ORIGINAL/ORIGINAL Propriedades Glicostáticas em Eritrócitos de Ratas Tratadas com Tamoxifeno Glucostatic Properties in Erythrocytes from Female Rats Treated with Tamoxifen Carlos Alberto da Silva* Professor do Programa de Mestrado em Fisioterapia Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Piracicaba/SP Adriano Cesar Rocco Pardi Mestre em Fisioterapia Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Piracicaba/SP Carolina Barbosa Ribeiro Mestre em Fisioterapia Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Piracicaba/SP Eder João de Arruda Mestre em Fisioterapia Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Piracicaba/SP Maria T. M. Severi Doutoranda do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) São Carlos/SP Luciano Júlio Chingui Doutorando do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) São Carlos/SP *Correspondências: Universidade Metodista de Piracicaba Faculdade de Ciências da Saúde – PPG-FT Rodovia do Açúcar, 7.000, km 156 Campus Taquaral – Piracicaba CEP 13400-901 [email protected] Sáude em Revista Eritrócitos de Ratas Tratadas com Tamoxifeno 3.indd 27 RESUMO: O tamoxifeno é um fármaco que tem sido amplamente usado na quimioprevenção de câncer de mama, no entanto pouco se sabe sobre os possíveis efeitos nos eritrócitos. Utilizou-se neste estudo ratas Wistar com idade de 3 a 4 meses, que foram divididas em dois grupos denominados controle e tratadas com tamoxifeno, n=6. Após anestesia (pentobarbital sódico 40 mg/kg, ip), coletou-se sangue com seringas heparinizadas da artéria e veia femurais, porta e supra-hepática. As amostras passaram por avaliação da glicemia em fitas de glicoteste, concentração de hemoglobina por meio de kit laboratorial e glicogênio por meio de micrométodo enzimático. Coletou-se uma segunda alíquota de sangue da veia renal, direcionando-a para avaliação das propriedades glicostáticas in vitro. Na análise estatística utilizou-se a Análise de Variância (ANOVA) e teste de Tukey, p<0,05. Observou-se que in vivo os eritrócitos normais modificam suas reservas glicogênicas de acordo com a mudança na glicemia, atingindo um diferencial de 33% entre as femurais e entre veia porta e supra-hepática, mobilizando durante sua passagem pelos capilares periféricos e aumentando durante sua passagem pelo fígado. As observações in vivo foram reiteradas in vitro. Notou-se que a capacidade glicostática foi comprometida na presença do tamoxifeno, concluindo-se que ele inibiu as funções glicostáticas dos eritrócitos, possivelmente por modificar funções enzimáticas e/ou estruturais. Palavras-chave ERITRÓCITOS; TAMOXIFENO; GLICOGÊNIO; RATAS. ABSTRACT Tamoxifen is a drug that has been widely used in chemoprevention of breast cancer, yet little is known about the possible effects on erythrocytes. Wistar rats (3-4 months) were divided into two groups namely: control and treated with tamoxifen, n = 6. After anesthesia (sodium pentobarbital 40 mg / kg, ip) blood was collected with heparinized syringes from the femoral artery and vein and the portal vein and supra-hepatic being directed to evaluation of blood glucose with the use of tapes used in glicotest, hemoglobin concentration through laboratory application kit and glycogen reserves through microenzymatic method. A second aliquot of blood was collected from the renal vein and directed toward evaluating the properties glucostatic in vitro. Statistical analysis used ANOVA and Tukey test, p <0.05. In vivo erythrocytes change their normal glycogen reserves in accordance with the change in blood glucose achieved a 33% differential between the femoral vein and artery and between hepatic vein and supravena mobilizing during its passage through the capillaries and increasing peripheral during its passage through the liver. The observations in vivo were repeated in vitro. It was also observed that the capacity glucostatic was compromised