1 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ O POVO FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO SIDNEY GUERRA FORTALEZA 2006 2 SIDNEY GUERRA O POVO FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Dissertação apresentada como requisito final à obtenção do grau de mestre em Direito Constitucional no programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) Orientador: Prof. Dr.Rosendo de Freitas Amorim. FORTALEZA 2006 3 À minha mulher Sofia Guerra, mais do que uma companheira ..., uma guerreira. Aos meus filhos Pedro Victor e Paulo Henrique meu eterno amor. À meus pais Reginaldo e Ianeide pela educação que me deram. 4 AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Martônio Mont’Alverne, por ser este camarada adorável, especial, generoso e amigo. Ao Professor Doutor Rosendo de Freitas Amorim, pela sua generosidade, pelo seu interesse para que o trabalho fosse um processo de reflexão que se constituísse de forma a me possibilitar outras maneiras de olhar o mundo e a disposição de me receber como seu orientando. Ao Professor Doutor Arnaldo Vasconcelos, pelos seus questionamentos sempre objetivos e perturbadores, sua crítica justa e franca, sua simplicidade em partilhar esperanças. Ao Professor Livre Docente Filomeno de Moraes, pelo seu sempre olhar reflexivo das coisas. Ao Professor Doutor Luciano Lima, por sua amizade. Ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), que possibilita a existência de espaços para reflexões aos inquietos que acreditam ser possível, pesquisar, refletir e interpretar o Direito Constitucional. A todo o Corpo Docente do mestrado em Direito Constitucional que de uma forma ou de outra contribuíram neste trabalho. A você Virginia, pela sua participação afetiva neste trabalho. Aos doces amigos da turma 4, com os quais pude partilhar de momentos maravilhosos. Aos companheiros, que mais do que ninguém continua a acreditar que caminho está sendo trilhado por todos nós. Muito obrigado! 5 “Aquele por quem a cidade é enchida, aquele que a enche como a água e faz dela precisamente uma cidade, é o homem em geral, a humanidade, aquilo a que chamamos “povo”. 6 Geneviève Bollème RESUMO A presente dissertação visa à reflexão sobre o povo como fundamento do Estado Democrático de Direito. Ela parte do pressuposto de que a democracia constitui-se como a marcha do mundo para a liberdade e a tolerância. A democracia não pertence a uma classe, nem a uma facção social, nem configura um privilégio; significa a nação proprietária do governo, o direito de escolha dos representantes populares, o poder organizado da opinião pública. Dessa forma, este trabalho apresenta como questão principal a seguinte: o que a democracia representa? Neste sentido, foi tomada como hipótese de trabalho, a seguinte assertiva: A democracia representa uma aspiração manifestada por grande parcela da civilização ocidental, através de séculos, recentemente indicando o caminho para a liberdade, a tolerância e a justiça social. Desse modo, o objetivo do estudo não é retraçar, numa perspectiva meramente historicista o caminho percorrido pela democracia ao longo dos séculos, mas apreender os vetores conceituais que se formaram e se transformaram recriando o sustentáculo da idéia de democracia. Como objetivo específico pretende-se, a partir de uma pesquisa bibliográfica: analisar a democracia como regime político sob o signo do pluralismo; estudar a validade democrática do estado de direito; apresentar o povo como identidade de nação e a situação do estado democrático no contexto da globalização. A democracia representativa parece não encontrar mais legitimidade no Estado Moderno, principalmente no Brasil, onde, por vezes, verifica-se a insatisfação dos representados face ao comportamento dos seus representantes, que, em regra, se comportam como substitutos do povo. Enfim chegou o momento de se desenvolver o ideal democrático, qual seja o governo do povo, pelo povo e para o povo de forma material, e não de se acomodar nesse regime de democracia formal no qual se verifica é tão-somente um simulacro de democracia representativa, legitimada num processo eleitoral questionável, mas se revela em geral, não condizente com a vontade popular. Palavras chaves: Povo, Democracia, Globalização, Estado, Estado de Direito, Estado Democrático, Espaço Público. 7 ABSTRACT The main reason for this dissertation is to reflect on this theme, starting from the presupposition that democracy is constituted the world’s march for freedom and tolerance. Democracy does not belong to a class, nor to a social faction and neither does it configure a privilege; but it does point out the nation as the the owner of the government, the right to choose popular representatives, the public opinion organized power. Thus, this work presents as main subject the following: what does democracy represent? To such an extent, the following assertive was taken as hypothesis: Democracy represents an aspiration that is manifested by a great portion of the western civilization through centuries, indicating the way to freedom, tolerance and social justice. Therefore, the goal of this study is not to retrace into a historicist perspective, in order to show which way was taken by democracy along the centuries, but to learn the conceptual vectors that were formed and transformed recreating the support to the democracy idea. As a specific aim, it is intended, starting from a bibliographical research: to analyze democracy as a political regime under the sign of the pluralism, to study the legitimacy in democratic State of right, to present people as the nation’s identity, and the situation of the democratic state in the context of the globalization. The representative democracy does not seem to find more legitimacy in the Modern State, mainly in Brazil, where occasionally dissatisfaction is verified from the represented ones face to their representatives' behavior, that is, in rule, they behave as people’s substitutes. In conclusion, it is time to develop the democratic ideal which is the people´s government, by the people, to the people, and not to get well off in a regime of formal democracy where it is only an electoral process that later is not shown in accordance to the popular Will. Key words: People, Democracy, Globalization, State, State of Right, Democratic State, Space Public. 8 SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................... 10 Capítulo 1. DEMOCRACIA: UM REGIME POLÍTICO SOB O SIGNO DO PLURALISMO .......................................................................................................... 15 1.1 A formação da sociedade ................................................................................... 15 1.2 A definição de povo ............................................................................................ 18 1.3 Plurivocidade do termo povo: Sujeito de Direito ................................................. 24 1.3.1 O Povo como titular de direitos e de obrigações .......................................... 24 1.3.2 O povo e a cidadania .................................................................................... 26 1.4 Sobre a Democracia ........................................................................................... 29 1.4.1 Origem da democracia ................................................................................. 30 1.4.2 Perfis das democracias antiga e medieval ................................................... 33 1.4.3 Conceito e características de democracia moderna .................................... 39 1.5 Notas específicas da democracia contemporânea ............................................. 51 1.5.1 Mecanismos da democracia semidireta: uma breve analise sobre a conjuntura brasileira .............................................................................................. 54 1.5.2 A politização da sociedade ........................................................................... 62 1.5.2.1 A Educação Não-Formal como ambiente para formação do cidadão . 67 Capítulo 2. A VALIDADE DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO .................. 73 2.1 O Povo, o Estado e a Soberania ........................................................................ 73 2.2 Da soberania do povo à imagem de governo ..................................................... 78 2.3 A força que emana do povo e a coerência constitucional .................................. 88 2.4 O espaço mundial ............................................................................................... 92 2.5 O fenômeno estatal e os fundamentos do Estado de Direito ........................... 95 2.6 O Estado de direito e a ordem democrática ..................................................... 99 9 2.7 A trilogia Democracia, Estado de Direito e Estado democrático de Direito ...... 102 2.8 A representação política e a crise na democracia atual ............................................ 109 2.9 O Mandato político, a democracia e a análise do lugar público ....................... 125 2.9.1 A normatização do lugar público ................................................................ 125 2.9.2 O espaço público e o programa liberal de representação política ................................................................................................................................. 131 Capítulo 3. GOVERNANTES E GOVERNADOS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO .................................................................................................... 140 3.1 A soberania em face da globalização ............................................................... 146 3.1.1 Abordagem histórica da soberania ............................................................ 148 3.1.1.1 A globalização e o conceito de soberania ........................................... 150 3.1.1.2 A mudança do conceito de soberania ................................................. 152 3.2 O fenômeno da globalização ............................................................................ 152 3.2.1 A globalização como fenômeno histórico .................................................... 153 3.2.2 As conseqüências da globalização ............................................................ 155 3.2.2.1 As conseqüências jurídicas da globalização ...................................... 158 3.3 O conceito de soberania e a prática política nas relações internacionais ........ 160 3.3.1 O avanço político e jurídico ......................................................................... 161 3.3.2 Povo e democracia face à globalização ...................................................... 165 Conclusão ............................................................................................................. 171 Referências bibliográficas ....................................................................................179 10 INTRODUÇÃO As constituições referem-se freqüentemente sobre a expressão o povo. A razão está no fato de que precisa-se legitimar. O presente estudo analisa os modos de utilização da palavra povo no contexto da formação histórica do Estado moderno. O povo é a pedra fundamental da teoria da soberania popular e justificativa para qualquer ação do Estado. O povo e o seu poder são a força social sem os quais a sociedade não seria capaz de instituir uma constituição. O conceito de povo faz-se necessário tanto para a ideologia quanto para a utopia da soberania popular. O modelo democrático grego exerce forte influência na idéia democrática dos modernos, inspirando seus parâmetros institucionais. Disto resulta que, tanto nas estruturas jurídico-políticas como na mentalidade do mundo atual, repercutem as intuições originárias da civilização clássica greco-romana. Mesmo que nos tempos atuais a condição social do povo tenha passado a predominar sobre as estruturas jurídico-políticas a ponto de tornarse sua mais importante fonte de legitimação, as democracias também conservam uma certa ambivalência dos seus longínquos modelos; traduzem esperanças eternamente alimentadas e dão lugar as ilusões parecidas. As diferenças entre elas são uma questão de intensidade ou de perspectivas. Para clarificar a idéia de democracia tem-se de levar em conta, tanto as 11 incertezas de seu campo próprio, como as modificações que em sua permanência a afetaram. O objetivo principal desta dissertação consiste em argumentar que o povo constitui-se o fundamento do Estado democrático de direito, suscitando que o empenho das sociedades contemporâneas pela democracia aponta a marcha do mundo para a liberdade e a tolerância; A Democracia consiste na integração cada vez maior de cada pessoa na gestão da vida social, o que envolve basicamente três elementos: político, econômico e moral. Desta forma, este trabalho apresenta como questão principal a seguinte pergunta: é possível democracia sem a participação do povo? Nesse sentido, a pergunta problemática de partida deste trabalho é a seguinte: A democracia representa um ideal manifesto pela civilização ocidental moderna, cuja gênese remonta a cultura clássica (greco-romana), atravessando os séculos e indicando o caminho para a liberdade, a tolerância e a justiça social? O escopo deste estudo é reconstruir os vetores conceituais que se formaram e se transformaram recriando o sustentáculo da idéia de democracia. Como objetivo específico pretende-se, a partir de uma pesquisa bibliográfica: (a) analisar a democracia como regime político sob o signo do pluralismo; (b) estudar a validade democrática do estado de direito e (c) apresentar o povo como imagem de nação mesmo no contexto da globalização. Para tal desenvolvimento, utilizou-se a metodologia, no trabalho, caracterizada como um estudo descritivo analítico, desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica acerca do tema. Quanto à abordagem utilizou-se a qualitativa, 12 porque não se buscou critérios de representatividade numéricas, mas uma maior observação intensiva da compreensão do problema. No primeiro capítulo, será feita inicialmente uma abordagem sobre os estudos da sociedade frente à constituição de uma comunidade, fazendo uma diferenciação importante sobre três conceitos que podem ser confundidos como povo, população e nação. Tratou-se da questão da expressão povo, suas complexidades e variações, por uma noção dúplice. Ora analisada como um conjunto de cidadãos, ora avaliada como o indivíduo sujeito de direito público, componente da atividade do Estado, e a necessidade de ser estabelecida pelo direito de cobranças positivas, sujeitando o Estado a operar no sentido de resguardar e apadrinhar os indivíduos. Na continuidade foram demonstrados os direitos do cidadão, suas atribuições e a questão da democracia, em especial sua origem, bem como um breve perfil das democracias antiga, medial, moderna e por fim a contemporânea. Na seção destinada às notas sobre a democracia contemporânea, apresentou-se os mecanismos da democracia semidireta e o processo constituinte. A politização da sociedade e a tradição da cultura brasileira, sob a forma da educação não formal como ambiente para formação do cidadão, perseguindo os objetivos de formação ou de instrumentação planificados. No segundo capítulo discutiu-se discutida a validade democrática do estado de direito, através do povo, do estado e da soberania, que muito embora estejam em posições opostas, visam sempre o bem comum, pelos menos no aspecto jurídico. Foi traçado um paralelo, sobre as relações estabelecidas entre o povo e a Soberania, demonstrando os delineamentos elementares que deverão compor a realidade dos atos regulados e dirigidos pelo Estado. Na seção destinada a 13 soberania do povo e à imagem de governo, foi analisada a forma de aparelhamento político, de legitimidade ou mesmo de domínio do governo e a sua vinculação político-jurídica, designando a Nação, pois se trata de forjar a concepção de identidade nacional e, por efeito, de nacionalidade. Já na seção que trata da força que emana do povo e a coerência constitucional, foi mostrada a soberania, na qualidade de caracterização substantiva do poder, como elemento de expressão última de plena eficácia de poder, que não se exterioriza como qualidade suprema de poder. É fácil constatar que não podem coexistir dois poderes no mesmo território ao mesmo tempo, pois apenas aquele que tiver capacidade de se organizar política e juridicamente e de fazer valer, no âmbito de seu território, a universalidade de suas decisões no limite da legitimidade imposta pelo conjunto dos cidadãos originários, terá a verdadeira força para impor suas decisões será realmente um poder soberano. No terceiro capítulo destinado a apresentação do espaço mundial, foram apresentados os fenômenos de globalização, como processo de transformações das relações mundiais, através da Teoria da Transnacionalização, do fenômeno estatal, dos fundamentos do Estado de Direito e o seu histórico. As várias alterações, decorrentes das necessidades históricas de mudanças sociais entre os indivíduos, e, com isso, a apresentação de falhas em seu sistema. Nos aspectos doutrinários da representação política e crise do paradigma na democracia atual, foram feitas considerações sobre o governo representativo, através do Mandato político e democracia. Uma dos fatores para a discussão da crise de representatividade é o que se denomina de lugar público, apresentando uma visão habermasiana, de racionalidade moral, sobre a autonomia privada e pública sob o modelo ao executar o enfoque procedimental à elucidação do estado democrático de direito. Por fim 14 abordou-se no contexto da globalização a atuação dos governantes e governados, englobando as categorias básicas de povo, Estado e soberania, traduzidas como um conjunto de métodos de organização para o acolhimento do bem comum, de acordo com o aspecto técnico-jurídico, bem como, a soberania em face da globalização, para impor efetivas restrições à esfera de influência das várias soberanias nacionais. Realizou-se uma abordagem histórica da soberania, através do entendimento de Hans Kelsen sobre o tema. Na Conclusão apresentou uma visão sintética do resultado da pesquisa e do trabalho dos problemas analisados, além de indicações de alguns caminhos que podem ser seguidos. 