais diversas situações em que se pede uma intervenção do
Judiciário, muitas destas servem de subsídios para que o Legislativo.
Qualquer sinistro de trânsito deve ser julgado à luz das normas,
princípios e critérios próprios do Direito do Trânsito, que são completamente
diferentes do direito civil, penal e outros ramos do direito.
E é neste ponto fulcral que tentaremos através da exposição de
alguns princípios, demonstrar a amplitude do Direito do Trânsito. Se os
operadores do direito procurarem atuar dentro deste ramo, poder-se-iam
contribuir em muito para este cenário tão angustiante.
Sendo a Justiça e seus magistrados guardiães da dignidade da
pessoa humana não devem virar as costas para o Direito de Trânsito.
215
É muito incomum virmos sentenças e/ou acórdãos que façam alusão
ao Direito do Trânsito, no muito, estas saem do direito civil ou do direito penal e
cão rapidamente ao Código de Trânsito Brasileiro e retornam por onde
começaram. Dever-se-ia ser o contrário: começar no Direito do Trânsito e de
forma subsidiária e até residual usarmos o direito civil, penal ou outros ramos.
O ramo de Direito do Trânsito é tão importante que deveria, tal qual
é no Chile, o oferecimento desta matéria nas faculdades de direito. Se nos há
diversos fóruns de justiça no Brasil varas especializadas em direito da criança e
adolescente, da mulher, dentre outras, há de se haver também varas
especializadas em trânsito, não denegando a importância que aquelas
merecem.
Temos polícias especializadas em trânsito (Policia Rodoviária
Federal, Polícia Rodoviária Estadual e Guardas Municipais), delegacias de
policia civil que cuidam só de trânsito e outros diversos órgãos seja na esfera
federal, estadual e municipal que se incumbem do trânsito, não faz sentido o
motivo de o Judiciário e seus operadores se quer, salvo exceções,
“menosprezarem” os princípios que norteiam do Direito do Trânsito.
Nunca é demais lembrar, e é de bom alvitre sabermos que não
devemos confundir Direito de Trânsito com o Direito de Transportes. Este tem a
natureza jurídica de direito privado e seu objeto é a relação de cunho
econômico entre os particulares no movimento de pessoas ou coisas; já aquele
tem natureza jurídica de direito público e seu objeto é a relação técnica dos
envolvidos em trânsito.
O direito do Trânsito para alcançar seus objetivos deve-se recorrer a
critérios técnico cientifico (noções básicas de física, matemática, engenharia,
etc.) para compreensão de sua natureza.
4 Princípios
Abster-nos-emos neste artigo de conceituar princípios jurídicos e de
elencar alguns comuns a outros ramos de direito e ao Direito do Trânsito.
Iremos nos fixar de forma rápida, clara e concisa ao estudo de
alguns princípios próprios deste ramo do direito que, com certeza, contribuirá
de alguma forma para o propósito deste trabalho. Conscientes, porém, que tal
assunto não se esgota apenas nos princípios aqui que iremos estudar já que
216
há outros e estes são também de grande valia, contudo, para as suas
apresentações necessitar-se-ia de um espaço maior.
4.1 Princípio da segurança viária
Caso não houvesse no trânsito dispositivos técnicos e jurídicos para
organizá-lo, com certeza, teríamos em “conflito” entre seus usuários. Se é que
isto já não acontece, i.e. , brigas entre motociclistas e condutores de
automóveis. Basta pesquisarmos na internet que veremos inúmeros vídeos
deste cenário “bélico”.
Se não houvesse regras no trânsito todos os seus usuários
poderiam de forma livre e arbitrária fazer uso dele como bem quisesse, uns
poderiam trafegar pela direita, outros pela esquerda, todos pelo centro, os
pedestres em quaisquer lugar etc. Ao final iria prevalecer a vontade do mais
forte e daí o caos seria generalizado.
No trânsito não pode haver liberdade absoluta. O mesmo não pode
ter uma liberdade natural, tal no mercado (oferta e procura). O trânsito oferece
riscos e quem nele estar sabe que é uma atividade arriscada. Todos sabemos
que participar do trânsito é aceitar em certo grau o mínimo de risco que
poderemos correr. E este risco deve ser aceito, percebido e respeitado por
todos.
A questão de espaço e tempo no trânsito é intimamente ligada à
segurança viária. É de forma dialética que se resolve tal problemática. A
sociedade se desenvolve de forma dinâmica e a organização deste binômio,
espaço e tempo, é de grande responsabilidade do Direito do Trânsito que deve
equilibrar sempre a tensão entre ambos polos.
A conjugação de liberdade do cidadão e o risco que o trânsito
apresenta são fatores de suma importância que deve ser equacionalizado para
a segurança viária. Neste diapasão devem os legisladores e operadores do
direito se debruçarem para a conceituação de preceitos jurídicos precisos.
Quando se incrementa segurança viária temos em troca uma diminuição da
liberdade individual pelas restrições a que se visam a diminuir os riscos.
Diante deste cenário caótico de nosso trânsito que tais construções
devem ter como ponto de partida. Não se devem buscar soluções para
problemas não apresentáveis ou fora de nossa realidade. As restrições à
217
circulação devem ter como meta principal a diminuição dos riscos, conforme
sabemos, ser inerente do Direito do Trânsito.
Devido a avanços tecnológicos e a dinamicidade do trânsito,
percebe-se a grande quantidade de resoluções editadas pelo Conselho
Nacional de Trânsito. De olho nestas verificações devem os operadores do
direito estarem permanentemente atualizados, bem como, também os
condutores, razão pela qual deveriam estes passarem por uma qualificação
sistemática desta evolução. Tais regras visam, pelo menos, é o que se espera,
a diminuição dos riscos da circulação.
4.2 A liberdade de trânsito é um direito fundamental da pessoa, mas tem
que se respeitar a segurança viária de todos.
Podemos enfatizar de forma categórica que este princípio de
segurança viária é um postulado superior, um vetor principal do Direito do
Trânsito. Possui aspectos subjetivos, qual seja, cada usuário deve-se
comportar de forma a estabelecer a todo instante a segurança viária; possui
aspectos objetivos, qual seja, de cunho material, há de se construir meios para
sempre garantir a segurança por meio da engenharia, medicina, etc.
Devemos ficar atentos que para se incrementar este princípio não se
torna necessária apenas a colocação discriminada de sinais de trânsito que
visam dar maior segurança e nem tão pouco a edição de resoluções que
tentam organizar a circulação, pelo contrário, deve-se usar destes artifícios não
como um fim em si mesmo, mas seus usos devem ser de forma complementar
à uma construção de vias que por si só já forneçam aos sues usuários um
mínimo de segurança possível.
A par disto podemos citar que em alguns trechos de nossas estradas
por este Brasil, existam tantas placas limitadoras de velocidade que se chega
ao absurdo que em média a cada 800 metros tem uma placa regulamentadora
de velocidade. Assim se uma pessoa fizer uma viagem cujo percurso tenha
uma distância de 100 quilômetros, o condutor será obrigado a prestar atenção
em pelo menos 125 placas, ou seja, terá que ficar atento para regular sua
velocidade várias vezes. Assim, se por descuido ou desatenção a uma destas
placas ele não a observa poderá ocorrer um sinistro. É pedir muito das
condições humanas de um condutor automobilístico.
218
Em resumo, regras de segurança viária tem como propósito a
diminuição do risco. Daí, qualquer transgressão ou omissão a este princípio
produzirá um perigo abstrato objetivo. Devem os operadores do direito repetindo – se embrearem no Direito do Trânsito para evitar que tais coisas
aconteçam.
Vê-se, então, que este ramo do direito oferece ferramentas próprias
e eficazes para a casuística do trânsito. E este principio de segurança viária
possui outros desdobramentos, e a eles devem os operadores do direito ficar
sempre atentos e utilizá-los sempre e continuamente de forma que possa não
somente aferir se os condutores respeitaram as regras de trânsito, mas
também se pelo princípio da segurança viária pôde o Estado em suas
manifestações contribuir para que tal segurança fosse alcançada.
4.3 Princípio da funcionalidade viária
Nas vias de circulação encontram-se de forma vital e criticamente
presentes os interesses econômicos, sanitários, culturais, educacionais,
políticos, estratégicos e etc. Tamanha é esta importância que os diversos
movimentos sociais que hoje se manifestam em nosso país já perceberam o
quanto somos dependentes de nossas estradas que como forma de
demonstrar suas intenções se valem da obstrução de nossas estradas, pois, já
são sabedores de quanto necessitamos das mesmas.
A funcionalidade viária está intimamente ligada à sua seguridade. Uma
estrada segura deve oferecer uma funcionalidade de uso aos seus usuários
com o intuito de não interromper o progresso de uma nação. Deve-se atentar
para uma funcionalidade viária sem fechar os olhos para a segurança da
mesma.
Se os veiculos não trafegarem com uma velocidade compatível de que se
necessita escoar as nossas riquezas sem um alto grau de custo, poderá levar
nossa economia a um declínio. A funcionalidade está ligada a esta ideia de
escoar num breve espaço de tempo nossas riquezas de forma a torná-la mais
competitível e não mais a onerando.
A funcionalidade está intimamente ligada ao progresso da nação. Se
insere numa dinâmica na qual as estradas devem ser um caminho fácil de
escoamento e não um obstáculo a si mesmo. Alguns consideram este princípio
219
da funcionalidade como um plus dos outros princípios, sendo os demais
originários deste ou dele devem fazer referência.
Na busca de se tornar as correntes de trânsito sempre fluirem para o
desejável progresso de um país, não deve-se abrir mão da seguridade viária.
Todos os operadores do direito devem ficar atentos que tal princípio tem como
objetivo o desenvolvimento de uma nação, sem contudo, virar as costas para a
segurança e os demais princípio que norteima tão importante ramo do direito.
4.4 Princípio da confiança
Pode-se dizer que é um dos princípios há algum tempo mais
badalado na Europa, mas que infelizmente no Brasil ainda é pouco conhecido.
No trânsito onde há organização de acordo com sua normatização
se espera que todos se comportem segundo estas disposições. O trânsito deve
ser estruturado em seu aspecto físico, normatizado em consonância com as
características de organização e conduta e, ainda, sinalizados de forma
ostensiva para o conhecimento de todos os seus protagonistas afim de que
cada um cumpra seu papel para a diminuição de riscos. Através deste principio
empregamos a boa-fé nas relações. É um estado psicológico coletivo, onde
todos creem na realidade, por exemplo, cremos que os semelhantes que nos
cercam não irá nos matar.
Não podemos crer que no trânsito todos sejam verdadeiros
assassinos, pelo contrário, todos são respeitadores das normas de condução
viária. Temos que crer que os pedestres, ciclistas, motociclistas e condutores
confiem no papel de desempenho cada um no trânsito. Esta confiança deve ser
recíproca, do contrário, pode-se ter um colapso, pois o sentimento generalizado
de desconfiança nos levaria a caminhos de erros e bloqueios infinitos. Tornase, deveras, impossível para todos nós ao usarmos as vias públicas partindo
do pressuposto básico que ninguém irá cumprir as regras de circulação. Tal
fato seria uma tortura mental e por não dizer uma loucura coletiva.
Os usuários do trânsito têm o direito de que o outro tenha um
comportamento ajustado nas normas viárias. É uma expectativa que se espera
de todos. Jamais, poderá haver trânsito sem este ambiente psicológico de
confiabilidade. Todo o usuário das vias de circulação, pelo princípio da
220
confiança, tem o direito de esperar de um comportamento adequado às normas
de circulação e os demais usuários devem esperar o mesmo dele.
Pode-se dizer que o princípio da confiança possui uma base
extremamente frágil já que qualquer ação anormal, ainda que proveniente de
uma pessoa apenas pode desencadear em um conflito imediato e este pode
gerar riscos a um número indefinido de usuários.
Toda e qualquer infração às normas de circulação é uma quebra da
confiança e isto é uma "traição" prévia que todos sabemos, contudo, o pior
efeito desta transgressão se dá quanto à sua imprevisibilidade de se saber
quais os riscos que dela advirão. Porém, o que é previsível é que tais
resultados danosos devem ser imputados ao seu "traidor".
Este princípio possui alguns limites: o cumprimento das próprias
obrigações, obrigação de prevenir o risco e o principio da defesa. Deve o
magistrado empregar tal principio não se esquecendo das limitações acima,
caso contrário, poder-se-ia ter um salvo-conduto justificador para qualquer
transgressão no trânsito. A confiança deve ser sempre mútua (responsabilidade
de todos). E, no caso concreto, todos os operadores do direito devem ficar
atentos àquele(s) que descumpriu este princípio já que foi ele que com sua
conduta transgrediu um "acordo prévio" estabelecido no nosso ordenamento
jurídico das regras de circulação.
Considerações finais
O propósito deste trabalho, nem de perto foi o de querer esgotar o
assunto, dada a sua magnitude. Foi apenas demonstrar que os operadores do
direito devem sair de suas omissões no que tange a não aplicação dos
princípios do Direito do Trânsito, pois, ao fazerem isto estão contribuindo para,
cada vez mais, com o aumento de vitimados no trânsito. E, isto, foi feito apenas
no estudo de dois grandes princípios: da segurança viária e da confiança.
Assim como aconteceu com o consumidor, a criança e o
adolescente, as mulheres e idosos que ao longo dos tempos reclamaram uma
atenção devida e justa - tanto o é que foram presenteados com leis especificas,
delegacias e até varas de justiça próprias – o direito de trânsito merece tal
atenção. Há vários princípios que norteiam a aplicação do Direito do Trânsito e
negá-los é deixar à sorte uma enorme quantidade de vítimas lesionadas em
221
acidentes de trânsito sem o devido amparo legal. Devemos atentar para a
compreensão destes princípios.
E esta atenção é no sentido de todos estes operadores aplicarem os
institutos próprios deste ramo do direito, já que o mesmo possui código próprio
e princípios que lhe são inerentes, conforme apresentados. E esta aplicação,
com toda certeza, trará subsídios para as políticas públicas que tenham como
grande missão a redução dos vitimados em nossas vias de circulação.
Quando todos os operadores do direito em suas casuísticas estão a
empregar institutos que não são próprios do Direito do Trânsito estão prestando
um grande desserviço à Nação, já que os mesmos se mostram ineficazes para
o caos que atravessamos em nossas ruas, avenidas, estradas e rodovias.
Os demais ramos do direito devem ser usados de forma residual e
não subsidiária ao Direito do Trânsito, contudo, é o que não acontece hoje em
dia.
Aquelas
pessoas
que
tiveram,
como
já
citado,
seus
direitos
individualizados em leis e institutos próprios lograram um senso de justiça mais
elevado. Tal qual, devemos nos ater às casuísticas de trânsito aos ditames do
Direito de Trânsito. Fazendo isto, com certeza, iremos ajudar em muito o
convívio menos arriscado e perigoso que hoje assolam todos nós ao
utilizarmos as diversas vias de circulação que usamos no dia-a-dia para nos
locomovermos.
Assim, devem todos os operadores do direito aplicar sempre os
princípios inerentes ao Direito do Trânsito com fincas de diminuir o grande
número de lesionados e mortos no nosso trânsito.
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223
A PREPONDERÂNCIA DA GESTÃO ESTRATÉGICA DE PESSOAS NA
EXECUÇÃO DE PROJETOS ORGANIZACIONAIS
Anderson Luiz Duarte
Bacharel em Administração – FUPAC
Especialista em Gestão de Pessoas – UFSJ
Email: [email protected]
Clodoaldo Fabrício José Lacerda – IPTAN
Mestre em Administração – UNIPAC
E-mail: [email protected]
Resumo: Devido ao dinamismo e à crescente concorrência no mercado
empresarial, o sucesso na execução de projetos constitui um dos grandes
desafios para o setor executivo das organizações empresariais. Embora a
realização de um projeto envolva fatores importantes, um dos mais complexos
é o gerenciamento dos recursos humanos. Considerando a importância da
gestão de pessoas na estrutural organizacional da empresa, este trabalho
investiga, mediante pesquisa bibliográfica, qual o papel da gestão de pessoas
para o êxito na execução de um projeto. A pesquisa conclui que a gestão de
pessoas figura como fator estruturante do processo de construção de projetos
e, em sentido mais geral, da organização empresarial como um todo, pois
implica diretamente nos resultados das organizações. Assim, o êxito de um
projeto depende do material humano que ela possui e das relações entre os
diversos atores envolvidos nos processos produtivos.
Palavras-chave: Gerenciamento de Pessoas – Projeto – Êxito
Introdução
Houve uma significativa mudança da sociedade industrial, que
predominou entre os séculos XVIII e XIX, para a sociedade da informação,
iniciada em meados do século XX. Conceituando esse novo arranjo social
como “sociedade em rede”, Castells (1999) afirma que se trata de uma
conjuntura que tem como base o aumento dos meios de comunicação, pela
velocidade no processamento e disseminação da informação e pelo impacto
da tecnologia no dia a dia, influenciando hábitos e costumes.
Essa mudança no campo social e cultural implica uma alteração nos
hábitos organizacionais, de forma que, em um contexto marcado por grandes
avanços tecnológicos, a sobrevivência e o êxito de uma empresa dependem
de sua capacidade de processar dados, convertê-los em informações,
compartilhá-los com eficiência e utilizá-los em velocidade recorde em seus
processos decisórios (BARTOLOMÉ, 1999).
224
A necessidade de aperfeiçoamento se relaciona, também, ao fenômeno
da globalização, que, ao mesmo tempo em que dinamizou as relações
comerciais, permitindo ampliar o campo de atuação de uma empresa, tornou a
concorrência no mercado ainda mais acirrada. Isso porque, segundo Alvarenga
Neto (2005), ocorreu um rompimento de fronteiras geográficas pelo capitalismo
global fazendo com que as empresas tenham como concorrentes não apenas
outras empresas de sua região como também diversas outras, inclusive
situadas no outro extremo do planeta.
De acordo com Chiavenato (2002, p. 57) a organização é formada pelo
conjunto coordenado de diferentes atividades de seus colaboradores com o
intuito de realizar transações planejadas com o meio ambiente. Muitas são as
contingências que atingem a organização, tanto externamente quanto
internamente. Para se adequar a essas transformações rápidas e em alguns
casos inesperadas a organização precisa estar preparada. E como fazer isso?
É nesse momento que entra a gestão de pessoas, gerir pessoas é propiciar as
mesmas condições de efetuarem suas atividades de forma satisfatória e
inovadora, criando estímulos capazes de motivá-las. Dessa forma os
colaboradores se sentirão aptos e capazes de criar meios para se adaptarem a
cada contingência que surge nesse ambiente tão competitivo.
Como implicação dessa competitividade e do dinamismo e da crescente
concorrência
no
mercado
empresarial,
o
sucesso
na
execução
de
projetosconstitui uma dos grandes desafios para o setor executivo das
organizações empresariais. Embora a realização de um projeto envolva fatores
importantes, tais como o estabelecimento e observância aos prazos, o controle
dos custos e sua exequibilidade, o fator mais complexo na execução de um
projeto consiste no gerenciamento dos recursos humanos, sobretudo da equipe
diretamente envolvida na execução.
Entendendoque a gestão de pessoas exerce influências cruciais na
gestão empresarial e, por conseguinte, no êxito de uma empresa frente à
concorrência, este trabalho se inscreve entre os estudos voltados para a
interpretação da estrutura organizacional para o êxito de projetos empresariais
e investiga, mediante pesquisa bibliográfica, em que medida a gestão de
pessoas é preponderante para o êxito na execução de um projeto.
225
A pesquisa tem como objetivo geral discutir a importância da gestão de
pessoas para a realização de projetos. Como desdobramento desse objetivo
mais amplo, os objetivos específicos consistem em: conceituar a noção de
projeto e destacar sua função na organização empresarial; discutir o papel da
gestão de pessoas para o êxito organizacional; eidentificar quais estratégias é
relevante para uma boa gestão de pessoas, visando à realização de projetos.
A pesquisa tem natureza descritiva (descreve a relação entre a gestão
de pessoas e o êxito na execução de projetos empresariais) e explicativa,
visando à interpretação do fenômeno investigado através de pesquisa
bibliográfica. A escolha do método de pesquisa bibliográfica se justifica pela
praticidade e possibilidade e estudar mais detidamente um determinado tema,
já que essa técnica possibilita ao pesquisador uma visão mais ampla e geral
de um assunto. Assim, o levantamento e exame de trabalhos científicos de
referência fornecem conhecimentos teóricos a respeito do tema abordado,
possibilitando uma compreensão mais aprofundada sobre tema no âmbito
teórico para facilitar a realização, em trabalhos futuros, de uma possível
pesquisa de campo.
1 Gestão estratégica de pessoas
Normalmente as organizações se dedicam à promoção de uma imagem
externa que transmite credibilidade e qualidade, de forma a satisfazer o público
consumidor. No entanto, pouco se atentam para a necessidade de uma
harmonia interna entre funcionários, servidores e consumidores. Esse ponto
pode atrapalhar a produção na medida em que a falta de troca de informações
pode acabar prejudicando a qualidade dos serviços, especificamente, no caso
em questão que é a realização de projetos (ARANTES, 1998).
A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os
responsáveis pela sua sustentação. É graças ao seu trabalho que os objetivos
e metas da organização são atingidos. Nesse sentido, os conceitos de gestão
de pessoas (ou gestão de pessoal) e, mais recentemente, gestão do
conhecimento, começaram a integrar o âmbito das discussões acerca da
dinâmica funcional das empresas, levando ao desenvolvimento de trabalhos
acadêmicos e a uma produção maciça de trabalhos acerca do tema
(QUEIROZ, 2005).
226
Segundo Vergara (2003), na era da informação, a gestão de pessoal
deve ficar atenta para como os processos comunicativos se relacionam ao
conhecimento e sua gestão. Disso decorre que essa forma de gestão, longe de
ocorrer isoladamente, dá-se em relação direta com a gestão organizacional
como um todo. Assim, as empresas se deparam com um duplo desafio: gerir
corretamente seus funcionários e aprimorar os processos produtivos e
decisórios.
De modo a facilitar o gerenciamento de pessoal, Davenport e Prusak
(1999) destacam a importância do investimento em capacitação, gasto que
pode implicar benefícios para a empresa através de conhecimento. Conforme
esses autores, a empresa deve criar mecanismos que favoreçam não apenas a
retenção do conhecimento como, principalmente, sua divulgação. Desse modo,
cria-se uma atmosfera em que os funcionários assumem a empresa como seu
patrimônio ao mesmo tempo em que se consideram patrimônio da empresa.
Dessa forma, a gestão de pessoas é um processo complexo porque
envolve fenômenos subjetivos como afetividade, sentimentos e emoções.
Cabe, então, à gestão de pessoas criarem uma atmosfera de trabalho que
favoreça ao máximo a consecução do projeto almejado. Para tanto, são
imprescindíveis estratégias que visem a: estimular os funcionários, identificar
quais são suas aptidões e deficiências e, a partir daí, potencializar as aptidões
e minimizar as deficiências (VERGARA, 2003).
Assim, pode-se afirmar que a gestão de pessoas desempenha um
importante papel uma organização. Sua função écriar estímulos que motivem
os colaboradores à máxima otimização de seu desempenho, além de situá-los
sobre o que ocorre no interior da organização. Uma empresa que aspira um
bom lugar no mercado não pode depender apenas de seu êxito econômico, de
sua estrutura física e de suas condições materiais.
Para atingir seus objetivos ela deve manipular corretamente o capital
humano de que dispõe, uma vez que a gestão de pessoas consiste em um
processo moderno e contínuo de aprendizagem organizacional. Assim, pode-se
afirmar que os recursos humanos constituem a mola propulsora de uma
empresa, pois todos os processos realizados dependem da participação dos
sujeitos envolvidos.
227
Nesse sentido, o alcance das metas e objetivos traçados, bem como a
imagem interna e externa da empresa e o ambiente organizacional dependem
doentrosamento entre as pessoas que compõem o quadro de funcionários.Por
isso, segundo Toledo (1992), deve-se incentivar a capacitação do pessoal
mediante fomento à formação continuada através de cursos e especializações.
Trata-se de um investimento cujo retorno se observa na qualificação dos
funcionários que melhora os serviços e, consequentemente, agrega valor à
empresa.
Como se verá no item seguinte, um dos aspectos fundamentais da
gestão de pessoas consiste na viabilização de uma comunicação interna
satisfatória, e tal quesito é de suma importância para a realização de projetos.
2 Comunicação interna
Ao longo de muito tempo, a comunicação organizacional se dava de
forma unilateral e autocrática. Assim, o emissor formulava determinada
mensagem, que seria transmitida através de um meio de comunicação, e não
havia grande preocupação com o resultado final desse processo. O importante
era transmitir a mensagem, sem considerar a recepção e tampouco a resposta,
pois as relações eram verticalizadas. Assim, o receptor não passava de um
decodificador passivo, sem participação efetiva na comunicação (PESSOA,
2003).
No entanto, a evolução mercadológica exigiu que o receptor adquirisse
uma função mais ativa no processo de comunicação empresarial. Dessa forma,
tornou-se necessário que o emissor estivesse atento e aberto às opiniões,
críticas e sugestões do receptor, que houvesse interação e troca de
experiências.
É preciso que a informação correta seja transmitida à pessoa correta no
momento exato. Trata-se, portanto, de um exercício necessariamente
sincrônico, pois a comunicação interna constitui um processo que perpassa
todas as ações que ocorrem em uma organização, contribuindo para sua
coesão interna. Uma vez que a velocidade de acesso e processamento da
informação, bem como sua conversão em conhecimento, incidem na rapidez
com que a empresa atinge seus objetivos, os dados, a informação e o
228
conhecimento devem receber uma gestão criteriosa. Com a dinamização do
fluxo informacional, agiliza-se também a execução de projetos.
A comunicação interna constitui um processo que perpassa todas as
ações que ocorrem em uma organização, pois contribui para uma coesão
interna da organização, o que reflete em sua imagem externa e na qualidade
de seus produtos e serviços. Clemen (2005, p. 14) descreve que:
A comunicação interna constitui uma inesgotável fonte de
informações sobre o ambiente organizacional. No que diz
respeito aos recursos humanos, viabiliza o conhecimento
prévio de suas opiniões e aspirações, facilitando a criação
de mecanismos capazes de avaliar a satisfação e de
fomentar a motivação, que aliada à satisfação, traduz os
reflexos de uma comunicação interna estratégica, capaz
de agregar valor às atividades das organizações.
Assim, a comunicação interna constitui um processo que perpassa todas
as ações que ocorrem em uma organização, pois contribui para uma coesão
interna da organização, o que reflete na qualidade de empreendimentos como
os projetos. Nesse sentido, Fernandes (1999, p. 13) complementa que a
comunicação interna “exerce um papel vital nas organizações e sua falta
acarreta inúmeros problemas, que, namaioria
das vezes,
determinam o
fracasso de projetos estabelecidos”.
A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os
responsáveis pela sustentação da empresa, pois é graças ao seu trabalho que
os objetivos e metas da organização são atingidos. Conforme argumenta
Marchiori (2006, p. 45),
A integração do público interno é fundamental, pois
quando as pessoas dispõem das mesmas informações e
compreendem que são parte integrante da vida
organizacional, que possuem valores comuns e que
compartilham dos mesmos interesses, os resultados
fluem.
Assim, pode-se afirmar que uma comunicação interna eficiente ajuda a
evitar erros e desvios de informação, além de promover um sentimento de
coletividade e cooperativismo, de modo que cada funcionário se sente
responsável pelo sucesso da empresa e, desse modo, se compromete e se
empenha mais.
229
3 Clima organizacional
Tendo em mira a execução de um projeto adequado aos planos da
empresa, a gestão de pessoas deve constituir uma equipe coesa, na qual a
coletividade
supera
o
individualismo
sem
desconsiderar,
contudo,
a
individualidade de cada um. Isso porque a criação de um clima satisfatório é
fundamental para o trabalho em equipe. Segundo Queiroz (2005, p. 1875):
O clima organizacional é um fenômeno resultante da
interação dos elementos da cultura, como preceitos,
caráter e tecnologia. Decorre do peso dos efeitos de cada
um desses elementos culturais, valores, políticas,
tradições,
estilos
gerenciais,
comportamentos,
expressões dos indivíduos envolvidos no processo e
também resultante do conjunto de instrumentos,
conhecimentos e processos operacionais da organização.
Ao apontar diferentes tipos de clima organizacional, os autores destacam
i) o clima hostil, no qual as relações humanas não são levadas em
consideração; ii) o clima tenso, onde há uma pressão excessiva por resultados
e cumprimento das normas, podendo levar a ameaças e aplicação de punições
aos funcionários; e iii) o clima amistoso, no qual “existe plena aceitação dos
afetos, sem descuidar-se de preceitos e do trabalho” e “prevalece o respeito e
a prática da cooperação dos membros da organização, em função de objetivos
compartilhados” (QUEIROZ, 2005, p. 1875).
A empresa deve se preocupar com seus funcionários, pois são eles os
responsáveis pela sua sustentação, e é graças ao seu trabalho que os
objetivos e metas da organização são atingidos. Assim, é fundamental que as
empresas, independentemente do ramo em que atuam, invistam na
comunicação interna como ferramenta de auxílio à gestão, sobretudo porque,
segundo Toledo (1992), um clima organizacional negativo pode gerar
transtornos, perda de oportunidades de negócios, fracassos em transações e,
como consequência, prejuízos econômicos para as organizações.
Ainda segundo o autor, estabelecer uma atmosfera de harmonia em uma
empresa constitui um grande desafio. Uma empresa na qual os funcionários
reclamam que não são ouvidos tem grandes chances de ter insucesso. É
importante que cada funcionário se sinta orgulhoso em fazer parte da empresa,
com a qual tenha uma relação não apenas profissional como, sobretudo,
230
afetiva. Funcionários com elevada auto-estima tendem a desempenhar suas
funções com mais motivação e prazer (TOLEDO, 1992).
Para tanto, a empresa deve motivar seus funcionários, pois, embora
consista em um movimento que venha do interior, a motivação pode, assim
como outras competências, ser estimulada por expedientes tais como cursos e
treinamentos.Isso porque o funcionário motivado, seja qual for a situação, olha
os obstáculos de frente, como barreiras a serem transpostas e não como
problemas a serem carregados como fardos. (Op. Cit.).
É importante que cada funcionário se sinta orgulhoso em fazer parte da
empresa, com a qual tenha uma relação não apenas profissional como,
sobretudo, afetiva. Afinal, de acordo com Vergara (2003), funcionários com
elevada auto-estima tendem a desempenhar suas funções com mais motivação
e prazer, de modo que a gestão de pessoas deve favorecer a criação de
ambientes colaborativos e investimento em capacitação, gasto que pode
implicar benefícios para a empresa através de conhecimento. Com isso, podese criar uma atmosfera em que os funcionários assumem a empresa como seu
patrimônio ao mesmo tempo em que se consideram patrimônio da empresa.
4 Projetos
O projeto constitui um instrumental indispensável para as atividades
realizadas em uma empresa e pode abranger desde um único indivíduo a
milhares de participantes envolvidos; pode também ter durações extremamente
curtas ou longas.
De
qualquer
maneira,
o
projeto
possui
algumas
características gerais independentemente de suas especificidades.
Segundo Sato (2004), o projeto consiste em um empreendimento
caracterizado por início e fim definidos, uso de recursos (materiais, financeiros,
etc.) também definidos e execução por uma ou mais pessoas, tendo em mira o
cumprimento de metas definidas a priori e levando em consideração sua
exequibilidade. O projeto também tem duração limitada, pois seu fim ocorre
basicamente devido a três situações: a) quando os objetivos que motivaram
sua execução são alcançados, b) quando se torna evidente que as metas
traçadas não serão cumpridas satisfatoriamente por razões diversas e c)
quando não há mais necessidade da continuidade de sua execução.
231
Antes de implantar um projeto, a empresa deve possuir uma
administração estratégica a fim de identificar quais as ferramentas mais
adequadas às necessidades e aos objetivos do projeto. Seitz (2005, p. 96), por
exemplo, destaca três conceitos fundamentais que uma administração
estratégica precisa contemplar:
1) Planejamento Estratégico: técnica administrativa que
objetiva manter uma organização como um conjunto
apropriadamente
integrado
a
seu
ambiente,
identificando oportunidades e ameaças, pontos fortes e
fracos para o cumprimento de sua missão;
2) Administração Estratégica: processo contínuo e
iterativo que visa capacitar a organização de forma a
permitir que as tomadas de decisões estejam de
acordo com as decisões estratégicas;
3) Decisão Estratégica: é toda aquela que resulta numa
nova maneira de distribuir ou utilizar os recursos
básicos da empresa; nem toda decisão estratégica é de
longo prazo, embora seja, necessariamente, de longo
alcance. Envolve, portanto, os escalões superiores da
organização.
Com base na citação, pode-se afirmar que a gestão estratégica fornece a
estrutura necessária para a empresa realizar seus projetos. Afinal, de acordo
com Vieira (2002), a atividade de elaboração e execução de projetos não se dá
de forma isolada do contexto geral da empresa. Ao contrário, depende da
confluência de uma série de fatores tais como:
■ Cultura organizacional;
■ Estrutura organizacional;
■ Tecnologias de informação disponíveis;
■ Perfil empreendedor;
■ Recursos humanos;
■ Gerenciamento de pessoas.
Desses itens, um ponto crucial na definição de projeto é a necessidade
de gerenciamento dos sujeitos envolvidos. Como se verá no item seguinte, o
ato de controlar e administrar as tarefas realizadas por outrem configura uma
das facetas mais importantes de um projeto, pois os objetivos dificilmente serão
alcançados caso não haja um devido gerenciamento das pessoas envolvidas.
232
5 Papel da gestão de pessoas em projetos
Uma vez que a elaboração e execução de um projeto constituem um
processo que se caracteriza pela exigência de fatores como capacidade
intelectual, precisão, dedicação e trabalho em equipe, a gestão dos recursos
humanos adquire uma relevância capital para assegurar o cumprimento de tais
fatores.
Prado (2000) afirmaque o sucesso na execução de um projeto consiste
no perfeito equilíbrio entre os recursos materiais e humanos, sendo que estes
últimos são mais complexos de administrar, pois gerenciar pessoas implica
gerenciar sentimentos diversos, motivações, desejos e conflitos interpessoais.
Assim, uma empresa que preconiza a gestão de pessoas a fim de
subsidiar sua política global tem maiores possibilidades de êxito, pois o
gerenciamento dos sujeitos integrantes contribui para a maior eficiência do
conhecimento e concatenação entre os diversos subsistemas que formam a
empresa; afinal, os processos realizados na organização, precisamente por
não se darem de forma isolada, dependem da aptidão individual dos sujeitos
envolvidos (PRADO, 2000).
Nessa mesma linha de raciocínio, Davemport e Prusak (1998) concordam
que a gestão de pessoas constitui uma estratégia fundamental na
implementação de projetos, pois, além de orientar e chamar atenção para
possíveis falhas, estimulando o profissional a se identificar com a empresa,
agregando-lhe valor.
O
gerenciamento
de
pessoas
com
vistas
à
execução
de
projetosprecisa desenvolver junto à equipe uma cultura de dinamismo e
empenho, moldando os interesses da equipe de acordo com as necessidades
que o projeto a ser cumprido exige. Por isso Valle (2007) aponta a necessidade
de designar um gestor ad hoc especificamente para administrar os recursos
humanos envolvidos no processo de execução do projeto. Tal profissional deve
ter experiência no setor e tenha facilidade para trabalhar em equipe.
Segundo o autor, caso a empresa possua seu próprio departamento
de recursos humanos, deverá designar o profissional mais qualificado para o
nível de exigência da tarefa, isto é, um profissional que se caracterize pela
233
organização,
disciplina,
conhecimento
técnico,
dinamismo,
inteligência
emocional e habilidades interpessoais.
Conforme Antunes (1995), o gestor de pessoas se destaca por
características como o dinamismo, a identificação com o que faz a capacidade
de liderança e a facilidade para trabalhar em grupo. No entanto, a gestão de
pessoas não pode ocorrer de forma unilateral e autocrática, na qual as
relações são verticalizadas. Afinal, organização e hierarquia não significam,
necessariamente, dominação e submissão, na qual os funcionários não
passam de decodificadores passivos das informações e ordens transmitidas,
sem participação efetiva nos processos decisórios. Assim, a gestão de
pessoas, se não realizada de forma estratégica, pode ser pouco eficaz ou,
mesmo, ter um efeito contraproducente.
Assim, a gestão de pessoas, ao melhorar o relacionamento interno,
favorece não apenas a comunicação de fatos e fenômenos importantes para a
empresa como também propicia um clima organizacional mais amistoso, no
qual as relações são solidárias e afetuosas. Tudo isso, evidentemente, tem
implicações favoráveis ao desempenho final dos funcionários e da empresa
como um todo, especificamente na implementação de projetos.
Clemens (2005) explica que com o avanço das tecnologias, as empresas
atuam em um mercado caracterizado por constantes mudanças, de forma que
a velocidade e qualidade com que se processam as informações e se gerencia
o conhecimento determinam o êxito de uma empresa em um cenário
competitivo. Daí a importância de uma maior preocupação das empresas com
sua dinâmica interna, atentando para o papel da gestão de pessoal na
execução de projetos.
De fato, o planejamento e a execução de um projeto precisam levar em
consideração os sujeitos envolvidos, pois a participações deles tem
implicações decisivas no seu resultado final. Nesse sentido, é preciso que os
gestores da empresa tenham plenas condições de gerenciar os fatores
humanos que podem contribuir ou prejudicar a feitura de um projeto, sobretudo
no que toca ao nível de comprometimento, aos conhecimentos necessários e à
harmonização do trabalho em equipe.
Pelo exposto até aqui, pode-se afirmar que, em linhas gerais, são
fundamentais para a execução de projetos uma boa cultura organizacional, que
234
estimule a comunicação e a cooperação, além de uma estrutura tecnológica
adequada. A realização de projetos, precisamente por não se dar de forma
isolada, depende da aptidão individual dos sujeitos envolvidos. Daí a
necessidade de uma gestão de pessoal eficaz.
Considerações finais
Este artigo, pautado em pesquisa bibliográfica, permitiu uma reflexão
acerca do quanto a gestão de pessoas é imprescindível para a realização de
projetos empresariais, pois figura como fator estruturante do processo de
construção de projetos e, em sentido mais geral, da organização empresarial
como um todo, pois implica diretamente nos resultados das organizações.
Como se viu ao longo deste trabalho, a empresa que ambiciona o êxito
na confecção de projetos deve investir em treinamento e aperfeiçoamento de
funcionários, pois esse esforço pode trazer retornos favoráveis para a empresa,
já que uma empresa que possui funcionários motivados tem grandes chances
de ter clientes satisfeitos. Além disso, com um bom clima organizacional, a
empresa propicia que seu funcionário realize seu trabalho com liberdade, de
modo que a realização de projetos se torna uma tarefa prazerosa na qual todos
se empenham devidamente.
Como forma de atender às especificidades do projeto em execução, a
gestão de pessoas busca extrair e otimizar elementos ativos do conhecimento
já existentes na organização a fim de melhor servir aos interesses e
necessidades da empresa em determinado momento. Afinal, como já foi
afirmada, a realização de projetos, ao invés de ocorrer isoladamente, dá-se em
relação direta com a gestão de pessoal e com a gestão organizacional como
um todo.
Portanto, a gestão de pessoas exerce influências cruciais na realização
de projetos e, por conseguinte, no êxito de uma empresa frente à concorrência.
Podem-se afirmar, nesse sentido, que a maior riqueza de uma organização
empresarial é seus funcionários, de modo que se deve ter bastante atenção
para a gestão de pessoal. O êxito de um projeto depende do material humano
que ela possui e das relações entre os diversos atores envolvidos nos
processos produtivos.
235
Uma vez que esta pesquisa não tem pretensões conclusivas, espera-se
que, devido à relevância do tema, o trabalho constituía uma fonte de consulta e
pesquisa como forma de buscar ferramentas estratégicas para o melhoramento
da gestão de pessoas no âmbito empresarial.
Referências
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237
DESAFIOS PARA A (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
CURRICULAR: A ANÁLISE DO CURRÍCULO PRESCRITIVO DO CURSO DE
PEDAGOGIA DO IPTAN
Márcio Eurélio Rios de Carvalho – IPTAN
Doutor em História (UFMG)
E-mail: [email protected]
Adelaide Maria do Couto
Graduanda em Direito – IPTAN
Thaís Marley Ferreira da Silveira
Graduanda em Direito – IPTAN
Resumo: O presente trabalho intentou realizar uma análise do currículo
prescritivo do Curso de Pedagogia do IPTAN, adotando como pressupostos
teóricos os Estudos Culturais, com suas contribuições acerca de gênero, raça,
etnia e cultura; do Pós-estruturalismo, com enfoque nos temas da diferença,
discurso, saber/poder, alteridade, consciência histórica e subjetividade; além do
Pós-colonialismo, com suas análises de representação, resistência, hibridismo
e mestiçagem. Percebeu-se que há uma defasagem entre o currículo
atualmente implantado e o ideal proposto pelas teorias analisadas. Necessário
que haja um rompimento com os discursos curriculares estáticos, buscando
uma prática multiculturalmente comprometida com a desconstrução de
(pre)conceitos, questionadora das injustiças e das desigualdades e interessada
na inserção de um saber crítico. Um processo permanentemente voltado para a
construção de um currículo e projeto pedagógico críticos, voltados a atender as
demandas atuais. Os procedimentos metodológicos se resumiram na 1) análise
do Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia do IPTAN (Instituto Presidente
Tancredo de Almeida Neves), 2) Análise comparativa entre esse Projeto e
alguns Projetos Pedagógicos de instituições públicas federais, 3) leitura e
análise da bibliografia pertinente ao tema, sobretudo aquelas direcionadas para
as teorias curriculares.
Palavras-chave: Pedagogia – Multiculturalismo – Currículo
Introdução
Este trabalho teve como princípio norteador a análise do currículo do
curso de pedagogia do IPTAN, buscando-se a reconstrução do ideário que
permeia tal currículo, a partir do viés do multiculturalismo. Utilizou-se dos
postulados da teoria dos Estudos Culturais e as problemáticas que envolvem
os conceitos de gênero, raça, etnia e identidade cultural, além dos conceitos do
Pós-estruturalismo e do Pós-colonialismo, teorias que trouxeram, para o campo
da Pedagogia, novas propostas a respeito da diferença, da representação, do
discurso, e do poder na ciência educacional.
Propõe-se, a partir destas perspectivas, uma reconceitualização dos
saberes, conhecimentos, experiências e práticas pedagógicas atualmente
238
dominantes no currículo do curso de Pedagogia do IPTAN. Com isso,
objetivou-se uma reformulação de seus instrumentos curriculares, de modo que
pudessem englobar as contribuições teóricas dos estudos acima citados.
Objetivou-se auxiliar na construção de um currículo que pudesse ampliar a
formação de profissionais da Educação, fazendo com que tais profissionais
fossem capazes de propiciar um ambiente que privilegiasse a construção de
uma realidade sociocultural dialética, que realmente levasse em conta a
sociedade multicultural e desigual encontrada em nosso país. O corte com
relação às teorias tradicionais se dá em função da impossibilidade de
essencialização das identidades, posto que tais identidades culturais são
construções inacabadas, a serem construídas.
1 Algumas contribuições do currículo prescritivo
A pesquisa em questão se iniciou com o estudo do que é o currículo,
quais são as teorias que o cercam e como se dá a sua aplicação nas escolas.
Ao analisarmos o conceito de currículo foi possível identificá-lo como
instrumento de dominação cultural, ao legitimar como conteúdos a serem
ensinados aqueles aceitos e determinados pelos grupos dominantes sócioculturalmente.
Uma pesquisa desta natureza justifica-se por sua relevância teórica e
prática.
A
primeira
pela
própria
contribuição
acadêmico-científica
de
abordagem de um objeto a partir das recentes contribuições da Teoria do
Currículo; a segunda por contribuir efetivamente para apontar as falhas,
deficiências, deformações, insuficiências teóricas de um “documento de
identidade”, para utilizar a expressão-título de Tomaz Tadeu da Silva, de
grande penetração na vida escolar dos (as) discentes de Pedagogia. Nesse
ultimo aspecto, ela pode apontar os deslocamentos necessários, as
modificações urgentes para a construção de um currículo pautado nos valores
democráticos que se espera de uma sociedade mais igualitária. Ou seja, por
um lado, procura contribuir para o avanço das pesquisas relacionadas ao
currículo, por outro lado pretende modificar um Projeto Pedagógico em início
de execução, lapidando-o, ao cortar suas arestas indesejáveis, ou apontando
suas omissões e distorções.
239
Embora se saiba, atualmente, que as variadas propostas curriculares
tenham se pautado na relação ensino- aprendizagem e não exclusivamente no
ensino, e que existem diversas dimensões no estudo do currículo (formal,
oculto, real, avaliado) (BITTENCOURT, 2004, p.104), não se tem dado o
merecido valor ao currículo prescritivo. Como demonstrado por Ivor Goodson, o
currículo deve ser concebido como construção social tanto em nível da
prescrição, quanto em nível de processo e prática (GOODSON, 2011, p. 67). O
autor observa que uma reação contra o currículo prescritivo levou, por um lado,
à explosão de análises voltadas para a ação, a prática, a sala de aula; por
outro, à uma recusa total de qualquer teoria, e uma consequente
sobrevalorização da prática. Mas ambos os modelos incorriam no grande
equívoco de enfatizar o que deveria ser e não o que realmente é. Em suas
palavras:
Precisamos de um entendimento sobre como as
prescrições curriculares estão, na realidade, socialmente
construídas para uso em escolas; estudos sobre o real
desenvolvimento dos cursos de estudo, planos
curriculares nacionais, roteiros das matérias, e assim por
diante. Reafirmamos, portanto, que o problema não é o
fato do enfoque sobre a prescrição, mas o tipo deste
enfoque e sua singular natureza. O que se exige é uma
abordagem combinada – um enfoque sobre a construção
de currículos prescritivos e política combinada com uma
análise das negociações e realização deste currículo
prescritivo e voltado para a relação essencialmente
dialética dos dois (GOODSON, 2011, p. 71-72).
Fica evidente em sua análise a necessidade de se entender a
construção de currículos nos níveis de prescrição e do processo prático.
Sugere uma análise que julgue o currículo pré-ativo e interativo e a vida
particular dos professores. Nesse ultimo aspecto não se deve limitar a análise à
visão dos participantes num determinado momento presente. A abordagem
histórica permite que entendamos os modos em que o pensamento e a ação se
desenvolveram nas circunstâncias sociais do passado, afinal, o modo em que
as pessoas fazem sua história particular “não se realiza em circunstâncias de
sua própria escolha” (GOODSON, 2011, p. 75). Qualquer tentativa de
reconceitualização do currículo exige um estudo histórico sobre a sua
240
construção social, pois quase nada se sabe “sobre como as matérias e temas
fixados
nas
escolas
se
originam,
e
são
elaborados,
redefinidos
e
metamorfoseados” (GOODSON, 2011, p. 76).
O estudo da forma e do conteúdo curricular numa situação histórica
particular, desde que não visto como dado, pressuposto, tem o mérito de
enxergar o currículo escolar como componente essencial de produção e
reprodução social e cultural, na medida em que inventa tradições e é por elas
inventado. Se, conforme análises de Hobsbawm e Ranger, a nação seria a
mais significativa e persistente das tradições inventadas, o currículo escolar
tem um importante papel de compactuar ou resistir às leituras da nação
elaboradas pelas elites27.
De maneira sintética, “o currículo escrito, sob qualquer forma (...) é um
exemplo perfeito sobre invenção da tradição” (GOODSON, 2011, p. 78), que se
elabora constantemente. Daí que uma “perspectiva construcionista”, no dizer
de Goodson, deveria se preocupar com a construção social do currículo
prescritivo, mas não deixando no limbo “o que é apreendido” e “o que
acontece”. Enfim, é preciso analisar o currículo escolar “em nível de prescrição
como em nível de interação” (GOODSON, 2011, p. 78). Nos limites de uma
pesquisa de graduação só nos foi possível deter no primeiro aspecto.
Ao voltarmos para as teorias que legitimaram o currículo desde suas
abordagens iniciais, foi possível perceber que os estudos tradicionais do
currículo centravam-se no ensino, na avaliação, na didática, objetivos,
metodologia e planejamento, já que compreendiam o currículo como o meio de
organização
do
sistema
educacional,
de
forma
a
torná-lo
eficiente,
possibilitando o desenvolvimento cognitivo dos alunos no período escolar.
As teorias críticas já modificaram essa visão que se tinha do currículo,
passando a questionar os currículos que até então eram utilizados, criticando o
mecanicismo dos mesmos e a presença única e majoritária da ideologia do
grupo dominante. Neste sentido, os conceitos do arcabouço teórico marxista
estarão aí presentes, com ênfase para os conceitos de lutas de classes,
Cf. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das Tradições. RJ: Paz e Terra, 1984.
Para uma critica quanto ao que sustentaria a identidade nacional para esses autores, Cf
AZEVEDO, Cecília. Identidades compartilhadas: a identidade nacional em questão. In: ABREU,
Marta; SOIHET, Rachel (ORGS). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. RJ:
Casa da Palavra, 2003.
27
241
emancipação e libertação, resistência, classes sociais, relações sociais de
produção etc.
Já as teorias pós-críticas, utilizadas atualmente, focam sua análise do
currículo a partir do pluralismo cultural presente nas sociedades globalizadas,
sendo o currículo um instrumento para a representação igualitária das culturas,
possibilitando que todos se vejam inseridos na realidade escolar. Os conceitos
mais abordados pelos teóricos pós-críticos são: identidade, alteridade,
diferença, subjetividade, multiculturalismo, representação, cultura, dentre
outros (SILVA, 2011, p. 17).
Ao analisarmos o Projeto Pedagógico do IPTAN (Instituto Presidente
Tancredo de Almeida Neves), identificamos que em sua fundamentação teórica
não estavam presentes as teorias pós-críticas essenciais para a formação atual
de professores (as). Não havendo na grade curricular do curso disciplinas que
contemplem os conceitos pós-críticos, como também não apresentando
aquelas voltadas para a valorização da pesquisa educacional como um meio
de desenvolvimento do aluno produtor de conhecimento e aprendizagem. A
ausência de tais conceitos em uma sociedade definida como plural, na qual
estão inseridas pessoas diferentes, tendo cada uma, características próprias,
pode causar uma formação deficiente do profissional da Educação, já que se
faz necessário que ele seja formado de maneira a saber lidar com essas
diferenças presentes na sociedade. Além disso, embora o Projeto defina-se
como interdisciplinar, falta-lhe uma contribuição teórica mais estreita de
conceitos presentes em áreas como da Antropologia, História, Sociologia e
Linguística. Finalmente, notou-se uma ausência de disciplinas voltadas para a
pesquisa educacional, imprescindíveis para a formação de um profissional
produtor de conhecimento.
Para que os professores tenham esse preparo é necessário que as
universidades insiram nos currículos dos cursos de Pedagogia as teorias e
conceitos que possibilitem aos estudantes compreenderem como as diferenças
culturais devem ser trabalhadas no ambiente escolar, fazendo com que as
escolas consigam lidar melhor com as diferenças culturais entre os alunos (as).
Com a definição de quais eram as falhas do Projeto Pedagógico analisado
passou-se então a sua reestruturação, dividindo os conceitos estudados pela
grade curricular do curso, distribuindo-os de maneira a possibilitar com que o
242
(a) aluno (a), ao final do curso, conheça de maneira progressiva os principais
conceitos que regem a teoria educacional atual.
Na tentativa de conjugar as contribuições significativas das teorias
críticas e, sobretudo, das pós-críticas, optou-se por dividir a grade curricular da
seguinte maneira, conforme os períodos letivos:
1º período: Ideologia, Poder, Reprodução social e Resistência;
2º período: Experiência, Memória individual e Subjetividade;
3º período: Temporalidade, Consciência histórica e Memória histórica;
4º período: Reprodução cultural, Política cultural e Cultura Midiática;
5º período: Diferença, Alteridade e Identidade cultural;
6º período: Gênero, Raça, Etnia e Sexualidade;
7º período: Significação, Discurso e Narratividade;
8º período: Colonialismo, Multiculturalismo e Representação/Dominação
cultural.
2 Conceitos Estruturantes
2.1 Ideologia, reprodução social e resistência (1º período).
A ideologia é a apreensão da realidade em uma ideia. São várias as
formas de se disseminá-las. Instituições oficiais dão subsídios aos que
precisam e sobrevivem à custa da ideologização. As relações de poder em
nossa sociedade não mais são aquelas em que o rei soberano ditava as regras
e exercia seu poder diretamente sobre os súditos. Essa perspectiva muda
quando começam a surgir as chamadas, por Foucault, instituições de
disciplina, que agora não mais se encontram no âmbito externo ou se
direcionam ao patrimônio dos súditos. A disciplina agora atinge a alma dos
indivíduos, que agora passam também a ter um status de utilidade. Nas
palavras de Foucault, “o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez
de se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida
adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 2001).
Uma das instituições mais eficazes e de maior abrangência é a escola. A
educação se transforma numa forma contundente de reprodução ideológica e
sagazmente bem direcionada, ela mantém todos no devido lugar.
243
Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes
práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva
da ideologia da classe dominante, que são em grande
parte reproduzidas as relações de produção de uma
formação social capitalista, isto é, as relações de
explorados com exploradores e de exploradores com
explorados. Os mecanismos que reproduzem este
resultado vital para o regime capitalista são naturalmente
envolvidos e dissimulados por uma ideologia da Escola
universalmente reinante, visto que é uma das formas
essenciais da ideologia burguesa dominante: uma
ideologia que representa a Escola como um meio neutro
(ALTHUSSER, 1970)
Neste sentido a escola torna-se um mecanismo de moldar/produzir a
mão de obra, o futuro trabalhador que já será educado/adestrado para a
sociedade capitalista. Assim cria-se um circulo vicioso em que a ideologização
através do processo educacional reproduz novamente essa ideologia.
2.2 Experiência, Memória individual e Subjetividade (2º período).
Na prática da docência, o professor deve se utilizar das teorias
aprendidas com seus estudos, mas também deve relacionar aquilo que viveu,
suas experiências e memórias para a melhora do exercício da sua profissão.
Ao incorporar suas experiências e memórias, o professor consegue se
aproximar da realidade do aluno, fazendo com que ele se interesse mais pelo
conteúdo administrado.
O uso dessa subjetividade do professor na sala de aula faz com que ele
se torne gerador de conhecimento e aprendizagem, e passe a produzir o seu
próprio material de ensino, podendo adequar o que os alunos necessitam
aprender ao que deve ser ensinado.
Para Guattari e Rolnik: "a subjetividade está em circulação nos
conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e
assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares" (GUATTARI
e ROLNIK, 1986, p. 33).
2.3 Temporalidade, consciência e memória históricas (3º período).
No conjunto dos escritos de um importante filósofo judeu e membro da
Escola de Frankfurt – Walter Benjamim – destaca-se o ensaio “A obra de arte
244
na época de sua reprodutibilidade técnica”, em que mostra a perda da aura da
obra de arte, com seu caráter único e inefável, com os processos de
reprodução, multiplicação e reedição infinitas; alguns ensaios sobre Baudelaire;
as famosas teses “Sobre o conceito de história”, seu último escrito, que critica a
crença no progresso da Socialdemocracia alemã, seu principal alvo, e sua tese
de ingresso na Universidade de Frankfurt – “Origem do drama barroco alemão”
–, recusada por ser ininteligível.
W. Benjamin era favorável à ideia de que o ofício do historiador tem
como função primordial a elaboração da história dos vencidos de ontem e de
hoje. Ou seja, não basta à história tomar como objeto de investigação os
excluídos, desclassificados, marginalizados para dar-lhes voz, mas também
procurar a libertação destes indivíduos no presente. Ainda que o passado
esteja consumado e irreparável, é possível retomar suas exigências, suas
respostas inacabadas, seu futuro que não vingara. A história não é o campo de
estudo do que se passou, mas das tentativas frustradas, dos projetos
inacabados, dos sonhos impedidos. É exatamente por isso que a filosofia da
história benjaminiana comporta aquilo que Marcel Proust chama de
“ressurreições da memória”. Todavia, para o poeta francês é a reminiscência
da lembrança individual, a experiência de um sabor, um odor, ou a visão
presente que se remete às profundezas da memória de uma infância, de um
momento que se foi no tempo, que a “quase tudo” corrói. Em Benjamin, ao
contrário, existe uma preocupação com a memória coletiva a ser produzida
pelo estudioso do passado. Cabe a ele a tentativa, muitas vezes em vão, de
reencontrar esta memória perdida pela história dominante. São fragmentos,
“cacos da história” que o presente deve procurar, impedindo que fiquem
imersos no esquecimento. Se todo documento da cultura é também um
documento da barbárie, ao historiador cabe “reter firmemente uma imagem do
passado, como ela inadvertidamente se coloca para o sujeito histórico no
momento do perigo. O perigo ameaça tanto o conteúdo dado da tradição,
quanto aqueles que a recebem” (GAGNEBIN, 1993, p. 63). Do contrário, os
erros do passado serão repostos em maior grau no presente.
O conceito de experiência em Benjamin toma de empréstimo o modelo
de narração de Marcel Proust. Segundo ele, “a verdadeira narração toma sua
fonte
de
uma
experiência
no
sentido
pleno
do
termo
(erfahrung),
245
progressivamente abolida pelo capitalismo” (GAGNEBIN, 1993, p. 58).
Diferentemente da história pessoal (erlebnis), a experiência está ligada a uma
tradição coletiva, típica das sociedades pré-capitalistas, cuja organização
“reforça a vinculação consciente a um passado comum, permanentemente vivo
nos relatos dos narradores” (GAGNEBIN, 1993, p. 58/59). E neste aspecto, a
filosofia benjaminiana é melancólica com relação a esta perda da memória
coletiva operada pela divisão social do trabalho da sociedade capitalista.
Segundo ele, talvez seja esta a maior destruição deste sistema econômicosocial: a rápida destruição da memória comum que se transmite oralmente de
geração em geração, bem como ao seu oposto, o culto do sempre novo, típico
das notícias jornalísticas.
2.4 Reprodução cultural, Política cultural e Cultura midiática (4º período)
A sociedade se caracteriza pelas várias culturas que a integram,
devendo haver espaço para que todas essas culturas sejam representadas e
valoradas no meio social. Mas essa valorização das culturas diferentes e a sua
reprodução não é o que acontece. O ambiente escolar parece entender que a
cultura a ser reproduzida é a cultura pertencente ao grupo dominante. Essa
reprodução da cultura dominante é defendida pelo Estado que tem
mecanismos para efetivá-la, utilizando-se das escolas para que ela seja
disseminada para o maior número de pessoas.
É estabelecida como cultura dominante aquela que vem dos grupos que
detém o poder econômico, fazendo que essa soberania rebaixe as outras
culturas existentes como não importantes, classificando-as como subculturas.
Com efeito, essa reprodução cultural tem como intuito a consolidação da
cultura dominante como única, não se levando em consideração nada do que é
produzido pelos demais grupos sociais, o que aumenta a diferença entre as
classes sociais. Como a cultura que é reproduzida nas escolas é a da classe
alta, os alunos que veem reproduzidos na escola a realidade que vivem com
sua família, percebem continuidade entre o que a família ensina e o que a
escola ensina. Já os alunos vindos da classe baixa deparam-se pela primeira
vez com aquela realidade, não havendo nenhuma adequação do que eles
conhecem com o que está sendo apresentado. Isso faz com que os alunos
abastados mantenham-se na escola e consigam a formação acadêmica,
246
mantendo-se seu nível social ou até melhorando-o. Enquanto os alunos menos
abastados que não se encaixam nessa realidade, muitas vezes abandonam os
estudos e continuam condenados a viver na mesma ou pior situação
econômica.
Para Bourdieu e Passeron diante dos problemas causados pela
reprodução cultural nas escolas, a melhor solução seria a adequação de uma
proposta pedagógica, na qual pedagogia e currículo reproduzissem, nas
escolas, para as crianças de classe dominadas, as condições de aprendizagem
que as crianças dominantes já possuem fora do ambiente escolar. A saída é
não relegar a cultura delas como uma não cultura, que não tem valor, mas
introduzindo na realidade escolar elementos presentes nessas culturas
excluídas, desenvolvendo o interesse dos alunos, ao notarem a sua cultura
representada no espaço escolar.
[...] no funcionamento de uma instituição escolar que, sem
dúvida, nunca exerceu um papel tão importante e para
uma parcela tão importante da sociedade como hoje, essa
contradição tem a ver com uma ordem social que tende
cada vez mais a dar tudo a todo mundo, especialmente
em matéria de consumo de bens materiais ou simbólicos,
ou mesmo políticas, mas sob as espécies fictícias da
aparência do simulacro ou da imitação, como se fosse
esse o único meio de reserva para uns a posse real e
legítima desses bens exclusivos (BOURDIEU, 1998,
p.225).
Essa reprodução cultural causa marcas dentro da sociedade, como já
demonstrado, sendo que, apesar de ser um dos responsáveis pela
desigualdade, é dever do Estado criar recursos para evitar que essa
desigualdade aumente e cause resultados piores. Um dos meios para se
diminuir essa diferença é a adoção de uma política cultural, descrita no verbete
do Dicionário crítico de política cultural como: “Uma ciência da organização das
estruturas culturais”, que deve ser entendida
como programa de intervenções realizados pelo Estado,
entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo
de satisfazer as necessidades culturais da população e
promover o desenvolvimento de suas representações
simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política
cultural apresenta-se assim como o conjunto de
iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover
a produção, distribuição e o uso da cultura, a preservação
247
e a divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento
do aparelho burocrático por elas responsável (COELHO,
1997, p. 293).
A política cultural tem muitos motivos para ser promovida. O primeiro é
que a cultura pode ser vista como um forte “cimento social”, um meio de
manutenção de uma ordem social e política, que serve para legitimar o Estado
como a entidade que tem como fim o cuidado com todos. A segunda motivação
é a da chamada difusão cultural, na qual a política cultural é o meio de
transmissão de um núcleo cultural positivo que deve estar em contato com o
maior número de pessoas possível, objetivando-se levar “cultura ao povo”. Já a
terceira motivação para a implementação da política cultural é que pode ser o
meio de resposta às demandas sociais, na medida em que os autores dessa
política não criam nada por sua iniciativa, mas sim como resposta as
reivindicações que lhe são apresentados.
Com isso se entende política cultural como o meio do Estado ou dos
agentes próximos a ele produzirem uma “circulação” de culturas, respondendo
aos anseios populares e legitimando a posição do Estado dentro de uma
sociedade. A política cultural deve ser encarada como um modo de
preservação da tradição cultural, bem como um meio de reprodução de novos
valores culturais.
Como já demonstrado, a cultura possui diferentes modos de ser
produzida e reproduzida, e um dos meios atualmente mais usados de
reprodução e produção cultural são as mídias. Considerando-se como mídia
todos os meios de comunicação de massa, tem-se um amplo leque de
mecanismos para circulação de informações e opiniões.
A mídia deve ser encarada como uma reprodutora cultural, já que são
produtoras
de
cultura,
pois
transmitem
mensagens,
influenciam
no
comportamento, no modo de agir, pensar e sentir das pessoas. As culturas
midiáticas também representam poder. A opinião que temos em relação a
algum fato que está na mídia relaciona-se às nossas condições sociais e
econômicas.
Diante de tanta influência da cultura midiática na sociedade, é
necessário que ela seja inserida na escola, possibilitando assim uma melhor
instrução do que ela produz e qual a melhor maneira de utilizá-la. A cultura
248
midiática deve ser utilizada como um mecanismo que vai auxiliar a escola na
formação dos alunos, promovendo uma interação entre diferentes culturas, e
não só como geradora de uma nova cultura que aumente ainda mais as
diferenças socioculturais.
2.5 Diferença, alteridade e identidade cultural (5º período).
A identidade é construída a partir do reconhecimento da diferença que é
a base da diversidade social. Essa identidade se molda através do contato com
o outro, num processo dinâmico e dialético. É a alteridade que possibilita este
encontro com o mundo, sem que ocorra a perda da subjetividade, reafirmando
o “diferente” perante a própria subjetividade.
Antes é preciso perder o temor ao outro, ao diferente e deslocar essa
oposição, pois diante de uma infinita gama de possibilidades trazidas pela
diversidade cultural, a compreensão dos processos de uma sociedade
integrada torna-se uma estratégia de sobrevivência da própria diferença e
consequentemente da identidade cultural. Como preleciona Stuart Hall:
À medida que os sistemas de significação e
representação
cultural
se
multiplicam,
somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais poderíamos nos identificar - ao menos
temporariamente(HALL, 2002, p. 13).
O resgate ético com a alteridade leva ao encontro do outro, daquele ou
daquilo que é diferente. É preciso reconhecer a diferença entre os povos, os
seus costumes, suas histórias. Existe sim a diferença e ela não deve ser
tratada como uma doença e sim como algo intrínseco, subjetivo, parte orgânica
de seus membros. E parece ser essa diferença cultural das classes (gênero,
raça, religião, e tantas outras formas que se denominam os grupos) a sua
maior arma contra as injustiças sociais. A diferença é o caminho para a busca
da igualdade social.
A sociedade é multicultural. São expressões culturais e valores micro
que constituem a macrocultura de uma sociedade. Esses variados grupos não
se excluem e o multiculturalismo surge como um projeto capaz de lidar com
essa sociedade multifacetada. Um processo permanente de construção e
reconstrução em que é proposto ir além da valorização cultural, questionando a
249
própria construção das diferenças, dos estereótipos e preconceitos. O
multiculturalismo canaliza essa relação na construção de uma sociedade livre,
democrática e capaz de alcançar a tão sonhada justiça social.
O papel da escola é mediar este processo de identificação através do
conhecimento da cultura do outro, sem, no entanto opô-la, denegá-la.
Compreendendo a diferença para alcançar o aprofundamento da alteridade,
não se trata de apenas aprender sobre outras formas de expressões culturais e
sim de compreender os contextos múltiplos de seu surgimento, suas raízes.
O encontro da alteridade é uma experiência que nos
coloca em teste: dele nasce a tentação de reduzir a
diferença à força, podendo também gerar o desafio da
comunicação como um empenho constantemente
renovado (MELLUCCI, 1996, p. ?).
Diferença, alteridade e identidade cultural precisam ser constantemente
atreladas ao processo de aprendizagem, de uma forma que irá transformar
paradigmas, desconstruir ideias preconcebidas, fornecendo um aporte
estrutural no desenvolvimento de novos olhares sobre o outro e sua cultura,
deixando para trás velhos estigmas sobre a simples “tolerância” ao diferente. A
partir desse novo olhar será possível a construção de uma sociedade mais
justa e com identidades culturais autônomas, capazes de agregação e fortes o
suficiente para por fim à segregação cultural destes tempos de mundo
globalizado e hierarquizado.
É preciso inserir no projeto pedagógico as noções de identidades
multiculturais
de
forma
crítica,
assim
incorporando-as
nos
discursos
curriculares e nas práticas discursivas, deixando para trás práticas de
uniformização das identidades. A prática pedagógica precisa reconhecer a
diversidade cultural, rompendo preconceitos através de um currículo baseado
no multiculturalismo, em que há a valorização da diversidade cultural e que
trate esta diversidade como algo em constante movimento.
Este currículo em ação, através dos estudos multiculturais e de forma
crítica, valoriza as diversas formas de expressões culturais trazidas pelas
demandas dos alunos, porém visa não só esta alteridade com o diferente,
procurando também questionar a própria construção cultural. Possibilita que os
250
próprios alunos analisem suas identidades e critiquem os valores préestabelecidos e com isso possam contrapor estes valores com a sua realidade.