in the presence of tamoxifen. Tamoxifen inhibits the functions of erythrocyte glucostatic properties by modifying enzymatic functions and / or structural. Keywords ERYTHROCYTES; TAMOXIFEN; GLYCOGEN; FEMALE RATS. 27 3/4/2012 15:10:51 Carlos Alberto da Silva et al. Introdução A manutenção da homeostasia energética depende da integridade funcional dos principais reservatórios de substratos metabolizáveis, bem como do suprimento adequado de acordo com a demanda.1 Diversos cientistas têm utilizado eritrócitos como modelos celulares para avaliação da atividade de receptores de insulina, uma vez que as características funcionais desses receptores são similares às observadas em outros tecidos.2, 3 Cabe ressaltar que esse modelo também é utilizado na análise de resistência insulínica gerada em alguns estados patológicos ou tratamentos farmacológicos. 4, 5, 6 Além de os tecidos que classicamente participam do ajuste glicêmico, como o fígado, foi demonstrado que os eritrócitos absorvem e incorporam glicose nos reservatórios de glicogênio quando a glicemia está elevada, liberando-a em caso de hipoglicemia. Como as reservas de glicogênio superam as necessidades metabólicas das hemácias, sugeriu-se que estas contribuam de maneira importante para um sistema fino de distribuição de glicose.7 O metabolismo de glicogênio em eritrócitos normais foi avaliado utilizando como parâmetro a incorporação de glicose radioativa a reservatórios de glicogênio, sendo observada a taxa de síntese de 0,04 -1 ± 0,01 µmol.gHb .h sob normoglicemia, os eritrócitos humanos utilizam 1 a 2 µmoles de glicose.ml células.h., o que equivale a 12 mil vezes ao requerido para a manutenção da atividade metabólica.8 Guarner e Alvarez-Buylla9 constataram uma diferença arteriovenosa no conteúdo de glicogênio eritrocitário em ratos e sugeriram que as hemácias estariam distri- 28 3.indd 28 buindo glicose aos tecidos e participariam efetivamente da regulação glicêmica. Essa função glicostática dos eritrócitos foi descrita em pesquisas com ratos submetidos a diferentes condições experimentais, como no estresse e atividade física.10 Sabe-se que o tamoxifeno é um agente antiestrogênico comumente utilizado no tratamento do câncer de mama e, mais recentemente, na quimioprevenção em mulheres com elevado risco de desenvolvimento desse tipo de câncer. Sua prescrição se dá na terapia adjuvante sistêmica, que ocorre geralmente após o tratamento cirúrgico ou quimioterápico convencional. Nota-se considerável índice de prescrição do fármaco tamoxifeno no tratamento de doenças benignas da mama, tais como: alterações fibrocísticas, mastalgia intensa e fibroadenoma. Visto sua capacidade em prevenir a ligação do estrógeno ao tecido alvo, os resultados têm sido bastante satisfatórios até então.11 Na literatura observam-se diferentes efeitos relacionados ao tratamento com tamoxifeno. Dessa forma, destaca-se a capacidade em promover redução na concentração plasmática de colesterol total, bem como o da lipoproteína de baixa densidade (LDL).12 Por outro lado, tem sido descrito o desenvolvimento de hipertrigliceridemia devido à capacidade da molécula em elevar a síntese hepática e reduzir o catabolismo de LDL, o que resulta na diminuição da atividade das enzimas lipase lipoproteica e lipase triglicéride hepática.13, 14 Com referência à relação entre a ação bloqueadora de receptores estrogênicos pelo tamoxifeno e a secreção de insulina, é sabido que o estrógeno é um dos secretagogos da insulina, de modo que o quimioterápico interfere na modulação do processo secretório e pode SAÚDE REV., Piracicaba, v. 12, n. 30, p. 27-34, jan.