Aspectos Médicos da Síndrome de Asperger

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Aspectos Médicos da Síndrome de
Asperger
Dr Walter Camargos Jr. / 2001
O que é a Síndrome de Asperger?
A Síndrome de Asperger é um transtorno de múltiplas funções do
psiquismo com afetação principal na área do relacionamento interpessoal e
no da comunicação, embora a fala seja relativamente normal. Há ainda
interesses e habilidades específicas, o pedantismo, o comportamento
estereotipado e repetitivo e distúrbios motores. A Síndrome de Asperger
(SA) é uma das entidades categorizadas pela CID-10 (4) no grupo dos
Transtornos Invasivos, ou Globais, do Desenvolvimento – F84 e que todas
elas inciam invariavelmente na infância e com comprometimento no
desenvolvimento além de serem fortemente relacionadas a maturação do
SNC. Pode-se dizer também que desse grupo (Autismo Infantil, Autismo
Atípico, a Síndrome de Rett e outros menos relevantes) a SA é o transtorno
menos grave do continuum autístico (23). Como já foi claramente definida
em outro capítulo deste livro, não me aterei a tais questões.
Qual é a Prevalência / incidência da S. Asperger?
O trabalho de Ehlers & Gillberg (5) , realizado nas escolas de 1o grau de
uma cidade com predominância de classe média, revelou taxa de 0,36% da
população em geral na proporção de 4 homens para 1 mulher. Importante
fornecer parâmetro que autismo infantil é de 5:10.000 que todo o grupo F84 possui prevalência de 27:10.000 (22).
Como se faz o diagnóstico?
Para o clínico, não pesquisador, basta seguir os pontos críticos:
na anamnese: solitários; ausência do “melhor amigo”; ausência de atraso
de linguagem(nos quadros clássicos); brincar com pouca imaginação /
fantasia limitada; pouco brincar de faz-de-conta; ausência das perguntas
do porquê das coisas; dificuldade de seguir a regra nas brincadeiras em
grupo pois tem a tendência de sempre determinar a regra; pouco
interesse em pessoas / crianças, exceto quando estão na órbita de seu
interesse específico; interesses e habilidades específicas; interesses
focados em coisas, como mecânicas, eletrônicas e não em gente; história
de serem estabanados e com dificuldade para escrever; histórico de
1
perguntas inadequadas as pessoas não conhecidas; histórico familiar de
quadros similares, usualmente na linhagem masculina.
ao exame: andar desajeitado; postura bizarra de braços e mãos; pouco
olhar para o interlocutor; mímica facial e corporal pobre e dissociada da
conversa; afetividade superficial; afetividade plana (um paciente referia
que nada o irritava e que nada o incomodava, outro foi encaminhado
para avaliação porque não demonstrou reação ao falecimento da mãe);
voz com pouca ou sem modulação (robotizada); fala rebuscada sem a
compreensão devida dos termos; persistência no assunto de seu
interesse; dificuldade de compreender piadas; compreensão superficial
de significados abstratos (p.ex: diferença entre colega e amigo);
dificuldade de compreensão do significado de frase quando o diferencial
é o tom da voz; ruminações e preocupações ilógicas, para os não
afetados; percepção de que é diferente dos colegas e irmãos (a partir da
pré-adolescência); conhecimento desproporcional em algum assunto –
interesse específico (que pode variar com o tempo); pedantismo ( pelo
dicionário Aurélio: “aquele que ostenta erudição que não possui, de
forma afetada, livresca, rebuscada”); sintomas obsessivos (que inclusive
o incomodam); humor deprimido; memória muito boa, as vezes
fotográfica; dificuldade na narrativa de fatos vividos, etc.
escalas: iniciar com os itens da CID-10, se o quadro for de grau leve ou
houver dúvidas no 1º passo, fazer o CARS (18). Descartado o AI
proceder ao ASSQN (6). Para uma melhor qualidade realizar o ADI-R
(13).
Quais são os Diagnósticos Diferenciais mais importantes?
Autismo infantil (AI), transtorno esquizóide de personalidade e
esquizofrenia infantil. O diagnóstico diferencial mais polêmico é entre AS
e Autismo de Alto Funcionamento ou Alto Desempenho (AAF). Também
a hipótese de super-dotado é frequente assim como distúrbios de
comportamento não especificados.
Quais as Diferenças Fundamentais entre Autismo Infantil
e Síndrome de Asperger?
