EVOLUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO MUNICÍPIO DE MACAÉ: CONSIDERAÇÕES PARA ANÁLISES TEMPORAIS COMPARATIVAS Kelly Ferreira Esch Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geociências Departamento de Geografia Email: [email protected] Paulo Márcio Leal de Menezes Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geociências Departamento de Geografia Email: [email protected] RESUMO Este trabalho tem como objetivo apresentar as dificuldades encontradas na realização de análises temporais comparativas no estado do Rio de Janeiro, com base em seus municípios ou em suas regiões, em virtude de mudanças na regionalização e da criação de novos municípios. A fim de ilustrar este problema, a nível municipal será apresentado o exemplo da evolução políticoadministrativa de Macaé e, com relação às regiões, as mudanças na mesorregião geográfica onde este município está inserido, atualmente denominada Norte Fluminense, compreendendo o período a partir de 1960. ABSTRACT This work has as objective to present the difficulties found in the accomplishment of comparative temporary analyses in the State of Rio de Janeiro, with base in their Municipal Districts or in their Government Areas, because of changes in the regionalization and the creation of new Municipal Districts. In order to illustrate this problem, at municipal level the example of the political-administrative evolution of Macaé will be presented and, regarding the Government Areas, the changes in the area where is inserted, in the period starting from 1960, denominated nowadays as North Fluminense. 1- INTRODUÇÃO O Rio de Janeiro, assim como os outros estados da Federação, apresenta dois processos importantes que alteram a sua organização territorial, política e administrativa, ao longo do tempo: a criação de novos municípios e as mudanças na regionalização oficial produzida pelo IBGE. Desde 1940 o IBGE produziu três divisões regionais distintas para o Brasil, e a cada uma delas houve redefinição da divisão interna do estado do Rio de Janeiro em Regiões do Governo. Isto significa que, em um intervalo de aproximadamente 40 anos (19602000), existem três configurações regionais distintas para o mesmo sítio. Paralelamente, considerando este mesmo período, a criação de municípios é um fenômeno marcante no estado a partir de 1985, alterando expressivamente a sua divisão político-administrativa. Os novos municípios são então incluídos na regionalização vigente, não necessariamente na região do município de origem. Uma conseqüência importante desses processos refere-se à dificuldade de se realizar uma gama variada de análises temporais comparativas, baseadas nos municípios ou nas regiões do governo, uma vez que as mudanças ocorridas redefinem as unidades territoriais para divulgação de dados estatísticos. Nesse contexto, o presente trabalho pretende mostrar as dificuldades encontradas na realização destas análises, exemplificando com o município de Macaé, e com a região onde está inserido, atualmente denominada Norte Fluminense, compreendendo as mudanças ocorridas a partir de 1960. 2- EVOLUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO A história da autonomia municipal no Brasil, desde a instalação de São Vicente, em 1532, tem sido marcada por períodos alternados de descentralização e de centralização, observados à medida que o cenário político se transforma. No Rio de Janeiro não foi diferente, e a evolução do número de municípios fluminenses, a partir de 1800 até os dias atuais, pode ser visualizada nas figuras 1 e 2. Estas mudanças na malha municipal do estado implicam em uma importante questão: como realizar análises onde seja necessário estudar a evolução de determinada variável ao longo do tempo, tendo o município como área de estudo? Ou seja, como realizar análise de dados ao longo do tempo em determinado município, caso tenha havido mudanças em seus limites? Tal questionamento deve estar presente em cada pesquisa onde o tempo se apresente como uma variável de análise, uma vez que os levantamentos estatísticos, em sua maioria, têm como unidade territorial mínima para divulgação de dados o município. Desta forma, mudanças na malha municipal do estado implicam em novas unidades territoriais