-abr. 2012 3/4/2012 15:10:56 Carlos Alberto da Silva et al. modificar o perfil do metabolismo de carboidratos.15, 16 Especificamente no que se refere às relações entre os eritrócitos e o tamoxifeno foi avaliado o comportamento osmótico dos eritrócitos na presença de tamoxifeno e foi constatado elevação na fragilidade seguida de maior índice de hemólise.17 Baseando-se no fato de o tratamento com tamoxifeno promover modificações estruturais nos eritrócitos, o objetivo deste estudo foi avaliar se o tratamento promove mudança no comportamento glicostático. Material e Métodos Utilizou-se ratas Wistar com idade variando de 3 a 4 meses, alimentadas com ração e água ad libitum, mantidas em ambiente com temperatura constante de aproximadamente 23±2 oC e ciclo claro/escuro de 12 horas. Os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal (CEEA) da UFSCar, sob o Protocolo nº. 011/2006. Os animais foram divididos em dois grupos experimentais (n=6), denominados controle e tratado. Para o grupo tratado, utilizou-se tamoxifeno via intraperitoneal, na dose de 1 mg/kg, durante 15 dias, sempre pela manhã, das 8 às 10 horas, com base no hábito alimentar da espécie. Após anestesia com pentobarbital sódico (40 mg/kg, ip), os animais foram laparotomizados e uma alíquota de sangue foi coletada pela veia renal e encaminhada para determinação da concentração de hemoglobina por meio de kit colorimétrico de aplicação laboratorial. A escolha do anestésico tiopental justifica-se, pois essa formulação não promove modificação no metabolismo.18 Para amostragem e avaliação da concentração de glicogênio em eritrócitos in Sáude em Revista Eritrócitos de Ratas Tratadas com Tamoxifeno 3.indd 29 vivo, empregou-se o seguinte procedimento: após dez minutos de anestesia, amostras de sangue foram coletadas da artéria e veia femurais, veia porta e supra-hepática, sendo centrifugadas sob refrigeração a 3.000 rpm durante dez minutos, o plasma foi retirado e condicionado separadamente em tubos sob gelo. A determinação da glicemia foi realizada por meio de fitas usadas em glicoteste. Os eritrócitos remanescentes foram lavados duas vezes com solução salina 0,9% gelada, descartando-se a camada superficial em que se encontravam os leucócitos, procedimento comparável com os métodos usados para preparar eritrócitos para estudos metabólicos. Uma alíquota de 20 µl dos eritrócitos destinou-se à avaliação da hemoglobina e 200 µl de eritrócitos foram usados na avaliação do conteúdo de glicogênio. Para a avaliação in vitro, os animais foram anestesiados para que o sangue fosse coletado da veia renal e condicionado em um recipiente sob gelo, formando um pool de células. O sangue coletado foi transferido para um tubo de ensaio, para que fosse centrifugado durante dez minutos a 2.500 rpm. Após a centrifugação, descartou-se uma camada superficial para a retirada dos leucócitos.19 A seguir, alíquotas de 0,5 mL seguiram em tubos de ensaio a fim de serem incubadas durante 15 minutos a 37 ºC , na presença de diferentes concentrações de glicose. Para a incubação dos eritrócitos, os tubos de ensaio contendo os eritrócitos foram acondicionados em suportes metálicos e parcialmente submersos em banho-maria a 37 ºC durante 15 minutos. No procedimento utilizado para extração e determinação do glicogênio dos eritrócitos, empregou-se o método de Farquarson,20 que expressa o conteúdo em µg.g/hemoglobina, com precisão do método que é de 0,1 µg de glicogênio. Na análise estatística das diferenças arteriovenosa e veias porta e supra-hepática, foi utilizada a ANOVA seguida do teste de Tukey com p<0,05. As 29 3/4/2012 15:10:56 Carlos Alberto da Silva et al. relações entre o conteúdo eritrocitário de glicogênio e as variações da glicemia foram calculadas por meio da correlação. Resultados Inicialmente foi avaliada a concentração de glicogênio em eritrócitos e a correlação com a glicemia em diferentes setores do leito vascular. A Tabela 1 mostra os valores da glicemia e da concentração de glicogênio eritrocitário em quatro setores do leito vascular: artéria e veia femurais e veias porta e supra-hepática de ratas, estando os animais alimentados. A glicemia medida nas femurais