JUSTIÇA, VALIDADE e EFICÁCIA - VI I – Três critérios de valorização: - para se estabelecer uma teoria da norma jurídica, faz-se necessário que esta seja submetida a três valorizações distintas, e que estas valorizações sejam independentes uma das outras, assim temos as seguintes valorizações: 1. se é justa ou injusta: ou seja, o saber se uma norma é justa ou injusta é um aspecto contrastante entre o mundo ideal e o real, entre o que deve ser e o que é: norma justa é aquela que deve ser, e injusta é aquela que não deveria ser. Assim ao pensar sobre o problema da justiça ou não da norma, equivale a pensar sobre o problema da correspondência do que é (real) e o que deveria ser (ideal). 2. se é válida ou inválida: ou seja, o de se constatar se uma regra jurídica existe ou não, independentemente de qualquer juízo de valor, sobre ser justo ou injusto. Para decidir se uma norma é válida é necessário fazer três averiguações: a) se a autoridade de quem ela emanou tinha poder legitimo para emanar normas jurídicas: esta investigação conduz até a norma fundamental; b) se foi ab-rogada: ou seja, embora tenha sido emanada de um poder autorizado, pode ter sido ab-rogada por uma outra norma jurídica que a tenha expressamente sucedido no tempo, ou tenha regulado a mesma matéria; c) se não é incompatível com outras normas do sistema: o que se chama de ab-rogação implícita, particularmente por uma norma hierarquicamente superior, ou com uma norma posterior, porque em todo ordenamento jurídico vigora o princípio de que duas normas incompatíveis não podem ser ambas válidas; 3. se é eficaz ou ineficaz: ou seja, se a norma jurídica é ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida, e, no caso de violação, ser imposta através dos meios coercitivos pela autoridade que a evocou. II – Os três critérios são independentes: estes três critérios de valorização dão origem às seguintes relações independentes; 1. Uma norma pode ser justa sem ser válida: um exemplo é o dos teóricos jusnaturalistas que formularam um sistema de normas advindas de princípios jurídicos universais. Assim aqueles que as formulavam considerava-as justas, porque as inferia de princípios universais de justiça, mas estas normas, a não ser que fossem escritas em um tratado de direito natural, não eram válidas, tornavam-se válidas na medida em que eram acolhidas por um sistema de direito positivo. O Direito Natural pretende ser o direito justo por excelência, mas somente pelo fato de ser justo não é também válido. 2. Uma norma pode ser válida sem ser justa: nenhum ordenamento jurídico é perfeito: entre o ideal de justiça e a realidade do direito há sempre um vazio, dependendo dos regimes. Ex.: em alguns períodos históricos, certos regimes admitiam a escravidão, a qual não é justa, mas nem por isso é menos válida; leis raciais; 3. Uma norma pode ser válida sem ser eficaz: ex.: caso das leis de proibição de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Eram leis válidas, mas não eficazes; 1 4. Uma norma pode ser eficaz sem ser válida: normas sociais que são seguidas espontaneamente ou habitualmente, isto é são eficazes mas não são regras pertencentes a um sistema jurídico, não tem validade jurídica. Ex.: regras de boa educação; 5. Uma norma pode ser justa sem ser eficaz: o autor lembra o dito popular “não há justiça neste mundo”, ou seja, que muitos são aqueles que exaltam a justiça com palavras, mas poucos são os que a transformam em ato; 6. Uma norma pode ser eficaz sem ser justa: o fato de uma norma ser universalmente seguida, não demonstra a sua justiça, assim como o fato de não ser absolutamente obedecida, não pode ser considerada injusta. Ex.: a escravidão; III – Possíveis confusões entre os três critérios: a partir da justiça, da validade e da eficácia, algumas teorias tendem a reduzir ora um, ora outro dos três aspectos, ao que se denomina “reducionismo”, ao invés da distinção e da independência que se deve dar a estes três valores: 1. uma teoria que reduz a validade à justiça, afirmando que uma norma só é válida se é justa, faz depender a validade da justiça, Ex.: doutrina do jusnaturalismo; 2. outra teoria reduz a justiça à validade, quando afirma que uma norma é justa somente pelo fato de ser válida, ou seja, faz depender a justiça da validade. Ex.: positivismo jurídico; 3. outra teoria que reduz a validade à eficácia, quando tende a afirma que o direito real não é aquele que se encontra enunciado numa Constituição, Código ou num corpo de leis, mas aquele em que os homens aplicam em seu cotidiano, fazendo com isto depender a validade da eficácia. Ex.: as correntes consideradas realisticas da jurisprudência americana; - o autor