Essa delimitação é importante quando o quadro de AI é de grau leve, ou
sem histórico de atraso na linguagem, algum tipo de habilidade, QI
limítrofe, avaliação em idade anterior a 6-8 anos. Na prática siga a
2
“máxima”: O autista está isolado em seu próprio mundo. O Asperger está
em nosso mundo, porém vivendo seu estilo próprio de forma isolada.
As diferenças fundamentais são:
AI SA
Gravidade do caso
+
Retardo Mental (11)
+
Alterações cognitivas
+
Atraso significativo da fala
+
Usa a 3ª pessoa pronominal (êle, ou seu nome) no lugar da 1ª (eu) +
QI executivo mais alto
+
Diagnóstico possível antes dos 3 anos e idade
+
Diagnóstico de certeza só após 6 anos e idade (9)
+
Inteligência verbal
+
Pedantismo
+
Busca ativa de interação social
+
Dá a impressão de possuir um estilo antigo, excêntrico
+
Pode dar a impressão de super -dotado
+
Pais com quadro similar
+
Quais as diferenças mais importantes entre AS e a
Esquizofrenia Infantil? (15,21)
A esquizofrenia infantil é mais rara e mais grave. A presença de delírio é
fundamental para o diagnóstico da Esquizofrenia Infantil (EI), que
formalmente só poderá ser detectada após os 7 - 8 anos de idade, época em
que a criança inicia o desenvolvimento do pensamento lógico-formal.
Alucinações, que podem ser encontradas em idades mais precoces são
comuns e freqüentes que podem ser detectadas mesmo quando a criança
ainda não fala (é comum a descrição por familiares de que a crianç a muda
sua expressão fisionômica e reage como se algo estivesse ocorrendo, saindo
do lugar, gritando, se agarrando aos outros, etc). A EI está comumente
relacionada a QI limítrofe ou baixo (20). Não estão presentes as
habilidades especiais. Não há compro metimento da interação social nas
idades precoces, assim como não é comum atrasos de linguagem. Na idade
adulta a dica é sempre a ausência de delírios e alucinações.
Quais as diferenças básicas entre a SA e o Transtorno de
Personalidade do tipo Esquizóide, sem rebaixamento de QI?
Verifica-se no histórico do portador de Transtorno de Personalidade quatro
questões fundamentais (24): sensibilidade aumentada (não presente no
3
portador de SA) com frequente ideação paranóide; criatividade / presença
de fantasias, as vêzes muito elaboradas (sintoma importante em pessoas de
mais idade) e asvêzes difícil de ser identificada; há o brincar de faz-deconta; e a interação social é menos comprometida, podendo inexistir com
os pais (êsse sintoma é o mais importante quando examinamos crianças
menores).
Quais as Diferenças entre Síndrome de Asperger e o
Autismo de Alto Funcionamento?
Diagnóstico difícil onde há quem diga que é o mesmo quadro (17,19). O
“ponto” fundamental de diferença é que o AAF possue QI executivo maior
que o verbal e atraso na aquisição da linguagem. Na prática clínica a
distinção fará pouca diferença pois o tratamento é basicamente o mesmo,
porém será fundamental se o objeto for pesquisa
Quando a Super-Dotação Intelectual se impõe como
Diagnóstico Diferencial?
A partir da “erudição” que aparentam, das habilidades precoces, do autodidatismo, da hiperlexia (16) freqüentemente presente (capacidade de
aprender a ler muito cedo – a partir de 2 anos). Diagnóstico diferencial
importante pois agrada os pais e usualmente é estabelecido por quem não
possui experiência com esse grupo de Transtornos.
Distúrbios de Comportamento Não Especificados.
Em minha prática clínica tenho tido a experiência de examinar crianças que
estavam em tratamento com o postulado diagnóstico acima. Usualmente as
psicoterapias não estavam evoluindo a contento pois haviam
comportamentos inesperados a todo momento que desnorteavam os
terapeutas e as famílias. Freqüentemente essas crianças “passam” por
inúmeros tratamentos sem um diagnóstico formal chegando a adolescência
com, ao menos, importante desajuste social.
Como são os Tratamentos?
O tratamento otimizado parte do princípio fundamental de identificar comorbidades
psiquiátricas,
neurológicas,
neuro-psicológicas,
o
desenvolvimento de programas pedagógicos, orientação à família e a
escola. Importante não relevar o tratamento dentário (2).