revela uma diferença arteriovenosa de 44%, sendo maiores os valores obtidos no ramo arterial. Essa diferença correspondeu à utilização de glicose no membro posterior das ratas. Também como esperado, houve diferença entre as glicemias da veia porta e da supra-hepática, sendo 66% maior a concentração nesta última, em virtude da liberação de glicose pelo fígado. Para avaliar se os eritrócitos participam na homeostasia da glicose como armazenadores e transportadores de glicose, o conteúdo de glicogênio foi quantificado no sangue coletado nos quatro setores do leito vascular. As reservas eritrocitárias de glicogênio variaram conforme a região de coleta, registrando-se diferença de 33% tanto entre a artéria e a veia femurais quanto entre a veia porta e a supra-hepática. A diferença arteriovenosa observada pode estar relacionada à mobilização do glicogênio dos eritrócitos em condições em que a glicemia diminuiu (veia femural). A mesma diferença foi observada na avaliação do perfil veia porta/supra-hepática, sendo verificada maior concentração plasmática de glicose no ramo vascular que sai do fígado (Tabela 1). 30 3.indd 30 Tabela 1. Concentração eritrocitária de glicogênio -1 (µg.g Hb) e glicose plasmática (mg.dL) em diferentes setores do leito vascular de ratas controle e tratadas durante 15 dias com tamoxifeno (10 mg/ kg). Os valores correspondem à média ± epm, n=6. *p<0,05 na comparação entre a artéria e veia femurais e # p<0,05 na comparação entre a veia porta e a supra-hepática. Glicogênio (µg/g -1Hb) Glicemia (mg/ dL) 30,16 ± 1,0* 69,17 ± 1,8* Grupo controle Veia femural Artéria femural 40,12 ± 0,1 99,89 ± 1,2 Veia porta 34,06 ± 0,4# 72,11 ± 2,2 # Veia supra-hepática 45,39 ± 1,1 120,13 ± 1,3 Veia femural 9,78 ± 0,5 60,11 ± 1,2* Artéria femural 10,17 ± 0,3 72,46 ± 1,0 Veia porta 10,19 ± 0,2 69,16 ± 2,2# Veia supra-hepática 12,21 ± 0,9 82,19 ± 3,3 Grupo tamoxifeno A seguir, o estudo foi direcionado à análise do grupo tratado com tamoxifeno. Nessa etapa foi possível verificar um comportamento similar ao do grupo controle, sendo observada diferença glicêmica de 30% tanto entre as femurais quanto no circuito hepático. Na análise do conteúdo de glicogênio nas femurais, foram observados valores significativamente menores atingindo 67% e 74% na veia e artéria, não existindo diferença estatística entre os compartimentos. No circuito hepático, foram observadas também menores reservas atingindo 70% e 73%, respectivamente na veia porta e supra-hepática, e da mesma forma sem diferença estatística entre os compartimentos, indicando comprometimento na capacidade de carga de glicose e síntese de glicogênio nos eritrócitos nesse ínterim. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 12, n. 30, p. 27-34, jan.-abr. 2012 3/4/2012 15:10:57 Carlos Alberto da Silva et al. É importante ressaltar que in vivo somente no grupo controle a concentração de glicogênio avaliada nos setores do leito vascular mostrou alta correlação com a glicemia. In vitro, em concentrações crescentes de glicose, os eritrócitos aumentaram de maneira diretamente proporcional às suas reservas de glicogênio, com correlação elevada (r = 0,94). Todavia, houve ainda necessidade de demonstrar que os eritrócitos liberavam glicose à medida que a concentração da hexose no meio se reduzia. Eritrócitos inicialmente incubados na presença de 240 -1 mg.dL de glicose acumularam glicogênio e, posteriormente, reduziram o seu conteúdo, ao serem novamente incubados em concentrações mais baixas de glicose (r = 0,83), como mostra a Tabela 2. Tabela 2. Efeito da concentração de glicose sobre a -1 concentração de glicogênio (µg.g Hb) de eritrócitos de ratas in vitro. O conteúdo de glicogênio foi determinado em eritrócitos após incubação em solução salina (NaCl 0,9%) durante 15 minutos a 37 ºC. No grupo descarga os eritrócitos foram inicialmente in-1 cubados na presença de 240 mg.dL de