ISOLAMENTO HEMATÓFAGOS Drs. Washington DO VÍRUS DA RAIVA DE MORCEGOS DO ESTADO DE SAO PAULO, BRASIL1 Sugay e Moacyr R. Nilssod Descreve-se o isolamento e a identificac~o do vkus da raiva de 11 morcegos Desmodus rotundus rotundus (Geoflroy) capturados no vale do Rio Paraiba, Estado de Xão Paulo, região em que ocorria a raiva em herbivoros. Dois dos morcegosforam apanhados durante o dia ena estábulos. Após a sugestão de Carini (1), de que os morcegos poderiam ser os transmissores da raiva a bovinos e eqüinos em um surto em Santa Catarina, Haupt e Rehaag (2, S), neste mesmo Estado, isolaram o vírus de um morcego da espécie Phyllostoma superciliatum. Lima (4), em 1934, isolou 0 vjrus rábico de morcego Desmodus rotundus de Santa Catarina. Ainda em 1934, Torres (5), relat’ou o isolamento do vírus de Desmodus proveniente de Livramento, Estado de Mato Grosso. Merecem destaque especial estes trabalhos dos ilustres pesquisadores brasileiros, ao lado de outros seguintes (6, 7), pela importante contribuicão que trouxeram ao conhecimento do problema da transmissáo da raiva aos herbívoros, demonstrando definitivamente a possibilidade de morcegos aparentemente sadios serem portadores do virus. Importantes trabalhos no mesmo sentido sao os de Hurst e Pawan (8-11), na Ilha de Trinidad, inicialmente incriminando o morcego como transmissor, depois isolando o vfrus dêste animal e comprovando sua condicão de portador sadio. Carneiro (12), em 1936, escreveu um sugestivo artigo sabre a raiva transmitida por morcegos, em que analisa o problema e faz um relato histórico dos isolamentos obtidos e dos surtos ocorridos. Muitos outros isolamentos sucederam-se fora de nosso país, tanto de morcegos hematófagos (1%20), como de insetívoros e frugívoros (21-44). No Brasil, em 1956, Bauer (45) obteve quatro amostras de vírus rábico de morcegos Desmodus rotundus no Rio Grande do Sul. Silva e colaboradores (&), em 1961, descreveram o isolamento do vjrus de morcego Phyllostomus hastatus hastatus (Pallas) do Estado do Rio de Janeiro. Ainda Silva e colaboradores (47), trabalhando com 125 morcegos do Estado do Espírito Santo, onde ocorria freqüentemente a raiva, nao foram bem sucedidos nas tentativas de isolar o virus. 0 presente trabalho refere-se à pesquisa do vírus rábico em morcegos do Estado de Sao Paulo, capturados principalmente em localidades onde ocorriam casos de raiva. l?nfase maior foi dedicada a um surto no vale do Rio Paraíba, especialmente nos Municipios de Guararema, Santa Izabel, Santa Branca, Salesópolis e Mogi das Cruzes, pelas proporcões que assumiu. Material ‘Trabalho realizado com recursos da Fundacáo de Amaaro $ Pesauisa do Estado de Sáo Paulo. Ápresentadõ ao II Simpósio Brasileiro de Raiva, Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, em setembro de 1965. 2 Do Instituto Biológico de São Paulo. e métodos Camundongos: Utilizamos sempre camundongos CH3 Rockefeller, de nossa criaráo. A!Iorcegos: Alguns foram trazidos ao nosso laboratório por interessados. Neste particu310 ,, , 7 Sugay e Nilsson. . ISOLAMENTO DO VÍRUS lar ressaltem-se os casos de dois hematófagos, um de Guararema e outro de Santa Branca, encontrados em estábulos durante o dia. 0 de Santa Branca foi trazido pelo Dr. Hélio S. Teixeira, da Seccão de Assistência Veterinaria, e encontrava-se em adiantado estado de putrefacáo. Os demais foram capturados em furnas de pedra, ôcos de árvore, túneis excavados, galerias de estrada de ferro e fornos de carváo fora de uso. Alguna sempre que possível, eram mantidos em cativeiro até a morte. Trabalhamos com 770 morcegos, dos quais 556 hematófagos, sendo 496 Desmodus rotundus rotundus (Geoffroy), 52 DiphzJlla ecuudata (Spix) e 8 Diaemus youngi (Jentink) . A classifica@o dos morcegos baseou-se em trabalho de Vieira (48), confirmada pelo Dr. Cory T. Carvalho, do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de Sáo Paulo. Isolamento do virus: De todos os morcegos recebidos retirávamos sempre o cérebro, dividindo-o em duas partes, urna para a inoculagáo de camundongos e a outra conservada a -20°C. No início de nossos trabalhos, só eventualmente eram efetuadas tentativas de isolamento de virus das glândulas salivares e da gordura interescapular. A partir de abril de 1963, do morcego 429 em diante, passamos a retirar sistemàticamente as glândulas salivares, o mesmo ocorrendo com a gordura interescapular, quando presente, depois de setembro de 1963 (morcego 557). Em virtude do trabalho apresentado por Johnson (49) ao VII Congresso Internacional de Medicina Tropical e Malária, passamos a utilizar também os pulmões, o que fizemos em janeiro de 1964 (morcego 643). Para as inocula@es realizávamos urna mistura representativa (“pool”) de 3 a 6 cérebros, glândulas salivares, gorduras interescapulares ou pulmões. Algumas vezes individualizávamos as inoculacões, o que ocorreu, por exemplo, com os morcegos 76 e 77. 