Ao se propor um currículo baseado no multiculturalismo de forma crítica,
proporciona aos alunos que eles busquem informações, tomem consciência de
todos os mecanismos que permeiam a criação das identidades culturais. Esse
processo dialético é fundamental na busca de grandes mudanças sociais,
através do quais professores, alunos e todos envolvidos no processo
educacional, poderão superar as desigualdades. A postura crítica trás em seu
bojo o condão de transformar a realidade, superar as desigualdades, dando
aos agentes envolvidos um olhar sempre crítico.
2.6 Gênero, raça, etnia e sexualidade (6º Período).
Segundo o Dicionário Mobile de Língua Portuguesa a palavra Sociedade
é caracterizada como um conjunto de pessoas que mantêm relações sociais, e
tais relações são construídas a partir da convivência entre as pessoas. Como
as pessoas são diferentes, a sociedade também é cercada pela diferença.
Essas diferenças se concentram no gênero, etnia, raça e sexualidade,
necessitando-se de um discurso social em que as diferenças devam ser
respeitadas e todos devam ser tratados de maneira igual, tanto por parte dos
indivíduos quanto por parte do Estado.
Mas essa não é a realidade que se pode observar. Ainda hoje a
sociedade valoriza algumas características sobre outras, como a valorização
da “raça” branca, do homem e do heterossexual, rebaixando-se muitas vezes
aqueles que não se encaixam nesse padrão dominante.
O conceito de gênero foi criado como uma tentativa das estudiosas
feministas de diminuir essas diferenças impostas entre homens e mulheres,
posto que elas intentaram contrapor a ideia de essencial, recusando as
explicações
pautadas
no
determinismo
biológico,
que
explicavam
o
comportamento de homens e mulheres. Assim, o conceito de gênero
estabelece que sejam analisadas questões sócio-culturais e não só biológicas,
analisando-se a cultura na qual estão inseridos homens e mulheres.
Quanto a raça, apesar de a ciência já ter se manifestado no sentido de
que não existe geneticamente nenhuma diferença que possibilite a divisão dos
seres-humanos em raça, ainda se tem uma construção social baseada na
251
superioridade da “raça branca”. O conceito de raça se funda em determinadas
características físicas como cor da pele e tipo de cabelo que interferem no
lugar social dos indivíduos dentro da sociedade.
Enquanto a raça se concentra nas características físicas que distinguem
as pessoas, a etnia se ampara na ideia de que as diferenças culturais também
são responsáveis pela divisão dos grupos sociais. Algumas pessoas podem
possuir os mesmos traços biológicos (cor, tipo de cabelo), embora sejam
diferentes social e culturalmente, e pertencentes, portanto, a diferentes etnias.
[...] podemos compreender que raça é, na realidade um
misto de construções sociais, políticas e culturais nas
relações sociais e de poder ao longo do processo
histórico. Não significa, de forma alguma, um dado da
natureza. É no contexto da cultura que nós aprendemos a
enxergar as raças (GOMES, 2005, p. 49).
Quanto à sexualidade, trata-se do conceito mais problemático e
polêmico. A sociedade em sua maioria se declara heterossexual, aceitando-se
somente os casais formados por homens e mulheres e entendendo como
família aquilo que provém desse relacionamento. Se dentro da sociedade
existem aqueles que não se encaixam nessa descrição, sendo “diferentes”,
declarando-se homossexuais, como a escola pode manipular tais diferenças?
Basta apenas lutar pelo direito ao respeito e diversidade?
É preciso atentar para o fato de que o preconceito com o diferente está
enraizado em todos os níveis da sociedade, inclusive na escola, na medida em
que o currículo escolar sub-representa as mulheres, negros, indígenas e
homossexuais.
Em termos de representação racial, o texto curricular
conserva, de forma evidente, as marcas da herança
colonial. O currículo é, sem dúvida, entre outras coisas,
um texto racial. A questão da raça e da etnia, não é
simplesmente um “tema transversal”: ela é uma questão
central de conhecimento, poder e identidade. O
conhecimento sobre raça e currículo não pode ser
separado daquilo que as crianças e jovens se tornarão
como seres sociais (SILVA, 2011, p. 102).
Para que haja uma mudança desse pensamento tão presente na
sociedade é preciso uma mudança dentro do currículo escolar, no qual essas
252
diferenças sejam tratadas de maneira correta, em que todos sejam
representados da mesma maneira, havendo espaço para a discussão dessas
diferenças, e as razões histórico-sociais de domínio de determinados grupos
sobre outros.
2.7 Significação, discurso e narratividade (7º período).
O discurso é uma forma de nomear a realidade, expressam diferentes
significados que são produzidos no seio da sociedade. A sua produção está
imbricada nas relações de poder. São produtos de disputa política e o que é
disseminado como discurso oficial é o resultado dessas forças antagônicas da
luta de classes. Criticar o discurso dominante é conseguir desnaturalizá-lo para
enxergar o que está por trás de sua construção. Ressignificá-lo através da
narratividade, pois sem esse processo não há como existir o desenvolvimento
da cultura.
O discurso se insere no centro da formação das identidades culturais
que formam os valores da sociedade para o qual são direcionados, e é através
desses discursos que a cultura é transmitida.
Essa vontade de verdade (...) apóia-se sobre um suporte
institucional; é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida
por todo um compacto conjunto de práticas como a
pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da
educação, das bibliotecas, como as sociedades de sábios
de outrora, os laboratórios hoje. Mas ele é também
reconduzido, mais profundamente sem dúvida, pelo modo
como o saber é aplicado em uma sociedade, como é
valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído
(FOUCAULT, 1996).
2.8 Colonialismo, multiculturalismo e representação/dominação cultural
(8º Período).
O colonialismo designa o apogeu do expansionismo europeu, na
segunda metade do século XIX, com a dominação de territórios da África e
Ásia pela Grã-Bretanha, França e Alemanha. O conceito de colonialismo se
difere do conceito de colonização, posto que no último se tem a exploração
político-social de um território, enquanto que no primeiro se tem uma
dominação política, hegemonia cultural e exploração de povos e terra
conquistadas.
253
A hegemonia cultural é quesito essencial para haver o colonialismo,
sendo que é através dela que o país conquistador vai se impor de maneira
mais profunda no território “tomado”. Os mecanismos que possibilitam essa
hegemonia é a imposição da cultura dominante sobre a cultura dominada,
como a implementação da língua do dominador como língua oficial, que passa
a ser ensinada nas escolas e não mais a língua nativa. Os europeus também
se utilizavam do discurso de que a sua cultura é a que deveria ser imposta por
ela ser mais desenvolvida e superior às culturas locais dominantes.
Com o colonialismo muito da cultura local foi perdido, posto que as
gerações que nasceram durante o período de dominação tiveram mais contato
com a cultura “estrangeira” do que com a sua própria cultura, perdendo-se
muito da tradição oral dessas culturas.
Quando esses territórios conquistaram a sua independência no século
XX, muitos teóricos passaram a analisar como se daria essa transição dentro
da cultura desse “novo” país, uma vez que havia a preocupação de como a
influência cultural da antiga metrópole influenciaria na produção cultura que
começava a ser produzida.
Esse estudo da influência da cultura europeia na produção cultural do
país agora independente é feito pelo Pós-colonialismo, movimento que tem
como um dos precursores Homi Bhabha (O local da cultura) e Edward Said
(Cultura e imperialismo). Uma das questões abordadas no interior do póscolonialismo é o uso da língua do colonizador nas produções literárias, ao invés
de se utilizar a língua local.
O reconhecimento que a tradição outorga é uma forma
parcial de identificação. Ao reencenar o passado, este
introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis
na invenção da tradição. Esse processo afasta qualquer
acesso imediato a uma identidade original ou a uma
tradição ‘recebida’. Os embates de fronteira acerca da
diferença cultural têm tanta possibilidade de serem
consensuais quanto conflituosos; podem confundir nossas
definições de tradição e modernidade, realinhar as
fronteiras habituais entre o público e o privado, o alto e o
baixo, assim como desafiar as expectativas normativas de
desenvolvimento e progresso (BHABHA,1998, p. 21).
254
Outra corrente que tem por intuito diminuir a influência e opressão que uma
cultura tem sobre outra é o Multiculturalismo, iniciado nos Estados Unidos, no
qual um grupo de afroamericanos reivindicou que as faculdades passassem a
oferecer disciplinas em que eles pudessem estudar sua própria história e
cultura. Tal movimento foi bem sucedido, sendo implementado gradualmente
nas universidades pelos chamados Black Studies.
O conceito de multiculturalismo foi sendo aperfeiçoado com o passar do
tempo, sendo que hoje o objetivo multiculturalista é a defesa da igualdade das
culturas. Não se defende uma homogeneidade de todas as culturas, mas que
todas tenham os mesmos direitos de serem protegidas, praticadas e
ensinadas.
O multiculturalismo mostra que o gradiente da
desigualdade em matéria de educação e currículo é
função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça,
etnia e sexualidade, por exemplo que não podem ser
reduzidas à dinâmica de classe. Além disso, o
multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade não
pode ser obtida simplesmente da igualdade de acesso ao
currículo hegemônico existente, como nas reivindicações
educacionais progressistas anteriores. A obtenção da
igualdade depende de uma modificação substancial do
currículo existente (SILVA, 2011, p. 90).
Uma parte da teoria multicultural se destina às escolas, na tentativa de
se programar um currículo multicultural, no qual todas as culturas tenham o
mesmo espaço, e não haja a supremacia de uma sobre a outra, através do
reconhecimento e da representação da diversidade cultural.
Ao se analisar os movimentos que buscam legitimar a independência
cultural, é necessário também entender o que possibilitou que houvesse esse
predomínio de uma cultura sobre a outra. Essa legitimação se deu através,
principalmente, de um discurso que representa uma ideologia, e essa
representação transforma em verdade aquilo que se quer passar através dela.
Ela tem o poder de “mudar” a realidade do cidadão, posto que ela é capaz de
produzir imagens, conceitos e ideias.
Essas análises culturais só se tornaram possíveis com a criação do
chamado Estudos Culturais, que foi desenvolvido nos Estados Unidos no final
da década de 1950 e início da década de 1960 pelos pesquisadores Hoggart,
255
Williams e Thompson, que começaram a observar as práticas culturais, assim
como as mudanças e relações sociais.
Atualmente os Estudos Culturais se concentram no estudo da formação
das identidades sociais, analisando a linguagem e o poder, na tentativa de
desvendar como a linguagem é usada como meio de moldar os interesses
sociais. Para tanto o objeto de análise dos Estudos Culturais são as mídias,
escritas e faladas, como rádio, televisão, literatura etc.
3 Em busca de um novo currículo
A análise do currículo prescritivo do curso de Pedagogia do IPTAN, à luz
dos postulados teóricos discutidos ao longo da realização do presente trabalho,
demonstra que o mesmo possui algumas insuficiências teóricas e práticas em
relação aos Estudos Culturais. Tal deficiência acaba por impedir que o curso
atenda às exigências culturais trazidas pelas especificidades da realidade a
qual os discentes estão inseridos, limitando sua formação como educadores.
Nos primeiros anos escolares é que o iniciante na arte de aprender toma
contato com um dos mecanismos mais eficazes de controle e disciplina social:
a escola. Na sociedade atual esse direcionamento fica claro ao analisarmos os
currículos prescritivos existentes. Há uma tendência à padronização de sua
produção e este será imposto em sentido vertical, de cima para baixo. Quando
se ensina a língua da classe dominante, o que se aprende não é apenas a
linguagem e sim o modo de pensar dos criadores dessa linguagem. Tomaz
Tadeus da Silva pondera que
O currículo existente é a própria encarnação das
características modernas. Ele é linear, sequencial,
estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é
disciplinar e segmentado. O currículo existente está
baseado numa separação entre "alta" cultura e "baixa"
cultura, entre conhecimento científico e conhecimento
cotidiano (SILVA, 1999, p. 115).
Essa "educação" não se dá de forma amena, mas com punições,
opressões, supressão da liberdade de pensar. A escola molda e conserta, pune
e cerceia, sempre de acordo com as normas consideradas "corretas", ditadas
pela classe dominante, enfim, ela impõe sua "cultura padrão".
256
A desigualdade, presente no espaço escolar, esconde o arsenal cultural
dos alunos oriundos das classes dominadas. Estes alunos trazem consigo para
a sala de aula uma diversidade cultural que é rechaçada logo de início.
Tratados com o estigma de que sua cultura, seus valores e crenças são
inferiores, têm seus conhecimentos, seus símbolos e seu acervo cultural
relegado ao seu estrito convívio social, não tendo reconhecimento de suas
expressões culturais.
Na concepção de Bourdieu:
Globalização é uma palavra que, funcional como uma
senha e uma palavra de ordem, é, com efeito, a máscara
justificadora de uma política que visa universalizar os
interesses e a tradição particular das potências
econômica e politicamente dominantes, sobretudo os
Estados Unidos, e estender ao conjunto do mundo o
modelo econômico e cultural mais favorável a essas
potências apresentando-o ao mesmo tempo como norma,
um tem-que-ser e um fatalismo, destino universal, de
modo a obter a adesão ou, pelo menos, resignação
universais (BOURDIEU, 2001, p. 90).
Uma homogeneização assola o mundo globalizado, manifestações
culturais deram lugar à cultura de massa, pasteurizada. Este se tornou o jogo
de ideologização eficaz e barato que deixou marcas cruéis no mundo. Isso
levou ao colapso de milhares de culturas minoritárias, massacre das
sociedades dominadas, silenciando de vez quem já não tinha espaço no
mundo dominado pelos ideais da elite.
Em contrapartida a essa cultura uniformizada, surgem os estudos
multiculturais numa tentativa de buscar uma educação que sensibilize e
valorize a multiplicidade de universos culturais. O multiculturalismo traz de volta
os valores a serem agregados, pois eles são as microculturas que constituem a
macro cultura. Porém o multiculturalismo trás um problema em seu gene. Ao
preconizar um currículo multicultural há um grande risco de uma disseminação
da ideia de conveniência harmoniosa entre as várias formas de expressões
culturais. Parece permanecer a velha ideia do parâmetro da cultura dominante.
É como se eles dissessem: “vamos respeitar as várias culturas”, explicitando a
257
ideia de tolerância e de que “os brancos” são, além de melhores, bondosos por
permitirem que se tenha essa abertura para os demais.
No fundo as relações de poder permanecem e a cultura dominante se
cristaliza cada vez mais. Desse modo, o multiculturalismo acaba por revelar as
nuances que perpassam a questão da desigualdade. O que se percebe sobre o
tratamento dado ao diferente é que, aquilo que é “diferente”, “outra cultura” na
realidade é visto como algo exótico, tratado como folclórico, levando a uma
naturalização dessa ideia do diferente, havendo consequentemente a
reprodução da cultura dominante, que apenas cede espaço para essa
diferença e continua tratando-a como simples expressão cultural da minoria.
Ranço dos ideais iluministas, o currículo moderno tentou criar um
homem
autônomo
e
racional,
trazendo
uma
homogeneização
e
“standartização”. A ordem e o progresso serviram aos desmandos do
enfileiramento de pessoas, otimizando os recursos para a grande engrenagem
de um sistema cruel que, sob o jugo da razão e da ciência, produziram
sofrimento.
Os currículos silenciam sobre os mais variados aspectos da vida dos
seus alunos. O máximo que se fala da diversidade cultural presentes na
realidade fática dos alunos e até dos professores é um dia de luta para cada
cultura negada. Dão-lhes o "dia do Índio", da "consciência negra", por exemplo,
para que, esporadicamente se lembre dessas culturas relegadas em um dia no
calendário.
Do silenciamento e afastamento dessas culturas, resta-lhes o papel de
“souveniers”, carregados de estereótipos em que o diferente se torna “exótico”,
deformado e que só serve para reforçar ainda mais as diferenças, sem, no
entanto lidar de forma construtiva com a multiplicidade de culturas. Outra
consequência desse distanciamento é a análise superficial e psicologizada,
sem levar em conta as condições políticas, econômicas, culturais e religiosas
que oprimem as variadas formas de cultura que não são as eleitas pela classe
dominante.
A partir destas novas críticas, o próprio processo educacional vem
sofrendo mudanças estruturais, passando por uma reforma sem precedentes
nas últimas décadas do século XX. Todo currículo deveria formar cidadãos
ativos, críticos e conscientes de seus papéis na evolução da sociedade
258
democrática. No entanto, há uma arraigada mentalidade, herança de uma
hegemonia preocupada com a formação de mão de obra robotizada, preparada
para o modo de produção capitalista. Nesse sentido, falta aos currículos
mecanismos que propiciem aos alunos e ao próprio professor uma chance de
reflexão sobre a realidade.
O que se faz urgente é uma pedagogia consciente, criativa, que liberte
os professores das amarras dos ideais estabelecidos pela cultura dominante e
cruel, que prescrevem currículos para a pasteurização das massas, que devem
apenas repetir o que lhes é ensinado. É necessário que os alunos saibam e
aprendam a assimilar as diferentes concepções de mundo e consigam
compreender os problemas sociais sem desvinculá-los de sua realidade.
Perceber a prática pedagógica como uma prática que se constrói
discursivamente, voltada para o desafio da construção das diferenças, parece
ser o caminho central para a concepção formativa de professores
multiculturalmente comprometidos. Em tempos de choques culturais e
intolerância crescente quanto àqueles percebidos como "diferentes", a
educação e a formação de professores não podem mais se omitir quanto à
questão multicultural. Narrar nossas experiências, dialogar com movimentos
sociais e com práticas efetivadas nessa linha, bem como incrementar nossas
pesquisas sobre pedagogias multiculturalmente comprometidas são, sem
dúvida, alguns caminhos promissores para a concretização do ideal
multicultural no currículo em ação.
É preciso uma pedagogia que desvele as ideologias, que diga a
verdade, que forneça as ferramentas necessárias para que o próprio aluno
reconheça os mecanismos de dominação e consiga desvencilhar-se das
amarras da alienação mental a que estão sujeitos em função dos currículos
conservadores e elitistas. Para fazer parte da evolução democrática em busca
da igualdade, dos direitos e garantias fundamentais é preciso saber refletir
sobre os mecanismos que geram as desigualdades, injustiças e distanciamento
cultural.
Outra falha percebida da análise do currículo em questão é a falta de
pesquisas científicas voltadas à melhorias de seus pressupostos teóricos.
259
Considerações Finais
Atualmente, vivemos em uma sociedade definida como plural, na qual
estão inseridas pessoas diferentes, as quais possuem características próprias,
que devem ser respeitadas para que as relações sociais possam acontecer da
melhor forma possível. Os Estudos Culturais através do multiculturalismo
estipulam que todas as culturas presentes na sociedade devem ser respeitadas
e representadas. Sendo a escola uma das principais reprodutoras culturais,
faz-se necessário que os profissionais da Educação sejam formados de
maneira a lidarem com essas diferenças presentes na sociedade. Para que os
professores tenham esse preparo é necessário que as universidades tenham,
nos currículos dos cursos de Pedagogia, conceitos e teorias que possibilitem
aos estudantes entenderem que as diferenças culturais devem ser trabalhadas
no ambiente escolar.
Lidando com as diferenças culturais, a escola pode
formar cidadãos críticos e alunos capazes de compreenderem seu lugar na
sociedade, de modo a transformá-la.
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261
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: ASPECTOS POLÊMICOS
Lídia Guimarães Vianini – IPTAN
Especialista em Direito e Processo Previdenciário – Universidade Leonardo Da
Vinci
Doutoranda em Direito Previdenciário - UNMDP – Universidad Nacional Mar del
Plata
Fone: (032)9916-7600
Email: [email protected]
Raquel Maria Vieira Braga – IPTAN
Especialista em Direito Tributário
Fone (031)8812-3012
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente artigo visa dissertar acerca de questões polêmicas que
abrangem o instituto de Direito Previdenciário, denominado “benefício da
prestação continuada”. O benefício da prestação continuada-BPC consiste
numa vantagem assistencial, no valor de um salário mínimo, garantida ao idoso
e ao deficiente físico, benefício este amparado na Constituição Federal, em seu
art. 203, inciso V, e, regulamentado pela Lei 8.742/93, conhecida como Lei
Orgânica da Assistência Social-LOAS. Serão discutidos pontos controvertidos
que envolvem referido benefício, quais sejam: análise do requisito de renda per
capita para sua concessão, direito de o estrangeiro receber o BPC e a
legitimidade passiva nas ações que versam sobre sua concessão. Para isso,
indispensável analisar os princípios que regem a assistência social, sempre
sob o prisma do princípio da dignidade humana, expressamente previsto na
Constituição Federal, o qual representa o núcleo essencial e norteador dos
direitos fundamentais.
Palavras-chave: Benefício de Prestação Continuada – Requisitos – Lei
Orgânica da Assistência Social – Questões polêmicas – Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana
Introdução
O Direito de Seguridade Social, antes conhecido como direito
previdenciário, abrange três vertentes, quais sejam: a assistência social, saúde
e a propriamente a previdência. As duas primeiras constituem ações devidas
pelo Poder Público, as quais não são vinculadas a nenhuma contribuição por
parte do usuário, pois se tratam prestações obrigatórias do Estado para com a
sociedade. Já a última, a previdência social, tem condão de assegurar um
benefício às pessoas que passam sua vida útil contribuindo com parte de seu
ganho capital a fim de, mais tarde, desfrutar de uma aposentadoria.
262
Como dito, a assistência social, tema em que se insere o objeto do
presente estudo, é concedida a quem dela necessitar, independente de
qualquer contribuição direta do beneficiário, conforme previsão do Art. 203, da
Constituição Federal de 1988. Logo, podemos concluir que o requisito
imprescindível à concessão de um benefício assistencial é a necessidade do
indivíduo.
A Lei 8.742/93, conhecida LOAS, Lei Orgânica de Assistência Social,
surgiu com intuito de regulamentar a previsão assistencial do artigo
constitucional supracitado. A finalidade principal é a proteção da pessoa
desamparada que não teve condições de se tornar um segurado e contribuir
com o sistema da seguridade social, visando, assim, preencher o espaço
deixado pela previdência que, atualmente, não é capaz de abarcar toda a
sociedade.
Não é competência da previdência social prover com o sustento das
pessoas carentes. Por isso, a assistência social é tratada como atividade
complementar ao seguro social, sendo, atualmente, administrada pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), meramente por uma questão de economia e
praticidade.
A prestação pecuniária assistencial, conhecida tradicionalmente como
Benefício de Prestação Continuada (BPC), foi instituída pela supracitada Lei nº.
8.742/93, e, apesar do nome, não representa propriamente um “benefício”,
pois, para sua concessão não carecem contribuições dos particulares, apesar
de carecer de prévio custeio, o qual, como veremos, é provido pela União.
O legislador, ao criar o BPC, obviamente teve a intenção de proteger
as pessoas menos favorecidas, aquelas que constantemente são deixadas à
margem da sociedade e que não possuem condições de auferir renda para
uma vida digna, dentro dos padrões da normalidade.
Para que uma pessoa efetive seu direito ao recebimento de um salário
mínimo, a título de benefício de prestação continuada, deve provar o
preenchimento dos requisitos previstos na LOAS. O art. 20 da Lei n° 8.742/93
prevê os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial,
quais sejam, ser pessoa portadora de deficiência ou idosa e não possuir meios
de prover com sua própria subsistência ou tê-la provida pela família.
263
Da análise dos requisitos acima mencionados surgem questões
polêmicas e, no presente artigo será dada especial atenção a algumas dessas
questões.
Não se pode olvidar que, como toda e qualquer legislação, a LOAS
também deixa lacunas, o que dá margem a interpretações ambíguas ao ditar
as regras de concessão desse benefício. Todos esses entraves legais, muitas
das vezes impostos com fincas a restringir a concessão do amparo
assistencial, para o Estado pode significar apenas uma mera negativa
administrativa; porém, para o indivíduo revela a diferença entre a vida digna e a
condição de miséria.
1 Assistência Social e conceito de Benefício de Prestação Continuada
(BPC)
Como visto, a Constituição Federal de 1988 trata especificamente da
Assistência Social em seu título VIII, capítulo II, seção IV, no art. 203. Além da
Carta Magna, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 8.212/91 também a
disciplina em seu art. 4°. Por fim, o art. 3° do Decreto n° 3048/99, ainda, faz
menção à Assistência Social.
São objetivos da Assistência Social a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e
adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração na vida comunitária, além da garantia de um salário mínimo
de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, que
comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei nº 8.742/93, portanto, regulamenta a Assistência Social como
serviço público, tendo por finalidade garantir os direitos mínimos do cidadão.
Para tanto, institui benefícios básicos, sendo um deles o Benefício da
Prestação Continuada (BPC), objeto do presente estudo.
Nesse sentido, o doutrinador Martins (2009, p. 478) disserta que:
A Assistência Social é, portanto, um conjunto de
princípios, de regras e de instituições destinado a
264
estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por
meio de atividades particulares e estatais, visando à
concessão de pequenos benefícios e serviços,
independentemente de contribuição por parte do próprio
interessado.
Sendo assim, constata-se que a Assistência Social tem como principal
função garantir a proteção dos hipossuficientes, aqueles indivíduos que, por si
só, não têm condições de prover com suas próprias necessidades e, por essa
razão, deixam de ter efetivados direitos fundamentais que o texto constitucional
expressamente prevê.
A Lei 8.742/93 determina que a assistência social deva ser organizada
em um sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e
pela sociedade civil, o que foi confirmado pela IV Conferência Nacional de
Assistência Social com a implantação do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS).
O conceito de Benefício de Prestação Continuada de Assistência
Social é simples. Trata-se de um auxílio, assegurado pela Constituição Federal
de 1988, o qual garante a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao
idoso, com 65(sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência,
cuja incapacidade pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas,que comprovem não
possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.
O BPC representa, portanto, um benefício individual, não vitalício e de
caráter intransferível, que integra a proteção social básica no âmbito do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Apresenta-se um direito de
cidadania assegurado pela proteção social não contributiva da Seguridade
Social. Cumpre ratificar que para ter direito ao BPC não é necessário que o
beneficiário já tenha contribuído para a Previdência Social.
As pessoas que possuem legitimidade de receber o BPC estão
discriminadas no art. 203, inciso V, da Constituição da República. Em suma,
são as pessoas que lutam com a impossibilidade de meios de prover a própria
subsistência e de sua família, como os idosos e os deficientes.
265
2 A interpretação da dupla incapacidade e a Súmula nº. 30 da Advocacia
Geral da União (AGU)
O parágrafo 2º, do artigo 20 da LOAS definia, até a edição da Lei
12.470/2011, o conceito de "portador de deficiência" para fins de recebimento
do BPC, como sendo aquele incapaz para a vida independente e para o
trabalho:
Art. 20, §2º Para efeito de concessão deste benefício,
considera-se: (Redação dada pela Lei n 12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos
de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
com as demais pessoas: (Redação dada pela Lei n
12.435, de 2011)
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que
incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de
2 (dois) anos:(Redação dada pela Lei n 12.435, de 2011)
[Grifos nossos].
Com a nova redação, o dispositivo passou a ser assim disciplinado:
Art. 20, § 2 o: Para efeito de concessão deste benefício,
considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas (Redação dada pela Lei n 12.470, de
2011).
Havia, portanto, até a promulgação da lei 12.470/11, uma controvérsia
acerca da legitimidade de se comprovar a dupla incapacidade do deficiente –
para a vida e para o trabalho – para fins de concessão do BPC. Muitos
acreditavam - para nós, acertadamente - que a lei não se ajustava aos fins para
o qual foi criada, pois a intenção da norma era a de prover necessidades
básicas àqueles que mais precisam, como os deficientes. Nesse sentido, os
entendimentos doutrinário e jurisprudencial que prosperavam eram no sentido
de que a inviabilidade para o trabalho, por si só, seria suficiente para
caracterizar a incapacidade para a vida independente. Este é o entendimento o
qual constava no Enunciado da AGU Nº 30, de 9 junho de 2008:
266
A incapacidade para prover a própria subsistência por
meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vida independente, conforme
estabelecido no art. 203, V, da Constituição Federal, e art.
20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
A orientação acima mencionada atendeu ao princípio constitucional
pertinente à dignidade humana, também refletido na Súmula 29, da Turma
Nacional de Uniformização, vejamos:
Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993,
incapacidade para a vida independente não é só aquela
que impede as atividades mais elementares da pessoa,
mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento.
O entendimento com relação à necessidade de dupla incapacidade foi
objeto de análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que se posicionou no
sentido de que, se a pessoa não possui capacidade para a vida laboral, o
simples fato de não necessitar de outros para realizar atos da vida cotidiana
não obsta a percepção do benefício. “(...) o benefício de prestação continuada
só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade
de locomoção do indivíduo – o que não parece ser o intuito do legislador”
(RESP nº. 360.202/AL, 5ª Turma, Relator Min. Gilson Dipp, DJU 1º de julho de
2002).
Sem dúvida, a autarquia que executa a concessão do BPC, o INSS,
bem como seus procuradores devem se atentar primeiramente ao fato de que
sua principal função na investidura de seu cargo é zelar pelo princípio da
dignidade da pessoa humana e não pela proteção ao erário a qualquer custo.
Afinal, não é incomum a reversão das decisões administrativas em juízo, fato
que, poderia ser evitado com uso de uma análise mais adequada do caso
concreto no âmbito administrativo, evitando que se acione o poder judiciário
para que seja garantido referido direito fundamental.
Cumpre ressaltar que nesses casos estamos diante de indivíduos que
vivem em situação de extrema miséria, pessoas que, na grande maioria das
vezes, não têm condição alguma de pleitear seus direitos judicialmente. Nesse
sentido, um erro administrativo representa uma verdadeira covardia do Poder
Público para com o indivíduo hipossuficiente, vez que estamos diante de um
267
Estado Democrático de Direito que deve visar resguardar o mínimo necessário
à sobrevivência dos indivíduos.
Certamente foi diante dessas “pressões” judiciais, doutrinária e da
própria sociedade civil que o legislador próprio alterou o §2º do art. 20 da
LOAS, superando, assim, o ponto controvertido que vigorou até 2011. Dessa
forma, hoje, a legislação, sob o manto da dignidade da pessoa humana,
considera como deficiente aquele que tem impedimentos de longo prazo que
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, dissociando-se do critério (ilegítimo) da
dupla incapacidade para vida e para o trabalho.
3 Requisito objetivo de renda per capita para recebimento do Benefício da
Prestação Continuada
Tem-se
como
requisito
objetivo
para
concessão
do
BPC
a
hipossuficiência econômica do requerente, conceito expresso no Art. 20, §3º da
Lei 8742/93. Tal dispositivo condiciona a concessão do benefício ao idoso ou
portador de deficiência que não tenha como manter sua subsistência ou tê-la
provida por sua família, tendo como marco referencial econômico o valor da
renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo em vigor.
Podemos perceber que aqui temos um critério puramente objetivo cuja
adequação é inviabilizada ao caso concreto. Contudo, referido parâmetro tem
sido motivo de discussão nos Tribunais. De fato, o legislador sempre corre
grande risco de ser injusto quando estipula critérios evidentemente fixos e
objetivos, em casos que nem sempre se parecem.
Não é de bom tom, nesse caso, uma análise demasiadamente rígida,
sendo que, na maioria das vezes, o INSS, tendenciosamente, tenta se embasar
na citada Instrução Normativa nº 29, de 2008, para negar a concessão do BPC.
Primeiramente, insta discorrer sobre a amplitude do conceito de família.
O requisito legal baseia-se no valor per capta familiar. Nesse sentido, a
doutrina manifesta que o conceito de família, nesse caso, não pode ser
ampliado com a nítida intenção de negar o benefício. Isso porque, tendo em
vista o Princípio da Legalidade, a definição utilizada deve ser a mesma da
classificação de dependentes, nos termos do art. 16, da Lei 8.213/91,
268
ressaltando, ainda, a condição de que todos devem viver sob o mesmo teto, na
forma do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93.
A conceituação do termo família em sentindo amplo, mesmo que
definida em leis assistencialistas (Lei nº. 10.219/01 e 10.689/03) não pode
prosperar, pois, evidentemente, teria o condão de restringir uma garantia
assegurada pela Carta Magna.
Outro aspecto que merece ser discutido refere-se à (i)legitimidade de
se contabilizar como renda familiar o BPC percebido a um membro da família
quando da concessão do benefício a outro membro. No que se refere ao idoso,
o benefício concedido a qualquer membro do núcleo familiar não fará cômputo
na declaração de renda per capita por expressa previsão legal do art. 34,
parágrafo único da Lei 10.741/03. Esse tratamento protetivo ao idoso deve ser
respeitado por estar previsto em legislação especial, qual seja, o Estatuto do
Idoso. Porém, quanto ao deficiente, tem-se – de forma questionável - aplicado
a norma geral, ou seja, a LOAS, segundo a qual a concessão do benefício a
qualquer membro da família integrará a renda familiar para fins de cálculo para
concessão de benefício futuro.
Essa diferenciação é um tanto quanto questionável quando passamos
a fazer uma análise dos casos concretos. Se um casal de idosos, diga-se,
nesse caso, maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, vivem sob o mesmo teto,
ambos podem receber o BPC, tendo em vista que referida vantagem não fará
cômputo no cálculo da renda familiar. Porém, o mesmo não ocorrerá se
estivermos diante de um casal de deficientes, pois, quando o primeiro passar a
receber, o segundo irá extrapolar a renda per capita permitida.
Outra incongruência que a legislação provoca e, por isso, deve ser
analisada é que, tratando-se de um casal de idosos, sendo um deles é
aposentado, o outro não poderá receber o BPC, pois a aposentadoria faz
cômputo de renda per capita, nos termos do art. 20, § 4º da LOAS, segundo o
qual o BPC “não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no
âmbito da seguridade social ou de outro regime”. Nesse caso, o legislador fez
diferenciação privilegiando o casal de idosos que não
contribuiu para o
sistema. Dessa forma, infere-se que a lei passa, assim, a tratar iguais de forma
desigual, ferindo princípio Constitucional basilar.
269
Ressalta-se que a exclusão referenciada pelo Estatuto do Idoso
restringe-se aos benefícios assistenciais recebidos por pessoas idosas,
deixando de lado os benefícios assistenciais recebidos por pessoas deficientes,
bem como, os benefícios previdenciários recebidos tanto por idosos quanto por
deficientes. Essa situação gera desconforto aos aplicadores do Direito, tanto é
que a jurisprudência tem entendimentos diversos.
A decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar
Mendes, em sede de liminar, na Reclamação nº 4374, esclarece:
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que
o critério de ¼ do salário mínimo pode ser conjugado com
outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do
indivíduo e de sua família para concessão do benefício
assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da
Constituição. Entendimento contrário, ou seja, no sentido
da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS,
ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão
do parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, diante da
insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o
idoso não possuem meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, como
exige o art. 203, inciso V, da Constituição.
Dessa forma é conclusivo que essa diferenciação, bem como a
tentativa frustrada do legislador em estabelecer critérios objetivos na LOAS
representou eminente dissonância ao princípio da isonomia, consagrado no art.
5º, da Carta Magna, que prevê a igualdade de todos perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza.
Diante disso, a limitação do valor da renda per capita familiar não deve
ser considerada como única forma de se comprovar que a pessoa não possui
outros meios para prover com a sua subsistência ou de tê-la provida por sua
família, pois representa apenas um marco objetivo para se aferir a necessidade
do amparo assistencial, devendo ser analisado com um conjunto probatório
que varia em cada caso.
4 Legitimidade passiva nas ações que reivindicam BPC
Como dito anteriormente, apenas por uma questão prática é que os
amparos assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada, são
concedidos pelo INSS já que não se trata de um benefício previdenciário.
270
Conforme art. 12, I, da Lei 8.742/93, LOAS, a competência para
concessão, manutenção e administração do BPC é da União, sendo certo que
foi através do Decreto nº. 6.214/07 que o INSS teve delegada a
responsabilidade para gerenciar o benefício. Justamente por isso existe uma
discussão acerca da legitimidade para figurar no polo passivo da ação, quando
da negativa administrativa, pois, não se trata de ação previdenciária comum em
que apenas o INSS se responsabiliza pelo recurso concedido ou negado. Ora,
se o recurso o qual provê o BCP é originário da União, alguns doutrinadores
acreditam que tal ente político deveria integrar o polo passivo numa eventual
ação judicial.
Contudo, a maior parte da doutrina se posiciona no sentindo de que a
legitimidade é exclusiva do INSS, afinal, foi a própria autarquia que se
posicionou no pela negativa na concessão do BPC.
É de se ressaltar que a discussão não é absurda, de forma que
justamente por isso o Tribunal Regional Federal chegou a editar uma súmula
(Súmula nº. 61, revogada em 2004), orientando que União e INSS devessem
figurar como litisconsortes passivos nas ações de reivindicação de Benefício de
Prestação Continuada.
Porém, o Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, tem se
posicionado no sentido de que a legitimidade é exclusiva do INSS. Atualmente,
os Tribunais Regionais Federais também entendem assim, e, na prática, não
são comuns ações judiciais de reivindicação de BPC em que a União e o INSS
sejam litisconsortes passivos.
A doutrina minoritária entende, ainda, de uma terceira forma. Para
esses estudiosos, a competência seria exclusiva da União. Vejamos o que diz
o doutrinador Ibrahim (2010, p. 18): “Acredito, em verdade, que a legitimidade
passiva seja exclusiva da União, pois a manutenção da Assistência Social é
atributo desta, cabendo ao INSS a mera execução. Essa, no entanto, é posição
francamente minoritária.”
Contudo, nos parece que, diante de tantas questões controversas no
caso do BPC, a legitimidade para figurar no polo passivo é a menor delas,
todavia, é de relevo sublinhar que o entendimento dos Tribunais é majoritário
no sentido de que a competência é exclusiva do INSS.
271
5 Benefício da Prestação Continuada para estrangeiros
Com relação à saúde, a Constituição Federal não nos deixa dúvidas.
Esta deve ser concedida a todos de forma universal, estrangeiros ou nacionais,
sem qualquer distinção, sendo assegurada até mesmo àqueles que possuem
condições financeiras.
O mesmo não ocorre quando se trata do BPC. Nesse caso, existe uma
discussão muito atual sobre a concessão do BPC ao estrangeiro residente no
País. Essa matéria se tornou uma questão de repercussão geral no Supremo
Tribunal Federal, pendente de julgamento.
A polêmica ocorre, principalmente, porque os recursos da União são
limitados, e, devemos nos atentar ao fato de que, não podemos coadunar com
um sistema em que a minoria custeie e a maioria receba, haja vista que, o BPC
é um amparo assistencial.
É certo que o Brasil é país em constante crescimento e
desenvolvimento econômico. Isso atrai diversos estrangeiros que ingressam no
País em busca de melhores condições de vida, principalmente em uma época
em que outros países latino-americanos passam por crises econômicas.
Não obstante o crescimento da quantidade de imigrantes no país,
muitos deles não conseguem se desenvolver no mercado de trabalho, criando
uma situação de marginalização, fato que ocorre, na maioria das vezes,
mesmo que o indivíduo esteja residindo no País de forma legalizada, pois, se
sabe que a burocracia para ingressar e permanecer no Brasil não é rígida.
Infelizmente, como resultado da marginalização dos estrangeiros
residentes no Brasil, tem-se verificado um aumento considerável de
requerimentos envolvendo a concessão BPC.
A discordância do INSS na concessão desses amparos assistenciais é
absoluta. A autarquia alega veementemente a total impossibilidade de
conceder BPC ao estrangeiro. Algumas razões, tanto de natureza social quanto
econômica, não podem deixar de ser observadas, nem pelo Estado, menos
ainda pela sociedade, que, diga-se de passagem, são responsáveis solidários
pelo atual sistema de Assistência Social.
São diversas as considerações realizadas pelos que defendem a
concessão do BPC ao estrangeiro. A primeira delas, sem sombra de dúvidas,
refere-se ao princípio constitucional sob o qual toda nossa legislação é
272
embasada, também denominado de “mínimo constitucional”, qual seja, o
princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Referido princípio é tratado pela Constituição da República Federativa
do Brasil no art. 1º como fundamento de nosso Estado, pelo que podemos
inferir que a intenção do constituinte é a de garantir o mínimo necessário ao
indivíduo, independente de qualquer outro requisito objetivo. Nesse sentido, o
Estado deve prestar-se ao indivíduo puramente enquanto pessoa humana,
sendo este um fim em si mesmo. Soma-se a isso o disposto no art. 3º, também
da Carta Magna, que prevê como objetivo da nossa República Federativa a
erradicação da pobreza e da marginalização.
Temos ainda o princípio da Igualdade, preconizando que todos são
iguais perante a lei, e, nessa seara de entendimento, seria altamente injusto,
deixar de acolher o pobre marginalizado, idoso ou doente, em decorrência da
sua condição de estrangeiro.
Ademais, o Brasil é signatário de vários tratados internacionais cujo
principal objetivo é o de promover a vida digna a todo e qualquer ser humano,
sem quaisquer distinções, como por exemplo, o Pacto de São José da Costa
Rica.
Nas palavras do doutrinador Alencar (2007, p. 539):
Porém, em termos constitucionais, não encontra respaldo
a discriminação pretendida pela Administração Pública
Federal. Temos para nós que o termo “cidadão” utilizado
no dispositivo não foi empregado no intuito de restrição,
corrobora essa afirmativa o inciso IV do artigo 4º da
própria lei que editada os princípios da assistência social
(Benefícios Previdenciários, 3 Ed., São Paulo, Leud,
2007, p. 539-540).
De fato, advogam alguns doutrinadores que, se os estrangeiros foram
acolhidos e recebidos de forma legal em nosso País, nada seria mais justo do
que sua inclusão no sistema de Seguridade Social, o qual abrande a
assistência social.
Outro importante aspecto, nesse sentido, é o que os estrangeiros que
aqui residem também são contribuintes diretos e indiretos para o custeio do
sistema na medida em que tudo o que consomem é devidamente tributado de
forma indireta. Dessa forma, os estrangeiros devem fazer parte do sistema de
273
seguridade social na medida em que estão residindo no Brasil e consumindo os
produtos aqui vendidos.
Por outro lado, há os que defendem a impossibilidade de se conceder o
benefício de amparo assistencial ao idoso e portador de deficiência
estrangeiros, partido do pressuposto de que não existe regulamentação
específica sobre essa matéria.
Essa corrente entende que os requisitos para fazer jus ao BPC devem
ser dispostos de forma expressa na legislação e, já que não há previsão literal
de sua concessão a estrangeiros, o silêncio da lei deve implicar sua não
concessão. Os que assim se posicionam, advogam que a LOAS, no seu artigo
1º, utiliza o termo “cidadão”, o que pressupõe, portanto, vínculo jurídico-político
com a República Federativa do Brasil, ou seja, a nacionalidade brasileira, o que
exclui os estrangeiros que residem no País de forma legalizada. Nesses
termos, “cidadão” é o nacional brasileiro.
Fato é que, até que o Supremo Tribunal Federal-STF se posicione
sobre a matéria, a questão não será pacífica entre o INSS, doutrina e
jurisprudência. Porém, não se pode olvidar que, no atual paradigma do Estado
Constitucional, o fim supremo do Direito é a concretização de direitos
fundamentais, já que a função do Estado é servir à pessoa humana, de forma
que o indivíduo passa a representar um fim em si mesmo.
Nesse sentido, acreditamos que a exclusão dos estrangeiros
legalmente residentes no país do nosso sistema de assistência social fragiliza
todo o sistema criado para minimizar a marginalização e erradicação da
pobreza. O sistema de seguridade social não se encontra em iminência de
falência que justifique tamanha discriminação entre pessoas que, na prática,
em nada são diferentes.
Considerações Finais
Diante do exposto, sem qualquer pretensão de exaurir um tema de
tamanha complexidade, resta evidente que o as questões que norteiam o
instituto do Benefício de Prestação Continuada é controverso e por demais
relevante. Afinal, estamos tratando de uma renda que, apesar de depender de
custeio de toda a sociedade, não exige prévia contribuição do beneficiário.
274
É certo que a União deve se ater a questões que de fato parecem
legítimas, pois a concessão incorreta do BPC pode gerar grave crise
econômica e financeira ao país. Como consequência de uma grave crise no
sistema de seguridade social, toda a sociedade poderá ser prejudicada.
Contudo, por muitas vezes, a União, sob a pretensão de proteger o Erário,
deixa de prestar um amparo devido, pelo qual, não só o Estado é responsável,
mas também toda a sociedade. A erradicação da pobreza é, pois, um dever de
todos.
Importante destacar que cada caso concreto deve ser analisado com
atenção que a pessoa humana merece. Caso o INSS não tenha condições
administrativas de analisar com cautela cada um dos requerimentos de amparo
assistencial, a União deve auxiliá-lo, provendo recursos humanos e
administrativos, já que é a pessoa política que de fato presta o benefício.
O que, definitivamente, não pode ocorrer é o afastamento de direitos
fundamentais estabelecidos na Carta Magna, como por exemplo, o princípio da
dignidade da pessoa humana. Menos ainda, podem ser preteridos os objetivos
firmados pela Constituição Federal, como a erradicação da pobreza e da
marginalização social.
Infelizmente, os efeitos decorrentes de negativas ilegítimas da
concessão dos benefícios assistenciais, os quais possuem único objetivo de
proporcionar uma vida mais digna ao cidadão, ferem de morte o Estado
Constitucional de Direito. A omissão do Estado em relação às verbas
alimentares de pessoas que não têm como prover com seu próprio sustento
revela típica “covardia legal” de um Estado que usa o poder que lhe é conferido
para se esquivar de suas responsabilidades.
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ed. São Paulo: Atlas, 2007.
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ALENCAR, Hermes Arrais. Lei n° 8.212/1991. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
(Coleção de Leis Rideel).
ALENCAR, Hermes Arrais. Lei n° 8.213/1991. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
(Coleção de Leis Rideel).
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275
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DJ DATA:01/07/2002 PG:00185 Relator Min. Gilson Dipp (1109) Orgão
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2007.
276
A TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL E A LINGUAGEM
DOS SINOS EM SÃO JOÃO DEL-REI: UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS
JURÍDICO-ANTROPOLÓGICOS
Cristiano Lima da Silva – IPTAN
Mestre em História – UFF e doutorando em História Social da Cultura – UFMG
E-mail: [email protected]
Karina Cordeiro Teixeira – IPTAN
Especialista em Direito Público Municipal – FESMP-MG
E-mail: [email protected]
Helthon Resende de Andrade
Graduando em Direito – IPTAN
E-mail: [email protected]
Resumo: Este artigo tem por objetivo realizar uma análise interdisciplinar sobre
a tutela do patrimônio cultural imaterial a partir de três abordagens
fundamentais: uma antropológica, visando analisar os diferentes mecanismos
que envolvem o homem enquanto um ser dotado de criação e reprodução de
variadas culturas tanto materiais, quanto imateriais; uma sócio-histórica, para
buscar entender como ocorre o surgimento das múltiplas representações e
práticas culturais em determinados tempos e espaços; e, finalmente, uma
abordagem do Direito a fim de discutir a importância da tutela jurídica na
preservação de práticas e saberes culturais que passam a compor o patrimônio
histórico do nosso país a exemplo da linguagem dos sinos em São João delRei.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural Imaterial – Linguagem dos sinos – Tutela
Jurídica e Antropologia
Introdução
Não pensem que haja só continentes geográficos,
formados de terra, mar etc. Há continentes de outra
natureza, que são os da história e da cultura, os do
conhecimento e do operar do homem (REALE, 2002,
p.8).
No campo do Direito um dos aspectos mais complexos e abrangentes
refere-se à tutela do patrimônio cultural brasileiro, uma vez que o artigo 216 da
Constituição Federal de 1988 reconhece como bem jurídico destinatário de
expressa proteção por parte do Estado os:
277
Bens de natureza material e imaterial, tomadas
individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de
criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Assim, diferentemente dos patrimônios de natureza material (tangível),
os imateriais (intangíveis) são transmitidos de geração em geração e
constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um
sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o
respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
Contudo,
Antônio
Arthur
Barros
Mendes
(2005,
p.
4)
argumentando sobre essa problemática em seu texto “A tutela do patrimônio
cultural imaterial brasileiro: breves reflexões” observa que:
Embora a Carta de 1988 tenha explicitado parcela desse
ferramental
jurídico-material,
reconhecendo
nos
‘inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação’, entre outros, mecanismos aptos às
ações de preservação e acautelamento do acervo
cultural intangível, nem todos se vocacionam a esse fim,
quer pelas características do objeto a que
institucionalmente se reportam, quer pelos efeitos que
produzem ao nele incidirem.
Segundo Edna Cardoso Dias (2004) um importante instrumento para
preservação dos bens intangíveis fora a criação do Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial que, por meio do Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000,
instituiu o denominado Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Após
aprovação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aqueles bens podem
ser registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
278
IPHAN – agrupados por categoria nos seguintes livros e suas respectivas
funções:
- Livro de Registro de Saberes, onde são inscritos conhecimentos e
modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
- Livro de Registro das Celebrações, onde são inscritos rituais e festas
que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento
e de outras práticas da vida social;
- Livro de Registro de Formas de Expressão, onde são inscritas
manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
- Livro de Registro dos Lugares, onde são inscritos mercados, feiras,
santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem
práticas culturais coletivas.
Segundo informações do site do IPHAN atualmente entre os quarenta e
sete processos de inventário em Andamento em todo o Brasil, onze são da
região sudeste e, entre eles, encontra-se a Linguagem dos Sinos da cidade
histórica de São João del-Rei em que a linguagem dos sinos, sonora e nãoverbal, funciona como um vínculo entre os são-joanenses, construindo códigos
que combinam em mensagens, através das dobras e dos repiques, passando
variadas informações de caráter religioso ou civil.
Além disso, a linguagem dos sinos é amplamente reconhecida na
cidade, fazendo parte do cotidiano do cidadão comum são-joanense,
caracterizando-o e identificando-o, sendo transmitida de várias gerações,
permanecendo viva até hoje em meio a vários sistemas de comunicação, em
uma sociedade cada vez mais tecnológica.
1 Direito e a cultura
Não se pode falar em Direito sem se falar de cultura e vice-versa. Miguel
Reale em seu livro ”Lições Preliminares do Direito” destaca a importância da
cultura e da História para a vida social humana identificando-a como sendo:
O conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e
espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza,
quer para modificá-la, quer para modificar-se a si mesmo.
É desse modo, o conjunto dos utensílios e instrumentos,
das obras e serviços, assim como das atitudes espirituais e
279
formas de comportamento que o homem veio formando e
aperfeiçoando, através da história, como cabedal ou
patrimônio da espécie humana (REALE, 2002, p.38).
Dessa maneira, Derani (2002, p.155) afirma que os direitos intelectuais
dos povos são associados ao meio, ao espaço territorial de desenvolvimento
da vida e da cultura de cada povo:
O conhecimento tradicional associado é conhecimento da
natureza, oriundo da contraposição sujeito-objeto sem a
mediação de instrumentos de medida e substâncias
isoladas traduzidas em códigos e fórmulas. É oriundo da
vivência e experiência, construído num tempo que não é
aceito pela máquina da eficiência e da propriedade privada,
mas cujos resultados podem vir a ser traduzidos em
mercadorias geradoras de grandes lucros, quando tomados
como recursos da produção mercantil.
Assim, nada mais pertinente do que relacionar o estudo da Antropologia
e da História ao campo do Direito buscando estudar o homem em suas várias
dimensões culturais e as relações que desenvolve com o fenômeno de
regulação jurídica. A criação de normas merece o questionamento sobre sua
conveniência, adequação e utilidade para a cultura.
Nesse sentido, Montesquieu em sua importante obra titulada “Do
Espírito das Leis” destaca a necessidade de haver uma íntima relação entre a
formulação de leis tanto políticas quanto civis com a natureza ou princípio de
uma determinada cultura e o governo a ser estabelecido. Assim, para ele, as
leis:
Devem ser relativas ao físico do país; ao clima gélido,
escaldante ou temperado; à qualidade do terreno, sua
situação e grandeza; ao gênero de vida dos povos,
lavradores, caçadores ou pastores; devem estar em
relação com o grau de liberdade que a sua constituição
pode suportar; com a religião de seus habitantes, com
suas inclinações, com suas riquezas, com seu número,
com seu comércio, com seus costumes, com seus
modos. Enfim, elas possuem relações entre si; possuem
também relações com sua origem, com o objetivo do
280
legislador, com a ordem das coisas sobre as quais foram
estabelecidas (MONTESQUIEU, 2004, p.22).
Etimologicamente, a palavra cultura tem origem no verbo latim colereque
a aproxima muito mais ao sentido de cultivar, cuidar, semear a terrado que de
instruir como forma de erudição. Por isso a Antropologia não emprega os
termos cultuo ou inculto, nem faz juízo de valor sobre esta ou aquela cultura,
pois não considera uma superior à outra se pautando no estudo nos diferentes
em níveis de tecnologia ou integração de seus elementos culturais. Todas as
sociedades possuem cultura.
Segundo Marconi e Pressoto (2001, p. 34), um dos primeiros
antropólogos a formular um conceito de cultura foi Edward B. Tylo definindo-a
como: “todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a
lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelos homens
como membro da sociedade”. Nesse sentido, o sujeito é concebido como
essencialmente histórico isso porque suas ações são sempre produzidas a
partir de um determinado lugar e de um determinado tempo e, desse modo, à
noção de sujeito histórico articula-se a noção de sujeito ideológico.
Já para Clifford Geertz (1973) a cultura deve ser vista como um conjunto
de “mecanismos de controle” – planos, receitas, regras, instituições – para
governar o comportamento. Para ele, esses “mecanismos de controle”
consistem de símbolos significantes, ou seja, “palavras, gestos, desenhos,
sons musicais, objetos ou qualquer coisa que seja usada para impor um
significado à experiência”. Esses símbolos, correntes na sociedade e
transmitidos aos indivíduos – que fazem uso de alguns deles, enquanto vivem
–, “permanecem em circulação” mesmo após a morte dessas pessoas. Daí a
intrínseca relação entre a cultura e dominação traduzidas nas formas de
controle social.
O reconhecimento da necessidade se criar um corpo de leis em função
da preservação da cultura pressupõe que se entenda, primeiramente, o
conceito jurídico de normas programáticas, precisamente aquelas que, mesmo
estando na Constituição, para produzirem efeitos materiais, necessitam de
duplo interesse: um do legislador, para autorizar a atuação do Estado editando
281
leis, e outro dos órgãos administrativos que façam realizar a referida atuação
aplicando efetivamente as leis pertinentes.
Segundo Alves e Santos (2007) o estudo da Antropologia aplicado ao
Direito se ocupa do aspecto legal ou normativo das sociedades, abrangendo
também a questão da justiça, como elementos integrantes da organização
social e cultural. Assim, para entendermos como a Antropologia se relaciona
com o Direito é preciso analisar a questão simbólica do Poder, do Estado e da
Sociedade.
Para os mesmos autores, a interpretação da lei sob o ponto de vista do
Direito perpassa pela ideia de distribuição da justiça, o que revela não somente
a dinâmica jurídica, mas, sobretudo a simbologia do poder na relação com as
partes do conflito. Já a interpretação da lei sob o ponto de vista da Antropologia
propõe uma reflexão mais profunda do discurso jurídico e da ideia de justiça no
momento da operacionalização do sistema normativo, observando seus limites
e suas possibilidades.
2 Bem cultural imaterial
Bens culturais imateriais ou intangíveis são aqueles que se relacionam à
identidade, à maneira e à ação dos grupos sociais, incluindo nesse conceito as
formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, considerando os
saberes, as formas de expressão e os lugares. Foi instituído através do
Decreto 3.351 de 4 de Agosto de 2000, dez anos após a vigência da
Constituição Federal de 1988, pelo poder executivo,considerando o registro de
bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, e também, criou o Programa Nacional do Patrimônio Cultural
Imaterial.
Por bem cultural imaterial compreende-se o conhecimento humano, que
é intangível, não tridimensional, mas científico, incluindo todas as tecnologias,
todas as disciplinas, podendo ser tanto erudito como popular.
Assim, a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), principal órgão internacional de guarda do patrimônio cultural,
define como Patrimônio Cultural Imaterial:
282
As práticas, representações, expressões, conhecimentos
e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos
e lugares culturais que lhes são associados - que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu
patrimônio cultural28.
Deste modo, a busca pela preservação da identidade cultural e histórica
de uma sociedade deve se pautar na tutela não só do patrimônio material, mas
também do imaterial, pois ambos refletem os interesses e anseios de um
determinado povo. Para tanto, cabe ao Estado favorecer a realização de todas
as manifestações culturais por meio de incentivos diretos e indiretos, seja
através de instrumentos legais acautelatórios, seja promovendo meios de
acesso da produção cultural. Considerando a extrema diversidade cultural da
humanidade pode-se tentar compreender cada grupo humano a partir de seus
valores, suas normas de conduta e suas múltiplas reações psicológicas e
sociais relacionadas aos fenômenos do cotidiano em que vive. Para a
Antropologia, a relatividade cultural nos ensina que uma cultura deve ser
compreendida dentro do seu próprio universo, e que as formas de pensar, agir
e ser de grupos diferentes devem ser respeitadas e garantidas por constituírem
aquilo de mais essencial para um povo: a sua identidade cultural.
Observamos que a inscrição de um patrimônio cultural imaterial se
fundamenta na importância da continuidade histórica do bem e sua relevância
nacional para a memória, identidade e formação da sociedade brasileira. A
solicitação da instauração do processo de registro desses bens pode partir de
diferentes iniciativas tais como: do Ministro de Estado da Cultura, das
Instituições vinculadas ao Ministério da Cultura, das Secretarias de Estado, de
Município e do Distrito Federal, e sociedades ou associações civis. Por isso é
necessário saber por que, como e quando as iniciativas e procedimentos
jurídicos podem contribuir na garantia da preservação dos bens denominados
como sendo intangíveis.
28
Retirado do site do Ministério da Cultura:
<http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=49>
283
3 São João del-Rei e a linguagem dos sinos: uma abordagem histórica,
social e cultural.
Originada do Arraial Novo do Rio das Mortes, que antes era chamada de
Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, a cidade de São João del-Rei
completou, neste ano, 310 anos e mantém um importante patrimônio histórico
preservado e tombado desde o ano de 1938 pelo IPHAN.
A cidade começou a ser ocupada devido à descoberta de ouro por volta
de 1704. Com o início da edificação das capelas, a tomada das terras e o
erguimento das construções de taipa, iniciou-se assim o crescimento urbano
que, junto aos inevitáveis conflitos de posses, levaram à Guerra dos
Emboabas.
Segundo Graça Filho (2002) a vila de São João del-Rei fora instituída
cabeça da Comarca do Rio das Mortes no Alvará de 6 de abril de 1714.
Embora tenha sofrido inúmeras alterações em sua geografia administrativa
desde a sua criação, inicialmente sua jurisdição estendia-se pelo centro-sul, a
sudoeste da capitania, compreendendo os termos de Jacuí, Baependi,
Campanha da Princesa, Barbacena, Queluz, Nossa Senhora de Oliveira, São
José do Rio das Mortes e Tamanduá. Destarte, no início do século XIX já se
configurava como a mais extensa em área habitada e a mais populosa da
então capitania de Minas Gerais. Com a transferência da Corte para o Brasil,
em 1808, São João del-Rei tornou-se um importante eixo de escoamento da
produção regional e de abastecimento interno para a Praça do Rio de Janeiro,
permanecendo como importante centro administrativo e jurídico da Comarca do
Rio das Mortes durante todo o século XIX.
A cidade possui uma rica atividade cultural, com duas orquestras
bicentenárias, a Lira Sãojoanense e a Ribeiro Bastos, responsáveis pela
grande tradição da música sacra. Ao longo do ano acontecem inúmeros
eventos como o Inverno Cultural, no mês de julho, festividades populares e
também religiosas, notadamente na Semana Santa.
Em São Joãodel-Rei, no dia 12 de março de 2007, o então vereador
Adenor Simões apresentou a proposta de criação do Museu Estação dos Sinos
ao presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Luiz
Fernando de Almeida. O projeto foi elaborado pela Santa Rosa Bureau
Cultural, agência de produção cultural sediada em Minas Gerais, para o
284
Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e prevê o aproveitamento
de dois galpões do antigo Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro de Minas.
Planejado para abrigar espaços expositivos e de interação com o futuro
visitante, o museu é uma proposta inédita no país e na América Latina que
teria, entre seus espaços, uma oficina de mestres sineiros.
Além disso, destaca-se que o turismo cultural intensificado pelo
importante papel jurídico-administrativo desempenhado por São João del-Rei
na história de Minas Gerais como principal entreposto comercial na rota da
chamada Estrada Real.
A revitalização desse passado intensifica a auto-estima da comunidade
local e oferece além da oportunidade de uma maior compreensão sobre a
história regional, também representa uma considerável fonte de renda tanto
para a sociedade civil quanto para a arrecadação de impostos para o município
atualmente.
Assim, percebe-se a importância do estudo sobre patrimônio cultural no
curso de bacharelado de Direito. Ainda mais quando esse se encontra em uma
cidade histórica como São João del-Rei, a segunda cidade eleita como Capital
Brasileira da Cultura em 2007, tendo concorrido com as cidades de Mariana
(MG), Mossoró (RN), Santa Maria (RS) e Santa Cruz Cabrália (BA). O Comitê
Julgador, reunido no dia 31 de março de 2007, na sede do Ministério da
Cultura, em Brasília, constituído por representantes do Ministério da Cultura, do
Ministério do Turismo, do IPHAN, da Prefeitura de Olinda, do SESC/SP e da
Organização Capital Brasileira da Cultura ressalta essa escolha devido à
importância de nossa cidade no universo cultural brasileiro.
Os sinos de São João del-Rei possuem uma linguagem única que,
durante um bom período da história da cidade, foi um dos principais meios de
comunicação que atingia a população em uma maior quantidade. Esse código
sonoro estabeleceu-se no século XVIII quando a vila São João del-Rei se
consolidou como um dos mais prósperos centros urbanos da Capitania das
Minas Gerais. Os sinos resistem ao tempo, se destacando no contexto social,
dando a São João del-Rei uma característica única.
Através dos dobres, toques e repiques diferenciados, em que cada tipo
tem um significado diferente, os sinos informam, por exemplo, os horários das
missas, dos enterros e das datas festivas. Dessa maneira, os sineiros mantêm
285
vivos os significados e a tradição dessa linguagem que foi inspirada nos sinos
medievais.
Viegas (1990) detalha as características dos toques e as mensagens
que eles transmitem no dia a dia, os “chamados” mais simples dos sinos
acontecem para as missas, geralmente meia hora e quinze minutos antes. O
sino menor é percutido em pancadas seguidas. No final de cada toque de
entrada da missa, são dadas pancadas espaçadas indicando quem será o
celebrante. Se três, será o pároco auxiliar ou um padre simples; se quatro, o
vigário; se sete, o bispo; e, se nove, um arcebispo. O número de pancadas
aumenta de maneira diretamente proporcional ao cargo na hierarquia religiosa
do celebrante da missa. Se a missa for festiva, executa-se um repique depois
da entrada e outro no final, já que este é um modo mais alegre de tocar o sino,
com o bater constante, rítmico e ligeiro do badalo.
Os toques também anunciam a morte de irmãos das confrarias
religiosas, sendo dezoito pancadas ou mais no sino grande para chamar para o
enterro de um irmão. Se for homem, são dados três dobres de uma pancada;
se mulher, dois dobres de uma pancada e, se for criança, com menos de sete
anos de idade, o toque é festivo na hora do enterro. Esse ensejo festivo, ao
invés de fúnebre, é devido ao fato da criança ser considerada um “anjo”,
significando que a volta de um anjo ao céu tenha que ser comemorada
jubilosamente. Se for o falecimento do papa, há dobre de hora em hora. Se for
bispo, de três em três horas. Já o falecimento do vigário, de quatro em quatro,
obedecendo uma hierarquia religiosa.
Como afirma Vendramini (1982), do ponto de vista rítmico ou musical, os
toques dos sinos podem ter a sua criação registrada em duas fontes: a criação
popular e anônima, resultante da pura inspiração ou cópia, consciente ou
inconsciente de um modelo escolhido; a lei da Igreja, que pode determinar o
número de badaladas que compõe o toque, além da duração das badaladas e
as situações em que se fará ouvir.
Através da interpretação desses significados, é possível perceber como
a Igreja, em interação com os fiéis, cria formas de comunicação, essenciais em
uma comunidade, servindo como processo de integração ou de identidade
cultural.
286
A linguagem dos sinos de São João del-Rei pode ser vista como um
costume, tradição de gerações e forma de expressão, processo histórico, fruto
da ação humana, portador de referência cultural em relação à comunidade
local. Possui as características de um bem imaterial, integrante do patrimônio
cultural brasileiro, e por isso mesmo é fator de identidade entre os atores
sociais.
Considerações finais
A preocupação do Estado com a preservação dos bens culturais foi
evoluindo
gradativamente
até
chegar
ao
patamar
desenvolvido
que
conhecemos hoje, estabelecido pela Constituição Federal de 1988 que além de
se preocupar com os bens materiais, e o devido tombamento dos mesmos,
estipulou sobre os bens culturais imateriais, mas somente com a criação do
projeto 3.551 de 4 de Agosto de 2000 é que foi instituído o registro de bens
culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro e,
dessa maneira, foi criado o programa nacional do patrimônio imaterial,
inviabilizando a efetiva proteção administrativa dos bens culturais intangíveis.
Os aspectos tangíveis e intangíveis sempre se conjugam, assim,
podemos dizer que o patrimônio cultural constitui-se de três elementos básicos:
o meio ambiente, o conhecimento humano e os artefatos. O conhecimento
humano é intangível, não tridimensional, mas científico, incluindo todas as
tecnologias. O meio ambiente tem origem natural, podendo haver vários
estágios entre natureza virgem e selvagem e aquela civilizada. Os artefatos,
por sua vez, são aqueles bens que o homem produziu fazendo atuar seus
conhecimentos sobre o meio ambiente.
Dessa maneira, o patrimônio cultural enquanto bem jurídico não se
confunde com o objeto físico que o ostenta. Com efeito, os direitos são sempre
bens incorpóreos e a divisão classificatória de bens em materiais e imateriais
refere-se aos objetos de tais direitos.
Os bens culturais podem estar amparados em suportes físicos. O que o
caracteriza é a relevância que possui a manifestação do espírito humano em
relação ao suporte físico que lhe dê consistência, nos permitindo afirmar a
importância da preservação da linguagem dos sinos em São João del-Rei para
a sua população, já que se tratando de uma importante cidade histórica,
287
embrenhada a um contexto histórico/social de grande relevância para Minas
Gerais, assim como para o Brasil, composta por uma sociedade em sua
maioria muito religiosa, a linguagem dos sinos é uma identidade que os difere.
Identificando-os como a “cidade onde os sinos falam”, toda uma técnica de
mensagem
perpassada
de
geração-a-geração
que
é
utilizada
pra
comunicar/informar até hoje.
A partir do que estipula o artigo 216 da Carta Magna e do Decreto n.
3.551, podemos dizer que é dever do Estado garantir a tutela desse bem
imaterial, a linguagem dos sinos, já que de extrema relevância para o contexto
social a qual ela pertence, sendo uma das características principais da
sociedade são-joanense. Dessa maneira, seria interessante a implementação
de uma educação patrimonial na cidade em que a linguagem dos sinos, assim
como outras características culturais da cidade, fossem transmitidas para a
nova geração, garantindo assim a continuidade da tradição e o acesso de
todos os cidadãos às informações que constituem o lugar ao qual pertencem.
Referências
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VIEGAS, Aluízio José. Linguagem dos sinos de São João del-Rey. 1990.