15 CAPÍTULO 1 - DEMOCRACIA: UM REGIME POLÍTICO SOB O SIGNO DO PLURALISMO A terceira classe será a do povo, os trabalhadores e os que se abstêm dos negócios públicos, e que não têm, de modo nenhum grandes posses. É certamente essa a maior e a mais poderosa na democracia, quando se reúne (Platão) Inicialmente faz-se necessário traçar determinados limites e noções importantes para a Teoria da constituição, valendo-se de autores especialista no assunto, representantes de diversas correntes de pensamento, em diferentes épocas. Com isto, pretende-se construir um painel dos múltiplos significados de povo, fundamental ao desenvolvimento do presente trabalho. 1.1 A formação da sociedade O estudo das sociedades abarcou uma série de exposições que se deixaram invadir por correntes filosóficas, políticas e sociológicas de seus períodos, o que não é uma grande inovação. Portanto, o individualismo do Iluminismo arquitetou a comunidade humana tendo por embasamento a experiência de relações contratuais entre os homens e, que só a partir de então, se poderia enxergar a comunidade estatal. Rebatendo este entendimento, os artífices do romantismo tentaram esclarecer a sociedade de homens como um todo vivo que constituiriam uma união. 16 Assim, entendeu Pellegrino quando apresentou o cidadão como uma parte que se integra no todo Estado, tornando-o respectivamente dependente e conservador do todo, pois teria a missão de manter o todo e ser mantido por ele. De outra forma, cada indivíduo só será conservado enquanto se conserva o Estado como um todo. Outros autores se preparam para encarar o tema apresentando como modelo o organismo natural, humano. Este foi o caso de Herbert Spencer, autor citado por Reinhold Zippelius, que concebeu a idéia de que organismos naturais e sociedades proporcionam certas afinidades em suas composições e, “em ambos os casos há repartição de trabalho e, assim, uma especialização funcional das diversas partes, uma dependência recíproca entre as partes e uma susceptibilidade do todo a influências internas e externas” (ZIPPELIUS, 1997, p.38). Já os partidários da sociologia relacional, procuravam esclarecer as comunidades transformando-as em indivíduos que permanentemente se relacionavam. Dessa maneira, um mero ajuntamento de indivíduos só seria avaliado como sociedade quando passavam a inter atuar, buscando modificar o destino uns dos outros. Portanto, as bases do conceito de comunidade seriam estas relações intersubjetivas, e apenas por intermédio dessas ações conjugadas é que se constituía uma sociedade. Max Weber diz que o Estado, bem como qualquer outro arranjo social, “facilmente poderia ser arquitetado como procedimentos e relações de ações de pessoas especiais, por serem, apenas elas, portadoras de ações compreensíveis” (WEBER, 2003, p. 85). Portanto, a ação do Estado é resolvida pelo agir social, uma vez que a atuação humana é originada e norteada no seu alargamento por certas 17 intenções. É possível gerar a partir desta consideração de Weber, a tese do sistema de representação nas democracias, o que será feito mais adiante. Hans Kelsen procurou purificar o direito removendo do direito qualquer componente transcendental, explicando-o como ciência. Segundo o autor a sociedade é organizada por meio de uma camada normativa, que apresenta como finalidade adequar as atividades e comportamentos das pessoas. Zippelius, sobre o pensamento desenvolvido por Kelsen, diz que os indivíduos “formam uma comunidade jurídica na medida em que estão submetidos a uma e à mesma ordem jurídica, isto é, na medida em que a sua conduta recíproca é regulada através de uma e a mesma ordem jurídica” (ZIPPELIUS, 1997, p. 43). O que se entende deste juízo é que a sociedade estatal é ampliada a partir da ordem normativa, ordem jurídica do Estado. Como se pode apreender cada autor busca esclarecer a estrutura da comunidade de um ponto de vista diferenciado. Ora se preocupa em colocar a comunidade como um aglomerado e como uma estrutura viva, que precisa ser cultivado pelas suas partes, que a sustenta, e que por sua vez é conservada por ela, ora é entendida como procedimento de relações intersubjetivas, assim como também pelo entendimento de Hans Kelsen fica reduzida à norma jurídica, na medida em que, a comunidade é instituída por ela. Com o advento do Estado Moderno, foi preciso observar o Estado por meio de elementos que o comporiam: povo, território e poder ou soberania, ou para alguns governos. Tais elementos não esclarecem este organismo complexo, precisando de uma reflexão e estudo maiores na atualidade. De qualquer forma, a 18 maior parte da doutrina ainda emprega este ponto de vista. Diante disso, a seguir, serão analisadas as diversas compreensões de povo de acordo com a teoria. 1.2 A definição de povo Primeiramente, é preciso fazer uma diferenciação importante sobre três palavras que, repetidamente, podem ser confundidas: povo, população e nação. O povo, se remontarmos à primitiva origem do governo nas florestas e nos desertos, é a fonte de todo poder e jurisdição, para bem da paz e da ordem, os homens renunciaram a sua liberdade natural e acataram leis ditadas por seus iguais e companheiros (HUME, 1973, pp. 227-28). Aristóteles consagra a cidade como uma forma de comunidade, “e os cidadãos partilham o território; cada cidade tem o seu território e os cidadãos são participantes de uma mesma cidade” (ARISTÓTELES, 1998, p. 103). Como se percebe, a partir dessa premissa, na forma descrita por Aristóteles, onde os cidadãos partilham o território, tem-se por população como uma expressão demográfico-matemática, ligada à geopolítica, que expressa o grupo de pessoas residem em determinada região numa certa época. No desenvolvimento desta concepção, onde os cidadãos são partícipes de uma mesma cidade, tem-se por nação um conceito que evoca adequados sentimentos, analogias culturais, sociais e políticas. Nas expressões de Lenio Streck é uma expressão "psicossocioantropológica"(STRECK, 1998, p. 98). 19 Por sua vez, Jorge Miranda garante que “o específico da nação encontra-se no domínio do espírito, da cultura, da subjetividade. Uma nação não é qualquer grupo cultural, é uma comunidade cultural com vocação ou aspiração a comunidade política” (MIRANDA, 2002, p. 190). Dessa maneira pode compreender como nação uma sociedade que depara denominadores comuns, tais como, identificação cultural, étnica, lingüística, formas de encarar o mundo, entre outros, comunidade preparada para desempenhar um único objetivo. Descritos os conceitos de população e nação, passa-se a tecer o conceito de povo. Para Geneviève Bollème o primeiro sentido de povo veio da expressão do latim populus, que o descreveu como sendo “os habitantes de um Estado constituído, de uma cidade” (BOLLÈME, 1988, p. 15), dizendo ainda que “é um reunião de pessoas que preenchem, formigam, se multiplicam, cobrem, garantem ... e eventualmente assolam e devastam, como indicam os numerosos verbos que modulam suas maneiras de habitar” (BOLLÈME, Ibid., p. 19). Assim, os autores que se consagraram ao estudo do Estado, procuraram estabelecer seu significado a partir de um ponto de vista particular. Jorge Miranda acentua uma multiplicidade de noções de povo. O descreve como jurídicas, que são as que remontam às Revoluções americana e francesa e prevalecem nos Estados de Direito de tipo ocidental. Como econômico-sociais, que são as que se encontram no marxismo e também, antes deste e com finalidade oposta, as que sustentam o sufrágio censitário. Como raciais, em especial, a da Alemanha nacional-socialista. Como ético-históricas ou histórico-orgânicas, que são 20 aquelas noções do fascismo italiano e do nacionalismo autoritário. E, por fim, as religiosas, que são as do fundamentalismo islâmico. Thomas Hobbes deu um duplo sentido à designação da palavra povo. Num sentido, designou como sendo em função de lugar que habitam. Em outro sentido designou como sendo “uma pessoa civil, ou seja cada homem, ou cada conselho, na vontade de quem é incluída e envolvida a vontade de cada um em particular” (HOBBES, 2002, p. 150). Como se observa do exemplo é possível depreender várias concepções para a palavra povo. Para Hans Kelsen o povo "é constituído pela unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem"(KELSEN, 2000, p. 234). O autor apreende que o povo forma uma união jurídica e não natural, pois dessa forma como o Estado tem somente um território cuja integração é jurídica, tem exclusivamente um povo. A pessoa só será avaliada como pertencente a um povo quando encontrar-se no domínio pessoal de legitimidade de sua ordem jurídica. Pellegrino vai mais além, estabelecendo uma existência de “ânimo psicológico de com-vivialidade (cum vivere) entre os indivíduos pertencentes a um mesmo ambiente cultural. Essa disposição com-vivencial é o dado fundamental conformador do Estado” (PELLEGRINO, 2001, p. 168). Reinhold Zippelius defende a concepção de que povo é o que existe no território estatal, uma vez que se está perante um Estado territorial, dizendo que “este conceito de povo do Estado que está sujeito ao poder estatal e o condiciona através da sua obediência não coincide com o conceito de povo, em sentido 21 sociológico, unido por um sentimento de afinidade étnica” (ZIPPELIUS, 1997, pp. 9293). Paulo Bonavides assevera que “a expressão povo admite uma definição política, jurídica e sociológica” (BONAVIDES, 2001, p. 74). A expressão política de povo se faz referência ao "quadro humano sufragante, que se politizou, ou seja, o corpo eleitoral"(BONAVIDES, Ibid., id). Este significado é conseqüência de uma compreensão recente, uma vez que o absolutismo não aceitava este feitio, já que só coligava ao grupo estatal como um conjunto de súditos. O significado jurídico de povo, que para ele é o único a esclarecer de modo pleno o conceito de povo, assinala para aqueles que se acham no território como fora deste, no estrangeiro, mas presos a um determinado sistema de poder ou ordenamento normativo, pelo vínculo de cidadania. Assim, é a cidadania que apresenta a ligadura entre a pessoa e o Estado. Na acepção sociológica, povo "é compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns". Este enfoque se embaraça com o significado de nação, já apresentado. Dalmo Dallari proporciona, também, o significado de povo sob o enfoque jurídico, abrangendo como um “o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano” (DALLARI, 1994, p. 85). 22 Norberto Bobbio, afirma que o “conceito político de Povo está muito ligado ao Estado romano, até mesmo na formula que o define” (BOBBIO, 2002, p. 986). Esta formula veio do Senatus populusque romanus que reunia os dois componentes fundamentais do civita romana, consequentemente do Estado Romano, com a queda da monarquia, que era o Senado e o povo (grupo dêmico). O utilitarista John Stuart Mill diz que, O “povo” que exerce o poder nem sempre é o mesmo povo sobre quem o poder é exercido, e o “autogoverno” de que se fala não é o poder de cada um por si mesmo, mas o de cada um por todos os outros. Além disso, a vontade do povo significa, em sentido prático, a vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo – a maioria, ou os que logram se fazer aceitos como a maioria. (MILL, 2000, p. 9) Assim, povo é o grupo de homens e mulheres que se colocam sob a tutela do mesmo Direito que por sua vez lhes atribui a condição de cidadão e súdito. Deste modo, apreende-se que o significado de povo é composto por dois lados: um lado subjetivo, quando o que está em destaque é a característica de cidadão, e um lado objetivo, quando o que está em destaque é seu atributo de súdito. Nas palavras de Jorge Miranda "o povo vem a ser, simultaneamente, sujeito e objeto do poder, princípio ativo e princípio passivo na dinâmica estatal"(MIRANDA, 2002, p. 108). Não existe povo sem coordenação política, bem como não existe coordenação política sem povo, pois ambos têm a mesma origem. Portanto, povo é a dimensão humana do Estado, e a dinâmica entre povo e Estado é tão íntima que é possível afirmar que o povo não existe sem a organização e o poder do Estado, de forma que inexistindo um ou outro, levaria ao desaparecimento do povo. Destarte, o Estado nasce desta comunidade que irá se transformar em povo, convertendo-se em razão de ser do Estado; o poder político se determina em relação ao povo e só 23 então é possível se definir em relação a outros poderes; o poder insurge do povo e necessita ser validado por ele, uma vez que o poder se pratica por identificação ao povo. Dessa forma, segundo as palavras de Jorge Miranda, o povo só existe através do Estado, é sempre o povo do Estado em concreto, dependente da organização específica do Estado (e a ela também subjacente). O povo, que nasce com o Estado, não subsiste senão em face da organização e do poder do Estado, de tal sorte que a eliminação de uma ou de outro acarretaria automaticamente o desaparecimento do povo como tal. (MIRANDA, 2002, p. 182) De acordo com o que se aperfeiçoou antes povo é aquele grupo de pessoas que se submete à vontade do Estado, mas também aquele que compartilha da vontade comum. Esta aparência dupla foi observada por Rousseau, que atribui dupla propriedade ao povo: a de ser cidadão, pois compartilha ativamente da concepção da vontade comum, mas também a de ser subordinado, pois se deixa dominar por esta vontade. A seguir, são desenvolvidos estes elementos. 1.3 Plurivocidade do termo povo: Sujeito de Direito Povo é uma expressão cheia de dúvidas e variações, de acordo com o que já foi assinalado, mas está contido, desde Rousseau por uma noção dúplice: ora se analisa povo como um conjunto de cidadãos que estão ligados ao Estado por um liame jurídico-político, ora se avalia povo como o indivíduo sujeito de direito público, componente da atividade do Estado. 24 Conforme esta dupla característica que se atribui ao indivíduo, serão analisados, a seguir, dois enfoques. 1.3.1 O Povo como titular de direitos e de obrigações Foi admissível tal diferenciação a partir da hipótese da soberania do povo criada por Rousseau. As teorias seguintes que suplantaram o Direito natural distinguiram o povo como membro indispensável ao Estado. Mas, a propriedade característica do povo ficou em segundo plano, uma vez que não podem ser distinguidas senão num Estado organizado democraticamente. Este é um fator determinante, pois uma simples sociedade que se submete ao poder de uma só pessoa ou de um grupo, não se confere à categoria de povo porque não se distingue esta qualidade característica, ou seja, que esta sociedade não seja detentora de direitos subjetivos. Para Benjamin Constant “numa sociedade fundada na soberania do povo, é certo que não cabe a nenhum dos indivíduos, a nenhuma classe, submeter o resto à sua vontade particular” (CONSTANT, 2005, p. 9). Pode-se completar que, a propriedade subjetiva de uma determinada comunidade, abona o sentido de povo, que por sua vez é o motivo da unidade do Estado. Esta unidade, ocorrida dos vínculos que ligam os indivíduos, consente que seja sujeito de direitos, ao passo que a dependência lhes atribui uma sujeição ao poder do Estado, sendo, assim, sujeito de deveres. Deste modo, apresenta-se que o povo passa a ser sujeito de direitos porque componente do Estado e, sujeito de obrigações enquanto objeto do poder do Estado. 25 No entanto, para que esta subjetividade legitimamente se contraponha ao Estado, este deve revelar sinais de reconhecimento de que tal pessoa é elemento da comunidade, compreendendo-o como pessoa dotada de um domínio de direito público. Mas, tal consideração se deu tardiamente, uma vez que primeiramente se reconheceu o homem como dotado apenas de um âmbito de direito privado. A noção de um direito público subjetivo foi conseqüência de um longo processo histórico que teve início na Antiguidade e começou a se efetivar a partir da luta entre Estado e Igreja, já na idade média, que passou a ter uma ordem essencialmente política. Como participante da sociedade estatal o indivíduo está dependente do Estado até onde o direito decide, pois esta analogia está estabelecida juridicamente. Por outro lado, o Estado deve realizar ações positivas que permanecerão a serviço de esforços individuais, com o objetivo de resguardar o grupo estatal. Estes atos podem ser avaliados como uma indenização que o Estado apresenta ao indivíduo pelos sacrifícios infligidos. Por fim, a importância colocada na Constituição de que o homem é adutor de uma gama de direitos de liberdade, consentiu, por sua vez, a consideração por parte do Estado de que o indivíduo é um ser dotado de um direito público subjetivo. Passar a existir assim, a compreensão de que sendo portador de direitos públicos subjetivos, a pessoa se submete ao desejo do Estado, que deve, no entanto, explorar ações que resguardem e garantam a segurança do povo. Para Mao Tse-Tung, a respeito do significado de povo e inimigo, no período da construção do socialismo, enfatiza que “todas as classes, camadas e grupos sociais que aprovam, apóiam, e trabalham pela causa da construção socialista, 26 entram na categoria de povo, enquanto todas as forças e grupos sociais que resistem à revolução socialista e hostilizam ou sabotam a edificação socialista são inimigos do povo” (MAO TSE TUNG, 2002, p. 45). Segundo Rousseau, a definição da expressão "povo" pode também ser alcançada do ponto de vista subjetivo, quando se compreende que o povo é formado por uma união de cidadãos, que mantém uma relação jurídica com o Estado. É a noção que será desenvolvida a seguir. 