0 mesmo fazfamos depois de obt’ido DA 311 RAIVA algum isolamento de vírus a partir do (‘pool”, para determinar se um ou mais morcegos de um mesmo “~001” estavam infectados. Os materiais (cérebro, glândula, gordura ou pulmáo), suspensos a 10% em solucáo fisiológica com antibióticos (1.000 UI de penicilinae 1,25 mg de estreptomicina/ ml), eram inoculados pela via intracraniana, na dose de 0,03 ml, em 5 a 8 camundongos de 20 a 30 dias de idade, que permaneciam em observa&0 durante 30 dias. Dos camundongos mortos, assim como dos sacrificados quando doentes, retirávamos o cérebro para a realiza@0 de esfregacos corados pelo método de Faraco (50), para passagens sucessivas e para a prova de sôro-neutralizacáo. Nesta última empregamos a técnica de Koprowski e Johnson (SI), utilizando soro de cavalo hiperimunizado. 0 método de Reed e Muench (52) foi utilizado para os cálculos dos fndices de neutralizacao. Resultados Dos 496 morcegos Desmodus rotundus rotundus estudados, 292 provinham do vale do Rio Paraíba, região onde ocorriam surtos de raiva desde 1960, e dêstes obtivemos Ll isolamentos do vírus, que estáo sintetizados na Tabela 1. De todos os morcegos, exceto os de Nos. 76 e 77, os isolamentos foram efetuados a partir do “~001”. Esfregaqos dos cérebros dos camundongos revelaram sempre a presenta de inclusoes de Negri. Discussão e concludes Tôdas as amostras de vírus isoladas foram obtidas de morcegos de Guararema, exceto um de Santa Branca, municípios em que ocorria a raiva em herbívoros. A identificacáo dos vírus ficou bem caracterizada pelas inclusóes de Negri encontradas nos cérebros dos camundongos inoculados e pelos fndices de neutralizacao obtidos com o sôro hiperimune. Só dos cérebros dos morcegos conseguimos isolamento do vírus, e isto, possìvelmente, porque dêstes morcegos nao BOLETÍN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA . 312 TABELA 1-lsolamentos do vírus rábico - - Desmodus rofundus rofundus. - Camundongosa Local da captura Mortos inocula d os Período de incubac% (dias) W6 7-8 7-8 7-8 17-22 7-21 -- _76 7Í 132 167 199 200 325 355 376 377 436 morcegos Morcegos Procedência NO. de Estábulo ‘6 Galeria de estrada de ferro “ “ ‘< <‘ “ Túnel de captapáo de água “ “ “ “ “ Gruta de pedra “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ Guararema Santa Branca Guararema “ “ “ “ “ “ L‘ “ - y Inocula~ão intracraniana, Abril 1966 - W8 3/6 214 416 w3 w 616 W6 wf3 W8 8-10 13-14 10-13 9-11 12 7-8 fnclice de leutraliza@o log DLso 4.3 >2.5 >1.6 2.3 4.3 3.0 >3.0 3.6 a2.5 >3.5 2.3 0,03 ml. foram retirados e inoculados outros órgãos, excecão feita a um deles, o de No. 436, do qual inoculamos as glândulas salivares, mas com resultados negat,ivos. Depois que passamos a utilizar outras partes além do cérebro, não mais obtivemos qualquer resultado positivo. Dois dos isolamentos foram obtidos de morcegos apanhados durante o dia em estábulos, sendo êste fato já um indício de anormalidade (mudanCa de hábito), passível de suspeita de raiva, concordando com as observacóes de outros autores (l-4, 6-7, lo11, iS>. Um dos morcegos chegou ao laboratório já em putrefacão, 0 que não impediu o isolamento do virus. Os outros, apanhados igualmente durante o dia, mas em seus viveiros naturais, provinham de grutas de pedra (cinco), de galerias de estrada de ferro (dois) e de túneis de captagão de água (dois), sendo a presenta de água uma constante em todos estes locais. Todos êles, ao serem apanhados, estavam aparentemente sadios, sem qualquer sinal que levasse à suspeita de raiva, em concordância com as já históricas demonstracóes de Lima (4), Torres e Lima (6, 7) e Pawan (11). Em outros surtos de raiva no Estado náo encontramos morcegos infectados, mas, em contraposi@o, o número de capturados foi proporcionalmente bem menor que o de Guararema. Em Marabá Paulista, por ocasião de um surto de raiva em bovinos, ocorrido entre marco e maio de 1963, apesar de exaustiva busca, não se encontraram morcegos hematófagos e sim frugívoros e insetívoros (Phyllostomidae e Molosszilae), nos quais, entretanto, não se conseguiu evidenciar a raiva. Alguns dos