289
O PROCESSO DE VENDA PESSOAL COMO ESTRATÉGIA PARA
FIDELIZAÇÃO DE CLIENTES
Júnior Moura Malaquias– IPTAN
E-mail: [email protected]
Romana Toussaint de Paula– IPTAN
E-mail: [email protected]
Simone Pádua Torres– IPTAN
E-mail: [email protected]
Yolanda Nathasha Dutra de Resende– IPTAN
E-mail: [email protected]
Resumo: O presente trabalho apresentará estratégias de fidelização que as
empresas podem inserir em sua estrutura organizacional, para atender e até
superar as expectativas dos clientes. Irá identificar a importância do processo
de venda pessoal que envolve a comunicação da empresa com os clientes,
onde proporciona a interação da mensagem do vendedor de acordo com as
necessidades e desejos dos consumidores. Serão analisadas as etapas do
processo de venda pessoal e principalmente pós-venda, que vai trabalhar o
contato com o cliente após a compra.O objetivo geral é analisar o processo de
venda pessoal com o intuito de apresentar estratégias para fidelização de
clientes. Pois a venda pessoal pode promover a fidelização de clientes através
da confiança e comprometimento que a organização passa para os mesmos
durante e após a negociação, além da qualidade dos produtos e serviços. O
trabalho se justifica por ser um assunto indispensável para o crescimento das
organizações e de suma importância na relação com os clientes.
Palavras-chave: Organização – Venda pessoal – Cliente – Fidelização
Introdução
Com a crescente evolução do mercado, torna-se essencial a empresa
ter seu foco voltado para o cliente, ter a arte de conquistá-los e fidelizá-los. Faz
parte do ser humano ter o desejo de ser reconhecido e respeitado, portanto é
essencial a empresa praticar um processo de venda pessoal eficaz,
valorizando e satisfazendo as necessidades do cliente, sendo um ponto crucial
para a indicação de novos clientes potenciais e a formação de uma postura
competitiva no mercado.
O processo de venda pessoal é um conjunto de ferramentas que
trabalham com formas eficazes de comunicações, de forma que o vendedor
interaja com os clientes, identificando suas necessidades, desejos e costumes
para que atendam suas expectativas, sendo um grande caminho para a
fidelização do publico alvo da empresa.
290
O problema de pesquisa deste estudo tem o intuito de identificar como
o processo de venda pessoal pode promover a fidelização dos clientes?
O tema de pesquisa é de suma importância para as empresas, pois
mostrará como um relacionamento de respeito e comprometimento com os
clientes é satisfatório não só para os mesmos, mas também para as empresas.
Este artigo tem o objetivo de apresentar o processo de venda pessoal
com o intuito de demonstrar a sua potencialidade para fidelizar os clientes,
apresentando estratégias de fidelização de clientes; apresentar a importância
do processo de venda pessoal nas organizações e suas etapas; apresentar
ferramentas de pós-venda que mostram como a comunicação com os clientes
após a compra é importante para construir um elo de comprometimento dos
mesmos com a organização.
A metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica, através das
diversas publicações sobre venda pessoal, estratégias de pós-venda e
fidelização de clientes. Serão apresentados os conceitos sobre o processo da
venda pessoal e suas etapas como prospecção, identificação e qualificação de
clientes, pré-abordagem, apresentação e demonstração, superação de objeção
e fechamento das vendas. Além destes aspectos, serão abordadas também as
estratégias de pós venda, fidelização de clientes, abordando estratégias e
como fidelizar clientes no comércio virtual.
1 O processo de venda pessoal e suas aplicações
Para que o êxito da conquista dos consumidores aconteça, pode-se
destacar que a venda pessoal é uma das principais etapas a serem praticadas
pelas empresas, pois inicia o processo de comunicação com os clientes.
“Comparada a outros tipos de promoção, a venda pessoal é a forma mais
precisa de comunicação porque assegura às companhias que elas estão em
contato direto com excelente consumidor potencial” (FERREL, 2006, p. 286).
Desta forma, Dias et al (2003, p. 310) contextualiza que a venda
pessoal comporta a interação das mensagens do vendedor de acordo com as
necessidades, desejos e crenças dos clientes.
Segundo os conceitos de Churchill e Peter (2000, p. 452), a venda
pessoal envolve a interação da organização com os consumidores através do
291
contato direto, ligações telefônicas e comunicações escritas, com o intuito de
valorizar o cliente, para que se sinta seguro para realizar a compra.
Kotler e Keller (2006, p. 618) abordam várias posições de vendas que
existem entre os vendedores:
a) Entregador – principal tarefa é fazer a entrega do produto;
b) Tomador de pedidos – vendedor que atua basicamente em anotar pedidos;
c) Missionário – o vendedor tem como principal tarefa construir uma boa
imagem ou instruir o comprador atual ou potencial;
d) Técnico – vendedor com alto nível de conhecimento técnico;
e) Gerador de demanda – vendedor que se baseia em métodos criativos para
vender produtos, principalmente tangíveis;
f) Vendedor de soluções – sua especialidade é resolver um problema do
cliente.
Torna-se indispensável que os vendedores observem os costumes e
culturas dos consumidores e o que esperam receber dos produtos
comercializados pela organização, para que possam desenvolver uma
negociação que satisfaça ambas as partes. Desta forma, o treinamento dos
funcionários torna-se necessário, pois os mesmos irão aprender formas
corretas de realizar um bom atendimento com os clientes, tornando-se um
grande passo para satisfazê-los (CHURCHILL; PETER, 2000, p. 507).
Segundo Kotler e Keller (2006, p. 627):
Todas as abordagens de treinamento em vendas tentam
fazer o vendedor deixar de ser um tomador de pedidos
passivo e se transformar em um caçador ativo de pedidos,
que se empenha na solução de problemas do cliente. Um
caçador ativo de pedidos aprende a escutar uma pergunta
do cliente, a fim de identificar suas necessidades e
oferecer soluções seguras.
Desde modo, a venda pessoal pode acarretar uma série de atividades
e responsabilidades que os funcionários devem obter ao efetuar uma venda,
que serão identificados no quadro 1.
292
QUADRO 1 – Atividades e responsabilidades na venda pessoal
Atividades
Responsabilidades





1. Função de vendas
2. Lidar
com
os
pedidos
3. Atendimento
sobre
o produto
4. Administração
de
informações
5. Atendimento
à
conta
6. Comparecimento a
reuniões
e
























entrevistas



7. Treinamento/

recrutamento


Planejar as atividades de venda;
Procurar indicações de novos clientes;
Visitar contas potenciais;
Identificar os tomadores de decisão;
Preparar informações e apresentações
de vendas;
Fazer apresentações de vendas;
Superar objeções;
Apresentar novos produtos;
Visitar contas novas.
Redigir pedidos;
Aviar pedidos;
Controlar devoluções;
Administrar problemas de entrega;
Localizar pedidos extraviados.
Informar-se sobre o produto;
Testar equipamentos;
Supervisionar instalação;
Treinar os clientes;
Supervisionar os reparos;
Realizar manutenção.
Fornecer informações técnicas;
Receber e fornecer o feedback;
Confirmar as informações (checá-las
com os superiores).
Abastecer prateleiras;
Montar displays;
Receber estoque para o cliente;
Controlar propaganda e promoção local.
Participar de conferências e seminários
de vendas;
Comparecer a reuniões regionais de
vendas;
Trabalhar e dar apoio em conferências
dos clientes;
Organizar exposições dos produtos;
Participar de sessões periódicas de
treinamento.
Recrutar novos representantes de
vendas;
Treinar novos vendedores;
Apoiar e trabalhar com trainees e
novatos
293
8. Entretenimento

Entreter clientes com esportes ou outras
formas de diversão;
 Sair com clientes para almoçar, happy
ou jantar;
 Recepcionar e mostrar a empresa e a
cidade aos clientes;
 Oferecer festas, palestras, e eventos
para os clientes.
9. Viagens
 Viajar para fora da cidade, estado ou
país;
 Passar noites na estrada, avião ou hotel;
 Conhecer sua região.
10. Distribuição
 Estabelecer um bom relacionamento
com os distribuidores;
 Vender para os distribuidores;
 Controlar crédito;
 Cobrar contas vencidas.
Fonte: Adaptado de Churchill e Peter (2000, p. 508).
Pode-se dizer que o treinamento dos vendedores é importante para
realizar uma venda eficaz, pois mostra para o vendedor como relacionar com
os clientes, os caminhos a seguir e os benefícios que devem oferecer para que
a negociação não seja uma simples etapa da organização e sim algo que irá
atender as expectativas do cliente, tornando-se um forte caminho para futuras
compras e para sua fidelização com a empresa. Desta forma, obter atividades
com atuações responsáveis na etapa da venda pessoal é uma característica
diferenciada para oferecer ao seu publico alvo pleno conforto e vantagens ao
adquirir os serviços ou produtos, sendo uma forte estratégia perante a
concorrência e ao mercado.
Diante deste aspecto, para competir no mercado, às empresas vêm
buscando formas de bons relacionamentos com os clientes. Segundo Churchill
e Peter (2000, p. 511) para que os clientes sintam seguros com a compra, as
relações de envolvimento deles com a empresa são bastante valorizadas, onde
esperam conselhos de confiança dos vendedores para as decisões de compras
e que sugerem produtos que atendam as necessidades dos compradores.
Para atingir um bom desempenho no trabalho das vendas pessoais,
torna-se necessário analisar várias etapas que a organização deve seguir para
alcançar seus objetivos profissionais.
294
1.1 As etapas do processo de venda pessoal
As etapas do processo de venda pessoal podem ocasionar um elo da
organização com o cliente, pois irão trabalhar conceitos além do conhecimento
do produto, mas sim técnicas de vendas capazes de conquistar os
consumidores e oferecer benefícios que melhor satisfaça-os Estas etapas
abordam a prospecção, identificação e qualificação dos clientes; préabordagem; apresentação e demonstração; superação de objeção e o
fechamento das vendas.
1.1.1 Prospecção, identificação e qualificação dos clientes
As etapas do processo de vendas iniciam-se pela prospecção do
publico que a organização pretende atingir. “A prospecção é o método ou
sistema através do qual os vendedores aprendem os nomes das pessoas que
precisam do produto e dispõem de recursos para comprá-los” (STANTON;
SPIRO, 1999, p. 48). É a etapa do processo de vendas que inicia a procura e a
identificação dos compradores potenciais da organização, buscando apurar
informações sobre seus costumes, características e preferências de produtos
ou serviços.
Perante estes aspectos, Churchill e Peter (2000, p. 512-513) destacam
estes compradores em três divisões:
Indicações: indivíduos ou organizações que são clientes
em potencial;
Clientes potenciais: indivíduos ou organizações com
interesse no produto;
Clientes potenciais qualificados: indivíduo ou organização
que estejam inclinados a comprar e tenham condições e
autoridades para isso.
Stanton e Spiro (1999, p.51) contextualizam que “o objetivo da
pesquisa de clientes é fazer com que os vendedores saibam o máximo possível
sobre a empresa, os tomadores de decisão e suas necessidades antes de
fazer a primeira visita”. Pode-se dizer que os vendedores devem identificar e
selecionar seus clientes de acordo com o ramo e o foco da empresa, e a partir
daí, observar se estes são qualificados de acordo com os requisitos do
comprador que a organização quer atingir. Este fato promoverá maiores
resultados lucrativos e eficazes para o crescimento organizacional.
295
Para Churchill e Peter (2000, p. 513) a qualificação “determina se um
cliente potencial se encontra em condições de comprar um produto”, ou seja,
se o mesmo possui condições financeiras aptas para adquirir um produto com
um maior valor aquisitivo. Os vendedores que trabalham de forma a conhecer e
relacionar com os clientes, tende a obter boas vendas e a plena satisfação de
seu publico alvo.
1.1.2 Pré-abordagem
Este processo de abordagem é o contato inicial com o cliente. Churchill
e Peter (2000, p 514) afirmam que quando o vendedor conclui a identificação,
começam a planejar as atividades de coleta de dados que irão recolher dos
clientes, onde o vendedor deve planejar de forma dinâmica para chegar ao
fechamento do negócio.
Para Kotler e Keller (2006, p. 629) é condizente o vendedor conhecer
os objetivos da organização em que atua para saber o tipo de produto que
comercializam e suas características, qual o público que querem atingir e quais
benefícios querem oferecer aos clientes, para com isto, os vendedores agirem
de acordo com as metas da empresa.
As metas da abordagem perante Churchill e Peter (2000, p.514) são
“aprender mais sobre as necessidades dos clientes, obter atenção e estimular
interesse”. Com estas metas, fica mais adequado para a empresa propor
soluções para resolver os problemas dos clientes.
É harmônico os vendedores elaborarem métodos de comunicações
atrativos para que possam despertar no cliente interesse em relacionar com a
empresa.
1.1.3 Apresentação e demonstração
Nesta etapa, é apresentado aos clientes os benefícios e vantagens
daqueles produtos ou serviços que evidenciaram interesses em adquiri-los.
Para Churchill e Peter (2000, p. 514) “a apresentação de vendas comunica
informações aos clientes, com a meta de estimular interesse adicional”.
Segundo Stanton e Spiro (1999, p. 54) “a meta da apresentação é fazer
com que o vendedor convença os clientes de que seus produtos ou serviços
atenderão suas necessidades de maneira melhor que os concorrentes”. Desta
296
maneira, torna-se plausível argumentar que obtendo em um produto preços
acessíveis, qualidade e um bom atendimento, são características atrativas para
que os clientes comprem na organização sem comparar com a concorrência,
formando um elo com a mesma, sendo um grande caminho para a fidelização
destes compradores.
Perante estes aspectos, observa-se que a apresentação das vendas
tem o propósito de transformar o cliente potencial em cliente real, pois os
vendedores praticam tarefas que são aptas para conquistá-los, sugerindo
benefícios ao adquirir o produto ou serviço da empresa. Desta forma os
clientes irão sentir-se seguros com os vendedores, de modo que diminuem as
dúvidas e questionamentos em relação à compra.
1.1.4 Superação de objeção
Em seguida da apresentação da venda, é mostrado suas objeções. As
objeções são argumentos que são questionados antes de fechar o pedido, ou
seja, aspectos apresentados pelos clientes para demonstrar algo que deseja
saber ou recusar alguma proposta oferecida pelo vendedor. Para Churchill e
Peter (2000, p. 517) “são as razões dos clientes potencias para não fazer
compras”.
Neste momento, os vendedores devem usar justificativas de compra
que irão assegurar os clientes que o produto oferecido pela organização trará
inúmeros benefícios. Ainda para Churchill e Peter (2000, p. 517) “os
vendedores habilidosos sabem quando as objeções são válidas e demonstram
respeito pelo desejo do cliente potencial de se esquivar”. Deste modo, observase que os mesmos vendedores podem usar os benefícios que o produto possui
como estratégia de comparação em relação aos produtos concorrentes.
Perante estes argumentos, pode-se observar que os vendedores
esclarecendo as dúvidas dos clientes de forma clara e objetiva, tornam-se
tendenciosos e seguros para fechar o negócio.
1.1.5 Fechamento
O fechamento é a etapa de conclusão da compra, onde há uma relação
de compromisso da empresa com o cliente. De acordo com Churchill e Peter
297
(2000, p. 517) “o fechamento da venda envolve a solicitação de pedidos e a
obtenção de compromisso de compra por parte dos clientes potenciais”.
Neste momento, o vendedor deve está seguro das informações
passadas para o cliente e apto para realizar o negócio, responsabilizando com
o compromisso tratado com o consumidor. Para Kotler e Keller (2006, p. 629)
“os profissionais de venda precisam reconhecer os sinais de fechamento
emitidos pelo comprador, incluindo atitudes físicas, declarações, comentários e
perguntas”. Torna-se condizente destacar que esta etapa de fechamento
requer bastante responsabilidade dos vendedores para efetuar um negócio
eficaz para o cliente e a organização.
Segundo Churchill e Peter (2000, p. 517) existem algumas técnicas
para efetuar uma venda:
a) Fechamento por tentativa: os vendedores sugerem aos clientes que
destacam características e modelos do que estão comprando;
b) Fechamento presumido: nesta etapa os vendedores tratam questões sobre
formas de pagamento, financiamento e entrega do produto;
c) Fechamento de urgência: ocorre uma decisão imediata da compra devido a
fatores que podem acarretar aumento ao produto negociado, ou seja, um
aumentado da taxa de juros estipulados pelo governo naquele período de
compra.
Partindo deste propósito, destaca-se que há varias técnicas que podem
levar o cliente fechar um negócio, desde que o vendedor passa para o
comprador respeito, compromisso e segurança na efetuação do negocio. A
partir do fechamento, a empresa poderá obter estratégias para manter o cliente
satisfeito, propondo um bom relacionamento com eles após a venda.
1.2. Estratégias de pós-venda
O fechamento das vendas, não é o término do contato com o cliente,
sendo pelo contrário, o inicio da relação deles com a empresa. A comunicação
e o contato com o consumidor após a compra tornam-se fundamental para a
garantia da satisfação do cliente. “O acompanhamento de vendas, servem para
garantir que os clientes estão satisfeitos com a compra” (CHURCHILL; PETER,
2000, p. 518).
298
O serviço de pós-venda nas empresas atuais, torna-se uma ferramenta
diferenciada como estratégia para manter-se no mercado, pois irá manter o
vinculo com o cliente após a negociação. Segundo Churchill e Peter (2000, p.
518), para construir um relacionamento de longo prazo com os clientes,
ligações telefônicas e emails para oferecer promoções e lançamentos de
produtos ou para prestigiar em datas comemorativas, podem ocasionar grande
valor aos clientes. Além disso, torna-se importante também ter um contato com
o cliente após a compra, para ter informações se receberam o produto
corretamente e para verificar se os mesmos ficaram satisfeitos com o negócio
realizado com a empresa.
Perante Kotler e Keller (2006, p. 629) o acompanhamento durante e
após a entrega do pedido, pode garantir que a instalação do produto ou serviço
seja realizada conforme o combinado com o comprador no ato da efetuação da
compra.
Uma das estratégias mais eficácias para a fidelização do cliente, se
encontra no pós venda. Mostrar para o cliente que ele é importante para a
empresa, torna-se relevante, pois o consumidor retornará para futuras
negociações, originando resultados lucrativos para a empresa, indicação de
clientes potenciais e fortificação da imagem da organização no mercado.
1.3.
Fidelização
Os consumidores quando se sentem realizados com a compra, eles
constroem uma relação de preferência de compra com a empresa, pois
vivenciaram boas negociações com a mesma, sabendo que a organização
cumpre com seu compromisso e que fornece produtos que realmente satisfaz
as expectativas do cliente.
Pode-se perceber que um cliente fiel, torna-se uma grande propaganda
para a organização, indicando-a para outros consumidores. Desta forma,
perante o contexto de Sabatino (2003, p. 4) um caminho rápido e eficiente para
conquistar o cliente é criar um vínculo forte com eles de maneira que a
empresa estimule e faça seus consumidores a usar sempre o produto ou
serviço fornecido, retornando frequentemente ao ponto de venda.
Para que o êxito deste processo de fidelização aconteça, é coerente as
organizações ter uma visão mais ampla e atual sobre a relevância do cliente
299
em uma empresa. Na figura a seguir será comparada a visão da empresa
tradicional com a visão da empresa moderna em relação à importância dos
clientes dentro das organizações.
FIGURA 4 – Organograma tradicional versus organograma da empresa
moderna orientada para cliente
Fonte: Adaptado por Kotler e Keller (2006, p. 139)
Avaliando o pensamento de Kotler e Keller (2206, p. 139), para as
empresas tradicionais, os clientes são considerados a ultima classe da
pirâmide, podendo interpretar que os mesmos não moviam as decisões das
empresas, os consumidores que tinham que adaptar à cultura das
organizações. Com a alta competição das empresas no mercado, as
organizações foram construindo a necessidade de inverter a pirâmide do
organograma tradicional, colocando os clientes no topo, o pessoal da linha de
frente em seguida que vão identificar as características, costumes e
necessidades do consumidor potencial, abaixo os gerentes de nível médio que
vão continuar o contato com o cliente, aprofundando mais sobre o
conhecimento do mesmo e por fim, a alta administração que contratará os
funcionários da organização.
Pode-se observar que as empresas devem adaptar sua estrutura
organizacional de acordo com seus clientes, buscando obter uma relação
prolongada com os mesmos, a fim de oferecer os benefícios que o cliente
300
deseja adquirir com o produto ou serviço da organização, com o propósito de
aumentar suas vendas e fidelizá-los. Assim, Dias et al (2003, p. 300)
contextualiza que “Fidelizar ou reter o cliente é o resultado de uma estratégia
de marketing que tem como objetivos gerar frequência de compra dos clientes,
aumentar as vendas por cliente e recompensar o cliente por compras
repetidas”.
Para que a gerência organizacional desenvolva métodos para originar
fidelização dos clientes, torna-se necessário observar alguns pontos. Las
Casas (2001, p.78) define estes pontos como:
1.
Informação pormenorizada sobre o cliente;
2.
Investimento no relacionamento comercial com o
cliente;
3.
Modelagem individual no relacionamento com o
cliente, levando-se em conta suas características
individuais;
4.
Fomento e direcionamento planejado da interação
com o cliente;
5.
Integração do cliente nas estruturas da empresa e
processos do fornecedor.
Desta forma, torna-se relevante destacar que um dos principais pontos
para fidelizar os clientes começa no bom atendimento, tanto durante ou quanto
após a venda, a atenção com os mesmos é relevante, pois sentem se seguros
e confiantes com a organização. Valorizar os clientes, principalmente os atuais
que já fazem parte da empresa destaca-se necessário para seu crescimento
econômico no mercado, buscando formas de desviá-los da concorrência.
Portanto, Sabatino (2003, p. 12) contextualiza que a existência de um
processo de fidelização, acontece pelo ato do cliente se sentir atraído pelos
produtos e pelas atitudes e estrutura que a empresa dispõe no mercado. Com
isto, as organizações podem desenvolver estratégias para fidelizar seus
consumidores.
1.3.1 Estratégias de Fidelização
Ao elaborar planos estratégicos, as empresas devem analisar o
mercado, a concorrência e todo composto organizacional para adotar atitudes
corretas para conquistar seus clientes. Assim, Sabatino (2003, p. 44),
301
contextualiza estratégia como uma construção das metas organizacionais, ou
seja, os integrantes da empresa precisam desenvolver todas as atividades
oferecidas para o consumidor com comprometimento e segurança no que
atuam, com o intuito de transmitir para o cliente confiança nos produtos e
serviços adquiridos.
Para Oliveira (1991, p. 26) “a finalidade das estratégias empresarias é
estabelecer quais serão os caminhos, os programas de ações que devem ser
seguidos para alcançar os objetivos”. Desta forma, pode-se interpretar que
cabe às organizações formular suas estratégias para conquistar novos clientes
potenciais e para melhor atender seus atuais clientes e assim, destacar perante
seus concorrentes.
Antes de aplicar qualquer estratégia organizacional, é coerente
destacar dois pontos: A formulação, onde será identificado as oportunidades e
ameaças da empresa, e a implementação, que é o processo onde define quais
estratégias serão tomadas e quais caminhos a percorrer, sendo uma etapa a
ser executada de forma responsável, pois se obter decisões inseguras pode
comprometer o nome da empresa (SABATINO, 2003, p. 44).
Perante a visão de Bretzke (2000, p. 126) os programas de fidelização
possuem um papel significante para construir estratégias para fidelizar clientes,
pois diferenciam as empresas na mente dos consumidores, ou seja, cada gesto
de reconhecimento, cada telefonema ou carta que os clientes recebem, os
mesmos ficam satisfeitos, sabendo que a empresa se importa com eles.
Segundo Dial et al (2003, p. 7) o marketing de fidelização é uma das
estratégias mais adequadas para ativar e reter clientes. Suas atividades são
praticadas por meio de ações integradas e continuas de comunicação e
promoção, gerando frequência de compra dos clientes. As administradoras de
cartões de crédito utilizam este modelo como estratégias de fidelização, que
são os programas de prêmios por frequência de uso e volumes comprados com
cartões e as campanhas aéreas que são os programas de milhagens gratuitas
para os passageiros que mais usam os serviços da campanha (DIAS et al,
2003, p. 7).
A essência da estratégia é justamente fazer com que as empresas
estejam em constante busca de mudanças e inovações para destacar no
mercado, valorizando seus clientes atuais e conquistando novos consumidores
302
potenciais. O comércio virtual pode ser considerado uma grande ferramenta
estratégica que vem cada vez mais conquistando espaço nas empresas e no
cotidiano das pessoas.
1.3.2 Fidelidade no comércio virtual
O mundo está cada dia mais móvel e portátil, sendo capaz de provocar
fortes mudanças comportamentais nos hábitos de compra, de lazer e de
trabalho, além de influenciar no momento de compra de um produto ou serviço,
pois proporciona mais rapidez e praticidade para os consumidores (SABATINO,
2003, p. 55).
Entende-se que a tecnologia vem ocupando maior espaço na vida das
pessoas e das empresas justamente pelo conforto, agilidade e praticidade ao
concretizar uma compra.
Para Churchill e Peter (2000, p.135), “a realidade virtual permite que os
profissionais de marketing exibam novos produtos potenciais ou mostruários de
produtos sem incorrer nos custos de construí-los fisicamente”. Torna-se
favorável para as empresas oferecerem aos clientes formas mais praticas e
modernas, desenvolvendo sites para que os mesmos tenham acesso aos
produtos ou serviços sem deslocar para o local da empresa, e-mails e redes
sócias para comunicar com os clientes em qualquer momento.
Segundo contexto de Sabatino (2003, p. 63), possuem algumas
empresas no mercado que estão inserindo formas para fidelizar seus
consumidores em lojas virtuais, como por exemplo, disponibilização de brindes
por frequência de compra e de pontos que os clientes ganham quando efetuam
a compra e que podem trocar por prêmios. Um dos intuitos do estudo de
fidelização é justamente mostrar para as empresas que o que tornará seus
clientes fiéis é a forma de como irão valorizá-los, seja no mundo real ou virtual.
Assim quando o cliente começa a envolver com a organização, o
processo de venda pessoal torna-se importante, pois envolve a comunicação e
o contato inicial com o cliente, a fim de que, a empresa busque formas para
conquistá-lo, para que possa desenvolver estratégias, tanto no comercio virtual
quanto no real para fidelizá-los.
303
Considerações finais
Este artigo abordou o contexto sobre a importância do processo de
venda pessoal para sua análise e como o mesmo proporciona estratégias para
fidelizar clientes.
Através dos fundamentos teóricos pesquisados, foi possível constatar
que o processo de venda pessoal pode promover a fidelização de clientes
através da confiança e comprometimento que a organização transmite aos
seus clientes, além da qualidade dos produtos e serviços, realização das
necessidades e desejos, preços justos e atenção com os mesmos durante e
após a compra. Desta forma, os clientes sentem-se realizados e valorizados
pela empresa, despertando-lhes a vontade de negociar novamente, tornandose fiéis à organização.
Os principais tópicos para garantir a qualidade de um processo de
venda pessoal de uma empresa diz respeito ao atendimento na loja, o
conhecimento
dos
vendedores
sobre
os
produtos,
a
atenção
e
o
comprometimento da loja com os clientes. Um serviço que geralmente gera
maior insatisfação é o atendimento telefônico. Como sugestão as empresas é
investir na capacitação e treinamento dos funcionários que realizam essa
tarefa. Outra sugestão é colocar uma secretária eletrônica que dê uma
resposta imediata ao cliente, mais os vendedores devem retornar assim que
possível, a fim de passar mais confiança sobre a empresa. Quando uma
ligação não é atendida ou retornada, transmite ao cliente uma sensação de
insegurança com a organização, achando que a organização encerrou suas
atividades no mercado ou que a empresa possui um telefone de contato falso.
Outra questão que as empresas devem ficar atentas é sobre o
acompanhamento do pedido após a venda e o relacionamento com o cliente.
Para fidelizar seus clientes a empresa poderá investir em treinamentos para os
vendedores em relação ao retorno sobre o pedido e ao relacionamento com os
clientes após a compra, com o intuito de que o consumidor fique satisfeito e e
se possível encantado com a organização.
Quanto à forma de pagamento as organizações devem ter formas mais
flexíveis de parcelamento e cartões de crédito e débito diversos.
Uma empresa que visa pela excelência no processo de pós venda não
pode atrasar com prazos de entrega. Para isso torna-se relevante a empresa
304
analisar suas parcerias de transportes, verificando se as transportadoras
coletam na loja e entregam direto para o cliente ou se esperam vincular mais
cargas para completar a entrega. Também pode passar para o cliente, uma
estimativa de prazo um pouco maior em relação ao tempo real de entrega da
compra, incluindo possíveis imprevistos referentes ao transporte, a fim que não
cause nenhum transtorno para os clientes.
Empresas que
desejam fidelizar
devem ter
em sua
estrutura
organizacional, programas de fidelização para atrair e manter seus clientes,
utilizando ligações telefônicas ou enviando cartas, além das estratégias virtuais
como o site, e-mails e redes sociais, com o intuito de manter um contato
frequente com o cliente executando um marketing de relacionamento.
Assim, torna-se relevante destacar perante o estudo e a pesquisa
realizada, que é satisfatório para as empresas buscarem o aperfeiçoamento
dos seus colaboradores, pois um dos grandes diferenciais das empresas está
no processo de venda pessoal, que aplicado de forma eficaz, conquista a
fidelização dos clientes.
Referências
BRETZKE, Miriam. Marketing de Relacionamento e Competição em Tempo
Real. São Paulo: Atlas, 2000.
CHURCHILL, Gilbert A., Jr.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os
clientes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
DIAS, Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de Marketing. São Paulo: Saraiva, 2003
FERREL, O. C. Estratégia de Marketing. São Paulo: Thomson Learning, 2006.
KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de Marketing. 12. ed.
São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
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São Paulo: Atlas, 1991.
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relacionamentos duradouros com os clientes. Rio de Janeiro: Reichmann &
Affonso, 2003.
STANTON, W. J.; SPIRO, R. Administração de vendas. 10. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1999.
305
A DEMOCRACIA LIBERAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
Matheus Bevilacqua Campelo Pereira
Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional – PUC-RJ
E-mail: [email protected]
Fone: (32)8857-8008; 3372-1376
Resumo: O presente artigo busca a análise da democracia reformulada no
século XVIII pelo liberalismo, e que redesenhou o constitucionalismo moderno,
tanto por meio da criação do Estado de Direito, como pela adoção do método
representativo como emanação da soberania popular, permeado de garantias
fundamentais. Com isso, mantém-se a essência da democracia dos gregos, pela
titularidade do Poder Político, contudo, modifica-se o sistema de representação
política, bem como, quanto às proteções concedidas por este Estado moderno
para que as liberdades públicas individuais, como o voto, direito de
manifestação, associação etc. pudessem ser inseridas em um núcleo
constitucional de proteção. Contudo, consideramos que a democracia
participativa, como prevista em nossa Constituição Federal se mostra em
demasia contida, o que imputamos justamente ao modelo liberal de formatação
do Estado, que impõe uma séria de proteções aos direitos fundamentais, porém,
em contrapartida, se mostra omisso em assegurar a efetividade de alguns
direitos, como por exemplo, a participação dos cidadãos no debate político.
Palavras chave: Estado de Direito – Liberalismo – Democracia – Constituição
Federal – Redemocratização – Democracia participativa
Introdução
Muito se tem exaltado, quanto ao aniversário de 25 anos da Constituição
Federal brasileira, celebrado em 05 de outubro de 2013. Tal constatação,
indiscutivelmente se deve a tradição não democrática dos países insertos na
América Latina, aonde o Brasil lamentavelmente não é exceção, bem como, do
período predecessor a Carta Magna vigente, marcado por um autoritarismo
jamais experimentado em nosso país e que minou em grande parte qualquer
tipo de participação popular no debate político nacional. Certo é que o Brasil
acompanhou o processo de democratização que se instalou na América Latina
por volta de 20 a 25 atrás e que marcou inegavelmente o discurso político dos
anos 80 na América Latina, ou seja, a queda de regimes ditatoriais dando
surgimento às chamadas novas democracias. Nesses termos, no momento em
que as transições cheguem ao fim, como aqui observamos e com as ressalvas
que faremos, é relevante e interessante questionarmos se a democracia
consolidada formalmente pelo texto constitucional foi apta o suficiente, no
306
sentido de garantir concreta participação política daqueles cidadãos que por
vários anos de ditadura não puderam atuar efetivamente nas decisões coletivas
de nosso país. Chamamos a atenção para tal constatação, pelo fato de que no
Brasil houve um longo e tenebroso processo de transição democrática, ou seja,
de um regime autocrático, de natureza militar, que durou por mais de 20 anos,
para um regime democrático, com forte apelo protetivo, cujas bases foram
traçadas na Assembleia Nacional Constituinte, que se instalou entre 1º de
fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988. Para ilustrar este momento, de
intenso debate pela renovação política, citamos Pilatti na seguinte passagem:
Ao encerrar o longo processo de transição democrática
que se iniciou no final dos anos 1970 em nosso País, a
Assembleia Nacional Constituinte de 1987 -1988 (ANC)
foi palco de grandes conflitos de interesse e opiniões que
haviam permanecido latentes, irresolutos ou agravados,
durante os anos de repressão. Tais conflitos ensejaram
moboilizações de intensidade e extensão inéditas na
história das Constituições brasileiras. Entre 1º de fevereiro
de 1987 e 5 de outubro de 1988, o edifício do Congresso
Nacional, em Brasília, tranformou-se em ponto de
afluência de múltiplos setores organizados da sociedade
civil brasileira (PILATTI, 2008, p. 1).
Decerto que a democracia brasileira, positivada no preâmbulo, como
nos artigos 1º e 14 do texto constitucional, produto da Assembleia Nacional
Constituinte, prescrevem uma democracia fundada na soberania popular,
aonde “todo o poder emana do povo que o exerce por seus representantes
eleitos ou diretamente”29. Com isso, o texto constitucional manteve incólume a
essência da democracia, pois em que pesem as inegáveis variações históricas
em sua definição, parece-nos ser inconciliável desta, a identificação e
29
PREAMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático... Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania;III - a dignidade da
pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I plebiscito; II - referendo;III - iniciativa popular.
307
legitimidade do Poder Político no povo. Mesmo com variações, a essência da
democracia cinge-se a uma real participação política dos cidadãos, aonde
estes deixam de ser meros expectadores e destinatários desta manifestação do
poder estatal para atuarem de maneira ativa no processo decisório. Tal
referência pode ser retirada em José Afonso da Silva, que assim dispõe:
A democracia, em verdade repousa sobre dois princípios
fundamentais ou primários, que lhe dão essência
conceitual: (a) o da soberania popular, segundo o qual o
povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra
de que todo o poder emana do povo, (b) a participação
direta ou indireta do povo no poder, para que esta seja
efetiva expressão da vontade popular, nos casos em que
a participação é indireta, surge um princípio derivado ou
secundário: o da representação (SILVA, 135).
Desse modo, quanto à intensidade desta participação popular no
contexto político, podemos citar uma democracia direita, aquela indireta e outra
representativa. Para Sgarbi, a democracia direta é aquela que mais se
aproxima do ideal democrático, pois pressupõe a ideia de que o povo conduz,
sem intermediários, a gestão da coisa pública, onde governantes e governados
se confundem na gestão do todo coletivo, exercendo diretamente os poderes
governamentais e cessando, por tal método, qualquer representatividade
(SGARBI, 1999, p.85). De outro lado, na democracia indireta ou representativa,
regra imposta em nossa Constituição Federal, o povo outorga pelo sufrágio
universal, o poder político aos seus representantes. Quanto à democracia
participativa, novamente citamos Sgarbi, que define tal sistema democrático
“que melhor expressa a coexistência de norma(s) prevendo o uso de
instrumento(s) de atuação conjugada (= mandantes e mandatários), direta
(=mandantes) e de indireta (=mandatários agindo em nome dos mandantes)
num mesmo ordenamento jurídico” (SGARBI, 1999, p. 84-85).
Seguindo, com o intuito de materializar o inegável referencial
democrático, a Constituição Federal criou alguns instrumentos de participação
“direta” dos cidadãos no cenário político nacional. Como mecanismos aptos a
desempenhar de maneira “direta” a soberania popular, para isso prescreveu o
texto constitucional a iniciativa popular de leis, o referendo e o plebiscito.
308
Buscando trazer pertinência ao tema, destacamos que tais
instrumentos, em que pese sua inegável aptidão democrática, no sentido de
romper com o monopólio da representatividade e estimular a participação direta
dos cidadãos, foram completamente negligenciados pelo Legislativo Nacional.
Dizemos isso, pois quanto a iniciativa popular de leis, não mais que cinco
propostas legislativas, nesse contexto, foram apresentadas a Câmara dos
Deputados desde a promulgação da Constituição Federal, para sua conversão
em lei, dentro os quais destacamos a lei Lei 8.930, de 7 de setembro de 1994,
tipificando novos crimes hediondos e mais recentemente foi o projeto Ficha
Limpa, ocorrido em 2010. Lamentavelmente tal constatação negativa também
se faz quanto ao referendo e ao plebiscito30. Quanto ao primeiro, passados 25
anos da promulgação de nossa constituição, o povo, então titular do poder
político, somente foi convocado uma única vez, em 23 de outubro de 2005,
para ratificar ou não a alteração no art. 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei
nº 10.826/2003) que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em
todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º do
estatuto. Como o novo texto causaria impacto sobre a indústria de armas do
país e sobre a sociedade brasileira, o povo deveria concordar ou não com ele.
Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei. Quanto ao plebiscito, a irrisória
participação popular também se revela, isso por que, somente em 21 de abril
de 1993, foi realizado plebiscito que demandava escolher monarquia ou
república e parlamentarismo ou presidencialismo. Essa consulta consolidou a
forma e o sistema de governo atual.
Enfim, nesse ponto chamamos a atenção para que, em que pese a
Constituição Federal se referir aos instrumentos democráticos acima citados,
como manifestação de uma democracia direta, como expresso no artigo 1º,
parágrafo único e artigo 14, no presente artigo seguiremos Adrian Sgarbi, em
“O Referendo”,no sentido de considerá-los como parte integrante de um
modelo participativo. Isso porque, como bem observa o autor em estudo, que a
doutrina clássica sempre buscou conciliar a democracia direta como uma forma
de participação política dos cidadãos de maneira pura, ou seja, com antes já
fizemos menção, sem intermediários. Desse modo, tanto o referendo, como o
30
Conforma consulta realizada no site do TSE (http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-ereferendos). Acesso em 25 de abril de 2014.
309
plebiscito e a iniciativa popular de leis demonstram uma participação conjunta
entre representantes e representados o que não permite seu enquadramento
como mecanismo de uma democracia pura, o que impõe a utilização, no
presente artigo, da expressão “democracia participativa”, como método
democrático também utilizado na Constituição Federal (SGARBI, 1999, p. 84).
Vencidas tais questões e voltando para a identificação do tema de
nosso artigo, constatamos que os mecanismos previstos na Constituição
Federal, então concebidos com o intuito de aproximar os cidadãos no debate
político, sinalizam para uma incontroversa inaptidão para os fins que se
destinam. Com isso, propomos uma reflexão sobre os motivos desta apatia
constatada em nossa democracia participativa em estimular e garantir a real
participação popular na tomada de decisões políticas no Brasil, via iniciativa
popular de leis, plebiscito e referendo.
Com intuito de apuramos os motivos desta letargia, propomos uma
breve abordagem histórica e que muito, a nosso ver, nos auxilia na busca das
respostas sobre a apontada inaptidão democrática de nossa democracia
participativa. Na breve análise histórica aqui proposta, evidencia-se que a
democracia, pelo menos naquela moldada na Constituição Federal de 1988, se
mostra em construção, aonde a legitimação e seu efetivo exercício são ainda
de sobremaneira limitadas, pois como adverte Gómez:
É claro que a popularidade global sem precedentes
alcançada pela democracia como regime político não
significa que sua extensão seja plena ou, com se verá
mais adiante, que tenham sido superadas as graves
dificuldades e eliminados os problemas com relação aos
processos efetivos de democratização da vida política e
social dos países. Basta lembrar que são numerosos os
governos abertamente antidemocráticos ou democráticos
apenas de faixada no mundo, ao mesmo tempo que a
maioria das “novas” democracias – por razões
institucionais, econômicas, sociais e culturais – ainda não
se consolidou e não há garantia que que isso aconteça
em um futuro próximo (GÓMEZ, 2000, p.17).
Queremos dizer com isso, que nem todo o regime representativo é
democrático e até, que nem toda democracia traz o reflexo da vontade popular,
o que é traço característico do Estado Liberal, ou seja, nem sempre a maioria
parlamentar exprimi a vontade da maioria, o que nós leva a crer também que
310
nem toda democracia é participativa, nos termos aqui postos. Elucidando o que
dito acima, citamos Adrian Sgrabi, em “Teoria do Direito”:
Em síntese, há o problema “empírico” da constituição de
concerne a sua “existência fática”, e há o problema
“político” da constituição, que diz respeito a sua “adesão”
e a sua “capacidade” de servir de referente para a solução
de conflitos. Porque como a constituição é resultado de
uma decisão política, o regime político envolve a análise
da questão de “quem” manda, o “que” manda e “como”
manda. Portanto, uma coisa é estabelecer uma análise de
normas válidas (que independe do regime político e da
legitimidade da ordem jurídica); outra é aceitar a ordem
jurídica, porque tê-la como legítima é aprovar o regime
jurídico que ela consagra. A primeira é atividade de
“conhecimento”; a segunda de “aprovação”. Ter
conhecimento de algo não implica aceitar, aprovar o que
se conhece, ter o conhecimento de que uma constituição
é “operativa” não significa pessoalmente “aceitá-la. Essas
distinções nos conduzem à questão da estabilidade
(SGARBI, 2007, p.365).
Salientamos nesse momento, que uma das causas da apontada
inefetividade dos instrumentos democráticos em fomentar efetiva participação
popular na tomada de decisões políticas de um Estado, ao qual o Brasil não é
exceção, se deve justamente pelo momento em que a democracia, com a
conhecemos hoje, foi concebida. Dizemos isso, pois a democracia, como
“regime político fundado no princípio da soberania do povo e um decantado
elenco de arranjos institucionais e regras” (GÓMEZ, p.16), é forma de governo
que remonta da antiguidade, mais precisamente na Grécia antiga, por volta dos
séculos IV e V a.C31.,contudo, somente com a criação do Estado Liberal de
Direito é que esta ganhou os contornos como a conhecemos hoje. Desse
modo, de uma democracia identificada pela participação direta das pessoas, na
chamada “democracia dos antigos”, passa-se a um conceito de democracia
participativa, onde o povo como antes, continua como titular do Poder Político,
contudo, este passa a ser exercido por meio dos seus representantes, com
outorga do Poder Político por meio do sufrágio universal. Para ratificar nossa
31
Para Sgarbi, o surgimento da democracia se dá pela forma direta, mais precisamente nas cidadesestados da Grécia antiga (séculos IV e V a.C.), em que a eclésia (assembleia do povo) dispunha de todos
os poderes, não havendo espaço para qualquer tipo de representação ou delegação (SGARBI, 1999, p.
93 e 94).
311
tese, adverte José Afonso da Silva, que a democracia há de ser entendida
como um conceito histórico, dessa assertiva podemos extrair que tal regime
político se apresenta na realidade de diferentes maneiras, ainda mais se
observado o momento de tais manifestações; há variações (SILVA, 2000, p.
129).
Nesse ponto é que chamamos a atenção para a constatação de que o
Liberalismo, como forma de organização do poder político na qual o Estado
tem poderes e funções limitadas e que se legitimou no final do séc. XVIII, em
especial pela Revolução Francesa, com a derrocada do absolutismo, também
foi fundamental para consolidação desta forma de governo, pautada na
soberania popular, dominante em todo o mundo. Nesse contexto, o Estado
Liberal de Direito, deu surgimento ao Estado mínimo, forma de organização
estatal aonde o poder político passou a ser freado por meio da positiviação de
Direitos fundamentais, que justamente estimulavam esse afastamento do
Estado frente ao cidadão, de maneira que as liberdades civis clássicas, como
direito a vida, propriedade e liberdade somente puderam ser estiumuladas e
preservadas pela não interferência do Estado em tais direitos. Tal postura
estatal visava atender os anseios dos cidadãos, exauridos pelo desrespeito a
direitos fundamentais historicamente perpetrados pelo Estado Absolutista, com
isso, o Liberalismo seguiu uma tendência política natural de respeito às
liberdades individuais, o que impôs forte contenção ao poder público por meio
de um não fazer do Estado, ou seja, uma conduta negativa frente ao indivíduo.
Consoante os estudos de Wolkmer (2000, p. 124), o liberalismo foi mera
tendência trazida de uma experiência europeia, com o objetivo de racionalizar o
poder e combater uma sociedade burocrática improdutiva e retrógrada e que
agora, sua estrutura administrativa se concentrava nas mãos de uma
burocracia patrimonialista. Assim, citamos o autor:
[...] o liberalismo político das oligarquias fundava-se numa
concepção da democracia representativa sem nenhuma
relação com a representativa sem nenhuma relação com
a representatividade da vontade popular; tratava-se, ao
contrário, de uma concepção elitista que negava às
massas incultas a capacidade de participação no
processo decisório e atribuia aos homens letrados a
responsailidade exclusiva do funcionamento das
instituições democráticas (WOLKMER, 2000, p.124).
312
Desse modo, a democracia moderna, ou seja, democracia do Estado
Liberal, também passou a ser concebida sob essa perspectiva de afastamento
do Estado, no exercício deste ato de soberania, instrumentalizada pela
participação das pessoas na tomada de decisões políticas. Para ilustrar tal
aspecto da democracia moderna, citamos Bobbio da seguinte maneira:
Não só o Liberalismo é compatível com a democracia, mas a
democracia pode ser considerada como o natural desenvolvimento do
Estado Liberal, apenas se tomada não pelo lado de seu ideal
igualitário, mas pelo lado de sua fórmula política, que é, como se viu, a
soberania popular. O único modo de se tornar possível o exercício da
soberania popular é a atribuição ao maior número de cidadãos do
direito de participar direta e indiretamente na tomada das decisões
coletivas; em outras palavras; é a maior extensão dos direitos políticos
até o limite último do sufráio universal masculino e feminino, salvo o
limite da idade ( que em geral coincide com a maioridade) (BOBBIO, p.
43. 2000).
Nessa mesma linha, Bobbio pondera que o bom funcionamento da
democracia se faz também pelo respeito, por parte do Estado, de Direitos
invioláveis do cidadão, o que somente foi conquistado justamente pelo
liberalismo. Com isso, a garantia do direito de voto é apenas um dos elementos
que identificam um regime democrático, sendo este inábil a exercer soberania,
ou seja, poder que este cidadão possui em influenciar as decisões coletivas, se
outros direitos não sejam também protegidos, como por exemplo, “liberdade de
opinião, de reunião, de associação, de todas as liberdades que constituem a
essência do Estado Liberal
e que enquanto tais passam por pressupostos
necessários para que a participação seja real e não fictícia” (BOBBIO, p.44).
Traçadas tais premissas sobre o liberalismo e a democracia,
importante ressaltar que Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”,
publicado no ano de 1748, contribui, mesmo passados mais de 250 anos de
sua publicação, de maneira determinante para o estudo e entendimento da
democracia
contemporânea
que
aqui
se
sente.
Quanto
a
este,
o
desenvolvimento de sua fundamentação há de ser visto no quadro histórico em
que a obra em comento foi produzida, com nítido cunho Liberal, aonde os
movimentos revolucionários eram feitos geralmente em nome do todo, face ao
Estado arbitrário. Sendo assim, o liberalismo, neste sentido de proteção do
cidadão frente ao Estado somente poderia ser concebido em um contexto de
313
Estado de Direito, onde o próprio Estado passou a encontrar limites de
atuação. Para isso, citamos clássica passagem de Montesquieu e que
expressa muito bem o cerne do liberalismo:
Mas é uma experiência eterna que todo homem que tem
poder é levado a abusar dele. Vai até encontrar limites.
Quem diria! A própria virtude precisa de limites. Para que
não possamos abusar do poder, precisa que, pela
disposição das coisas, o poder freie o poder
(MONTESQUIEU, 2008, p.167).
Nesse mesmo contexto, citamos trecho de Ferdinand Lassalle, em “A
Essência da Constituição”:
Então a população burguesa grita: não posso continuar a
ser uma massa submetida e governada sem contarem
com minha vontade; quero governar também e que o
príncipe reine limitando-se a seguir minha vontade e
regendo meus assuntos e meus interesse (LASSALLE,
2001, p.32).
Portanto, como também expôs Paulo Bonavides (2001, p 43), este
novo Estado Liberal que se afirmava na Europa, teve como êxito apenas o
Liberalismo, mas não a democracia, uma vez que a concepção Liberal ao
defender
os direitos fundamentais,
como
a
participação
política
em
contrapartida não se preocupa em torná-los acessíveis.
Por meio da referência histórica acima citada, somo levados a crer
que a democracia, como a prevista na Constituição Federal, em especial a
participativa, foi fortemente influenciada pela doutrina clássica liberal, o que
coloca em flagrante risco o regime democrático brasileiro por esse afastamento
do Estado frente aos mecanismos democráticos participativos. Justifica-se
deste modo, a postura negligente e omissa de nosso legislativo em tornar que
os instrumentos já previstos em nossa constituição, iniciativa popular de leis, o
referendo e o plebiscito sejam de fato aptos a aproximar a democracia do seu
titular, já que passados 25 anos da promulgação da Constituição Federal o
resulto de tal processo se mostra insuficiente.
Enfim, no presente artigo foi traçado um breve referencial
histórico, com o objetivo de justificar a omissão e distanciamento do Estado em
fomentar nossa democracia participativa, como natural consequência do
constitucionalismo liberal, que prestigiou a autonomia privada em detrimento da
314
pública. Contudo, passados 25 da publicação de nossa Constituição Federal, é
possível descrevermos que tipo de democracia essa nova Constituição foi
capaz de criar, mensurada pela efetiva participação popular. Assim, mesmo
apontando os problemas dessa nova democracia, ainda em formação, jamais
poderemos mitigar sua relevância, sobretudo se visto pela perspectiva de
nossa tradição não democrática. Por fim, chamamos a atenção ao fato de que,
caso os problemas que apontamos, dentre vários outros, na democracia
brasileira não sejam solucionados, certo que esse mesmo modelo político tão
festejado e exaltado nos últimos anos, entrará em inevitável crise, como já se
observa, pois como alerta Benjamim Constant, em sua obra “Princípios
Políticos Constitucionais:
A limitação da soberania é, pois, verdadeiro e praticável.
Será assegurada primeiro pela força, que garante todas
as verdades reconhecidas através da opinião; depois o
será, de uma forma mais precisa, pela distribuição e pelo
equilíbrio dos poderes. Mas comecemos por reconhecer
essa limitação saudável. Sem tal preocupação tudo é inútil
(CONSTANT, p. 63 e 71).
Com tal referência, sinalizamos desde o início, que a proposta do
presente artigo não era de apresentar possíveis soluções para vencer a apatia
de nossa democracia participativa, mas somente apresentar uma justificativa
histórica para os problemas de representatividade aqui apurados, o que não
retira a reflexão para uma urgente e imprescindível reforma política, apta a
vencer o distanciamento do debate político daquele que é o seu legítimo titular:
o povo.
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316
GLOBALIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS
FRENTE À UNICIDADE SINDICAL
Sergio Leonardo Molisani Monteiro – IPTAN
Fúlvio Jacowson Gomes – IPTAN
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade analisar a possibilidade e/ou
viabilidade da flexibilização dos direitos assegurados constitucional e
infraconstitucionalmente aos trabalhadores, sob o contexto atual do mercado
de trabalho globalizado e levando-se em consideração as gradativas
transformações econômicas no sistema produtivo, bem como a força sindical
no sistema brasileiro.
Palavras Chave: Direito Trabalho – Globalização – Crise econômica –
Flexibilização – Unicidade sindical
Introdução
O Direito do Trabalho se caracteriza, principalmente, por suas funções,
ou seja, pela proteção dos direitos dos trabalhadores, pela regulamentação
legal das condições mínimas da relação de emprego e pelos princípios
trabalhistas, além de medidas sociais necessárias ao ambiente do trabalho.
No entanto, este ramo do direito não se limita a estas funções, sendo de crucial
importância suas atuações em prol do trabalhador, combatendo o desemprego,
lutando pela saúde e segurança do trabalhador, bem como garantindo a função
social da empresa.
É exatamente na busca da proteção ampla do trabalhador que, por
vezes, o direito trabalhista se presta a garantir a manutenção da própria
atividade econômica geradora de emprego, ou seja, busca tutelar a empresa
visando um bem maior, o próprio emprego e o mínimo essencial ao
trabalhador.
Exatamente neste sentido são as palavras da ilustre Vólia Bomfim
Cassar quando afirma que “em determinados casos, o Direito do Trabalho
prioriza a preservação da empresa, tomando medidas que visem atenuar a
crise econômica e relativizar os direitos e princípios trabalhistas” (BOMFIM,
2010, p. 1).
E completa a renomada doutora afirmando a necessidade de adaptação
do Direito do Trabalho às realidades socioeconômicas do país:
As sucessivas crises econômicas, a globalização da
economia, as modernas tecnologias, a robotização, a
317
informática, a necessidade de redução dos custos para
aumentar a competitividade, são fatores que modificam os
meios de produção e de trabalho e, como consequência,
o próprio Direito do Trabalho. Daí a necessidade de
adaptação (BOMFIM, 2010, p. 1).
Considerando-se o contexto atual do mercado de trabalho globalizado e
levando-se em consideração as gradativas transformações econômicas no
sistema produtivo, o presente trabalho tem por finalidade analisar a
possibilidade, e/ou viabilidade, da flexibilização dos direitos assegurados
constitucional e infraconstitucionalmente aos trabalhadores, como forma de
adaptação do direito à realidade, por meio de normas legais ou mesmo por
meio dos sindicatos e suas negociações coletivas.
1 Surgimento do direito do trabalho
Para iniciarmos a exposição do tema convém, antes, retratar de forma
breve o surgimento do direito do trabalho, que permitirá concluir que o
surgimento das normas de proteção aos trabalhadores se deu como forma de
reação aos abusos cometidos pelos empregadores.
Na sociedade pré-industrial não havia um sistema de normas de proteção do
trabalhador.
Isso porque, num primeiro momento, o escravo/servo não possuía
qualquer tipo de prerrogativa, na medida em que era equiparado a uma coisa,
um bem.
Na Idade Média, com seu sistema de produção baseado nas
corporações de ofício, quando já superada, pelo menos em parte, a questão do
trabalho escravo, ainda não existiam direitos trabalhistas, vez que os
regulamentos, até então, existentes se destinavam mais à proteção da
corporação do que dos seus membros.
No início do Sec. XVIII se deu o advento do período industrial com a
introdução da máquina a vapor e, consequentemente, da fábrica, local este em
que se tornou possível produzir em larga escala e com custo mais baixo. Neste
momento se introduz o modo de produção capitalista fundado na livre iniciativa.
Os novos modos de produção contrariavam os interesses da monarquia, que
ainda se mostrava altamente dependente dos senhores feudais, isso porque a
existência de produção excedente gerou a busca de novos mercados pela nova
318
classe produtiva, a burguesia, que era impedida de expandir seus marcados
em razão do sistema social repartido em feudos, com normas e mercados
próprios.
Com o fortalecimento da classe burguesa eclodiu a Revolução Francesa
que buscava exatamente a liberdade do indivíduo perante o Estado.
Nesse momento histórico as corporações de ofício foram suprimidas
gradativamente em virtude do pensamento liberalista desenvolvido após a
Revolução Francesa, vez que sua dinâmica não se enquadrava nos ideais de
liberdade individual.
Em sequencia, com a ascensão da burguesia ao poder, tem-se início a
Revolução Industrial, que não somente alterou o sistema produtivo, mas,
principalmente, a forma de trabalho e as relações entre trabalhadores e
empregadores.
É, exatamente neste sentido, os ensinamentos de Segadas Vianna
quando aduz que: “A invenção da máquina e sua aplicação à indústria iriam
provocar a revolução nos métodos de trabalho e, consequentemente, nas
relações entre patrões e trabalhadores (...) tudo isso iria importar na redução
da mão de obra” (SUSSEKIND, 1997, p. 34).
Sobre a passagem, destaque-se a lição extraída de artigo do ilustre
Ministro Alexandre Belmonte (2008, 295-311):
A burguesia liberal ascendeu ao poder, triunfando a
indústria capitalista. Os ideais iluministas, de liberdade,
igualdade e fraternidade se propagam pela Europa. Com
a Revolução Industrial, deu-se a passagem para a
sociedade industrial e consolidou-se o liberalismo.
O período do liberalismo é caracterizado como sendo a primeira
dimensão dos direitos fundamentais, direitos de liberdade individual/formal, de
dimensão negativa, caracterizado pelo abstencionismo estatal, no qual o
Estado não poderia intervir no mercado produtivo.
O abstencionismo estatal, ao contrário do que se imaginou, acabou por
agravar ainda mais a situação do trabalhador, antes incorporado nas oficinas
de forma mais digna, passando a ter uma liberdade meramente formal, haja
vista que não possuía condições dignas de usufruir dessa liberdade. Tal
período é marcado pela enorme desigualdade econômica e social.
319
Tal desigualdade se deu, principalmente, em razão da substituição da
mão de obra pelo maquinário, tal fato acarretou a excessiva oferta de
trabalhadores, que passou a ser absolutamente maior que a demanda,
contribuindo, em larga escala, para a desvalorização do trabalhador.
Na busca desesperada de emprego, os trabalhadores se submetiam à
jornadas extenuantes e salários miseráveis, admitindo-se, ainda, a exploração
de mulheres, idosos e crianças.
Soma-se a tudo isso o quadro de desemprego, péssimas condições de
vida do trabalhador que passa a viver aglutinado nas grandes cidades, ao redor
das indústrias, na busca incessante de um emprego.
Constata-se, pois, que após a Revolução Industrial, com seus objetivos
de produção em massa, a mão de obra dos trabalhadores livres passou a ser
explorada de forma totalmente abusiva, em sua maioria das vezes que sem
qualquer controle estatal.
Como forma de se combater os enormes abusos a que eram acometidos
os trabalhadores surgem os primeiros movimentos sociais que posteriormente
culminaram na eclosão do pensamento socialista.
Ato contínuo, nas palavras do Ministro Alexandre Belmonte (2008, p.
295-311):
Surge o Estado Social e o Direito do Trabalho, as
constituições sociais de 17 (México) e 19 (Weimar) e a
O.I.T. (19). Deu-se a expansão dos direitos sociais na
industrialização crescente e postos de trabalho no setor
de serviço decorrente da produção e das relações sociais.
Como saída para a proliferação dos ideais socialistas, os países
capitalistas, em especial, os Estados Unidos, são obrigados a fazer algumas
concessões de cunho protecionista aos trabalhadores para que, com isso,
pudessem frear a disseminação comunista.
Tangente às renúncias perpetradas pela classe empresária, destaca-se
o posicionamento de Leandro do Amaral Dorneles (2002, p. 42):
O grande pacto social firmado no capitalismo organizado
representou, por parte dos trabalhadores, a aceitação
lógica do lucro e do mercado como princípios orientadores
do desenvolvimento. Em troca, seriam defendidos
padrões mínimos de vida, direitos sindicais e direitos
democráticos liberais. Ainda, seria combatido o
320
desemprego em massa e a renda real dos trabalhadores
subiria gradualmente de acordo com a produtividade do
trabalho, tudo isso através da intervenção do Estado.
As concessões nada mais foram que a criação de normas protetivas em
beneficio dos trabalhadores, ou seja, a criação do direito do trabalho.
Ocorre que, os países capitalistas obrigando-se a garantir a proteção
dos trabalhadores teriam seu custo de produção elevado, acarretando a queda
da competitividade.
Objetivando a reestruturação do mercado produtor, criou-se uma
organização internacional, que posteriormente, veio a se tornar a OIT –
Organização Internacional do Trabalho, para que pudessem ser estendidas as
obrigações trabalhistas assumidas a todos os demais países capitalistas,
visando sempre a garantia da competitividade mundial pela equiparação dos
custos de produção.
Percebe-se, pois, que, justamente em razão da exploração abusiva dos
trabalhadores, surgiu a necessidade da tutela dos empregados, que somente
foi conquistada após intenso movimento e revolta social.
Neste ponto aponta-se como pano de fundo a transição da primeira
dimensão dos direitos fundamentais, direitos de liberdade individual/formal, de
dimensão negativa, caracterizado pelo abstencionismo estatal, para a sua
segunda dimensão, de liberdades sociais e materiais, de dimensão positiva,
caracterizado pelo intervencionismo estatal.
A criação do direito do trabalho, por sua vez, nada mais foi do que uma
verdadeira forma de intervenção do Estado no sistema produtivo e, por
conseguinte, na economia.
Considerando-se a Revolução Francesa e Industrial como sendo, na
verdade, uma série de mudanças tecnológicas que acarretaram na total
subversão das ordens econômica, social e política do sec. XVIII e XIX,
constata-se que foi exatamente em razão desta revolução tecnológica que
surgiu a necessidade da tutela dos trabalhadores, por meio da criação do
direito do trabalho, verdadeiro instrumento de proteção do trabalhador-cidadão
em face do capital.
Não poderia ser diferente com os novos avanços tecnológicos,
decorrentes da atual fase de globalização, ou seja, o direito do trabalho, diante
321
da nova sistemática de produção e exploração do trabalho, deve adaptar-se,
reformular-se,
adequando-se
aos novos anseios,
à
nova
sistemática
econômica, para continuar a garantir a proteção dos trabalhadores sobre o
poderio econômico empresarial.
É justamente na busca desta fórmula de proteção frente à globalização e
aos avanços tecnológicos que a doutrina e a jurisprudência trabalhistas tentam,
ora pelo enrijecimento, ora pela flexibilização dos direitos trabalhistas, perpetrar
a garantia dos trabalhadores, e nas brilhantes palavras da Dra. Vólia Bomfim
(2010, p. 6): “A ciência jurídica depende do modelo de Estado praticado. Este,
por sua vez, é moldado pela economia interna e externa.”
2 Atual panorama econômico mundial
Como visto acima, o sistema jurídico de tutela dos trabalhadores foi
idealizado e construído no momento áureo do sistema produtivo industrial,
visando, naquele momento, garantir, por meio da interferência do Estado na
economia,
um
mínimo
de
dignidade
para
os
trabalhadores,
parte
hipossuficiente na relação empregatícia.
Ocorre que, o sistema econômico-produtivo, até então vigente, teve de
se reestruturar em razão da crise do petróleo da década de 1970 que, elevando
os custos operacionais do transporte, obrigou as empresas a buscarem outra
saída para a distribuição de mercadorias e/ou redução de custos da produção.
Como alternativa à crise do petróleo, as empresas passaram a investir
na informática, na automação, nas comunicações e na produção globalizada,
fato este que culminou no surgimento da telemática (telecomunicações por
meio da informática) e a robótica, inaugurando-se assim a era pós-industrial ou
tecnológica. Viabilizando-se a integração de sociedades e culturas por meio de
comunicação rápida e eficaz. Pelo sistema mundial de computadores,
estabeleceu-se a globalização que, nas palavras da Desembargadora Vólia
Bomfim (2010, p. 6) se caracteriza como sendo:
(...) o processo mundial de integração de sistemas, de
culturas, de produção, de economias, do mercado de
trabalho, conectando comunidades e interligando o
mundo através de redes de comunicação e demais
instrumentos tecnológicos, quebrando fronteiras e
barreiras.
322
Constatada a globalização, pode-se destacar os seguintes efeitos na economia
e, consequentemente, nas relações de trabalho:
Como decorrência da globalização e da automação,
postos tradicionais de trabalho foram eliminados, por
obsoletos; acelerou-se a incapacidade de absorção, pela
indústria, do mesmo contingente proporcional de mão de
obra; tornou-se possível que o mesmo produto ou serviço
pudesse ter as suas etapas de elaboração espalhadas por
diversos locais ou mesmo diversos países, gerando
concorrência mundial de mão de obra e precarizando as
condições de trabalho; o capital passou a ter enorme
mobilidade, transferindo-se para os locais de menor custo;
passou-se a valorizar a qualificação, em detrimento da
especialização (BELMONTE, 2008, p. 295-311).
Quanto às consequências da globalização necessário ressaltar, pela
importância ao tema ora debatido, a crescente taxa de desemprego, originada
pela automação dos antigos postos de trabalho, somado à importação de mão
de obra estrangeira ou mesmo pela possibilidade de prestação dos serviços à
distancia, ou seja, pelo deslocamento da produção para o exterior (BONFIM,
2010, p. 9).
Segundo Luiz Gonzaga, o resultado do desemprego em massa, em face
da significativa redução de pessoas trabalhando no mercado, mesmo que de
maneira informal, acarretou “extrema pobreza, formação de uma categoria de
indigentes, aumento e extensão do consumo de drogas e da criminalidade,
enfim, tudo que conduz à desintegração social” (ADOLFO, 2001, p. 66).
Diante da total subversão da ordem econômica mundial, começa-se a
questionar a efetividade do Direito do Trabalho, que, aparentemente, não é
mais suficiente para a proteção dos trabalhadores. Isso porque o ambiente do
trabalho, em que as normas trabalhistas tiveram sua criação, mostra-se
totalmente diverso do modelo econômico atualmente vigente, permitindo
concluir que o sistema jurídico bolado para aquele momento históricoeconômico, ou seja, pelo sistema intervencionista criador de desigualdades
jurídicas, para suplantar as desigualdades econômicas já não mais atende aos
anseios dos trabalhadores modernos.
Exatamente neste sentido são as lições do Dr. Alexandre Belmonte
(2008, p. 295-311):
323
O clássico contrato individual de trabalho, engendrado
conforme as necessidades de outrora, ou seja, sob o
impacto da Revolução Industrial, dos nefastos efeitos da
omissão do Estado liberal e para pacificar a questão
social, procurou corrigir as desigualdades econômicas
através de desigualdades jurídicas impostas pelo Estado
interventor. Esse modelo serviu por mais de um século às
finalidades protetivas da mão de obra em meio a grande
período de crescimento econômico. Serviu enquanto
durou o modo de prestação do serviço conhecido até a
experimentação dos efeitos das novas tecnologias, que
simplesmente derrubaram as barreiras espaciais e
temporais do trabalho, automatizaram a mão de obra
urbana e rural, eliminaram postos de trabalho
convencionais, diminuíram a necessidade numérica de
trabalhadores e modificaram sobremaneira o objeto e os
custos da produção.
Neste momento de crise, aliado ao pensamento neoliberal, passa-se a
questionar, nos países menos desenvolvidos, o direito trabalhista, vez que
responsável pela elevação excessiva do custo de produção, o que diminui,
ainda mais, a competitividade dos mercados.
Nesse sentido são as elucidações de Vólia Bomfim (2010, p. 17):
Argumentam os neoliberais que a alta proteção trabalhista
e o bem estar social como praticados no Brasil
ocasionaram sociedades ocidentais não (ou menos)
competitivas em relação às economias industrializadas
sem garantias e, por isso, tais direitos dever ser
drasticamente reduzidos, diminuindo-se os gastos, o que
possibilita uma melhor competitividade no mercado. (...) O
Direito do Trabalho passa a ser o vilão da história. Passase a adotar expressões como “custo trabalhista”, “risco
trabalhista”, “passivo trabalhista” como entraves à maior
lucratividade.
Nessa mesma esteira de ideias e incentivando o pensamento neoliberal
necessário se faz lembrar da alta competitividade dos mercados produtivos
asiáticos que ganham, a cada dia, mais espaço nos mercados ocidentais, em
virtude, justamente, de seus baixos preços, conquistados, sabidamente, pela
total desregulamentação de suas normas trabalhistas.