considera que estas três correntes estão viciadas pelo reducionismo, levando à eliminação ou ao ofuscamento de um dos três elementos, ou seja, a primeira e a terceira não conseguem ver a importância da validade, a segunda julga poder se livrar do problema da justiça. Analisando-as separadamente temos: a) O Direito Natural; b) O Positivismo Jurídico; c) O Realismo Jurídico: - no decorrer do século XX, teóricos do direito, buscaram na realidade social, suas justificativas para seus embasamentos teóricos. Dizem que é na realidade social onde o direito se forma e se transforma, nas ações dos homens que fazem e desfazem com o seu comportamento as regras de condutas que os governam; colocando em relevo a eficácia, mas do que a justiça ou a validade. Contrário, pois, ao jusnaturalismo porque substituem o direito real pela aspiração à justiça e o positivismo porque substituem o direito real pela regras impostas e formalmente válidas, que são pura forma vazia de conteúdo, visualizando tão somente o contrates existente entre o direito válido e o direito justo; - o realismo jurídico apresenta três momentos próprios, nas escolas sociológicas do direito: a) na Escola Histórica do Direito (Friedrich Carl von Savigny): o direito não se deduz dos princípios racionais, mas é um fenômeno histórico social que nasce espontaneamente do povo, e o seu fundamento não é a natureza universal, mas o espírito do povo, daí existirem tantos direitos quantos 2 diversos são os povos. Esta mudança de perspectiva no estudo do direito se manifesta na consideração do direito consuetudinário, como fonte primária do direito, porque da sociedade e do povo, em contraste com o direito imposto pela vontade do grupo dominante (a lei) e aquele elaborado pelos técnicos (direito cientifico), contrapondo-se ao jusnaturalismo abstrato quanto ao rígido positivismo estatalista; b) da concepção sociológica do direito: traduz-se na evocação, não tanto do direito consuetudinário, mas do direito judiciário, ou seja, daquele elaborado pelos juizes, no contínuo labor da adaptação da sociedade. Por ela haveria a livre apreciação do direito por parte do juiz e do jurista, atribuindo soluções de controvérsia, pelo estudo do direito vivente que a sociedade em contínuo movimento produz; c) a concepção realistica do direito: a tese por ela sustentada é que não existe um direito objetivo, isto é, objetivamente dedutível de dados determinados, seja estes fornecidos pelos costumes, pela lei ou pelo precedente jurídico. Para ela o Direito é uma continua criação do juiz, no ato em que decide uma controvérsia. Cai assim o princípio da certeza jurídica, o qual pode prever a conseqüência de um comportamento. O idealizador desta corrente realista foi juiz da Corte Suprema americana, Oliver Wendell Holmes; - Bobbio, refutando o que considera o inaceitável extremismo do realismo americano, entende que sempre haverá diferença entre a validade e a eficácia e para criticar estas correntes sociológicas, diz que se faz necessários ir às fontes do direito, ou seja, o direito consuetudinário e o direito judiciário (juiz legislador), em relação à validade e à eficácia destas fontes, assim: a) em relação ao direito consuetudinário foi dito que a validade e a eficácia coincidem, no sentido de que não se pode imaginar um costume que seja válido sem ser eficaz, porque, faltando à eficácia, perde-se a repetição constante, uniforme e geral, que é um dos requisitos essenciais para caracterizar o costume. Mas isto não é de tudo aceitável, pois se é justo aceitar que no direito consuetudinário a validade vem sempre acompanhada da eficácia, a preposição inversa, que a eficácia seja sempre acompanhada da validade, não é aceitável. Porque o comportamento constante que constitui o conteúdo do costume, deve receber uma forma jurídica, ou venha a ser acolhido em um determinado sistema jurídico, como comportamento obrigatório, cuja violação implica em sanção, isto equivale a afirmar que alem de ser eficaz deverá ser válido; b) em relação à figura do juiz criador do direito tem-se que ele ao estabelecer o direito vivente, o qual é um fato ou uma série de fatos de onde tira conhecimento das aspirações jurídicas que vêm se formando na sociedade, o mesmo terá que acolhe-las e lhes atribuir a autoridade normativa que incorpora à sua função de órgão capaz de produzir norma jurídica. Assim o direito vivente não será considerado norma do sistema enquanto for somente eficaz, torna-se tal quando o juiz, reconhecido como criador do direito, lhe atribua a validade. ________________________________________ BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica, Bauru, SP: EDIPRO, 2001, p. 45-62 3