1.3.2 O povo e a cidadania A partir de tudo que foi exposto no item anterior pode-se sintetizar desta forma: quando o Estado distingue que os indivíduos têm um direito público subjetivo aparecem cobranças negativas, uma vez que a sujeição dos indivíduos ao Estado necessita ser estabelecida pelo direito, como também nascem cobranças positivas, sujeitando o Estado a operar no sentido de resguardar e apadrinhar os indivíduos. Como componente do povo, o indivíduo vai tomar parte da pretensão do Estado, sendo esta resultante da aspiração do povo. O Estado de acordo com a ordem jurídica obtém a cooperação dos indivíduos cunhando obrigações ou outorgando direitos. Estes direitos são outorgados para que o Estado possa atingir seus fins e são baseados em um estilo mais amplo da individualidade, uma vez que o indivíduo passa a atuar como um instrumento que vai estabelecer a pretensão do Estado através do voto. (BOBBIO, 2000, p. 34) 27 Espinosa chama cidadãos “homens considerados gozando de todos os privilégios que a cidade concede em virtude do direito civil” (ESPINOSA, 1973, pp. 320-21). Os cidadãos, diz Constant, “possuem direitos individuais independentes de toda autoridade social ou política, e toda autoridade que viola esses direitos se torna legítima” (CONSTANT, 2005, p. 14). John Rawls entende a concepção do cidadão “como pessoa livre e igual não é um ideal moral que deva reger todos os aspectos da vida, mas sim um ideal que pertence a uma concepção da justiça política que se aplica à estrutura básica da sociedade"(RAWLS, 2000, p. 232). Esse conhecimento e este aprendizado podem ser dependentes, por motivo de ordem prática, ao acolhimento de certas qualidades objetivas, que garantam a plena competência do indivíduo. Aqueles que se associam ao Estado, através da atrelamento jurídico inabalável, aderente na ocasião jurídica da junção e da composição do Estado, contraem a qualidade de cidadãos, podendo-se, assim, avaliar o povo como o conjugado dos cidadãos do Estado. Dessa maneira, o indivíduo, que, mesmo na ocasião de seu nascimento, acata os pré-requisitos estabelecidos pelo Estado para considerar-se agregado a ele, é, desde logo, cidadão, mas, como já foi comentado, o Estado pode instituir determinadas condições objetivas, cujo acolhimento é hipótese para que o cidadão contraia o direito de compartilhar do desenvolvimento da vontade do Estado e do aprendizado da soberania. Só os que acatam aqueles pré-requisitos e, conseqüentemente, contraem estes direitos, é que alcançam a condição de cidadãos ativos. (DALLARI, 1994, p. 56) 28 Desta forma, fica mais clara a dependência entre o povo, na sua aparência subjetiva, e o direito público, uma vez que a força do Estado vai brotar do povo, ou melhor, o mandatário da força do Estado é o povo, que opera como órgão próprio daquele. É dessa maneira que o poder do estado vai encontrar legitimação, compondo-se como condição permanente na concepção real do próprio Estado e um dos desempenhos necessários da comunidade popular como componente constitutivo estatal. Jeremy Bentham assevera que "a comunidade constitui um corpo fictício, composto de pessoas individuais que se consideram como constituído os seus membros. Qual é, neste acaso, no interesse da comunidade A soma dos interesses dos diversos membros que integram a referida comunidade"(BENTHAM, 1974, p. 10). Na visão sociológica, Boaventura Santos compreende que a cidadania tem “uma dimensão relativamente autónoma, a comunidade, ou seja, o conjunto das relações sociais por via das quais se criam identidades colectivas de vizinhança, de região, de raça, de etnia, de religião, que vinculam os indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas passadas, presentes ou futuras” (SANTOS, 2000, p. 315). Como teórico do Estado, Reinhold Zippelius, sobre o estatuto jurídico especial dos cidadãos nacionais, diz que "a nacionalidade é um instituto jurídico em que o direito estatal integra direitos e deveres característicos reciprocamente alistados e que manifestam uma dependência ao destino político de um estado"(ZIPPELIUS, 1997, p. 104). Assim é como Zippelius pensa sobre a nacionalidade, que admite a participação do indivíduo na existência do Estado por intermédio do direito de voto e 29 do direito à cidadania ativa (exercício de cargos públicos). Os direitos do cidadão são atribuídos aos nacionais, ou seja, as pessoas que, ao nascer, já estão atreladas a um determinado Estado, e as pessoas que lhes forem igualadas, uma vez que a ordem jurídica estatal consente tal situação. A próxima seção analisará algumas considerações sobre a democracia. 1.4 Sobre a Democracia Inicialmente é necessário proporcionar alguns conceitos sobre alguns termos que envolvem aspectos da democracia, apresentados pelos autores empregados nesta pesquisa. Bobbio afirma que “o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia [...] é o de considerá-la como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos” (BOBBIO, 2000, p. 30). Paulo Bonavides, por sua vez, esclarece que “democracia [...] é processo de participação dos governados nas formações da vontade governativa” (BONAVIDES, 2001, p. 57). Simone Goyard-Fabre expressa que, segundo suas raízes gregas, “a palavra democracia designa o poder do povo (demos, kratos). [...] As palavras ‘povo’ e ‘poder’ – estão envoltas em penumbra. [...] Isso explica por que, desde seu nascimento, a democracia foi alvo tanto de elogios como de criticas” (GOYARDFABRE, 2003, p. 09). 30 Segundo Espinosa, a democracia se define como “a união de um conjunto de homens que detêm colegialmente o pleno direito a tudo o que estiver em seu poder” (ESPINOSA, 2003, p. 240). Após essas descrições, a seguir, serão analisadas as diversas compreensões sobre a origem da democracia, bem como as respostas das indagações propostas por Nobert Rouland acerca do caráter democrático de um regime político, indagado desta forma: “como pode está definido o povo? De que maneira o povo participa na criação do direito (em sentido amplo) pelo qual é regido? Qual a chance de cada cidadão de ter acesso às funções dirigentes? É admitido o princípio de sua capacidade para o exercício das escolhas políticas?” (ROULAND, 1997, p. 40). 1.4.1 Origem da democracia e do povo Fica difícil precisar o surgimento da democracia. Muitos historiadores, como Moses Finley, chegam a apontar que a primeira indicação em termos de democracia encontra-se num texto fragmentado da ilha de Quios, datado entre 575 e 550 a.C. Outros já apontam o surgimento da democracia à cerca de dois mil anos na Grécia Antiga. O que se pode dizer é que em Atenas, apesar de ter sido o estado na Grécia Clássica com maior grau de escravatura, e por paradoxo final da história, na Grécia arcaica, ver a liberdade e a escravatura caminharem de mãos dadas, podese dizer que por lá, com o visível aumento de prosperidade e de maturidade política, com a emergência, em muitas comunidades, do ‘povo comum’ como uma força política, onde a Eunomia, caracterizada pelo Estado bem organizado e regido por lei, 31 equivalendo ao status quo, confrontando com a vontade de participação no governo pelo povo com a isonomia, que correspondia com a igualdade de direitos políticos, e, assim, uma vez que o povo era a maioria numérica, a isonomia conduzia à demokratia. Essa condução da isonomia à democracia, desenvolvida pelos gregos, pelo demos, conforme escrevia um panfletista anônimo do século quinto, mencionado comumente e de modo amistoso como o Velho Oligarca, era a direta. O demos, como se refere o Velho Oligarca, é quem conduz os barcos e dá ao Estado a sua força, tem o significado de o povo em conjunto, passando esse a ser o corpo de cidadãos que atuava através de assembléia, ou seja, eram os cidadãos gregos que determinavam pessoalmente todas as questões públicas. Simone Goyard-Fabre lembra que “A legislação audaciosa de Sólon determinara os direitos e deveres dos cidadãos” (FABRE-GOYARD, 2003, p. 10). Embora tanto Sólon como Pisístrato tivessem, por vias diferentes, aplanado o terreno, enfraquecendo o sistema arcaico, especialmente o monopólio político das famílias aristocráticas, nenhum deles tinham em mente a democracia. Atenas, apesar de ter sido na época clássica, a maior de todas as ‘cidadeestado’, era de fato um estado muito pequeno em território e população, apesar de que ter sido ignorado em estatística a população rural, que na verdade constituía a maioria dos cidadãos. A sociedade ateniense era uma sociedade escravocrata, os escravos eram adquiridos através das constantes guerras para serem utilizados nas diversas tarefas, fazendo com que os gregos se dedicassem completamente às deliberações públicas. A polis não era um local, embora ocupasse um território definido. Eram pessoas atuando concertadamente e que, portanto, tinham de reunir- 32 se e tratar de problemas faca a face. Todos estes fatores propiciavam o desenvolvimento da democracia grega. Simone Goyard-Fabre diz que “A democracia ateniense era uma ‘democracia imperial” (FABRE-GOYARD, Ibid., id.). A democracia grega teve seu apogeu nos séculos V e IV a.C., com as contínuas derrotas nas guerras nos períodos seguintes, acabou sendo suplantada pela Macedônia e mais tarde pelo domínio romano. Platão reconhecia três formas de governo, mas não aceitava o povo na democracia como uma força de governo. Dividia entre um pequeno número, um grande número e a multidão, que seria, no caso, a monarquia, a aristocracia e a democracia. Considerava que o governo de um pequeno número se situava entre a unidade e o grande número, mas que, ESTRANGEIRO ___ [...] Finalmente o da multidão é fraco em comparação com os demais e incapaz de um grande bem ou de um grande mal, pois nele os poderes são distribuídos entre muitas pessoas. (PLATÃO, 1972, p. 259) Neste aspecto, fazendo um comparativo entre a ocupação de um população sobre outra população, através de conquistas armadas, Aristóteles alertava que “se a população for demasiado escassa, não poderá bastar-se a si própria (a cidade é, com efeito, uma realidade auto-suficiente); se for demasiado numerosa, ainda que seja capaz de satisfazer as necessidades básicas, será mais um povo do que uma cidade, pois dificilmente adquirirá uma forma política” (ARISTÓTELES, 1998, p. 497). Tucídides, por sua vez, evocada uma condição própria de governo, servindo de exemplo aos demais. Essa condição era a democracia e que deveria ser controlada pela maioria: We have a form of government that does not try to imitate 33 the laws of our neighboring states. We are more an example to others, than they to us. In name, it is called a democracy, because it is managed not for a few people, but for majority (THUCYDIDES, 1993, p. 40). Para Thomas Hobbes, em seu tratado Do Cidadão, enraizado numa democracia originária, duas coisas constituem uma democracia, das quais uma “é a convocação perpétua de assembléias – forma o demos ou povo, enquanto a outra que á maioria de votos – forma tò krátos, ou o poder” (HOBBES, 2002, p. 123). São Tomás de Aquino que não segue a nenhum dos regimes que enumera, nem a realeza, nem a aristocracia, nem a oligarquia e nem a democracia, dizendo que a lei é ordenada para o bem comum e por quem tem cuidado com a comunidade: And yet such a regime belongs to all citizens, both because its rules are chosen from the citizens, and because all citizens choose its rulers.For this is the best constitution, a happy mixture of kingdom, since one person rules; and of aristocracy, since many govern by reason of their virtue; and of democracy (i.e., government by the people), since rulers can be chosen from the people, and since the choice of rules belongs to the people(AQUINO, 2002, p. 94). A seguir serão analisados os enfoques sobre as democracias antiga e medieval. 1.4.2 Perfis das democracias antiga e medieval A participação direta era a chave da democracia ateniense. Não existia representações ou funcionalismo público ou burocrático em qualquer sentido 34 significativo. Esse sistema foi obviamente, o produto de uma evolução considerável, completado na sua essência durante o século quinto, mas sujeito as ulteriores modificações, enquanto Atenas se manteve como uma democracia. Isso vigorou por cerca de dois séculos, até Atenas ser subjugada pela Macedônia e mais tarde por Roma. Em certo sentido, o amadorismo estava implícito na ‘definição’ ateniense de uma democracia direta. Apesar dos atenienses se reunirem na Àgora para desempenhar a sua força e direito político de conformação direta, deliberando pessoalmente sobre todos os temas públicos importantes, em que todo cidadão era supostamente qualificado para participar do governo. Atenas crescia, se tornava um Estado amplo, necessitava cada vez mais de cidadãos que dominassem os assuntos fiscais, navais e diplomáticos e se dedicassem mais ativamente dos cargos públicos e não mais de participantes amadores temporários que vinham nos cargos que eram convocados um modo de ganhar a vida. Por ocasião disso, os homens abastados, os proprietários que podiam dedicar-se inteiramente aos negócios públicos, iam cada vez mais se fincando nos cargos públicos e os outros se dedicando cada vez mais aos negócios particulares. De fato o poder, ou seja, os negócios públicos passaram a ser dirigidos por uma minoria rica. Por este motivo os intelectuais passaram a desaprovar a democracia. Apesar de ter surgido homens como Cleonte, Cleofonte e Anito, para quebrar esse monopólio. Aristóteles encontrava dificuldades para definir um regime combinado entre a riqueza com os poucos e a pobreza com os muitos. Chamava ele de “oligarquia ao regime em que os ricos, sendo poucos em número, detêm os 35 cargos públicos, e democracia ao regime em que os mais pobres, sendo muitos em números, estão no poder” (ARISTÓTELES, 1998, p. 59). Em sua oração fúnebre de Pérciles evidenciava que “são louvadas as pessoa que se ocupam não apenas de seus interesses privados, mas também dos negócios públicos, e são censurados como cidadãos inúteis àqueles que não se ocupam dos segundos” (BOBBIO, 2000, p. 372). É fato que Atenas nunca careceu de homens extremamente hábeis, prontos para se dedicarem à política. Apesar dos conflitos, por prestígio e posição social, os assuntos públicos eram apaixonantes e discutidos com paixão, para firmar a luta e o funcionamento da democracia direta. Dessa forma, assuntos como a ampliação territorial da pólis, as constantes guerras e a presença de escravos favoreciam o desenvolvimento da democracia. Estes fatores se emaranhavam de forma tal que acabavam sendo uns resultados dos outros. Disso resulta, como observa Fustel de Colange, que “o dever do cidadão não se limitava a votar, ele tinha de ser magistrado em seu demo ou na sua tribo. A cada um ou dois anos ele era heliasta (ou seja, juiz) [...] Não havia cidadão que não fosse chamado duas vezes em sua vida para fazer parte dos Quinhentos [...] Enfim, ele podia ser magistrado, arconte, astinomo se a sorte ou o sufrágio o designassem” (COLANGE, 2002, p. 123). Um libertário como John Stuart Mill, achava um pouco excessivo essas discussões. Dizia ele que “os muitos Atenienses, de cuja irritabilidade e suspeita democrática tanto ouvimos falar, deveriam antes ser acusados de credulidade demasiado fácil e bonacheirona, quando refletimos que deixaram viver entre eles 36 justamente indivíduos que, mas se apresentava uma oportunidade, estavam dispostos a realizar a subversão da democracia” (MILL, 2000, p. 131). Nas palavras de Mill, observa-se o dialogo entre O ateniense com Magilo e Clínias .Diz O ateniense o seguinte: Assim refleti vós: constatando que nós, atenienses, experimentamos na prática e mesma sorte dos persas – eles por reduzirem seu povo à escravidão extrema e nós, ao contrário, por impelirmos a massa do povo à liberdade extrema – não se conclui que minhas afirmações anteriores são, num certo, sentido perfeitamente adequadas à questão de definir a seqüência de nossas considerações? (PLATÃO, 1999, p. 167) Como se vê, a estrutura governamental foi muitas vezes louvada na antiguidade pelo seu caráter misto, proporcionando supostamente um equilíbrio entre os elementos monárquicos, aristocráticos e democráticos. Assim, não se podem comparar as cidades-estados gregas com os Estados modernos. O fato de a comunidade ser a única fonte da lei era uma garantia de liberdade, apesar dos gregos terem dificuldades no debate persistido na teoria política. Devido à sua situação geográfica, os gregos estiveram durante muito tempo isentos de pressão estrangeira direta e de ataques. Mas depois, a coisa não se tornou bem assim. Devido a sua política expansionista, embora altamente equilibrada e disciplinada e a fim de reforçar aliança com os outros Estados e ao mesmo tempo receoso de serem atacados pelos povos bárbaros e helênicos, surgiram as guerras tornando um instrumento normal de política, já que as causas imediatas da guerra eram tão variadas consoante a política e interesses dos diferentes Estados. 