Exatamente
neste
sentido,
considerando
a
atual
realidade
do
desemprego global, sempre observado em face da rigidez da legislação
trabalhista, surgiu na Europa um movimento de ideias que prega os institutos
324
da flexibilização e desregulamentação do Direito Trabalhista, movimento este
que conquistou vários adeptos dentre os juristas, legisladores e operadores do
direito brasileiro.
É neste retrato socioeconômico que se devese pensar/analisar a
possibilidade
de
flexibilização
das
regras
trabalhistas,
autônoma
ou
heteronomamente, como forma, acima de tudo, de se garantir a sobrevivência
das fontes produtoras e, consequentemente, a manutenção do emprego.
Neste campo de pensamento flexibilizante é que entram os sindicatos.
No entanto, necessário se mostra analisar, de forma conjunta, a efetividade e a
força negocial dos sindicatos para validar ou não as flexibilizações perpetradas
pelas negociações coletivas.
3 Flexibilização – surgimento e evolução
Etimologicamente, a palavra flexibilização pode ser definida como sendo
a possibilidade de tornar algo flexível, maleável, ou, em sentido negativo, tornar
algo menos rígido.
No entanto, ao contrário do que se pensava na origem do instituto, não
se trata, simplesmente, de eliminar as normas trabalhistas, ou mesmo torná-las
menos rígidas. O instituto evoluiu para entendermos, hodiernamente, como
sendo uma forma de adaptação do direito ao novo modo de produção.
O instituto da flexibilização, como já dito, surgiu na Europa. Na doutrina
europeia a flexibilização pode se dar de duas formas: pela adaptação, mais
branda, definida pela mitigação das normas sem afastá-las; e pela
desregulamentação, mais radical, que se caracterizaria pela eliminação de
algumas normas protetivas.
Desregulamentação pode ser conceituada pela ausência do Estado, ou
seja, pela revogação de direitos impostos pela Lei, permitindo a livre
manifestação de vontade para regulamentar a relação de trabalho, seja de
forma individual ou coletiva.
A teoria
da desregulamentação
foi
de plano
descartada
pela
esmagadora doutrina mundial, que pode ser sintetizada, nas palavras da
Desembargadora Vólia Bomfim Cassar (2010, p.19):
É certo que a nova ordem econômica exige uma revisão
da legislação trabalhista brasileira para harmonizar os
325
interesses profissionais e empresariais, flexibilizando
algumas regras até então rígidas e inflexíveis. Todavia,
não se pode admitir a inteira desregulamentação ou a
flexibilização ampla dos direitos trabalhistas, sem uma
garantia mínima.
Como afirma Sussekind (2003, p. 201) “há normas fundamentais que,
independentemente das prioridades nacionais, são inseparáveis do esforço da
humanidade em favor da justiça social”.
O Brasil então, adotando a tendência mundial, optou somente pela forma
mais sutil, qual seja, a flexibilização pela adaptação (LIMA, 2005), ou seja,
pelaadaptabilidade as normas de direito do trabalho às novas exigências do
momento econômico, social, histórico e cultural.32
No direito trabalhista brasileiro, Flexibilização pode ser conceituada da
seguinte forma: “Flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida
lei trabalhista, autorizar a adoção de regras especiais para casos diferenciados”
(BONFIM, 2010, p. 40).
Ou ainda como: “adaptação de normas jurídicas trabalhistas para
atender as alterações na economia, refletidas nas relações de trabalho e
capital” (CATHARINO, 1997, p. 51).
Pela simples leitura do trecho supra transcrito, constata-se a superação
do pensamento voltado para a eliminação de normas trabalhista, ou seja, da
desregulamentação, direcionando-se o foco para interpretar o instituto da
flexibilização como sendo, na verdade, uma alternativa para enquadrar a nova
forma produtiva e econômica dentro dos limites legais, ou seja, uma forma de
adaptação.
Entretanto, mesmo considerando-se a flexibilização da forma mais
branda possível, é necessário ressaltar, desde já, que toda e qualquer redução
de direitos trabalhistas deve se dar de forma criteriosa e pontual, visando
quase que exclusivamente a manutenção da fonte produtora e sempre
observando, como limites, o direito à dignidade da pessoa humana, os direitos
32
Perceba-se que na flexibilização por adaptação, ao contrário do que ocorre na desregulamentação, a
proteção ainda existe, porém ela é limitada, mitigada.Trata-se do negociado sobre o legislado, mas
mantendo as regras mínimas de proteção ao trabalhador.
326
fundamentais do trabalho, a preservação da proteção do trabalhador, os fins
sociais de empresa, e, por fim, o principio da condição mais favorável 33.
Nesse sentido, e segundo Arnaldo Sussekind (1999, p. 49), o instituto da
flexibilização pode ser classificado da seguinte forma:
1) Flexibilização Funcional – trata-se da multifuncionalidade do trabalhador,
ou seja, da adaptação do pessoal para que assumam novas tarefas e
novos métodos de produção;
2) Flexibilização Salarial – trata-se da vinculação da remuneração à
produção;
3) Flexibilização Numérica – se vincula à possibilidade de adaptação do
fator de trabalho à demanda dos produtos da empresa;
4) Flexibilização para manutenção da saúde da pessoa jurídica –
consistente na redução ou supressão de vantagens para a superação da
crise econômica, por meio de norma coletiva.
Quanto aos agentes, o renomado jurista divide a flexibilização em três
tipos:
1) Unilateral
–
quando imposta
pela
autoridade
pública
ou
pelo
empregador;
2) Negociada – quando negociada com o sindicato
3) Mista – quando se aceita uma ou outra forma de flexibilização acima.
Amauri Mascaro Nascimento (1999, p. 127), por sua vez, sugere ainda
uma outra classificação:
1) Quanto a finalidade:
a) Proteção – quando se prestar a preservar a ordem social ou, em
última análise, favorecer o empregado;
b) Adaptação – quando se der por meio de acordos derrogatórios, ou
seja, por intermédio da autonomia coletiva;
c) Desproteção – quando suprimir direitos, sendo sinônimo de
desregulamentação.
2) Quanto ao conteúdo (que analisa a flexibilização do sistema normativo
dividido entre):
a) Totalmente legislado
33
Este principio é elevado ao status constitucional em razão do caput do art. 7º da CF que aduz que
“outros que visem a sua melhoria de condição social”
327
b) Misto
c) Aberto
3) Quanto às formas de contratação:
a) Por meio de contratos por prazos determinados;
b) Pela terceirização;
c) Por meio de contrato por tempo parcial
d) Pelo emprego dividido
e) Por empregos flutuantes
4) Quanto aos direitos do trabalhador a flexibilização recai sobre:
a) Compensação de jornada, supressão de horas extras e de sua
integração ao salário;
b) Redução dos salários por acordo coletivo, desindexação dos
salários, remuneração variável;
c) Suspensão do contrato
d) Reclassificação dos modelos de dispensa
Há ainda quem classifique em flexibilização condicionada, quando a
renúncia de direitos do trabalhador é acompanhada com alguma contrapartida
do empregador; e incondicionada em que não há qualquer compensação por
parte da empresa (BONFIM, 2010, p. 55).
Já Alice Monteiro de Barros (2005, p. 82) classifica a flexibilização em
“normativa” e “de novo tipo”. A flexibilização normativa seria heterônoma, ou
seja, imposta unilateralmente pelo Estado, já a de novo tipo se vincula a ideia
de autonomia, pressupondo a primazia da negociação coletiva.
Pela análise da Constituição Federal, de uma maneira isolada, nos permitiria
concluir que o Brasil adotou tão somente, a flexibilização negociada ou
autônoma, já que, somente, permite a flexibilização de direitos em três
hipóteses e sempre mediante a participação do sindicato.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
(...)
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo;
(...)
328
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas
diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em
turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação
coletiva.
Entretanto, o que se percebe é que, no Brasil, permite-se a flexibilização
heterônoma, implementada por lei, que inclusive não se restringe às hipóteses
constitucionais, acima citadas, como foi o caso, a título de exemplo, da criação
do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), em substituição à
estabilidade decenal. É exatamente sobre as hipóteses em que o ordenamento
não prevê a possibilidade de flexibilização, por negociação, que o tema merece
atenção.
4 Hipóteses de flexibilização heterônoma infraconstitucional
Uma das primeiras manifestações do instituto da flexibilização, no Brasil,
deu-se por meio da Lei 4.923, de 1965, que permitia a redução geral, e
transitória, dos salários dos empregados, até o limite de 25%, por meio de
acordo sindical.
Num segundo momento, aponta-se a Lei 5.107, de 1966, instituidora do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, permitindo a despedida de forma
livre dos empregados regidos pelo FGTS, ou seja, que acarretava na renúncia
à estabilidade decenal.
Ainda, a título de exemplos de normas infraconstitucionais que, de certa
forma, aplicaram efeitos flexibilizantes ao Direito do Trabalho brasileiro, cita-se:
a Lei 6.019, de 1974, conhecida como a Lei do Trabalho Temporário; a Lei
6.494, de 1977, a Lei do Estagiário (substituída, recentemente, pela Lei
11.788/2008); e a Lei 9.601, de 1998, a Lei do Contrato Temporário.
Acrescente-se a isso, ainda, a possibilidade de compensação das horas extras
por meio dos bancos de horas.34
34
São outras hipóteses legais de flexibilização: a) Revogação de normas protetivas ao trabalho da mulher,
permitindo o trabalho insalubre, perigoso e noturno; b) Criação de mais hipóteses de contratos
determinados pelo Decreto 229/67 que alterou o art. 443 da CLT; c) Programa de alimentação do
trabalhador afastando a natureza salarial da alimentação in natura pela Lei 6321/76; d) Imposição de
terceirização ao vigilante pela Lei 7102/83; e) Permissão do aumento de jornada do funcionário sob o
cargo de confiança; f) Permissão de adoção do regime de trabalho por tempo parcial com a consequente
329
5 Hipóteses de flexibilização autônoma – visão dos tribunais
Como será demonstrado, a jurisprudência trabalhista brasileira tem
alargado, por vezes, sem qualquer critério, as hipóteses constitucionalmente
previstas para a flexibilização autônoma, ou seja, pela flexibilização por meio
de negociação coletiva.
É exatamente sobre as hipóteses extra constitucionais que se debruçam
os estudos doutrinários bem como boa parte da discussão jurisprudencial.
Como bom exemplo de hipótese de flexibilização, por negociação, aceita
pelo Tribunal Superior do Trabalho, desta-se a redação da OJ 342, II, da SDI-1
do TST:
INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E
ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO.
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE.
EXCEÇÃO AOS CONDUTORES DE VEÍCULOS
RODOVIÁRIOS, EMPREGADOS EM EMPRESAS DE
TRANSPORTE COLETIVO URBANO. I – É inválida
cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo
intrajornada porque este constitui medida de higiene,
saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de
ordem pública (art. 71 da CLT - e art. 7º, XXII, da CF/88),
infenso à negociação coletiva. II – Ante a natureza do
serviço e em virtude das condições especiais de trabalho
a que são submetidos estritamente os condutores e
cobradores de veículos rodoviários, empregados em
empresas de transporte público coletivo urbano, é válida
cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a redução do intervalo, desde que
garantida a redução da jornada para, no mínimo, sete
horas diárias ou quarenta e duas semanais, não
prorrogada, mantida a mesma remuneração e concedidos
intervalos para descanso menores e fracionários ao final
de cada viagem, não descontados da jornada.
redução salarial – art 58§2º CLT; g) criação do contrato provisório pela Lei 9601/98; h) Redução das
hipóteses de salário utilidade; i) Limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho; j) Autorização de
transação e renúncia de direitos trabalhistas, durante ou após a extinção do contrato de trabalho nas
Comissões de Conciliação Prévia; dentre outras [...].
330
Cita-se, também, a Súmula 85, do TST, que permite a compensação de
jornada atreves de acordo individual, desde que obedecida a forma escrita e a
ausência, ou omissão, de proibição em instrumento coletivo:
SUM-85 COMPENSAÇÃO DE JORNADA
I. A compensação de jornada de trabalho deve ser
ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou
convenção coletiva.
II. O acordo individual para compensação de horas é
válido, salvo se houver norma coletiva em sentido
contrário.
III. O mero não atendimento das exigências legais para a
compensação de jornada, inclusive quando encetada
mediante acordo tácito, não implica a repetição do
pagamento das horas excedentes à jornada normal diária,
se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido
apenas o respectivo adicional.
IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o
acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as
horas que ultrapassarem a jornada semanal normal
deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto
àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a
mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.
V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam
ao regime compensatório na modalidade “banco de
horas”, que somente pode ser instituído por negociação
coletiva.
Além das hipóteses supra transcritas, há jurisprudência, também, no
sentido de permitir a flexibilização autônoma desde que seja condicionada, ou
seja, desde que haja uma contrapartida ao trabalhador por meio de concessões
recíprocas, adotando-se a Teoria da Conglobalização dos Pactos Coletivos:
REAJUSTE SALARIAL DIFERENCIADO PREVISTO EM
ACORDO
COLETIVO
DE
TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO À FUNÇÃO
GRATIFICADA
INCORPORADA.
Decorrem
as
negociações coletivas de concessões recíprocas, em que
se observa a autonomia das partes convenentes,
sedimentada na Carta Magna, as quais podem abrir mão,
inclusive, de uma vantagem, em prol de condições que
lhes tragam maiores benefícios. Tal flexibilização
ajustada, patenteia-se, a exemplificar, nas disposições do
art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal. Há,
pois, que prevalecer o Acordo Coletivo do Trabalho, que
determina índices de reajuste diferenciados para as
331
diferentes rubricas salariais, estabelecendo que o reajuste
de 25% tem pertinência, tão somente, à tabela de
empregos permanentes da Reclamada – EP, não se
estendendo à gratificação de função incorporada.35
Por fim, necessário ressaltar importante crítica de Vólia Bomfim
(BONFIM, 2010, p. 48-49) aos julgados de nossos tribunais quando constata
que:
Todavia, ainda há jurisprudência do TST no sentido de
aceitar a flexibilização de qualquer direito. Argumentam
que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a
Constituição autorizou a redução do maior de todos os
direitos (salário), mediante convenção ou acordo coletivo,
logo o menos também é permitido.
Como visto, a jurisprudência brasileira tem expandido de forma ampla e,
em alguns casos, sem qualquer limite, as hipóteses de negociação coletiva
para além daqueles casos em que se busca a saúde da empresa, ou seja, para
além dos casos em que o que se está em jogo seria a própria existência da
empresa, hipótese esta que se permitiria indiscutivelmente a flexibilização, haja
vista que se estaria visando um bem maior, a própria proteção ao emprego.
Entretanto,
para
concluirmos
pela
possibilidade
(ou
não)
de
aumento/alargamento das hipóteses de flexibilização dos direitos trabalhistas
pelas negociações coletivas, necessário se mostra o estudo da força (ou não)
sindical brasileira, tendo ponto de análise a unicidade sindical.
Sindicalismo – surgimento e evolução
Para a compreensão do sistema sindical atualmente utilizado no país é
preciso, antes, realizar um breve histórico do surgimento do sindicalismo no
mundo e, posteriormente, no Brasil.
Ao contrário do que se costuma pensar, a origem do direito sindical não
se encontra propriamente nas corporações de ofício da Idade Média. Isso
porque os regulamentos até então existentes se destinavam mais á proteção
da corporação do que dos seus membros.
35
TRT/DF – Processo n.º 00704.2004.011.10.00.3 – Rel. Designado: Juiz Alexandre Nery de Oliveira.
DJ/DF 14/01/2005
332
A origem do direito sindical pode, entretanto, ser identificada neste
mesmo período nas associações de companheiros, que segundo Arion Sayão
Romita (1976, p. 30-31) revelavam certa afinidade com os sindicatos por
representarem movimento contra os mestres, com a realização de greves, até,
em consequência de sua insatisfação com o rígido controle do trabalho e
impossibilidade de acesso ao último grau das corporações.
Tais associações foram, juntamente com as corporações de ofício,
suprimidas, gradativamente, em virtude do pensamento liberalista desenvolvido
após a Revolução Francesa, vez que sua dinâmica não se enquadrava nos
ideais de liberdade individual.
Exatamente neste sentido são as lições de José Claudio Monteiro de
Brito Filho (2009, p. 50) em sua obra Direito Sindical:
(...) a supressão das corporações de ofício, decorre da
adoção do liberalismo, que se revela incompatível com a
existência de associações ou assemelhados que se
pudessem sobrepor entre os indivíduos e o Estado.
Ou ainda, em outras palavras, corrobora Amauri Mascaro Nascimento
(1986, p. 3):
O liberalismo da Revolução Francesa de 1789 suprimiu as
corporações de ofício, dentre outras causas, por sustentar
que a liberdade individual não se compatibilizava com a
existência de corpos intermediários entre o indivíduo e o
Estado. Para ser livre, o homem não pode ser
subordinado à associação porque esta suprime a sua livre
plena manifestação, submetido que fica ao predomínio da
vontade grupal.
Chega-se, então, à segunda metade do Sec. XVIII, momento em que as
profundas alterações socioeconômicas, proporcionadas pela Revolução
Industrial, criaram o arcabouço necessário para o surgimento do sindicalismo
como atualmente se conhece.
Como principais fatores responsáveis pela criação do sindicalismo,
destaca-se o grande excedente de trabalhadores, a inexistência de qualquer
força negocial individual, mas, essencialmente, a aglutinação de pessoas nas
cidades e ao entorno das fábricas, resultantes do êxodo rural para a busca de
emprego, tudo isso somado à proliferação dos ideais socialistas.
333
Sobre este ponto, Antonio Álvares da Silva (1979, p. 28) afirma que “o
despertar da consciência coletivista das classes trabalhadoras” foi a
contribuição da Revolução Industrial.
Doutrinariamente, divide-se a evolução do sindicalismo no mundo em
três fases, sendo a primeira, a fase de proibição, momento em que além de
não possuir qualquer reconhecimento legal, em alguns países como, por
exemplo, a França, a associação era inclusive tipificada como crime. 36
Em um segundo momento, chega-se à fase do reconhecimento, haja
vista que “O Estado então, como não podia deixar de ser, deixou de lado sua
postura de indiferença legal à questão e se curvou a uma realidade que não
havia como ser ignorada” (BRITO FILHO, 2009, p. 54).
Neste momento histórico, pela relevância do tema destaca-se a
Constituição do México, em 1917 e em seguida a Constituição de Weimar, da
Alemanha em 1919. Não se pode esquecer também da criação da OIT pelo
tratado de Versailles, também em 1919.
Por fim, alcança sua fase final, qual seja, a do sindicalismo internacional,
que ocorre de diversas formas, dentre elas, como bem destaca Alfredo
Ruprecht, “por meio de organizações sindicais de mais de um país; pelas
convenções celebradas pelos Estados e pela atuação da Organização
Internacional do Trabalho” (RUPRECHT, 1995, p. 75).
Entretanto, como cediço, o surgimento, e o amadurecimento do direito
sindical, não se deu de forma uniforme em todos os países, nesse sentido as
palavras de Alfredo J. Ruprecht (1995, p. 75): “Costuma-se dividir a evolução
do sindicalismo em três períodos, mas é preciso ter em mente que essa
evolução não se processa simultaneamente em todos os países e que, em
alguns, certos períodos não se dão ou não são nitidamente precisos”.
Cumpre, agora, relatar, de forma sucinta, o histórico do sindicalismo no
Brasil.
O sindicalismo, no Brasil, teve seu surgimento em momento posterior ao
do movimento sindical europeu. Isso porque, como cediço, vigorava no Brasil,
naquele momento histórico, o regime escravocrata de exploração da mão de
obra.
36
Vide Lei de 22 de germinal do ano XI (12 de abril de 1803).
334
Com o desaparecimento da escravatura, pela Lei do Ventre Livre (1871)
e, posteriormente, pela Lei Áurea (1888), com a consequente promulgação da
primeira Constituição Brasileira, em 1891, garantiu-se o direito de livre
associação, estava aí formado o arcabouço necessário para germinar o
sindicalismo brasileiro.
O Estado deixa de regular as relações de trabalho, dentro
da concepção de ser o contrato o instrumento apto a
regular a relação entre trabalhador e empregador. Este é
um período, entretanto, relativamente fértil para o
sindicalismo (BRITO FILHO, 2009, p. 58).
Neste período, além de inúmeras associações de classe, surgem,
também, as primeiras leis sindicais, dentre elas, o Decreto n.º 979, de 1903, e
o Decreto n.º 1637 de 1907.
Esta época, segundo Mascaro, foi denominada de anarcosindicalismo ou
sindicalismo revolucionário, vez que apolítico, voltado, apenas, para as
questões profissionais, tendo sido precursor de inúmeros movimentos
grevistas. Tais sindicatos eram basicamente compostos por imigrantes
europeus, mais cultos do que os trabalhadores brasileiros e ainda mais
discriminados.
A partir de 1930, inicia-se, no Brasil, uma fase que, segundo Romita
(1976, p. 35), teve “feição intervencionista, sujeitando o sindicato ao Estado e
retirando-lhe a autonomia. Firmou-se a regra do monossindicalismo”, cujos
traços persistem até hoje.
Estabeleceu-se, ainda, neste período, a sindicalização por categoria,
estruturou-se o sistema confederativo, transformou-se o sindicato em órgão de
colaboração do Estado, deu-lhe uma função assistencial extirpando qualquer
cunho político.
Luiz Werneck Vianna (1989, p. 146-147) sintetiza que tal período foi
marcado pela “Desmobilização, despolitização e desprivatização.”
Este modelo, que deveria ter vida curta, em razão da promulgação de
nova Constituição, em 1934, que previa a pluralidade, liberdade e autonomia
sindical, foi brevemente retomado, quando da implantação do Estado Novo, e
sua nova ordem Constitucional de (1937).
335
Tal panorama se manteve mesmo com o fim do Estado Novo ou mesmo
com a implementação do Regime Militar de 1964.
Chega-se, então, à promulgação da Carta Magna de 1988, que apesar
de pregar a liberdade sindical, mantém as bases do sistema corporativista:
a unicidade sindical; a contribuição compulsória e a
competência normativa da Justiça do Trabalho, as quais,
juntas, denominamos de tripé da incompetência ou tripé
da farsa, por sustarem um sindicalismo sem compromisso
com suas bases, além de outras restrições dissonantes
de um regime de liberdade sindical (SILVA NETO, 1998,
p. 131).
Para elucidação, necessário transcrever a redação do artigo 8º, caput e
inciso II da Constituição Federal de 1988:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical,
observado o seguinte: (...)
II - é vedada a criação de mais de uma organização
sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que
será definida pelos trabalhadores ou empregadores
interessados, não podendo ser inferior à área de um
Município.
Em que pese a adoção formal da liberdade sindical, o que se percebe no
direito trabalhista brasileiro são traços marcantes do modelo sindical antiquado
e superado na medida em que, nas palavras de Arnaldo Sussekind, “a
organização
sindical
montada
pela
Constituição
de
1988 reproduziu,
surpreendentemente, a Constituição de 1937”37.
Isso porque, a liberdade sindical deve garantir, por definição, o direito
dos trabalhadores de constituir as organizações sindicais da melhor forma que
julgarem pertinentes ou convenientes, ditando suas próprias regras de
funcionamento e direcionando suas ações, sempre com total liberdade de
ingresso, permanência ou retirada, o que de fato não ocorre no sistema sindical
adotado pela Constituição de 1988.
37
SUSSEKIND. Arnaldo. Os direitos constitucionais trabalhistas. In: MONTESSO, Claudio José;
FREITAS, Marco Antonio de; STERN, Maria de Fátima Coelho Borges (coord.). Direitos Sociais na
Constituição de 1988: uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTr, 2008, p. 48
336
Pela simplicidade das palavras de Amauri Mascaro Nascimento (1989, p.
115-128) pode-se subdividir a liberdade sindical em 5 formas distintas: como
liberdade de associação; como liberdade de organização; como liberdade de
administração; como liberdade de exercício das funções e como liberdade de
filiação sindical. Pelo primeiro aspecto, deve ser garantida a existência de
sindicatos. O segundo, relativo à liberdade de organização, pressupõe a
organização espontânea das entidades sindicais, de qualquer grau, vedada a
interferência do Estado. O terceiro aspecto, referente à liberdade de
administração, é expresso em duas ideias básicas, sendo a primeira delas a
democracia interna, que corresponde á possibilidade das entidades definirem
seu regramento interno e a autonomia externa, significando a impossibilidade
de interferência externa. A liberdade de exercício de funções, que é o quarto
aspecto da liberdade sindical, diz respeito à atuação dos sindicatos, na busca
do cumprimento de suas funções. Por derradeiro, temos o quinto aspecto, que
importa no direito de filiação e desfiliação, não podendo alguém ser obrigado a
ingressar ou não em entidade sindical.
Constata-se, pois, que o conceito de liberdade sindical não constitui
noção simples, “engloba, na realidade, varias liberdades e representa, na
verdade, um feixe de liberdades” (ROMITA, 1991, p. 224) o que, infelizmente,
não tem correspondido à realidade brasileira.
Para simplificar a analise das liberdades decorrentes da liberdade
sindical no direito Brasileiro, seguiremos a ordem supra mencionada e proposta
por Amauri Mascaro Nascimento.
O primeiro aspecto a ser enfrentado diz respeito á liberdade de
associação que reflete a necessidade de se assegurar o direito de
trabalhadores e empregadores criarem organizações sindicais sem que haja
qualquer controle ou embaraço discricionário pelo Estado.
Num primeiro momento, constata-se que o modelo de unicidade sindical
não segue à risca a liberdade de associação, conforme idealizada, vez que
essa possibilidade é restringida por categoria, por alcance territorial, bem como
por prioridade, ou seja, “quem chegar primeiro leva o prêmio” 38.
38
STF-RE n.º 209.993, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 22.10.1999 e STF-RE n.º 199.142, Rel. Min. Nelson
Jobim, DJ 14.12.2001
337
O segundo aspecto, diz respeito à liberdade de organização, como o
próprio nome diz relaciona-se com o direito de os trabalhadores e
empregadores definirem seu modelo de organização sindical.
Tal liberdade, nas palavras de José Claudio Monteiro, se mostra
absolutamente incompatível com:
restrições que digam respeito ao numero de sindicatos
existentes; à forma de constituição dos grupos que podem
integrar um determinado sindicato; aos tipos de entidades
sindicais que podem ser constituídas, em suma, tudo que
disser respeito a qualquer forma de vedação ou limitação
ao direito de livre estruturação das entidades sindicais.
A liberdade de administração, por sua vez, diz respeito à liberdade de
organização interna, não podendo sofrer interferências de terceiros ou mesmo
do Estado.
Quanto à liberdade de exercício das funções deve ser conferido às
associações todas as prerrogativas para o fiel desempenho de suas
finalidades, quais sejam: garantir a igualdade de autonomia criativa e discursiva
do trabalhador por meio da ampliação da capacidade comunicativa dos
trabalhadores entre si e destes com os empregadores (GOMES, 2013, p. 170171).
Como último aspecto mencionado encontra-se a liberdade de filiação
sindical que consiste, basicamente, no direito amplo e irrestrito de os
trabalhadores e empregadores decidirem pela filiação ou não, ou ainda, caso
filiados, o direito de permanecer ou não.
Ocorre que no direito brasileiro, seguindo a doutrina americana das
“agency shop”, que embora o empregado não seja obrigado a filiar-se a
nenhum sindicato, fica obrigado a uma contribuição como forma de se evitar os
“free riders”, ou seja, como forma de evitar com que alguns não filiados se
beneficiem de graça pela luta dos sindicatos, adotou a Contribuição Sindical.
No exato sentido de se resguardar as cinco dimensões da liberdade
sindical é que a OIT, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagram o
principio da liberdade sindical de forma ampla.
338
Convém ressaltar, pois, a Convenção n.º 87, da Organização
Internacional do Trabalho, intitulada de “Convenção Relativa à Liberdade
Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização” que registra:
Artigo 2º - Trabalhadores e empregadores, sem distinção
de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem
prévia autorização, organizações de sua própria escolha
e, sob a única condição de observar seus estatutos, a
elas se filiarem.
Artigo 3º - 1. As organizações de trabalhadores e
empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e
regimentos, eleger livremente seus representantes,
organizar sua administração e atividades e formular seus
programas de ação. 2. As autoridades públicas abster-seão de qualquer intervenção que possa limitar esse direito
ou cercear seu exercício legal.
Importante mencionar que o Brasil não ratificou a Convenção n.º 87 da
OIT. Entretanto, de forma contraditória o país ratificou a Convenção n.º 98, que
complementa a anterior.
Em que pese a doutrina mundial, bem como as orientações da OIT, a
Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 8º, de forma diametralmente
contrária às dimensões da liberdade sindical, prevê, expressamente, restrições
no sentido de se manter a unicidade sindical, os limites de base territorial
mínima, a sindicalização por categoria e o sistema confederativo da
organização sindical, sem falar na definição de representação exclusiva da
categoria pelo sindicato.
Como visto, a partir do momento em que a Constituição de 1988 prevê
que a única forma de comunicação coletiva se dê por meio do sindicato ela
afasta toda e qualquer outra forma de negociação fora da entidade sindical,
gerando uma gravíssima limitação à legitimidade negocial (GOMES, 2013, p.
172).
Além do fato de que a criação do sindicato ser definida pelo critério da
prioridade, na lógica de “quem chegar primeiro leva”, o monopólio do sindicato
se dá de duas maneiras: por meio da limitação por categoria e pela limitação
territorial.
Uma grande critica a limitar o sindicato por categoria profissional é a
própria definição da categoria profissional, haja vista que seu conceito somente
339
é encontrado a partir de uma interpretação negativa a partir da definição da
categoria econômica, ou seja, se vincula não á atividade desempenhada pelo
trabalhador, mas sim ao enquadramento da atividade econômica do
empregador, o que de fato afasta o sindicato de seus associados, distorcendo
a representatividade e, consequentemente, a capacidade negocial.
A segunda critica que se faz, com relação à limitação por categoria ou
mesmo pela localidade se dá em razão que todos aqueles enquadrados em
determinada categoria, caso já exista um sindicato para a localidade em que se
encontram, ficarão a mercê daquele sindicado já existente, seja ele atuante ou
não, e não raras vezes situados em grandes centros, distanciando-se das
pequenas localidades, igualando-os todos.
Ademais, a representação exercida pelas entidades sindicais, no Brasil,
é compulsória, ou seja, o trabalhador é afetado por suas decisões,
independentemente de sua efetiva participação ou mesmo filiação ao
respectivo Sindicato.
Insta mencionar que outra falha que prejudica, ainda mais, o sistema
atual, de representatividade compulsória, é a possibilidade daqueles que não
são associados e que se veem restringidos ou limitados em algum direito, por
parte do sindicato que, em tese, o representaria, poderem ajuizar ação, visando
a declaração da nulidade de cláusula de acordo ou convenção coletiva, quando
entender que, embora fruto de uma intensa negociação, o prejudica,
significando perda de direitos, assim, requerem, por meio do judiciário
trabalhista, o pagamento daquela benesse retirada, e de forma retroativa.
Tais fatos, somados à instituição de contribuições devidas pelos
sindicalizados, afasta, ainda mais, a motivação para a associação dos
trabalhadores, o que, mais uma vez, diminui a força negocial e poder de
barganha perante a classe econômica.
Não se esqueça de que a limitação pelo sistema da unicidade aliado à
Contribuição Sindical compulsória permite, ainda, a acomodação dos sindicatos
que não mais precisam “conquistar” associados, vez que com a verba
garantida, e sem concorrência, não tem qualquer estímulo à intensificação das
reivindicações e a luta pela classe representada.
Neste aspecto, ressalte-se que no sistema de pluralidade sindical, exigese, constantemente, que as entidades representativas busquem novos
340
associados por meio de critérios de eficiência e pela demonstração de
resultados para manter sua representatividade, o que de fato estimula a luta
por melhorias para toda a classe.
Constata-se, pois, que no panorama de liberdade sindical distorcida,
estabelecida no Brasil, pela instituição do sistema de unicidade sindical,
elimina-se,
quase
que
totalmente,
a
força
negocial
das
entidades
representativas, fato este que, diminuindo o poder de barganha, permite
abusos por parte da classe econômica que passa a se valer dos instrumentos
de
negociação
coletiva
como
mais
uma
forma
de
exploração
dos
trabalhadores, retirando-lhes vantagens sem qualquer contrapartida, ou mesmo
sem qualquer necessidade, visando, tão somente, o aumento do lucro.
É exatamente esta a conclusão de Enoque Ribeiro dos Santos (1999, p.
70):
Na Europa, a flexibilização das condições de trabalho foi
implementada de forma mais amena, por ter resultado de
negociações com os sindicatos. Na América Latina e,
principalmente, no Brasil, em que a atuação dos
sindicatos é limitada pelo modelo rígido de distribuição por
categorias, pela pouca representatividade e pelo forte
intervencionismo estatal, as alterações legislativas
serviram apenas para reduzir os direitos trabalhistas, sem
produzir qualquer efeito substancial ou qualitativo no
aproveitamento da mão de obra.
Inexistindo, no atual sistema de unicidade, qualquer força, e ou ineresse,
negocial por parte dos sindicatos representativos dos trabalhadores, ilógico se
mostra permitir a amplitude negocial fora dos limites expressamente previstos,
sob
pena de
verdadeiro
retrocesso
aos direitos conquistados pelos
trabalhadores ao longo de toda a evolução da sociedade moderna.
Assim, para que a flexibilização autônoma, ou seja, negociada, possa se
afastar de vez da desregulamentação, necessário se mostra a fixação de
limites bem definidos, devendo, pois, o judiciário estar atento aos abusos
cometidos, restringindo tais possibilidades somente para a proteção da própria
existência da empresa e sempre levando-se em consideração à dignidade da
pessoa humana, os direitos fundamentais do trabalho, a preservação da
proteção do trabalhador e, por fim, o principio da condição mais favorável.
341
Considerações finais
Como visto o direito trabalhista surge em razão da crise sócioeconômica
gerada pela Revolução Industrial, juntamente com a eclosão dos ideais
socialistas e intervencionistas, quando se percebeu que o trabalhador, como
pessoa hipossuficiente deveria ser merecedor da proteção do Estado.
Soma-se a isto a fixação constitucional dos direitos trabalhistas e de
princípios protetores, todos com força normativa, limitando ainda mais a
liberdade negocial das partes.
Percebe-se que o direito dos trabalhadores tem sua maior expressão,
exatamente, em decorrência da revolução tecnológica da época que tornou
possível a substituição do homem pela máquina, ocasionando a ampla e
abusiva exploração dos trabalhadores.
Considerando-se o contexto atual do mercado de trabalho globalizado, e
levando-se em consideração as gradativas transformações econômicas no
sistema produtivo, em razão da nova revolução tecnológica (telemática,
robotização etc.), percebeu-se que uma possível alternativa à manutenção do
direito do trabalho perante aos avanços tecnológicos seria adaptar-se,
reformular-se, adequar-se aos novos anseios, à nova sistemática econômica
para continuar a garantir a proteção dos trabalhadores sobre o poderio
econômico empresarial.
Exatamente
neste
sentido,
considerando
a
atual
realidade
do
desemprego global, sempre observado em face da rigidez da legislação
trabalhista, surgiu na Europa um movimento de ideias que pregava os institutos
da flexibilização do Direito Trabalhista, movimento este que conquistou vários
adeptos dentre os juristas e operadores do direito brasileiro, como forma, acima
de tudo, de se garantir a sobrevivência das empresas e, consequentemente, a
manutenção do emprego.
Importante
lembrar
que
flexibilização
deve
ser
entendida
no
ordenamento brasileiro não como forma de desregulamentação, mas sempre
como forma de adaptação, destacando-se, pela conexão ao tema, a
flexibilização autônoma, ou seja, negociada, por meio das organizações
sindicais.
No entanto, para avaliar-se a viabilidade ou não da flexibilização
autônoma, necessário se mostrou analisar, de forma conjunta, a efetividade e a
342
força negocial dos sindicatos para validar ou não as flexibilizações perpetradas
pelas negociações coletivas.
Nesse sentido, demonstrou-se que, no atual sistema de unicidade,
inexiste qualquer força negocial por parte dos sindicatos representativos dos
trabalhadores, haja vista que o modelo de unicidade sindical não segue à risca
a liberdade de associação, conforme idealizada, vez que essa possibilidade é
restringida por categoria, por alcance territorial, bem como por prioridade, ou
seja, “quem chegar primeiro leva o prêmio”.
Demonstrou-se ainda que tais limitações oriundas da unicidade sindical
quando somadas à obrigatoriedade da Contribuição Sindical agravaram, ainda
mais, a situação, prestigiando a acomodação e o desinteresse dos sindicatos
que não mais precisaram “conquistar” associados, vez que com a verba
garantida e sem concorrência, não terão qualquer estímulo à intensificação das
reivindicações e na luta pela classe representada.
Constata-se, pois, que no panorama de liberdade sindical distorcida,
estabelecida no Brasil, pela instituição do sistema de unicidade sindical,
eliminou-se
quase
que
totalmente
a
força
negocial
das
entidades
representativas, fato este que, diminuindo o poder de barganha, permitiu
abusos por parte da classe econômica que se passou a valer dos instrumentos
de negociação coletiva como mais uma forma de exploração dos trabalhadores
retirando-lhes vantagens sem qualquer contrapartida, ou mesmo sem qualquer
necessidade, visando, tão somente, o aumento do lucro.
Nesse exato sentido são as palavras do ilustre Fabio Rodrigues Gomes
(2013, p. 201): “A rigor, a chamada flexibilização tornou-se sinônimo de
retrocesso social, diminuição da proteção ou mesmo de um verdadeiro
massacre dos trabalhadores assalariados. Uma raciocínio equivocado mas
compreensível uma vez que surgiu de uma realidade distorcida.”
Dessa forma, ante a ausência de poder negocial dos sindicatos, ilógico
se mostra permitir a amplitude negocial fora dos limites expressamente
previstos sob pena de verdadeiro retrocesso aos direitos conquistados pelos
trabalhadores ao longo de toda a evolução da sociedade moderna.
Ademais, com a constitucionalização do Direito do Trabalho, as normas
trabalhistas se tornaram indisponíveis em face da irradiação da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, daí que tais direitos devem se impor à
343
autonomia privada de negociar. Sendo assim, a negociação somente se torna
cabível quando expressamente prevista. Esta foi a intenção constitucional
protetiva.
Importante lembrar ainda, nas belas palavras de Vólia Bomfim (2010, p.
202) que:
Na era em que o direito comum (civil) caminha para a
visão social, a publicização de seus institutos, a
humanização e a centralização do homem como figura
principal a se proteger; na era em que a Carta de um país
prioriza os direitos fundamentais do homem, sua
dignidade, o valor social do trabalho, da função social da
justiça e do direito, abandonando a priorização do capital,
da propriedade sobre a pessoa e seus valores, o Direito
do Trabalho tende a um retrocesso?
Assim, para que a flexibilização autônoma, ou seja, negociada, possa se
afastar de vez da desregulamentação, e assim respeitar o ordenamento,
necessário se mostra a fixação de limites bem definidos, devendo, pois, o
judiciário estar atento aos abusos cometidos, restringindo tais possibilidades
somente para a proteção da própria existência da empresa e sempre levandose em consideração à dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais
do trabalho, a preservação da proteção do trabalhador e, por fim, o principio da
condição mais favorável.
Referências
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São
Paulo: Memória Jurídica, 2001
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,
2005.
BELMONTE, Alexandre Agra. Problemas Jurídicos do Teletrabalho no Brasil.
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345
TRÊS PRINCÍPIOS PARA UMA ÉTICA AMBIENTAL
Pedro Henrique Santana Pereira
Especialista em Direito Público – UCAM
Especialista em Direito Ambiental e Projetos Sociais – UFSJ
E-mail: [email protected]
Resumo: Este artigo aborda três princípios correlatos aos ramos da Filosofia e
da Ética, que devem ter sua aplicação no estudo de Ética Ambiental, para
tornar as relações entre o homem e o meio ambiente menos utilitária.
Palavras-chave: Ética Ambiental – Biocentralização – Alteridade – Cuidado –
Responsabilidade
Introdução
Apesar da grande relevância quando considerada em meio aos demais
ramos científicos, percebe-se que a Ética Ambiental é estudo ainda englobado
pela da Ética, que como ciência imperativa em meio às ações do homem e
regras de conduta, perpassa também pelas questões ambientais.O que se
pretende neste trabalho, é refletir sobre a necessidade de uma emancipação
da Ética Ambiental.
É diante da difícil missão de mudar a visão utilitária em prática nas
sociedades, que a Ética, responsável pelo estudo dos costumes sociais,
necessita tomar parte de um maior amparo para com as questões ambientais,
pois a ameaça ao ambiente é questão eminentemente Ética, e depende de
uma alteração de conduta.
Como os princípios são as bases norteadoras de qualquer ramo de
conhecimento, e diante da eminente necessidade de uma melhor estruturação
da Ética Ambiental enquanto ciência, alguns princípios de caráter éticofilosófico como os da alteridade, responsabilidade e cuidado, necessitam ser
melhor estudados e contextualizados para que sirvam como alicerce à
sedimentação de um ramo da Ética capaz de levar as sociedades à reflexão
acerca da existência e viabilidade da atual forma de ser.
Com tal finalidade, o trabalho passará inicialmente pela revisão de
alguns termos ligados a Ética Ambiental, seguindo a argumentos de estudiosos
que corroboram a necessidade de um maior estudo e ênfase da Ética
Ambiental, para que a seguir adentre no estudo de três dos princípios
346
importantes para auxiliar no processo de estruturação desta ciência: os da
alteridade, responsabilidade e cuidado.
1 Ética ambiental e temos correlatos
Inicialmente é importante conceituar alguns termos ligados à Ética Ambiental,
para que compreendidos no contexto de tal ramo, sirvam de auxílio à reflexão
pretendida no trabalho.
1.1. Meio ambiente:
O primeiro termo importante no contexto pretendido é o de meio
ambiente. Para a maioria das pessoas, meio ambiente diz respeito apenas à
fauna, flora e parte da natureza relativa às florestas, matas, bosques etc.
Com base em Aurélio (2004), pode-se ver que o ambiente é tudo aquilo
"[...] que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados".
Nesse mesmo contexto, a Enciclopédia Encarta (2001) define meio ambiente
como o "[...] conjunto de elementos abióticos (energia solar, solo, água e ar) e
bióticos (organismos vivos) que integram a fina camada da Terra chamada
biosfera, sustentáculo e lar dos seres vivos." Assim, pode-se constatar que no
conceito de meio ambiente considera a totalidade de inter-relações existentes
no planeta, desde a simplória fecundação de um minúsculo inseto, à fascinante
perseguição de um leão à sua presa favorita. O homem não é unanimidade
nessa relação, centro do meio ambiente. Portanto, jamais pode se perpetuar
numa visão egocêntrica do meio ambiente.
É oportuna a conceituação de Milaré (2004, p. 78), que traz as
definições de meio ambiente em sentido estrito e amplo. Na visão estrita, o
meio ambiente "[...] nada mais é do que a expressão do patrimônio natural, e
as relações com e entre os seres vivos." (2004, p. 78). A visão ampla, adotada
no contexto desse trabalho, engloba o conjunto de elementos naturais,
artificiais e culturais em interação, propiciando o desenvolvimento equilibrado
da vida em todas suas formas.
Ainda há a definição dada pela lei 6.938/81, relativa à Política Nacional
do Meio Ambiente (PNAMA), que o vê como "[...] o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas suas formas" (art. 3º, I).
347
A legislação pátria vem tendendo cada vez mais à acepção de meio
ambiente como um todo, permitindo entender que o mundo não se resume
naquilo próximo de cada um; ele é uma plenitude de locais e situações que
jamais se esgotam na experiência de cada um, e por isso nunca pode ser
depredado tão inconsequentemente.
1.2. Direito Ambiental:
Diversas são as definições encontradas nos mais renomados autores
que lecionam acerca da temática jurídico-ambiental. No plano internacional
pode-se destacar, num primeiro momento, a definição do jurista americano
Willian Rodgers Júnior, que em seu "Environmental Law", reconhece que:
Environmental law is not concerned solely with the natural
environment- the physical condition of the land, air, water.
It embraces also the human environment- the health,
social and other man-made conditions affecting a human
being's place on earth"39 (apud ANTUNES, 2000, p.6).
Já o francês Michel Prieur, ensina ser:
O Direito do Ambiente, constituído por um conjunto de
regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta
contra as poluições. Ele se define, portanto, em primeiro
lugar pelo seu objeto. Mas é um direito tendo uma
finalidade, um objetivo: nosso ambiente está ameaçado, o
Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando
sistemas de prevenção ou de reparação adaptados a uma
melhor defesa contra as agressões da sociedade
moderna. Então o Direito do ambiente mais do que a
descrição do Direito existente é um Direito portador de
uma mensagem, um Direito do futuro e da antecipação,
graças ao qual o homem e a natureza encontrarão um
relacionamento
harmonioso
e
equilibrado
(apud ANTUNES, 2000, p. 8).
No âmbito da América Latina, merece destaque a definição do uruguaio
Marcelo J. Cousillas, que como cita Antunes (2000, p. 7.) tende a identificá-lo:
[...] como un conjunto normative nuevo y dinâmico, que a
diferencia de otras ramas del Derecho possue uma
esencia preventiva más que reparatoria o sancionatoria, y
39
"O direito Ambiental não está apenas preocupado com o meio ambiente natural-a condição
física da Terra, do ar e da água. Ele diz respeito também ao meio ambiente humano-a saúde e
outras condições que afetam o lugar em que os seres humanos habitam na Terra." [T.A]
348
um enfoque sistêmico, multidisciplinario y colectivo,
basado em um amplio sustracto metajuridico.40
Já em âmbito nacional, a farta doutrina toma para si diversas vertentes
da conceituação de Direito Ambiental, advindas de tendências traduzidas de
estudiosos americanos e europeus.
Conforme Tycho Brache Fernandes, o Direito Ambiental consiste no "[...]
conjunto de normas e princípios editados, objetivando a manutenção de
perfeito equilíbrio nas relações do homem com o
meio ambiente."
(Apud ANTUNES, 2001, p. 8.). Na mesma esteira, mas comungando de uma
definição mais abarcante, Carlos Gomes de Carvalho evidencia ser o Direito
Ambiental o "[...] conjunto de princípios e regras destinados à proteção do meio
ambiente, compreendendo medidas administrativas e judiciais, com a
reparação econômica e financeira dos danos causados ao ambiente e aos
ecossistemas de uma maneira geral." (Apud ANTUNES, 2001, p. 8-9.)
Deixando de lado ramificações jurídicas específicas, o professor Toshio
Mukai prevê em sua obra "Direito Ambiental sistematizado" que: "[...] O Direito
Ambiental (no estágio atual de sua evolução no Brasil) é um conjunto de
normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito, reunidos
por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em
relação ao seu meio ambiente" (apud ANTUNES, 2001, p.9.)
Paulo de Bessa Antunes, buscando um conceito mais englobante,
considera que:
O Direito Ambiental pode ser definido como um direito que
se desdobra em três vertentes fundamentais, que são
constituídas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o
meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes
existem, na medida em que o Direito Ambiental é um
direito humano fundamental que cumpre a função de
integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao
desenvolvimento econômico e á proteção dos recursos
naturais. Mais do que um Direito autônomo, o Direito
Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem
jurídica que penetra, transversalmente, em todos os
ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma
dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma
dimensão econômica que se devem harmonizar sob o
40
"[...] como um conjunto normativo novo e dinâmico, que a diferença de outros ramos do
Direito possui uma essência preventiva mais que reparatória ou sancionatória, e um enfoque
sistêmico, multidisciplinar e coletivo, baseado em um amplo substrato metajuridico" [T.A]
349
conceito de desenvolvimento sustentado (ANTUNES,
2000, p. 9).
Já para Edis Milaré, o Direito Ambiental seria:
[...] o complexo de princípios e normas coercitivas
reguladoras das atividades humanas que, direta ou
indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em
sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para
as presentes e futuras gerações (MILARÉ, 2004, p.134).
Fartas as definições, é importante notar que o Direito Ambiental, em
resumo, diz respeito a um conjunto de princípios, regras e normas
interdisciplinares, que visam conscientizar o cidadão e resguardar seu direito
fundamental de usufruto do meio, bem como garantir a harmonia e
posteriorização do ambiente, por meio de sanções cíveis, penais e
administrativas (dentre outras possíveis) aos transgressores.
1.3. Ecocentrismo ou biocentrismo?
Para o propósito deste trabalho, os termos biocentrismo e ecocentrismo
serão considerados similares. Em ambos os casos, o sufixo "centrismo" indica
nos conformes do Aurélio (2004), "[...] posição ou tendência daqueles que se
colocam politicamente ao centro". Diz respeito ao foco de atenção que é dada
com maior minudência pelas sociedades a determinada forma de concepção
do mundo e da realidade. Como exemplo, pode-se lembrar do teocentrismo,
corrente que atinava a Deus como centro de todo o universo e das coisas, e do
antropocentrismo, ainda em vigor, que dá ao homem o status das atenções de
todo o mundo, vendo-o como superior aos demais seres.
Os termos "eco" e "bio", apesar das denominações divergentes, voltamse para o mesmo princípio-base: a vida em todas suas formas. Como bem
explicita o Aurélio (2004), o prefixo "eco" advém do grego oikos, que significa
casa, domicílio habitat. Já "bio" é oriundo do grego bíos, que designa a vida, a
existência material dos seres terrenos. Nos dois casos, biocentrismo e
ecocentrismo denominam respectivamente a consideração da vida em todas
suas formas e o reconhecimento da Terra como habitat, espaço de convivência
de todos os biomas.
350
1.4. Ética, moral e consciência ambientais:
Outros conceitos importantes para compreensão do trabalho são os da
Ética Ambiental, moral e consciência ambiental.
Dentro da Filosofia, não existe um consenso acerca da diferenciação
entre Ética e moral, pois como bem ensina Ferrater Mora (1994, p. 2460),
moral "[...] se deriva de mos «costumbre», lo mismo que 'Ética' de hqος, y por
eso 'Ética' y 'moral' son empleados a veces indistintamente. "41
Assim, fica difícil o detalhamento das correntes e discussões às quais a
questão ético-moral toma para si, pois tratam de temática de contínua e de
inesgotável investigação. Para os fins do estudo, será feita uma simples
diferenciação, considerando a Ética como a ciência que se ocupa dos objetos
morais em todas suas formas, encontrando-se por isso, em patamar mais
elevado, e entendendo a moral como a composição das condutas e regras
postas e praticadas em uma dada sociedade, possuindo por isso, um caráter
mais concreto e menos universal que a Ética. Nesse sentido, afirma Silvio
Firmo (2004, p.78):
Segundo os filósofos modernos, a ética se ocuparia dos
fundamentos da moral, sendo anterior a ela. A própria
ética procede, na ordem do fundamento, a noção da lei
moral. A ética se distingue por seu caráter mais reflexivo
na sistematização dos valores e normas. Ela tem o papel
de investigar os valores e normas e depurá-los para que
possam inspirar e guiar de melhor forma possível a vida
humana tendo em vista a sua realização plena.
Acerca da imprescindibilidade dos estudos da Ética e da moral, cabe
lembrar que, como bem leciona o mesmo autor (2004, p.79):
O ethos, a ética e a moral formam a base imprescindível
da sociedade tanto no nível das macroestruturas quanto
no nível das micro-estruturas, ou seja, das relações mais
próximas e imediatas que permeiam nossos laços
comunitários e familiares.
Sobre o conceito de Ética Ambiental, tendo em vista a inexistência de
qualquer definição já posta dentro dos estudos no ramo, bem como coerência
41
"Deriva-se de mos «costumbre», o mesmo que 'ética' de hqoç, e por isso 'ética' y 'moral' são
empregados as vezes indistintamente" [T.A]
351
nas definições trazidas em diversos estudos42, será adotada a que sustentei
em trabalhos precedentes, que reconhece a Ética Ambiental como sendo um
"[...] conjunto de princípios de caráter imperativo, mediante os quais devem ser
regidas todas as interações existentes entre o homem e a multiplicidade de
biomas existentes" (PEREIRA, 2008, p.197.)
O movimento ecológico tem afirmado a necessidade de uma Ética que
tome princípios universais de regulamentação da inter-relação do homem com
o meio, pois o ser humano é o único capaz de afirmar essa diretriz, criando
meios de uma relação equilibrada com a natureza. Comentando acerca da
importância de uma Ética Ambiental, diz Ribeiro dos Santos (2006, p.311) que:
Essa nova visão ecocêntrica, que podemos definir como o
homem centrado em sua casa (oikos = casa em grego),
ou seja, o homem centrado no tudo ou no planeta como
sua morada, permite o surgimento de uma ética que
estuda também o comportamento do homem em relação
à natureza global; com ela o ser humano passa a
entender melhor sua atuação e responsabilidade para
com os demais seres vivos. Surge, então, a necessidade
dessa nova forma de conduta em relação à natureza.
Uma nova forma de importância, uma nova concepção
filosófica homem-natureza. A ética passa a ser também,
nesse caso, um estudo extra-social e extrapola os limites
intersociais do homem, surgindo assim uma nova ética
diversa da tradicional.
Adiante serão retomadas mais expressamente as discussões sobre o tema.
Acerca da moral ambiental, "[...] pode-se afirmar que diz respeito às
práticas comuns das sociedades, que evidenciam a preocupação das mesmas
para com as questões do entorno" (PEREIRA, 2008, p.197). A moral é de
caráter subjetivo, e perpetua-se de forma divergente em cada grupo social,
possibilitando dizer que no tocante a questões ambientais, algo moralmente
correto num determinado contexto, pode não o ser em outro.43
42
Uma das definições bastante utilizadas advém de artigos da autoria de Antônio Silveira
Ribeiro dos Santos que diz ser a Ética Ambiental "[ ... ] a conduta comportamental do ser
humano em relação à natureza, decorrente da conscientização ambiental e consequente
compromisso personalíssimo preservacionista, tendo como objetivo a conservação da vida
global. (SANTOS, 2006, p.312).
43
Exemplo simples é o relativo à escassez das águas potáveis: no Brasil, tal questão tem uma
repercussão imensamente inferior à de países tais como os do Oriente Médio e África, que
paulatinamente amargam com a efetiva escassez da principal fonte de vida. Nesse sentido:
MILARÉ, 2004, p.47, e NALINI, 2001, p.114-115.
352
Sobre o terceiro termo (consciência ambiental), tem-se que guarda estrita
relação com a moral ambiental, apesar de seu caráter mais subjetivo.
Difícil é traçar uma diretriz específica do termo "consciência" que pode,
segundo Ferrater Mora, tomar três interpretações (1994, p.809.): em primeiro
lugar, tratar-se-ia de uma voz divina que sussurra ao homem certos imperativos
e preceitos; em segundo, diria respeito a uma voz que se identifica com a
consciência moral; e por último seria a expressão da vocação intransferível de
cada homem a ser cumprida.
Neste ensaio, objetiva-se considerar a consciência com fundamento em
sua definição moral (a chamada consciência moral), que nos termos do Aurélio
(2004) diz respeito à faculdade que possibilita aos seres humanos julgar o que
é certo ou errado, bom ou mal, devido ou indevido, tudo de acordo com o
senso moral que lhes é peculiar.44
Em síntese, a consciência pode ser considerada uma espécie de "eu
interno" que guia as ações a serem tomadas por cada um, tendo por base o
que foi apreendido desde a infância. No lastro ambiental, a temática não segue
por denominações diferenciadas, sendo parte de um conjunto de aprendizados,
experiências e práticas que levam o indivíduo a tomar determinada forma de
conduta quando em relação com o meio, tendo por base os aprendizados
anteriores.
Infelizmente, o caráter subjetivo da moral e consciência de respeito ao
meio ambiente acaba não refletindo aquilo que deveria ser esperando das
sociedades. Elas promovem bandeiras de sustentabilidade e conscientização,
sem pensar que práticas sociais são altamente falíveis e que apenas a
objetivação de preceitos de caráter preservacionista seria capaz de propiciar a
perpetuação
da
vida
na
terra.
Nesse
rumo
segue
o
interessante
pronunciamento do teólogo Hans Kung (1998, p. 8):
O que para mim se coloca como resultado é a
necessidade de uma ética para toda a humanidade. Nos
últimos anos, ficou-me cada vez mais claro que este
mundo em que vivemos somente terá uma chance de
44
Acerca da conceituação de "consciência moral", Ferrater Mora toma de exemplo o filósofo
grego Sócrates (470-399 a.C.), que segundo Platão, sempre sentia a presença de uma voz
sussurrante a seu redor, nos momentos em que necessitava tomar alguma decisão: "Existe em
mim não sei que espírito divino e demoníaco [...] é como uma voz que possuo dentro de mim
desde criança, e que, toda vez que eu a ouço, sempre faz com que eu desista do que estou
para fazer, e nunca me convence a realizar qualquer outra coisa." (PLATÃO, 2000, p.81.)
353
sobreviver se nele não mais existirem espaços para éticas
diferentes, contraditórias ou até conflitantes. Este mundo
uno necessita de uma ética básica. Certamente a
sociedade mundial não necessita de uma religião unitária,
nem de uma ideologia única. Necessita, porém, de
normas, valores ideais e objetivos que interliguem todas
as pessoas e que todas sejam válidas.
A compreensão pretendida pelo trabalho não foge daquilo pensado por
Hans. Não há como chegar a uma Ética Ambiental através de meros trabalhos
de conscientização e promoção como advogam inúmeros estudiosos e
tematizadores da matéria45, visto que:
[...] a consciência é de caráter subjetivo, e diferencia-se na
multiplicidade da existência individual, e a moral atende a
critérios meramente localistas; a sustentabilidade depende
também de parâmetros pessoais, pois para difundir-se
carece do consenso e compromisso da integralidade
(PEREIRA, 2008, p. 199-200).46
45
Em sua obra "Ética Ambiental", Nalini descreve alguns passos rumo a uma Ética Ambiental.
Dentre eles, preceitua a conscientização por meio do estudo: "Um primeiro dever ético daquele
que se preocupa com o ambiente é o estudo permanente." (2001 , p. XXVIII) A educação
ambiental também pregada por Nalini é de suma importância no moroso processo de
conscientização social, mas atende como sempre a uma minoria localizada em determinados
grupos, como alunos, professores e interessados, não surtindo o efeito necessário a curto
prazo. Quanto a Pelizzoli, este também dá grande ênfase ao processo educacional, dizendo
que a educação deve ser "menos tecnificadora e reprodutora de sistemas instrumentais
dicotomizantes, objetificadores e dominadores (2003, p.174)", apontando como Nalini, alguns
passos importantes para a ambientalização da sociedade (cf. p.174 e ss.). O autor também
adentra em várias das correntes pertinentes à Ética Ambiental, por meio de um viés
interessante: o da hermenêutica de todo o meio, para que este seja antes de explorado,
compreendido: "O hermeneuta, ao pensar a História, busca aquilo que na tradição remete a
uma visão de conhecimento menos dominadora e mais dialógico-dialética, com o sujeito
deixando-se admirar e impressionar mais pela natureza, pela arte, pelo ser das coisas (2003, p.
163)." De qualquer forma, a visão de Pelizzoli continua distorcida, pois o processo
hermenêutico é plausível a minorias, e tem junto a si a pressuposição de interesse no desvelar,
aprofundar, o que é algo pertinente a poucos. Quanto a J. R Junges, este diz que "A
alfabetização ecológica significa uma mudança do paradigma cultural que regeu as relações
entre os seres humanos e a natureza nos últimos quinhentos anos. Esse câmbio cultural só é
possível pela conversão moral das atitudes de consumo e convivência vigentes. Isso mostra
que a questão de fundo do problema ecológico é Ética. A alfabetização ecológica necessita de
um novo ethos cultural, inspirado numa Ética Ambiental consistente" (p.109.). Apesar de
pensar o problema central, Junges continua como os demais, acreditando ser também possível
uma solução por meio da educação. Ainda crê Junges na necessidade da Ética biocêntrica,
fazendo de sua obra "uma tentativa de sair do impasse entre antropocentrismo e biocentrismo
na discussão da ética ambiental" (Idem).
46
Conforme já prelecionado em artigo "Como se chegar a uma solução para os problemas
ambientais?", "Fala-se na atualidade, da sedimentação de uma consciência ambiental.
Todavia, por mais que se demonstre como indispensável meio de preservação, o
desenvolvimento de uma consciência ambiental não se desfoca da percepção subjetiva e
pessoal que as sociedades têm da questão preservacionista. Num país farto de recursos
hídricos como o Brasil, as preocupações de ambientalistas com tal fator são mínimas levandose em consideração a disputa já iminente pela água em regiões como a do oriente médio. Já
em relação ao desmatamento, os esforços para seu desenfrear na Amazônia jamais serão
354
Apenas por meio de uma Ética Ambiental é que pode surgir, ainda
tempestivamente, um consenso global com a finalidade de manutenção da
vida.
Tal assunto será mais bem minudenciado em seguida, com a finalidade
de demonstrar por meio de três princípios basilares, o quanto a Ética Ambiental
é importante para que o ser humano possa reconhecer seu papel
preservacionista, e a responsabilidade que tem diante do meio ambiente.
2 Alguns argumentos a favor da ética ambiental
A visão antropocêntrica e objetificante do universo tem deixado marcas
irreparáveis no planeta Terra. As tentativas de conscientização e de controle
por meio de normas jurídicas têm se demonstrado insuficientes, pois a
consciência tem caráter subjetivo, e as normas infelizmente não consegue
prevenir integralmente as atitudes prejudiciais ao ambiente.
É relevante para a justificação dos princípios que seguem no terceiro
tópico, a abordagem do pronunciamento de alguns autores acerca de questões
relacionadas ao direito ambiental e à difícil missão preservacionista.
Nesse sentido serão tomadas algumas considerações de Edis Milaré,
Paulo de Bessa Antunes, José Renato Nalini, Plauto Faraco de Azevedo e
Antônio Silveira Ribeiro dos Santos.
O primeiro, Édis Milaré, sustenta no capítulo "A crise ambiental e a lei"
(2004, p.107-113) que a atual realidade "[...] evidencia sinais de verdadeira
crise, isto é, de uma casa suja, insalubre e desarrumada, carente de uma
urgente faxina." (2004, p.107) Segundo ele, e conforme o relatório do WWF
acerca do índice de pressão ambiental exercido pelo homem na natureza:
[...] estamos consumindo 20% além da capacidade
planetária de suporte e reposição. As contas mostram que
a Terra tem 11,4 bilhões de hectares-terrestres e
marinhos- considerados produtivos e sustentáveis, isto é,
com capacidade de renovação. Mas já está sendo usado
o equivalente a 13,7 bilhões de hectares para produzir
alimentos, água, energia. A diferença- 2,3 bilhões- sai de
estoques não renováveis, configurando uma crise sem
precedentes (2004, p. 111).
proporcionais ao de países que quase não abrigam mais vegetação alguma" (PEREIRA, 2007,
p.6).
355
O autor reconhece que "[...] o ideal e correto seria que a potestade do
ambiente fosse reconhecida intuitivamente, até porque 'não temos o direito de
exterminar o que não criamos" (2004, p.112), além de adentrar em vários
problemas relacionados à aplicabilidade da lei no Brasil: morosidade, falta de
consciência, de educação, e de fiscalização, dentre outros fatores (2004,
p.128-129).
Paulo de Bessa Antunes, no tópico "O Direito Ambiental como Direito
Humano" (2000, p.17-23), retoma questões também relacionadas à morosidade
e controvérsias na aplicação da lei ambiental pelo judiciário pátrio. O estudioso
diz que:
[...] a complexidade da matéria ambiental faz com que a
legislação seja uma resposta ineficiente e, quase sempre,
tardia e distante das situações de fato [...] a construção
judicial do Direito Ambiental não se faz sem contradições
e dificuldades. O papel desempenhado pelo Poder
Judiciário na elaboração do Direito ambiental é, como nos
demais setores do Direito, contraditório (2000, p.18).
Em tópico seguinte, o autor trabalha a questão central do último subtítulo
deste ensaio, qual seja: o reconhecimento do ser humano como co-dependente
no entorno. Afirma ele que:
[...] as normas de Direito Ambiental, nacionais e
internacionais, cada vez mais vêm reconhecendo direitos
próprios da natureza, independentemente do valor que
esta possa ter para o ser humano. [...] O que o Direito
Ambiental busca é o reconhecimento do Ser Humano
como parte integrante da natureza (ANTUNES, 2000,
p.21).
Já em Nalini (2001, p. XXIII), pode-se ler que:
[...] a lei ambiental não tem sido freio suficiente. A
proliferação normativa desativa a força intimidatória do
ordenamento. Outras vezes, a sanção é irrisória e vale a
pena suportá-la, pois a relação custo/benefício estimula a
vulneração da norma.
Vários outros autores também conscientes da necessidade de
modificações ambientais retratam em suas obras a importância de que surja
um paradigma holístico, que venha a considerar a importância de todos os
seres. Nessa direção escreve Azevedo (2006, p.13):
356
Tudo evidencia a insofismável crise civilizacional
presente, a tudo permeando, -a política, a economia, o
direito, a democracia, a ética, a ciência-, tudo indicando
um paradigma científico superado, em meio à difícil
emergência de um outro, capaz de abranger e
compreender a multiplicidade e a interligação de todas as
dimensões da vida. Neste contexto, em que se constata a
anemia da política, dominam o constrangimento
econômico e o pensamento unidimensional e servil ao
status quo, tudo desaguando, de modo dramático, no
meio ambiente. É, então, que o pensamento parcelar,
cindido, revela sua impotência e suas funestas
consequências. É na natureza, em suas múltiplas formas
e ecossistemas, que se desvela o point de non retour de
uma civilização tão sofisticada tecnologicamente quanto
suicida.
Ainda segundo o autor:
Para superar esta regressão, faz-se necessária uma ética
capaz de valorizar e superar o pensamento
tecnoeconomicista, que contamina o direito, a política, a
ciência e a tecnologia. Sua construção tem que ser feita a
partir da realidade humana concreta, tendo em vista que o
homo sapiens é também demens (AZEVEDO, 2006,
p.131).
A emergência de uma nova forma de considerar a relação do homem
com o meio pode ser vista como um dos grandes desafios dentro do campo
ético-jurídico na atualidade. Nunca em tempos anteriores algo do tipo
necessitou ser pensado. Como bem leciona Hans Kung (1998, p. 32), até então
as Éticas sempre estiveram voltadas para o agora, para as questões que
envolvem meramente o emaranhado de relações dos seres humanos entre si.
Nunca buscaram pensar o depois, com vistas à prevenção de futuras
consequências. Apenas grupos isolados têm procurado soluções para o
problema,
por
meio
de
reflexões,
debates
e
busca
de
princípios
paradigmáticos, depositando no próprio homem a capacidade de reconhecerse a si como parte em relação com o meio. Segundo Junges (2004, p. 22):
É necessário superar a concepção do ser humano como
espécie dominante e separada do mundo, despojando-se
do seu isolamento individualista e colocando-se no ponto
de vista de todos. Trata-se de assumir uma perspectiva
holística, adotando formas transpessoais em atitudes
junto à natureza. Assim surge um ser humano ecóico em
357
vez de egoico, que se compreende essencialmente como
um ser em relação.
De forma similar considera Santos (2006, p. 295):
Para entender melhor o que será exposto, é necessário
ter uma visão de caráter geral, que podemos chamar de
holística, deixando-se de lado a visão estreita
antropocêntrica. Pois, partindo-se desta última visão e
preconceitos em relação à natureza e sua importância
como um complexo homogêneo, o homem estaria acima
dela, observando-a como um ser superior e a natureza
existiria apenas para servi-lo. Já partindo-se de uma visão
global, o homem passa a ser um ente integrante da
natureza, como todos os outros (independentemente de
se questionar sua origem), facilitando assim o
entendimento das regras e princípios gerais que regem o
universo. Então o ser humano estará inserido no contexto
global, fazendo parte da
natureza.