para divulgação de dados, que anteriormente estavam agregados a outras unidades. Considerando o aumento de 42% no número de municípios do estado a partir de 1985, esta questão toma dimensões maiores, pois mesmo para análises temporais recentes (entre 1990 e 2000, por exemplo) torna-se necessário um trabalho de pesquisa a fim de verificar se houve alteração nos limites municipais. Caso tenha havido, é preciso então estabelecer uma metodologia, a fim de que as dimensões da área analisada sejam a mesma em todo o período considerado, e as variáveis reflitam a realidade da unidade territorial em estudo. Para exemplificar o problema exposto, será apresentada a evolução político-administrativa do município de Macaé, bem como uma proposta para realizar análises de dados temporalmente. Figura 11 – Mapas político-administrativo do Rio de Janeiro em diferentes períodos. 1 Fonte: GEOCART – Laboratório de Cartografia, Departamento de Geografia – UFRJ. Evolução da malha municipal do Estado do Rio de Janeiro, no período de 1820 a 2001 100 Nº de Municípios 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2001 Ano Figura 22 – Gráfico da evolução da malha municipal do Rio de Janeiro, a partir de 1820. 3- O EXEMPLO DE MACAÉ A vila de São João de Macaé conseguiu sua autonomia no ano de 1813, tendo sido instalada em 1814, com territórios desmembrados da cidade de Cabo Frio e da vila de São Salvador dos Campos, perfazendo uma área de 3.277 km2 (figura 3). Em 1846, a vila é elevada à categoria de cidade e, neste mesmo ano, ocorre o primeiro desmembramento em seu território. Barra de São João (posteriormente Casimiro de Abreu) alcança a sua autonomia político-administrativa, mas somente é instalada a vila em 1859. Desde a emancipação de Casimiro de Abreu até os dias atuais, ainda ocorreriam mais três desmembramentos no território de Macaé, como pode ser observado na tabela 1 e na figura 4. Como conseqüência, diminui-se gradativamente a área ocupada pelo município, que desde 1995, com a emancipação de Carapebus, ocupa uma área correspondente a apenas 37% da original. Tabela 1- Municípios emancipados de Macaé. Municípios Ano de Criação Ano de Instalação Área (km2) Casimiro de Abreu 1846 1859 692 Conceição de Macabu 1952 1983 347,6 Quissamã 1989 1990 715,9 Carapebus 1995 1997 305,6 Figura 33 – Localização do município de Macaé. (malha municipal de 1840) 2 3 Fonte: GEOCART - Laboratório de Cartografia, Departamento de Geografia da URFJ. Fonte: CIDE, 1993. A figura 4 e a tabela 2 apresentam os períodos em que não houve mudanças na malha municipal de Macaé, bem como a respectiva área ocupada. Para os quatro momentos em que existiram alterações, foi calculada a variação em relação ao período anterior, em km2 e porcentagem, e também a variação acumulada relativa à área original. Figura 4 – Evolução político administrativa de Macaé. Tabela 2 – Área ocupada pelo município de Macaé, e sua variação ao longo do tempo. Área (km2) 1814-1845 3277 Variação (km2) Variação em relação ao período anterior Variação acumulada em relação à área original (3.277 km2) 1846-1952 2585 Períodos 1953-1988 2237 1989-1994 1521 1995-2003 1215 692 348 716 306 21,1% 13,5% 32% 20% 21,1% 31,7% 53,6% 62,9% Como já foi dito anteriormente, os levantamentos estatísticos são divulgados em relação aos municípios, e todas as variáveis estão relacionadas ao espaço físico onde estão localizadas. Desta forma, considerando os censos do IBGE, por exemplo, todos os dados que no ano de 2000 estão no território de Carapebus, em 1990 faziam parte do município de Macaé. Observando a tabela anterior, verifica-se que no período de 1960 a 2000, a área considerada como Macaé mudou três vezes. Utilizando como fontes de dados os Censos do IBGE , com uma periodicidade de 10 anos, uma pesquisa englobando a evolução do número de domicílios por instalação sanitária, por exemplo, representaria: no ano de 2000, os domicílios localizados em uma área de 1215 km2; em 1990, aqueles localizados em 1521 km2; já para os anos de 1980, 1970 e 1960, uma área de 2237 km2. Em outras palavras, significa dizer que em 2000 a área analisada é quase a metade daquela considerada em 1960-1980. Não é possível realizar comparações em qualquer intervalo temporal onde haja mudança na área de coleta das informações, sem utilizar alguma metodologia no sentido de corrigir este problema. Uma possível solução, talvez a menos complicada, seria utilizar a área geográfica ocupada no ano mais remoto da pesquisa, e a partir de então, a cada mudança, somar o valor encontrado no respectivo município emancipado. Para o exemplo anterior, a área geográfica base seria aquela de 1960. Só no ano de 1990 seriam somados os valores encontrados em Macaé e Quissamã, e em 2000, o total de Macaé, Quissamã e Carapebus. 