Ecologia II: Ecossistemas fluviais Manuela Abelho 2012 4.1. Introdução 4.ECOLOGIA FLUVIAL Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 2 Ecologia fluvial • Estrutura do ecossistema – Inter-relações de 3 componentes: • Comunidade biológica • Recursos materiais e energéticos • Habitat físico – Pode descrever-se em função da dominância ecológica, da diversidade de espécies ou das cadeias alimentares • Funcionamento do ecossistema – Conjunto de processos biológicos, físicos e químicos que controlam o fluxo de matéria e energia através do ecossistema Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 3 Grupos funcionais • Classificação dos organismos que relaciona a componente biológica com os processos de fluxo energético • Os membros de cada grupo funcional realizam um processo similar: – Produtores primários (perifíton, fitoplâncton, macrófitas): fixam a energia do sol – Fungos e bactérias: decompõem a matéria orgânica – Consumidores (invertebrados e peixes): utilizam a energia acumulada pelos grupos anteriores Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 4 Fontes de energia nos cursos de água Consumidores secundários Carnivorismo Transferência da energia: Autotrófica Heterotrófica Quimiotrófica Consumidores primários Herbivorismo Detritivorismo Senescência Produção primária Produção primária autóctone alóctone Fotossíntese Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente Matéria orgânica dissolvida Água subterrânea 5 Fontes autotróficas de energia • Matéria orgânica de origem autóctone, proveniente da produção primária dentro do rio ou do ribeiro – Perifíton • Em todas as superfícies que recebam luz suficiente • Principalmente diatomáceas – Fitoplâncton • Apenas nos rios grandes, com pouco declive e corrente fraca – Macrófitas • Mais abundantes nos rios de tamanho médio e ao longo das margens dos rios grandes – Biofilme • Camada escorregadia em todas as superfícies dentro de água • Matriz de polissacarídeos com enzimas e hifas de fungos, bactérias, algas e cianobactérias Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 6 Biofilme Luz • Matriz produzida pelos microrganismos • Habitada por protozozoários e micrometazoários que comem este material • Entradas heterotróficas: matéria orgânica dissolvida (DOM), coloidal (COM) e fina (FPOM) • Entradas autotróficas: fotossíntese das algas • Dentro da matriz, existem enzimas e outros produtos extracelulares libertados pelos microrganismos ou resultantes da morte das células • Estes são retidos devido às baixas taxas de difusão e são usados por outros microrganismos Manuela Abelho 2012 DOM - COM - FPOM Algas Matriz de polissacarídeos com bactérias, enzimas, hifas e cianobactérias Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente Substrato 7 Macrófitas • Plantas vasculares – Angiospérmicas aquáticas • Plantas não vasculares – Briófitas (musgos) – Algas macroscópicas • Algas filamentosas visíveis a olho nú • Emergentes, de folhas flutuantes, flutuantes livres e submersas • Pouco consumidas quando vivas; a maior parte entra no compartimento dos detritos, para ser decomposta pelos microrganismos e consumida pelos detritívoros Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 8 Fitoplâncton • Algas, protistas e cianobactérias • Só ocorre nos rios de águas lentas das terras baixas e em zonas com macrófitas • Diatomáceas são dominantes na maior parte dos rios • Abundâncias mais elevadas Primavera e Verão • Cianobactérias podem formar na “blooms” durante o Verão Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 9 Fontes heterotróficas de energia Matéria orgânica particulada grossa (CPOM) > 1mm Folhas, restos de macrófitas, troncos e ramos, frutos, flores, pólen, fezes e carcaças de animais Fontes alóctones > em ribeiros de floresta, geralmente em pulsos sazonais Fontes autóctones importantes localmente Manuela Abelho 2012 Matéria orgânica particulada fina (FPOM) 1 mmmm-0.5 mm Matéria orgânica dissolvida (DOM) < 0.5 mm Decomposição da CPOM, fezes de consumidores, microrganismos, floculação e adsorção de DOM, células de algas e de biofilme, manta morta e solo das florestas Água subterrânea, escorrência sub-superficial e superficial, lixiviação de detritos de origem terrestre, chuva, libertação extracelular de lixiviados de algas e de macrófitas Principais entradas: água subterrânea e lixiviação de