glicose e, em seguida, reincubados em soluções com outras concentrações de glicose; n = 6, *p<0,05 comparado à ausência de glicose. Carga Descarga Glicogênio (µg.g-1Hb) Glicose (mg/ dL) Glicogênio (µg.g-1Hb) NIHIL 0,50 ± 0,05 240 39,72 ± 0,9* 40 9,01 ± 1,5* 200 30,60 ± 0,5* 80 11,92 ± 0,7* 160 24,79 ± 0,6* 120 22,14 ± 0,3* 120 18,10 ± 0,8* 160 26,75 ± 0,4* 80 9,39 ± 0,2* 200 37,61 ± 0,2* 40 8,91 ± 0,1* 240 44,67 ± 0,8* NIHIL 0,55 ± 0,2 Glicose (mg/dL) Na avaliação das funções glicostáticas dos eritrócitos de ratas tratadas com tamoSáude em Revista Eritrócitos de Ratas Tratadas com Tamoxifeno 3.indd 31 xifeno in vitro, observou-se a ausência da dinâmica constatada no grupo não tratado, indicando supressão da função glicostática (vide Tabela 3). Tabela 3. Efeito in vitro da concentração de glicose -1 sobre a concentração de glicogênio (µg.g Hb) de eritrócitos de ratas tratadas com tamoxifeno (10 mg/kg). O conteúdo de glicogênio foi determinado em eritrócitos, após incubação em solução salina (NaCl 0,9%) durante 15 minutos a 37 ºC, n = 6, *p<0,05 comparado à ausência de glicose. Glicose (mg/dL) Glicogênio (µg.g-1Hb) NIHIL 0,48 ± 0,03 40 0,88 ± 0,04 * 80 1,27 ± 0,1 * 120 1,87 ± 0,1 * 160 3,05 ± 0,1 * 200 3,78 ± 0,08 * 240 3,69 ± 0,2 * Discussão A manutenção da normoglicemia depende da integração entre os sistemas nervoso e endócrino, os quais regulam a dinâmica de mobilização e armazenamento das reservas glicogênicas.1 Na década de 70, foi demonstrada, nos eritrócitos, a presença das enzimas glicogênio sintetase, amiloglicosidase e fosforilase, as quais contribuem para a formação do reservatório de glicogênio e sua mobilização.8 O interesse pela compreensão dos mecanismos que colaboram na manutenção de níveis normoglicêmicos incentivou a investigação da participação dos eritrócitos, considerando que seus reservatórios de glicogênio poderiam desempenhar importante função na distribuição de glicose.7, 9 Essa função dos eritrócitos tem sido relegada a um plano secundário, em virtude 31 3/4/2012 15:10:57 Carlos Alberto da Silva et al. do grande reservatório de glicogênio do fígado e a rapidez com que ele é mobilizado e reconstituído em indivíduos normais, no entanto os eritrócitos são considerados reservatórios de glicogênio de fácil acesso, permitindo várias amostragens em estudos de longa duração, sem provocar grande estresse na coleta. Com o intuito de avaliar as reservas eritrocitárias de glicogênio em ratos normais, foram examinados eritrócitos de diversos setores do leito vascular e observado diferença na concentração de glicogênio dos eritrócitos coletados na artéria e na veia femurais, a qual foi significativamente maior no ramo arterial. A diferença arteriovenosa periférica sugere que os eritrócitos possam liberar glicose durante o trânsito pelos capilares.22 Observou-se também que, após os eritrócitos passarem pelo interior do fígado, a concentração de glicogênio aumentou, sugerindo que tenham captado glicose no interior desse órgão. Tal diferença é paralela à ocorrida na glicemia, sendo as concentrações de glicose plasmática na veia supra-hepática maiores do que na veia porta. As observações acima estão de acordo com outros estudos que demonstraram in vivo que, quando a glicemia se eleva, os eritrócitos captam glicose, estocando-a na forma de glicogênio e liberando-a quando a glicemia é reduzida.7, 9 O perfil de mobilização das reservas eritrocitárias de glicogênio também ocorre na atividade física, na qual as necessidades energéticas são maiores, e os eritrócitos participam do fornecimento de glicose para as células, possivelmente no trânsito capilar.10 Silva e Gonçalves22 demonstraram o comprometimento na formação das reservas eritrocitárias de glicogênio no diabetes mellitus e que essa função é passível de recuperação com a utilização de fármacos indutores enzimáticos. 