4- A ÁREA OCUPADA PELA REGIÃO NORTE FLUMINENSE NAS DIFERENTES DIVISÕES REGIONAIS DO RIO DE JANEIRO Esta mesma dificuldade aparece quando tais análises são realizadas de acordo com as atuais mesoregiões do estado. Desde 1940, a regionalização brasileira mudou duas vezes. De 1940 até 1968, o Rio de Janeiro estava dividido em dez ‘Zonas Fisiográficas’(Figura 5); de 1968 até 1989, eram treze ‘Microrregiões Homogêneas’(Figura 6); e, com a regionalização vigente desde 1990, são seis ‘Mesorregiões Geográficas’(Figura 7), subdivididas em dezoito ‘Microrregiões’. Utilizando como fontes de dados os Censos do IBGE no período de 1960-2000, constata-se a mudança na denominação das regiões, na área ocupada por elas, bem como nos municípios incluídos. À nível regional, as mudanças no número de municípios oriundas de emancipações onde o município criado e o de origem fazem parte da região não implicam mudança na área ocupada e, portanto, não apresentam problemas na comparação de dados. Em outros casos, no entanto, esta dificuldade se apresentará, necessitando da referida adequação da área de análise. O exemplo selecionado, nesta escala, é o da região Norte Fluminense. Muriaé Baixada de Goitacazes Cantagalo Baixada do Rio São João Alto da Serra Resende Baixada de Araruama Baixada da Guanabara Baixada do Rio Guandu Litoral da Baía da Ilha Grande Figura 5i – Regionalização vigente em 1960. Itaperuna Miracema Açucareira de Campos Cordeiro Cantagalo Três Rios Serrana Fluminense Bacias do São João e Macacu Cabo Frio Vale do Paraíba Fluminense Vassouras e do Piraí Fluminense e do Grande Rio Baía da Ilha Grande Figura 6i – Regionalização vigente de 1968 à 1989 (malha municipal de 1964 a 1984). Noroeste Fluminense Norte Fluminense Centro Fluminense Baixadas Metropolitana do Rio de Janeiro Sul Fluminense Figura 7i – Mesorregiões Geográficas - Regionalização produzida em 1990 (malha municipal deste ano). Desde a divisão regional de 1990, a região Norte Fluminense ocupa uma área de 9729.7 km2, e atualmente inclui nove municípios. Entretanto, no censo de 1960 era denominada Baixada de Goitacazes, contava com quatro municípios, e compreendia uma área de 8997.8 km2. Já nos censos de 1970 e 1980, como região Açucareira de Campos, eram cinco municípios, em uma área de 10025.9 km2. As mudanças na área desta região ocorreram devido a dois municípios: São Fidélis e Italva (figura 8). Em 1960, São Fidélis fazia parte da zona fisiográfica denominada Cantagalo e, com a regionalização de 1968, foi incluído na região Açucareira de Campos, que relativamente à Baixada de Goitacazes, ficou 11,4 % maior. A outra variação ocorreu quando Italva, em 1986, se emancipou do território de Campos, e foi incluída no Noroeste Fluminense com a nova divisão de 1990. Neste momento, relativamente à região Açucareira de Campos, o Norte Fluminense perde pouco menos de 3 % de sua área. a) b) c) Figura 8 – Colorido: a) Baixada dos Goitacazes, em 1960; b) Açucareira de Campos, de 1968 a 1989; c) Norte Fluminense, com a malha municipal de 2001. Considerando agora a área atual da região, para efeito de comparação, no período de 1970 a 1989 ela estava cerca de 3 % maior e, no período de 1960-1968, aproximadamente 7,5 % menor. Como São Fidélis faz parte da região desde 1970, conclui-se que para o ano de 1960 é preciso acrescentar os dados obtidos neste município aos valores encontrados na região. Pela impossibilidade de excluir os valores oriundos do atual município de Italva de 1960 a 1986, uma vez que estavam agregados aos de Campos, torna-se necessário somá-los no período posterior a sua autonomia, em 1986. 