detritos durante o Outono Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 10 Decomposição da folhada Lixiviação, condicionamento e fragmentação (Kaushik & Hynes, 1971) Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 11 Fases da decomposição da folhada • 1.Lixiviação – perda de compostos solúveis que ocorre durante as primeiras 48 horas de imersão • 2.Condicionamento – colonização por microrganismos decompositores, principalmente fungos, que se alimentam do material foliar promovendo o seu amolecimento e contribuem para o seu enriquecimento em nutrientes, principalmente azoto • 3.Fragmentação biótica - ocorre por intermédio da alimentação de macroinvertebrados trituradores que ao comerem a folha provocam a sua fragmentação • 4.Fragmentação abiótica - ocorre por acção da corrente, principalmente depois de a folha estar mais macia (mais frágil) devido ao condicionamento Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 12 Decomposição da matéria orgânica • CPOM, principalmente folhas das árvores da vegetação ripícola • Explicada pelo modelo exponencial negativo (Webster & Benfield, 1986): kt M t M ie M t : massa restante no tempo t M i : massa inicial - k : taxa de decomposição (por dia) t : tempo de imersão na água • Taxa de decomposição – - k dia-1 Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 13 A taxa de decomposição da matéria orgânica depende de: • Características físico-químicas das folhas – – – – Concentração de nutrientes Presença de metabolitos tóxicos ou de sabor desagradável Presença de uma cutícula cerosa Dureza, etc. • Características físico-químicas da água – – – – Concentração de nutrientes dissolvidos pH Temperatura Velocidade da corrente, etc. • Actividade dos microrganismos decompositores • Actividade alimentar dos detritívoros Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 14 Grupos funcionais de macroinvertebrados Grupo funcional Alimento Mecanismo de alimentação Triturador (shredder) CPOM e microrganismos Trituração/ mastigação associados (fungos); macrófitas Filtrador (filterercollector) FPOM e microrganismos associados (bactérias) Filtram a água recolhendo FPOM em suspensão Colector (collectorgatherer) FPOM e microrganismos associados (bactérias) Recolhem FPOM depositada Raspador (grazer) Perifíton (diatomáceas) e biofilme Raspam as superfícies Predador (predator) Outros animais Perfuram ou mordem as presas Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 15 4.2. Funcionamento biológico: grupos funcionais 4.ECOLOGIA FLUVIAL Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 16 Exemplos de trituradores (consumidores de CPOM) Crustacea Trichoptera com casulo Plecoptera Diptera (Família Tipulidae) Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente Família Athyidae 17 Exemplos de filtradores (consumidores de FPOM em suspensão) Bivalves Diptera (Família Simuliidae) Trichoptera (Família Hydropsychidae) Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 18 Exemplos de colectores (consumidores de FPOM depositada) Trichoptera com casulo Oligochaeta Diptera (Família Chironomidae) Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 19 Exemplos de raspadores (consumidores de biofilme/perifíton) Gastropoda Ephemeroptera Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 20 Exemplos de predadores (consumidores de outros animais) Sanguessugas (Hirudinea) Ninfas de libelinha (Odonata) Imagos de Coleoptera e.g. Família Dytiscidae Hemiptera Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 21 Cadeias alimentares: os consumidores de CPOM • CPOM FPOM – Abrasão física, actividade microbiana (fungos) e invertebrados trituradores • DOM e CO2 – Lixiviação química, excreção e respiração microbiana • Muito do carbono original entra no compartimento da FPOM como fezes e material fragmentado Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 22 Cadeias alimentares: os consumidores de FPOM • Fragmentação de CPOM e arrastamento dos solos • Floculação de DOM, microrganismos, fezes e células do perifíton • Alimentação de FPOM por filtração de partículas em suspensão (filtradores) e depositadas (colectores) Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 23 4.3 Zonação 4. ECOLOGIA FUNCIONAL Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 24 Classificação de Huet cada zona fluvial é definida por uma espécie piscícola principal