Phyllostomdae foram capturados quando sobrevoavam o gado num curra& fato observado anteriormente por Ruschi e Bauer (55) no Rio Grande do Sul. Verificamos urna proporcáo relativamente baixa de isolamentos (ll em 292), não condizente com a importância do surto que ocorria na região de Guararema. Por outro lado, os dois morcegos apanhados em estábulos em pleno dia, estavam raivosos. Estas duas assertivas sugerem que a maior parte dos morcegos infectados tenha sido exterminada pela raiva, permanecendo alguns como portadores. Isto, ao lado das vacinacóes sucessivas, explicaria também a ocorrência cíclica do surto, ora decrescendo e quase desaparecendo, o que coincidiria com a destruicão de parte dos morcegos, ora recrudescendo, voltando a afetar um grande número de bovinos e eqüinos, o que poderia ser atribuido a urna reinfeccão da popula@o de morcegos, provocada por aqueles que Sugay e Nilsson . ISOLAMENTO DO YÍRUS DA RAIVA 313 Desmodus, dos quais isolaram-se ll amostras de vírus rábico, sempre dos cérebros. Os isolamentos foram confirmados pela presenta de inclusóes de Negri nos cérebros Resumo dos camundongos inocuIados e pela prova de Os autores trabalharam com um total de soro-neutralizacão. Dois foram obtidos de 770 morcegos, sendo 556 hematófagos, cons- morcegos encontrados em estábulos durante tituidos de 496 Desmodus rotundus rotundus o dia, tendo sido um dêles recebido em adian(Geoffroy), 52 Diphyìla ecuudata (Spix) e 8 tado estado de putrefacão. Sáo discutidos ainda alguns aspectos dos Diaemus youngi (Jentink). Os morcegos, em sua maior parte, provinham de zonas onde surtos de raiva relacionados aos isolamentos ocorria a raiva. Atencáo especial entre estas de vírus, merecendo cita@0 um foco de raiva em bovinos, em Marabá Pauhsta, onde zonas mereceu a do vale do Rio Paraíba, onde havia focos de raiva desde 1960. Nesta não foram encontrados morcegos hemaregião foram capturados e recebidos 292 tófagos e sim frugívoros e insetívoros. 0 permaneceram portadores, o que confirmaria a opinião de Málaga-Alba (15). REFERENCIAS (1) Carini, A.: “Sur une grande épieootie de rage”, Ann Innst Pasteur, (Paris) 25:843-846, 1911. 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En esta región se capturaron y recibieron 292 Desmodus, de los cuales se aislaron ll muestras de virus rhbico, en todos los casos de los cerebros. El aislamiento del virus se confirmó por la of Rabies 315 RAIVA Salud: Setie de &Tonografías, 23:70-75, 1956. (52) Reed, L. J., y Muench, H.: “A Simple Method of Estimating Fifty Per Cent Endpoints,” Amer J Hyg, 27:493-497, 1938. (53) Ruschi, A., y Bauer. A. G.: “Classificacáo de quirópteros do Rio Grande do Sul”, Arquivos do Instituto de Pesquisas VeteriFinamor” (Porto Alegre), ndrias “Desiderio 2 :38-41, 1956/57. del Virus de la Rabia de Murciélagos Hematófagos Estado de São Paulo, Brasil (Resumen) murciélagos; Isolation DA Virus from Vampire The authors worked with a total of 770 bats. Of these, 556 were vampire bats and included 496 Desmodus rotundw rotundus (Geoffroy), 52 Diphylla ecaudata (@ix) and 8 Diaemus youngi (Jentink). Most of the bats carne from areas in which rabies was prevalent. Of these areas the valley of the River Paraiba was of special importance, for these foci of rabies had existed since 1960. In this region 292 Desmodus were captured and from them 11 specimens of rabies virus were isolated, in al1 cases from brain tissue. The isolations were conC.rmed by the presente del presencia de corpúsculos de Negri en los cerebros de los ratones inoculados y por la prueba de seroneutralizaci&. Dos se obtuvieron de murciélagos encontrados en establos durante el dfa, y uno de éstos fue recibido en avanzado estado de putrefacción. Se discuten luego algunos aspectos de los brotes de rabia relacionados con las muestras de virus que se aislaron; se menciona especialmente un foco de rabia en bovinos, en Marabá Paulista, en donde no se encontraron murciélagos hematófagos, y sí en cambio frugívoros e insectívoros. Bats in São Paulo State (Summary) of Negri bodies in the brains of inoculated mice and by the serum-neutralization test. Two were obtained from bats found in stables during the day-time, one of which was received in an advanced state of putrefaction. These authors also discuss certain aspects of rabies outbreaks related to the isolations of virus, in particular an outbreak of rabies in catile in Maraba Paulista, where the bats discovered were not vampire bats but frugivorous or insectivorous bats.