Em teor mais profundo, o cientista Fritjof Capra, já na década de 80
ensinava acerca da inovadora visão holística que precisa emergir:
A nova visão da realidade, de que vimos falando, baseiase na consciência do estado de inter-relação e
interdependência essencial de todos os fenômenosfísicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa
visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e
conceituais e será explorada no âmbito de novas
instituições. Não existe, no presente momento, uma
estrutura bem estabelecida, conceituai ou institucional,
que acomode a formulação do novo paradigma, mas as
linhas mestras de tal estrutura já estão sendo formuladas
por muitos indivíduos, comunidades e organizações que
estão desenvolvendo novas formas de pensamentos e
que se estabelecem de acordo com novos princípios
(1982, p.244).
Com a quebra atual de inúmeros paradigmas, a Ética parece vir
perdendo o caráter imperativo e norteador da relação entre os homens, pois
eles têm perdido seus referenciais, visto que: “[...] não sabem mais com base
em que normas fundamentais devem tomar as pequenas decisões do dia-dia.
Não sabem mais que preferências seguir, que prioridades colocar e que
imagens orientadoras escolher. Pois as instâncias orientadoras não têm mais o
mesmo valor (KUNG, 1998 p.24).”
358
Ao que tudo indica, a ascensão de um novo paradigma de caráter
biocêntrico, no qual a visão holística da inter-relação entre o homem e o meio
torna-se o enfoque a partir do qual as condutas passam a ser ponderadas, é o
maior desafio a ser enfrentado dentro dos atuais padrões éticos existentes. De
acordo com Junges (2004, p.8): “[...] os biocêntricos defendem que o ser
humano é apenas um elemento a mais no ecossistema da natureza, um elo
entre muitos na cadeia de reprodução da vida. Por isso, o protagonismo
pertence à vida e a crise ecológica precisa ser equacionada numa perspectiva
biocêntrica.”
Acerca do assunto, Fritjof Capra lembra a necessidade de compreensão
do mundo de maneira sistêmica, de forma que tudo seja compreendido como
indissociável:"[...] a concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e
de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não
podem ser reduzidas às de unidades menores" (1982, p.245).” Na obra "Teia
da Vida", o autor trata muito claramente da necessária ascensão do
pensamento holístico. Para ele: “O novo paradigma pode ser chamado de uma
visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e
não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado
visão ecológica [ ... ] (1998, p.16).”
No intuito da adoção de uma visão biocêntrica da realidade, é
necessário pensar em princípios que possam auxiliar na reflexão e modificação
da forma de lidar entre os homens e o ambiente, permitindo uma visão na qual
o ser humano não se entenda como superior47. Com tal escopo, a seguir, serão
sugeridos três princípios que podem ser considerados dentre os essenciais à
pretendida modificação, os da responsabilidade, da alteridade e do cuidado.
3 Três princípios para uma ética ambiental
Como bem abordado pelo professor Miguel Reale em suas "Lições
Preliminares de Direito", os princípios são a base para que um novo sistema
cognitivo possa emergir, pois para ele: “[...] os princípios são ‘verdades
fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem
47
"De que vale uma ética se ela não tem validade incondicional, sem qualquer 'mais' ou
'porém'? Ética não pode ser condicional, não 'hipotética', mas 'categórica' (KANT apud KUNG,
1998, p.79)."
359
evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem
prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da praxis (2001 , p. 305).
Na lição de De Plácido (2002, p.639), os princípios:
[...] notadamente no plural, significa as normas
elementares ou os requisitos primordiais instituídos como
base, como alicerce de alguma coisa. [...] princípios
revelam conjunto de regras ou preceitos, que se fixam
para servir de norma a toda espécie de ação jurídica [...]
exprimem sentido mais relevante que o da própria norma
ou regra jurídica.
Como em outros tantos ramos, para auxílio à concretização de uma
Ética Ambiental, é muito importante que sejam escolhidos, divulgados e
assimilados alguns princípios, que retirados de ensinamentos da filosofia e da
ética, resguardam relação com a necessária modificação do paradigma
vigente.
Os princípios que serão relatados adiante são resultado de estudos
realizados pelo autor pretendendo justamente criar e ampliar o espaço de
compreensão da Ética Ambiental como seara coligada, mas independente de
demais ramos do conhecimento, e voltada para a discussão da relação
existente entre o ser humano e meio em que vive, visando encontrar uma nova
forma de se pensar tal contexto, e trazer a tona um paradigma biolcêntrico.
3.1. Princípio da Responsabilidade
Pelo princípio da responsabilidade, deve-se buscar segundo Jonas
(1995, p.40), um novo Imperativo Categórico, caracterizado no agir de um
modo pelo qual os efeitos dessa ação, não sejam destrutivos às gerações
futuras, colocando em perigo as condições de continuidade de vida na Terra.
A partir desse princípio evidencia-se o surgimento de uma visão
comprometida com a posteridade, com aqueles que ainda irão existir 48.
48
Segundo Jonas (1995, p.40) "[...] nosotros no tenemos derecho a elegir y ni siquiera a
arriesgar el no ser de las generaciones futuras por causa dei ser de la actual Por qué
carecemos de ese derecho, por qué, ai contrario, tenemos una obligación para con aquello que
todavia no es en absoluto y que tampoco tiene «en sí» por qué ser -que, en cualquier caso, en
cuanto no existente, no tiene ningún derecho a exigir existencia [ .. .]". Nesse sentido, conferir o
capítulo IV, "EI deber para con el futuro".
360
A falta de responsabilidade das gerações passadas deixou cicatrizes
marcantes para a atual geração, já que o presente foi moldado conforme
projetos do passado, e "[...] existirão homens de acordo com a ideia vigente de
humanidade [...]" (OLIVEIRA, 2007, p.294).
Por causa desse problema, é necessário que a atual geração passe a
reger seus atos e projetos com responsabilidade e visando o bem futuro, pois
do contrário se continuará a preterir as gerações seguintes.
3.2. Princípio da Alteridade
A alteridade (alter= outro+ [i]dade= qualidade, caráter, atributo), diz
respeito à atribuição ao outro da qualidade de também ser um eu. Deve,
portanto, ser considerada também como princípio importante para construção
de um novo prisma na relação ético-ambiental, pois a concepção dos outros
como meros objetos de interesse impede a compreensão de que todos são
iguais.
Para além da visão objetificante (que percebe o outro como objeto de
interesses), há segundo Martin Buber49, como considerar o outro de uma
maneira que não o torna objeto, que o concebe como Eu, numa relação de
encontro, que não se limita a interesses50 e por isso se apresenta: "The thou
meets me”.51
Na apresentação incondicional, no qual se desencadeia uma relação
sem pré-conceitos, o Tu se torna outro Eu. Conforme Reale: "[...] o eu fala ao
Tu, dialoga com o Tu: a realidade humana é esse diálogo, essa relação [...] O
49
'Martin Buber (1878-1965), foi filósofo austríaco de grande repercussão na Europa, e
defensor do movimento sionista (que buscava a recriação do estado de Israel), através do
conhecimento das raízes hebraicas por seu povo(REALE; ANTISERI, 2006, p.418).
50
De acordo com Buber: ''The life of human beings is not passed in the sphere of transitive
verbs alone. lt does not exist in virtue of activities alone which have some thing for their object.
I perceive something. I am sensible of something. L imagine something. I will something. I feel
something. I think something. The life of human beings does not consist of ali this and the like
alone. This and the like together establish the realm of lt. But the realm of Thou has a different
basis. When Thou is spoken, the speaker has no thing for his object. For where there is a thing
there is another thing. Every lt is bounded by others; lt exists only through being bounded by
others. But when Thou is spoken, there is no thing. Thou has no bounds. When Thou is spoken,
the speaker has no thing ; he has indeed nothing. But he takes his stand in relation" ([s.d.] p.4.).
51
"o tu se apresenta a mim" (BUBER, [s.d.], p.11).
361
Tu não é um objeto; é sujeito desde o começo. E esse sujeito-tu é
indispensável para que apareça o sujeito-Eu" (2006, p.420)52.
O que se propõe por meio do princípio da alteridade, é uma
“sujeitificação” das relações humanas entre si, e com o meio ambiente,
considerando cada ser existente como extensão e parte da constituição do Eu.
Nas palavras de Pelizzoli: “[...] a operação aqui é aproximar a abordagem da
Natureza no conceito de Outro, interligar a ela o estatuto da alteridade, ou seja,
ela é mais do que posso conhecer/dominar; ela tem vida própria, e deve ser
acolhida em sua dignidade (2003, p. 110).”
Parece ser bastante ousada a proposta da “alterização” do meio
ambiente, já que sua ocorrência continua inexistente nas relações entre
homens. Mas não há outra solução! A consideração individualista ainda
sustentada pela sociedade não tem privilegiado a vida, ponto crucial para
permanência do planeta. Apenas por meio do “sujeitamento”, da elevação do
ambiente como outro que se reveste de eu, será possível traçar novos
caminhos para a permanência do homem na Terra, pois a visão
antropocêntrica e individualista permite apenas a destruição do todo,
desconsiderando inclusive a responsabilidade para com o agora e o futuro.
3.3. Princípio do Cuidado
Por fim, é importante eleger o saber cuidar (cuidado) como mais um dos
pilares da Ética Ambiental.
Embasamento ético na doutrina de Leonardo Boff encontrado em obra
de mesmo nome, o saber cuidar preconiza a necessidade iminente de um zelo
do ser humano para com a totalidade dos biomas existentes. Para Boff, "[...]o
cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante, e também de princípio
inspirador de um novo paradigma de convivialidade" (2004, p.13). É por meio
dele que deve ser pensado o atual modo de interação do ser humano com todo
52
Numa mesma reflexão acerca do outro, pode-se inserir E. Lévinas, que na sua obra "O
humanismo do outro homem", prega a epifania do outro, tendo como prisma a consideração
de sua aparição de forma nu, pois "o outro que se manifesta no rosto perpassa, de alguma
forma,sua própria essência plástica, como um ser que abrisse a janela onde sua figura no
entanto já se desenhava. Sua presença consiste em se despir da forma que, entrementes, já a
manifestava. Sua manifestação é um excedente (surplus) sobre a paralisia inevitável da
manifestação. É precisamente isto que nós descrevemos pela fórmula: o rosto fala. A
manifestação do rosto é o primeiro discurso. Falar é, antes de tudo, este modo de chegar por
detrás de sua aparência, por detrás de sua forma, uma abertura na abertura" (1993, p.59).
362
o meio, e percebido o insustentável fenômeno do descaso constatado há
décadas, mas ainda mantido pelas gerações presentes. Para o estudioso:
Há um descuido e um descaso pela vida inocente de
crianças usadas como combustível na produção para o
mercado mundial. Os dados da Organização Mundial da
Infância de 1998 são aterradores: 250 milhões de crianças
trabalham. Na América Latina 3 em cada 5 crianças
trabalham. Na África, uma em cada 3. E na Ásia, uma em
cada duas. São pequenos escravos a quem se nega a
infância, a inocência e o sonho. Não causa admiração se
são assassinados por esquadrões de extermínio nas
grandes metrópoles da América Latina e Ásia. Há um
descuido e descaso manifesto pelo destino dos pobres e
marginalizados da humanidade, flagelados pela fome
crônica, mal sobrevivendo da tribulação de mil doenças,
outrora radicadas e atualmente retornado com redobrada
virulência. Há um descuido e descaso imenso pela sorte
dos desempregados e aposentados, sobretudo dos
milhões e milhões de excluídos do processo de produção,
tidos como descartáveis e zeros econômicos. Esses nem
sequer ingressam no exército de reserva do capital.
Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um
salário mínimo e de alguma seguridade social. Há um
descuido e abandono dos sonhos de generosidade,
agravados pela hegemonia do neoliberalismo com o
individualismo e a exaltação da propriedade privada que
comporta. [...] Há um descuido e um abandono crescente
da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes
sentem-se desenraizados culturalmente e alienados
socialmente. Predomina a sociedade do espetáculo, do
simulacro e do entretenimento. Há descuido e descaso
pela dimensão espiritual do ser humano, pelo espírito de
finesse (espírito de gentileza) que cultiva a lógica do
coração e do enternecimento por tudo que existe e vive.
Não há cuidado pela inteligência emocional, pelo
imaginário e pelos anjos e demônios que o habitam. Todo
tipo de violência ou excesso é mostrado pelos meios de
comunicação com ausência de qualquer pudor ou
escrúpulo. Há um descuido e um descaso pela coisa
pública (2004, p.18-19).
Assim como a criança necessita de imenso cuidado para que tenha boa
formação, o mundo carece de tal meio de consideração pelo homem, para que
não se torne insistentável.
"O cuidado há de estar presente em tudo" (BOFF, 2004, p.34.),
representando, segundo Boff, uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e envolvimento afetivo com o outro.
363
Em sociedades que continuam sem saber cuidar, é possível observar a
desordem, confusão e caos. O saber cuidar pressupõe equilíbrio, autocontrole
e moderação. Ele não deve ser visto como prejudicial à vida, ao trabalho e à
existência humana. Nas palavras de Boff:
Dar centralidade ao cuidado não significa deixar de
trabalhar e de intervir no mundo. Significa renunciar à
vontade de poder humana. Significa recusar-se a todo
despotismo e a toda dominação. Significa derrubar a
ditadura da racionalidade fria e abstrata para dar lugar ao
cuidado. Significa organizar o trabalho em sintonia com a
natureza, seus ritmos e suas indicações. Significa
respeitar a comunhão que todas as coisas entretêm entre
si e conosco. Significa colocar o interesse coletivo da
sociedade, da comunidade biótica e terrena acima dos
interesses exclusivamente humanos. Significa colocar-se
junto e ao pé de cada coisa que queremos transformar
para que ela não sofra, não seja desenraizada de seu
habitat e possa manter as condições de desenvolver-se
eco-evoluir junto com seus ecossistemas e com a própria
Terra (2005, p. 9).
Saber cuidar é um princípio que se conecta perfeitamente com os
anteriores, pois alteridade e responsabilidade surgem com o zelo propositado à
vida. Considerando a relação entre tais princípios, pode-se dizer que sem
cuidado não há como pensar no outro, ou dizer de responsabilidade com o
futuro.
Considerações finais
Parece difícil aprender a considerar a vida em todas as suas formas,
submetendo a visão antropocêntrica e individualista a modificações para que
haja respeito e consideração ao todo.
Ações isoladas ou em grupos visando a conscientização, dificilmente
levarão a transformações em nível global. Contudo, os resultados negativos já
contabilizados não devem impedir o inicio de mudanças que visem frear os
problemas existentes. Por isso a importância de se pensar e aplicar uma Ética
Ambiental na atualidade, pois é difícil, sem embasamento por meio de
preceitos éticos gerais, que significativas mudanças ocorram.
Os princípios brevemente abordados, (responsabilidade, alteridade e
cuidado) são simples exemplo de diretrizes que podem nortear e conduzir a
364
forma de relação do homem com os demais seres. Muitos outros princípios
podem e devem ser adotados com a finalidade de levar à estruturação de um
novo paradigma voltado ao respeito e preservação da vida em todas as suas
formas.
As respostas dadas até então para o problema do respeito ao ambiente,
raramente buscam meios de superação do paradigma antropocêntrico, pois
carregam em seu bojo a promoção preferencial do ser humano acima de
qualquer pretexto.
O desafio da biocentralização está colocado, e cabe as sociedades em
conjunto pensarem a melhor forma de o considerar, para que os problemas e
degradação que persistem no meio ambiente, não terminem com o que ainda
resta para as gerações futuras.
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366
O LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
Rafael Isaac de Almeida Coelho – IPTAN
Fabrízia Lelis Naime de Almeida Coelho – IPTAN
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir o instituto do
litisconsórcio ativo necessário no processo civil brasileiro em relação ao direito
de demandar garantido na Constituição da República. O trabalho inicia-se com
uma abordagem do litisconsórcio no processo civil com todas as suas
classificações. Já no segundo capítulo, enfrenta o conflito entre o litisconsórcio
ativo necessário e o direito de demandar disposto na Constituição de 1988,
examinando as diversas posições adotadas pelos doutrinadores. Por fim,
apresenta o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal sobre o litisconsórcio ativo necessário.
Palavras-Chave: Processo Civil – Litisconsórcio Ativo
Constituição Federal – Direito Fundamental – STF – STJ
Necessário
–
Introdução
As relações jurídicas podem ocorrer com a presença de uma ou mais
pessoas, sendo que os interesses delas decorrentes podem ser individuais ou
coletivos. Os interesses individuais que surgem de determinadas relações
podem pertencer a mais de uma pessoa, situação em que a tutela jurisdicional
do mesmo deve se dar em juízo com a pluralidade de partes em um dos polos
da relação processual.
A pluralidade de partes na relação processual, defendendo interesse
pertencente a mais de uma pessoa, ocorrerá seja por haver entre elas
comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide, ou pelos direitos
ou obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito, ou por
haver entre as causas conexão pelo objeto ou pela causa de pedir e, ainda, por
ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Em
todos esses casos, a referida pluralidade de partes dará origem ao instituto
processual denominado litisconsórcio.
O litisconsórcio poderá ocorrer no polo ativo, no passivo ou em ambos, a
depender do interesse tutelado. Pode ser inicial ou surgir no decorrer do
processo, bem como pode exigir ou não uniformidade decisória em relação aos
litisconsortes.
367
No entanto, a grande dificuldade do instituto do litisconsórcio relacionase com a sua necessariedade. O litisconsórcio pode ser facultativo, situação
em que o interesse tutelado de forma conjunta pelas partes da relação pode
também se dar de forma individual, ou necessário que, como o próprio nome
diz, não é possível que ocorra sem a presença de todos os interessados.
A necessariedade litisconsorcial no polo passivo resolve-se com a
citação dos demais réus para compor a lide e, assim, integrar a demanda.
Porém, no que diz respeito à necessariedade no polo ativo, tema do presente
trabalho, há certos óbices em razão do conflito entre a impossibilidade de
obrigar alguém a demandar (direito de não estar em juízo como autor) e o
direito de ação de outrem, que não pode ter a sua tutela jurisdicional
condicionada à vontade do litisconsorte renitente.
No presente trabalho, abordaremos o instituto do litisconsórcio, com
suas principais características e classificações e, posteriormente, faremos a
abordagem das posições doutrinárias e jurisprudenciais em relação à
necessariedade litisconsorcial no polo ativo, bem como apresentaremos as
soluções que são propostas sobre o tema.
1 Litisconsórcio
1.1 Conceito
As partes na relação processual são, em linhas gerais, aquelas que
formulam pedidos e aquelas contra as quais pretensões são deduzidas. A
bilateralidade existente entre os litigantes não significa que cada polo deve ser
ocupado por apenas uma pessoa. Pode mais de uma pessoa atuar em juízo,
no mesmo polo, assumindo a mesma função processual e com os mesmos
interesses (SILVA, 2002, p. 247).
A pluralidade de partes em um dos polos da relação processual dá
ensejo à cumulação subjetiva. Se houver entre as partes que ocupam o mesmo
polo uma uniformidade de interesses, dar-se-á a formação de litisconsórcio. A
existência ou não de afinidade entre as partes diferencia a cumulação subjetiva
de uma de suas espécies, o litisconsórcio.
368
1.2 Fontes53 do litisconsórcio
A formação do litisconsórcio não pode ocorrer ao arbítrio das partes,
pela simples vontade ou interesse em participar
conjuntamente
em
determinado processo. Necessária se faz a previsão legal nesse sentido,
determinando as fontes das quais pode originar a relação litisconsorcial
(SANTOS, 2008, p. 2).
O Código de Processo Civil, em seu artigo 46, estabelece quais as
fontes ou pressupostos (SANTOS, 2008, p. 3) que dão origem à formação do
litisconsórcio, sendo elas a comunhão, a conexidade e a afinidade de questões.
Art. 46 Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo
processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de
obrigações relativamente à lide;
II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo
fundamento de fato ou de direito;
III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela
causa de pedir;
IV – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum
de fato ou de direito.
[...]
A comunhão de direitos ou de obrigações relativas à lide é determinada,
geralmente, pela relação das partes com o direito material. Ocorre nos casos
de solidariedade, condomínio, composse e nos casos de fiança prestada sem
reservas (NERY JR.; NERY, 2007, p. 256).
A conexidade entre duas ou mais demandas justifica o litisconsórcio,
tendo por finalidade obter a harmonia de julgados e evitar decisões diferentes
relativas ao mesmo caso. Segundo Dinamarco (2009, p. 7), basta uma
identidade parcial do título, pois se exigisse a identidade das causas de pedir
em toda sua extensão, reduziriam-se a poucos casos as demandas conexas. A
conexidade pode ser objetiva ou subjetiva.
O Código de Processo Civil, artigo 105, admite a reunião de ações
propostas em separado em casos de conexão, a fim de que sejam decididas
53
Expressão utilizada pela maioria da doutrina processual civil brasileira (Cf.
MARINONI e MITIDIERO, 2008, p. 131; SANTOS, 2008, p. 2).
369
simultaneamente. Essa é a mesma razão pela qual se admite a cumulação
subjetiva (litisconsórcio) desde o início (MARIONI e MITIDIERO, 2008, p. 131).
A afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito,
prevista no Código de Processo Civil, artigo 46, inciso IV, consiste na
existência de pontos em comum nos fundamentos de fato ou de direito de duas
ou mais demandas.
Tal afinidade é liame menos intenso que a conexidade,
sendo caracterizado pela mera existência de algum
quesito comum de fato ou de direito, o qual, aparecendo
em todas as causas de pedir (ainda que implicitamente),
se apresente como uma das premissas necessárias para
a decisão da causa. A existência de um simples ponto em
comum a duas ou várias causas de pedir (que
permanecem diferentes e autônomas em todo o mais,
com fatos absolutamente diversificados, menos nesse
ponto) não chega a caracterizar a conexidade, mas
simples afinidade entre as demandas (DINAMARCO,
2009, p. 102).
Fundado na conexidade imprópria, essa espécie de litisconsórcio é
tutelada pelo sistema em razão da economia processual que é apta a propiciar.
Ao contrário das hipóteses de conexidade, no litisconsórcio por mera afinidade
pequeno é o risco de conflito entre julgados.
A possibilidade de formação de litisconsórcio pode decorrer também do
mesmo fundamento de fato e de direito, previsto no inciso II do supra referido
artigo. São demandas que têm em comum a causa de pedir, e não apenas
alguns pontos, como no litisconsórcio impróprio. Esse inciso é dispensável em
razão da previsão da conexidade como fonte de formação do litisconsórcio,
pois está abarcada a hipótese prevista no inciso II naquela prevista no inciso
IV. A conexão pela causa de pedir é uma conexidade objetiva.
1.3 Classificação
1.3.1 Quanto à posição processual dos litisconsortes
O litisconsórcio pode ser ativo, passivo ou misto. No primeiro, tem-se
mais de um autor da demanda, enquanto no segundo, corresponde à situação
em que tem vários réus. Havendo a presença de pluralidade de autores e réus,
será o misto (ou recíproco).
370
1.3.2 Quanto ao momento de formação
A formação do litisconsórcio será inicial se a ação for proposta por vários
autores ou em face de vários réus. A apresentação da pluralidade de partes
ocorre na petição inicial.
No entanto, a formação pode ocorrer no curso do processo, após
instaurada a relação processual, sendo denominado litisconsórcio ulterior. O
litisconsórcio ulterior pode surgir em razão de uma intervenção de terceiros,
pela sucessão processual ou pela conexão.
No caso de o litisconsórcio ser facultativo ativo, a formação tem como
momento processual adequado a petição inicial, ou seja, deve ser inicial.
Nessa hipótese, não se deve admitir o litisconsórcio ulterior sob pena de ofensa
ao princípio do juiz natural, propiciando ao jurisdicionado a escolha do juiz
(NERY JR.; NERY, 2007, p. 255).
Segundo conclusão de Athos Gusmão Carneiro (1999, p. 28),
comentando julgados do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
a) a admissão de litisconsórcio facultativo ulterior, após
feita a citação do réu, conspira contra os princípios do juiz
natural, da livre distribuição e da estabilidade da
demanda; e b) já deferida medida liminar em favor do
autor da demanda em curso, a extensão dessa liminar a
um ‘litisconsorte’ facultativo ulterior virá ofender, ainda
com mais gravidade e ostensividade, ao princípio do juiz
natural, pois permite ao tal ‘litisconsorte’ escolher o juízo
onde já encontrará decisão favorável à sua pretensão,
com prejuízos igualmente às regras da bilateralidade e da
boa-fé que devem presidir o relacionamento em juízo.
Verifica-se que reais são as razões para se afastar a formação ulterior
de litisconsórcio ativo facultativo e sua consequente ofensa ao princípio do juiz
natural.
1.3.3 Quanto à exigência ou não de uniformidade decisória
O litisconsórcio comum (ou simples), norteado pelo princípio da
autonomia dos litisconsortes, é aquele em que o juiz pode julgar de forma
diferente as pretensões a ele expostas. O julgamento pode ou não ser
371
homogêneo em razão da pluralidade de relações discutidas no processo ou por
se discutir uma relação jurídica divisível.
Conforme conclui Didier Jr. (2007), “o litisconsórcio simples é o que
parece ser: cada um dos litisconsortes é tratado como parte autônoma” (p.
277). O comportamento de cada litisconsorte no processo, a princípio,
influenciará apenas na decisão a ele relativa, segundo o CPC, artigo 48, “salvo
disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas
relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e omissões de
um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”.
A atuação mais diligente de um dos litisconsortes na fase instrutória ou
postulatória, a existência de ato dispositivo que não seja de todos os
litisconsortes ou não se refira a todos ou a distinção da posição de cada um
deles em relação ao direito material a possibilita a existência de julgamentos de
mérito heterogêneos (DINAMARCO, 2009, p. 145).
Aplica-se, nas hipóteses de litisconsórcio simples, o princípio da
independência
(ou
autonomia)
entre
os
litisconsortes,
implicando
o
estabelecimento para cada um deles dos pressupostos processuais; cada um
produzirá suas provas, a qual terá, a princípio, sua eficácia limitada à relação
jurídica existente entre ele e seu adversário; o recurso interposto limita-se
àquele que recorreu e a desistência do recurso independe da concordância dos
demais.
No entanto, a autonomia dos litisconsortes é mitigada em razão da
necessidade da harmonia dos julgados, existente ainda que em diferentes
escalas nas relações litisconsorciais. Pode-se verificar a relativização no
campo das provas, sendo que a prova trazida por um dos litisconsortes
beneficia todos na medida em que se refira o fato de interesse comum (o juiz
não pode considerar o fato provado em relação ao que produziu a prova e não
provado em relação aos demais).
Exemplos: reconhecimento do pedido, transação,
renúncia ao direito, desistência da ação, renúncia ou
desistência do recurso. Sendo comum o litisconsórcio e
assim comportando decisões díspares para os
colitigantes, cada qual tem legitimidade só quanto ao
próprio interesse e seu ato dispositivo carecerá de
eficácia geral. Atos como a dispensa de um meio de
prova não podem ser regidos pela legitimatio ad actum
372
individual pelo simples motivo de que, permanecendo o
interesse de um dos litisconsortes e sendo produzida a
prova, seu resultado poderá ser relevante para todos
(DINAMARCO, 2009, p. 155)[grifos meus].
Sobre a pluralidade de lides e de sujeitos existente nas relações
litisconsorciais e o princípio da autonomia dos colitigantes, bem se posiciona
Moacyr Amaral Santos (2008, p. 11) no sentido de que, verbis:
o fenômeno de lides autônomas suscitando relação
processual única, isto é, dando lugar à formação de um
único processo, por um lado atribui a cada um dos
litisconsortes a autonomia própria dos sujeitos daquelas,
de outro os submete às consequências da unidade
processual.
E continua o autor explicando que, “por um lado, por força da autonomia
das lides, cada litisconsorte é parte distinta em relação aos adversários, mas,
por outro lado, por força da unidade processual, se subordina à marcha do
processo, que é igual para todos” (idem, p. 11).
Existem, contudo, situações em que há necessidade de decisão
uniforme em razão da própria natureza da relação jurídica, a qual torna
impossível que tenha efetividade sem abranger igualmente a todos. Nessas
relações, o litisconsórcio será unitário.
O julgamento do mérito no litisconsórcio unitário será homogêneo em
razão da incindibilidade da relação jurídica. A decisão heterogênea, nessas
relações, não teria utilidade, sendo impossível a imposição de seus efeitos.
No litisconsórcio unitário, afasta-se o princípio da autonomia dos
litigantes, a qual permite que o ato de um dos litisconsortes não influencie na
situação
de
todos
e
pode
conduzir
os
litisconsortes
a
soluções
substancialmente diferentes. No entanto, o afastamento da autonomia dá-se
tão somente em relação ao mérito, conforme leciona Dinamarco (2009, p. 166):
A integral derrogação do princípio da (relativa) autonomia
entre os litisconsortes refere-se exclusivamente aos atos
relevantes para o julgamento da causa em si mesma, ou
seja, do chamado mérito principal (o Hauptsache, da
doutrina germânica). Situações personalíssimas, como a
conduta processual de cada um e eventual sanção a sua
litigância de má-fé, não se comunicam aos demais. É
373
perfeitamente compatível com o regime especial do
litisconsórcio unitário a exclusão de um dos litisconsortes
do processo, desde que não se trate de litisconsorte
também necessário (p. ex., por ilegitimidade ad causam
ativa de um não-cidadão na ação popular movida por
mais de um sujeito).
Os atos individuais realizados pela parte que favorece a ela e aos seus
litisconsortes são eficazes a todos; ao contrário, atos não praticados por todos
os litisconsortes que prejudiquem os demais não terão eficácia em relação
àqueles.
A confissão feita por um litisconsorte ou a transação entre ele e seu
adversário somente se confirmadas ou consentidas pelos demais litisconsortes
é que produzem os efeitos que lhe são próprios (SANTOS, 2008, p. 13); não
haverá revelia, salvo se todos permanecerem omissos em contestar a ação; a
falta de pressuposto processual em relação a um dos litisconsortes impede
apreciar o mérito em relação aos demais; não pode haver desistência isolada
da demanda e o recurso interposto por um dos litisconsortes, nos termos do
Código de Processo Civil, artigo 509, aproveita os demais (SILVA, 2002, p.
266).
1.3.4 Quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação
O litisconsórcio pode ter sua formação obrigatória em razão da natureza
da relação jurídica ou por determinação legal. Nessas hipóteses, a legitimidade
ordinária só se completa com o concurso de todos os litisconsortes, sob pena
de carência de ação. É denominado litisconsórcio necessário em razão da
imprescindibilidade da pluralidade de partes em determinado polo da relação
processual.
As relações jurídicas das quais decorre o litisconsórcio são aquelas
estruturadas de certa forma que necessária se faz a formação por uma
pluralidade de pessoas, sendo ilegítima a constituição por apenas alguma
delas. “Diz-se que o litisconsórcio é necessário quando, por disposição de lei,
ou pela natureza da relação litigiosa, o processo só se possa formar com a
presença de mais de um autor ou mais de um réu, ou seja, de todos os
interessados” (SILVA, 2002, p. 248).
374
O Código de Processo Civil, no art. 47, determina os casos em que o
litisconsórcio será necessário: quando exigir a natureza da relação jurídica
deduzida em juízo (ligando, a princípio, a necessariedade à unitariedade) ou
quando exigir a lei, independente da natureza da relação jurídica.
Segundo Didier Jr. (2007, p. 278), é possível a existência de
litisconsórcio necessário comum (ou simples), podendo a lei, por questões de
conveniência, para que haja harmonização de julgados ou por economia
processual, determinar a necessariedade. O litisconsórcio necessário por força
de lei, na maioria das vezes, não é unitário, pois não há uma incindibilidade da
relação, comportando decisões heterogêneas.
A lei impõe o litisconsórcio, por exemplo, nas ações que versem sobre
direitos reais imobiliários, em que os cônjuges serão litisconsortes; nas ações
de divisão de terras, em que todos os condôminos deverão ser citados; na
ação de usucapião, em que há integração como litisconsortes passivos
necessários o proprietário do imóvel e seus confinantes (SANTOS, 2008, p. 5).
O litisconsórcio necessário por exigência da relação jurídica deduzida
em juízo implica a unitariedade, em decorrência da incindibilidade da relação e
necessidade de homogeneidade da decisão, sob pena de ineficácia. São
exemplos de litisconsórcio necessário e unitário: a ação de nulidade de
casamento, quando proposta por terceiro ou pelo Ministério público, sendo
litisconsortes necessários os cônjuges; a ação de impugnação de paternidade,
a ser movida conjuntamente ao suposto filho e à suposta mãe; a ação de
anulação de sociedade, que exige a participação de todos os sócios no polo
passivo; a ação rescisória movida por terceiro ou pelo Ministério Público, com a
presença necessária das partes do processo originário.
Sendo o litisconsórcio necessário, se o mesmo não se forma, cabe ao
juiz determinar ao autor que tome providências no sentido de constituí-lo.
Segundo o Código de Processo Civil, parágrafo único do artigo 47, “o juiz
ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes
necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o
processo.” Essa é a postura que deve ser adotada quanto à ausência de
litisconsorte passivo necessário. No que se refere ao litisconsórcio ativo
necessário, não há consenso na doutrina e jurisprudência, tema que será
detidamente analisado nos próximos capítulos do presente trabalho.
375
A formação do litisconsórcio pode, contudo, ser facultativa. Há
possibilidade de as partes estarem ou não conjuntamente no mesmo polo
daquela relação processual, não havendo qualquer necessidade quanto ao
objeto da demanda ou determinação legal nesse sentido.
Ao contrário do permitido pelo Código de Processo Civil de 1939, não
mais se admite a recusa peremptória pelo réu da formação do litisconsórcio
facultativo. Permite-se, contudo, que havendo número muito grande de
litisconsortes facultativos (litisconsórcio multitudinário) a ponto de inviabilizar o
exercício da jurisdição, o juiz poderá propor o desdobramento das ações. Essa
atitude pode ser requerida pelo réu em contestação, desde que demonstre
prejuízo para o exercício de seu direito de defesa, sob pena de preclusão
(NERY JR.; NERY, 2007, p. 255). No entanto, parte da doutrina entende não
haver preclusão para essa alegação, pois se trata de justiça do processo que é
matéria de ordem pública (MARINONI; MITIDIERO, 2008, p. 132).
O típico litisconsórcio facultativo é o previsto no Código de Processo
Civil, artigo 46, inciso III, ou seja, o baseado na conexidade como: da vítima
acionando os responsáveis pelo fato delituoso; o credor acionando o devedor e
o respectivo fiador; vários credores solidários acionando o devedor comum. O
litisconsórcio facultativo impróprio é o previsto no inciso IV do referido artigo,
decorrendo da afinidade de questões; por exemplo: vários contribuintes
acionando a Fazenda Pública para haver repetição do pagamento do mesmo
imposto, por considerá-lo inconstitucional (SANTOS, 2008, p. 8-9).
2 A exigência do litisconsórcio ativo necessário e o conflito com o direito
de (não) demandar
2.1 O litisconsórcio necessário e o direito de ação
A excepcionalidade da formação do litisconsórcio necessário decorre da
restrição pelo mesmo ao direito de ação, na medida em que a legitimidade para
determinada demanda, seja ativa ou passiva, passa a pertencer a mais de uma
pessoa. Cada um dos titulares do direito de estar em juízo depende da
presença e vontade dos demais para completar a legitimidade ad causam.
A necessariedade pode decorrer da indivisibilidade da relação de direito
material e justifica-se pela inutilidade do provimento sem a presença de todos;
376
pode decorrer também por força de lei, com vista à maior utilidade do processo
e da atuação jurisdicional. No entanto, a finalidade de evitar conflito lógico de
julgados não justifica a necessariedade do litisconsórcio (DINAMARCO, 2009,
p. 247).
O litisconsórcio necessário no polo passivo implica somente a exigência
de que o autor inclua como réus na demanda todos os legitimados e, caso não
o faça, que o juiz ordene que sejam tomadas as providências necessárias à
integração dos litisconsortes, nos termos do Código de Processo Civil,
parágrafo único do artigo 47, sob pena de extinção do processo sem
julgamento de mérito. Ou seja, nessa hipótese, basta a manifestação de
vontade do autor no sentido de integrar aquela pessoa na relação na qualidade
de réu.
Conforme enfatiza Dinamarco (2009, p. 261), o problema se instala na
necessariedade do litisconsórcio ativo. Segundo o autor, verbis:
ou estão todos presentes e a parte ativa é legítima, ou
não estão e ele não dispõe de meios aptos a coagir os
demais a compartilhar de sua posição no processo.
Realmente, ninguém pode ser compelido a agir em juízo,
sendo autor ou exequente contra sua própria vontade.
Nesses casos, doutrina e jurisprudência não chegam a um consenso,
sendo várias as posições no sentido de solucioná-la.
Em alguns casos, a fim de evitar o problema mencionado, a própria lei
exclui a necessariedade do litisconsórcio ativo, utilizando de técnicas que
possibilitam que a decisão alcance o colegitimado sem que este atue como
litisconsorte. Dinamarco (2009, p. 255), na lição a seguir colacionada, bem
exemplifica a técnica legislativa mencionada:
Constitui eterna fonte de inseguranças a hipótese das
obrigações indivisíveis representada pela solidariedade
ativa (CC, art. 260). Trata-se sem dúvida de crédito
indivisível e, portanto, de uma relação jurídica incindível,
estando os credores solidários em estado de comunhão
no direito controvertido no processo (CPC, art. 46, inc. I).
O direito oferece uma solução pragmática, dispensando o
litisconsórcio (e, portanto fazendo-o facultativo), mas
estendendo ao credor ausente os efeitos da sentença
377
favorável – aquele que não participou do processo
receberá a sua parte, deduzidas as despesas na
proporção de seu crédito (CPC, art. 291).
A possibilidade da exclusão da necessariedade do litisconsórcio no polo
ativo por lei não se faz presente em todos os casos, sendo que nos demais
deve ser feita uma ponderação entre direito de ação e os demais direitos em
colisão ou se obter uma técnica processual que a este problema resolva.
2.2 Considerações doutrinárias e respectivas críticas
2.2.1 A admissibilidade excepcional do litisconsórcio ativo necessário e
sua averiguação diante do caso concreto
O litisconsórcio ativo necessário deve ser admitido nos casos em que
seja inevitável proferir uma decisão sem a presença de todos os interessados,
diante da impossibilidade de coagir alguém a ajuizar uma ação. O princípio da
demanda impõe à “lei e aos juízes um estado de inércia que só há de se
romper quando houver precisa e específica provocação da pessoa interessada”
(DINAMARCO, 2009, p. 262).
A princípio, não pode o juiz, o réu ou o próprio autor ampliar
subjetivamente o polo ativo da demanda sem que haja manifestação do
litisconsorte renitente nesse sentido.
A cada sujeito é dado escolher o momento para
demandar, pondo em ato a estratégia de ataque que lhe
pareça mais oportuna – e virá apenas quando estiver
seguro dos meios e provas de que dispõe, evitando
despesas ou o risco de suportá-las, escolhendo patrono
de sua preferência, etc. Não é lícito violar essa liberdade
toda que tradicionalmente se outorga ao demandante e
que, afinal, é a expressão do princípio da iniciativa da
parte, inerente ao sistema (DINAMARCO, 2009, p. 262).
Dinamarco (2009, p. 273) entende que em alguns casos o próprio
legislador dispensa a necessariedade do litisconsórcio, mas em outros o
magistrado deverá optar entre o direito de ação e a incindibilidade da relação
de direito. “O resultado a ser pleiteado mediante o processo há de ser
378
necessariamente querido por todos, sob pena de não poder ser obtido por
nenhum. Nesses casos o consenso é indispensável”.
Ou seja, o autor aceita a existência excepcional do litisconsórcio ativo
necessário, desde que o juiz entenda diante do caso concreto pela sua
exigibilidade.
Didier Jr. (2007) critica a posição adotada por Dinamarco (2009), pois
este transfere a identificação do litisconsórcio ativo necessário ao magistrado
quando houver o silêncio da lei. Segundo Didier Jr. (2007, p. 290), não há
diferença entre as situações que ensejam o litisconsórcio necessário, devendo
ou permitir a facultatividade do litisconsórcio, ou vedar a legitimação conjunta
ativa (litisconsórcio ativo necessário) e preservar o direito de ação.
A crítica apresentada à possibilidade de se admitir excepcionalmente o
litisconsórcio ativo necessário, averiguando-se diante do caso concreto sua
existência ou não, é pertinente em razão da segurança jurídica que se exige o
sistema.
Uma solução casuística ao problema não apenas deixa de resolver o
problema da formação do litisconsórcio ativo necessário, como também gera
incertezas aos demandantes em relação àquela demanda. Não será possível
sequer prever se o juiz extinguirá o processo por carência de ação em razão da
ausência do litisconsorte ou se prosseguirá sem o mesmo, proferindo sentença
de mérito que também o abarcará.
2.2.2 O litisconsórcio necessário ativo como réu
A garantia constitucional do direito de ação impede que a atitude de uma
das partes da relação de direito material impeça a outra de litigar. Se, em razão
da relação de direito material, necessária for a formação do litisconsórcio e um
dos litisconsortes não quiser litigar em conjunto com o outro, ofenderá, a
princípio, o direito de ação, pois o direito de ir a juízo estaria condicionado à
vontade de outrem.
Segundo Nery Jr. e Nery (2007), o autor poderá sozinho ajuizar a ação,
devendo incluir o litisconsorte que deveria necessariamente participar (no polo
ativo) daquela ação no polo passivo na qualidade de réu. Justifica-se referida
posição, pois aquele que não quer participar como litisconsorte ativo está
resistindo à pretensão do autor, sendo também réu.
379
Embora o litisconsorte não possa ser obrigado a litigar como autor, ou
seja, não pode ser obrigado a ajuizar uma ação, ele pode ser citado e, assim,
integrado de maneira forçada à relação processual como réu. Integrado no
processo, terá opção de permanecer como réu ou de integrar o polo ativo
juntamente com o autor, seu litisconsorte necessário. Sobre o tema, completam
Nery Jr. e Nery (2007, p. 875), verbis:
Em qualquer dos dois casos, a sentença será dada em
relação a ele, litisconsórcio necessário renitente, e
produzirá normalmente seus efeitos. O que importa, para
que se cumpra a lei e se atenda aos preceitos do sistema
jurídico brasileiro, é que os litisconsortes necessários –
isto é, todos os partícipes da relação jurídica material
discutida em juízo – integrem a relação processual, seja
em que polo for.
Haverá a formação de um litisconsórcio ativo não íntegro, mas
soluciona-se o problema com a citação daquele que participa da relação de
direito material e se recusa a litigar como autor. Embora ele tenha o direito de
não demandar como autor, ele não poderá recusar-se a ser réu.
Integrando a relação o litisconsorte necessário do autor (ainda que no
polo passivo, como réu), a sentença proferida poderá produzir efeitos em
relação a ele, suprindo-se a exigência do direito material e do direito
processual.
No entanto, a posição apresentada por Nery Jr. e Nery (2007) é também
criticada por Didier Jr. (2007) em vários aspectos. Oss autores não informam
se o pedido será feito um contra o réu e outro contra o litisconsorte renitente,
nem se isso seria possível diante do Código de Processo Civil, artigo 292,
segundo o qual os pedidos cumulados devem ser feitos em relação a todos os
réus (Didier Jr., 2007, p. 288-289).
Critica-se, ainda, a possibilidade daquele que deveria ser litisconsorte
juntamente com o autor poder deixar de ser réu, pois, a princípio, ninguém
pode optar em uma relação processual por não ser réu. Por fim, critica com
referida posição com a seguinte conclusão:
[...] o litisconsorte recalcitrante será citado como réu,
circunstância
frisada
em
diversos
momentos,
380
litisconsórcio ativo não há no processo, que se estrutura
subjetivamente da seguinte forma: A contra B (réu
originário) e C (litisconsorte renitente). Pelo que se vê,
forma-se um litisconsórcio passivo, e não ativo (DIDIER
JR., 2007, p. 288-289).
A possibilidade de citar o litisconsorte ativo necessário para integrar a
demanda como réu, ainda que solucione a questão de direito material no
sentido da participação do renitente na solução da lide que lhe diga respeito,
não resolve de todo a questão sob o aspecto processual.
A insuficiência da corrente apresentada inicia-se a partir da colocação
“litisconsorte ativo necessário” como “réu”. Esta, por si só, já denota deixar de
ser uma situação de litisconsórcio ativo, pois a pluralidade subjetiva estaria
concentrada no polo passivo da demanda.
Outra demonstração de insuficiência da mesma relaciona-se aos
pedidos feitos pelo autor, que deveriam ser os mesmos a todos os réus, e à
atuação deste então chamado “litisconsorte passivo necessário” na posição de
réu, mas com interesse igual ou ao menos mais próximo ao do autor da
demanda.
2.2.3 Negação da existência de litisconsórcio ativo necessário
A existência do direito constitucional de acesso à justiça impede que o
direito de ir a juízo seja condicionado à vontade de outrem. Assim, a existência
do litisconsórcio ativo necessário viola tal direito na medida em que esta
impedindo o exercício do direito de ação de uma das partes (DIDIER JR., 2007,
p. 286).
Pela razão apresentada, parte da doutrina entende no sentido da
inexistência do litisconsórcio ativo necessário. Fundamenta-se na tese de que
ninguém pode ser coagido a demandar, nem, por outro lado, ter seu direito de
ir à juízo condicionado ao arbítrio de outrem.
Em razão do Código de Processo Civil determinar a citação de todos os
legitimados, Barbi (1981) entende que os casos de litisconsórcio necessários
ocorrerão somente no polo passivo, pois citação faz-se somente de réu e não
de autor. Referido autor somente aceita excepcionalmente o litisconsórcio ativo
necessário quando a lei assim determinar.
381
Todas as peremptórias negativas à existência de um litisconsórcio ativo
necessário significam “deixar vazios de julgamento, com risco de contradições
práticas que poderiam ocorrer” (DINAMARCO, 2009, p. 258).
O esforço legislativo não é capaz de abarcar e regulamentar todos os
possíveis casos de litisconsórcio ativo necessário, razão pela qual não se pode
simplesmente negar sua existência doutrinariamente e abster-se de resolver o
problema.
3 A jurisprudência e o litisconsórcio ativo necessário
A jurisprudência não se posiciona de forma uníssona sobre o tema do
litisconsórcio ativo necessário. Em alguns casos, ele é admitido e reafirmado;
em outros, é refutado com veemência.
Há decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ele ser
cabível apenas em situações excepcionais, diante da impossibilidade de forçar
alguém a litigar como autor. Senão, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO
ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. LITISCONSÓRCIO
ATIVO
NECESSÁRIO.
DESNECESSIDADE.
LEI
8.213/91. PRINCÍPIO DA ECONOMIA E FINALÍSTICA
PROCESSUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. 1.
Somente há que se falar em litisconsórcio ativo
necessário em situações excepcionais, uma vez que
ninguém pode ser compelido a comparecer nos autos
como autor. 2. A hipótese sob análise não configura esta
circunstância excepcional, pois a Lei 8.213/91 dispõe em
seu art. 76 que a concessão de pensão por morte não
será protelada pela falta de habilitação de outro possível
dependente. 3. Em face dos princípios da economia e
finalística processual, impõe-se reconhecer que a
anulação do feito, no estágio em que se encontra e
após transcorrido grande lapso temporal, configuraria
prejuízo inegavelmente maior às filhas do que a
ausência delas na relação processual. Ao contrário, a
decisão favorável obtida pela esposa do segurado
beneficiará as suas descendentes, pois a pensão por
morte se reverterá para o âmbito familiar de que fazem
parte. 4. Recurso Especial provido (REsp 956.136/SP,
2007, p. 219)[grifos meus].
No julgado colacionado, o Tribunal Superior entendeu ser maior o
prejuízo trazido pela anulação do processo à litisconsorte que não participou do
382
mesmo (a qual, a princípio seria uma litisconsorte ativa necessária) que a
prolação de uma decisão sem sua participação. Fundamentado na economia e
na finalidade do processo, decidiu por manter a decisão que beneficiária a
litisconsorte (necessária) que não atuou no polo ativo da relação jurídica.
Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça também reconhece a
legitimidade ativa ad causam isolada de empresa cedente de mão-de-obra e de
tomadora de serviço para questionar retenção de contribuição previdenciária,
reafirmando a posição da excepcionalidade da admissibilidade de litisconsórcio
ativo necessário, por envolver limitação a direito constitucional de agir, verbis:
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO DE 11%. PROCESSUAL
CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA. LITISCONSÓRCIO
ATIVO. DESNECESSIDADE. MÉRITO. RETENÇÃO DE
11%. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS.
LEGALIDADE.
RECURSO
PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. À falta do indispensável prequestionamento, não se
conhece do recurso especial em relação à violação dos
arts. 480 a 482 do CPC (Súmulas 282 e 356 do STF). 2.
Tanto a cedente de mão-de-obra como a tomadora do
serviço têm legitimidade ad causam para questionar,
em juízo, a retenção de onze por cento (11%). Isso
porque o valor retido deve ser descontado na nota fiscal
ou fatura pela tomadora, e tal valor está sujeito à
restituição por parte da cedente, quando do recolhimento
da contribuição previdenciária, conforme dispõe o art. 31
da Lei 8.212/91, com redação dada pela Lei 9.711/98. 3.
Não há previsão legal no sentido da necessidade de
formação de litisconsórcio necessário entre a
empresa prestadora do serviço e a tomadora, de
maneira que a relação processual entre essas empresas
não se enquadra na previsão do art. 47 do CPC.
Ademais, consoante entendimento desta Corte, a
admissibilidade de litisconsórcio ativo necessário
envolve limitação a direito constitucional de agir;
portanto, somente excepcionalmente pode-se admitilo. 4. A retenção de onze por cento (11%) a título de
contribuição previdenciária, na forma do art. 31 da Lei
8.212/91, com a redação introduzida pela Lei 9.711/98,
não configura nova modalidade de tributo, mas tãosomente alteração na sua forma de recolhimento, não
havendo qualquer ilegalidade nessa sistemática de
arrecadação. 5. Na referida sistemática prevista no art. 31
da Lei 8.212/91, a empresa tomadora de serviços é
responsável tributária pelo regime de substituição
383
tributária. No caso, essa desconta parte do valor devido à
Previdência
Social,
responsabilizando-se
pelo
recolhimento por meio de destaque na nota fiscal ou na
fatura. Posteriormente, a cedente de mão-de-obra
procede à compensação do valor, quando do
recolhimento incidente sobre a folha de salário. Há, então,
apenas um adiantamento de parte do recolhimento, sem
alteração de alíquota ou base de cálculo. 6. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido (REsp 803.217/SP, 2006, p. 241)
[grifos meus].
E
permanece
o
referido
Tribunal
Superior
reafirmando
a
excepcionalidade em razão da limitação do direito constitucional de agir:
PROCESSO
CIVIL.
LITISCONSÓRCIO
ATIVO
NECESSÁRIO. EXCEÇÃO AO DIREITO DE AGIR.
OBRIGAÇÃO
DE
DEMANDAR.
HIPÓTESES
EXCEPCIONAIS. RECURSO PROVIDO. I - Sem
embargo da polêmica doutrinária e jurisprudencial, o tema
da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo
necessário envolve limitação ao direito constitucional
de agir, que se norteia pela liberdade de demandar,
devendo-se
admiti-lo
apenas
em
situações
excepcionais. II - Não se pode excluir completamente
a possibilidade de alguém integrar o polo ativo da
relação processual, contra a sua vontade, sob pena
de restringir-se o direito de agir da outra parte, dado
que o legitimado que pretendesse demandar não
poderia fazê-lo sozinho, nem poderia obrigar o colegitimado a litigar conjuntamente com ele. III - Fora
das hipóteses expressamente contempladas na lei (verbi
gratia, art. 10, CPC), a inclusão necessária de
demandantes no polo ativo depende da relação de direito
material estabelecida entre as partes. Antes de tudo,
todavia, é preciso ter em conta a excepcionalidade em
admiti-la a vista do direito constitucional de ação (Resp
141.172/RJ, 1999, p. 190)[grifos meus].
Conclui-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não
nega a existência do litisconsórcio ativo necessário, mas na maioria dos casos
afirma sua desnecessidade em razão da prevalência do direito de não
demandar em relação ao direito de ação.
384
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, nos julgados a seguir
colacionados, também admite a existência de litisconsórcio ativo necessário,
desde que demonstrada a inevitabilidade:
Agravo regimental. Alegação da existência de
litisconsórcio ativo necessário no mandado de segurança
contra decreto que declara de interesse social para fins de
reforma agrária imóvel rural. - Pela petição indeferida, da
qual se deduzia que o litisconsórcio seria decorrente da
controvérsia sobre a propriedade do imóvel expropriado, a
fundamentação desse despacho foi a do despacho a fls.
91 e que está correta: ‘para haver litisconsórcio ativo
necessário, unitário ou facultativo, é preciso,
primeiramente, que os consortes sejam legitimados
para agirem como autores conjuntamente, o que não
sucede no caso em que o requerente pretende ser
litisconsorte ativo necessário do impetrante por sustentar
que este não possui legitimidade ativa por não ser o
proprietário nem o possuidor do imóvel, sendo ele, que
afirma ser o titular da propriedade em causa, o único
legitimado ativo’. Já agora, pelo acordo a que a ora
agravante-impetrante alude na petição de agravo
regimental, a Indústria Açucareira em causa, ao que
parece, não mais é a proprietária do imóvel a ser
expropriado, o que implica dizer que o desfecho desse
mandado de segurança não terá qualquer repercussão
com referência a esta, para caracterizar-se a hipótese
prevista no ‘caput’ do artigo 47 do C.P.C.: ‘Há
litisconsórcio necessário, quando por disposição de lei ou
pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a
lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que
a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os
litisconsortes no processo’. Agravo a que se nega
provimento (MS 23135 AgR-AgR, 1999)[grifos meus].
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA. LEI DE
REGISTROS PÚBLICOS. LITISCONSÓRCIO ATIVO
NECESSÁRIO. I. IMPERTINÊNCIA DA INVOCAÇÃO DO
ART. 213, PAR-2. DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS.
II. NÃO CABE COGITAR DE LITISCONSÓRCIO ATIVO
NECESSÁRIO, NA FALTA DE EVIDÊNCIA DA SUA
INEVITABILIDADE.
AGRAVO
REGIMENTAL
DESPROVIDO (ACO 330 AgR, 1984) [grifos meus].
A jurisprudência pátria aceita a existência do litisconsórcio ativo
necessário em casos excepcionais, demonstrada a inevitabilidade. Critica-se a
jurisprudência sobre o tema, pois traz ao aplicador do direito à insegurança,
385
pois não poderá adivinhar se no caso específico o julgador optará por preservar
a incindibilidade da relação ou o direito constitucional de ação.
Considerações finais
O litisconsórcio é instituto processual que permite a tutela de interesses
relativos a mais de uma pessoa, em uma mesma relação processual, em razão
da fonte da qual originam os referidos direitos.
Nos casos em que a formação do litisconsórcio é necessária, não se
pode, a princípio, litigar sem a presença de todos aqueles que têm relação com
a tutela do direito em questão. Se a necessariedade se der no polo passivo,
fácil é a solução, pois, não havendo formação do mesmo, cabe ao juiz
determinar ao autor que tome providências no sentido de constituí-lo, ou seja, o
juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes
necessários, sob pena de declarar extinto o processo.
Sendo a necessariedade litisconsorcial presente no polo ativo, há o
conflito entre estar em juízo exercendo seu direito de ação, na defesa de seus
interesses, e o direito de não demandar do litisconsorte renitente, o qual não
pode ser coagido a compartilhar o polo ativo da relação processual.
Dinamarco (2009), conforme abordamos no decorrer do presente
trabalho, propõe a solução de que o juiz decida acerca da admissibilidade do
litisconsórcio ativo necessário somente nos casos em que seja impossível
proferir uma decisão sem a presença de todos os interessados. A princípio, não
cabe ao juiz ampliar subjetivamente o polo ativo da demanda sem que haja
manifestação do litisconsorte renitente. No entanto, em hipóteses excepcionais,
entende o autor cabível a formação forçada do litisconsorte ativo, sob pena de
afrontar de forma severa o direito de ação de outrem que lhe é dependente.
Essa solução apresentada, além de não resolver o problema, gera grande
insegurança ao jurisdicionado.
Nery Jr. e Nery (2007) advogam no sentido de que o autor ajuíze a ação
e inclua o litisconsorte que deveria necessariamente participar (no polo ativo)
daquela ação na qualidade de réu. Segundo o autor, se não quer participar
como litisconsorte ativo, está resistindo à pretensão, sendo também réu. Nesse
caso, uma vez integrado no processo o litisconsorte renitente, caberá a ele a
opção de permanecer como réu ou de integrar o polo ativo, juntamente com o
386
autor, na posição de litisconsorte necessário. Dessa forma, a sentença
proferida poderá produzir efeitos em relação a ele, suprindo-se a exigência do
direito material e do direito processual. As criticas apresentadas à solução
proposta relacionam-se a como se dará o pedido do autor e em relação à
possibilidade de alguém optar em uma relação processual por não ser réu.
Barbi (1981) entende que não existe o litisconsórcio ativo necessário,
pois, para ele, ninguém pode ser coagido a demandar, nem, por outro lado, ter
seu direito de ação condicionado ao arbítrio de outrem. Segundo o autor,
somente seria cabível quando a lei expressamente determinar, o que é
praticamente inviável diante de todos os possíveis casos de litisconsórcio ativo
necessário. Critica-se o autor por simplesmente negar a existência do
litisconsórcio ativo necessário e abster-se de resolver o problema.
Diante das doutrinas apresentadas, verifica-se não haver consenso em
relação a qual melhor técnica processual a ser utilizada para solucionar o
direito daquele cuja pretensão depende da presença de outrem no polo ativo,
presença essa negada sob o fundamento do direito de não demandar.
A jurisprudência, seguindo a corrente de Dinamarco (2009), conforme se
verifica a partir de julgados apresentados, decide diante do caso concreto quais
casos em que há a inevitabilidade da formação do litisconsórcio necessário no
polo ativo. Decide, sempre, pela excepcionalidade do instituto, vez consistir em
limitação constitucional ao direito de demandar.
Por fim, diante de todas as doutrinas estudadas, verifica-se que a teoria
de Dinamarco (2009), que apesar de causar certa insegurança, é a melhor
teoria para solucionar o conflito entre o litisconsórcio ativo necessário e o
direito de não demandar.
Referências
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julgado em 11/10/1984, DJ 08-11-1984 PP-18765 EMENT VOL-01357-01 PP00027 RTJ VOL-00073-03 PP-00670.
BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1981.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., amp. e atual.
Salvador: Podivm, 2007. p. 277.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., amp. e atual.
Salvador: Podivm, 2007. p. 288-289.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
387
Malheiros, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil
comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 131.
MS 23135 AgR-AgR, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno,
julgado em 17/06/1999, DJ 06-08-1999 PP-00041 EMENT VOL-01957-01 PP00202.
NERY JR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 256.
O litisconsórcio facultativo ativo ulterior e os princípios do “juiz natural” e do
“devido processo legal”. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Ano
1, n. 1, p. 28, set./out. 1999.
REsp 956.136/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 14/08/2007, DJ 03/09/2007. p. 219.
REsp 803.217/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 08/08/2006, DJ 31/08/2006. p. 241.
Resp 141.172/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 26/10/1999, DJ 13/12/1999, p. 150.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. II.
24 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 2.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista. Curso de Processo Civil: processo de
conhecimento. Vol. I. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 247.
388
LA CRISIS DE 1929 Y SUS DISTINTAS EXPLICACIONES Y
CONSECUENCIAS
Luciano Isaac – IPTAN
Mestre em Economia - Faculdad de Ciencias Económicas – Buenos Aires
E-mail: [email protected]
Introducción
Sin lugar a dudas, el suceso económico más recordado del siglo XX es
la Gran Depresión de los años 30, que comienza con una jornada histórica en
la Bolsa de New York, que se quedaría para la historia como “el jueves negro”.
La crisis impactó fuertemente a la política europea dando todavía más fuerza a
los críticos de la democracia liberal, como Benito Mussolini, que ya imperaba
en Italia desde 1922 y los nacionales-socialistas en Alemania, que tomarían el
poder en 1933. Así ocurrió en todo el continente europeo, de forma dramática.
También en América Latina las consecuencias fueron superlativas, con la caída
de dinastías terratenientes, que de la noche al día, se veían pauperizadas por
la falta de exportación. Hay quienes digan que en este momento surge, con
más fuerza, los planteos de industrialización en la región, por su cíclica
vulnerabilidad externa. En Estados Unidos, la mayor potencia del planeta, pero
que todavía muy sesgada por el aislacionismo, las consecuencias fueron
brutales: kilómetros de filas de personas sin empleo, bancos sin fondos para
pagar a sus depositantes y suicidios de los techos de los edificios. La crisis hizo
evidente la contracara del crecimiento económico impresionante que
experimentaban los Estados Unidos, es decir, la cara de la pobreza, que hasta
este entonces no tenia cualquier protección de parte del Estado. La respuesta a
una crisis tan seria y profunda no podría ser sino igualmente profunda: el New
Deal de Franklin Delano Roosevelt echó las bases para el moderno estado
estadounidense y dejó la semilla para una de las corrientes del pensamiento
económico más importantes del siglo – el keynesianismo.
1 Desigualdad en medio a la prosperidad.
Para Fabio Nigra la Gran Depresión se explica primordialmente por la
desigualdad. Los otros factores, según se puede notar en su lectura, son
dependientes de esta causa primera. Su historia inconformista de los Estados
Unidos va en contra la historiografía corriente que pone un rol destacado en los
389
consensos en la historia estadounidense, así como en factores de difícil
mensuración o casi espirituales, como los valores del intrépido self-made man
o el destino manifiesto al pueblo estadounidense y su desarrollo inevitable.
Nigra señala que la desocupación ya venía en una trayectoria ascendiente
desde mediados de la década del 20, cuando ocurrió el gran boom económico
que precedió el crash de la Bolsa de New York. Es más, mitad de la población
vivió esta década de crecimiento económico acelerado bajo la línea de la
pobreza, mientras que el 0,1% poseía ingresos superiores al 42% de la
población (NIGRA, 2007, p. 123).
La brutal desigualdad mencionada arriba fue, en la visión de Nigra, en
cuello de botella para la demanda privada y, luego, para la expansión de las
ventas de las empresas y de los negocios, cuyos productos empezaron a no
encontrar salida hacia el final de la década del 20. Por eso, los empresarios e
industriales se volvieron hacia el mercado bursátil a fin de maximizar sus
ganancias, lo que generó una irracional expansión, además de retornos
altamente artificiales del sector terciario (…) lo que generó la distorsión que
haría estallar la crisis (NIGRA, 2007, p. 124).
Nigra, que adopta el análisis marxista, menciona también los sectores
primario y secundario de la economía. Respecto al sector primario, es decir, la
producción agrícola, la firma de la Ley Smoot-Hawley empeoró a la crisis pues
a la medida proteccionista de los Estados Unidos, en este entonces ya el país
más rico del mundo, se siguieron medidas similares en 25 países lo que
disminuiría el mercado para las exportaciones estadounidenses. Cabe notar
que la crítica hacia dicha tarifa es compartida por el marxista Fabio Nigra y los
autores liberales. Sin embargo, esta no es la clave para comprender la
depresión en el libro de Nigra, si no un factor agravante más (la personalidad y
la clase social del presidente Herber Hoover también influyeron como veremos
adelante). Para Nigra el centro del problema se halla en la desigualdad, y en el
campo esta se manifestaba de la siguiente manera:
Los datos estadísticos resultan elocuentes, ya que en todos los rangos la
pauta es de concentración de la propiedad. Las granjas por debajo de los diez
acres eran 289 mil en 1920, cuando comenzó la expansión, que llegó a
sostener unos 378 mil en 1925. Sin embargo, su cantidad se reduce a 358 mil
para 1930. Por el contrario, si bien las granjas de más de 1.000 acres sufrieron
390
parte de la crisis, en el peor momento lograron expandirse, es decir, de 67 mil
que había en 1920 se llegó a 81 mil en 1930 (NIGRA, 2007, p. 127).
En cuanto al sector secundario Nigra sigue su argumentación sobre la
desigualdad, que en ciertos momentos del texto remiten a los “tiempos
modernos” de Charles Chaplin envuelto en una maquinaria impersonal e
incesante, donde la policía reprimía simplemente a los trabajadores. El
trabajador promedio incrementó sus ingresos en U$ 176 entre los años 1919 y
1927, mientras que el incremento de la clase alta (ingresos de por lo menos U$
5.000 al año) fue de $ 2.151 (NIGRA, 2007, p. 129). En otras palabras, la
brecha entre pobres y ricos aumentaba en la velocidad de la expansión
económica de los locos años 20. Otro dato llama la atención, especialmente
para uno creado en un mundo donde las legislaciones laborales son un hecho
por sentado:
En 1929 la cantidad de horas necesarias para hacer lo mismo que en
1919 se redujo sensiblemente: para este año el promedio de trabajo era de 52
horas semanales; mientras que para 1929, lograr la misma producción requería
solamente 34; sin embargo, la patronal estableció una semana de trabajo de 50
horas (NIGRA, 2007, p. 130).
Nigra señala, aun, la pérdida de poder de compra relativa de los
trabajadores del cultivo de algodón respecto a las clases industriales y
rentistas. Es más, esta brecha demostrada exhaustivamente por el autor con
datos concretos se dio en un momento de gran crecimiento económico y gran
ganancia de productividad. La cuestión, entonces, es: ¿Quiénes se apropiaron
de este PIB adicional?
2 Pánicos financieros antecedentes a 1929.
Mucho de esta riqueza generada se volcó hacia la especulación en el
mercado bursátil, que traía altos retornos con un pequeño esfuerzo. Aparte el
componente especulativo de los agentes privados, Nigra menciona también el
comportamiento del Federal Reserve (principalmente de la sucursal de New
York, que se puede imaginar que estaba copada por miembros de los bancos
locales) que sirvió como un incentivador de la burbuja, manipulando las tasas
de interés de un modo que benefició a quienes operaban en el mercado. Había,
aun, casos que rozaban a la conducta delictiva (NIGRA, 2007, p. 139) como
391
aquellos donde se vendían títulos de empresas al borde de la bancarrota, como
si estuvieron operando normalmente.
En este punto, hay que mencionar a una importante obra de Charles
Kindleberg, cuya historia de las crisis financieras es explicada por ejemplos
históricos. En el primer párrafo de la obra dice que “las crisis financieras se
asocian a los puntos máximos de los ciclos económicos” (KINDLEBERG, 1984,
19), aunque aclare, líneas después, que “no todos los auges económicos son
excesivos y conducen inevitablemente a la manía y el pánico, pero el patrón se
da con la suficiente frecuencia y uniformidad.” En la lectura de Kindleberg se
percibe un patrón claro de recurrencias en las crisis financieras. El estallido,
para
él,
siempre
será
un
shock
exógeno
que
sacude
el
sistema
macroeconómico, sea una cosecha abundante, el fin de una guerra, un invento
de efectos penetrantes o un suceso político sorprendente. Cuanto a los objetos
de especulación, pueden ser materias primas, bienes manufacturados, títulos
nacionales, terrenos e inmuebles, contractos de compra y venta de bienes y
divisas (KINDLEBERG, 1984, p. 36). Es decir, todo puede ser objeto de
especulación bursátil.
La crisis estallada el 1929 en Estados Unidos fue la más grande y
profunda del capitalismo hasta aquel momento, pero no es verdad que un
episodio de dicha naturaleza fuera inédito. David S. Landes sugiere que la
crisis de 1873 – estallada en Europa - tuvo la profundidad de la “mayor
deflación de la historia del hombre”, donde “Los precios cayeron en un
promedio de (…) 1/3 en todos los productos. Las tasas de interés también
cayeron, llevando a creer los observadores de la escena económica de la
época que el capital se tornaba tan abundante al punto de llegar a ser una
mercancía gratuita (LANDES, 2005, p. 239).” En 1890 otra crisis de
consecuencia sistémica tuvo su epicentro en Argentina, en este entonces, uno
de los países con producto total más grande del mundo.