37 Com a conquista de outros Estados, e por conseqüência a escravização de outros povos, os gregos passaram a ter tempo livre para se dedicar aos interesses públicos. Para esclarecer a presença de escravos, “Aristóteles desenvolve a teoria da escravidão natural, segundo a qual alguns homens seriam escravos por natureza e outros seriam senhores em conseqüência de sua condição natural” (FINLEY, 1988, p. 117). Paulo Bonavides, citando Vedross, diz que “esse tipo de organização social consentia aos atenienses manter o seu interesse pela democracia e valorizar a participação de cada um deles para moldar a vida pública” (BONAVIDES, 2004, p. 141). Deste modo, fica evidente que “a pólis era o eixo seguro e certo ao redor do qual girava toda a vida de seus cidadãos, beneficiando, assim, a vinculação do indivíduo na comunidade” (BONAVIDES, Ibid., id). A regularidade do desenvolvimento permanecia como uma das características da história da Grécia, em todas as épocas. O aprendizado, no contexto público, se tornara constante, como orientação de uma interação ativa e direta. A liberdade de expressão existia no espaço público. Todos os cidadãos tinham o direito de se expressar nas assembléias. No entanto essa liberdade não se estendia a vida privada. Neste domínio o indivíduo era submisso aos pareceres, e às reivindicações da coletividade, anunciados em leis e costumes. A vida privada estava dominada pela onipotência da pólis, sendo esta senhora do corpo e alma de seus cidadãos. O homem não era livre, o seu corpo pertencia a pólis e estava voltado ao seu amparo, em Atenas existia uma lei na qual era imprescindível o serviço militar por toda a vida, e no que diz respeito à propriedade, cabia a pólis estabelecer o valor de muitos bens. 38 A liberdade para os gregos consistia na participação do poder social, ou seja, a participação nas discussões públicas, como elemento da comunidade, uma pessoa desempenhava sua liberdade por intermédio dos direitos políticos, formando a vontade coletiva, e sendo por ela bloqueado. Este livre-arbítrio não era para todos, uma vez que dele só se utilizava o povo grego, menos todos os súditos estrangeiros e os escravos, que na verdade eram denominados de ‘não-cidadãos’. Desta forma, “os assunto públicos eram discutidos e votados nas assembléias pelos cidadãos gregos” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 34). Tucídides entendia que a questão de ser livre se estendia não só nas atividades públicas como cidadãos, mas na vida diária de cada um, além dos povos vizinhos: We are free and generous not only in our public activities as citizens, but alson in our daily lives: there is no suspicion in our dealing with one another, and we are not offended by our neighbor for following his own pleasure(THUCYDIDES,1993, p. 40). A propósito Aristóteles, explicando a ligação existente entre as raízes da natureza humana e a igualdade, disse que a “democracia teve origem devido àqueles que se sentiam iguais num determinado aspecto, se convencerem que eram absolutamente iguais em qualquer circunstância; desse modo, todos os que são livres de um modo semelhante, pretendem que todos sejam, pura e simplesmente iguais” (ARISTÓTELES, 1998, p. 349). Nas assembléias do povo, onde todos os cidadãos podiam participar, os atenienses tratavam e resolviam todos os assuntos de natureza pública, abrangendo tanto a política externa como questões internas. Ela era soberana e debatia as propostas que eram apresentadas pelo Conselho, que depois era submetida à 39 votação. Pode-se mesmo dizer que os gregos desempenhavam pessoalmente e de modo pleno as funções: legislativa, executiva e judicial. Assim todos os cidadãos atenienses são juridicamente iguais e só o mérito cria entre eles diferenças no acesso às responsabilidades. Neste aspecto, a democracia era admirada pelos antigos, pois garantia para todos os seus cidadãos (polités) a isonomia. A eqüidade de todos diante da lei, que se revela no princípio da isonomia, onde estão todos os cidadãos contidos igualmente ao domínio das leis e que lhes confia direitos iguais. A seguir serão abordados alguns aspectos referentes à democracia moderna como especialmente conceito e características. 1.4.3 Conceito e características de democracia moderna A idade moderna é marcada pela idade de grandes monarquias. Assimila as dicotomias de monarquia e república de um lado e democracia e autocracia por outro lado. Vico traça uma diferença essencial entre a república aristocrática, república popular e a democracia, nos quais Os homens desejam inicialmente sair da sujeição e reclamam a igualdade: eis as plebes nas repúblicas aristocráticas, que finalmente vão dar nas populares. A seguir, empenham-se em superar os iguais: eis as plebes nas repúblicas populares, degradadas em repúblicas dos poderosos. Finalmente, desejam, submeter-se as leis: eis a anarquias ou repúblicas populares desenfreadas, não havendo maior tirania do que ela, pois tantos são ali os tiranos quantos sejam os audazes e dissolutos na Cidade. Então, as plebes, a que os próprios males tornaram experientes, para encontrar remédio buscam salvar-se sob as monarquias. (VICO, 1974, p. 59) Já Madison entendia que 40 a república aparta-se da democracia em dois pontos essências; não só as primeiras é mais vasta e muito maior o número de cidadãos, mas os poderes são nela delegados a um pequeno número de indivíduos que o povo escolhe. O efeito desta segunda diferença é de depurar e de aumentar o espírito público, fazendo-o passar para um corpo escolhido de cidadãos, cuja prudência saberá distinguir o verdadeiro interesse da sua pátria e que patriotismo e amor da justiça, estarão mais longe de o sacrificar a considerações momentâneas ou parciais. (MADISON, 1973, p. 105) Em uma controvérsia de um debate havido em 1791 entre Thomás Paine e Emmanuel Sieyès, sobre a questão da representação e liberdade no modelo republicano de governo, o monarcômaco Sieyès entende que o republicano Tomás Paine apesar de se declarar inimigo da Monarquia, o modelo de governo por ele oferecido se mostra insuficiente à liberdade. Diz Sieyès que Tomás Paine defende a república dele, como ele entende e eu defendo a Monarquia como eu concebo: Mr. Paine declare himself to be the open enemy of Monarchial Government. I merely say, that a Republican form of Government appears to me tobe insufficiente for liberty”, continua: “Mr. Paine defends his republic, such as he understand it; I defend Monarchy, such as I Have conceived it (SIEYÈS, 2003, p. 167). Sieyès, apesar das divergências com Tomás Paine, e de não aceitar a liberdade dentro do regime republicano de governo, ver nas palavras de Paine o caráter de representação no modelo: By republicanism,“ says Mr. Paine, “I understand merely a Govenment by Representation(SIEYÈS, Ibid., id). Segundo John Locke “quando de início os homens se reúnem em sociedade, todo o poder da comunidade naturalmente em si, pode empregá-lo para fazer leis destinadas à comunidade de tempos em tempos, que se executam por meio de funcionários que lê própria nomeia: nesse caso, a forma de governo é uma perfeita democracia” (LOCKE, 1973, p. 91). 41 Neste quadro se ver emergir uma firme opinião ente um Estado representativo e a dimensão territorial, também traçado por R ousseau que estava convencido de que uma verdadeira democracia jamais existirá, pois exigiria, entre outras condições um Estado muito pequeno. Escreve ainda Madison que em “ambos os casos o números de representantes são segue os dos constituintes, mas é proporcionalmente maior nas repúblicas pequenas, segue-se que, se os talentos e as virtudes estão igualmente distribuídos nestas e nas maiores, haverá nas segundas maior número de pessoas elegíveis e por conseguintes maior probabilidade de fazer uma boa escolha” (MADISON, 1973, p. 105). Também acerca da dimensão territorial Robert Dahl se pronuncia dizendo que “é improvável que a democracia passe ao nível internacional, mas é importante ter sempre em mente que todo país democrático precisa de unidades menores” (DAHL, 2001, p. 132). A democracia é o regime em que o povo conduz as relações de poder que regulam a vida em sociedade. Esse regime popular em que o povo dirige tem, portanto, como atributo primeiro: o de ter o povo como a nascente de todo o poder. Porém isso não é satisfatório: é necessário que ele o exerça, direta ou indiretamente. Para Espinosa o fundamento e a finalidade da democracia “não é senão o de evitar os absurdos do instinto e conter os homens, tanto quanto possível, dentro dos limites da razão, para que vivam em concórdia e paz” (ESPINOSA, 2003, p. 241). A essência da democracia dá-se com efeito como uma soberania de massas, e a soberania de massas é uma soberania do imediato, logo da própria reunião(BADIOU, 1998, p. 107). Portanto, definir democracia como aquilo que 42 autoriza uma colocação do particular sob a lei da universalidade do querer político(BADIOU, Ibid., id.). Karl Marx traçando um paralelismo entre a crítica da religião e a crítica da política disse que “do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição” (MARX, 2005, p. 50). Com efeito, se é o próprio povo que cria a constituição, “a democracia é assim a essência de toda constituição política, o homem socializado como constituição particular” (MARX, Ibid., id.). “Por isso ela é, primeiramente, a verdadeira unidade do universo e do particular” (MARX, Ibid., id.). Neste aspecto, “Na democracia, o Estado político na medida em que ele se encontra ao lado desse conteúdo e dele se diferencia, é ele mesmo um conteúdo particular, como uma forma de existência particular do povo” (MARX, Ibid., pp. 50-1). Traduzindo o pensamento marxiano, Raymond Aron diz que “todas as constituições políticas tendem à democracia, isto é, à participação de todos os membros da coletividade na universalidade do Estado, ou, ainda, tendem à realização reacional” (ARON, 2003, p. 117). Assim, “uma constituição democrática – a democracia, em uma palavra – compreende a si própria e compreende, simultaneamente, todas as outras constituições” (ARON, Ibid., id.). Considerando o Estado político, como constituição, Marx achou correto o que os franceses modernos concluíram no aspecto de que na verdadeira democracia o Estado político desaparece. Com efeito, ainda no pensamento de Marx, o que difere 43 a democracia das outras formas de sistemas é que neles o que domina é o Estado, a lei e a constituição, sem que eles penetrem materialmente o conteúdo das restantes esferas não política. Por assim dizer que, “a constituição, a lei, o próprio Estado é apenas uma autodeterminação e um conteúdo particular do povo, na medida em que esse conteúdo é constituição política” (MARX, 2005, p. 51). Como se percebe na democracia há, por assim dizer, fusão de todos os elementos da vida social. Para Bobbio a lógica de democracia são todas as liberdades solidárias, pois “uma puxa a outra, uma não pode existir sem a outra” (BOBBIO, 1999, p. 92). Assim, “a democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cidadãos. O povo é uma abstração, que foi frequentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas(BOBBIO, 1992, p. 119). Neste aspecto Bobbio entende que “quem toma decisões coletivas, direta ou indiretamente, são sempre e somente os cidadãos uti singuli no momento em que depositam o seu voto na urna” (BOBBIO, Ibid., p. 120). Max Weber alertou o perigo político da democracia de massas para o Estado, residindo primeiramente, em um forte predomínio de elementos emocionais na política, dizendo, ainda, que as massas "somente pensam até depois do amanhã": Porque el peligro de la democracia de masas para el Estado reside en primer término en la possibilida del fuerte predominio en la política de los elementos emocionales. La "masa" como tal (cualesquiera que sean en un caso particular las 44 capas sociales que la forman) sólo "piensa hasta pasado mañana(WEBER, 1993, p. 1116). Assim como para Rousseau, a vontade unida do povo é no Estado, através do contrato, para Kant é essa capacidade que o povo tem de dar a si mesmo sua liberdade. “Com efeito, a modéstia de ser simplesmente livre, e também de deixar livre, de descobrir apenas a verdade para vantagem de cada ciência e de a pôr à livre disposição das Faculdades superiores, deve justamente recomendá-la ao próprio governo como insuspeita, mais ainda, como indispensável” (KANT, 1997, p. 32). John Stuart Mill expressa que “A idéia pura de democracia, conforme a sua definição, é o governo de todo o povo pelo povo todo, igualmente representado. [...] é o governo de todo o povo por simples maioria do povo, igualmente representada” (MILL, 1983, p. 88). Marilena Chauí aborda a questão da democracia em três aspectos. Como questão sociológica, como questão filosófica e, por último como questão histórica. Na primeira ela faz referência a critérios que passa a ser dado “pela relação entre o Estado, como sócio e interventor econômico, e a economia oligopólica” (CHAUÍ, 2003, p. 138). A segunda questão ela aborda como uma questão de natureza científica “quando os pensadores deixaram de lado a discussão acerca da boasociedade e do governo justo e virtuoso para discutir as instituições e práticas necessárias ao funcionamento dos diferentes regimes políticos” (CHAUÍ, Ibid., p. 148). E por último, a questão histórica que trata de “uma sociedade que não pode cessar de se reinstituir porque para ela sua gênese e sua forma são uma questão incessantemente recolocadas” (CHAUÍ, Ibid., p. 155). 45 Então, pode-se ver o pensamento social de Durkheim sob duas perspectivas, por um lado “vem da massa coletiva e está difuso nele; é feito dos sentimentos, das aspirações, das crenças, que a sociedade elaborou coletivamente e que estão disseminadas em todas as consciências” (DURKHEIM, 2002, p. 111). Por outro, “ele é elaborado no órgão especial que chamamos de Estado ou governo” (DURKHEIM, Ibid., id). Qualquer governo representativo democrático estabelece que a fonte do poder consiste no povo. Aléxis de Tocqueville reconhece que o povo “participa da composição das leis, através da escolha de seus legisladores, e de sua aplicação, pela escolha de seus agentes do Poder Executivo; pode-se dizer que governa diretamente, tanto é fraca e restrita a parte que toca à administração, tanto esta se ressente de sua origem popular e obedece ao poder de que emana” (TOQUECVILE, 1973, p. 202). Como se observa Tocqueville enfatiza a importância da vida associativa como base para a materialização de um sentido de serviço público no estado moderno. Na era moderna, a cidadania é exercida através das chamadas instituição intermediárias, por exemplo, partidos políticos, empresas privadas, sindicatos, associações civis, etc. É através dessas associações que os direitos humanos, vêm consubstanciar os princípios e valores do constitucionalismo moderno. O exercício desses direitos integra o regime democrático. Bobbio afirma que o Estado representativo conhece um processo de democratização ao longo de duas linhas: o alargamento do direito do voto até o sufrágio universal masculino e feminino, e o desenvolvimento do associacionismo político até a formação dos partidos de massa e o reconhecimento de sua função pública. (BOBBIO, 2003, p. 153) 46 Nas palavras de Benjamin Constant el cual no es outra cosa que une organización com cuyo auxilio uan nación se descarga sobre algunos indivíduos de aquello que no quiere ou no puede hacer por sí misma. [...] El sistema representativo es uma procuración dada a um cierto número de hombres por la massa del pueblo que quiere que sus intereses sean defendidos, y que, sin embargo, no tiene siempre el tiempo ni la posibilidad de defenderlos por si mismo. (CONSTANT, 2002, p. 89) Observa-se no Estado representativo, com o alargamento da democracia, o respeito a regras previamente constituídas, dentre as quais a fundamental é o sufrágio universal. Por sufrágio universal ou sufrágio de qualidade, conhecido também como censo alto, deve-se “entender como a participação ativa da totalidade dos nacionais do Estado envolvidos nas eleições” (MALUF, 1995, p. 215), é o sufrágio absoluto ou juridicamente restritivo, afastando da participação político-eleitoral um enorme contingente da população, onde somente as pessoas que possuíssem certas qualidades (intelectuais, econômicas, de nascimento) poderiam votar. O sistema do sufrágio universal determina a legitimidade do poder, desde que a escolha se faça baseada em uma condição de aprendizado de liberdade, onde permaneça o mínimo de oposição entre idéias, grupos e partidos. Para Paulo Bonavides “o sufrágio universal foi a grande revolução que impossibilitou politicamente a perpetuidade do Estado liberal. A bandeira da participação dos governados completou a vitória com o princípio da representação proporcional” (BONAVIDES, 1985, p. 180). Montesquieu já tinha esse pensamento sob sufrágio quando disse que “O sufrágio pelo sorteio é da natureza da democracia” (MONTESQUIEU, 1973, p. 41). 47 Disse ainda que “O povo só pode ser monarca pelos sufrágios, que constituem suas vontades” (MONTESQUIEU, Ibid., p. 39). Assim a democracia representativa consiste em um sistema democrático dominante. Nela não se governa abertamente, mas o povo governa pelos seus representantes, que são os deputados, governadores e todos aqueles que são eleitos por ele. Em uma crítica ao sistema democrático Merleau-Ponty, contrapondo a questão da política e da moral social, diz que “a fraqueza do pensamento democrático reside no fato de ser menos uma política e mais uma moral, visto que não coloca qualquer problema de estrutura social e considera as condições do exercício da liberdade como dadas com a humanidade” (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 196). Diz que isso, “faz da política uma técnica da ordem, onde não há lugar para os juízos de valor. Eis por que define a liberdade como o bem reivindicado por aqueles que aspiram à potência durante todo o tempo em que ainda são fracos” (MERLEAU-PONTY, Ibid., p. 197). Um regime democrático-representativo pode resgatar subsídios da democracia direta que a chamada "Constituição Cidadã Brasileira" precisamente o fez, em 1988, congregando aos seus princípios e às suas normas a possibilidade do exercício dessa democracia direta. “Tanto no processo legislativo, por conseguinte no exercício do Poder Legislativo, quanto no estágio do Poder Judiciário e, especialmente, no exercício do Poder Executivo” (SILVA, 2002, p. 123). 