A partir do diagnóstico, deve-se buscar otimizar suas capacidades ao invés
da cura dos comprometimentos, que são natos. Para isso é importante
precisar o QI executivo, o QI verbal, realizar testes neuro-psicológicos
4
(cognição, memória, atenção, planejamento, execução, etc,), descobrir suas
dificuldades na escola, no mundo social e na comunicação, assim como as
dificuldades familiares para lidar com a situação. Ou seja, deve-se
construir um “pool” de trabalho em torno da situação.
É importante que a pessoa afetada aprenda: a melhorar sua comunicação
social (como abordar socialmente pessoas, que devem dar ao outro a vez na
conversa, que devem olhar para as pessoas quando conversam com elas,
que devem despedir-se, etc); que o outro tem intenções que são diferentes
das suas e que deve saber quais são e como fazer para saber (p.ex.:
perguntando); a relatar uma situação vivenciada; a lidar com a equação
ansiedade / frustração evitando comportamentos catastróficos; a identificar
situações novas; a desenvolver estratégias para solução de problemas
cotidianos (p.ex.: alguém pergunta: como vai? – explicar que a pergunta
refere-se a se a pessoa está sentindo-se bem e não se ela está indo a pé, de
ônibus ou não está indo mas chegando – compreensão literal das palavras,
distúrbio da pragmática); a desenvolver uma auto-suficiência; a promover
uma crítica de seu desempenho para manter sua estima elevada; a
generalizar o conhecimento; etc.
A família deve ser esclarecida sobre a gravidade da doença do filho, a
“lógica” da SA, seus pontos de fragilidade e as habilidades, a importância
da participação, a vida adulta e as possibilidades no trabalho. Uma questão
importante é a criação de Associações de Pais que promovam a divulgação
da Síndrome para a sociedade e que defendam seus interesses (p.ex.:
criação de Cooperativas de Trabalho). Referente a escola, lembre-se que
não necessitam de Escolas Especializadas, o que implica que a comunidade
da Escola regular precisará ser orientada para promover a convivência com
as discrepâncias e bizarrices do portador de SA, suas dificuldades
executivas (p.ex.: incapacidade ou extremo comprometimento de escrita,
necessitando de uma máquina de escrever ou um computador),
pedagógicas, psicológicas, etc.
Do ponto de vista psiquiátrico o tratamento é sintomático, sendo
significativo a presença de depressão, quadros obsessivos e quadros
psicóticos em alguma fase da vida. Martin (14) pesquisou que em 109
portadores de SA, 35 (32,1%) usavam algum tipo de anti-depressivo (29 82,86% usavam IRSS – fluoxentina 17, sertralina 6, fluvoxamina 6). A
amostragem também revelou maior uso de anti-psicóticos atípicos (14 em
18 – risperidona 12, olanzapina 2) enquanto nos portadores de AI era mais
utilizado os neurolépticos. Estabilizadores do Humor: Valproato - 7, Lítio
5
– 2, Carbamazepina – 1. Agonista alfa-adrenérgico – 5, Beta-bloqueadores
– 2 (ambos utilizados para hiperatividade).
A propedêutica neurológica também é necessária sendo importante mesmo
salientando que o diagnóstico é clínico.
Etiologia
Ainda desconhecida.
Aspectos Neurobiológicos
Há (7) três trabalhos sobre a prevalência familiar (8,22) focados em SA que
demonstram nos pais taxas de 2% a 11% e até 4% em irmãos - lembrar que
a prevalência é de 0,36% na população em geral. No tocante as questões
neurobiológicas há suposição de comprometimento de inúmeras estruturas
como lobo frontal, o córtex pré-frontal, o lobo temporal, a amígdala, o
cerebelo, assim como prejuízo em cascata dessas estruturas. Porém chama
a atenção o trabalho (20) onde utilizando ressonância magnética funcional
durante a identificação de expressões faciais encontrou uma menor
atividade no gyrus fusiforme (lobo temporal) e mais atividade no gyrus
temporal inferior. Sabe-se que nessa área há mais atividade quando
controles normais são estimulados na discriminação de objetos, ao
contrário do gyrus fusiforme que fica mais ativa na discriminação do rosto
humano. Essa descoberta é síntone com o comportamento desse grupo que
não possui uma capacidade de meta-representação (Teoria da Mente) (3) e
se referencia, reage e responde com maior facilidade ao “mundo dos
objetos” que ao “mundo da pessoas”.
Prognóstico
Mesmo que seja o quadro mais leve dos TID, é sempre reservado pois
implica na capacidade da pessoa aprender a adaptar-se ao meio social.
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