Para el caso argentino observamos, tal cual, ocurre en los Estados
Unidos de la década del 20, un boom que precede el quiebre general. Por
ejemplo, A fines de 1880, “una firma de Liverpool compró una estancia de 72
leguas cuadradas. La fraccionó en estancias de ovejas y a los cuatro meses
volvió a vender las tierras en 72.000£, operación que le reportó una ganancia
del 350%”. Esta operación demostraba, según escribió el director de The South
392
American Journal, “que no hemos incurrido en exageración alguna al afirmar,
como lo hemos hecho frecuentemente, que ningún país del mundo ofrece al
capital extranjero mayores ventajas que la Republica Argentina” (FERNS, 1966,
p. 393). El monte total de inversiones británicas (estimadas) dan una idea más
clara del boom económico por el cual pasó Argentina en esos años: Antes de la
presidencia de Julio Roca, las inversiones sumaban 25 millones de libras. En el
año de 1885 la cifra era de 45 millones de libras y, finalmente, hacia 1890, las
inversiones alcanzaban 150 millones de libras. Es más, “1889 fue en verdad un
annus mirabilis, en el cual la Argentina absorbió entre el 40 y el 50% de todas
las inversiones británicas hechas fuera del Reino Unido” (FERNS, 1966, p.
397). La diferencia entre los casos, cabe destacar, es que en Estados Unidos
los capitales eran endógenos y no oriundos de inversores externos, pero la
caída posterior sería igualmente dañina y dramática que en las crisis
financieras de 1873 y 1890.
En resumen, las cuestiones realmente importantes son: ¿Qué podría
haber hecho la autoridad monetaria para cohibir a la manía financiera instalada
en los 1920? ¿Por qué la respuesta del gobierno Hoover fue, tras el estallido
del 1929, tan tímida? En seguida veremos las causas y motivaciones del
accionar del presidente Herbert Hoover, así como de su sucesor, el gobernador
de New York, Franklin Delano Roosevelt, y luego llegaremos al debate sobre la
crisis del 1929 entre Miltom Friedman y John Kenneth Galbraith, que tendría
destacada importancia para la teoría económica posterior.
3
La timidez de Hoover y el activismo de Roosevelt.
En el presente estudio no me interesan tanto los rasgos de personalidad
de Herbert Hoover y Franklin Delano Roosevelt, sino que las consecuencias
sociales y históricas de las políticas adoptadas por ambos, cuando ocuparon la
butaca de presidente de los Estados Unidos. Decirlo no significa que los datos
biográficos no sean importantes en la acción de un político, ya que no se puede
perder de vista que se está tratando de una persona en definitiva, pero
analizarlo nos obligaría a estudios biográficos y psicológicos comparativos que
exceden mucho las limitaciones de espacio y la ambición de esta pequeña
investigación.
393
Nigra destaca la timidez de las políticas de combate a la crisis de parte
de la administración Hoover. En sus palabras, el presidente no se comportó
como un estadista decimónico, sino como uno de los más lúcidos de la clase
dominante, quien tomó todas las medidas posibles con un marco teórico que no
alcanzó a solucionar las contradicciones (NIGRA, 2007, p. 146). Es decir, el
mundo de Herbert Hoover ya no más existía. Estaba upside down para usar la
expresión que Christopher Hill empleó para sintetizar a la Revolución Inglesa
del 1670. De hecho, no le pasó solamente a Hoover, pero también a toda la
corriente dominante de economistas de aquel entonces, que aprendieron su
“ciencia” de los libros de Leon Walras y Alfred Marshall, basados en la Ley de
Say. Estos, tal cual Edmund Burke en el siglo XVIII, no se dieron cuenta de los
cambios del mundo desde fines del siglo XIX. Todavía vivían en su belleepoche donde una recesión podría ser ajustada a través de despidos de
trabajadores y un nuevo nivel de salario, más bajo. El tema es que dicha teoría
económica no se había escrito para una sociedad de masas casi urbana y un
mundo con sindicatos muy fuertes. Hoover no era un hombre de este nuevo
mundo y seguía creyendo que el papel del Estado era solamente incentivar al
asociativismo de individuos y empresas, y luego no compartía a la idea de
intervención directa en la economía patrocinada por el Estado.
Al contrario de Hoover, Franklin Delano Roosevelt sí pudo hacer la
lectura de este nuevo momento histórico: Roosevelt creó programas de auxilio
a los pobres, frentes de trabajo e incluso empresas estatales, lo que en la
cultura política estadounidense es casi sinónimo de socialismo. Roosevelt
innovó no solamente en el ámbito de las políticas económicas, sino que
también en su comunicación con los electores, lo que es destacado por William
Leuchtenburg: ya en su primera conferencia de prensa suprimió los
cuestionarios escritos y comunicó a los periodistas que podían hacerle
preguntas espontáneas. Todavía en Leuchtenburg se nota un rasgo de
Roosevelt que hace acordar a los líderes populistas e incluso fascistas de
aquellos tiempos: dijo cierta vez un ciudadano común que en sus charlas
informales, hablaba como un padre que estuviera en el living explicándole a su
familia los problemas del país (PONZI, 2003, p. 99). La mera semejanza
discursiva o en el uso de los medios entre FDR (como se conocía a Roosevelt)
y estos líderes como Perón o Mussolini, guardando las diferencias entre cada
394
país, comprueba que se trataba de un líder de una sociedad de masas y no un
noble de la política antigua restricta a pequeños sectores de la sociedad. Esta
interpretación se encuentra también en Leuchtenburg: cuando Roosevelt
asumió la presidencia, el país respondía, en gran medida, a la clase social de
propietarios blancos, anglosajones y protestantes; sin embargo cuando se
implementó el New Deal, nuevos grupos comenzaron a tener protagonismo
(PONZI, 2003, p. 100).
En el ámbito de las políticas económica, FDR basó sus acciones en los
heréticos escritos del británico John Maynard Keynes, quien a su vez se
inspiró, en su obre demoledora de la ortodoxia de aquel entonces, en la
experiencia de la socialdemocracia sueca. Más allá de “meramente” impactar
en la economía, el New Deal de FDR impactó en la mente de los
estadounidenses, que pasaron, a partir de ahí, a mirar al Estado de otra
manera, y se puede decir, incluso, con una fe renovada en la acción estatal. La
cita siguiente provee un buen ejemplo de esto:
Roosevelt insistió en poner en práctica un audaz proyecto que consistía
en plantar hileras paralelas de árboles para formar una gigantesca barrera de
protección que se extendería desde los estados de Dakota del Norte y Dakota
del Sur hasta Virginia Occidental. En total se plantaron más de doscientos
millones: álamos de Virginia y sauces, almezos y cedros, olivos rusos y
naranjos Osage; en el término de seis años la visionaria barrera contra el viento
ideada por el presidente logró convencer a los que antes la criticaban. El
espíritu que impulsaban estas innovaciones generó un nuevo entusiasmo con
respecto al potencial del gobierno (PONZI, 2003, p. 95).
Es interesante notar que el cambio cultural por lo que pasaron los
Estados Unidos de los años Roosevelt fue bastante más profundo de lo que es
mencionado en la bibliografía oficial o que supone el saber convencional sobre
la época, cuya énfasis se pone solamente en el aspecto económico (y no en el
social) de los programas del New Deal. Para comprobarlo basta verificar los
libros escolares o el abordaje corriente en los medios respecto al tema. Una
vez más Leuchtenburg sintetiza la cuestión:
En la década de 1930, el individualismo del siglo XIX dio lugar a un
nuevo énfasis en la seguridad social y la acción colectiva. (…) el énfasis puesto
en la esfera nacional implicó un rechazo especifico a los valores de la década
395
de 1920. Roosevelt criticó esa época y la tildó de “década de libertinaje”,
Tugwell calificó a esos años de “década de progreso vano, que no contribuyó a
forjar un futuro realmente mejor”, Morris Cooke deploró los “días de carrozas
doradas” de 1929, y Alben Barkley percibió esa década como un “carnaval”
arruinada por la “hedionda pestilencia del liberalismo financiero” (PONZI, 2003,
p. 105).
Es suma, la administración de FDR cambió el centro del debate político
en Estados Unidos hacia el Estado, de la misma manera que la elección del
republicano Ronald Reagan lo hizo en 1980, pero en la dirección opuesta,
hacia un mayor control privado de la economía y un mayor individualismo en el
discurso. Brad Wiley (PONZI, 2003, p. 110) se pone en acuerdo con esto, pero
hace un hincapié más insistente de que solamente la entrada en la Segunda
Guerra Mundial pudo bajar los niveles de desempleo y hacer subir los niveles
de renta media en el país a aquellos índices anteriores al crack del 1929. Esto
es cierto, y Leuchtenburg – en cuya lectura trasparece simpatía por el New
Deal – no lo niega, pero sí plantea que las políticas llevadas a cabo en estos
años
echaron
las
bases
para
el
funcionamiento
del
moderno
Estadoestadounidense.
4 El debate entre Galbraith y Friedman.
John Kenneth Galbraith, economista canadiense, galardonado con un
premio Nobel, naturalizado estadounidense y funcionario en administraciones
demócratas
menciona
que
el
alza
financiera
fue
generado
en
las
administraciones republicanas, primero con Calvin Coolidge y su Secretario del
Tesoro Andrew W. Mellon (Bank of New York Mellon, agrego de mi parte), y
después con Herbert Hoover. Galbraith, un keynesiano, señala que
administraciones republicanas suelen ser pro desreglamentaciones financieras,
y constantemente en su texto menciona a los altísimos niveles de
endeudamiento a los cuales eran expuestos agentes en el mercado bursátil y
empresas, el llamado leverage, que llevaría empresas a la bancarrota y
empresarios de gran éxito y prestigio antaño al suicidio. La crisis del 29
también sirvió, en esta visión, para sepultar a la hegemonía de las ideas
liberales en la discusión económica. Usando particular ironía, Galbraith apunta
que: economistas profesionales fueron especialmente cooperativos en avanzar
396
con, y defender a esta ilusión (del alza indefinido del mercado bursátil). Algunos
pocos, cuando lidian con la historia, todavía lo son (GALBRAITH, 1990, p. 86).
La cita anterior de Galbraith es un claro ataque a las ideas predicadas
por otro Nobel de Economía, el profesor de la Universidad de Chicago Milton
Friedman, quien colaboró con los gobiernos de Richard Nixon, al comienzo de
la década de 70, y luego, con lo del general Augusto Pinochet en Chile. La
anteposición entre las ideas y los personajes de Friedman y Galbraith es casi
novelesca. Ambos tuvieron programas en la tele pública estadounidense a fin
de predicar sus respectivas ideas. Friedman defendía al mercado totalmente
desregulado y daba la isla de Hong Kong como gran ejemplo, mientras que
Galbraith era un típico defensor de la Gran Sociedad erigida en los 1960 y llegó
incluso a presentar un programa sobre Karl Marx. La lección de la crisis del 29,
para Friedman, era que la autoridad monetaria debería dejar lo más claro
posible para empresarios y consumidores el nivel de dinero que circularía en la
economía, a fin de prevenir la inflación o fenómenos de alta desmesurada del
mercado accionario. Para él, el Federal Reserve actuó mal en los años 20 por
no haber desincentivado la tenencia de dinero (incluso en la forma de bonos)
por parte de los especuladores. Con menos dinero circulando en la economía,
sugeriría Friedman, no habría cambios en el total de circulante y el valor de las
acciones y bienes estaría dado simplemente por la oferta y demanda, de ahí la
corriente que sigue a la opinión de Friedman es conocida como “monetarista”,
por el rol central del stock monetario en su análisis. Es menester darse cuenta
que ambos los autores critican a la especulación pero el gran debate, que
hasta hoy en día es disputado por liberales y keynesianos como la crisis del
2008 lo comprueba, es sobre qué hacer para sacar a la sociedad del
estancamiento o de la depresión.
Este desacuerdo sobre qué hacer en momentos de crisis y ajuste se
explica por las distintas visiones de qué se puede predecir de los sucesos
económicos futuros. Mientras los keynesianos ponen énfasis en el corto plazo,
los monetaristas la ponen en el largo plazo. El Keynesianismo trabaja con la
incertidumbre por la “falta de base científica sobre la cual se pueden calcular
las probabilidades”. Keynes diferencia la incertidumbre del riesgo, en la que el
riesgo se puede calcular, pero la incertidumbre no, ya que el futuro está
marcado también por sucesos exógenos como “guerras o el cambio
397
tecnológico”, por eso, la formación de expectativas hacia al futuro es subjetiva y
depende del animal spirit. Los neoclásicos, en cambio, se dividen en dos
respecto a las expectativas futuras: hay quienes afirmen que hay conocimiento
perfecto del porvenir y hay quienes trabajen con la hipótesis de conocimiento
probabilístico, salvo en casos de “shocks económicos aleatorios” que no se
pueden predecir (MELLER, 1986, p. 26). Algunos monetaristas llegan a
presuponer que los agentes son perfectamente racionales; aprenden con las
experiencias pasadas (¡¿por qué siguen habiendo burbujas especulativas!?) y
se anticipan a las acciones de política económica del gobierno – “De esta
manera, los agentes neutralizan el impacto de la política económica, y se llega
así a una de las conclusiones más sensacionalistas presentes en algunos
autores, pero que seguramente pobló el sustrato intelectual de la retomada
neoclásica: la inefectividad de la política económica” (MELLER, 1986, p. 28).
Según Milton Friedman, los tres equívocos del keynesianismo que
llevaron a su desengaño fueron: predecir una depresión después de la
Segunda Guerra que jamás vino; el fracaso de “las políticas de dinero barato”
ancladas en bajas tasas de interés, y, finalmente; la inflación causada por
dichas políticas de dinero barato (FRIEDMAN, 1976, p. 3-4). El antídoto para
esta inflación se halla en sus “fundamentos del monetarismo”:
La noción central del monetarismo es que la moneda incide sobre las
fluctuaciones económicas a corto plazo de la economía y sobre la inflación, o
sea la tendencia de los precios. Parte de la noción central – rasgo que más la
distingue del enfoque keynesiano – es que lo que importa es la cantidad de
dinero – y no las tasas de interés, las condiciones del mercado monetario, las
condiciones de crédito y cosas por el estilo (FRIEDMAN, 1976, p. 2).
El pensamiento económico de Friedman, sin embargo, iba más allá del
enfoque monetario de los fenómenos económicos, llegando a un nivel de
predicación filosófica,
cuya idea-fuerza era que “la libertad económica es un requisito esencial
de la libertad política” (FRIEDMAN, 1976, p. 17). Friedman desarrolla la idea de
la siguiente manera:
(…) al permitir que las personas cooperen entre sí sin la coacción de un
centro decisorio, la libertad económica reduce el área sobre la que se ejerce el
poder político. Además, al descentralizar el poder económico, el sistema de
398
mercado compensa cualquier concentración de poder político que pudiera
producirse. La combinación de poder político y económico en las mismas
manos es una formula segura para llegar a la tiranía (FRIEDMAN, 1976, p. 20).
Es decir, para Milton Friedman el poder político era un mal en sí mismo
y, luego, la acción del Estado también lo era y debería ser disminuida en el
mayor grado posible. De hecho, Friedman subraya a menudo en su obra el
poder “del Estado federal y de los burócratas de Washington”, pero no
curiosamente el poder de las grandes corporaciones de substraer libertades
económicas o políticas de otros ciudadanos, o “individuos” como suele llamar.
Por eso, esta parece ser una teoría que justifica el individualismo y la falta de
atención hacia la esfera pública, una vez que es en el mercado donde se
protegerán las libertades políticas y cualquier intento de planear políticas
públicas es, en realidad, infructífero, pese a sus buenas intenciones. En uvque
originó las diferencias metodológicas entre keynesianos y neoclássicos
(MELLER, 1986, p. 37-38).
Conclusión
Franklin Delano Roosevelt no fue, y muy probablemente jamás quiso
ser, un revolucionario. Tal cual John Maynard Keynes, un dileto hijo de la era
victoriana, FDR era miembro de la élite de New York. Más allá de la
personalidad, el New Deal jamás tuvo la base popular como iba a tener, en el
futuro, la Great Society de Lyndon Johnson, pero es bastante razonable
concluir que la segunda no podría haber existido sin el impulso inicial de la
primera. Además, los programas económicos de FDR pueden no haber sido los
responsables directos por la salida de la recesión, que solamente seria
superada – y los indicadores de stock de capital y empleo lo demuestran – con
la entrada de los Estados Unidos en la Segunda Guerra, en 1941. Tal vez ahí
también se halle el comienzo del llamado keynesianismo militar en los EE.UU,
o en otros términos, la gran dependencia para el conjunto de la economía (y
también de la sociedad) de la industria bélica, que sería denunciada una
década después de la muerte de Roosevelt por el entonces ex presidente
saliente, Dwight Eisenhower. El propio hecho de que el actual presidente
Barack Obama tenga mencionado el nombre de Roosevelt en algunos de sus
discursos iniciales – proclamando un nuevo New Deal – demuestra su
399
importancia
y
su
legado,
que
sería
ferozmente
combatido
por
las
administraciones republicanas a partir de Richard Nixon, y después con más
éxito por Ronald Reagan.
Referencias
FERNS, H.S. Gran Bretaña y Argentina en el siglo XIX. Buenos Aires: Solar,
1966.
FRIEDMAN, Milton. Libertad de Elegir. Madrid: Rialp, 1966.
FRIEDMAN, Milton. Moneda y Desarrollo Económico. Buenos Aires: El Ateneo,
1976.
GALBRAITH, John Kenneth. A Short History of Financial Euphoria. Penguin
Books.
1990.
KINDLEBERG, C. P. Manías, Pánicos y Cracks. Historia de las Crisis
Financieras. Ariel Sociedad Económica. 1984.
LANDES, D.S. Prometeu Desacorrentado. 2. ed. São Paulo: Elsevier, 2005.
MELLER,
Patricio.
Keynesianismo
y
Monetarismo:
discrepâncias
metodológicas. Desarrollo Económico, vol. 26, N°103 1986.
NIGRA, Fabio. Una Historia Económica (inconformista) de los Estados Unidos,
1865- 1980. Buenos Aires: Maipue, 2007.
PONZI, Pablo A. Una Polémica Historiográfica. El New Deal: ¿Una solución
eficaz para la Gran Depresión?. 2003.
400
UMA CONCEPÇÃO HETERODOXA DOS DIREITOS HUMANOS
Sara de Carvalho Campos – IPTAN
Bacharelanda em Direito – IPTAN
E-mail: [email protected]
Fone: 3371-1629
Fábio Abreu dos Passos – IPTAN
Doutor em Filosofia – UFMG
E-mail: [email protected]
Fone: (32) 3372-3675
Resumo: Os direitos humanos são concebidos à luz do pensamento da filósofa
Hannah Arendt como o direito a ter direitos, ou seja, o direito de integrar uma
comunidade política. Partindo desta concepção, podemos refletir a respeito dos
marginalizados da sociedade atual. Ressaltando a visão arendtiana, nota-se
que os encarcerados são desrespeitados como homens, excluídos e
impossibilitados de integrar a sociedade política e devido a isso o cárcere não
exerce suas funções.
Palavras-chaves : Direito a ter direitos – Direitos humanos – Encarcerados
Introdução
Precipuamente neste artigo analisaremos o direito como um objeto
cultural que resulta de uma necessidade de ordem, a exemplo, com o
pensamento da filósofa e política Hannah Arendt. Elucidaremos a concepção
heterodoxa de Arendt sobre os direitos humanos, pois segundo a pensadora é
inexequível a ideia de homens inerentemente dotados de direitos, sendo assim
ela se afasta da tradição jusnaturalista e defende que o direito é um produto da
comunidade política.
Os direitos humanos, portanto, em um diálogo a supramencionada
filósofa estão vinculados ao direito de cidadania, ou seja, todos os homens
devem ter a oportunidade de participar concretamente de uma comunidade
política.
A crise dos direitos humanos conduziu Arendt a pensar a sua
realidade e prelecionar que a desconsideração com o homem, resulta da
ausência de política.
Posteriormente abordaremos a crise dos direitos humanos à luz de
Arendt, como um produto da sociedade de massa, apolítica. Enfatizaremos a
crise no cárcere como consequência da crise dos direitos humanos, que resulta
do declínio da comunidade política.
401
Os condenados são vítimas de uma sociedade de exclusão, que não
lhe concede oportunidade de integração. Sendo nítido que a desintegração
política, gera infratores, pois não lhe oferece outro caminho.
1 O fundamento jusnaturalista da ideia de direitos humanos
O direito é concebido por diferentes interpretações, sendo objeto
cultural e está fadado à temporalidade e ao relativismo. Percebeu-se, portanto,
ao analisar a história do direito, a existência de escolas jurídicas, que
constituem um conjunto de autores que possuem uma determinada concepção
de direito. Estas escolas possuem dessemelhanças e similitudes que nos
possibilita dividi-las em positivistas e moralistas. Conforme elucida Sabadell
(2002, p.47) “as escolas moralistas fundamentam o direito em uma autoridade
bem determinada (Deus, natureza, razão humana) e, as escolas positivistas
consideram o direito como a expressão de uma vontade política.”
As escolas moralistas concebem que o direito é pré-determinado por
leis que constituem o direito natural, que pode ser compreendido como algo
imposto ou como um ideal a ser alcançado e que deve constituir o direito
positivo. Podemos destacar três vertentes do pensamento moralista, a grega, a
medieval e a moderna.
Os gregos compreendiam o direito natural, como um conjunto de
princípios imutáveis e permanentes, impostos pelo Cosmos (natureza
ordenada), a que o homem estava subordinado. No medievo, o direito natural
tem como fonte, a religião, permanecendo seu caráter de estabilidade,
imutabilidade e permanência. A tradição medieval se distancia da tradição
clássica:
[...] Inaugura-se com Agostinho, outra visão daquilo que se
possa chamar por direito natural. Para os gregos, o direito
natural era a busca da natureza das coisas, flexível,
histórica, social de cada caso. Para a tradição medieval, o
direito naturalize que assim se pode chamá-lo na visão
agostiniana – é um rol de regras inflexíveis, não naturais no
sentido de que não se veem na natureza nem na
sociedade, mas que são oriundas do desígnio divino. Nem
com a tradição estoica a visão agostiniana sobre justiça se
parece. Para Cícero , a lei natural era a mesma porque a
natureza do homem é a mesma, e a razão assim também.
Para Agostinho, não é a razão que alcança o justo, nem a
402
natureza do homem, mas o desígnio de Deus, que é
insondável em suas razões (MASCARO, 2010, p.105).
No alvorecer da modernidade, houve o desenvolvimento do jus
naturalismo racionalista e a razão torna-se o fundamento do direito natural. A
tradição moderna se afasta da tradição medieval, pois, segundo Lafer (1988,
p.38),
“busca
um
fundamento
para
o
Direito
que
fosse
válido
independentemente da discussão sobre a existência de Deus”.
Dentro da escola jusnauralista-racionalista comporta ressaltar três
autores, a que referiremos brevemente, sendo eles: Hugo Grotius, Gootfried
Wilhelm Leibniz e Immanuel Kant.
Hugo Grótius possui o mérito de fundador do jusnaturalismo moderno
(1583-1679). Este jurista defendeu o caráter essencialmente racional dos
direitos naturais, explicitado nos seus prolegômenos (De jure belli acpacis),
almejando que os direitos naturais fossem admitidos por todos os homens.
Assim, sucintamente conforme este autor, a verdadeira natureza dos homens é
a razão.
Como Grotius, Leibniz argumenta que o direito adequado é um produto
da razão, considerando que as leis positivas, podem ser injustas. Assim, como
os autores supracitados, Kant eleva a razão humana, dizendo que somente
esta pode diferir o justo do injusto e dizer se o direito que vigora é verdadeiro.
A escola moralista, de forma geral defende, portanto o direito justo em
detrimento do direito positivo. Paradoxalmente os positivistas interpretam o
direito, como um instrumento elaborado com o intuito de governar. Eis como
escreve Sabadell (2002, p. 34) “A questão central no positivismo é que os
adeptos desta escola veem no direito a expressão de uma vontade política
mutável. O que hoje é um delito pode não ser amanhã.”
As escolas positivistas dividem-se em três amplas vertentes: as teorias
positivistas centradas a legislação (o direito advém da vontade do legislador),
as teorias positivistas centradas na aplicação (considera-se o direito aplicado
pelos órgãos jurídicos) e a escola positivista de caráter sociológico (realiza-se
uma leitura sociológica do direito).
403
Na teoria positivista centradas na legislação comporta citar o
pensamento dos seguintes autores: Thomas Hobbes, Jean Jacques Rousseau
(1712-1778) e Hans Kelsen (1881-1973).
Segundo a antropologia hobbesiana os homens cientes da impotência
devido à igualdade e do estado de guerra a que está condicionado no estado
de natureza, onde as paixões silenciam a razão, eles dispõem de seus direitos
por unanimidade por intermédio de um contrato, a uma autoridade, ao Leviatã1.
Assim elucida Ana Lúcia Sabadell:
[...] Na visão de Hobbes é preferível um direito estabelecido
e imposto por uma autoridade do que as “verdades” do
direito natural, apresentadas pelos autores racionalistas. A
existência de uma lei ruim é sempre preferível a uma
situação de ausência de lei. Os homens devem obedecer
ao direito positivo, porque só assim podem ser garantidos a
segurança e o bem comum. Isto explica a famosa frase de
Hobbes: “auctoritas non veritas facit legem” (a autoridade,
não a verdade, faz a lei) (SABADELL, 2002, p. 34).
Posteriormente, autor de cunho democrático Rousseau contrariamente
a Hobbes que atribui todo o poder ao monarca, ele defende que o povo é quem
deve legislar e aplicar as suas leis. A lei deve ser, portanto, a expressão da
vontade geral (volonté générale).
O jurista Kelsen em sua concepção pura afirma que o direito não deve
ser influenciado por questões exteriores, sendo o direito um conjunto de
normas e as relações entre elas indiferente à aspectos de cunhagem
sociológica, histórica ou política.
Dentre as teorias positivistas centradas na aplicação do direito,
destacaremos a jurisprudência de interesses e o realismo jurídico. A
jurisprudência de interesses tem como representante mais notável Philipp Heck
(1858-1943), conforme esta abordagem o que importa é a finalidade e o
espírito da lei. Para os realistas, as normas escritas não possuem muita
relevância e sim as normas aplicadas a determinado caso em concreto.
Na escola positivista de caráter sociológico citaremos a escola
marxista, a escola histórica do direito e os autores Charles de Montesquieu
(1689-1755) e Emile Durkheim (1858-1917).
404
O autor Montesquieu defende que não há um único direito adequado e
justo, devido à pluralidade de ordenamentos jurídicos e suas peculiaridades em
conformidade com o ambiente e à sociedade.
A escola histórica do direito concebe que o a fonte do direito são as
tradições populares, ou seja, o espírito do povo (Volksgeist).
A ideologia marxista origina-se das obras de Karl Max (1818-1883) e
Friedrich Engels (1820-1895), sendo o direito na visão dos autores marxistas
um meio de perpetuação da desigualdade social.
Emile Durkheim concebe o direito como um fenômeno social sendo
essencial à coesão social. O direito são normas outorgadas, que independem
dos anseios individuais.
Em síntese, as concepções moralistas e positivistas do direito são
produtos de criticas reinterpretações e conflitos, comportando elucidar a
existência de autores que são influenciados por ambas as escolas.
Como supracitado o racionalista Grócio, e os positivistas Thomas
Hobbes, e Jean-Jacques Rousseau conceberam os direitos naturais como
fonte legítima do direito político. Sendo assim os direitos humanos desde a
modernidade é legitimado pelo direito natural, fundamentado na noção do
homem como sujeito naturalmente dotado de personalidade jurídica.
2 Uma concepção heterodoxa dos direitos humanos
Como supramencionado parte da tradição concebeu os direitos
naturais como fundamento dos direitos humanos, ou seja, o simples fato de
nascer confere ao homem personalidade jurídica. Portanto, conforme os jus
naturalistas todo ser humano, independentemente de quaisquer condições
possui direitos e obrigações.
No entanto a ideia jusnaturalista de que o homem era inerentemente
dotado de direitos, mostrou-se inexequível, com o aparecimento das
displacedpersons54, pois se dizia independente da comunidade política. Eis
como coloca Arendt:
[...] Os direitos do homem, afinal, haviam sido definidos
como “inalienáveis” porque se suponha serem
independentes de todos os governos; mas sucedia que no
54
Displacedpersonssão pessoas excluídas da comunidade política, ou seja, que não possuem cidadania e
portando a garantia de seus direitos.
405
momento em que seres humanos deixavam de ter um
governo próprio, não restava nenhuma autoridade para
protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los
(ARENDT, 1989, p.325).
Arendt se opõe ao jusnaturalismo, defendendo que os homens não são
iguais e livres por natureza. Conforme o pensamento arendtiano, a lei lato
sensu, instituída na comunidade política, é que assegura os valores liberdade e
igualdade. Portanto, diz-se que um homem livre que vivencia a igualdade é
aquele que mostra sua particularidade mediante plurais, ou seja, comunidade
política.
Conforme Celso Lafer elucida a ruptura com o pensamento tradicional
em um diálogo com Arendt:
[...] O término da I guerra mundial, no entanto, modificou
radicalmente este padrão com o aparecimento em escala
numericamente inédita, de pessoas que não eram bem
vindas a lugar algum e que não podiam ser assimiladas
em parte alguma. Estas displacespersons, observa
Hannah Arendt, converteram-se no refugo da terra, pois
ao perderem sues lares, a sua cidadania e os seus
direitos viram-se expulsos da trindade Estado-PovoTerritório. Por isso, passaram a ser gente deslocada no
âmbito de um sistema interestatal, baseado no princípio
das nacionalidades. Esta é uma das origens do
totalitarismo no sentido arendtiano, de eventos que
iluminam como foi possível a conversão de um grande
número de seres humanos em pessoas explicitamente
supérfluas e incomodas no plano mundial (LAFER,
1988,p.139).
Com o advento do fenômeno totalitário55, desapareceu a ideia da
pessoa humana como base dos direitos humanos, pois uma das origens do
totalitarismo conforme a filósofa foi a desconsideração com o homem. Assim
preleciona Arendt sobre o fenômeno totalitário1, e se opõe também ao
juspositivismo:
Em vez de dizer que o governo totalitário não tem
precedentes, poderíamos dizer que ele destruiu a própria
alternativa sobre a qual se baseiam, na filosofia política,
55
O fenômeno totalitário é a dominação das massas, ou seja, dos indivíduos alienados. O Estado é uma
sociedade política e distingue-se do conceito de nação. Conforme Dallari (2007, p.96) os indivíduos de
uma nação não possuem vínculos jurídicos ao contrário do povo de um Estado.
406
todas as definições da essência dos governos, isto é, a
alternativa entre governo legal e o ilegal, entre o poder
arbitrário e o poder legítimo. Nunca se pôs em dúvida que
o governo legal e o poder legitimo de um lado, e a
ilegalidade e o poder arbitrário, de outro, são aparentados
e inseparáveis. No entanto, o totalitarismo nos coloca
diante de uma espécie totalmente diferente de governo. É
verdade que desafia todas as lei positivas, mesmo a
ponto de desafiar aquelas que ele próprio estabeleceu
(como no caso da constituição Soviética de 1936, para
citar apenas o exemplo mais notório) ou que não se deu
ao trabalho de abolir (como no caso da Constituição de
Weimar, que o governo nazista nunca revogou). Mas não
opera sem a orientação de uma lei, nem é arbitrário, pois
afirma obedecer a rigorosa e inequivocamente àquelas
leis da Natureza ou da História que sempre acreditamos
serem a origem de todas as leis (ARENDT,1989,p.513).
A luz do pensamento de Hannah Arendt institui-se uma concepção
heterodoxa de direitos humanos, ou seja, uma interpretação divergente da
tradição. Arendt preleciona que os direitos humanos só eram assegurados se o
sujeito participasse de uma comunidade política e conservassem seus direitos
nacionais, pois o Estado estava subjugado aos anseios de uma nação.
[...] Os apátridas estavam tão convencidos quanto as
minorias de que a perda de direitos nacionais era
idêntica à perda de direitos humanos e que a
primeira levava à segunda. Quanto mais se lhes
negava o direito sob qualquer forma, mais tendiam a
buscar a reintegração numa comunidade nacional,
em sua própria comunidade nacional (ARENDT,
1989)
Hannah Arendt afirma segundo Lafer que os direitos humanos
pressupõem a cidadania. Os direitos humanos que Arendt concebe como a ter
direitos ou de participar de uma comunidade política. O direito a ter direitos, é a
condição para ser humano, pois ser homem compreende integrar o mundo, ou
seja, o espaço de construção cultural, moral e espiritual da humanidade.
Portanto, conforme, Arendt “ser humano”, está relacionado a ser cidadão, ou
seja, a conhecer e modificar o mundo. O pensamento de Hannah Arendt nos
conduz a uma concepção heterodoxa dos direitos humanos, com o ocaso da
ideia de homem inerentemente dotado de direitos.
407
O diálogo com o pensamento arendtiano é oportuno, pois vivenciamos,
uma crise dos direitos humanos, que nos conduz a pensar e refletir, o que
seriam estes direitos e como conquistá-los.
O direito é uma construção do homem social, portanto, é incoerente,
pensá-lo como algo concebido pela natureza, no sentido biológico. Comporta
dizer que os direitos humanos devem ser conquistados diante de uma
comunidade política, comporta dizer que existem, indivíduos que são
marginalizados da sociedade políticas e como consequência não possuem
seus direitos assegurados. Entre os indivíduos a margem da comunidade
política está os encarcerados, que são indivíduos que cometeram algum tipo
crime, a quem o Estado impôs uma pena, privando-os de sua liberdade. O
Estado, portanto, priva o sujeito de seu bem mais valioso, ou seja, de sua
liberdade. E abordando o conceito de liberdade de Hannah Arendt, que é a
condição de ser humano, podemos dizer que o Estado abstrai a qualidade de
homem daqueles que pune. Comporta dizer, no entanto, que o Estado não
deve suprimir a total liberdade do sujeito do modo que ele deixe de ser
humano, pois ao punir o Estado almeja fazer com que o apenado retorne a
sociedade integrando-o ao meio social de modo que, eles retornem dignamente
após o cumprimento da pena e recupere seus direitos e deveres. Abordaremos
a respeito das penas para entender sua função e aplicação.
3 A missão das penas e os direitos humanos
3.1 Espécies de pena
O Estado possui o direito de punir, aqueles que desobedecerem aos
preceitos legais, que proporciona a coesão social. Conforme elucida Greco
(2013, p.471) “A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando
alguém pratica uma infração penal. Quando o agente pratica um fato típico
ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seuius
puniendi”.
No art. 32, do Código Penal, estão elencadas as espécies de pena, que
são: restritiva de direitos, multa e privativa de liberdade.
A pena restritiva de direitos se caracteriza segundo o artigo 43, que
obteve seu rol ampliado pela lei n.9.714/ 98, à prestação pecuniária, perda de
408
bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas,
interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
A multa consiste no pagamento em pecúnia, fixada na sentença e
calculada em dias-multa, sendo o mínimo de dez dias e máximo de trezentos e
sessenta Greco citou a definição de multa de Vera Regina de Almeida Braga:
[...] a pena de multa constitui uma modalidade de pena
pecuniária, imposta pelo Estado às pessoas condenadas
pela prática de infrações penais. Trata-se de uma
retribuição não correspondente ao valor do dano causado,
considerada como sanção de natureza patrimonial, por
representar pagamento em dinheiro por determinação
judicial, em virtude de sentença condenatória (GRECO,
2013, p.550).
A pena privativa de liberdade pressupõe o seu objetivo pelo seu
nomem iuris, consiste em privar o sujeito infrator, de sua liberdade.
Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos
pela perda da liberdade, impondo-se a todas as
autoridades o respeito à sua integridade física e moral.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
No entanto, percebe-se que no sistema prisional atual ignora-se o
encarcerado como homem físico, moral e espiritual.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral;
Comporta em conformidade com a concepção de Arendt que o artigo 5º
da Constituição, assegura liberdade de todos os brasileiros, sem discriminação,
portanto se ser livre é participar de uma comunidade política, os encarcerados
não devem ser marginalizados, deve ocorrer uma supressão mitigada se sua
liberdade, caso contrario não se trata de uma realidade concretamente
democrática.
409
A realidade não condiz com o artigo 3º da lei de execução penal
mencionado abaixo, existindo distinções de todos os tipos, racial, social e
política. Os encarcerados são oprimidos, e autoridades não ofertam a devida
atenção a eles. Sendo trivial recordar que o Estado é extremamente seletivo ao
punir, penalizando as minorias. Conclui-se que vivemos em um mundo56, em
persistem à marginalização, conforme Arendt é um produto de uma sociedade
de massa, ou seja, apolítica, que não constitui uma comunidade política.
Art. 3º da lei de execução penal Ao condenado e ao
internado serão assegurados todos os direitos não
atingidos pela sentença ou pela lei.
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de
natureza racial, social, religiosa ou políticos.
3.2 Objetivo das penas
No alvorecer do século XIX extingue-se o espetáculo punitivo, se finda
a ostentação do suplicio e ocorre uma mitigação na severidade das penas.
Portanto, a missão das penas se modificou como se percebe no decorrer da
história. Atualmente diz-se que as penas cominadas ao infrator objetivam punir,
prevenir e regenerar. Estas são as três funções sociais da pena, presentes no
ordenamento. Podemos citar concretamente o decreto n.40/91 e a lei 7210/84.
O decreto nº 40/91 promulgou a convenção de direitos humanos contra
a tortura e qualquer tratamento degradante. O decreto supracitado em seu
artigo primeiro, na primeira parte define o que vem a ser tortura e a segunda
parte legitima a violência estatal.
ARTIGO 1º1. Para os fins da presente Convenção, o
termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou
sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de
uma terceira pessoa, informações ou confissões; de
castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar
ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer
motivo baseado em discriminação de qualquer natureza;
quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de
funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu
56
Segundo o pensamento de Hannah Arendt o conceito de mundo é distinto de terra. A terra é o espaço
físico geográfico e o mundo refere-se à cultura , ou seja, espaço de criação do homem como ser moral e
espiritual.
410
consentimento ou aquiescência. Não se considerará como
tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência
unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes
a tais sanções ou delas decorram.
A lei de 7210 84 lei de execução penal em seu artigo primeiro elucida
que: “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou
decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social
do condenado e do internado”. Ainda conforme o artigo 10º da lei supracitada
“a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir
o crime e orientar o infrator ao retorno da convivência em sociedade”.
Pressupõe-se que as três finalidades devem estar adjuntas, mas
concretamente isto não ocorre, pois não é permitido o sacrifício dos objetivos
punir e prevenir em prerrogativa da regeneração, mas o contrário ocorre.
3.3 As teorias da função social da pena
A respeito das funções das penas, existem três teorias, sendo elas:
teoria absoluta ou retribuía, teoria relativa ou da prevenção teoria mista ou
unificadora da pena. Citaremos as três sucintamente. Conforme a teoria
absoluta ou retribuição escopo da pena é compensar o crime, sendo uma
forma de retribuição. A segunda teoria, a relativa ou da prevenção o escopo da
pena é prevenir delitos futuros. A teoria supracitada subdivide-se em: teoria
preventiva geral e teoria preventiva especial.
A preventiva geral pode ser negativa e positiva. Sendo que a negativa
ou prevenção por intimidação, almeja intimidar os criminosos e aos cidadãos
com a cominação de uma pena busca convencer os potenciais infratores a não
delinquir. E positiva ou prevenção integradora difunde valores e respeito.
A preventiva especial, também pode ser positiva e negativa. A negativa
almeja neutralizar o sujeito condenado a pena privativa de liberdade.
E a
positiva objetiva o regresso do delinquente à sociedade, ou seja, ressocializar.
A teoria mista ou unificadora da pena conforme Nilo Batista (2007)
almeja conciliar a contradição exposta nas tradicionais teorias absolutas e
relativas. O código penal adota a teoria mista, conferindo à pena uma dupla
função de retribuição ou reprovação e prevenção.
411
Comporta ressaltar, além das funções explícitas no ordenamento, as
funções não declaradas da pena organizadas por Sandoval Huertase citadas
por Nilo Batista no livro “Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro”:
[...] Sandoval Huertas organizou as funções não
declaradas da pena privativa de liberdade em três níveis:
a) o nível psicossocial (funções indicativa e de ideológica);
b) o nível econômico-social (funções de reprodução da
criminalidade, controle coadjuvante do mercado de
trabalho, e reforço protetivo à propriedade privada);c) o
nível político (funções de manutenção do statoquo,
controle sobre as classes sociais dominadas e controle de
opositores políticos) (2007, p.113).
Portanto os objetivos da pena são punir, prevenir e regenerar o sujeito
ressalta-se que a pena deve ser cominada adequadamente, considerando-se
os princípios básicos, elencados na Constituição. Comporta ressaltar o
princípio da humanidade, que segundo Batista (2007, p.98), postula da pena
uma racionalidade e proporcionalidade.
4 A ressocialização e o direito a ter direitos
A ressocialização prevista na Lei nº 7. 210/ 84 (Lei de Execução Penal)
constitui um dos fins da pena. Este instituto adveio com intento de preparar o
sujeito para o retorno ao convívio social. Almeja o resgate da cidadania ou do
direito a ter direitos para as pessoas privadas de liberdade por intermédio da
educação e do emprego. Enfatiza-se que para que o criminoso retorne à
sociedade são necessário investimentos e oferendas que possibilite a sua
reeducação. Pode-se dizer que a ressocialização e a cidadania são fenômenos
concomitantes, sendo que o encarcerado necessita de cidadania para se
ressocializar. No entanto, percebe-se que o sistema penitenciário atualmente
decadente, não possibilita a recuperação dos apenados. Generalizando, a par
de exceções, os presídios não oferecem condições apropriadas, encontram-se
superlotados, os agentes penitenciários são violentos, não há assistência
médica, psicológica e obediência aos princípios éticos.
O Estado é negligente por não proporcionar as condições adequadas,
função a ele outorgada, de garantir à devida assistência aos cárceres.
Comportando ao judiciário requerer que seja cumprido o fim da pena e buscar
412
a humanização desta.
Ressalta-se que o cárcere falido gera o crime que
reflete diretamente na sociedade. Sendo um dever social zelar pela adequação
da função do cárcere e assim, evitar as consequências da marginalização dos
apenados.
No atual sistema prisional o indivíduo regressa ao convívio social, sem
perspectiva, sofrendo discriminação resultando à sua volta ao crime e um ciclo
de marginalização que não se finda, oriundo da ausência de assistência.
Enfatiza-se a desconsideração aos direitos humanos que leva a reincidência.
Considerando-se os direitos humanos à luz de Hannah Arendt como o direito a
ter direitos, conclui-se que os detentos são ignorados pela comunidade política,
que declina desde a condenação de Sócrates, conforme defende a
mencionada filósofa.
5 O encarcerado como um cidadão
A Constituição de 1988, em seu art.15º, inciso III elucida que os direitos
políticos do condenado criminalmente serão suspensos, pode-se dizer que este
dispositivo é incoerente com o estado democrático e a ideia de direitos e
garantias fundamentais assegurados pela carta magna. Portanto, não condiz a
suspensão dos direitos políticos do encarcerado, sendo que em seu artigo
primeiro, inciso II, o constituinte garante a cidadania a todos sem distinção.
O encarcerado é digno de exercer seus direitos políticos, pois o Estado
reclama a tutela penal. O condenado merece ser ouvido, deve opinar sobre a
intervenção estatelem sua vida e não ser marginalizado como ocorre no
sistema prisional brasileiro. Assim, o preso deve participar da comunidade
política e compartilhar os valores cultuados ela sociedade, para que ele possa
retornar a ela de forma digna e não cometer novas infrações. É incoerente que
o Estado, almeje recuperar um individuo que somente vivenciou valores
oriundos da marginalização e espere que este não volte a infringir.
Os estabelecimentos prisionais brasileiros estão incondicionados a
penalizar ressocializando, pois não preservam sua estrutura ético-pedagógica.
E preciso romper com a desumanização da execução penal e conferir aos
presos o direito de se manifestarem. Conclui-se que o sistema ignora os direito
a ter direitos e desrespeita o ordenamento de uma forma geral.
413
Percebe-se que há em nossa realidade uma abnegação dos princípios
alicerces da carta magna, sendo que se presencia nos cárceres, falta de
higiene, a violência constante das autoridades para com os detentos e a
ausência de respeito mutua entre os sentenciados, a insegurança, a desordem
e a má organização, comportando ressaltar a superlotação, todos esses fatores
resultam na impossibilidade de se exercer coerção e coação.
A autoridade negligenciou princípios constitucionais da isonomia, da
proporcionalidade,
da
legalidade,
da
individualização
e
jurisdição.
A
constituição requer igualdade de tratamento a todos, sem distinção, no entanto,
em nossa realidade, geralmente as pessoas de melhor poder aquisitivo são
tratadas de forma mais digna enquanto os indivíduos que possuem condições
precárias cumprem suas penassem péssimas condições e muitos permanecem
presos mesmo após cumprir a pena, outros nem ao menos recebem o devido
julgamento e defesa.
O seguinte artigo citado trata-se de direitos do encarcerado, que notase serem ignorados.
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o
trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis
com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e
amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências
da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do
estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em
defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de
414
informação que não comprometam a moral e os bons
costumes.
XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente,
sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária
competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e
XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato
motivado do diretor do estabelecimento.
6 O método apaquiano e a ressocialização
Pode-se dizer que a ressocialização é um dos direitos fundamentais e
deve ser assegurada a todos os indivíduos, sem distinção, No entanto, o nosso
sistema penitenciário, não permite a que os encarcerados retornem à
sociedade, conferindo a lei um caráter abstrato, sendo válida, mas sem
eficácia.
Este sistema falido é incapaz de cumprir os deveres instituídos pelo
artigo oitenta e três do código de penal, citado:
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua
natureza, deverá contar em suas dependências com
áreas e serviços destinados a dar assistência, educação,
trabalho, recreação e prática esportiva.
§ 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes
universitários. (Renumerado pela Lei nº 9.046, de 1995)
§ 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres
serão dotados de berçário, onde as condenadas possam
amamentar seus filhos. (Incluído pela Lei nº 9.046, de
1995)
§ 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres
serão dotados de berçário, onde as condenadas possam
cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo,
até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada pela Lei nº
11.942, de 2009)
§ 3o Os estabelecimentos de que trata o § 2o deste artigo
deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo
feminino na segurança de suas dependências internas.
(Incluído pela Lei nº 12.121, de 2009).
§ 4o Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos
do ensino básico e profissionalizante.(Incluído pela Lei nº
12.245, de 2010)
§ 5o Haverá instalação destinada à Defensoria Pública.
(Incluído pela Lei nº 12.313, de 2010).
Em virtude, do sistema precário e sem eficácia, desumano, surge a
APAC-Associação de proteção e assistência aos condenados. Esta sociedade
415
foi constituída com base nos princípios constitucionais e do dispositivo da lei de
execução penal (lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984).Possuindo como escopo
proteger e assistir os condenados em conformidade em seu próprio estatuto.
Constata-se que a APAC e o método que esta associação utiliza é uma
possível solução para se conferir a efetividade da lei, permitindo a penalização
e ressocialização. O método apaquiano objetiva conduzir o encarcerado a
reflexão e descoberta dos valores socialmente cultuados e preocupa-se com
estado psicológico do encarcerado.
Em razão de pesquisas de campos, realizadas no município de São
João del-Rei, com objetivo de avaliar as condições do cárcere, percebe-se que
existem diferenças entre o sistema prisional comum e a APAC, sendo que este
último deve ser aplicado por ser mais efetivo. É nítido que a APAC possui
melhor administração, há uma valorização humana, espiritual, um melhor
atendimento médico e defesa de seus dos direitos dos presos.
Comporta mencionar que o método desta associação enfatiza a
participação da sociedade na recuperação dos presos, incentivam a
convivência pacifica entre os recuperando , estimulando o companheirismo e
união entre eles, reintegração social pelo mérito, conscientizando o
recuperando a sempre fazer o “bem” (conceito social) e oferece prêmios
àqueles que se comportam devidamente, concedendo por exemplo um ganho à
limpeza e organização dos dormitórios, sendo um impulso à divisão de tarefas.
O método apaquiano é, portanto mais eficaz, pois pune considerando o
“homem”. No entanto, apesar desta associação ser a solução mais viável para
a crise do sistema penitenciário, ela requer aprimoramentos. Nota-se que a
APAC do município de São João del-Rei, necessita de melhores condições
espaciais, para estudo e trabalho, sendo necessário ministrar mais cursos e
palestras que acrescentem ao condenado.
Portanto o Estado fica incumbido de promover a instituição de mais
destas associações e estimular seu método, que visa a ressocialização do
condenado, evitando a reincidência e consequentemente promovendo a
coesão social. E mesmo sendo uma organização não governamental, esta
entidade deve receber investimentos do Estado, pois este chamou para si a
tutela penal.
416
7 A crise do sistema penitenciário, produto da ausência de política
O sistema penitenciário vivencia uma crise cíclica, que advém da
superlotação, do aumento do crime organizado, corrupção, ausência de
políticas públicas cabíveis, agentes penitenciários sem especialização e falta
de
higiene, fruto
do
tratamento
desumano,
indigno
que
sofrem os
encarcerados.
A crise do sistema é um ciclo que não se romperá sem a integração da
comunidade política. Percebe-se à luz do pensamento de Arendt que vivemos
em uma sociedade de massa, sem reflexão, onde os indivíduos veem apenas a
pena privativa de liberdade indignidade como punição.
Estabelecendo um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt podese dizer que os indivíduos infratores são um produto de uma sociedade que
marginaliza, onde os sujeitos são supérfluos, sem lugar no mundo. Sendo a
crise dos direitos humanos o resultado da ausência de comunidade política.
Considerações finais
Os direitos humanos concebidos como o direito a ter direitos é uma
concepção heterodoxa, ou seja divergente da tradição jusnaturalista. Para
Arendt a cidadania é o direito essencial ao homem, pois sem a condição de
cidadão de um Estado o sujeito deixa de ser homem, sendo supérfluo.
Ressalta-se que todos devem integrar uma comunidade política, mas
nota-se que em nossa sociedade existem indivíduos marginalizados, que são
conduzidos a infringir a lei. Os infratores punidos pelo Estado, condenados ao
cárcere, permanecem a vivenciar a exclusão e, portanto, não retornam ao meio
social, devido a impossibilidade de serem cidadãos. Conclui-se que a crise no
sistema carcerário é um ciclo vicioso que não se rompe, devido à ausência de
política, que preleciona Hannah Arendt.
Percebe-se que o Estado ao reclamar o ius puniendi para si, deve zelar
pelos encarcerados e permitir que eles exerçam sua cidadania, no entanto
nota-se que os encarcerados possuem seus direitos humanos ignorados,
sendo tratados de forma indigna. Conclui-se, no entanto, que a cidadania plena
deve ser conquistada, pelo povo, pois a crise no cárcere é um reflexo de uma
crise política, de ausência de consciência comunitária e moralidade. Por
417
intermédio desta pesquisa, elucida-se que os direitos humanos e o direito dos
encarcerados são antagônicos, contrários.
Referências:
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução: Roberto Raposo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ARENDT, Hannah. A Promessa da Política. Tradução: Miguel Serras Pereira,
Relógio D’Água Editores, Junho de 2007.
BATISTA. Nilo. Introdução crítica ao Direito penal brasileiro: Rio de Janeiro:
Revan,2007.
DALLARI. Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado: São Paulo:
Saraiva,2007.
DAMIANI, João Paulo Rodrigues. O voto do preso: a cidadania emergente dos
direitos humanos. Disponível em :<http://www.sociologiajuridica.net.br/numero3/169> Acesso em: 13 de janeiro de 2014
GRECO. Rogério. Curso de Direito Penal-Parte geral: Rio de Janeiro.
IMPETUS,2013.
LAFER. Celso. A reconstrução dos Direitos humanos-Um diálogo com o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras,1988.
PALHARES. Vitor de Lima. A situação do sistema prisional brasileiro frente à
humanização da pena através do método Apac. São João del-Rei: IPTAN,
2012.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Decretos, Leis e Medidas Provisórias.
Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br> Acesso em: 15 de janeiro
de 2014.
SABADELL. Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica-Introdução a uma leitura
externa do direito. Revista dos Tribunais,2002.
SOUZA, ANA PAULA DE, Função ressocializadora da Pena. Disponível em:
http://monografias.brasilescola.com/direito/funcao-ressocializadora-pena.htm
Acesso em: 13 de janeiro de 2014.
418
A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA UMA GESTÃO
EFICAZ DAS FINANÇAS PESSOAIS NO BRASIL
Rafaela de Sousa Goddi – IPTAN
Leonardo Henrique de Almeida e Silva
Coordenador do Curso de Administração – IPTAN
Resumo: Estar informado acerca dos desafios e oportunidades existentes no
mercado financeiro é algo de grande importância para lidar com as finanças
pessoais. É por meio do conhecimento financeiro que os consumidores se
tornam mais instruídos para adquirir produtos que condizem com suas reais
necessidades, conhecem as vantagens de investir, se planejam para consumir
e não ultrapassar a renda, evitando recorrer a empréstimos, além de contribuir
para um sistema financeiro mais sólido e eficiente. A educação financeira se
mostra uma adequada ferramenta para uma administração eficaz das finanças,
que orienta as pessoas quanto à melhor forma de lidar com o dinheiro. Dessa
forma, este trabalho abordará conceitos sobre alguns dados econômicos,
alguns aspectos que influenciam a gestão das finanças pessoais e sobre o
tema educação financeira. Através deste contexto será possível perceber como
estar informado financeiramente afeta de modo positivo a relação com as
próprias finanças.
Introdução
Administrar de forma eficiente as próprias finanças inclui um
conhecimento das mesmas bem como disciplina e organização. Para isso,
deve-se estar atento aos desafios existentes no panorama econômico atual e,
de um modo geral, àqueles aspectos que influenciam diretamente na gestão
das finanças pessoais.
Dessa forma, a educação financeira tem um papel de extrema
relevância como ferramenta estratégica para uma gestão eficaz das finanças
pessoais. Através dela é possível não só administrar melhor as finanças, mas
também estar preparado para lidar com os desafios financeiros e saber
aproveitar as oportunidades de investimento que o mercado oferece.
Desta maneira, este estudo tem o seguinte problema de pesquisa: qual
a importância da educação financeira para uma gestão eficaz das finanças
pessoais no Brasil?
O tema do trabalho apresenta relevância, principalmente nos âmbitos
social e econômico. Para muitas pessoas lidar com as próprias finanças se
torna um desafio, haja vista que dificuldades financeiras podem causar
intranquilidade, stress, preocupação, entre outros fatores que podem interferir
419
no relacionamento com a sociedade e na vida profissional. Além de afetar a
vida pessoal, uma gestão ineficaz das finanças pessoais reflete na economia
de todo o país, como exemplo, nos altos índices de inadimplência que trazem
riscos às micro e pequenas empresas.
Tendo em vista a pouca abordagem atribuída ao tema pelas escolas e
faculdades, aliada ao propósito de minimizar os problemas anteriormente
expostos, faz-se importante a pesquisa para se conhecer e aprender a lidar
com as finanças, bem como saber utilizá-las de forma eficaz. Isto justifica a
relevância do trabalho que trará maiores conhecimentos aos interessados no
assunto a fim de contribuir para a disseminação de novos estudos nessa área e
uma melhor compreensão relacionada ao tema.
A realização deste trabalho se constitui em uma pesquisa bibliográfica,
ou seja, as consultas foram feitas em livros, artigos científicos, trabalhos
acadêmicos, sites especializados, revistas e diversas publicações sobre gestão
das
finanças
pessoais,
educação
financeira,
economia
brasileira
contemporânea e áreas afins. O intuito da consulta bibliográfica consiste em
definir conceitos e fazer análises a respeito dos dados econômicos no Brasil. A
partir do estudo serão demonstradas as vantagens da educação financeira
para uma gestão eficaz das finanças pessoais e os desafios que são
encontrados ao gerir as finanças em um cenário de incertezas e consumismo.
1 Fatores que interferem na economia brasileira
Questões econômicas a respeito de inflação, índices de desemprego,
taxa Selic, por exemplo, geram dúvidas e esclarecê-las pode ser uma
vantagem em muitas tomadas de decisões, principalmente financeiras. Por
isso, estar informado sobre os problemas e desafios da economia brasileira, é
algo de grande importância. Economia é definida por Vasconcellos e
Garcia(2010, p. 2) da seguinte forma:
Economia é a ciência social que estuda como o indivíduo
e a sociedade decidem (escolhem) empregar recursos
produtivos escassos na produção de bens e serviços, de
modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da
sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas.
420
A inflação é um fator bastante preocupante não só para os
economistas, mas também para toda a população, e pode trazer graves
problemas para a economia de um país, se não houver um controle sobre a
mesma. De acordo com Lanzana (2005, p.18), a inflação tem sido um dos
temas mais discutidos dentro das análises sobre a economia brasileira. Para
ele, as causas da inflação diferem entre países e, mesmo num dado país,
diferem no tempo, tratando-se dessa forma, de um tema de difícil abordagem.
Para entendê-la melhor, deve-se partir do seu conceito dado por
Vasconcellos e Garcia (2010, p. 223):
[...] aumento contínuo e generalizado no índice de preços,
ou seja, os movimentos inflacionários são aumentos
contínuos de preços, e não podem ser confundidos com
altas esporádicas de preços. O aumento de um bem ou
serviço em particular não constitui inflação, que ocorre
apenas quando um aumento generalizado, da maioria dos
bens e serviços.
Altas taxas de inflação causam vários problemas, sendo os principais
sobre a distribuição de renda, pois o poder aquisitivo das classes baixas
diminui; às exportações nacionais, pois o preço do produto nacional aumenta
havendo menos venda ao exterior; às expectativas dos empresários e o
planejamento empresarial e as perspectivas positivas sobre o futuro. Lanzana
(2005, p.17) destaca que a experiência mundial demonstra que países que não
obtiveram um razoável controle sobre as taxas de inflação não conseguiram
promover, de forma sustentada, o crescimento da produção de bens e serviços.
Para se combater a inflação de demanda no Brasil uma das principais
formas utilizadasé a taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia
brasileira. Lanzana (2005, p. 64) define taxa Selic da seguinte forma: “É a taxa
que regula diárias com títulos públicos. É utilizada como taxa básica da
economia e fixada mensalmente pelo Comitê de Política Monetária, o Copom.”
Também é definida por Fortuna (2008, p. 131):
É a taxa de referência do mercado, e que regula as
operações diárias com títulos públicos federais, pois é
a sua média diária que reajusta diariamente os preços
unitários (PU) dos títulos públicos. Representa a taxa
pela qual o BC compra e vende títulos públicos federais
421
ao fazer sua política monetária. É determinada nas
reuniões periódicas do Copom.
Outro fator importante de ser analisado é o consumo por estar
relacionado também a outros pontos que interferem na economia do país.
Alguns
destes
podem
ser
inadimplência,
poupança,
investimentos,
planejamento financeiro, os quais serão abordados no decorrer deste artigo.
Para Mankiw (2010, p.381), a decisão em relação ao consumo é
imprescindível para a análise de longo prazo, por causa de sua participação no
crescimento econômico, e no curto prazo pelo seu papel na determinação da
demanda agregada.
O consumo é definido por Gremaudet al (2008, p. 125) como “parcela
da renda destinada à aquisição de bens e serviços para a satisfação das
necessidades dos indivíduos.” O autor divide o consumo agregado em
consumo pessoal e consumo do governo. Aquele corresponde às aquisições
voluntárias dos indivíduos; e este se refere aos bens os quais os indivíduos não
adquirem voluntariamente, mas por meio do pagamento de impostos.
Domingos (2011, p. 56) afirma que como grande parte da população
imagina não conseguir realizar grandes e ambiciosos sonhos, a maioria gasta
além do que possui para adquirir pequenos objetos de desejo e assim, ter a
sensação de estar minimamente inserida na sociedade de consumo. O mesmo
autor (2011, p. 68) afirma também que para realizar os sonhos não depende de
aumento de salário ou ganhar na loteria, por exemplo, mas fazer ajustes no
padrão de consumo.
O autor supracitado (2011, p. 78) ressalta que as pessoas estão
perdendo a noção do valor do dinheiro, principalmente pelas características do
mundo consumista e imediatista atual. Há muitos produtos à venda e cada vez
mais facilidade para adquiri-los, porém, muitas das vezes adquirem sem uma
análise se realmente é importante ter e se não comprometerá o orçamento
doméstico. Para o autor, “O consumo inconsciente é o pior inimigo do equilíbrio
financeiro. Quem reflete de forma constante sobre as suas reais necessidades
de consumo tende a ter uma vida financeira mais saudável”. (DOMINGOS,
2011, p. 90)
422
Neste contexto ressalta-se então que mais importante ainda é ter
consciência ao consumir, nesse momento a educação financeira e o
planejamento financeiro assumem um papel de extrema importância, pois
através deles as pessoas se tornam mais instruídas para fazerem as melhores
escolhas de consumo, poupança e investimento.
Outro fator que interfere diretamente na economia nacional é o alto
índice de inadimplência. De acordo com Berlattoet al (2011, p.99), é
considerada inadimplente, a pessoa que não tem condições de pagar todas as
suas despesas e que o atraso das contas supere o prazo de um mês.
Meio a tantas influências de propaganda, os consumidores se vêem
estimulados ao consumo. Este incentivo é provocado por meio do marketing,
que segundo Kotler (2005, p.6), “é um processo societal por meio do qual
indivíduos e grupos obtêm aquilo de que necessitam e que desejam com a
criação, a oferta e a livre negociação de produtos e serviços”, dessa forma o
marketing elabora estratégias para informar, persuadir e lembrar as pessoas
sobre determinado bem ou serviço. Como ressalta o autor supracitado, “o ideal
é que o marketing deixe o cliente pronto para comprar.” (KOTLER, 2005, p. 6)
Com base nos conceitos expostos, pode-se dizer que o consumidor adquire
muitas vezes desnecessariamente um produto, e ainda sem fazer um
planejamento,
podendo
comprometer
suas
finanças,
e
tornando-se
inadimplente.
Em uma pesquisa feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)
divulgada em fevereiro de 2013, foi apontado que 85% dos brasileiros
compram por impulso, ou seja, sem planejamento. Para o estudo foram
ouvidos 646 consumidores, no qual ansiedade e insatisfação com a aparência
foram as principais causas que ocasionam a compra por impulso. Segundo a
avaliação do SPC as compras sem controle servem como uma recompensa
emocional para esses consumidores. A economista do SPC, Ana Paula Bastos,
destaca que, “Na busca pelo prazer imediato ou para exibir um estilo de vida
que não condiz com a própria renda, o comprador se alivia momentaneamente,
sem se importar com o futuro do próprio bolso”. (SPC Brasil, 2013, s.p.)
Na pesquisa foi mostrado que 37% dos consumidores entrevistados só
analisam se a parcela cabe no bolso, e não avaliam as taxas de juros
existentes no financiamento. Como disse Ana Paula, essa atitude é mais
423
acentuada nas classes C e D, pois não estão acostumados a lidar com o
crédito e nem fazer compras de valores maiores.
De acordo com o SPC Brasil (2013, s.p.), 42% dos entrevistados
gastam tudo o que ganham e não conseguem poupar, e 30% dos
consumidores não conseguiriam manter o padrão de vida nem por um mês,
caso perdessem totalmente as fontes de rendimentos.
A pesquisa também revelou que 74% dos brasileiros não possuem
qualquer tipo de investimentos como a poupança. Isso mostra a falta de
conhecimento sobre como e onde investir as próprias finanças.
A economista finaliza, “apesar de a pesquisa apontar que 72% dos
entrevistados se consideram aptos a fazer a administração das finanças de
casa, o que se percebe é que o brasileiro não tem noções básicas de
orçamento doméstico e não sabe lidar com o próprio dinheiro”. (SPC Brasil,
2013, s.p.)
De acordo com Godinho (2009, p.24) o perfil do endividado, há cerca
de 15 anos, era caracterizado por desequilíbrios financeiros decorrentes de
uma nova realidade
e responsabilidades, como por exemplo homens e
mulheres, casados há poucos anos e com filhos pequenos. Para ela,
atualmente não existe um perfil definido do endividado, mas sim uma variedade
de idades, graus de escolaridade e salários. “O que diferencia uma pessoa
endividada de outra é o salário e o tamanho da dívida,” complementa a autora.
Para aqueles que não possuem uma reserva financeira, seja em
poupança ou investimentos, perder o emprego significa redução do padrão de
vida. Para prevenir-se contra uma situação como esta, torna-se necessário um
planejamento de modo a evitar desequilíbrios financeiros, em casos de
desemprego. Desempregado é considerado por Gremaudet al (2008, p. 84)
como “todo aquele maior de 10 anos, que procura emprego, mas não o
encontra.”
Domingos (2011, p.77) afirma que a cultura do brasileiro é marcada por
um descaso com o futuro. Ele diz ainda que no mínimo 90% da população vive
apenas o momento presente, presa no imediatismo e não consegue programarse para um futuro saudável financeiramente. Dessa forma, o autor faz uma
provocação que toca a maioria das pessoas com relação a falta de reserva
financeira: “Se a partir de hoje eu não tivesse mais o meu ganho mensal, por
424
quanto tempo conseguiria manter meu padrão de vida?” (DOMINGOS, 2011,
p.76)
Através dos conceitos expostos, pode-se afirmar que o desemprego é
um dos vários fatores que acarretam a inadimplência. Isso ocorre por este fator
muitas vezes estar vinculado a uma situação inesperada. Dessa forma, com
uma dívida contraída e a ocorrência do imprevisto, o consumidor pode se
tornar inadimplente.
Como em muitas das vezes o desemprego não é uma atitude
voluntária, há uma grande necessidade de manter um controle financeiro, a fim
de estar preparado para enfrentar eventos casuais. É importante destacar que
existem outros fatos que podem ocorrer inesperadamente em momentos de
emprego
ou
não,
que
também fortalecem a
necessidade de
estar
financeiramente prevenido, como em casos de acidentes ou doenças.
Além de estar informado a respeito da economia brasileira, outro fator
importante para ter sucesso financeiro é conhecer alguns aspectos que podem
influenciar a gestão das finanças pessoais.
2 Gestão das finanças pessoais
Para gerir adequadamente as finanças pessoais não é necessário
planilhas extensas e cálculos complicados. A tarefa é bem mais simples: gastar
menos do que recebe. De acordo com Toledo (2012, p. 71) se os gastos
superam as receitas, há dois caminhos a seguir: aumentar os ganhos, ou
diminuir os gastos.
Há dois pontos importantes na gestão das finanças pessoais, além de
possuir o conhecimento sobre finanças, é necessário também ter disciplina. A
junção destes dois fatores evitará empréstimos sem análise prévia a respeito
dos juros envolvidos ou do melhor prazo, facilitando o controle dos gastos a fim
de formar uma poupança que permitirá investir de maneira consciente e eficaz.
Educar-se financeiramente possibilita uma maior autonomia e confiança ao
lidar com as próprias finanças, e ainda prepara as pessoas para aproveitar as
oportunidades que o mercado oferece (TOLEDO, 2012, p. 26).
Existem vários fatores que influenciam a gestão das finanças
pessoais, dentre eles, organização, definição de prioridades, disciplina em
425
controlar o próprio dinheiro, oscilações de juros, oportunidades do mercado e
outros aspectos que serão abordados a seguir.