48 Kant assevera que “chama-se lei fundamental à que apenas pode provir da vontade geral (unida) do povo, ou contrato originário” (KANT, 2002, p. 80). Diz ainda que, “Os contratos pelos quais uma multidão de homens se religa numa sociedade (pactum sociale), o contrato que ente eles estabelece uma constituição civil (pactum unionis civilis)” (KANT, Ibid., id.). Com efeito, para Kant, a liberdade de cada um, que é o princípio da soberania do povo, é o seu fim. Ettiene de La Boétie, percorre uma forma de intuição contratualista, sem conseguir tematizar, dizendo que “pelo fato de o próprio povo fazer ou desfazer o tirano, ele faz a sua servidão ou sua liberdade. O poder repousa portanto sobre fundações populares” (LA BOÉTIE, 1999, p. 37). Para Irving Babbitt “A vontade geral não tem leis; ela não pode atar-se a si mesma para obedecer a seus governantes, os quais são considerados simples executivos, homens contratados pelo povo, revogáveis como os prazeres” (BABBITT, 2003, p. 110). “Significa uma maioria numérica num momento determinado qualquer” (BABBITT, Ibid., p. 112). No Poder Legislativo, a democracia direta se revela através do plebiscito e do referendo: quem decide se a lei vai ter validade ou não é o povo. O povo participa do processo legislativo, através de um plebiscito, onde ele se manifesta a favor, ou contra alguma proposta que venha através de uma iniciativa popular. Benjamin Constant diz que Quisieron, por consiguiente, ejercitar la fuerza pública de la misma forma que, según sus maestros, se había ejercido em los pueblos libre. Creyeron que todo debía ceder em presencia nes individuales serían ampliamente compensadas por la participacíon em el poder social. (CONSTANT, 2002, p. 81). 49 E reconhece o princípio de que La independência individual es la primera necessidad de los modernos; por consiguiente, no se puede pedir el sacrifício de ella para establecer la libertad política(CONSTANT, Ibid., p. 82). O povo toma parte também no processo da extensão democrática, tanto na esfera política como na esfera social. Benjamin Constant reconhece, neste processo, a força social dizendo que Público es a todos lo que de esto há resultado: las instituciones libres apoyadas sobre el conocimiento del espiritu del siglo hubieram podido sbsistir; pero, a pesar de todo, el edifício renovado de los antiguos há caído, no obstante los esfuerzos e muchos actos heropicos que tienen derecho a se admirados; y esto consistió em que el poder social hería em todo sentido la independência individual sin destruir lãs necessidades. (CONSTANT, Ibid., p. 81) Com isso aumenta o espectro da chamada democracia participativa. O indivíduo passa a existir na sociedade civil. Assim, passando o indivíduo a fazer parte de uma sociedade civil, ele tem de desempenhar um papel para que possa despertar, em si e na massa, “um momento de entusiasmo em que se associe e misture com a sociedade em liberdade, identifique-se com ela e seja sentida e reconhecida como o representante geral da mesma sociedade” (MARX, 2002, p. 56). Os objetivos de interesse devem ser os mesmos da própria sociedade, “da qual se torna de fato o cérebro e o coração social” (MARX, Ibid., id.). Esta junção do indivíduo com a sociedade civil, em torno dos mesmos objetivos e da mesma direção, têm de ser consciente. Pois, para que a revolução de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil coincidam, para que uma classe represente o todo de uma sociedade, outra classe tem de concentrar em si todos os males da 50 sociedade, uma classe particular deve encarnar e representar um obstáculo e uma limitação geral. (MARX, Ibid., id.) O próprio Marx asseverava que, “Na França, toda a classe do povo é politicamente idealista e se considera antes de tudo, não como classe particular, mas como representante das necessidades gerais da sociedade” (MARX, 2002, p. 57). No Brasil, com a validade da Constituição de 1988, foram criadas novidades que aconteceram no Poder Executivo. Pode ser destacado o aparecimento de uma esfera pública de cidadania que se concretiza em diferentes órgãos, como, por exemplo, os Conselhos de Cidadania, onde a sociedade estabelecida participa diretamente da gestão pública. Comumente a gestão pública é desempenhada pelo governo, que é eleito. Desta forma, o povo desempenha o poder a partir dos seus representantes. É necessário ter consciência das barreiras da democracia representativa, não para destruí-la, mas sim aperfeiçoá-la. Não adianta tomar parte da gestão pública, vigiar o Estado se este sempre for atravancado pelas classes dominantes. “A partir da democracia participativa o povo participa diretamente, e uma maneira eficaz desta participação é a instalação de um poder municipal” (SILVA, 2002, p. 125). A seguir serão analisadas as notas específicas sobre a democracia contemporânea de acordo com a teoria. 51 1.5. Notas específicas da democracia contemporânea O sistema político desenvolvido na democracia vem, como um sonho, ao longo dos séculos, um acalento para uma parcela considerável da humanidade. Sofre declínios e ascensões ao longo de sua história. A marcha que faz em busca por uma democracia ativa efetivamente exercida por uma consciência responsável dos cidadãos plenamente emancipados, tem sido a grande luta da contemporaneidade. A busca da liberdade, da tolerância, aqui desenvolvida como uma qualidade de respeitar e reconhecer os direitos fundamentais e não apenas como condição de suportabilidade, que se poderia chamar de ‘tolerância democrática’, e da justiça social, como requisito de suprir as carências matérias e subjetivas dos indivíduos. Conforme Ferreira “O homem, livre e entusiasta, constrói a felicidade e a vida, no esplendor da convivência democrática, com um sentimento de liberdade e de alegre confiança no futuro” (FERREIRA FILHO, 1990, p. 76). Deve-se reconhecer que a democracia contemporânea vem exigindo um sistema pluralista em sua estruturação. Em sua estrutura política filosófica, a democracia é a marcha do mundo para a liberdade e a tolerância. Deve-se atentar, na medida em que cada vez se ver a carência existencial e material de uma nação, ou seja, a tutela da minoria e dos mais fracos, para a construção de um espaço livre de direito, constituindo um fator de ordem, garantindo a coexistência de visões políticas diversas de valores. 52 Jean-Jacques Rousseau, considerado o filósofo da democracia moderna, criticava dizendo que “Se houvesse um governo de deuses, haveria governar-se democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos seres humanos” (ROUSSEAU, 2001, p. 84). Sem a coexistência de visões políticas diversas e a existência de um fundamentalismo e uma mentalidade de tudo ou nada, em grau de comparação entre a ditadura e a democracia, disse Clemenceau que em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a chaga que corrói as carnes, por fora, e o invisível tumor que devasta os órgãos por dentro. As chagas democráticas curam-se ao sol da publicidade, com o cautério da opinião livre; ao passo que os cânceres profundos da ditadura apodrecem internamente o corpo social e são por isto mesmo muito mais graves. (CLEMENCEAU(apud BONAVIDES), 2001, p. 266) Em sentido crítico Raymond Aron, assimilando a democracia proletária, entende que, La democracia, tal como funciona, no tiene nada que ver com uma idea suprasensible o um régimen ideal: es um conjunto de instituciones prosaicas que obliga a los gobernantes a entrar em uma competência, permanente y organizada según reglas, com sus rivales; los sufrágios de los diputados decíden la suerte de los ministros em um gobierno parlamentario; el sufrágio de los electores – em último análisis em um gobierno parlamentario, diretamente em um gobierno presidencial – decide la suerte de los gobernantes. (ARON, 1997, p. 279) Já em sentido oposto ao de Aron, Morin entende que “a democracia é mais do que um regime político; é a regeneração contínua de uma cadeia complexa e retroativa: os cidadãos produzem a democracia que produz cidadão” (MORIN, 2003, p. 107). E argumenta mais que “Todas as características importantes da democracia têm um caráter dialógico que une de modo complementar termos antagônicos: 53 consenso/conflito, liberdade/igualdade/fraternidade, comunidade nacional/antagonismo sociais e ideológicos” (MORIN, Ibid., p. 109). Assim a democracia chega no século XXI marchando em estilos e formas variadas, com Estados autoritários, travestidos de democráticos, ao reproduzirem consagradas fórmulas vigentes nos países culturalmente considerados mais desenvolvidos, adotando em seus regimes constitucionais instituições teoricamente aptas a engendrar resultados democráticos. Zancaner adverte que “Entretanto, essas instituições e os objetivos aos quais elas se preordenam permanecem cristalizados nas constituições desses Estados, sem jamais se concretizarem” (ZACANER, 1997, p. 620). Deve-se reconhecer que muitos países tem ido em busca dos ideais democráticos. Têm tentado efetivar esses ideais na maioria de suas cartas constitucionais, para que se tenha uma efetiva participação do povo no poder político, seja pela forma direta, indireta e semidireta. A democracia direta supõe o exercício do poder político pelo povo, reunido em assembléia plenária da coletividade. O povo exerce, por si, os poderes governamentais, fazendo leis, administrando e julgando. Atualmente esta modalidade de democracia é impraticável face à impossibilidade material de sua realização, face ao grande número de cidadãos que compõem um Estado, constituindo-se assim reminiscência histórica. A democracia indireta ou representativa é aquela em que o povo, fonte primária do poder se governa por meio de representantes eleitos periodicamente por ele, que tomam em seu nome e no seu interesse as decisões políticas, envolvendo assim o instituto da representação. 54 A democracia semidireta ou participativa caracteriza-se pela coexistência de mecanismos da democracia representativa com outros da democracia direta (referendo, plebiscito, revogação, iniciativa popular e outros). Irving Babbitt entende uma assembléia formada por um povo soberano, deve votar, separadamente, sobre duas questões, a saber, “primeiro, se agrada ao soberano a preservação da forma presente de governo; segundo, se agrada ao povo deixar a administração por conta dos que estão agora no poder” (BABBITT, 2003, p. 110). Paulo Bonavides anuncia que “o povo escreve a história e traça soberano o perfil das instituições” (BONAVIDES, 1985, p. 181). A próxima seção analisará algumas considerações sobre a democracia semidireta. 1.5.1 Mecanismos da democracia semidireta: uma breve analise sob a conjuntura brasileira O processo de democratização brasileira é marcado pelo signo de lutas. Oliveira Vianna retratando a realidade brasileira, reconheceu a prodigalidade do sufrágio universal. Dizia que o nosso ‘povo-massa’, como ele assim denominava, não tinha educação democrática suficiente para se utilizar da técnica do sufrágio universal para eleger os seus representantes. Sabia, entretanto, que essa técnica democrática era uma das mais seguras e eficientes sob o pretexto de que “assim é que é democrático” e “assim é que é democracia”. Entendia que, “nós, na verdade, nunca tivemos governo praticamente democrático” (VIANNA, 1999, p. 482), e, desta 55 forma, fomos sempre governados oligarquicamente, tanto no período Colonial como no período Imperial, “o nosso povo-massa, o povo da grass root politics realmente nunca governou” (VIANNA, Ibid., id.). Acreditava, porém, que se o sufrágio universal fosse manejado por cidadãos capazes, educados democraticamente, “pela pluralidade de sua estrutura cultural e pela diversidade de sua estrutura ecológica” (VIANNA, Ibid., p. 484), o sufrágio universal seria uma técnica segura e eficiente. Para ele a concepção da democracia brasileira “veio diretamente da França e não da Inglaterra – da França de Rousseau, de Robespierre e do Príncipe Egalité” (VIANNA, Ibid., p. 485). Borges de Medeiros enumera condições para uma marcha normal da Constituição. É “a presença de partidos disciplinados, o nível da opinião pública, a educação política dos cidadãos, são garantias que não estão inscritas no texto Constituição, ms, que representam a verdadeira base da democracia” (MEDEIROS, 2004, p. 55). Mais recente, a constituinte de 1987-1988 transcorreu na extensão da cidadania plena aos trabalhadores e excluídos, apresentando conteúdos que à data de sua promulgação, se revelaram altamente promissores. Silva anuncia que “A Constituição de 1988 combina representação e participação direta, tendendo, pois, para a democracia participativa” (SILVA, 2002, p. 137). A Carta Federal vigente seria uma panacéia para o desenvolvimento da democracia participativa a partir de uma democracia semidireta. A influência da vontade do povo na atuação do Governo – está preconizada no artigo 14 da Constituição vigente, regulamentado pela Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998: 56 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. [...] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular. Observa-se que tal redação consagra o princípio da soberania popular na Constituição de 1988. Mas deve-se levar em conta que tal princípio vem sendo consagrado desde a Constituição de 1934, com uma nova redação. Assim, à tradicional afirmação de que "todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido", enunciado emblemático de um modelo de democracia predominantemente representativa, não conduziu a Constituinte de 1988 que preferiu declarar que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Segundo Godofredo Teles Júnior, “O poder dos Governos, quando não emanado do povo, não é poder: é força, força armada; e, neste caso, o regime não tem caráter de uma Democracia verdadeira” (TELES JR., 2003, p. 70). Neste contexto Camargo citando Pilatti anuncia que “Estaria assim assinalada a passagem ao que tem sido interpretado como um modelo de democracia participativa, semidireta ou plena, em que o exercício da soberania popular se estende para além do voto, com a preservação da potencial constituinte dos cidadãos” (PILLATI, 1991, p. 79). 57 Para Godofredo Teles Júnior, no Brasil, “Não há, na realidade dos fatos, um verdadeiro elo programático entre os eleitores e os eleitos. A chamada representação política não pressupõe, verdadeiramente, o referido vínculo, que seria o fundamento dessa mesma representação” (TELES JR., Ibid., p. 77). “A palavra representação é mantida por um motivo deontológico, designando o que deve ser, ou o que deveria ser, a simbolizar, portanto, um ideal político” (TELES JR., Ibid., p. 78). No modelo adotado, deve ser considerado, um avanço constitucional progressista, conquistado através do debate e da luta pelos direitos democráticos, animando e dando uma nova vontade política à nação. Mas que, infelizmente, atrás dessas normas constitucionais transladadas, não há objetivamente um cumprimento positivo da norma constitucional. Para Friedrich Muller o povo “como destinatário e agente de controle e de responsabilidade: eleição/destituição do mandato por votação, bem como votação livre como componente democrático do cerne da Constituição” (MÜLLER, 2004, p. 60). O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, como forma de exercício do Estado democrático de Direito, permanecem no corpo positivo constitucional brasileiro como meras expectativas de direito, impondo-se como meras conquistas doutrinárias. Max Weber entende por plebiscito como "uma forma de eleição assim como também de legislação, tem limitações técnicas inerentes, pois só responde "sim" ou "não""(WEBER, 1974, p. 84). 