32 3.indd 32 No que se refere à atividade metabólica eritrocitária, tem sido descrito que o conteúdo de glicose intraeritrocitários supera as necessidades metabólicas em 12 mil vezes, sugerindo que essas células transportem glicose pela corrente sanguínea.8, 10 No presente estudo, verificou-se diferença na concentração eritrocitária de glicogênio nas femurais, considerando-se o baixo consumo de glicose pelos eritrócitos. A disparidade no conteúdo eritrocitário de glicogênio sugere ter havido liberação de glicose, e não a utilização dela pelos eritrócitos. Também as diferenças arteriovenosas entre as veias porta e supra-hepática estão de acordo com a proposta de envolvimento dos eritrócitos na distribuição de glicose. Para constituírem importante fonte de glicose, os eritrócitos devem armazenar glicogênio em razão das variações da glicemia. A forte correlação entre a glicemia e a concentração de glicogênio eritrocitária (r = 0,794), encontrada nos diferentes setores vasculares, sugeriu que o conteúdo de glicogênio nos eritrócitos depende da concentração plasmática de glicose. Outro estudo merecedor de destaque é o de Silva e Guirro23 no qual onde foi demonstrado que no músculo esquelético desnervado, o perfil de distribuição periférica de glicose pelos eritrócitos não foi modificado, sugerindo que a dinâmica glicostática dos eritrócitos seja mantida ainda que o tecido esteja lesado. Dentre os inúmeros benefícios metabólicos ligados ao tratamento com tamoxifeno, tem sido descrita a diminuição das concentrações séricas de colesterol em pacientes acometidos de diabetes mellitus, indicando um efeito favorável na sua utilização no tratamento de distúrbios lipídicos em mulheres diabéticas.21 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 12, n. 30, p. 27-34, jan.-abr. 2012 3/4/2012 15:10:57 Carlos Alberto da Silva et al. Recentes estudos indicam que o tamoxifeno, ao promover alterações no metabolismo lipídico, possa comprometer a integridade da membrana eritrocitária, uma vez que já foi demonstrado o desenvolvimento de anemia hemolítica em pacientes sob tratamento com esse quimioterápico.17, 24 Nesse sentido, este estudo em sua vertente in vivo e in vitro demonstra que os eritrócitos de ratas tratadas com tamoxifeno perdem a função glicostática, não exibindo a capacidade de modificar suas reservas de acordo com a mudança na glicemia, fato que pode estar fundamentado na capacidade que o fármaco tem em promover modificações tanto na estrutura da membra- na dos eritrócitos quanto no citoesqueleto, comprometendo as funções eritrocitárias e mudando a estabilidade mecânica, tornando-os mais frágeis.25 Conclusão Os resultados demonstram que eritrócitos de ratas tratadas com tamoxifeno perdem as propriedades glicostáticas, o que compromete a função de distribuição de glicose no ínterim dos capilares periféricos e no trânsito pelo leito hepático. Possivelmente, esse fato esteja ligado à citotoxicidade do quimioterápico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Curi R, Procópio, JAF. Fisiologia básica. Guanabara Koogan, 2009. 2. Dors RF, Ryan J, Gorden P, Rodbard WH. Erythrocyte and monocyte insulin binding in man: a comparative analysis in normal and disease states. 1981, 30: 896 -902. 3. Murugan P, Pari L, Rao CA. Effect of tetrahydrocurcumin on insulin receptor status in type 2 diabetic rats: studies on insulin binding to erythrocytes. 2008, J Biosci. 33 (1):63-72 4. Zancan P, Sola-Penna M. Regulation of human erythrocyte metabolism by insulin: cellular distribution of 6-phosphofructo-1-kinase and its implication for red blood cell function. Mol Genet Metab. 2005;86(3):401-11. 5 Ashokkumar N, Pari L, Rao CH. Effect of N-benzoyl-D-phenylalanine and metformin on insulin receptors in neonatal streptozotocin-nduced diabetic rats: studies on insulin binding to erythrocytes. Arch Physiol Biochem. 2006: 112174 -112181. 6. 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