É comum ouvir em jornais e reportagens assuntos relacionados a taxas
de juros, investimentos e diversos outros temas ligados a finanças, porém nem
sempre é fácil entendê-los. Gitman (2004, p. 4) afirma que “a área de finanças
é ampla e dinâmica. Afeta diretamente a vida de todas as pessoas e
organizações.”
Lidar com as finanças inclui a forma como o dinheiro é alocado no
presente, como ele é gasto e investido e a preocupação em haver uma
sustentabilidade financeira ao longo do tempo. Gitman (2004, p. 4) define
finanças como “a arte e a ciência da gestão do dinheiro” e complementa:
Praticamente todos os indivíduos e organizações recebem
ou levantam, gastam ou investem dinheiro. A área de
finanças preocupa-se com os processos, as instituições, os
mercados e os instrumentos associados à transferência de
dinheiro
entre
indivíduos,
empresas
e
órgãos
governamentais.
Administrar as finanças mostra-se uma tarefa bastante desafiadora.
Isso acontece pelo fato de grande parte das pessoas terem dificuldades em
controlar seus ganhos e na forma como ele é utilizado, ou seja, gerir o próprio
dinheiro.
De acordo com Domingos (2011, p. 23), o crescimento econômico
sustentável que se espera do Brasil depende de uma revolução na educação
formal, na qual ele acrescenta a necessidade de instruir a população no que se
refere à administração do dinheiro.
Para Gitman (2004, p. 4), “muitas pessoas poderão se beneficiar da
compreensão do campo de finanças, pois lhes permitirá tomar melhores
decisões financeiras pessoais.”
Finanças pessoais é um assunto tratado com menor importância que
outros temas. Isso pode ser percebido na maioria das escolas nas quais não
incluem educação financeira na grande curricular. Mesmo em ensinos
superiores, em cursos de Administração, Ciências Contábeis e Economia, por
exemplo, os discentes se tornam capazes de analisar a economia do país, ou
ainda, aprendem a gerir e a lidar com complicadas demonstrações financeiras
426
de uma organização, mas antes de tudo isso não aprendem a avaliar melhor
suas próprias finanças, das quais conviverão com desafios diariamente e
precisarão tomar decisões como as relacionadas a investimento. Para
corroborar, Martins (2004, p. 56) expõe:
A omissão da escola em relação a noções de comércio,
de economia, de impostos e de finanças tem uma
consequência perversa: a maioria das pessoas, quando
adulta, continua ignorando esses assuntos e segue sem
instrução financeira e sem habilidade para manejar
dinheiro. As consequências se tornam mais graves se
levarmos em conta que ninguém, qualquer que seja a sua
profissão, está livre dos problemas ligados ao mundo do
dinheiro e dos impostos.
Dessa forma, conhecer os fundamentos das finanças pessoais
determinará desde atitudes simples como evitar gastar com supérfluos até
mesmo decisões mais cautelosas, como atingir a independência financeira. De
acordo como Domingos (2011, p. 43), é preciso aprender a viver de acordo
com o que ganha, e se há muitas dívidas, é provável que esteja vivendo fora do
padrão de vida; é preciso manter um nível sustentável, que permita estar em
posição de poupador, e não de devedor.
Pessoas que possuem um conhecimento sobre finanças têm mais
estabilidade financeira permitindo realizar investimentos lucrativos, evitam
gastos desnecessários, gastam menos que suas receitas e possuem disciplina
para traçar e alcançar metas. De acordo com Frankenberg (1999, p.39 apud
BITENCOURT, 2004, p.48) “poupar com sabedoria, investindo com segurança
e supervisionando regularmente os ganhos e, gastar com prudência,
distinguindo o essencial do supérfluo, é o lema dos vencedores.”
Com
base
nos
conceitos
expostos,
percebe-se
que
possuir
conhecimento financeiro pessoal é algo de extrema importância. Entender
melhor os conceitos econômicos tornará mais clara a sua aplicação no âmbito
pessoal como em momentos de poupar, investir, analisar gastos e até mesmo
quando houver necessidade de recorrer a empréstimos.
Existem várias modalidades de empréstimos e financiamentos, mas
sempre que possível, é melhor evitá-los, como diz Hoji (2012, p. 107) “existem
empréstimos e financiamentos apropriados para cada situação. A melhor
427
alternativa de financiamento é não precisar dela, mas, quando isso não é
possível, deve-se escolher a melhor alternativa entre as disponíveis.”
A melhor atitude é ter sempre uma reserva financeira, para que em
eventuais acontecimentos inesperados, a opção não seja o empréstimo mais
fácil e rápido, pois na maioria das vezes eles possuem altas taxas de juros. É
necessário avaliar sempre as condições do empréstimo, principalmente os
juros envolvidos, e analisar se as prestações estarão dentro do orçamento
familiar. De acordo com Toledo (2012, p. 111) “toda e qualquer linha de crédito
deve ser utilizada de forma consciente e racional, considerando a relação
custo-benefício e o reflexo que causará na sua renda mensal.”
Além de ter um conhecimento sobre finanças e ajustar gastos e
despesas, é necessário poupar regularmente, e fazer da poupança um
investimento que poderá transformar-se em uma fonte de renda complementar.
O primeiro desafio das finanças pessoais está em gastar menos do que recebe
e o segundo em investir corretamente. Hoji (2011, p.93) define investimento
como: “aplicação de dinheiro em títulos, ações, imóveis, maquinários etc., com
o propósito de obter ganho (lucro).”
Para investir da melhor forma, é necessário conhecer as opções de
investimentos, analisar o perfil como investidor e ter um objetivo claro para
definir o tipo de aplicação adequada ao tempo. Cerbasi (2004, p. 121) ressalta
que decisões inteligentes são tomadas quando o investidor sabe em que está
aplicando, os riscos oferecidos, que situações geram ganhos e quais geram
perdas e, principalmente, quais são as alternativas mais rentáveis do mercado.
A tranquilidade financeira será obtida se houver a capacidade de
aumentar as finanças através do que foi poupado, isso significa trabalhar com
os juros a favor, como acontece em um simples investimento em poupança, por
exemplo, mostrando-se dessa forma, a vantagem de investir. Para Cerbasi
(2004, p. 120), investir é o caminho da garantia ou da melhoria no futuro
daquilo que se construiu até o momento. É possível alcançar um padrão de
vida bastante superior ao atual se for usado quatro fatores fundamentais:
tempo, dinheiro, decisões inteligentes e juros compostos.
Para Toledo (2012, p. 115), existem três tipos de perfis de investidor:
1- Conservador: prefere não correr risco de perdas de capital, dessa forma, não
almeja grandes rentabilidades;
428
2- Moderado: aceita flutuações de preços, desde que haja perspectivas de
ganhos moderados;
3- Arrojado: aceita correr riscos em investimentos de resultado incerto, mas
tem foco em lucros elevados;
Como dito anteriormente, além de saber qual o perfil como investidor é
necessário definir o tempo que o investimento ficará aplicado, ou ainda, qual o
tempo necessário para a realização do objetivo definido. Para a autora
supracitada (2012, p. 15) curto prazo se refere a um período menor que dois
anos, médio prazo, entre três e cinco anos e longo prazo, acima de cinco anos.
Além disso, Toledo (2012, p. 116) mostra a importância de analisar o
investimento quanto ao risco, ou seja, a incerteza da rentabilidade,
acrescentando que quanto maior o risco maior a rentabilidade; avaliar a
liquidez – tempo gasto para transformar o investimento em dinheiro; a
rentabilidade real – quanto receberá pela aplicação após descontar impostos e
taxas; saber quais impostos incidem sobre os rendimentos ou sobre o valor
total do investimento; analisar o prazo necessário para obter o retorno
desejado, e, por fim, estar informado sobre o valor mínimo para aplicação e
para movimentação.
Existem no mercado aplicações de renda fixa e renda variável, a
primeira é definida da seguinte forma: “a Renda Fixa é uma aplicação na qual o
investidor compra títulos de bancos, empresas ou do governo e recebe uma
rentabilidade que pode ser determinada já no momento da aplicação. A
rentabilidade será o valor da aplicação, mais os juros pelo período em que o
dinheiro ficar investido” (BRASIL GOV, 2013, s.p.).
Toledo (2012, p. 117) mostra algumas regras básicas para investir, tais
como diversificar, ou seja, não colocar todos os recursos em um único tipo de
investimento; ter disciplina para poupar e depositar mensalmente, pois o
depósito contínuo e mensal rende mais do que o feito de uma única vez; estar
sempre informado sobre o cenário econômico do país; analisar o tipo de
investimento escolhido, seu risco e suas regras; começar a investir o mais cedo
possível para não precisar depositar valores tão altos e acompanhar a situação
das aplicações e, por último, ter uma cópia dos documentos da aplicação.
Por meio do que foi abordado sobre investimentos pode-se afirmar que
pessoas que possuem um conhecimento sobre finanças além de terem o
429
hábito de se planejar financeiramente, em muitas das vezes se organizam para
investir o que foi poupado. A motivação em investir está na obtenção do lucro e
no aumento da capacidade produtiva, pela remuneração do capital. Dessa
maneira, investir é a melhor maneira de constituir uma reserva financeira a fim
de prevenir contra instabilidades empregatícias, imprevistos na vida pessoal e
da incerta previdência pública.
Um adequado planejamento financeiro representa para as pessoas uma
importante estratégia para um presente equilibrado e um futuro tranquilo,
principalmente em relação à segurança e a qualidade de vida na
aposentadoria, na qual muitos têm tempo, porém nem tantos assim têm
dinheiro para aproveitar esse tempo da melhor forma possível. Não fazer um
planejamento pode levar as pessoas a assumirem grandes perdas e riscos.
Para Cerbasi (2004, p. 38), o planejamento financeiro tem um objetivo muito
maior do que simplesmente não contrair dívidas. Mais importante do que
conquistar um padrão de vida é mantê-lo, e é para isso que se deve planejar.
Para Gitman (2005, p. 2), entender finanças não só prepara as pessoas
para as carreiras, mas também dá condições para tomar decisões como
investidores. Independentemente de quanto tem para investir, o conhecimento
de finanças pode ajudar a decidir em que tipo de investimento financeiro
colocar o dinheiro, quanto deve ser investido e como os recursos devem ser
distribuídos entre diferentes investimentos.
De acordo com Rodrigues (2013, s.p.), o teto máximo pago pelo INSS
em 2013 é R$ 4.157,05, dessa forma, para quem recebe mais que o teto, deve
começar a poupar o mais cedo possível, para complementar a renda na
aposentadoria. Toledo (2012, p. 126) cita a previdência privada como uma
forma de garantir uma renda complementar no futuro. E complementa que a
vantagem desse tipo de investimento é que o Imposto de Renda 57 é recolhido
somente no resgate, diferente de outros fundos de investimentos que são
descontados mensalmente.
Segundo a autora, para decidir qual é o melhor plano de previdência
privada, deve ser levada em consideração algumas variáveis como: idade atual
57
O imposto de renda recai sobre qualquer lucro ou renda superiores a R$ 12.696,00
em salário ou outras fontes de rendimentos obtidos anualmente. (SANTANA, 2013, s.p.)
430
e data que almeja aposentar; valor mensal disponível; tipo de plano mais
adequado e o risco que está disposto a correr (TOLEDO, 2012, p. 128).
Percebe-se que para haver uma aposentadoria segura e tranquila é
necessário que haja primeiro um planejamento financeiro. Este ocorrendo de
forma eficaz e o quanto antes trará resultados bastante positivos, permitindo
uma vida financeira mais saudável a fim de solucionar eventuais imprevistos
com mais segurança e sabedoria. Para obter um planejamento financeiro
eficiente com resultados como os descritos anteriormente, uma boa estratégia
é adquirir educação financeira, a qual será definida e estudada a seguir.
3 Educação financeira como ferramenta estratégica das finanças pessoais
A educação financeira tem um papel de grande importância na gestão
das finanças pessoais. Compreendê-la significa estar mais preparado para lidar
com o orçamento doméstico, consumindo de forma compatível com a renda
familiar, tendo um conhecimento do cenário econômico e aproveitando as
oportunidades de investimento oferecidas pelo mercado.
Educação financeira é definida por Pereira (2001, p. 199 apud
BITENCOURT, 2004, p.46) da seguinte forma:
Educação Financeira é o processo de desenvolvimento da
capacidade integral do ser humano de viver bem, física,
emocional, intelectual, social e espiritualmente. Educação
Financeira não é apenas o conhecimento do mercado
financeiro com todos os seus jargões, produtos, taxas e
riscos, mas esse conhecimento faz parte do processo.
Essa é uma forma de estar aberto ao processo constante
de aprendizagem, com a alegria da descoberta, para ir
atualizando a própria vida. É conhecer fontes de
informação, como sites, chats, fóruns via internet, jornais,
livros, revistas, consultorias e acessá-las sempre que
precisar.
Segundo o Centro de Produções Técnicas (2013,s.p.), a educação
financeira é um tema transdisciplinar, no qual se discutem termos essenciais
em relação às finanças, a importância do dinheiro, como administrá-lo
eficazmente e como consumir de forma consciente. Além disso, a educação
financeira demonstra ainda as consequências do consumo sobre o meio
ambiente e sobre as gerações futuras, reforçando a ética e a responsabilidade
431
social que estão envolvidas no ganho e no uso do dinheiro. Ela ainda auxilia na
formação de jovens capazes de poupar e de planejar seus gastos, criando
assim uma mentalidade adequada e saudável em relação ao dinheiro.
Através dos conceitos expostos anteriormente, percebe-se a importância
que a educação financeira representa tanto para os indivíduos quanto para o
sistema financeiro, refletindo em toda a sociedade de um modo geral. Do ponto
de vista de Braunstein e Welch( 2002, p. 1 apud SAVOIA et al 2007, s.p.):
Participantes informados ajudam a criar um mercado mais
competitivo e eficiente. Consumidores conscientes
demandam por produtos condizentes com suas
necessidades financeiras de curto e longo prazo, exigindo
que os provedores financeiros criem produtos com
características que melhor correspondam a essas
demandas.
De acordo com o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.),além da educação
financeira ter sido sempre importante para auxiliar as pessoas a planejar e gerir
sua renda, nos últimos anos sua relevância é ainda maior. Isso se dá em
decorrência do desenvolvimento dos mercados financeiros, no qual estão mais
sofisticados e há novos produtos com riscos e retornos que os consumidores
não possuem um conhecimento de imediato, e os clientes possuem acesso a
mais instrumentos bancários.
Ainda segundo o site, a variedade de instrumentos de crédito,
poupança, investimento, seguro e previdência e de instituições que os
oferecem, tende a favorecer o consumidor pelo fato de permiti-lo escolher o
produto que se enquadra melhor ao seu perfil. Em contrapartida, dificulta a
tomada de decisão, em virtude da necessidade de analisar as características
de cada opção.
Em um cenário onde os indivíduos precisam entender e dominar muitas
informações, Claudino et al (2013, s.p.) destaca:
A importância da educação financeira, que compreende a
inteligência de ler e interpretar números e assim
transformá-los em informação para elaborar um
planejamento financeiro que garanta um consumo
saudável e o futuro equilibrado nas finanças pessoais.
Quando essa educação é adquirida e aprimorada, as
pessoas planejam seu futuro para acumularem ativos e
432
para terem um nível adequado de renda, além de
elaborarem orçamentos compatíveis as suas capacidades
financeiras. Os indivíduos financeiramente educados são
importantes para o desenvolvimento da economia, uma
vez que estes, geralmente, formam poupança. O governo
é um agente deficitário, os recursos poupados pelas
famílias representam uma importante fonte de
financiamento para os setores da economia.
Segundo Savoia (2007, s.p.), quando os indivíduos aprimoram o
conhecimento sobre finanças e tomam decisões com maior precisão, eles
tornam-se mais integrados à sociedade e mais atuantes no âmbito financeiro,
ampliando seu bem-estar.
Para Lucciet al (2006, p.4), a importância da educação financeira pode
ser vista sob diversas perspectivas, tais como o bem estar pessoal, das quais
decisões comprometerão o futuro. As consequências de decisões tomadas
sem uma análise podem ser desorganização das contas domésticas e inclusão
do nome em sistemas como SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, podendo
prejudicar não só o consumo, mas até a carreira profissional. Para a mesma
autora, outra perspectiva é o bem estar da sociedade, que pode trazer
consequências mais graves. Em casos extremos, pode culminar no
sobrecarregamento dos já precários sistemas públicos, ou ocasionar políticas
públicas de correção, como o aumento de impostos e contribuições para
equilibrar orçamentos deficientes de indivíduos, ou ainda o aumento da taxa
básica de juros para conter consumo e diminuir taxa de inflação, além da total
dependência de sistemas como SUS e INSS.
Como foi abordado anteriormente sobre inadimplência, por meio do
marketing, existem cada vez mais estímulos ao consumismo, como facilidades
de aquisição de produtos por meio de parcelamentos e o uso de cartões.
Dessa forma, sem educação financeira, as pessoas ficam mais vulneráveis e
consomem sem necessidade, comprometendo a renda familiar sem uma
avaliação e podendo levar a complicações financeiras como a inadimplência.
Diante do que foi exposto, percebe-se o quanto a educação financeira
é importante. Tendo em vista que, existem muitos produtos financeiros
ofertados e sem um conhecimento adequado, as pessoas adquirem sem uma
avaliação da melhor opção e mais adequada ao perfil. Dessa forma, a
433
educação financeira mostra-se uma medida preventiva contra insucessos
pessoais e consequentemente sociais. Por meio do conhecimento adquirido
haverá um maior controle e domínio das finanças pessoais, que resultará em
uma harmonia do ser humano no âmbito emocional, social, físico e espiritual.
Além disso, sem educação financeira é mais difícil as pessoas terem o hábito
de realizar um planejamento financeiro a longo prazo, e investir em poupança
ou previdência privada.
A educação financeira mostra-se uma excelente ferramenta estratégia
das finanças pessoais, pois ela auxilia no desenvolvimento de habilidades, de
segurança e de consciência em relação aos riscos e oportunidades existentes
no universo das finanças. Apesar de sua grande relevância, a abordagem
nesta área no Brasil ainda é escassa. De acordo com o site Vida e Dinheiro
(2013, p.19), o desconhecimento nesse campo não é exclusivamente brasileiro,
sendo apontado, de forma unânime, por pesquisas realizadas em diversos
países.
Em decorrência da necessidade de uma maior aproximação com
assuntos relacionados a finanças e devido à importância da educação
financeira, o governo instituiu uma estratégia para disseminá-la no país, a
chamada Estratégia Nacional de Educação Financeira – ENEF.
De acordo com o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.), respondendo à
necessidade atual da sociedade, o desenvolvimento do projeto nacional de
educação financeira foi uma iniciativa das entidades e dos órgãos integrantes
do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiros, de
Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização – COREMEC. Dessa
forma, desenvolveram uma proposição de Estratégia Nacional de Educação
Financeira, resultado de dezoito meses de pesquisa e instalado em novembro
de 2007. Ela prevê a promoção de um inventário nacional de ações e de
projetos de educação financeira no país, além de uma pesquisa que mapeie o
grau de conhecimento financeiro da população brasileira.
Ainda segundo o site supracitado, os principais objetivos da ENEF são:
promover e fomentar a cultura de educação financeira no país; ampliar o nível
de compreensão do cidadão para efetuar escolhas conscientes relativas à
administração de seus recursos e contribuir para a eficiência e solidez dos
434
mercados financeiro, de capitais, de seguros, de previdência e de capitalização
(VIDA E DINHEIRO, 2013, s.p.).
Além disso as diretrizes norteadoras das ações da ENEF são as
seguintes: é um programa de Estado, de caráter permanente; com ações de
interesse público; no âmbito nacional; a gestão é centralizada e a execução é
descentralizada; havendo três níveis de atuação (informação, formação e
orientação) e avaliação e revisão permanentes e periódicas (VIDA E
DINHEIRO, 2013, s.p.).
Objetivando auxiliar na execução da ENEF, foi lançando, em agosto de
2008, o sítio da Estratégia (www.vidaedinheiro.gov.br), para inicialmente
cadastrar ações de educação financeira, gratuitas e de conteúdo não comercial
existentes no Brasil, permitindo a formação de inventário nacional (VIDA E
DINHEIRO, 2013, p.3).
Para o site Vida e Dinheiro (2013, s.p.), “o sucesso da ENEF vai
contribuir para um consumo financeiro mais responsável da população,
assegurar a conscientização dos riscos assumidos pelos consumidores e
reforçar a estabilidade e confiança no Sistema Financeiro Nacional.” Além
disso:
A existência de maior grau de conhecimento de finanças
pessoais tende promover uma maior inclusão de
segmentos da população que estejam à margem do
sistema financeiro, além de contribuir para a formação de
poupança. A educação pode atuar diretamente nas
variáveis pessoais e sociais, contribuindo para formar ou
amadurecer uma cultura de planejamento de vida, capaz
de permitir que a pessoa, conscientemente, possa resistir
aos apelos imediatistas e planeje no longo prazo as suas
decisões de consumo, poupança e investimento (VIDA E
DINHEIRO, 2013, s.p.).
Foi ressaltado ainda no site que a estratégia é o início de uma longa
caminhada. E que ela deverá agregar novos parceiros e envolver toda a
sociedade. E para que haja melhoria na capacitação financeira dos cidadãos o
esforço deverá ser contínuo e sustentado em longo prazo (VIDA E DINHEIRO,
2013, s.p.).
435
Neste contexto, a ENEF mostra-se como um grande passo na busca
por nivelamento de informações e conhecimento. Mas a estratégia somente
será válida se o governo não delimitar-se em meramente instituí-la, mas aliado
a isso é imprescindível que o Estado torne a sociedade mais consciente da
importância de estar melhor informada sobre alguns aspectos relacionados a
finanças. Vale ressaltar que, a função do governo é a de orientar, e não de
incitar decisões finais. Para mensurar a repercussão da ENEF, é necessário
um constante apuramento e acompanhamento dos resultados através de
pesquisas para analisar índices de inadimplência e de investimentos, por
exemplo, e quando necessário, implantar melhorias ou mudar estratégias de
divulgação da educação financeira, como realização de palestras em escolas
públicas e para a sociedade, distribuição de livros e cartilhas sobre o tema e
inclusão do assunto em grades curriculares de ensinos básicos e superiores.
Considerações finais
Lidar com as próprias finanças é algo habitual, afinal, todos compram,
pagam contas, alguns usam cheques e cartões, porém para muitas pessoas
essa tarefa se torna um grande desafio, traduzindo-se muitas das vezes em
uma barreira na vida pessoal. Mas o que a princípio parece ser apenas um
problema individual, na verdade se manifesta em outros âmbitos, tais como o
familiar, o profissional e até o social. Este problema ocorre devido ao fato de
muitas pessoas serem vulneráveis a facilidades de consumo, comprometendo
assim o orçamento doméstico futuro.
Neste contexto, para evitar que situações como as descritas ocorram,
pôde-se observar ao longo desta pesquisa que uma importante ferramenta é a
educação financeira. A maioria, senão todos os autores sobre finanças
pessoais pesquisados neste trabalho ressaltam que não importa o valor do
salário, tampouco o quanto se tem, mas sim a forma de lidar com o dinheiro, e
como administra o que possui.
Com o intuito de responder o problema de pesquisa, este artigo não só
buscou apontar a importância da educação financeira, mas também mostrou
como esta é um instrumento essencial para lidar com as finanças pessoais.
Em virtude das peculiaridades do sistema financeiro, estar informado a
respeito do cenário econômico e alguns conceitos referentes a este, tais como
436
inflação e taxa selic, faz com que as pessoas fiquem mais atentas às
oportunidades que o mercado oferece. Dessa maneira, analisam as taxas de
juros verificando quais os melhores momentos para investir e fazer aquisições,
além de saber quais as melhores opções de empréstimos, quando houver
necessidade de recorrer a eles.
A educação financeira possibilita às pessoas uma maior clareza, em
relação à importância de planejar-se para o futuro. Com isso, ela permite um
maior índice de consumo sustentável, ou seja, consumir sem comprometer a
renda atual, visando um futuro financeiro mais tranquilo.
Neste contexto, é imprescindível que haja uma sintonia da teoria com a
prática, para isso é necessário aliar o conhecimento adquirido através da
educação financeira com disciplina e organização para lidar com as finanças no
dia-a-dia.
Consumidores mais instruídos adquirem produtos relacionados à suas
necessidades e com o seu perfil e tem um maior controle de seus gastos, isso
resulta em um sistema financeiro mais eficiente. O governo consciente dessa
necessidade de tornar as pessoas financeiramente mais esclarecidas criou
uma estratégia de disseminação da educação financeira no Brasil a ENEF –
Estratégia Nacional de Educação Financeira, que institui mais ações e projetos
relacionados ao tema.
Essa atitude do governo de tornar mais acessível a educação
financeira aos brasileiros, traz grandes perspectivas iniciais, e mostra a
preocupação com alguns aspectos, tais como a inadimplência e os gastos
excessivos dos consumidores. Porém, o governo não deve restringir-se
somente à teoria e à implantação da estratégia, mas de forma contínua, fazer
análises dos dados econômicos por meio de pesquisas e sempre que
necessário realizar mais mudanças a fim de incentivar e tornar cada vez mais
eficaz a gestão das finanças pessoais no Brasil.
Espera-se com a realização desta pesquisa que o interesse das
pessoas nesta área aumente cada vez mais e que novos estudos voltados às
finanças pessoais sejam realizados, a fim de contribuir com uma maior
disseminação do tema.
437
Referências
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inadimplência.IN II Seminário de Iniciação Científica Ciências Contábeis.
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439
DANO MORAL
Welinton Augusto Ribeiro
Professor do Curso de Direito – IPTAN
Resumo
O presente trabalho tem o intuito de levar ao leitor uma compreensão
adequada acerca do instituto do dano moral, trazendo algumas questões
controvertidas e interpretações jurisprudenciais e doutrinarias. Não poderíamos
deixar de mencionar que o dano moral surge a partir do momento em que há
lesão aos direitos da personalidade, sendo certo que a preocupação maior do
legislador é proteger a dignidade da pessoa humana, que é principio
consagrado na Carta Magna de 1988. Observa-se ainda outro ponto
interessante ao ficar demonstrado que a finalidade precípua do dano moral é
compensar e não punir, trazendo um preço para apenas atenuar a dor e o
sofrimento experimentados pelo prejuízo imaterial. O instituto em comento
ganhou foro de constitucionalidade na legislação brasileira a partir de 1988, em
que pese sua existência mesmo antes desta data em diversas legislações
internas. Importante ainda ressaltar que o dano moral experimentado pelo
sujeito de direito está num patamar de incômodo bem superior ao mero
aborrecimento, sendo este consequência da vida em sociedade, insuscetível
de pretensão de ressarcimento. O que não pode ocorrer é a banalização do
dano moral, ou mesmo sua industrialização, devendo existir uma atenção maior
dos aplicadores e operadores do direito de modo a não permitir aventuras
jurídicas ou pretensões fadadas ao insucesso.
Palavras-chave: dano moral;
compensação; dignidade humana.
direitos
da
personalidade;
violação;
1 INTRODUÇÃO
Nos dias atuais observa-se um grande crescimento de pretensões
acerca de reparação por danos morais, sendo algumas embasadas em
verdadeiros fundamentos, ao passo que uma grande maioria é calcada em
meros aborrecimentos.
Dessa forma, de suma importância definir o instituto do dano
moral, sendo certo que pode ser conceituado como um prejuízo que provoca
dano extrapatrimonial a uma pessoa natural ou jurídica, assim como uma lesão
aos direitos da personalidade e, não necessariamente, mas na maioria da
vezes, causando sofrimento, desconforto, dor, tristeza e angústia.
Como se vê, hoje o dano moral não se restringe mais à dor,
tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos
– os complexos de ordem ética -, razão pela qual revela-se mais apropriado
440
chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito
Português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insuscetível de
avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação
pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do
que uma indenização. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 81)
A partir daí é necessário um breve apanhado do desenvolvimento
do instituto, assim como buscar compreender e identificar qual o bem jurídico
tutelado, de modo a permitir que cada indivíduo possa viver em sociedade na
mais plena harmonia, sem qualquer lesão ao seus direitos fundamentais.
2 BREVE HISTÓRICO
Antes de abordar qualquer discussão acerca do tema proposto
não poderíamos deixar de mencionar que César Fiúza afirma que a integridade
da pessoa humana sempre foi preocupação do direito, embora nem sempre
sob a mesma perspectiva.
Busa Mackenzie Michellazzo (2001, p. 19), dentre outros grandes
nomes do mundo juridico, são todos uníssonos em afirmar que a notícia mais
longínqua sobre dano moral versa nos Códigos de Manu e Hammurabi, em que
se prescreviam penas corporais e pecuniárias para alguns atentados contra a
integridade física e moral das pessoas. A título de exemplo, o artigo 202 do
código de Hamurabi dispunha: “Se um homem agrediu a face de um outro
homem que lhe e superior, será golpeado sessenta vezes diante da
Assembleia com um chicote de couro de boi.” Temos ainda no artigo 127: “Se
alguém difama uma mulher consagrada ou a mulher de um homem livre e não
pode provar, se deverá arrastar esse homem perante o Juiz e tosquiar-lhe a
fronte. (BUSA MACKENZIE, 2001, p. 19)
Observa-se também que no Direito Romano existia proteção à
pessoa, que abrangia qualquer atentado ao cidadão, tanto físico quanto moral.
Imperioso ainda trazer à baila o surgimento e a proteção dos
direitos do homem, sendo certo que a categoria dos direitos da personalidade
seria fruto da doutrina francesa.
Segundo Norberto Bobbio (1992, p. 26) a paz é o pressuposto
necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos em cada
441
Estado e no sistema internacional. Diz ainda que a democracia é a sociedade
dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos
alguns direitos fundamentais.
De acordo com referido autor, a partir da Revolução Francesa,
pode-se acreditar que a Declaração dos direitos do homem e do cidadão,
aprovada pela Assembleia Nacional, em 26 de agosto de 1789, por cerca de
dois séculos, foi o modelo ideal para todos os que combateram pela própria
emancipação e pela libertação do próprio povo. A revolução norte americana,
que se deu um pouco antes da revolução francesa, tinha uma preocupação de
relacionar os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade. Ao passo que
os franceses pretendiam afirmar primária e exclusivamente os direitos dos
indivíduos. Inegável que a norte-americana precedeu e influenciou a francesa,
mas foram os princípios de 1789 que constituíram, durante um século ou mais,
a fonte ininterrupta de inspiração ideal para os povos que lutavam pela sua
liberdade.
O primeiro artigo da Declaração de 1789 – “os homens nascem e
permanecem livres e iguais em direitos” – foi quase literalmente mantido pelo
artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pelas
Nações Unidas em 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos.”
Bobbio (1992, p. 103) ainda afirma que Kant vira no entusiasmo
com que foi acolhida a Revolução Francesa um sinal de disposição moral da
humanidade.
Busa Mackenzie (2000, p. 24) afirma que no Brasil a
responsabilidade civil resultou de numerosos textos exparsos. Faz menção
inicialmente ao Decreto 2.681, de 07/12/1912, que regula a responsabilidade
civil das estradas de ferro:
Art. 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, a
vista da natureza da mesma e de outras circunstancias,
especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão
habitual, além das despesas com o tratamento e os
lucros cessantes, devera pelo juiz ser arbitrada uma
indenização conveniente.
Art. 22. No caso de morte, a estrada de ferro respondera
por todas as despesas e indenizara, a arbítrio do juiz, a
442
todos aqueles aos quais a morte do viajante privar de
alimento, auxilio e educação.
Diz ainda que, em seguida, veio a Lei 4.117, de 27/08/1962, que
instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações, a qual em seu artigo 81
aponta que:
“Independentemente de ação penal, o ofendido pela calunia, difamação ou
injuria, cometida por meio de radiodifusão, poderá demandar, no juízo cível, a
reparação do dano moral [...]”
O artigo 84 da Lei 4.117/62 mandava que o juiz, na estimação do
dano moral, tivesse em conta, notadamente, a posição social do ofensor, a
intensidade do animo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa.
A Lei 5.250 de 09/02/1067, regulamentando a liberdade de
manifestação do pensamento de informações, obriga, no artigo 49, aquele que
no seu exercício, com dolo ou culpa, violar ou causar danos morais e materiais,
a repará-los nos casos que indica, bem como nos de calúnia, difamação ou
injúria.
A Lei 5.988, de 14/12/1973, regulando os direitos autorais e
outras providências, depois de ter enumerado, no artigo 25, cinco direitos
morais do criador de uma obra, especifica três casos em que:
quem, na utilização, por qualquer meio ou processo, de
obra intelectual, deixar de indicar ou de enunciar como
tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor,
intérprete e executante, alem de responder por danos
morais, está obrigado a divulgar-lhe a identidade.
Aqui acrescenta-se que o dano moral ganhou foros de
constitucionalidade com a Carta Magna de 20.09.1988, que faz menção ao
dano moral em dois incisos do artigo 5°:
V. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, alem da indenização por dano material, moral ou
a imagem.
X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação.
443
Tem-se também o Código de Proteção e Defesa do Consumidor
(Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), em seu artigo 6, VI e VII, que garante
a reparação por danos morais.
O dano extrapatrimonial e sua reparabilidade já foi questão
controvertida em nosso ordenamento jurídico, sendo certo que nos dias atuais
está pacificado até mesmo quanto à possibilidade de cumulação com o dano
material, tendo sido reconhecido pelo nosso ínclito Superior Tribunal de
Justiça, ao ser elaborada a Súmula 37, que reza: “São cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”.
O Código Civil, expressamente no artigo 186, faz menção também
ao dano moral dizendo que comete ato ilícito quem viola direito e causa dano a
outrem.
3 DIGNIDADE HUMANA E DANO MORAL
A Constituição Federal de 1988, no artigo 1, ao rezar sobre os
Princípios Fundamentais que darão norte a todo o texto constitucional, faz
menção à dignidade da pessoa humana.
E de imediato podemos dizer que a violação à dignidade da
pessoa humana acarreta inúmeras causas de dano moral.
Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 83), a
Constituição consagrou o princípio e, considerando a sua eminência,
proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo
de alicerce da ordem jurídica democrática.
A dignidade da pessoa humana pode ser definida como virtude,
grandeza, honestidade, decoro, de modo que sem a sua garantia a cada
cidadão não haveria como o ser humano desenvolver-se em sua plenitude.
A ideia maior é que cada indivíduo é portador de um valor moral
pelo simples fato de ser homem, quaisquer que sejam suas qualidades
individuais, sendo essa a finalidade do constituinte ao determinar como valor
fundamental a dignidade da pessoa humana, ou seja, proteger em patamar de
igualdade todo e qualquer cidadão.
Maria Celina Bodin de Moraes cita o Ministro Francisco Rezek,
quando faz um delineamento da noção de dano moral:
444
Penso que o que o constituinte brasileiro qualifica como
dano moral é aquele dano que se pode depois neutralizar
com uma indenização de índole civil, traduzida em
dinheiro, embora a sua própria configuração não seja
material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se
um bem da pessoa. É causar a ela um mal evidente [...]
(STF, Rel. Min. Marco Aurélio, 1996).
Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 41), a
preocupação a partir daí consiste em traduzir para a ciência do Direito o que se
visualizou como um mal evidente e, tendo em vista que existem inúmeros
modos de viver e de ver a vida, deve-se muitas das vezes analisar o caso
concreto, já que o que pode ser mal evidente para uns, pode não ser para
outros.
Pode-se afirmar que o dano moral é originado a partir de uma
injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida
pelo ordenamento jurídico, mais precisamente tendo sua fonte na Carta Magna
de 1988 através do princípio da dignidade da pessoa humana.
4 A PERSONALIDADE COMO OBJETO DE SITUAÇÕES JURÍDICAS
SUBJETIVAS
Os direitos da personalidade apresentam grandes dificuldades
para sua conceituação.
Pode-se dizer que a categoria dos direitos da personalidade tem
sua origem na doutrina francesa e germânica, mais precisamente na segunda
metade do século XIX, segundo Norberto Bobbio. (1992, p. 85)
Gustavo Tepedino (2004, p. 24), citando Giorgio Giampiccolo, diz
que em síntese muito feliz, observou-se que o homem como pessoa manifesta
dois interesses fundamentais: como indivíduo, o interesse de uma existência
livre;
como
partícipe
do
consórcio
humano,
o
interesse
ao
livre
desenvolvimento da vida em relações. A esses dois aspectos essenciais do ser
humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as instancias
específicas da personalidade.
Gustavo Tepedino (2004, p. 27) afirma que a rigor, a
personalidade pode ser considerada sob dois pontos de vista, sendo, sob o
445
ponto de vista dos atributos da pessoa humana, que a habilita a ser sujeito de
direito, tem-se a personalidade como capacidade, indicando a titularidade das
relações jurídicas. Seria o ponto de vista estrutural, em que a pessoa, tomada
em sua subjetividade, identifica-se como elemento subjetivo das relações
jurídicas. E ainda, sob o ponto de vista em que se tem a personalidade como
conjunto de características e atributos da pessoa humana, que é considerada
como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico. A pessoa, vista
deste ângulo, há de ser tutelada das agressões que afetam a sua
personalidade, identificando a doutrina, por isso mesmo, a existência de
situações jurídicas subjetivas oponíveis erga omnes.
Francesco Ferrara, também citado por Tepedino (2004, p. 29),
afirma que os direitos da personalidade são os direitos supremos do homem,
aqueles que garantem a ele a fruição de seus bens pessoais. Em confronto
com os direitos a bens externos, os direitos da personalidade garantem a
fruição de nós mesmos, asseguram ao indivíduo a senhoria de sua pessoa, a
atuação das próprias forças físicas e espirituais.
E
ainda,
não
menos
renomado
que
os
autores
acima
mencionados, Fiuza (2006, p. 172) afirma, caracterizando os direitos da
personalidade, que são genéricos, extrapatrimoniais, absolutos, inalienáveis ou
indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, intransmissíveis ou vitalício,
impenhoráveis, necessários, essenciais e preeminentes:
São genéricos por serem concedidos a todos.
Extrapatrimoniais por não terem natureza econômicopatrimonial.
Absolutos por serem exigíveis de toda a coletividade,
sendo oponíveis erga omnes.
Inalienáveis ou indisponíveis por não poderem ser
transferidos a terceiros. Entretanto aqui, alguns são
disponíveis, como os direitos a imagem, ao corpo, ao
órgão, etc., por meio de contrato de concessão, de
licença ou de doação.
Irrenunciáveis, uma vez que a eles não se pode
renunciar. Ninguém pode renunciar o seu direito de
liberdade.
Imprescritíveis por não haver prazo para seu exercício.
Intransmissíveis por não se transferirem
hereditariamente, apesar de a tutela de muitos interesses
relacionados a personalidade manter-se mesmo após a
morte.
446
Necessários, uma vez que todo ser humano os detém
necessariamente, por forca de lei.
São essenciais porque inerentes ao ser humano.
E são preeminentes porque se sobrepujam a todos os
demais direitos subjetivos.
Fiuza (2006, p. 177) diz que o legislador brasileiro adotou a teoria
monista, na qual os direitos da personalidade formam um só corpo, existindo
um direito geral da personalidade. Quando se fala em direito à vida, à honra, à
saúde, não está se referindo a vários direitos distintos da personalidade, mas a
desdobramentos de um único direito geral.
Na legislação brasileira, ao ter sido previsto na Constituição
Federal como fundamento, a proteção à dignidade da pessoa humana, garantiu
proteção de forma implícita aos direitos da personalidade.
5 CONCEITO DE DANO MORAL
César Fiuza (2006, p. 731) conceitua dano moral como sendo o
constrangimento que alguém experimenta, em consequência de lesão a direito
personalíssimo, como a honra, a boa fama etc., ilicitamente produzida por
outrem. Afirma ainda que em se tratando de dano moral não se fala em
indenização, mas em compensação.
Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 217) por sua vez,
também afirma que aquele que sofre um dano moral deve ter direito a uma
satisfação de cunho compensatório.
Fala-se em compensação, pois o dano moral não é propriamente
indenizável. O fato de se indenizar alguém significa fazer com que o patrimônio
desse alguém seja devolvido ao estado anterior, ou seja, eliminar o prejuízo e
suas consequências, o que não é possível no caso de um dano
extrapatrimonial.
Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 80), conceituando o dano moral, à
luz da Constituição vigente, diz que pode ser caracterizado por dois aspectos
distintos:
Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à
dignidade. E foi justamente por considerar a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e
447
da imagem corolário do direito a dignidade que a
Constituição inseriu em seu artigo 5°, V e X a plena
reparação do dano moral.
Nessa perspectiva, o dano moral não está
necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da
vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa
humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode
haver dor, vexame e sofrimento sem violação da
dignidade. Dor, vexame e sofrimento podem ser
consequências, e não causas.
A partir dessa ideia, abre-se espaço para o
reconhecimento do dano moral em relação a várias
situações nas quais a vítima não é passível de
detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, as
pessoas em estado vegetativo ou comatoso, até em
crianças de tenra idade.
Dessa forma, por mais pobre e humilde que seja a
pessoa, ainda que completamente destituída de
formação e bens materiais, enquanto ser humano será
detentora de um conjunto de bens integrantes de sua
personalidade, mais precioso que qualquer patrimônio.
Estamos falando da dignidade da pessoa humana, que
não é privilégio apenas dos ricos, cultos e poderosos, e
que deve ser respeitada por todos.
Em sentido amplo, diz que os direitos da personalidade
englobam outros aspectos da pessoa humana que não
estão diretamente vinculados a sua dignidade. Nessa
categoria incluem-se os chamados novos direitos da
personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação,
sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos,
gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas,
direitos autorais.
Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p. 155) define dano moral
como sendo aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos
personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa,
tal como a liberdade, a honra, atividade profissional, a reputação, as
manifestações culturais e intelectuais, entre outros. Afirma ainda que o dano é
considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na
órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou
humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas.
Conclui-se que o dano moral, diante de sua natureza imaterial,
pode apenas ser compensando, através da imposição de uma obrigação
pecuniária ao infrator, e se caracteriza a partir do momento em que a dignidade
448
da pessoa humana é de alguma forma lesada de modo a causar
constrangimento, tristeza, humilhação.
Outra questão importante, muito confundida nos dias atuais, é
aquela referente a um mero aborrecimento, que não passa de situação comum
a que todos devem se sujeitar pelo simples fato de conviver em sociedade.
Portanto, o incômodo, a humilhação, o constrangimento devem ser intensos a
ponto de não se confundirem com meros aborrecimentos, caso contrário, não
acarretam dano moral.
6 CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL
Na
atualidade
percebemos
uma
busca
constante
por
indenizações milionárias, o que tem sido permitido pela falta de critérios
objetivos em nossa legislação.
A indústria do dano moral é um dos grandes temores dos
aplicadores do direito, já que nem sempre tem sido coibido o mero
aborrecimento, ou mesmo situações corriqueiras, que na verdade não chegam
a ser uma lesão a direitos da personalidade ou à dignidade da pessoa humana.
É importante que todos os aplicadores do direito, ao avaliarem a
existência ou não de um dano moral, façam-no com muito bom senso,
aplicando a técnica, mas jamais se esquecendo da prudência, assim como
aplicando uma criteriosa ponderação diante de cada fato do cotidiano.
É sabido e ressabido, conforme afirmado alhures, que o dano
moral é lesão à dignidade humana, portanto, não se caracterizando diante de
qualquer contrariedade. E com base nessa linha de raciocínio, somente
entenderemos como dano moral a dor, exposição a ridículo, sofrimento ou
humilhação que interfira psicologicamente no comportamento do indivíduo,
causando-lhe aflições e angústia, de modo a deixá-lo diante de situação
insuportável.
O que se pretende com as ponderações em comento é coibir, ou
mesmo desencorajar pretensões fadadas ao insucesso, embasadas em fatos
do cotidiano que, como já dito, devem ser suportados pelo simples fato de se
viver em sociedade.
449
7 DANO MORAL E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
O mero fato de se descumprir um contrato, ou mesmo demorar a
cumpri-lo, ou ainda ser ocasionado algum prejuízo econômico em razão da
inadimplência, não caracterizaria isoladamente um dano moral, já que inexiste
agressão ao principio da dignidade da pessoa humana.
Importante aqui ressaltar que os aborrecimentos oriundos de um
eventual inadimplemento contratual estariam reparados pelo dano material.
Entretanto,
repercutirem
se
na
as
consequências
esfera
da
de
dignidade
um
da
descumprimento
vítima,
contratual
ultrapassando
os
aborrecimentos advindos de uma perda patrimonial, chegando a expor o
contratante a situação vexatória e contrangedora, aí, sim, poder-se-ia falar em
dano moral.
Pode-se exemplificar através de determinada senhorita, que
espera ansiosamente pelo seu dia de contrair núpcias, quando irá receber seus
convidados na igreja para cerimônia religiosa. É de curial sabença que referida
data é única na vida de determinadas pessoas. Pois bem, após locar e conferir
vestido de noiva em determinada empresa, recebe a mercadoria no dia e
próximo ao horário da cerimônia. E para sua surpresa, ao colocar a vestimenta
contratada, descobre uma grande mancha no vestido, sendo obrigada assim a
entrar na igreja daquela forma, o que foi percebido por todos.
Tal ocorrência, sem solução por parte da empresa contratada, e
diante da situação peculiar que estava a contratante, por sua natureza e
gravidade, exorbita o aborrecimento normalmente decorrente de uma quebra
contratual, a ponto de repercutir na esfera da dignidade da vítima.
Inegável que uma ocorrência dessa natureza deixa o contratante
desconfortável e em situação constrangedora perante seus convidados.
Ninguém pode negar, segundo as regras da experiência comum, que tal fato
causa vexame e sofrimento, a merecer reparação por dano moral.
A configuração do dano moral não está necessariamente atrelada
ao ilícito, mas depende da repercussão que ele possa ter.
8 – INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL POR FATO PRATICADO NO
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
450
Existem algumas situações que mesmo sendo desconfortáveis,
ainda assim são imprescindíveis ao exercício regular de certas atividades,
podendo-se mencionar, por exemplo, a revista de pessoas em aeroportos, o
exame de bagagens, enfim, situações extremamente necessárias e que todos
devem se sujeitar.
Outra situação equivocada e que tem ocorrido com muita
frequência na atualidade é o ajuizamento de indenizações embasadas em
inquéritos ou processos criminais arquivados. Não raras vezes, vítimas pedem
providências a autoridades no sentido de que investiguem determinadas
práticas delituosas, e isso muitas das vezes acaba culminando com o nome de
um ou alguns suspeitos.
Em princípio não há que se falar em responsabilidade civil
daquela vítima que não agiu com dolo diante da notícia de um delito a
autoridade competente, principalmente quando apenas pede providências.
Aliás, todos têm o dever de noticiar práticas ilícitas, sendo apenas a
participação da sociedade em prol dela mesma, no sentido de se proteger.
Enfim, não há que se falar em dano moral naqueles inquéritos ou
ações penais que, mesmo o suspeito tendo sido absolvido, a vítima tenha
noticiado o fato à autoridade na mais lidima boa fé, buscando do Estado
apenas providências no sentido de que fosse apurada corretamente a autoria
do ilícito.
Talvez estaria nossa sociedade diante de dias melhores, menos
violentos,
com
a
criminalidade
reduzida
e
acuada,
se
todos
se
conscientizassem que é dever moral e legal de cada um levar ao conhecimento
da autoridade competente a ocorrência de fato ilícito, sempre em atenção a
superiores interesses públicos.
9 A PROVA DO DANO MORAL
Via de regra o dano moral não se presume, o que fará com que a
pretensão indenizatória não seja acolhida, sendo julgada improcedente por
falta de provas.
451
Entretanto, existem algumas situações que são tão óbvias, que o
dano moral estaria ínsito na própria ofensa, decorrente da gravidade do ilícito e
da repercussão por ele ocasionada.
Pode-se concluir que a prova do dano moral será avaliada diante
do caso concreto, ou seja, em alguns casos será imprescindível e em outras
situações presumida.
Esse tem sido o entendimento de nossos tribunais que, diante por
exemplo da perda de um filho, reconhece que desnecessária é a prova do
dano, já que pelas regras de experiência comum inegável o sofrimento pela
perda de um ente querido.
Em outros casos também tem sido entendido o dano presumido,
como ocorre com a inclusão em cadastro de inadimplentes de pessoa não
devedora.
Não obstante tais entendimentos, é aconselhável que se observe
o caso concreto e, sempre que possível, nada de mais que em ações judiciais
se faça prova do sofrimento experimentado.
10 LEGITIMACAO PARA PLEITEAR O DANO MORAL
A legitimação ativa para a propositura da ação de indenização por
dano moral é de toda e qualquer pessoa que tenha sofrido um dano
extrapatrimonial.
Entretanto, uma questão de alta indagação e para a qual não há
solução definitiva em nossa legislação, muito menos na doutrina e
jurisprudência, é aquela referente à limitação do grau de parentesco. Em outras
palavras, ate que grau um parente poderia pleitear indenização pela perda de
um parente?
Poder-se-ia pensar ate mesmo que um amigo íntimo seria
legitimado a pleitear reparação por injusto apto a causar a perda de um ente
querido, afinal, inegável que também sofreria algum tipo de abalo emocional.
Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 87) entende que a solução deva
ser buscada no princípio da razoabilidade. Inclusive menciona que o Código
Civil Português, em seu artigo 496, n. 2, tem regra expressa sobre a questão,
senão vejamos: no caso de morte da vítima, o direito a indenização por danos
452
não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima;
na falta destes aos pais ou outros ascendentes, e por último aos irmãos ou
sobrinhos que o representam.
De forma lamentável o nosso Diploma Civil nada dispôs a
respeito. Poder-se-ia analogicamente aplicar a regra do artigo 948, II, embora
referente ao dano material, permitindo assim serem legitimados a propor ação
de dano moral apenas aquelas pessoas que possuem estreita relação com a
vítima.
A partir daí, o dano moral pode apenas ser pleiteado pelo
cônjuge, filhos pais, companheira, ou ainda parentes menores próximos que
possuem convivência próxima, constante, e sob o mesmo teto.
Não poderíamos deixar de mencionar que em se tratando de
legitimação para o dano moral seria muito mais fácil se o nosso legislador fosse
mais objetivo.
11 CRITÉRIOS PARA ARBITRAMENTO DO VALOR
E inegável que na atualidade o dano moral vem experimentando
uma expansão de tal maneira e de modo tão veloz, que hoje muitas são as
ideias
discordantes,
existindo
contradição
na
sua
conceituação
e
principalmente na sua quantificação.
Ao magistrado é concedida total liberdade para arbitrar o valor da
reparação dos danos morais, o que entendemos ser de grande valia, já que
permite ao julgador dosar de maneira adequada a fixação do valor devido
diante do caso concreto, agindo obviamente com equilíbrio e prudência.
Segundo menciona Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 93) o juiz
formula juízos de valor não apenas no momento em que interpreta e aplica a
norma jurídica, mas também antes, enquanto examina os fatos concretos, aos
quais agrega aprioristicamente máximas de sua experiência de vida, de senso
comum, e também dos costumes locais.
É sabido e ressabido que nos dias de hoje, diante do prudente
arbítrio do magistrado para se deferir o valor de uma reparação, há uma
preocupação em se apurar a repercussão do dano, assim como a possibilidade
do ofensor e as condições econômicas do ofendido.
453
É certo que não prevalece nenhum limite legal prefixado para se
fixar o dano extrapatrimonial, ficando mesmo limitado à livre apuração e
convencimento do magistrado.
O juiz, ao fixar o valor da reparação, não pode deixar de observar
o princípio da razoabilidade, agindo com sensatez e moderação, de modo que
não permita seja o dano moral fonte de lucro.
A doutrina dominante, em se tratando de valoração dos danos
morais, menciona alguns requisitos básicos para se chegar ao valor de um
injusto extrapatrimonial, tanto objetivos quanto subjetivos, tais como o prudente
arbítrio do juiz, seu equilíbrio e moderação, o grau de culpa e a intensidade do
dolo do ofensor, a situação econômica do ofensor, as condições pessoais da
vítima e a intensidade de seu sofrimento, assim como a natureza, gravidade e
repercussão da ofensa.
12 PESSOA JURÍDICA E DANO MORAL
O nosso ordenamento jurídico admite, em que pese muitas vozes
discordantes, a reparabilidade do dano moral sofrido pela pessoa jurídica.
Tal entendimento encontra-se consolidado em nossos tribunais,
principalmente após a edição da Súmula 227 do STJ, senão vejamos: “A
pessoa Jurídica pode sofrer dano moral.”
Podemos ainda mencionar o que nos reza o Código Civil no art.
52, quando fala de direitos da personalidade e pessoa jurídica, in verbis:
“Aplica-se as pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da
personalidade.”
Dessa forma, a pessoa jurídica pode ter sua honra objetiva
ofendida, razão pela qual pode sofrer dano a sua imagem e bom nome,
configurando-se, pois, o prejuízo.
Não obstante o entendimento dominante, tem surgido uma nova
corrente entendendo que a pessoa jurídica é desprovida de dimensão
psicológica, assim como de atributos relacionados à dignidade da pessoa
humana, razão pela qual não poderia sofrer dano moral, podendo somente ser
reparada pelo dano material ocasionado por um ato lesivo.
454
Apesar do posicionamento das discordantes correntes, ambas
chegam a conclusão de que as pessoas jurídicas sofrem dano em decorrência
de uma ofensa moral, podendo ser um dano diretamente originado da conduta,
ou mesmo um dano material surgido pela conduta lesiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante as considerações feitas no decorrer do trabalho e
que são aplicadas nos dias atuais, a nosso ver, o grande desafio do instituto
em comento nos próximos anos é coibir que seja transformado em uma
indústria, de modo a não permitir o enriquecimento sem causa.
Observa-se uma grande corrida em busca de indenizações
embasadas em meros aborrecimentos, ou mesmo pretensões de valores
incompatíveis com algum efetivo dano sofrido, o que não pode prosperar.
Alguns problemas enfrentados pelo instituto da reparação do dano
extrapatrimonial são atribuídos principalmente à falta de aplicação da técnica
correta por parte de alguns operadores do direito, assim como a ganância por
valores vultosos.
É bem certo que, mesmo nossa legislação possuindo ainda
algumas omissões, o legislador acertou ao permitir ao magistrado ampla
possibilidade de aferir a ocorrência ou não de dano moral diante do caso
concreto, ou mesmo restringir pretensões milionárias, o que acertadamente
tem sido efetivado por nossos tribunais.
Após a promulgação da Carta Magna de 1988 de uma vez por
todas houve uma efetiva proteção à dignidade da pessoa humana, proteção
essa que talvez seja o ideal de toda a humanidade, tanto que há mais de
séculos vem sendo buscada incessantemente.
O
princípio
da
dignidade
da
pessoa
humana,
garantia
fundamental existente em nossa Carta Magna, tem o escopo de coibir abusos e
trazer igualdade e proteção a todos os cidadãos, para que todas as pessoas
possam viver dias melhores, diante da certeza de que serão tratadas sempre
com respeito e, sobretudo, com justiça.
455
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense,
2006.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado, 1988.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo:
Atlas, 2008.
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004.
FIUZA, César. Direito civil:curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2007.
MICHELLAZZO, Busa Mackenzie. Do dano moral. São Paulo: Lawbook, 2001.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller,
2000.
SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. São Paulo: Método,
2001.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
456
AGRICULTURA ORGÂNICA – UM BOM NEGÓCIO
Ricardo Carvalho Couto – IPTAN
Especialista em Ecoturismo
E-mail [email protected]
Fone: (32)- 3371-9878
Em setembro de 2012 a capa da revista Ciência Hoje trazia uma
chamada deveras alarmante: o Brasil é a terra dos agrotóxicos 58. E esta
liderança é duplamente assustadora: além de sermos o país que mais utiliza
agrotóxicos no mundo, somos também o líder mundial de utilização de
agrotóxicos banidos no resto do mundo.
Ao longo da última década, o consumo de agrotóxicos no mundo cresceu
93%. Mas no Brasil, segundo a Anvisa, esse crescimento foi de 190%.
Hoje o país consome um quinto da produção mundial de ‘defensivos
agrícolas’ – eufemismo publicitário utilizado para amenizar a negatividade
do termo ‘agrotóxico’. Na safra de 2011, nossa agricultura consumiu nada
menos que 936 mil toneladas de insumos químicos, dos quais 80% foram
destinados ao cultivo de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Na ponta
do lápis, isso equivale a cerca de 5 kg anuais de agrotóxicos per capita.59
Como veremos a seguir, a utilização de produtos tóxicos é relativamente
nova na história da agricultura, e até há 50 anos atrás, o modo de produção
agrícola era a agricultura orgânica.
A agricultura orgânica é hoje vista no Brasil como uma cultura agrícola
“alternativa”. Alternativa porque representa uma outra opção de produção,
diferente da produção “convencional” praticada pela agroindústria. A chamada
produção “convencional” de produtos agrícolas é feita utilizando-se em larga
escala insumos industrializados tais como fertilizantes, herbicidas, inseticidas,
fungicidas, nematicidas, moluscidas, formicidas e por aí vai... - muitos deles
com utilização proibida em diversos países, mas ainda permitidos no Brasil; e
outros tantos com proibição brasileira, mas usados mesmo assim, à revelia da
lei. O artigo referido diz que “das 50 substâncias mais usadas em terras
brasileiras, 24 já foram banidas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e,
algumas, mesmo na Ásia”.60 Produtos que vêm sendo utilizados já há décadas
na agricultura hoje têm ação deletéria mais do que confirmada pelos inúmeros
58
Ciência Hoje é a revista de divulgação científica da SBPC – Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência.
59
pp. 23-4.
60
p. 22.
457
casos de envenenamento dos agricultores que os utilizam, dos profissionais
que os produzem e comercializam e, claro, dos consumidores que os ingerem.
A utilização dos insumos químicos é “justificada” pela necessidade de se
produzir alimentos baratos em larga escala para alimentar a cada vez maior
população mundial. Mas este barato sai caro. Bem caro!
Segundo o economista Wagner Soares, do IBGE, que recentemente
estudou propriedades rurais no Paraná, cada US$ 1 gasto na compra de
agrotóxicos pode custar aos cofres públicos US$ 1,28 em futuros gastos
com a saúde de camponeses intoxicados. Mas este é um valor
subestimado. Afinal, Soares contabilizou apenas os custos referentes a
intoxicações agudas. Levando-se em conta os casos crônicos, acrescidos
da contaminação ambiental difusa nos ecossistemas, os prejuízos podem
atingir cifras assustadoramente maiores. 61
Além da utilização de agrotóxicos permitidos no Brasil (ainda que
proibidos no resto do mundo) e do uso ilegal de agrotóxicos proibidos no Brasil
(é o caso, por exemplo, do brometo de metila, proibido desde 1987 mas ainda
utilizado irregularmente), ainda temos que lidar com a utilização de agrotóxicos
“fora dos padrões”. Operações de fiscalização realizadas pela Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) entre 2009 e 2010 encontraram
irregularidades em todas as 10 fábricas de agrotóxicos vistoriadas, entre elas a
agroquímica suíça Syngenta, as alemãs Bayer e Basf e a norte-americana
Monsanto. “Ao todo, quase 10 milhões de litros de agroquímicos adulterados,
vencidos ou fora dos padrões de segurança e toxicidade exigidos pela Anvisa
estavam prestes a ser destinados às lavouras brasileiras”. 62 A situação é
realmente assustadora!
Mas se a agricultura orgânica é hoje alternativa, se ela é periférica, se
ela é marginal (à margem), se hoje ela é minoria, nem sempre isso foi assim.
Na verdade, a agricultura convencional, chamada em seus primórdios da
década de 1950 de Revolução Verde, é uma novidade na longa história
agrícola de nossa espécie Homo sapiens. A agricultura orgânica é a agricultura
praticada pela nossa espécie há mais de 10 mil anos (na verdade, muito mais!).
Até que um dia, os agrotóxicos chegaram!
Agrotóxico, como o nome diz, é tóxico. Se é tóxico, faz mal. Se faz mal,
não deveríamos ingerir. Parece lógico, não? Mas na prática, o que fazemos é
ingerir produtos tóxicos, venenos mesmo, todos os dias quando nos
alimentamos. Loucura? Sim, parece que nossa espécie, de uns tempos prá cá,
61
62
P. 21.
p. 23.
458
está bem maluca. Colocamos venenos, muitos venenos, de vários tipos, na
comida que comemos. Perdoe-me o leitor pelo uso de palavras fortes, mas o
fato é que toda a indústria dos agrotóxicos é filha da guerra. Desde a Primeira
Guerra Mundial (1914-8) a indústria química participou ativamente do front. É
bem forte a cena de soldados da Primeira Guerra em trincheiras usando
máscaras contra gás mostarda. Na Segunda Guerra (1939-45), a química de
guerra veio ainda com mais força, e em muito maior volume. Quando toda a
indústria química americana, no esforço de guerra, altera suas atividades para
produzir química de guerra e a guerra acaba, o que fazer com toda a química
que sobra? “Ora, vamos espalhá-la sobre a terra! E se pudermos ganhar
dinheiro com isso, tanto melhor!” Assim começa a Revolução Verde. Filha da
guerra, derramando oceanos de venenos altamente tóxicos sobre a produção
agrícola. Produção que, claro, vai alimentar bilhões de bocas humanas
espalhadas pelo planeta. Assim, o veneno que não matou soldados na guerra,
poderá cumprir seu desígnio nas mesas de jantar. Os venenos da guerra
transformam-se em ‘defensivos agrícolas’ e os tanques em tratores.
Sim, do ponto de vista da degeneração da espécie humana, parece não
haver dúvidas. Estamo-nos matando e ao planeta conosco. Fato! Mas, olhando
tecnicamente para a questão das duas agriculturas, a “orgânica” e a
“convencional”, o que as diferencia? Vamos tentar explicar a diferença. Uma,
fundamental, é que a convencional usa produtos químicos, e a orgânica não.
Isto ocorre, dentre muitos outros motivos, por uma diferença de percepção do
mundo. O praticante da agricultura orgânica vê sua plantação como um
pequenino ecossistema, um sistema integrado, uma rede composta por
diversos elementos heterogêneos inter-relacionados e inter-dependentes. O
equilíbrio do todo é o que garante a abundância da produção. A natureza é
vista eminentemente do ponto de vista da cooperação. Já na agricultura
convencional, a plantação é vista como linha de produção de produtos
agrícolas. Toda a química é utilizada porque o agricultor é cego para a visão
sistêmica da agricultura. Quando opta-se por um único determinado tipo de
cultivar, e quanto maior a escala, mais monocultural é a proposta, cria-se o
desequilíbrio ecológico. Uma área onde toda a vegetação for retirada para o
plantio de uma única ou umas poucas variedades, entrará em desequilíbrio.
Este desequilíbrio poderá se manifestar, dentre muitas maneiras, como por
exemplo no crescimento desordenado de alguma espécie de inseto.
Crescimento desordenado de insetos, neste caso, pela visão míope do
agricultor convencional, é visto como praga. E uma praga deve ser
exterminada. Aí entram os pesticidas. Venenos. Que matam pulgões,
gafanhotos, formigas, lagartas, joaninhas e, infelizmente, também matam
Homo sapiens. Mas além dos insetos, também aparecem aqueles “matinhos”,
as “ervas daninhas”, que vão se espalhando pela plantação, cobrindo os
canteiros e tomando conta da situação. Para acabar com os matinhos, a
agroquímica oferece os “mata-mato”. O mais famoso deles hoje em dia é o
459
Round Up. Qualquer semelhança entre o Round Up e o Napalm, o temido
desfolhante químico utilizado pelo exército norte-americano nas florestas do
Vietnam não é mera coincidência. A empresa norte-americana Monsanto, que
produz o Round Up, é a mesma empresa que fabricou o agente laranja de
1965 a 1969, durante a Guerra do Vietnan63. E para completar o coquetel, o
uso de fertilizantes para acelerar o crescimento das plantas. Estes fertilizantes
químicos, normalmente, são feitos à base de petróleo e visam fornecer às
plantas alguns minerais importantes para o seu crescimento, principalmente
nitrogênio, fósforo e potássio (N, P, K).
Esta associação de fertilizantes, pesticidas e herbicidas na produção
agrícola, associada ao uso intensivo de maquinário, é o que ficou conhecido na
década de 1950 como a Revolução Verde. Somada ao uso contemporâneo da
biotecnologia dos transgênicos, é hoje o modo de produção agrícola dominante
em todo o planeta. Faz parte da agroindústria atual, além dos produtos
químicos citados, a utilização de sementes geneticamente modificadas. A
legislação sobre transgênicos ainda é bastante conflituosa e mal esclarecida.
Só sabemos é que nada ainda podemos saber sobre os efeitos do uso de
transgênicos a longo prazo, uma vez que sua utilização é de certa forma
recente.
A agricultura convencional, como vimos, tem uma visão reducionista,
não-sistêmica, da agricultura, e visa produzir alimentos utilizando químicos
tóxicos. Neste caso, a química vem para “alimentar” a planta cultivada e
exterminar “matos” e “pragas”. A agricultura orgânica não alimenta a planta. Ela
alimenta o solo! O solo não é chão. O solo não inerte. O solo é vivo! O solo é
um complexo ecossistema onde habitam por decímetro cúbico muitos bilhões
de microorganismos. Para além das minhocas e outros pequenos animais que
podemos ver a olho nu, uma verdadeira miríade de bactérias, protistas, fungos
e pequeninas plantas habitam cada milímetro de solo de uma plantação,
convivendo com os vegetais do agricultor. Esta complexa teia formada por
representante de todos os cinco reinos (Monera, Protista, Fugi, Plantae e
Animalia) é o tecido vivo e dinâmico onde o agricultor orgânico tece sua relação
com a Natureza. Apenas pelo manejo consciente dos próprios elementos que
já existem no local – ou pelo uso de caldas orgânicas e compostos
homeopáticos em intervenções mais localizadas – o agricultor consegue
reorganizar os fluxos de energia e matéria do ecossistema e integrar sua
produção nesta rede. Neste sentido, o processo de compostagem é elemento
fundamental na rede. Através da compostagem conseguimos transmutar
cascas, podas, frutas estragadas, capinas, e todo o resíduo orgânico em
composto, terra da melhor qualidade. Esta terra “feita em casa” vai realimentar
os canteiros, que produzirão novos vegetais para serem comidos, cujos
63
Esta informação está acessível no próprio site da Monsanto!
460
resíduos irão para a composteira e vão virar terra, que vai abastecer os
canteiros e reiniciar o ciclo.
Não parece óbvio que comer um vegetal sem veneno faz muito mais
sentido do que comer um vegetal com veneno? Então por que continuamos a
comer veneno? E parar de comer vegetais, funciona? Não. Infelizmente não. O
uso de agrotóxicos não se restringe apenas aos tomates e pimentões do
supermercado. Praticamente toda a produção agrícola mundial está
comprometida com agrotóxicos. Feijão com arroz? Cheio de agrotóxicos.
Macarrão? É feito de trigo, que é um cereal, produzido com agrotóxicos.