58 No referendo Max Weber desconhece “o compromisso sobre o qual se baseia a maioria de todas as leis em todo estado de massas, com pronunciadas divisões regionais, sociais, religiosas e outras” (WEBER, Ibid., id.). Por sua vez, Antônio Gramsci reconhece o referendo como uma forma democraticamente válida. Disse ele que, “a forma do referendo é primorosamente democrática e anti-revolucionária; ela serve para valorizar as massas amorfas da população e esmagar as vanguardas que dirigem as massas e lhes dão uma consciência política” (GRAMSCI, 1976, p. 141). Há de entender que a promessa constitucional de uma democracia semidireta não se cumpriu entre nós. Porém, avanços precisam ser destacados e aprofundados, como as diversas experiências de orçamento participativo, planejamento-cidadão e outras iniciativas que ensejam a participação direta da cidadania. Kildare Carvalho anuncia que “A democracia participativa implica o exercício direto e pessoal da cidadania nos atos de governo” (CARVALHO, 2002, p. 108). Roberto Amaral entende que, contudo não se trata de uma democracia direta remontando à Ágora, mesmo a uma Ágora tele-eletrônica; trata-se de uma democracia semidireta palmilhando no sentido da democracia direta, ou seja, preservará por muito tempo alguns dos clássicos mecanismos da democracia representativa para aproximá-la cada vez mais da democracia direta. (AMARAL, 2002, p. 49) Contra a ilusão política do jacobinismo francês, seguindo às críticas de Marx, onde dizia que a unidade da nação não deveria ser destruída, mas ao contrário, ser organizada em uma Constituição Comunista: The unity of the nation was not to be 59 destroyed, but, on the contrary, to be organized by the communal constitution, (LENIN, 1992, p. 46). Lenine, em O Estado e a Revolução, condenou o parlamentarismo apelando para uma democracia direta e propondo uma pirâmide de soviéticos que dessem aos trabalhadores um controle do poder político: The extent to which the opportunists of contemporary social-democracy have failed to understand- or, perhaps it would be truer to say, have not wanted to understand these observations of Marx is best shown by that book of Herostratean(LENIN, Ibid., id.). Assim, através desse controle o povo assumiria o comando do Estado. Observando dessa forma, deve-se destacar o controle perante o exercício do Poder Legislativo por intermédio de consulta popular. Desta feita, a democracia semidireta terá uma porção representativa mínima, ao passo que a presença de mecanismos da democracia direta será máxima. O povo, nesta instância, será sempre supremo. Ditará a aprovação ou derrogações das decisões adotadas pelo legislativo, destacados a iniciativa popular, o plebiscito, o referendo, o veto e a revogação. Na defesa de uma democracia participativa, Roberto Amaral diz que, ao contrário, importa a convivência harmônica, com os institutos da democracia representativa sobreviventes, de mecanismos da democracia direta, como a iniciativa popular, o referendo e o plebiscito – que a democracia representativa tupiniquim já conhece, mas que merece desenvolvimento, juntamente com o direito de revogação e o veto. (AMARAL, 2002, p. 51) Então o povo de posse dos mecanismos democráticos de participação, a saber, o plebiscito, que é uma forma de consulta popular em que o cidadão é 60 chamado a manifestar-se sobre um fato político ou institucional, quase sempre no sentido de lhe dar ou não valoração jurídica. “O referendo consiste também numa consulta popular em que o cidadão tem o direito de se manifestar sobre decisões dos governantes, objetivando mantê-las ou desconstituí-las. O referendo é, normalmente, realizado depois da decisão legislativa. Fala-se, todavia, em referendo consultivo, a ser tomado antes da edição do ato, caso em que tem o valor de plebiscito” (AMARAL, 2002, p. 109). Tem-se, portanto, o controle efetivo da participação. Paulo Bonavides faz suas reservas, explanando que, a disposição constitucional de que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, é inverídica na primeira parte, mas efetiva na segunda, pois nunca nos faltaram governantes atuando como simples representantes verbais dessa entidade soberana, inclusive para manter e justifica a ditadura das oligarquias. (BONAVIDES, 1985, p. 180) Endossando o curso da natureza humana, o iluminista Marcuse confirma, no campo de padrões métricos e cálculo matemático, a força do povo em seu conjunto, dizendo que a “prioridade e a primazia do todo (Ganze) frente a todos os “membros” (partes) constitui uma tese fundamental do realismo heróico-popular: o todo, apreendido não apenas como somatória ou totalidade abstrata, mas como unidade que unifica as partes, condição para que cada parte se realize e adquira plenitude” (MARCUSE, 1997, p. 62). Na teoria política o povo (Volks) funciona como instrumento de representação real desse todo, como uma unidade e um todo que são essencialmente “naturalorgânicos”, pré-existindo a qualquer diferenciação da sociedade em classes, grupos de interesses etc. – tese mediante a qual o universalismo torna a se vincular ao 61 naturalismo(MARCUSE, Ibid., p. 50). O “povo” (Volks) também se torna um todo efetivo apenas por força de uma unidade econômico-social(MARCUSE, Ibid., p. 63). O povo é “condicionado pelo sangue”, extrai da pátria sua força indestrutível e a união do povo resulta da persistência e do caráter da “raça”, cuja pureza é condição de sua saúde. (MARCUSE, Ibid., p. 65) Mas a força do povo se acha no dispositivo constitucional do direito de escolha de seus representantes. Esse direito permite ao povo, na qualidade de eleitorado, como representado, a reapreciar o mandato de seus representantes, como forma de satisfação do mandato de representação. No Brasil, como uma forma de participação maior do povo nas questões do Estado, a ensaísta Maria Victoria Benevides tem defendido que sejam feitos plebiscitos para a tomada de decisões sobre os objetivos das políticas públicas, como o que já está estabelecida na França. Ela defende que, “os aspectos técnicos seriam discutidos e deliberados pelo legislativo” (BENEVIDES, 2002, p. 152). Mas, “os objetivos estão, necessariamente, vinculados a princípios, sobre os quais a população deva ser ouvida” (BENEVIDES, Ibid., id.). Não só isso, as questões que dizem respeito à legislação que beneficia, diretamente, os próprios legisladores, devem passar por um crivo de uma consulta popular. Arremata dizendo que, “a realização de referendo popular obrigatório vem ao encontro da necessidade da superação da “deliberação em causa própria”, vício apontado por todos aqueles que se preocupa, com a democratização da representação parlamentar” (BENEVIDES, ibid., p. 154). 62 Em última analise, o povo, ainda teria o direito do Veto, como forma de controle do poder de exercício que lhe é outorgado constitucionalmente, manifestando coletivamente contrário a determinada medida governamental ou lei já devidamente aprovada ou em vias de ser efetivada. Diante dessas breves analises acerca do exercício do poder do povo na democracia brasileira, a seguir, serão analisadas as diversas compreensões sobre a politização da sociedade de acordo com a teoria. Qualquer que seja o sistema democrático de representação parlamentar, “o povo não é, com ele, o soberano de um dia – o dia da eleição -, mas verdadeiramente o senhor dos seus destinos, porque, por intermédio dos representantes, a sua influência se está continuamente exercendo no governo” (FRANCO e PILA, 1999, p. 117). 1.5.2 A politização da sociedade Por ter uma cultura pacífica, no Brasil qualquer movimento social, às vezes, é visto como um caso de polícia, apesar de ser reconhecido que os movimentos sociais vêm construindo formas legítimas de participação e organização, numa sociedade civil atuante. Isso demonstra o quão frágil e dificultoso encontra-se o processo de politização da sociedade. Ainda, se vive, neste aspecto, uma cultura de elitização, no reconhecimento dos movimentos sociais brasileiros. É de se reconhecer que tais procedimentos de aceitações comporta processos pedagógicos relevantes, a saber, a chamada vigília cidadã. Esta perpassa as ações de organizações e dos movimentos sociais, e se referem a toda cobrança em termos da transparência de práticas públicas democráticas (governamentais e no interior do 63 próprio associativismo), combatendo o clientelismo, o paternalismo, a corrupção, e outros. De fato, este é um terreno cheio de contradições onde, através do próprio processo de vigilância, os atores dos movimentos também se reeducam em direção a uma nova cultura política, na medida em que têm um papel de reflexividade para os sujeitos que participam e para a sociedade sobre si mesma. Temos aí um processo de educação para a cidadania pela via informal de participação nos movimentos sociais. No entanto, o desejo de reconhecimento dessa participação em movimentos sociais colmata a grave deficiência existente no cumprimento e regulamentação de da Carta Constitucional, estabelecendo, em termos de igualdade de gênero, a observação dos novos movimentos sociais surgidos para a criação de novos direitos fruto de demandas desses movimentos gerando políticas públicas compensatórias para os diversos setores sociais. A idéia do princípio de que o poder tem origem no povo e deve ser por ele exercido, é uma conseqüência muito clara do contrato social. Esse princípio democrático vem estabelecer que a única legitimidade política é a legitimidade proveniente da vontade do povo. E que a hegemonia política do parlamento, decorria do princípio da soberania popular. Isso tudo é produto da vontade do povo, e, para mais, de uma vontade geral, de todo os cidadãos. Com isso a nação tendia a ser identificada com o povo, na capacidade de votar e eleger os representantes do povo. Mesmo porque, deve-se levar em consideração que, todos os dias, o povo soberano expressa consentimentos tácitos que podem ser entendidos como um plebiscito de todos os dias. 64 Neste sentido Antônio Manuel Hespanha entende que “o princípio de que a soberania reside na nação só é verdadeiro se se entender a Nação como uma realidade trans-histórica, feita do passado, presente e provir, de que a geração presente não é senão uma concretização efêmera e, por isso, desprovida de poderes constituintes“(HESPANHA, 2003, p. 250). Friedrich Carl von Savigny teve idéia semelhante ao expressar que a origem do direito como princípio de soberania proviria, não de pactos constitucionais ou de vontades de legislar, mas do “espírito do povo” (Volksgeist), expresso nas instituições e manifestações culturais históricas e captável por meio de culto das tradições jurídicas, a cargo das elites cultas. Peter Häberle enumera os elementos para o alcance cultural de uma constituição democrática. São eles: “a dignidade humana como premissa que deriva a cultura de todo o povo e dos direitos humanos universais; o princípio de soberania popular; a constituição como pacto, cujos objetivos sejam a educação e aprimoramento de valores culturais; o princípio da divisão de poderes, tanto em sua acepção estatal mais estrita como em seu sentido plural mais amplo e por fim o Estado de Direito e o Estado Social de Direito” (HÄBERLE, 2000, p. 33). Como se vê, a verdadeira constituição deve residir na espontânea combinatória dos direitos individuais, sendo, portanto, anterior e independente de qualquer poder constituído, mesmo que ele fosse uma assembléia representativa. Deve-se ser evidente que esse mecanismo só será fortalecido, por uma produção mecanizada de organização racional do trabalho, impondo horizontes de possibilidades tecnológicas, determinadas pelas leis básicas da natureza, respeitando às diferenças culturais ou de opções religiosas, por exemplo. Em um 65 mundo cada vez mais globalizado, no qual há o desafio da convivência multicultural, ao se praticar a democracia, apesar das diferenças que se colocam cada vez mais no cenário, é necessário que se construam processos educativos interculturais que avancem na direção de uma cultura de fronteiras, onde além do respeito à diversidade, pode-se viver democraticamente com o diferente. Dentro desse contexto, dentro desse modelo de politização e sociabilidade a se realizar em diferentes áreas da vida social, estabelecendo condições de acesso, mais pessoas se vêem lançadas numa circunstância de busca de segurança preemptiva, através de novos valores a partir do cotidiano familiar e comunitário. Esse desentrincheiramento, na prática, terá grande interesse público porque servirá de base de uma ampla gama de variedades de autonomia individual e coletiva. Princípios, como responsabilidade social e descentralização econômica, ou ideais, como autonomia e comunidade, terá grande significado para as disposições práticas que devem ser representados de fato pelo povo, projetados desde o cotidiano familiar do individuo até sua participação nas organizações e na esfera pública. Então, uma nova forma de organização do trabalho, com combinações de estilos de organização econômica diferentes poderão construir um projeto de educação informal de novos valores a partir dos movimentos sociais. Os chamados novos movimentos sociais, não deixam de ser uma afirmação da subjetividade. A emancipação desta luta é política, social e cultural. E, em sendo assim, são pautadas através dos princípios participativo e representativo da democracia. Boaventura Santos diz que “os NMSs ocorrem no marco da sociedade civil e não no marco do Estado e em relação ao Estado mantêm uma distância calculada, 66 simétrica da quem mantêm em relação aos partidos e aos sindicatos tradicionais” (SANTOS, 2000, p. 261). No pensamento de Boudieur, são poucos movimentos sociais existentes na atualidade aos quais se possam recorrer para a “luta contra o imperialismo neoliberal, lutas que freqüentemente são independentes uma da outra” (BOURDIEU, 1998, p. 79). Para isso é preciso “pois unificar pelo menos a informação internacional e fazê-la circular” (BOURDIEU, Ibid., id.). Os princípios participativo e representativo da democracia se aplicariam também no âmbito das políticas públicas. Essa aplicação se baseia na visão da relação dos agentes, com a lógica de interesses da sociedade, com a constelação de interesses positivos, que parece inerente a um sistema de divisão social em um conjunto de interesses coletivos. A atuação nas políticas públicas tem sido uma luta de enfrentamento entre os governados e os governantes, relacionada à existência comum entre a contribuição entre um a um outro no desenvolvimento de uma capacidade positiva coletiva ajustando a um projeto de realizações sociais, fortalecendo o programa democrático de participação. É necessário que, nestas formas de participação, se crie competência de participar e que, através da própria prática de participação, se eduque o sujeito, ou se diga que ele se auto-eduque através de sua prática de participação na esfera pública, tornando-se agente de advocacy e accountability. Em outras palavras, que se torne de fato um sujeito que vá colocar os interesses da sua comunidade, no contexto mais amplo das políticas públicas, e que vá prestar contas, ou exigir a prestação de contas do uso do dinheiro público nestas políticas. 67 Jean-Jacques Rousseau pensa que a impossibilidade de realizar a politização da sociedade provém da busca da perfeição pelo homem. Disse ele que, os homens “livres para o mal tanto como para o bem, não conhecem nem bens nem males que não dêem a si mesmos” (ROUSSEAU, 1999, p. 513). Já para Émile Durkheim a sociedade política é aquela “formada pela reunião de um número mais ou menos considerados de grupos sociais secundários, submetidos a uma mesma autoridade, que por sua vez não depende de nenhuma autoridade superior regularmente constituída"(DURKHEIM, 2002, p. 39). A seguir, são desenvolvidos elementos sobre a educação não-formal como ambiente para a formação do cidadão. 1.5.2.1 A Educação Não-Formal como ambiente para formação do cidadão A educação tem sido de há muito um campo de luta política e continua. Os debates vêm se prolongando e tem-se centrado no impacto dos padrões educacionais e nas desigualdades na sociedade. O acesso à educação é hoje algo tido como natural pela maioria dos cidadãos dos países industrializados. Não obstante, a educação, na sua forma contemporânea, envolver instruções de alunos em espaços públicos. Paulo Freire exigia uma tomada consciente educacional intervencionista. Mas se referia tanto “à que aspira mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito do trabalho, à terra, à 68 educação, à saúde, quanto a que, pelo contrário, racionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta” (FREIRE, 1996, p. 109). Carlos Alberto Torres anuncia que a “educação não-formal é aquela que persegue objetivos de formação ou de instrumentação planificados, mas não dirigidos especificamente ao provimento de graus próprios do sistema educativo oficial” (TORRES, 1992, p. 12). Contudo o mais decisivo dessa consideração é que a educação não-formal constitui um predicativo complementar à educação formal, com um importante papel na mudança de atitudes e valores reclamados pela sociedade. Vê-se que o papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, mostra o quanto parece natural iniciar um novo mundo, produzindo condições de atividades culturais consideradas na educação não-formal. Para Hannah Arendt a política nunca combina com a educação. Dizia ela que, “Quem quer que queira educar adultos na realidade pretende agir como guardião e impedi-los de atividade política” (ARENDT, 2002, p. 225). Na opinião de Morin “Os cidadãos são expulsos do campo político, que é cada vez mais dominado pelos “expertos”, e o domínio da “nova classe” impede de fato a democratização do conhecimento” (MORIN, 2003, p. 112). Apesar desse negativismo a educação não-formal designa um processo de aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos isto é, o processo que gera a conscientização dos indivíduos para a compreensão de seus interesses e do meio social e da natureza que o cerca, por meio da participação em 69 atividades grupais. Desenvolve ainda a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades. E mais, desenvolve a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos, e não menos importante, é a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, escolar, em formas e espaços diferenciados. Isso porque, na progressiva universalização dos sistemas educativos, a aquisição do conhecimento passou cada vez mais ater uma força cultural de forma mais espontânea e organizada. Uma delas constitui no desenvolvimento da imprensa e na chegada da ‘cultura tecnológica da informação’. O acesso à informação fácil, através da internet, constitui um traço definitivo no desenvolvimento educacional. Tornaram-se estratégias de caminhos de sabedoria. Apesar de haver resistência por parte de alguns educadores, “É também um grande campo da educação não-formal“(GOHN, 1999, p. 55). Para Santos “O que diferencia a educação não-formal da informal é que na primeira existe intencionalidade de dados sujeitos, em criar ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos” (SANTOS, 1995, p. 41). Apesar das novas tecnologias e a ascensão da economia do conhecimento, estando esses a transformar as concepções tradicionais da educação, ou seja, a educação formal está a dar lugar à aprendizagem por toda a vida. Ainda, assim, a educação transmitida pelos pais na família, no convívio com amigos, clubes, teatros, leitura de jornais, livros, revistas e outros, são considerados como temas da educação informal, portanto, muito importante também na formação do cidadão. 