e por uma lista de espécies associadas • Zona da truta – espécies associadas: góbio (Cottus gobio) e vairão (Phoxinus phoxinus) – Cursos de água com declive acentuado e corrente forte, leito rochoso e pedras roladas, profundidade baixa, água fria e bem oxigenada cuja temperatura não excede 20ºC • Zona do barbo – espécies associadas: outros ciprinídeos reófilos (gostam de corrente forte); os salmonídeos são substituídos por outros predadores como enguia e lúcio – Cursos de água com declive moderado onde alternam rápidos e remansos, com dominância dos remansos • Zona da carpa – dominada por ciprinídeos de águas lentas: carpa (Cyprinus carpio), pimpão (Carassius auratus) e tenca (Tinca tinca), associados a outros ciprinídeos de águas lentas, enguia e lúcio – Troços baixos dos rios em terras planas, corrente lenta e uniforme, temperaturas estivais elevadas e águas frequentemente turvas e profundas Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 25 Classificação de Illies e Botosaneanu as zonas fluviais são definidas com base em critérios mais universais • Crenon – Troços de nascente e pequenos ribeiros; águas frias todo o ano com oscilações térmicas muito pequenas; leito de largura <2m • Rhithron – Rios de montanha com temperatura média estival ≤20ºC; corrente rápida e caudal geralmente pequeno. Substrato grosseiro; apenas se acumula material fino nas zonas de remanso. Leito entre 2 e 30 m de largura • Potamon – Troços baixos com temperatura média estival >20ºC, corrente fraca e homogénea, substrato fino Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 26 O Conceito do Rio Contínuo (Vannote et al., 1980) • As folhas e outra matéria orgânica particulada podem ser muito importantes num ribeiro pequeno de floresta, enquanto as algas podem ser mais importantes em segmentos onde o leito do rio recebe elevada intensidade luminosa • O Conceito do Rio Contínuo é um modelo desenvolvido por 5 investigadores americanos e publicado em 1980 • Descreve as alterações que ocorrem longitudinalmente num rio, nas dimensões mas principalmente na ecologia: alteração das principais fontes de energia e consequente alteração das comunidades de organismos Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 27 NASCENTE (montante) Troços altos Troços médios Troços baixos FOZ (jusante) 28 Troços altos (ordem baixa) • Declive acentuado, leito estreito, corrente forte e substrato grosseiro • Sombreados pela vegetação ripícola + oligotróficos fotossíntese limitada às algas (diatomáceas) do perifíton • Principal fonte de energia: folhas/outra CPOM da vegetação ripícola (matéria orgânica de origem alóctone) • Principalmente heterotróficos razão baixa fotossíntese/respiração (F/R<1) • Macroinvertebrados mais abundantes: trituradores (consumidores de CPOM) e colectores/filtradores (consumidores de FPOM) • Peixes de águas frias e bem oxigenadas: salmonídeos Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 29 Troços médios (ordem média) • Leito mais largo; substrato formado por gravilha e pedras roladas • Menor sombreamento e menor contribuição de CPOM; luz solar suporta uma produção significativa de perifíton • Principal fonte de energia: algas, macrófitas nas margens e FPOM (proveniente das fezes/decomposição da CPOM de montante) • Razão elevada fotossíntese/respiração (F/R>1) • Macroinvertebrados mais abundantes: raspadores (consumidores de perifíton/algas/macrófitas) e colectores/filtradores (consumidores de FPOM) • Os peixes toleram temperaturas mais elevadas e menor concentração de oxigénio; barbos, lúcios e enguias Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 30 Troços baixos (ordem alta) • Vales muito abertos, podem ter meandros; leito mais largo e corrente fraca; substrato formado por sedimentos finos; água turva e profundidade 2-3 m • A vegetação ripícola não limita a penetração da luz, que é limitada pela turbidez da água • Principal fonte de energia: FPOM, algum fitoplâncton; macrófitas limitadas às margens • Razão fotossíntese/respiração baixa (F/R<1) • Macroinvertebrados menos abundantes; principalmente colectores (consumidores de FPOM) e filtradores (podem consumir também plâncton) • Zooplâncton (consumidores de fitoplâncton) • Os peixes toleram baixas concentrações de oxigénio; ciprinídeos Manuela Abelho 2012 Ecossistemas fluviais | Ecologia II Engenharia do Ambiente 31