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pôde ser observado neste trabalho, a área analisada quando se pretende realizar estudos comparativos, ao longo do tempo, com os municípios e/ou as regiões do governo, depende do período compreendido. Os resultados apresentados aqui consideram como fontes de dados os censos do IBGE. Para utilizar outras fontes é preciso saber se os dados já foram submetidos a algum procedimento, com o objetivo de corrigir as diferenças de área. Os dados publicados no Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro (CIDE), referentes à série histórica de população e densidade demográfica, por exemplo, já estão todos corrigidos, de acordo com a área atual ocupada pelos municípios. Entretanto, isso só é possível porque os dados de população são publicados também a nível distrital, o que não acontece com a maioria das variáveis pesquisadas nos levantamentos estatísticos. E, ainda nesse caso, quando o estudo a ser desenvolvido engloba vários tipos de dados, a comparação só é possível quando se utiliza a área comum a todos eles. Dois fatores motivaram a execução deste trabalho: a necessidade de realizar estudos comparativos com o município de Macaé, ao longo do período de 1960 a 2000, e a comparação deste com a região geográfica onde está inserido, como parte integrante de uma pesquisa mais ampla; e a leitura de algumas publicações que tinham como objetivo realizar estudos temporais comparativos, mas não explicitavam a metodologia utilizada na comparação dos dados. Em virtude das dificuldades expostas neste trabalho, os resultados encontrados podem facilmente ser questionados pelo leitor, pelo desconhecimento da metodologia de análise utilizada. Uma síntese dos resultados encontrados, nos exemplos apresentados neste trabalho, indica: para Macaé, não é necessário recorrer a nenhum tipo de adequação de área nos seguintes períodos: de 1814 a 1846, de 1847 a 1951, de 1952 a 1989, de 1989 a 1994 e de 1995 a 2003. Para qualquer intervalo temporal compreendido em mais de um destes períodos, é preciso estabelecer uma área base para a comparação. O exemplo apresentado neste trabalho ilustrou como isso poderia ser feito no período entre 1960 e 2000. Só a partir de 1995 os dados referentes à Macaé refletem a realidade de seus limites atuais. Já a Região Norte Fluminense, com a sua configuração atual, pode ser analisada a partir de 1986. Se o estudo tiver um ano inicial anterior a este, também será necessário estabelecer uma área base para a comparação. O mesmo período do exemplo de Macaé, 1960 a 2000, foi utilizado para demonstrar uma possibilidade de adequação de área. Longe de solucionar qualquer problema, este trabalho pretendeu apresentá-lo, tal como aparece para qualquer pessoa que se disponha a realizar um estudo onde o tempo seja como uma variável de análise. As propostas apresentadas, se assim puderem ser consideradas, tentam apenas vislumbrar uma possibilidade de realização de tais pesquisas, se outras melhores não puderem ser encontradas e utilizadas. 7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, A.I.C., 1994. Municípios e Topônimos Fluminenses: Histórico e Memória. Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 360 páginas. CIDE, 1998. Estado do Rio de Janeiro: Território. 2.ed. Rio de Janeiro, 80 páginas. CIDE, 1993. Formação e Evolução da Malha Municipal do Estado do Rio de Janeiro. Boletim Técnico n.º 8, Rio de Janeiro, 32 páginas. IBGE, 1960. Censo Demográfico: Rio de Janeiro. IBGE, 1970. Censo Demográfico: Rio de Janeiro. IBGE, 1980. Censo Demográfico: Rio de Janeiro. IBGE, 1990. Censo Demográfico: Rio de Janeiro. IBGE, 1990. Divisão Regional do Brasil em Mesorregiões e Microrregiões Geográficas. Rio de Janeiro, v.1, 135 páginas. IBGE, 1995. Síntese da Documentação HistóricoAdministrativa e Geográfica dos Estados do Brasil: Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 81 páginas. MENEZES, P.M.L., 2002. Projeto “Involução Cartográfica do Estado do Rio de Janeiro”, FAPERJ, Rio de Janeiro, RJ. MENEZES, P.M.L., DIAS, A.C., COSTA, B.F., 2003. Involucion Cartográfica Del Estado de Rio de Janeiro. In Anais do 9º Encuentro de Geógrafos de América Latina, Mérida, México. i Fonte: Elaborado pelos autores. Malha municipal produzida pelo GEOCART – Laboratório de Cartografia, Departamento de Geografia – UFRJ.