Biscoito? É feito com farinha de trigo. Por mais industrializado que seja,
qualquer produto comestível começa numa lavoura, com agrotóxicos. Carnes
são ainda mais envenenantes, pois além de agrotóxicos contidos nas rações
dos animais, que passam para estes dentro da cadeia alimentar, ainda têm
uma alta dose de hormônios e antibióticos. Meu Deus, mas então, o que é que
eu vou comer? Está tudo envenenado? Sim, infelizmente este é o ponto em
que nos encontramos... Somos mais de sete bilhões de humanos comendo
veneno todos os dias, esgotando rapidamente os recursos naturais finitos do
planeta, cada vez mais dependentes de eletricidade, destruindo as florestas,
alterando a atmosfera do planeta que fica cada vez mais quente, poluindo,
destruindo, consumindo, extinguindo... Diante deste quadro temos três opções:
a primeira é fingir que não sabemos de nada. A segunda é acreditarmos que o
mundo é assim mesmo, que não tem solução, que sim, a comida é toda
industrializada e envenenada mas não temos opção e temos que comer isso
porque não tem outra coisa para comer. A terceira é tomamos em nossas mãos
a responsabilidade pelo nosso próprio bem estar, pela nossa saúde, e pela
saúde do planeta. É termos consciência que não podemos revolucionar o
mundo da noite para o dia, mas que podemos fazer nossa pequenina parte
para revolucionarmos nossa própria vida. É acreditar que podemos sim sermos
um foco de resistência, resistência pacífica e silenciosa, feita com amor e
regada com carinho, com gratidão pela Mãe Terra que nos gerou, nos nutre e
alimenta e, no momento oportuno, há de nos abraçar e nos recolher em seu
ventre novamente, para transmutar nossos átomos em novas plantas, novas
formigas, novos fungos, novas bactérias, e, quem sabe, até em novos Homo
sapiens.
Plantar não é difícil, não dá muito trabalho, e não tem mistério. Não
precisa de terreno grande nem de empregado. Dá até para plantar sem terreno
nenhum, em apartamento, no centro da cidade. Com criatividade e bom humor
podemos plantar coentro, salsa, cebolinha, manjericão, orégano, alecrim,
tomilho, nirá, alho poró, pimenta, enfim, temperos sem fim em pequenas
jardineiras e vasos em apartamentos. Quem mora em casa e tem um quintal
com terra, ou espaço para vasos maiores, pode plantar alface, chicória, couve,
brócolis, cenoura, repolho, beterraba, gengibre, etc. Mais um bocadinho de
461
terra, e dá para abóbora, batata doce, inhame, mandioca. A lista é enorme!
Qualquer pequeno quintal, com criatividade e algumas poucas horinhas de
dedicação, pode virar uma pequena célula de produção agrícola orgânica.
Agrotóxicos são tóxicos agrícolas. Não queremos venenos na nossa comida!
Não nascemos para isso. Não queremos morrer disso.
A opção por abandonar os grandes centros urbanos e buscar uma vida
mais pacata e saudável junto à natureza, ou seja, reverter o movimento de
êxodo rural que marcou profundamente a distribuição geográfica brasileira nos
últimos 50 anos, com impactos sócio-ambientais terríveis, faz parte do
movimento contra a loucura dos agrotóxicos. A prática do consumo consciente
também é uma ação eficaz. Comer é um ato político! Não gostamos muito de
pensar sobre o assunto, mas a escolha do que colocamos em nossos pratos –
e consequentemente em nossos corpos – implica em profundos impactos na
natureza. Um simples pãozinho francês com manteiga, acompanhado de uma
xícara de café com leite e açúcar representa, historicamente, a destruição da
mata atlântica e da Amazônia para o plantio de cana, café, trigo e para a
criação de gado. Comer carne significa, hoje em dia, na verdade, comer a
Amazônia! Mudanças alimentares individuais têm um efeito muito maior do que
podemos imaginar. A mudança que quero para o mundo – dizia Gandhi –
começa, antes de tudo, em mim. Plantar meus próprios alimentos, viver longe
dos centros urbanos, reduzir o consumo, reutilizar produtos, negar-se a
comprar certos tipos de alimentos, dar preferência por comprar em pequenas
quitandas de produção local ao invés de grandes mercados, evitar o
desperdício, enfim, a lista de responsabilidades individuais pode se estender
quase ao infinito, numa espiral ascendente de conscientização e amor à Mãe
Terra. Façamos, pois, a nossa parte com consciência e responsabilidade. A
Natureza agradece!
BIBLIOGRAFIA CITADA:
KUGLER, Henrique. “Paraíso dos agrotóxicos”. Ciência Hoje, n. 296, vol. 50,
set. 2012, pp. 20-5.
SUGESTÕES PARA LEITURA:
CAE-IPÊ (Centro de Agricultura Ecológica Ipê). O que é ser agricultor
ecologista. RS: CAE-IPÊ, 1997. Cartilha.
EMATER-RIO. Manual de boas práticas agrícolas. Cartilha.
FUNDAÇÃO MOKITI OKADA. Agricultura natural – manual da horta caseira.
SP: Fundação Mokiti Okada, 2003. Cartilha.
GÖTSCH, Ernst. Homem e natureza – cultura na agricultura. Recife: Centro de
Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, 1995.
_______. O renascer da agricultura. RJ: AS-PTA, 2ª ed., 1996.
HANNIGAN, J. Sociologia ambiental. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
IDACO (Instituto de Desenvolvimento e Ação Comunitária). Produzindo com a
floresta – agrossilvicultura. Cartilha.
462
INDRIO, Francesco. Agricultura biológica. Publicações Europa-América, s/d.
LONDRES, F. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. RJ:
AS-PTA, 2011.
PERES, F. (org.). É veneno ou remédio? RJ: Fiocruz, 2003.
ROBIN, M. Le monde selon Monsanto. Paris: Éditions La Découverte, 2008.
463
4 ANOS DE DILMA, ECONOMIA E POLÍTICA EXTERNA
Luciano Isaac
Professor do IPTAN
RAFAEL LUIZ RESENDE PIRES
Professor do IPTAN
I.
Introdução.
Dilma Rousseff foi eleita presidente na noite de 31 de outubro de 2010
com mais de 55 milhões de voto, 12 milhões a mais que o perdedor José Serra
(PSDB). A votação massiva e a grande diferença para o adversário mais
próximo conferiam grande poder de agenda à ex-Ministra dos governos Lula.
Os bons números da economia naquele ano, que crescia 7.5% pareciam
indicar bons ventos futuros e a superação sem maiores problemas da crise
internacional eclodida em setembro de 2008 pela quebra do banco Lehman
Brothers de Nova York.
O primeiro governo de uma mulher na presidência foi marcado, no
entanto, por estagnação da atividade econômica e retração do país da arena
internacional. Os números do PIB e do investimento público e privado
decepcionaram as expectativas criadas em 2010, a indústria seguiu em sua
rota descendente e os juros ficaram mais altos em relação a quatro anos atrás.
A inflação, a situação fiscal e a credibilidade das contas públicas voltaram a ser
problemas. Por outro lado, o desemprego quebrou novos recordes de baixa, a
renda do trabalho seguiu subindo, o investimento externo direto se manteve
alto e a pobreza e a miséria seguiram em queda na maior parte do período.
II.
O labirinto do crescimento e do investimento.
Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) foram decepcionantes no
primeiro mandato de Dilma Rousseff. Os números são: 2.7% em 2011, 0.9%
em 2012, 2,5% em 2013 e projeção de 0,3% para 2014. 64
65
O Professor
Reinaldo Gonçalves aponta que em todo o período republicano, somente os
64
Banco Mundial - http://datos.bancomundial.org/indicador/NY.GDP.MKTP.KD.ZG
Valor Econômico - FMI corta previsão e PIB do Brasil deve crescer muito abaixo da média 07/10/2014 http://www.valor.com.br/financas/3725274/fmi-corta-previsao-e-pib-do-brasil-devecrescer-muito-abaixo-da-media
65
464
governos de Fernando Collor e Floriano Peixoto tiveram desempenho pior. 66
Eduardo Giannetti da Fonseca observa que crescemos 61% da média
continental.67 Um dos responsáveis pelo quadro é o baixo nível de investimento
do país, que sai de 19.3% em 2010 e chega a 2014 em 17.9%, segundo a
Fiesp.68
69
O nível de investimentos em 2010 já era baixo em comparação com
os países asiáticos como China, Coreia do Sul ou Japão, no entanto era o
patamar mais alto alcançado pelo Brasil desde 1994. Esse aumento, ainda que
insuficiente, não se sustentou, e com a estagnação do consumo, a economia
parou. Segundo o pesquisador do IPEA Mansuetto de Almeida, em um
conjunto de trinta economias latino-americanas, o Brasil ocupa somente a 22a
colocação em 2012: “Investimos mais apenas que Granada, Republica
Dominicana, Barbados, Dominica, Guatemala, El Salvador, Paraguai e Trinidad
e Tobago.”70
Com o fim do ciclo de consumo que caracterizou o governo Lula, os
anos Dilma não foram de feliz memória para a indústria nacional. A produção
industrial em Setembro de 2014 foi inferior àquela registrada em Janeiro de
2011. A trajetória da indústria no período é de queda no primeiro ano de
governo, principalmente nos bens de capital, com queda próxima de 20%. 71 A
partir de 2012 registrou-se uma lenta recuperação que, no entanto, se mostrou
insuficiente, especialmente em se tomando em conta os seguidos pacotes de
estímulo promovidos pelo governo federal com a finalidade de exatamente
incentivar o investimento na indústria. Segundo levantamento do jornal O
Estado de São Paulo, foram vinte e três pacotes de Agosto de 2011 a Março de
2014, ou uma média de um pacote governamental a cada cinco semanas. 72
66
Reinaldo Gonçalves - Governo Dilma e o Desempenho da Economia Brasileira:
Mediocridade Esférica - http://www.coreconrj.org.br/pdf/Governo_Dilma_e_o_PIB_Mediocridade_esferica_27_02_2014_rev.pdf
67
Eduardo Giannetti da Fonseca, Folha de São Paulo, 11/07/2014 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eduardogiannetti/2014/07/1484211-dilma-x-dilma.shtml
68
IBGE - Séries Estatísticas - Taxa de Investimento http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN36
69
O Estado de São Paulo, 25/05/2014 - http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,taxa-deinvestimento-pode-ficar-abaixo-de-18-do-pib-imp-,1171303
70
Mansuetto de Almeida - 15/08/2013 - https://mansueto.wordpress.com/tag/taxa-deinvestimento/
71
MDIC - Informes Estatísticos Mensais do Setor Industrial http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=2&menu=1478
72
O Estado de São Paulo, 01/04/2014.
465
Alguns destes pacotes, de proteção a indústria automobilística, se transformou
inclusive em contencioso com a União Europeia na Organização Mundial do
Comércio.
O descontentamento do capital com a Presidenta é tal que o jornal Valor
entrevistou, no primeiro semestre de 2014, vinte executivos das maiores
empresas do país, sob a condição de permanecerem anônimos. Parte dos
entrevistados chegava mesmo a torcer contra a seleção na Copa do Mundo
que se avizinhava. Raciocinavam que uma derrota aumentaria o mau humor da
população e afetaria os votos em Dilma. Apenas três entrevistados diziam
esperar um segundo mandato melhor do que o primeiro. Um executivo do setor
automobilístico, um dos mais beneficiados pelas seguidas isenções de
impostos (como o IPI) reclamava da falta de integração destas medidas e da
segurança pública, que dificultava a vinda de trabalhadores qualificados do
exterior. O presidente de uma construtora reclamou da infraestrutura e
qualificação, pois elevadores encomendados no início da obra só eram
entregues depois de finalizado o edifício. Um entrevistado da área de
infraestrutura reclamava da politização das decisões da recém criada EPL
(Empresa de Planejamento e Logística). Foi unânime a crítica ao represamento
de tarifas de energia e combustível, e os mais pessimistas comparavam o
Brasil à Argentina e Venezuela. Todos afirmaram que o ex-Presidente Lula se
assessorava melhor que Dilma. Henrique Meirelles, ex-Presidente do Banco
Central, e Luiz Fernando Furlan, ex-Ministro da Indústria e Comércio, foram
repetidamente elogiados, enquanto que somente um ministro do gabinete atual
recebeu menções positivas - Cesar Borges, dos Transportes. Apenas um dos
entrevistados defendeu a política econômica empreendida por Dilma. 73
A perda de espaço da indústria de transformação na composição das
exportações acentuou-se depois de 2009, tendência que permaneceu
inalterada, constituindo um problema de reprimarização da pauta exportadora.
Esta é uma das faces da desindustrialização, onde a economia passa a se
basear cada vez mais nas atividades em volta das exportações primárias. A
indústria de transformação empregava, em Outubro de 2014, 5% a mais de
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-ja-lancou-23-pacotes-de-estimulos-maspib-nao-reage,180914e
73
Valor Econômico, 29/05/2014 - http://valorcarreira.valor.com.br/politica/3566908/razoes-domau-humor-no-voto-empresarial
466
profissionais com carteira assinada que em Dezembro de 2010. Os setores de
fabricação de têxteis, bebidas e vestuário estão estagnados, cada um somou à
mão de obra meros 6.000 empregos formais nos últimos quatro anos. O
mesmo ocorreu no setor de automotores, que gerou 16.000 novas vagas
apenas. Os setores de couro, calçados, madeira e metalurgia cortaram postos
de trabalho.74
Trabalho e Renda em alta.
Neste contexto de estagnação, o mercado de trabalho se mostrou
resiliente, registrando baixa históricas no desemprego. Em Dezembro de 2013
a taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre era de 2.6%.
Em Belo Horizonte, em Outubro de 2014, o desemprego era de 3,5% e de
3,0% em Agosto de 2014 no Rio de Janeiro. A média nacional, segundo a
Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, que em 2011 era de 6.0%, caiu a 4.6%
na medição de Outubro deste ano.75
76
Duas ressalvas metodológicas devem
ser feitas quando se trata de emprego: primeiro que estes indicadores medem
somente seis regiões metropolitanas. O desemprego medido pelo Pnad, que
cobre vinte áreas metropolitanas, registrava 6.8% no terceiro trimestre de 2014,
ainda assim uma taxa historicamente baixa. 77 A segunda ressalva é que ambas
as contas não contam como desempregados aquelas pessoas que estão há
mais de um ano sem ocupação formal, pois “deixaram de buscar trabalho”.
Não somente o emprego aumentou no período, mas também o
rendimento do trabalhador, que segue trajetória ascendente da última década:
R$ 1.329 em 2003, R$ 1.625,00 em 2011 e finalmente, R$ 2.122,00 em 2014.
74
MDIC - Informes Estatísticos Mensais do Setor Industrial http://www.mdic.gov.br//sitio/interna/interna.php?area=2&menu=1478
75
IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Séries Históricas http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_
hist.shtm
76
IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Retrospectiva 2003-2011 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000732500110201250372
6116099.pdf
77
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 3o Trimestre/2014 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua/
467
Ou seja, a renda do trabalhador médio cresceu 30% no primeiro mandato de
Dilma Rousseff.78 Porém, este é o crescimento nominal.
Se quisermos checar o quanto a renda do trabalhador cresceu
realmente, devemos descontar a inflação do período: O IPC-A, um índice de
preços do varejo que cobre bens de consumo de famílias entre 01 e 40 salários
mínimos, acumula alta de 25,4% no período segundo o Banco Central. Em um
país de histórico inflacionário há dezenas de índices de inflação. Outros
índices, que somam à amostragem a aferição de custos para a construção e
custos para o atacado, como o IGPM, chegam a valores similares: 22% entre
2011 e 2014.79 Tomando outro medida, o aumento do custo da cesta básica na
cidade de São Paulo medido pelo Dieese, que passou de R$ 261,25 em
Janeiro de 2011 a R$ 337,80 em Setembro de 2014, ou seja, uma variação de
29% nos quatro anos. Esse é um índice de apenas uma capital, mas São Paulo
representa ¼ do peso dos preços nacionais da cesta básica, logo é
representativo da inflação no período.80 Ou seja, houve um aumento real do
rendimento do trabalhador, mesmo com a persistente inflação que pode ter
afetado mais a determinados grupos de renda e localização geográfica.
Contudo, a inflação, sempre acima da meta de 4,5% do Banco Central, e por
vezes superando o teto de 6.5% desta meta carcomeu grande parte dos
ganhos salariais nos últimos quatro anos.
O professor Naércio Menezes Filho, do Insper, estuda o paradoxo entre
estagnação econômica e pleno emprego. Sua hipótese é de que empresários
evitam demitir pelos altos custos trabalhistas e por estarem apostando no
crescimento a médio prazo. Naércio observa, ainda, que os salários cresceram
mais que a produtividade nos setores de serviços e indústria. Como os custos
com salários cresceram mais que os ganhos com produtividade, este foram
repassados ao consumidor como aumento de preço. Esta pressão inflacionária
se soma aos maiores gastos governamentais e a indexação do aumento do
78
IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego, Outubro de 2014 ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicado
res_ibge/2014/pme_201410pubCompleta.pdf
79
Banco Central do Brasil - Calculadora do Cidadão https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirF
ormCorrecaoValores
80
Dieese - Cesta Básica em São Paulo - Setembro/2014 http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2014/201408cestabasica.pdf
468
salário mínimo, que por sua vez aumentam o poder de consumo de parte da
população, que no entanto não encontra maior disponibilidade de bens e
serviços.81
Redução da miséria
A queda do número de pobres e miseráveis foi uma das grandes notícias
na América Latina na primeira década do século XXI. O Índice de Gini diminuiu
em toda a região, com pouquíssimas exceções. A evidência empírica aponta
que as políticas de redistribuição (como o Bolsa Família),
as melhoras na
educação e o aquecimento dos mercados de trabalho, foram fatores
responsáveis pela mobilidade social ascendente de quase cinquenta milhões
de latino-americanos.
O estudo Social Gains in Balance, uma parceria do Banco Mundial,
Wilson Center e o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, apontou
que a queda na miséria laitino-americna foi maior entre 2003 e 2007. Após a
crise do sub-prime o ritmo de redução da desigualdade diminuiu e a
redistribuição aumentou sua importância como fonte da redução de
desigualdade.82 Em 2010, segundo o relatório, a queda do Índice de Gini
estagnou no continente. Para o caso brasileiro específico, dados do IPEA 83
indicam que a redução da miséria estagnou pela primeira vez no século. Há o
temor, entre analistas, que o desaquecimento da economia e a inflação afetem
o mercado de trabalho e a queda na desigualdade.
Cenário Externo.
É quase um lugar comum da filosofia a frase que diz que o homem não
governa as circunstâncias, mas as circunstâncias governam os homens. No
caso de uma pequena economia aberta em um mundo de globalização
financeira, o mesmo é verdade, pedindo habilidade e imaginação a políticos e
81
Naércio Menezes Filho, Valor Econômico, 15/08/2014 http://www.valor.com.br/opiniao/3654772/produtividade-e-salarios
82
World Bank - Social Gains in Balance - http://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2014/05/26/000333037_2014
0526152803/Rendered/PDF/851620REVISED00ial0Gains0201400web0.pdf
83
O Topo da Distribuição de Renda no Brasil: Primeiras Estimativas com dados Tributários e
Comparação com Pesquisas Domiciliares, 2006-2012 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2479685
469
economistas. O cenário monetário e financeiro internacional que serviu de
palco para a ação do primeiro governo Dilma foi de migração de divisas rumo a
praças tradicionais e diminuição da locomotiva recente da economia
internacional.
Em relação à taxa de câmbio, Dilma herdou o país com um real
sobrevalorizado, em R$ 1,62 em relação ao dólar. Durante seu mandato a
moeda brasileira desvalorizou, encerrando 2011 em R$ 1,87; 2012 em R$ 2,04;
2013 em R$ 2,36, até chegar ao início do pregão de 08 de Dezembro de 2014
em R$ 2,59.84
85
O comportamento da moeda brasileira não diferiu da
tendência de moedas de países emergentes nos últimos quatro anos: A rúpia
indiana perdeu metade do seu valor desde 2011, até que enfim o execonomista chefe do FMI Raghuram Rajan foi contratado como presidente do
Banco Central local como forma de injetar confiança. Situação similar foi
enfrentada na Colômbia, África do Sul, Indonésia e Vietnã. Essa tendência
global indica que menos dinheiro fluiu para mercados emergentes no período,
especialmente em comparação com os anos de bonança do super ciclo de
commodities. No refluxo da crise internacional, com rumores de que a zona do
euro poderia perder membros como a Grécia em 2012, investidores tenderam a
buscar ativos mais líquidos e seguros. O mesmo ocorreu no final de 2013
quando a expectativa em torno do fim do Quantitative Easing do Federal
Reserve aumentou o fluxo financeiro para fora de países emergentes e
desvalorizou suas moedas. No Brasil, Delfim Netto cunhou o termo
“tempestade perfeita”, que consistiria no risco do fim do expansionismo
monetário em Washington e um rebaixamento da nota de crédito do país. 86 87
Ainda no front externo, a desaceleração do crescimento econômico da
China foi a outra grande notícia que regeu o primeiro mandato de Dilma
Rousseff. A China sai de um crescimento do PIB de 10.4% em 2010, passa a
9.3% em 2011 até 7.7% em 2012 e 2013.88 Para 2014 a projeção de 2014 é de
84
Banco Central do Brasil - Dados Estatísticos Básicos - Dez/2013
http://www.bcb.gov.br/pom/spb/estatistica/port/EstatisticasRedBook2012.pdf
85
Valor Econômico - http://www.valor.com.br/valor-data
86
Kristin Forbes - 05/02/2014 - http://www.voxeu.org/article/understanding-emerging-marketturmoil
87
Valor Econômico - Certezas e Incertezas para 2014 e 2015 - 05/12/2013
http://www.valor.com.br/financas/3362494/certezas-e-incertezas-para-2014-e-2015
88
Banco Mundial - http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG
470
um crescimento de 7.4%. 89 Confirmados ou não os cálculos dos economistas
do Fundo, o fato é que um crescimento quase 3% inferior ao registrado há
quatro anos diminui, em muito, a demanda por bens de consumo e pelas
matérias primas que se usam para sua produção. Daí a diminuição nos preços
internacionais das commodities, que afeta centralmente países como o Brasil.
O Índice de Commodities da Bloomberg dá uma ideia clara sobre o tema. O
índice congrega todas as commodities negociadas nas bolsas, do petróleo do
pré-sal ao azeite de dendê africano. Dilma assume o país em janeiro de 2011
com o Índice de commodities em 182,13, que no mês passado registrou 168.94
– queda de 7% no período dilmista. Como comparação ao período anterior, tal
índice registrou 219.74 em meados de 2008, antes da eclosão da crise
internacional.90
O debate entre desenvolvimentistas e liberais nos anos Dilma.
A
equipe
econômica
de
Dilma
Rousseff
tentou
um
ensaio
desenvolvimentista. Sob o nome de “Nova Matriz Macroeconômica”, cujos
pilares seriam uma taxa de cambio desvalorizada, juros mais baixos e maior
taxa de investimento. Destes, somente o câmbio convergiu segundo o
desenhado pela equipe do governo. Houve, de fato, uma diminuição das taxas
de juros capitaneadas pelos bancos públicos, que se reverteu adiante e o
investimento, público e privado, foi na realidade mais baixo que o registrado no
início do governo.
Os liberais, que se congregam principalmente na PUC-Rio, culpam o
gasto público e acusam a “Nova Matriz Econômica” de ter falhado
estrepitosamente. Segundo estes a meta de inflação, iniciada em 1999, foi
abandonada na prática pela gestão econômica dilmista. Enquanto isso, os
economistas simpáticos ao governo, que tem na Unicamp e na UFRJ seus
principais polos acadêmicos, argumentam que a inflação não é alta em
comparação com outros anos desde o início do Plano Real e que esta é o
efeito colateral necessário do expansionismo fiscal do governo, que busca
89
Valor Econômico - FMI corta previsão e PIB do Brasil deve crescer muito abaixo da média 07/10/2014 http://www.valor.com.br/financas/3725274/fmi-corta-previsao-e-pib-do-brasil-devecrescer-muito-abaixo-da-media
90
Index Mundi - http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=commodity-priceindex&months=300
471
manter o nível de emprego em um momento de severa crise internacional. A
este argumento, os liberais respondem que o epicentro da crise de 2008 não foi
o Brasil, a América Latina ou qualquer país em desenvolvimento - como fora o
caso das crises dos anos 1990 - mas sim o centro do capitalismo - Estados
Unidos e Europa. Isso significa que não há crise severa por aqui e o
expansionismo fiscal permanente não se justifica, como no caso americano,
com o Quantitative Easing ou no Japão com a chamada Abenomics do premiê
Shinzo Abe.
O debate entre desenvolvimentistas e liberais foi a tônica na discussão
econômica nas eleições passadas, que contou inclsuive com um debate na
televisão entre o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e um exocupante do cargo Armínio Fraga. Por outro lado, a política externa passou ao
largo dos debates e do horário eleitoral. Assim foi também em grande parte do
governo Dilma.
Política Externa
Em matéria de política externa, a presidência de Dilma Rousseff se
caracterizou pela manutenção do viéis Sul-Sul, com foco na América do Sul,
enquanto que as principais pautas da diplomacia no período foram os direitos
humanos e ciência e tecnologia, ainda que em nenhum momento qualquer
destas pautas tenha ocupado papel central no governo.
Dilma era vista, antes de sua posse e no início de seu mandato, como
esperança de melhores relações com os Estados Unidos. Em Janeiro de 2011,
o Subsecretário Para Assuntos Hemisféricos da Casa Branca, Arturo
Valenzuela, declarava que as perspectivas eram positivas, pois a presidenta
era crítica da aproximação com o primeiro ministro iraniano Mahmud
Amadineyad.91 Um mês antes Dilma declarara ao Washington Post que
gostaria de estreitar as relações com os americanos. Ao mesmo veículo,
chamou o apedrejamento de mulheres no Irã de “medieval”. 92 Seu antecessor
jamais fora tão longe em seus comentários sobre o controverso aliado persa.
91
Estudios de Política Exterior. “Entrevista a Arturo Valenzuela, el Hombre Fuerte de Obama
para Latinoamérica” http://www.politicaexterior.com/articulos/politica-exterior/entrevista-aarturo-valenzuela-el-hombre-de-obama-para-latinoamerica/
92
Washington Post. “An Interview With Dilma Rousseff, Brazil’s President Elect http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/12/03/AR2010120303241.html
472
Como presidenta eleita, em março de 2011 na visita de Barack Obama
ao Rio de Janeiro, que inicialmente discursaria à praça pública na tradicional
Cinelândia, mas que por questões de segurança falou somente à convidados
no Theatro Municipal, Dilma pleiteou uma “parceria em pé de igualdade” com a
maior potência militar, econômica e cultural do mundo. Àquela altura, Dilma
vivia o período de “lua de mel” com a população e os meios de comunicação.
Os primeiros seis meses no cargo quando o presidente tem total iniciativa e
notícias negativas são rarefeitas.
Neste momento, a primeira presidente mulher do país promovia uma
“faxina ética” demitindo, em curto espaço de tempo, seis ministros,
aumentando sua popularidade, mas deixando insatisfeitos parte de sua base
aliada. Nesse contexto, o discurso endereçado a Obama, notoriamente
voluntarista por pleitear uma igualdade entre desiguais, não levantou maiores
críticas, mas visto com o prisma da retrospectiva, antevia problemas na relação
bilateral.
Nos últimos dias de maio de 2013, começou a se espalhar por jornais de
todo o mundo, como o The Guardian na Grã Bretanha, o The New York Times
nos Estados Unidos e O Globo no Brasil, documentos que provavam o que se
considerava, até então, mera paranóia conspiratória: O governo americano, por
meio de National Secutiry Agency, a NSA, operava uma rede de espionagem
de alcance mundial, que chegara a interceptar contas de correio eletrônico da
Primeira Ministra alemã Angela Merkel e da Presidente Dilma Rousseff. As
revelações trazidas à tona por um agente da prórpia NSA, Edward Snowden,
que se exilaria na Rússia, marcaram o pior momento na relação bilateral entre
Brasil e Estados Unidos no passado recente. Outro ponto de tensão se deu em
Setembro deste ano, quando no bojo dos bombardeios dos territórios sírio e
iraquiano pela Força Aérea Americana, com o intuito de destruir bases do
Estado Islâmico, a Presidente Dilma usou o púlpito da Assembleia Geral das
Nações Unidas para criticar os Estados Unidos. Ato contínuo, o VicePresidente Joe Biden desmarcaria reunião previamente agendada por
“problemas de agenda”.
Na política hemisférica, no âmbito da Organização dos Estados
Americanos,
o
Brasil
buscou
asfixiar
financeiramente
a
Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), entre 2011 e 2012. O país, como
473
quarto maior cotista do orgão, responde por 6% dos recursos anuais da
Comissão, ou um mês de salários dos funcionários. A causa da contenda foi
uma medida cautelar da CIDH favorável a entidades indígenas que
questionavam o licenciamento ambiental das obras da hidroelétrica de Belo
Monte, e que pedia a suspensão da obra. Em resposta, Brasília retirou seu
Embaixador junto a OEA, Ruy Casaes. Até hoje o país segue sem ser
representado por um Embaixador na organização. Quem comanda a delegação
brasileira é o Ministro Breno Soares, um cargo mais baixo, o que evidencia o
protesto brasileiro ao que considerou uma instromissão da CIDH em seus
assuntos domésticos.93
Mais importante do que o hemisfério americano, é a América do Sul,
para a diplomacia brasileira. Tal construção de um espaço político sulamericano vem de longa data, remontando a redemocratização do Cone Sul,
com os primeiros esforços de construção do Mercosul, que se intensificaram no
governo de Fernando Henrique Cardoso, que ainda patrocinou as iniciativas
Casa e do Irsa. A partir de 2003 a integração sul-americana se acentua e
ganha um discurso mais político que comercial, que muitos críticos rotulam
como “anti-americano” ou “ideológico”.94
Ainda no região, O Brasil se alinhou favoravelmente a Argentina em sua
disputa com os “fundos abutre” na Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas em setembro passado, seguindo tendência do antigo terceiro mundo,
com adesão da Rússia. A votação era um ato meramente político e, portanto,
não vinculante, porém uma vez mais demonstrou discordância entre uma
posição brasileira e o defendido por Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha
e Japão, que votaram contra a aprovação da resolução. Estes últimos,
notavelmente, são membros fundadores de OCDE, grupo que disputa com as
potências emergentes Brasil, Índia, China e Rússia a distribuição de votos no
Fundo Monetário Internacional desde a década passada. A institucionalização
deste grupo, inicialmente somente uma sigla inventada pelo funcionário Jim
O’Neil do Goldman Sachs, avançou nos anos Lula e em 2014 atingiu um novo
93
Folha de São Paulo - Dilma Retalia OEA por Belo Monte e Suspende Recursos
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3004201117.htm
94
Celso Lafer - Academia Brasileira de Letras http://www.academia.org.br/antigo/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from_info_index=11&infoid=104
74&sid=705
474
patamar, com a assinatura da Carta de Fortaleza, que criou o Novo Banco de
Desenvolvimento, para financiar projetos nos países sócios, e um Fundo de
Reserva, para o caso de crises de balanço de pagamentos.
A grande ausente da ribalta da agenda internacional da presidenta
Rousseff foi a questão climática, que tampouco teve protagonismo na sua
administração. O Rio de Janeiro foi sede da cúpula Rio+20 em 2012, que
mobilizou todo o staff do Itamaraty, ademais da sociedade civil e mídia. Porém,
o país não voltou a ocupar o centro do debate como o fizera na Cúpula de
Copenhnagen em 2010, quando o então presidente Lula anunciou a adoção,
pelo Brasil, de metas voluntárias de emissões de CO2. Da Rio+20 saiu-se com
um gosto amargo. O número de chefes de Estado presentes à reunião foi
inferior ao planejado pelo governo brasileiro. A ausência mais presente foi a de
Barack Obama. Por outro lado, a Cúpula aprovou a criação de um indicador
econômico que leve em conta o meio ambiente. O Índice de Carbonização
elaborado pela PwC, que mede o volume de gases do efeito estufa emitido por
unidade do PIB, detectou que o Brasil aumentou em 5.5% a intensidade do uso
de carbono, em um ano em que seu PIB cresceu metade disso. O país foi
dissonante de outros emergentes, que cresceram mais e na realidade
diminuiram a intensidade do carbono em suas economias em 1.7%, ao passo
que os países desenvolvidos o diminuiram em 0.2%. 95
95
Eduardo Giannetti da Fonseca - Folha de São Paulo, 19/09/2014 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eduardogiannetti/2014/09/1518267-carbonizacao.shtml
475
A IMPORTÂNCIA DA CAPTAÇÃO DE RECURSOS E AS LINHAS DE
CRÉDITO MAIS VANTAJOSAS PARA AS IES NO BRASIL
Mara Albino da Silva96*
Romana Toussaint de Paula**
RESUMO
O presente artigo tratará da importância da captação de recursos financeiros
para as Instituições de Ensino Superior Particular (IES), assim como
apresentará as linhas de crédito mais vantajosas disponíveis para estas
instituições. Com o propósito de apontar aos leitores as melhores opções de
busca de capital de gira para as IES, a opção por estetema de pesquisa se
deve ao crescimento da demanda pelos serviços prestados pelas empresas
educacionais particulares e a importância que estas passaram a ter no
mercado e na sociedade. Assim como o aumento das exigências para que as
IES consigam se manter de portas abertas e sobreviver a competitividade no
mercado, o que tornou a busca por capitais de terceiros importantíssimo para a
manutenção de capital de giro das IES. Contudo, é importante capitar estes
recursos financeiros de forma correta, o que justifica a presente pesquisa
bibliográfica, que buscou fontes relacionadas aos tipos de financiamento no
mercado para somente em um segundo momento destacar o mais ou os mais
apropriados no momento.
Palavras-Chave:IES, Captação de Recursos, Linhas de Crédito.
ABSTRACT
This article will address the importance of raising funds for private Higher
Education Institutions (HEIs), as well as present the most favorable lines of
credit available to these institutions. In order to show readers the best search
options capital turns for HEIs, the choice of this research topic is due to the
growing demand for services provided by private companies and educational
importance that they now have in the market and society. As well as increased
requirements for HEIs able to keep the doors open and survive market
competition, which made the search for capital -important third to maintain
working capital of HEIs. However it is important capitar these funds correctly,
what justifies this bibliographic research, which aims sources related to the
types of financing in the market only in a second moment to highlight the most
or the most appropriate at the time.
Keywords:HEIs, Captation Resource, Lines of Credit.
* Bacharelado em Administração (UNIPAC), Técnico do Nível Superior (UNIPAC-Barbacena).
E-mail: [email protected]
** Professora Orientadora, Mestre em Administração, Especialista em Gestão Financeira pela
UFSJ
E-mail: [email protected]
476
1 INTRODUÇÃO
O ensino privado hoje é responsável pela maior parte da educação
superior brasileira, e está é uma indústria que movimenta dez bilhões de reais
anualmente, apresentando um dos maiores potencias de crescimento para
próximos anos.
Basta verificar o número de estudantes que concluem o curso superior
na
última
década,
passou
de
pouco
mais
de
trezentos
mil
para
aproximadamente um milhão, aumento que representa um salto muito
importante para o país. Seguindo o crescimento da procura pelo ensino
superior privado o Brasil é atualmente o sétimo país entre as nações do mundo
em número de IES (Instituições de Ensino Superior), sendo na América Latina,
o país com o processo mais acelerado de privatização do ensino superior.
Diante desse senário torna-se notório a importância do papel das IES na
economia brasileira, contribuindo com a formação profissional dos indivíduos,
com a geração de novos empregos, e assim com o crescimento econômico,
cumprindo um importante papel social.
Como qualquer empresa, as IES precisam financeiramente buscar
recursos de terceiros para a manutenção do capital de giro. Esse artigo objetiva
apontar as formas mais vantajosas de captar recursos de terceiros entre as
fontes de captação disponíveis no mercado, através de pesquisa bibliográfica e
análise das fontes.
As características dos serviços oferecidos pelas IES demandam
adequações constantemente para a manutenção da competitividade no
mercado, o que faz com que as IES dependem constantemente de algum
mecanismo adequado de financiamento, justificando assim esse trabalho, que
inicialmente tratará das fontes de capital disponíveis no mercado, para um
segundo momento considerar as mais vantajosas.
1.1 Objetivo Geral
Identificar as formas mais vantajosas de capitação de recursos para a
manutenção do capital de giro disponíveis no mercado para as IES.
1.1.1 Objetivo Especifico
477
Para atingir o objetivo geral deste artigo, foram definidos alguns objetivos
especifico a seguir:
a) Definir quais são as modalidades normalmente aderida pelas IES;
b) Apresentar o processo de obtenção de crédito desenvolvido pelas IES;
c) Identificar quais as linhas de credito disponíveis nos principais bancos do
Brasil;
d) Fazer um comparativo e apresentar as vantagem e desvantagens destas
linhas de crédito, buscando identificar as melhores.
1.2 Problema de Pesquisa (A relevância das fontes de capital de terceiros
para a manutenção das IES).
O
desenvolvimento
das
empresas
em
qualquer
país
depende
diretamente da existência de mecanismos adequados de financiamento. A
inovação do parque tecnológico é uma das atividades das organizações que
mais demanda recursos de médio e longo prazo. Com a globalização as
empresas perceberam a necessidade de adaptação às novas tendências de
ampliação
e
modernização
sem
comprometer
seu
capital
de
giro,
principalmente as educacionais que dependem diretamente dessa tecnologia
para se expandir.
Para suprir suas necessidades recorrentes de financiamentos de bens,
as empresas necessitam escolher uma das várias alternativas oferecidas pelo
mercador financeiro para manutenção do capital de giro, com as IES não é
diferente, pois demandam diversas adequações para se manter ativa no
mercado. Adequações que são constantemente avaliadas pelo Ministério
Educação (MEC), e essa avaliação é um fator determinante para o mercado
consumidor definir quais as melhores escolhas entre as IES para buscar a
profissionalização.
Na busca de serem bem avaliadas para se manter competitiva no
mercado, essas instituições, acabam em algum momento, necessitando de um
capital financeiro alto e em curto prazo, para investir em infraestrutura, novos
laboratórios,
computadores
mais
potentes,
melhora
nas
bibliotecas,
adequações de estruturas prediais para acessibilidade etc.
Essas adequações são investimentos essenciais para um impulso
financeiro. Investimentos esse que normalmente será financiado por fontes de
terceiros, pois a maioria das adequações exigidas pelo MEC é constante e em
478
curto prazo, as IES não dispõem desse capital de investimento, necessitando
assim de um financiamento junto às instituições financeiras.
1.3 Justificativa
A quantidade de instituições bancárias no mercado é grande, por isso as
IES precisam buscar a melhor opção conforme suas necessidades, as
modalidades de crédito disponível por estas também são muitas, diante dessa
realidade se faz necessário uma pesquisa dessas instituições e as
modalidades de créditos por elas oferecidos.
É de fundamental importância que os gestores financeiros das IES
conheçam a realidade do mercado financeiro para que possam buscar formas
de financiar seu crescimento, assim esse artigo busca disponibilizar
informações necessárias para a escolha da modalidade de crédito que melhor
se adequa a necessidade das IES no momento.
2 MERCADO FINANCEIRO
Hoje as instituições financeiras no Brasil obedecem as seguintes
classificações; Bancos Comerciais, Bancos de Investimentos, Sociedade de
Crédito, Financiamento e Investimento, Sociedade de Crédito Imobiliário, e os
Bancos Múltiplos. Falar-se-á a seguir de cada uma dessas instituições
financeiras, ressaltando de início que esta é a classificação oficial do Banco
Central do Brasil.
2.1 Bancos Comerciais
Os
Bancos
Comerciais
são
classificados
como
sendo;
“[...
intermediários financeiros, que recebem recursos de quem têm e os distribuem
através do crédito seletivo a quem necessita de recursos, naturalmente criando
moeda através do efeito multiplicador do crédito.]” (FORTUNA, 1999, p.22).
Os Bancos Comerciais cumprem seus objetivos por
meio de
atendimento em agencias bancarias home banking ou internet, sendo que de
acordo com Fortuna (1999, p.22) seu objetivo principal é “[... o suprimento
oportuno e adequado dos recursos necessário para financiar, a curto e médio
479
prazo, o comercio, a indústria, as empresas prestadoras de serviços e as
pessoas físicas.]”.
2.2 Bancos de Investimentos
De acordo com Gonçalves, (2010, p.14), os Bancos de Investimentos
“[... são instituições financeiras que tem como objetivo principal a prática de
operações de investimentos, participações ou de financiamentos a prazos
médio e longo...]”, com o objetivo de suprir o capital fixo ou de movimento das
empresas do terceiro setor, ou seja, setor privado. Essas operações são
realizadas com aplicação de recursos próprios, coleta, intermediação, e
aplicação de recursos de terceiros.
2.3 Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento.
A Sociedade de Créditos, Financiamento e Investimento segundo
Fortuna, (1999, p. 136) tem a principal função “[... financiar bens de consumo
duráveis por meio do popularmente conhecido “crediário” ou crédito direto ao
consumidor]”.
2.4 Sociedades de crédito Imobiliário
Para Gonçalves (2010, p. 22), “[... as sociedades de crédito imobiliário
têm como objetivo proporcionar amparo financeiro a operações imobiliárias
relativas à incorporação, construção, vendas ou aquisição de habitação.]”.
2.5 Bancos Múltiplos
“Estes bancos são caracterizados por atuarem em diversos seguimentos
tem seu funcionamento autorizado pela Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.” (Fortuna, 1999, p. 23) É importante salientar que um banco
para ser considerado múltiplo, deve ter sua atuação em pelo menos duas
destas carteiras, comercial, imobiliária, financeira e investimento.
3 ADMINISTRAÇÃO DE CONTAS A RECEBER
As contas a receber são geradas pelas vendas a prazo, que são feitas
após concessão de crédito. Esse crédito representa troca de bens presente por
480
bens futuros. “Os créditos são concedidos aos clientes diante de promessa de
pagamento futuro, é nessa transação que se firma o compromisso da dívida
assumida
pelo
comprador
em
quita-la.”
(HOJI,
2004,
p.136).
“Este
compromisso pode estar expresso num instrumento como duplicata a receber,
nota promissória, cheque pré-datado, comprovante de venda de cartão de
credito etc.” (ASSAF NETO E SILVA, 2009, p.107).
Mesmo com o grande risco de inadimplência, gerado normalmente pela
venda a prazo, as empresas não pode deixar de se arriscar, pois as vendas a
prazo é uma forma de alavancar o crescimento das vendas e da empresa obter
lucro, o que deve ser levado em conta na hora da concessão de crédito aos
clientes é fazer uma grande análise das possibilidades que o cliente tem para
pagar, para que esse valor a receber não se torne valores que não serão
recebidos.
Hoje há várias formas de verificar essas possibilidades, contando com
apoio de empresas como “Serviço de Proteção de Crédito (SPC), e Serviço
bancário S.A (SERASA), e também utilizando de outros meios de avaliação do
risco financeiro que o cliente representa para a empresa.” (HOJI, 2004, p.137).
3.1 Principais linhas de crédito para capital de Giro
As instituições financeiras disponibilizam diversos tipos de financiamento
para o capital de giro, diante das alternativas cabe avaliar quais são os
produtos que atendem as IES quais as menores taxas de juros oferecidas por
estas instituições no momento.
Por meio de um contrato, são estabelecidas as condições gerais e
específicas da operação, como valor, o vencimento e a taxa de juros. As
garantias exigidas são as notas promissórias avalizadas, geralmente, por
sócios ou diretores. Além das notas promissórias, podem ser exigidas
garantias adicionais, como duplicatas, hipotecas e penhor mercantil. Estas
linhas de crédito são;
3.1.1 Desconto de Títulos
Os títulos descontados podem se duplicatas ou notas promissórias. O
cedente da duplicata ou nota promissória transfere ao banco o direito de
recebê-los nos respectivos vencimentos, recebendo antecipadamente o valor
481
líquido dos títulos após descontados os juros. No vencimento, o devedor paga
o valor do título ao banco, que baixa da responsabilidade do cedente.
Segundo Hoji, (2004, p207); “Na operação de desconto, o banco tem o
direito de regresso [...], caso o devedor não pague o título no vencimento, o
banco tem o direito de receber do cedente o valor do título acrescido de juros
de mora e/ou multas”.
3.1.2 Hot Money
É um empréstimo de curto prazo,um dia a uma semana na maioria das
vezes. A taxa de juros de Hot Money é baseada na taxa diária do CDI,
acrescida de spread do banco e impostos. As vantagens desse tipo de
empréstimo são de que a empresa tomadora pode ajustar melhor seu fluxo de
caixa e possibilita uma mudança rápida de fonte de financiamento, caso outros
tipos de financiamento se tornem mais vantajosos.
“A cobrança de impostos (IOF, CPMF etc.) pode tornar o custo efetivo de
Hot Money excessivamente alto, o que limita esse tipo de empréstimo a
eventuais operações de ajustes de caixa”.(HOJI, 2004, p.208)
3.1.3 Conta Garantida
Para pessoa jurídica, o equivalente a cheque especial utilizado por
pessoa física. O banco abre uma conta de crédito para empresa, que saca
livremente o valor até o limite estabelecido e cobre o saldo devedor a qualquer
tempo, até o vencimento do contrato. Os encargos financeiros são pagos
periodicamente. “A grande vantagem da conta garantida é que o tomador pode
ajustar melhor sua necessidade de caixa”. (HOJI, 2004, p.208)
3.1.4 Factoring
Factoring é uma operação de fomento comercial, portanto, não sujeita a
regulamentações do Banco Central. A operação consiste em ceder os direitos
creditórios sobre duplicatas a empresas de factoring, recebendo em
contrapartida o valor de face com deságio, correspondente a juros e spread da
operação.
A grande vantagem dessa operação é que nela é feita a venda definitiva
das duplicatas, portanto, sem o direito de regresso, diferentemente do desconto
482
de duplicatas. “Por ser uma operação com custo final mais alto do que as taxas
geralmente praticadas pelos bancos são utilizadas com maior frequência por
empresas de pequeno e médio porte que tem dificuldades de obter linhas de
crédito em bancos”. (HOJI, 2004, p.208)
3.1.5 Debêntures
Debênture é um título emitido por sociedades anônimas de capital
aberto, com a aprovação da emissão por Assémbleia Geral Extraordinária, para
captar recursos de médio e longo prazo no mercado financeiro. As condições
gerais e específicas sob as quais foi emitida a debênture constam de um
documento chamado Escritura de emissão, com registro em cartório.
As debêntures podem ser remuneradas com juros e prêmios sobre
valores atualizados monetariamente, ou com taxas de juros prefixadas. As
taxas de remuneração são repactuadas periodicamente. Caso não se chegue a
um acordo quanto à taxa de remuneração do novo período, a empresa deve
resgatar os títulos. “O prazo de resgate não deve ser inferior a um ano. O
agente Fiduciário da operação zela pelos direitos dos debenturistas”.(HOJI,
2004, p.208)
3.1.6 Recursos do BNDES
Praticamente, a maioria dos recursos de longo prazo existentes em
moeda nacional é fornecida pelo sistema BNDES, dentro das políticas
operacionais estabelecidas para cada setor de atividade econômica. O Sistema
BNDES é formado pelo próprio Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e suas subsidiárias Agencia Especial de
Financiamento Industrial (Finame) e BNDES Participações S. A (BNDESpar).
O Sistema BNDES pode operar diretamente com o financiado, mas a
maioria
das
operações
é
intermediada
pelas
instituições
financeiras
credenciadas. Em alguns casos, o BNDESpar participa do capital social de
empresas consideradas estratégicas ou com projetos prioritários.
“Os encargos dos financiamentos são baseados em Taxa de Juros de
Longo Prazo (TJLP), apurada com base em uma cesta de moedas, acrescida
de spread específico para cada linha de financiamento, mais a comissão do
agente repassador”.(HOJI, 2004, p.209)
483
3.2 Financiamentos
Algumas das linhas de financiamentos são: Financiamento de máquinas
e equipamentos de fabricação nacional (Finame), Financiamento à exportação
de máquinas e equipamentos (Finamex), Financiamento para subscrição de
aumento de capital social,
Garantia de subscrição de valores mobiliários.
a) Financiamento em Moeda estrangeira;
Pode ser a taxa de câmbio brasileira atrelada ao dólar, a maioria dos
empréstimos e financiamentos em moeda estrangeira é denominada em dólar.
As mais comuns são;
b) Adiantamento sobre Contratos de Câmbio;
Nesse tipo de operação, os exportadores, com base em contrato de
fornecimento ou pedido de compra, vendem a termo os valores em moeda
estrangeira
que
serão
gerados
pela
futura
exportação,
recebendo
antecipadamente o valor equivalente em moeda local, convertido pela taxa de
câmbio da data da operação.
Antes do embarque da mercadoria, a operação recebe o nome de
Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), mas após o embarque, essa
operação passa a chamar-se Adiantamento sobre Contrato de Exportação
(ACE). Por ser um incentivo financeiro à exportação, o custo dessa operação é,
geralmente, mais baixo do que a taxa de mercado.(HOJI, 2004, p.209)
c) Resolução 2770 (antiga resolução 63)
Essa operação é regulamentada pela Resolução 2770 do Banco Central.
Os bancos repassam aos tomadores locais, em moeda estrangeira, os
recursos captados no exterior por meio de lançamentos de bônus e outros
instrumentos financeiros. O prazo máximo no repasse não pode exceder o
vencimento do empréstimo original, mas o balanço pode repassar o recurso por
um prazo menor. “O banco local cobra do tomador uma comissão de repasse,
que pode ser antecipada ou paga juntamente com os juros, e pode estar
embutida na taxa de juros”.(HOJI, 2004, p.210)
d) Financiamento de Importação
Os bens adquiridos no exterior podem ser financiados por bancos do
exterior. Em vez de o importador desembolsar as compras à vista, o banco do
484
exterior paga à vista ao exportador e o importador fica devendo a esse banco
do exterior. “No vencimento do financiamento, o importador fará a remessa
financeira pela compra de mercadorias”. (HOJI, 2004, p.210)
4 ARRENDAMENTO MERCANTIL
O arrendamento mercantil (leasing, em inglês) é uma forma de
financiamento de bens do Ativo Imobilizado. A ampla aceitação dessa
modalidade de financiamento pelas empresas está baseada no princípio de
que o lucro é gerado pela utilização do bem e não por sua propriedade.
A operação de leasing consiste em uma empresa arrendadora adquirir
um bem do fabricante (ou comerciante) escolhido pela arrendatária e arrendálo a esta mediante o recebimento de prestações periódicas (que podem ser
mensais, trimestrais etc.). O bem adquirido fica contabilizado como Ativo
Permanente da arrendadora até sua eventual venda para arrendatária.
“O objeto do arrendamento pode ser: bens móveis ou imóveis, novos ou
usados, de fabricação nacional ou estrangeira, contratado em moeda nacional
ou
em
moeda
estrangeira,
com
as
arrendadoras
nacionais
ou
estrangeiras”.(HOJI, 2004, p.211).
4.1 Modalidades de Arrendamento Mercantil
Basicamente, existem duas modalidades de leasing: financeiro e
operacional.
4.1.1 Leasing Financeiro
O leasing financeiro equivale à operação de financiamento de médio ou
longo prazo em que a arrendatária paga, geralmente, prestações mensais. Ao
final do contrato, que não pode ser rescindido antecipadamente, a arrendatária
terá o direito de adquirir o bem por um valor previamente combinado
denominado valor residual garantido (VRG).
O prazo mínimo de arrendamento é de dois anos para bens com vida útil
de até cinco anos (veículos, equipamentos de informática etc.) e de três anos
para os com vida útil superior a cinco anos (móveis e utensílios, maquinarias
em geral etc.). A conservação e a manutenção do bem são de
responsabilidade da arrendatária.
485
No Brasil, somente as sociedades de arrendamento mercantil (empresas
de leasing) podem praticar as operações de leasing financeiro, pois essa
modalidade de arrendamento está sujeita à regulamentação do Banco Central.
4.1.2. Leasing Operacional
O leasing é uma operação de locação em que a arrendatária (locatária)
paga uma taxa de arrendamento periódica (semanal, mensal, trimestral etc.) à
arrendadora (locadora). A manutenção do bem arrendado nessa modalidade é
de responsabilidade da locadora. O bem é devolvido à locadora ao final do
contrato, ou qualquer tempo (se assim estiver previsto no contrato). Caso a
locatária desejar adquirir o bem, o preço de venda será estabelecido de acordo
com o valor de mercado.
Nessa modalidade de arrendamento não existe um prazo mínimo
obrigatório. Portanto, a duração de um contrato de locação poderia ser de
apenas alguns meses (ou dias). O prazo do contrato de locação, ou a opção de
devolução a qualquer tempo, dependerá da natureza e espécie do bem objeto
de locação, pois existem bens de difícil comercialização no mercado de bens
usados e com alta taxa de obsolescência.
Não há necessidade de a empresa locadora ser uma sociedade de
arrendamento mercantil para exercer as atividades de leasing operacional, pois
essa modalidade de arrendamento não está sujeita à regulamentação do banco
Central. A título de exemplo, as empresas de locação de veículos “adquirem”
os veículos por meio de leasing financeiro e os arrendam a seus clientes por
meio de leasing operacional.(HOJI, 2004, p.211)
5 ADMINISTRAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO
Toda empresa necessita de capital de giro para o desempenho de suas
atividades. Segundo Assaf Silva, (2009, p.14), ao destacar a importância de
capital de giro nas empresas afirma que “[... o capital de giro tem participação
relevante no desempenho operacional das empresas, cobrindo geralmente
mais da metade de seus ativos totais investidos.]”.
Uma administração inadequada de capital de giro resulta normalmente
em sérios problemas financeiros, contribuindo efetivamente para formação de
uma situação de insolvência. Segundo Hoji, (2004, p.117), “[... o capital de giro
486
e conhecido também como capital circulante e corresponde aos recursos
aplicados em ativos circulantes, que se transformam constantemente dentro do
ciclo operacional]”.
Para Assaf Neto e Silva (2009, p.15) “[... o capital e giro representa os
recursos demonstrado por uma empresa para financiar necessidades
operacionais identificadas desde a aquisição de matérias-primas, mercadorias
até o recebimento pela venda do produto acabado.]”.
6MODALIDADES DE CRÉDITOS NORMALMENTE ADERIDA PELAS IES
Apresentaremos a seguir as modalidades de créditos em percentual de
juros mais aderidas pelas IES, estes dados foram coletados no site oficial do
Banco Central do Brasil no período entre 01/11/2013 a 07/11/2013.
Tabela I: Capital de Giro
Tipos de encargos
Pré-fixado
Prazo
Até 365 dias Superior a
365 dias
Bancos
%
% a.a %
%
a.m
a.m
a.a
Caixa Econômica
1,30
16,80 1,20
15,3
Federal
2
Banco Itaú Unibanco
2,12
28,68 1,99
26,7
BM S.A
0
Banco do Brasil S.A
1,41
18,24 1,41
18,2
9
Banco Santander
1,70
22,39 1,71
22,5
(Brasil) S.A
3
Fonte: BCB
Tabela II: Cheque Especial
Tipos de encargos
Pós-fixado
Até 365
Superior a
dias
365 dias
%
%
%
% a.a
a.m
a.a
a.m
1,03
13,1 1,28
16,55
5
1,53
18,9 1.16
14,89
8
1,02
12,9 1,22
15,61
9
1,52
19,8 1,18
15,05
5
Pré-fixado
Bancos
% a.m
% a.a
Caixa Econômica Federal
4,72
73,95
Banco Itaú Unibanco BM S.A
8,24
15,73
Banco do Brasil S.A
9,06
183,12
Banco Santander (Brasil) S.A
Fonte: BCB
10,50
231,45
487
Tabela III: Conta Garantida
Tipos de encargos
Bancos
% a.m
Caixa Econômica
Federal
Banco Itaú Unibanco
2,90
BM S.A
Banco do Brasil S.A
1,80
Banco Santander
2,07
(Brasil) S.A
Fonte: BCB
Tabela IV: Desconto de Cheques
Tipos de encargos
Bancos
% a.m
Caixa Econômica
1,79
Federal
Banco Itaú Unibanco
2,55
BM S.A
Banco do Brasil S.A
2,43
Banco Santander
2,26
(Brasil) S.A
Fonte: BCB
Pré-fixado
% a.a
-
% a.m
1,79
Pós-fixado
% a.a
23,71
40,87
1,40
18,13
23,85
27,86
1,59
1,58
20,81
20,64
Pré-fixado
% a.a
23,78
35,31
33,44
30,73
Tabela V: Antecipação de Fatura de Cartão de Crédito
Tipos de
Pré-fixado
encargos
Bancos
% a.m
% a.a
Caixa
Econômica
Federal
Banco Itaú
3,03
43,07
Unibanco BM
S.A
Banco do Brasil 1,94
25,89
S.A
Banco
1,92
25,65
Santander
(Brasil) S.A
Fonte: BCB
Essas modalidades de crédito estão sempre disponível o que pode
variar com certa frequência são as taxas de juros que pode oscilar por diversos
fatores, mas segue um controle do banco central.
488
Portanto é de fundamental importância que os gestores financeiros
fiquem atentos as condições econômicas do mercado e possam contratar os
créditos em períodos onde com taxas de juros aplicadas são menores.
CONCLUSÃO
Como se percebe na apresentação dos dados deste artigo, não falta
hoje no mercado linhas especiais de crédito como o objetivo de atender as
necessidades de capital de giro das empresas como as IES. Apresentamos as
mais procuradas pelas empresas de educação privada, entre as disponíveis no
memento são; Capital de Giro,Cheque Especial, Conta Garantia, Desconto de
Cheques, Antecipação de Cartão de Crédito.
Com o objetivo de apontar as mais vantajosas analisamos as taxas de
juros oferecidas, concluímos que a modalidade mais viável em percentual de
juros cobrados é a Capital de Giro oferecida pelo Banco do Brasil de 1,02 ao
mês, considerando a taxa pós, fixado que normalmente é aplicada nessas
modalidades.
Não que o fator taxa de juros seja o único fator a se levar em
consideração no momento da contratação, a de se considerar também
condições da empresa arcar com os pagamentos a longo, médio e curto prazo,
podendo ser mais rendoso para uma empresa que necessita de prazos mais
longos pagarem juros um pouco mais elevados, mas garantir o prazo
necessário para arcar com empréstimo.
Assim como para algumas empresas é rentável até mesmo pagar mais
em juros em curtíssimo prazo, contudo apresentamos aqui aquela modalidade
que de modo geral por prazo e percentual de juros é a mais equilibrada e
vantajosa.
Essa pesquisa poderá servirá como base de consulta no momento da
contratação de linhas de crédito pelas IES, até mesmo para negociar uma taxa
real de juros no momento da contratação,pois existem fatores determinantes
para a redução destas taxas, como exemplo, a relação da IES com os bancos.
O número de produtos que a IES adere, e as garantias de pagamentos tudo
isso e considerado para que o gestor financeiro negocie a melhor taxa, que não
necessariamente será a menor apresentada nessa pesquisa.
489
REFERÊNCIAS
ASSAF NETO,A. e SILVA César A.T. Administração de capital de giro. 3
ed.São Paulo: Atlas 2009.
Banco Central do Brasil. Apresenta informações sobre; Linha de Crédito.
Disponível Em: <http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/default.aspx> Acesso: 24
de nov. 2013.
FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro:
Qualitymark. 1999.
GONÇALVES, Adriano Machado. A captação de capital de giro por micro e
pequenas empresas. 2010. 76 f. Monografia (Graduação em Ciências
Contábeis).
Curso de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2010.
HOJI, Masakasu. Administração Financeira: uma abordagem prática. 5 ed. São
Paulo:Atlas.2004.
Revista Valor. Apresenta informações sobre; Mercado Financeiro. Disponível
Em: <www.valor.com.br> Acesso: 17 de nov. 2013.
490
A PERCEPÇÃO DOS CONFLITOS ORGANIZACIONAIS SOB A ÓTICA DOS
PARADIGMAS DE BURREL E MORGAN
Monique Terra e Silva97
Diana Alves Prates Simões98
Fernanda Carolina Fernandes99
Lílian Beatriz Ferreira100
RESUMO
Este artigo aborda a temática dos conflitos no ambiente organizacional sob a
ótica dos paradigmas funcionalista, interpretativista, humanista radical e
estruturalista radical, defendidos por Burrel e Morgan (1979). Neste sentido
busca-se compreender a ótica de cada paradigma sob a percepção do conflito
organizacional, bem como a forma que estas transformações conflitantes
modelaram o comportamento do homem no ambiente organizacional. Para
isso, apresentou-se uma análise evolutiva das transformações conflitantes
pelas quais o homem se submeteu no contexto organizacional, descrevendo-o
sob o olhar de diferentes teóricos. Sobre esta ótica, surgem novas formas de
pensar o conflito nas organizações, uma vez que a discussão abre novos
caminhos para se adotar abordagens inovadoras, a fim de encontrar maneiras
mais eficazes de lidar com conflito organizacional.
Palavras-Chave: Conflitos. Paradigmas. Comportamento. Organização
1 INTRODUÇÃO
O termo conflito no ambiente organizacional sofreu fortes transformações ao
longo dos anos. Com o início da Administração como Ciência, as novas
concepções sobre a produção, deixaram a figura do homem de lado no
processo, ressaltando aspectos como tarefa e estrutura organizacional. Com o
surgimento da Escola comportamental, o homem ganha um pequeno espaço
neste território, mas meramente superficial, uma vez que apenas observou-se
sua condição no ambiente e não suas habilidades.
Neste contexto, as teorias clássicas enfatizaram uma imagem do homem
apenas funcional. Nenhuma atribuição a seu caráter transformador e decisivo
dentro das organizações foi ponto de discussão como processo evolutivo
97
monique.silva@ mestrado.unihorizontes.br
[email protected]
99
[email protected]
100
[email protected]
98
491
destas teorias.
Somente após os estudos, abriu-se uma nova discussão a
respeito da figura do homem, os conflitos decorrentes de seu comportamento
frente ao grupo de trabalho e sua influência no poder de tomada de decisão
como parte do processo organizacional.
Diante disso, esta abordagem a respeito dos conflitos organizacionais vividos
pelo homem ao longo dos anos, se torna o foco deste estudo, buscando
apresentar uma análise evolutiva das transformações conflitantes pelas quais o
homem se submeteu no contexto organizacional sob o olhar dos paradigmas
defendidos por Burrel e Morgan (1979). Desta forma, busca-se entender o
processo pelo qual eram tratados os conflitos organizacionais, assim como
seus efeitos no ambiente de trabalho e apresentá-lo sob o olhar de diferentes
paradigmas.
Nesta perspectiva, a natureza humana pode ser considerada determinística a
relação entre os seres humanos e seu ambiente, quando vê o homem e suas
ações completamente determinadas pelas situações sociais e pelo ambiente e
a considerada voluntarista, quando acredita na autonomia e na livre vontade do
ser humano. No mesmo contexto, a metodologia diz respeito à condução de
uma investigação e obtenção do conhecimento do mundo social, sendo
considerada ideográfica quando só é possível obter conhecimento a partir da
exploração detalhada do sujeito e de sua história de vida, analisando os
aspectos subjetivos e é considerada nomotética quando valoriza as técnicas
quantitativas, a construção de testes científicos, assim como a possibilidade de
generalização a partir dos padrões de rigor científico (CARRIERI; LUZ, 1998).
Por outro lado, Burrell e Morgan (1979), apresenta diferentes teorias refletem
outras perspectivas, questões e problemas para estudo e são baseadas num
conjunto de pressupostos que refletem uma visão particular da natureza e do
objeto de investigação, podendo esta, ser de regulação ou de mudança radical.
A primeira enfatiza a unidade de coesão e a segunda privilegia a emancipação
do
homem
da
estrutura
que
limita
ou
impede
seu
potencial
de
desenvolvimento. Tanto a sociologia da regulação, quanto da mudança radical
servem de referência para a análise dos processos sociais e que, combinados
492
com as dimensões subjetiva e objetiva sobre a natureza da sociedade, definem
quatro distintos paradigmas científicos: Funcionalista; Interpretativo; Humanista
Radical e Estruturalismo Radical (CARRIERI; LUZ, 1998).
Dessa forma, entender os conflitos organizacionais, sob o olhar destes
paradigmas, assim como a percepção e a influência do mesmo nos processos
organizacionais, torna-se objeto deste estudo. Para isso, buscar-se-á
compreender a ótica de cada paradigma sob a percepção do conflito
organizacional, bem como a forma que estas transformações conflitantes
modelaram o comportamento do homem no ambiente organizacional.
2 O CONFLITO E OS PARADIGMAS ORGANIZACIONAIS
Este tópico aborda a relação entre o conflito e os paradigmas organizacionais,
e para melhor compreensão, cada paradigma foi apresentado separadamente.
2.1 O PARADIGMA FUNCIONALISTA
O paradigma funcionalista é considerado de acordo com as suposições da
ciência social como realista, positivista, determinista e nomotética. Sua
natureza tem raízes na corrente da regulação, com uma abordagem objetiva
dos fenômenos capaz de fornecer explicações racionais das relações sociais,
uma vez que é ligado pela efetiva regulação e controle dos fatos sociais
(CARRIERI; LUZ, 1998).Segundo Burrel e Morgan (1979), o funcionalismo foi
fortemente criticado por ser conservador e inadequado para prover explicações
sobre a mudança radical, uma vez que não vê os conflitos como fundamentais
para gerar a mudança radical, principalmente através das crises políticas e
econômicas.
É sob este argumento que a visão tradicional sustentava que o conflito no
ambiente de trabalho deveria ser evitado, pois se entendia que o conflito
consumia tempo e recursos gerenciais que eram limitados, e sua evitação,
fazia com que o trabalhador se encaixasse dento de âmbito aceitável de
comportamento organizacional (MONTANA; CHARNOV, 2006). A negação da
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existência dos conflitos era pautada na consideração que se fazia a respeito de
sua contra producência e por isso era usado como sinônimo de violência,
destruição e irracionalidade para reforçar seu aspecto negativo (SOARES,
2012).
Com o surgimento da escola comportamental e as primeiras tentativas de
integrar o homem à empresa de forma humanística, a visão do conflito no
ambiente organizacional toma outro direcionamento, pautada na consideração
que este era um fenômeno de ocorrência natural nos grupos e nas
organizações. Desta forma, o conflito não podia ser evitado e havia ocasiões
em que ele poderia ser até ser benéfico para o desempenho do grupo
(MONTANA; CHARNOV, 2006).
Entretanto, embora, os autores comportamentais tenha tratado o termo de uma
forma mais dinâmica e complexa que a visão tradicional, a forma como se
resolvia os conflitos ainda era pautada na negação dos sentimentos e emoções
ligados aos trabalhadores (LAWRENCE; LORSCH, 1973). Desta forma,
segundo os autores, não existia uma clara definição sobre a resolução de
situações conflitantes no ambiente de trabalho, que resultava em uma
inevitável dissipação de energia humana.
As críticas em relação ao paradigma funcionalista estão na visão de que os
conflitos não atuavam como uma das peças fundamentais para gerar a
mudança radical, já que, embora sua existência fosse reconhecida, nenhuma
medida importante era tomada para que por meio deles, fossem melhorados os
processos organizacionais. O que se buscava, era a regulação do
comportamento humano por meio da racionalidade/ objetividade. Neste
sentido, a limitação dos gestores na capacidade de resolução dos conflitos
existentes, e a diferença no modo de comportamento de cada gestor, definia a
maneira como os mesmos seriam analisados e tratados (LAWRENCE;
LORSCH, 1973).
Portanto, dentro de uma visão positivista, na resolução dos conflitos, os
problemas deveriam ser identificados e suas causas analisadas. Entretanto, as
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pessoas ou situações que contribuíram para sua realização, deveriam ser
eliminadas (KILMANN; THOMAS, 1978), uma vez que, a resolução de conflitos
visualizada pela abordagem mecanicista, tratava o mesmo como um processo
lógico e linear (ROBBINS, 2005).
O tópico a seguir versa sobre a relação do paradigma interpretativista e o
conflito dentre do ambiente organizacional.
2.2 O PARADIGMA INTERPRETATIVISTA
O Paradigma Interpretativo é considerado de acordo com as suposições da
ciência social como nominalista, anti-positivista, voluntarista e ideográfica. Suas
raízes encontram-se também na abordagem social da regulação, embora sua
abordagem seja subjetiva, procura explicação dentro da consciência individual
e da subje
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