70 Há diversas perspectivas teóricas sobre a natureza da educação contemporânea, através da educação informal. Essa talvez seja a forma mais instrutiva no processo de aprendizagem. A reprodução cultural vem sendo um dos grandes atributos, abrindo espaço de possibilidades educativas no decurso da vida dos indivíduos, na conscientização do povo. As escolas, conjuntamente com outras instituições sociais, contribuem entre si para perpetuar a cultura ao longo das gerações. Quase todos os cidadãos têm hoje consciência de ser membro de uma sociedade, de sua posição no mundo e de sua história. Miranda conclui que “os dois únicos elementos diferenciadores que têm sido assinalados pelos pesquisadores são relativos à organização e à estrutura do processo de aprendizado” (MIRANDA, 2001, p. 21). Os espaços onde se desenvolvem ou se exercitam as atividades da educação não-formal são múltiplos, a saber: no bairro-associação, nas organizações que estruturam e coordenam os movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos, nas Organizações Não-Governamentais, nos espaços culturais, e nas próprias escolas, nos espaços interativos dessas com a comunidade educativa e outras. (AFONSO, 1998, p.54) Tal como se tem constatado, o espaço e o tempo, têm sido um dos principais fatores e sintomas dos atuais processos de educação informal. Primeiro, porque há a falta de espaço público culturais para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem. Em segundo, porque o tempo da aprendizagem não é fixado a priori e não são respeitadas as diferenças existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos, implícitos ou explícitos, no processo ensino- aprendizagem. 71 Tarciso Leite enfatiza que “a educação seja formal ou informal constitui a força motriz, mobilizadora do processo de mudança institucional, do crescimento econômico e do processo de desenvolvimento como um todo” (LEITE, 2002, p. 37). Porém, um dos aspectos mais fundamentais diz respeito à própria infraestrutura que deve ser criada, para os exercícios dos procedimentos e métodos não oficiais. De fato devem-se levar em conta os componentes face a face da educação informal. Com isso deveriam se criar programas de acesso à educação, aproveitando todas as aptidões básicas naturais existentes no cidadão em seu processo de aprendizagem, para que se possam dominar formas novas de informação novas, através da investigação ‘pura’ e de conhecimentos aprofundados, para transpor o limite do conhecimento. Entretanto, esse repasse é desenvolvido em espaços alternativos e com metodologias e seqüências cronológicas diferenciadas, com conteúdos curriculares flexíveis, adaptados segundo a realidade da clientela a ser atendida. Como se observa a educação informal circunscreve no seio de uma estrutura economicamente montada. É freqüente a conclusão de que os objetivos e os ideais não podem ser alcançados de não houve uma contribuição economicamente ativa e participativa do Estado. Está claro que as organizações desempenham atualmente um papel muito importante neste processo de desenvolvimento educacional, especificamente o informal. São de fato as vozes de seus participantes carregados de emoção que entoam ou ecoam um melhoramento de estruturação mundial. Para Santos “São falas que estiveram caladas e passaram a se expressar por algum motivo 72 impulsionador (carência socioeconômica, direito individual ou coletivo usurpado ou negado, projeto de mudança, demanda não atendida)” (SANTOS, 1995, p. 42). Nesse processo, de aprendizagem, o esforço que se depreende de pensar, de elaborar de reelaborar, sobre a realidade em que se vive, através dos sujeitos, articulados no universo de saberes disponíveis, levam ao adicionamento de códigos culturais na subjetividade de cada um. O processo epistemológico da compreensão, através de uma sistemática metodológica, contida nos processos de interação social, através dos movimentos sociais, tem como objetivo o desenvolvimento de capacidades e habilidades no campo da linguagem, buscando captar os conteúdos motivacionais, ideológicos, bem como os cognitivos, para mergulhar no universo da cultura, tornando-se tarefa tão importante como entender o contexto socioeconômico do contexto formador em estudo. 73 CAPÍTULO 2 - A VALIDADE DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO Eis a natureza da multidão: ou serve humildemente, ou domina com soberba, sem saber desprezar nem possuir a liberdade, que é o termo médio justo (Tito Lívio) 2.1 O povo, o Estado e a soberania Muito embora estejam em posições opostas, mas visando sempre o bem comum, pelos menos no aspecto jurídico, o povo, o Estado e a Soberania apresentam conceitos diferentes. Traçando um paralelo, sobre as comunicações estabelecidas entre o povo e a Soberania, surgem, com precisão, os delineamentos elementares que deverão compor a realidade dos atos regulados e dirigidos pelo Estado. Da importância de uma realidade política, comprovada pelo Estado, pode-se constatar a dependência do povo, aqui considerado uma multiplicidade de grupos distintos, de postulado ético-político, presa por vínculos de sentido normativo, de posicionamento territorial demarcado. Atesta John Stuart Mill que “nem mesmo na corrente doutrinária clássica depara-se com a unanimidade em relação aos dados que competem para o aparecimento do Estado” (MILL, 1995, p. 44). Para se analisar tais condições de aparecimento do povo e do Estado, devem-se compendiar na qualidade conceitual da soberania e da territorialidade, 74 como elementos formadores do Estado. É evidente que, para corroborar um domínio soberano de um ordenamento sobre um determinado território é necessário a existência do Estado. Immanuel Kant não trata o Estado como um patrimônio. Para ele o Estado “É uma sociedade de homens sobre a qual mais ninguém a não ser ele próprio tem que mandar e dispor” (KANT, 2002, p. 121). Ataliba Nogueira julga ser imperativo “acrescentar às três demonstrações de herança clássica: o povo, território e soberania (aí envolvidos o poder e a autoridade) um quarto componente, o poder. Sem desejar aumentar a disputa, até porque inócua, salienta-se que o poder é essencial ao aprendizado da soberania, daí a sua ênfase injustificada” (NOGUEIRA, 1985, p. 25). Na declaração de sentido político, povo é constituído por indivíduos que coexistem em um determinado ambiente físico sob um princípio de disposição política e administrativa. Desse intercâmbio de personalidades, na energia de sua interação grupal, predominam os cidadãos, que são os catedráticos de direito público subjetivo que lhes garante o direito de intervir na ação decisória da organização política. Esse processo concertado no atuar responsável e livremente anunciado pelo aprendizado integral da soberania nacional é decisivo para o acolhimento das necessidades comuns da sociedade. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 39) Vê-se então que os efeitos da participação na formação da vontade geral têm, por parte do povo, como titular dos direito políticos, mesmo que seja através de atos individuais, de modo institucional, a revelação da legalidade da feição política, 75 decorrente do próprio Estado de Direito, como forma necessária na criação e participação da ordem estatal. Neste processo, o povo já titular de direitos políticos, como objeto de poder, verem, sob a forma de um condicionamento do Estado de Direito, incorporado ao Estado, garantias de seus direitos, e em particular de alguns dos princípios constitucionais que é a sua superioridade, criando assim um vínculo em definitivo com o Estado. A partir desse exercício, ou seja, do condicionamento do Estado de Direito entre o povo e o Estado, as leis genéricas passam a ter vínculos para os ambos os elementos estatais, não podendo um ou outro deixar de atender às deliberações constitucionais, por nenhum motivo. Assim, o povo, como um conjunto de titulares dos direitos políticos, passa a ser um componente expressivo e principal na idéia de Estado. Miranda observa que “o povo organiza-se no domínio pessoal de atenção do direito do Estado, ou seja, a união dos destinatários, por excelência, da ordem jurídica estadual” (MIRANDA J., 1993, p. 211). Desta forma, avalia-se o Estado através da unidade dos atos individuais dos direitos políticos. Da visão da unidade dos atos individuais dos direitos políticos, não se deve confundir com um conjunto, um conglomerado, por assim dizer de indivíduos, que no caso formaria a multidão. A multidão, pelo contrário do que se pensa, é uma aglomeração no sentido estrito de povo, pois povo é uma unidade macro do sistema onde na esfera normativa se apresenta como poder. Thomas Hobbes explica que 76 uma multidão é transformada em uma pessoa quando é representada por um só homem ou pessoa, de maneira a que tal seja feito com o consentimento de cada um dos que constituem essa multidão. Porque é a unidade do representante e não a unidade do representado, que faz que a pessoa seja una. (HOBBES, 1974, p. 102) E é a partir daí, desta unidade de uma multidão, é que se devem analisar os direitos individuais e coletivos que o povo deve ter, por assim dizer, perante o Estado, sob dois aspectos metodológicos. Um é através da ciência política e o outro é através do direito constitucional. À ciência política, por possuir um objeto mais amplo, posto que os fenômenos políticos transcendam o Estado, cabe investigar os fundamentos, o exercício, os objetivos e os efeitos do poder na sociedade. Ao direito constitucional é permitido o exame das características dos direitos e deveres genéricos, sociais e políticos de cunho normativo estatal. Percebe-se então que existem métodos diferenciados para investigar a distinção dos grupos sociais Aqui vale uma ressalva de que alguns cientistas sociais insistem em empregar a palavra povo de modo genérico e comum, costumando indicá-la como um primeiro elemento do Estado com significado de população ou a Nação, o que é inaceitável, pois a população é uma base de referência estatística e econômica do Estado, de caráter muito abrangente, inerente à caracterização do conceito de povo, enquanto a Nação se forja através de estatísticas de vínculos em comuns, em uma comunidade física, das mais variadas natureza. A diferenciação aceitável de ser mantida entre o povo, elemento essencial de titularidade da soberania, e o Estado, fato política juridicamente organizado que se traduz pelos seus órgãos tradicionais (legislativo, executivo e judiciário), encontra embasamento para a deliberação da composição básica da positividade 77 constitucional (especialmente na legitimação das ações administrativas) e suas peculiaridades estruturais da organização estatal. (GORDILLO, 1984, p. 45) Já Hannah Arendt aponta que Nos Estados ocidentais, salvo algumas ressalvas (Cuba), a Constituição procede do aprendizado de um direito individual e soberano que nasce do povo soberano para dar padrão a um procedimento político com resultados jurídicos. É certo que o Estado não se conservar em si e por si; o seu pedaço de autonomia cogita o grau de autonomia de seu povo, que, de acordo com sua intenção ideológica, forma livremente os princípios reitores de sua organização política e indica seus representantes. Esse processo eletivo feito de modo a assegurar livre participação do povo em geral e com igual peso participativo chama: democracia. (ARENDT, 2003, p. 53) Assim, podem-se constatar duas divisões de categorias. De um lado se posicionam os Governantes e do outro os Governados, ou seja, de um lado temos o Estado e do outro temos o povo. Nota-se que por estarem, ora como parte ativa e ora como parte passiva da relação, ambos têm características particulares no isolamento de funções, mesmo considerando que os governantes tenham origem no povo. O componente democrático do estamento governamental se localiza no aprendizado que tem o povo de se organizar politicamente e juridicamente e de fazer valer a universalidade de suas decisões no limite de sua legitimidade, com base no estatuído pela Constituição. Desta forma, passa o Poder a ser a segunda substância, o gênero, de comando outorgado aos governantes por autorização dos governados, o povo. 78 2.2 Da soberania do povo à imagem de governo Na forma de aparelhamento político, de legitimidade ou mesmo de domínio, o governo em si passa a ter uma vinculação político-jurídica. O mesmo não acontece, quando se tem a categoria, como anteriormente está dito, para designar a Nação, pois se trata de forjar a concepção de identidade nacional e, por efeito, de nacionalidade. O agrupamento dos indivíduos é conjunto tão especial que o vocábulo “nação” não se consagra, generalizadamente, à população de todos os estados outros de demonstração cultural diferente. A nação se determina como uma comunidade física, territorial ou não, instituidora do Estado, que o povo estabelece para a realização de um ideal próprio de justiça, segurança e bem-estar. Com efeito, a questão da soberania da massa, ou seja, a do povo, reconhecida na democracia, já era tratada por Platão no dialogo entre o Estrangeiro e o jovem Sócrates. Transcrito assim: ESTRANGEIRO ___ E a terceira forma de constituição não é a soberania da massa, a que chamamos democracia? SÓCRATES, O JOVEM ___ Perfeitamente. (PLATÃO, 1972, p. 247) Mais à frente, na continuidade do dialogo, o Estrangeiro diz para o jovem Sócrates que, Apenas, na democracia, é indiferente que a massa domine aqueles que têm fortuna, com ou sem seu assentimento, ou que as leis sejam estritamente 79 observadas ou desprezadas; ninguém ousa alterar-lhe o nome. (PLATÃO, Ibid., p. 248) Para Montesquieu a democracia, sob o regime republicano, se realiza, “o povo como um todo possui o poder soberano” (MONTESQUIEU, 1973, p. 39). Entende até que “O povo, na democracia, é, sob alguns aspectos, o monarca; sob outros, o súdito” (MONTESQUIEU, Ibid., id.), e que, “O povo que possui o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode realizar corretamente e, aquilo que não pode realizar corretamente, cumpre que o faça por intermédio de seus ministros” (MONTESQUIEU, Ibid., id.). Algumas visões modernas de observações sociológicas, tendem a auferir uma concepção descritiva de Nação dando-lhe novo tratamento, para designar, por exemplo, a comunidade propriamente dita em que o povo constitui essa comunidade. Entretanto, observa-se que, o teor conserva-se inalterado. Desta forma, se pode analisar o posicionamento de Alain Touraine que, sem embargo da perspicácia e agudeza de espírito, explica o fenômeno sócio-político na analogia Estado-nação, mas não chega a esclarecê-lo em termos de superação conceitual. Em outros termos, modificam-se os ângulos de visão, mas os sujeitos continuam os mesmos. As demandas são as mesmas, embora adotadas novas cores. De acordo com o julgamento clássico de nação, demonstração do coletivo político e cultural, esse formato está associado não somente à atividade instrumental de concretização do bem comum, mas também a uma analogia cultural ao compor-se em ambiente de liberdade. (TOURAINE, 1996, p. 19) Há de se ver que tal compreensão, de modelos tradicionais, caiu em patente descrédito na avaliação de que a realidade da ambiência política, pois sempre foi marcado por incursões ideológicas e por forças mobilizadoras da opinião pública, desvirtuando inteiramente o verdadeiro significado de Nação, como demonstração da identidade cultural do povo. 80 A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto. (ROUSSEAU, 1973, p. 50) E é com base nessa concepção de identidade cultural, que a idéia de Nação manifesta-se tão estreitamente agregada àquela de Estado. Na pratica é nítida a preferência dos militares e políticos, quando se deseja falar de Nação, para a designarem como vocábulo e expressão de povo, pela atuação de sua força militar, pelo intricado administrativo, a implementação de sua política educacional, tem, portanto, no componente populacional uma de suas peculiaridades de comunidade física. Para Friedrich Müller a expressão o povo “não deve funcionar como metáfora; o povo deve poder aparecer como sujeito político empírico. A concepção não necessita d”o povo” como expressão que não obriga a nada e cobra tudo” (MÜLLER, 2004, p. 60). Negri e Hardt fazem diferenciação entre o que seja a multidão e o povo. Para eles “O povo é uno. A população, naturalmente, é composta de numerosos indivíduos e classes diferentes, mas o povo sintetiza ou reduz essas diferenças sociais a uma identidade”, enquanto que “a multidão, em contraste, não é unificada, mantendo-se plural e múltipla” (NEGRI; HARDT, 2005, p. 139). Observa, ainda, que “o povo pode governar como poder soberano, e a multidão não” (NEGRI; HARDT, Ibid., id.). 81 Segundo Simone Goyard-Fabre “uma vez que a multidão se erigiu em povo, este não pode se despojar da soberania que nasceu com ele” (GOYARD-FABRE, 1999, p. 181). Nisso, a “soberania é o atributo essencial e indefectível do povo” (GOYARD-FABRE, 1999, p. 182). No contrário, Thomas Hobbes expressava que “uma multidão de pessoas naturais são unidas por meio de convenção numa pessoa civil, ou corpo político” (HOBBES, 2002, p. 134). E estabelecida a união, do que ele denomina de corpo político, diz que se tem uma democracia, ou seja, “um governo no qual a totalidade, ou quantos dela o quiserem, sendo reunidos conjuntamente, formam o soberano, e cada homem em particular o seu súdito” (HOBBES, Ibid., id.). Do mesmo modo de Hobbes, em sua República, Jean Bodin narra que o povo unido, ou seja, formando uma unidade, manda com o poder soberano sobre os demais em nome coletivo, englobando as funções do governo pelo exercício dos órgãos legislativo, executivo e judiciário que são indissoluvelmente ligados, incorrendo ambos em erro: El estado popular es aquella forma de república em la que la mayor parte del pueblo unida manda com poder soberano sobre los demás, em nombre coletivo, y sobre cada uno del pueblo em particular” (BODIN, 2000, p. 110). Disse ainda que, “La mayor parte del pueblo tiene império y soberania no sólo sobre cada uno em particular. (BODIN, Ibid., id.) Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em 82 particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. (ROUSSEAU, 1973, pp. 39-40) É entre esses princípios fundadores que se insere a partir daí o conceito renovado da soberania: ela é o atributo essencial do “povo com corpo” (GOYARDFABRE, 1999, p. 182). Neste aspecto, considerando a multidão informe e não una, passa-se a entender o pensamento eclesiástico do monarcômaco João Quidort quando expressa que, “toda a multidão, na qual cada um persegue seu próprio interesse, acaba por dissolver-se e dispensar-se em diversas direções, a não ser que seja ordenada para o bem comum por uma só pessoa, a quem foi confiado o cuidado pelo bem comum” (QUIDORT, 1989, p. 45). Em vista disso, percebe-se, assim, que ele persegue os ensinamentos monárquicos de Salomão no livro de Provérbios (11, 14) onde lá se vê que “onde não há governantes, dissipa-se o povo”. Observa-se que o povo aqui tratado por Salomão serve de referência à multidão e não povo em si. Essa fórmula vem de Santo Agostinho no verbete que diz que é um pacto da sociedade humana obedecer ao rei. Sendo assim, também, o pacto, tratado por Agostinho, da sociedade humana é a multidão e não o povo. A partir do século XVII a noção de multidão passa ser distinta da noção de povo. Em uma distribuição de três ordens estatais, assim como Platão havia dividido em classes. Johannes Althusius considera o povo ou plebe uma terceira ordem que “inclui acadêmicos, fazendeiros, comerciantes e artesãos” (ALTHUSIUS, 2003, p. 134). O 83 sistema de associação pública surge “quando muitas privadas se vinculam com o objetivo de estabelecer uma ordem política abrangente (politeuma)” (ALTHUSIUS, Ibid., p. 135). E que, “Os homens reunidos sem direito simbiótico (jus symbioticum) constituem uma multidão, uma turba, uma reunião, um encontro, um aglomerado, uma assembléia, ou povo” (ALTHUSIUS, Ibid., id.). Alguns países, como a França e os Estados Unidos, por exemplo, de economia liberal fundamentam a correlação de Nação, divulgando através de suas Constituições, demonstrando que a concepção de Nação tende a ser um valor axiológico, ou seja, de cunho superior ao do Estado, deve obedecer à união dos interesses particulares. Essa compreensão, que vem desde Adam Smith até Jeremy Bentham, correlaciona o empenho particular e o empenho geral ou o bem comum graças à atuação de uma mão invisível, trazendo em si, a este sistema de idéias, um ímpeto de estatismo republicano. Segundo Aristóteles “O governo é o elemento supremo em toda a cidade e o regime é, de facto, esse governo. Nas Constituições democráticas o povo é supremo” (ARISTÓTELES, 1998, p 207). Em qualquer dos sentimentos que se possa conferir à noção, o povo é não apenas imprescindível, mas fundamental para a existência e entendimento do Estado, na medida em que este é a concretização da vontade coletiva dos indivíduos. (CANOTILHO, 2004, p. 105) Desta maneira, pode-se caracterizar povo como um conjunto de indivíduos que se constitui em uma comunidade, para a realização de interesses comuns, estando no gozo dos direito políticos ativos e passivos, coexistindo em um determinado território sob a autoridade de um governo adequado, de forma 84 consciente, a fim de produzir, de forma originária, no marco estatal, direitos, normas e instituições. No domínio do Estado, o ambiente personalista, humano (povo), revela-se como titular do poder constituinte, cujo aprendizado dessa autoridade soberana se dá em virtude de métodos e critérios democráticos, no sentido intransigente do designativo grego, recomendados numa Constituição. Senhor específico de seu destino, demonstração legítima de todo poder e autoridade, o povo funda os contornos institucionais de sua organização política por meio de representantes. (COMPARATO, 1998, p. 14) Citando um aspecto da Lei Fundamental da Alemanha Friedrich Müller diz que “É fundamentalmente justificado que tanto o poder do Estado (artigo 20, inciso II, da LF) quanto o poder constituinte invoquem na Lei Fundamental “o povo”, no sentido de que ambos devem provir “do povo”” (MÜLLER, 2004, p. 60). Portanto, se observa que a conceituação de povo, não poderá ser relegada a uma simples citação conceitual descritiva, em virtude de ser ele o único credor e insubstituível das benfeitorias alcançadas pela sociedade estatal e objeto de toda assistência. Não se trata de designar, com esse termo, uma realidade definida e inconfundível da vida social, para efeito de classificação sociológica, por exemplo, mas sim de encontrar um sujeito para a atribuição de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas, no universo jurídico-político. (COMPARATO, 1998, p. 14) 85 Marsílio de Pádua, antecipando-se em alguns séculos os contextos de Rousseau, doutrina que a autoridade para legislar ou estabelecer leis e para dar um preceito coercitivo no tocante à sua observância, é apenas de competência do conjunto dos cidadãos ou de sua parte preponderante, enquanto é a causa eficiente das leis, ou ainda daquele indivíduo ou daquelas pessoas a quem o mencionado conjunto dos cidadãos confiou essa tarefa. (PÁDUA, 1995, p.144) Observa-se então que o domínio político fundamental não é do governo, mas sim do povo, como legislador humano, a união do conjunto dos cidadãos, é quem de fato detém o poder soberano para constituir as regras de coexistência política e social. O supremo legislador humano, desde a época de Cristo, e talvez mesmo há algum tempo antes, até hoje foi, é e deve ser o conjunto de todos os homens ou sua parte mais relevante em cada uma das regiões e províncias, os quais têm de estar subordinados aos preceitos coercitivos da lei. (PÁDUA, 1991, p. 21) E, “antes, pois, de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei, conviria examinar o ato pelo qual um povo é povo, pois esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade” (PÁDUA, Ibid., id.). Depois de consideradas as condicionantes sociais e políticas acerca de povo e do Estado, sobreleva, pela oportunidade, a indagação prospectiva de Friedrich Müller: Quem é o povo? Tal indagação constitui, para os estudiosos das teorias do Estado ou Sociais, grandes desafios. Para os teóricos do Direito Constitucional, devem estes procurar explicações em face da dogmática constitucional de diversos países que, na 86 literalidade da determinação de suas Cartas fundamentais, remetem ao povo a titularidade do poder estatal, inaugurando, assim, um Estado constitucional de Direito. A referência a essa titularidade lembra Friedrich Müller, que vem, entre outras Constituições, na do Brasil e na Lei Fundamental de Bonn, de 1949. Na condição de elemento constitutivo essencial para a definição do Estado, o elemento povo, consolidado titular do poder estatal de acepção jurídica, sempre exerceu fascínio no contexto científico. Ora, se efetivamente o povo detém a titularidade do poder e o Estado Moderno exerce-o sob as condições e limites convencionados numa Constituição, entende-se melhor o Estado constitucional de Direito a partir do fundamento da segurança jurídica e da previsibilidade das ações estatais, como lembra Geraldo Ataliba, um dos pilares da submissão do Estado ao Direito. No trato estatal, Alain Badiou considera o Estado em si próprio uma objetividade sem norma. Por sua vez, o Estado se regula por três normas: a economia, a questão nacional e a democracia. “Nesta situação, democracia intervém como uma característica normativa do Estado, e mais precisamente como o que poderíamos chamar de categoria de uma política. [...] Entendemos aqui por uma política aquilo que regula uma relação subjectiva com o Estado” (BADIOU, 1998, p. 101). Nas palavras de Badiou, “a instituição do governo não pode ser uma lei. O que quer dizer que também não pode ser o exercício de uma soberania” (BADIOU, Ibid., id.). Assim, se extrai que, a soberania é uma lei colhida como um fruto da relação global do povo consigo mesmo. 87 Para a contemporaneidade, em termos objetivo, devido à incidência e destaque doutrinários acerca do fenômeno da globalização, notadamente no campo da economia, sugerem novas reflexões acerca dos elementos característicos do Estado, com especial ênfase ao atributo da soberania, enquanto forma de organização jurídica e política, sob a forma de manifestação do poder estatal, o qual é exercido em nome do povo, no sentido material ou substantivo, sob sua legitimação e delegação. O que se tenta descaracterizar a soberania como pressuposto de existência do Estado, é que a maioria dos estudiosos, ainda não conseguiram perceber o aspecto binário caracterizador do conceito de soberania. Esse aspecto passa pelo aspecto substantivo, que é o poder que tem o conjunto dos cidadãos de se organizarem juridicamente e politicamente e fazer valer as suas decisões universais, dentro de seu território, e o outro de cunho adjetivo, que caracterizado pela exteriorização da soberania, como qualidade suprema do poder, inerente ao Estado, como Nação politicamente e juridicamente organizada. Em virtude das conseqüências admitidas como inexoráveis resultantes dos destemperos cometidos a pretexto da globalização, não se pode deixar de levar em consideração que o Estado decorre de sua Constituição feita e elaborada pelo povo, que é um instrumento de legitimação das ações do Estado e que somente poderá ser retirada do povo, por meio de violência de armas, com a instalação da tirania, por exemplo, significado antinômico do Estado de Direito. 88 2.3 A força que emana do povo e a coerência constitucional Sendo a soberania, na qualidade de caracterização substantiva do poder, como elemento de expressão última de plena eficácia de poder, que não se exterioriza como qualidade suprema de poder, é fácil constatar que não podem coexistir dois poderes no mesmo território ao mesmo tempo, pois apenas aquele que tiver capacidade de se organizar política e juridicamente e de fazer valer, no âmbito de seu território, a universalidade de suas decisões no limite da legitimidade imposta pelo conjunto dos cidadãos originários, terá a verdadeira força para impor suas decisões será realmente um poder soberano. Dessa forma, como há incompatibilidade entre o aspecto substantivo e adjetivo da soberania, apenas um deve prevalecer, no caso o aspecto substantivo, como poder soberano titularizado pelo Estado nacional. Como o Estado nacional baseia-se em vínculos muito mais fortes e duradouros, até porque naturais, que os vínculos que agregam os blocos regionais, é notório que o poder soberano deve ser titularizado pelos Estados nacionais, não pelos blocos regionais, pois sua força é momentânea, lastreada em fatores dinâmicos e frágeis, não resistindo ao confronto com os sentimentos nacionais. (BONAVIDES, 2001, p. 42) Ademais, além do Estado nacional ser um imperativo de concepção cultural político-jurídica, pois as nações são muito diferentes umas das outras e tendem a preservar seus costumes e tradições, a manutenção do Estado nacional representa uma questão democrática, uma vez que o povo pode escolher os comandantes dos Estados, mas jamais escolherá os diretores de empresas, razão pela qual o 89 estabelecimento de uma ordem global baseada no poder econômico jamais será uma ordem democrática. Aliás, Claude Raffestin observou que “a grande diferença entre malha política e malha econômica está no fato de que a primeira resulta de uma decisão de um poder ratificado, legitimado, enquanto a segunda resulta de um poder de fato” (RAFFESTIN, 1993, p. 155). De concluir que a soberania é fonte qualificadora da capacidade político-jurídica à realidade nacional do Estado. Colhe-se que a eficiência de um Estado homogêneo, universalista, compreendendo um povo que se expressa na mesma linguagem, com tradições comuns e um território definido, que não experimenta situações como aquela dos povos de etnias diferentes, que se encontra em um mesmo território, em guerras constantes, com o fito de delimitarem seus territórios e enfim formarem seus Estados homogêneos. Neste tipo de situação a soberania torna-se inoperante. Também o conceito de soberania, tanto na sua manifestação substantiva quanto na adjetiva, parece hoje enfrentar uma “crise de identidade”, para tanto, basta se ver a invasão dos Estados Unidos no Iraque. Trata-se de um aspecto adjetivo da soberania. Com uma ressonância da Declaração da Independência, redigida por Thomas Jefferson em 1776, no preâmbulo da Constituição americana, constata que foi o povo que ordenou e promulgou a Constituição, para formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, desenvolver o bem estar geral e assegurar os benefícios da liberdade. Esta alegação preambular significa que não há poderes provenientes de outra fonte que não a vontade popular, nem se exercerão em outro nome. Porque assim 90 se caracteriza a república, na qual o povo rege soberanamente a sua Carta Política, elaborada por seus mandatários, com a declaração de que é um instrumento verdadeiro da democracia. As Constituições pós-guerra, de 1919 por diante, como a de Weimar, por exemplo, em seu artigo 2º dizia que o poder público emana do poder e que o “Reich” alemão é uma república. Não só ela, mais a da Áustria (artigo 1º), da Tchecoslovaquia (§ 1º), da Polônia (artigo 2º), da Grécia (artigo 2º), da Estônia (§ 1º), da República Espanhola (artigo 2º). Sob a afirmação desse sentido democrático da soberania do povo, “se entendiam que muitos reis tinham sido substituídos pelo império das massas, e diretamente, na praça pública, ou simbolicamente, por intermédio de seus representantes” (CALMON, 1956, p. 32). Passa-se então a entender o escopo fundamental das Constituições através da soberania do povo. Os interesses públicos sobrelevam os interesses particulares. As principais doutrinas celebram constitucionalmente o poder do povo. A de Locke, fundada no empirismo baconiano, era um pacto entre o povo e o rei; a de Rousseau, fundada no racionalismo individualista, era um contrato social firmado entre os indivíduos e a Barthélemy et Duez, fundada na moderna concepção sociológica do povo, revela uma supremacia declaração unilateral de vontade de povo, um agregado de grupos sociais, politicamente organizado. Desta forma, atende-se a verdadeira natureza da lei maior e ao papel do povo no Estado, “a Constituição é a suprema declaração da vontade popular, manifestada através dos legítimos representantes e mandatários do povo, que são os membros das Assembléias Constituinte” (JACQUES, 1962, p. 25). 91 Entretanto, não se pode deixar de se levar em consideração que mesmo o povo organizado politicamente nos espaços públicos, tem ele uma tendência, por questões de multiplicidades de idéias, a entrarem em um processo de conflito, evidentemente através de uma ética discursiva, seja de caráter subjetivo ou intersubjetivo. Nesse processo conflituoso, mesmo sendo em assembléias democráticas, onde todos visem o bem comum, é necessário um agente regulador que vise dar um equilíbrio nas matérias discutidas. Para isso, é tarefa de um Estado democrático regular “a resolução dos conflitos dos mais importantes grupos de uma sociedade através de instituições especiais que facilitam os debates entre grupos contrários e sua resolução” (ELIAS, 1997, p. 262). Conseqüência do processo da globalização acontece o fenômeno da perda da unidade e por via de conseqüência a fragmentação do poder estatal. Particularmente ao que concerne, como um primeiro prisma, a influência do Capital externo, que de maneira indireta exerce profunda influencia sobre o conjunto dos cidadãos ativos e passivos, através do próprio Estado. Um outro prisma, pode ser a pressão de entidades internacionais com repercussão direta (e imediata) nos quadros políticos nacionais. A soberania, alvo de críticas e acomodações conceituais, tem sido objeto de constantes tentativas de “relativização” que, embora ainda tida como um elemento do Estado, suas características são cada vez mais discutíveis e discutidas, e sua aplicação limitada por temperamentos de conveniência. (MILL,1995, p. 15) Com isso os Estados, considerados de “terceiro mundo”, periféricos das grandes potências, longe de uma realidade unívoca em sua dinâmica estrutural, 92 apresentam-se no contexto de um processo político dialético, cujos momentos resultam na acomodação ou justaposição de interesses díspares, mas de forte conotação multinacional. 2.4 O espaço mundial Não existe ainda um sistema global de povoação. O que existe são fenômenos de globalização, como processo de transformações das relações mundiais, através da Teoria da Transnacionalização. Decerto que, na década de 60 e 70 era corrente o emprego da expressão aldeia global, para se definir o mundo e a coexistência de suas várias soberanias nacionais. Na atualidade se discute, como por exemplo, a formação de comunidades supranacionais, a saber, o Mercosul, a União Européia e a Alca. Portanto, e desta forma, deve-se levar em conta, do ponto de vista da organização estatal, é a distinção entre os indivíduos nacionais e os estrangeiros encontram justificativas apenas para caracterização do que Friedrich Müller chama de povo ativo, ou seja, “o conjunto dos indivíduos titulares de direitos e deveres perante a ordem jurídica interna, fundada nos direitos e garantias constitucionais, como os direitos políticos, os relativos à seguridade social, enfim, aqueles que são intrínsecos ao exercício constante da cidadania perante o Estado, beneficiados pelas ações estatais, posto que sejam destinatários naturais destas” (MÜLLER, 1998, pp. 55-58). Ao contrário, os estrangeiros, provisoriamente albergados pela tutela de um outro Estado que não o seu de origem, porém sob as vistas da ordem internacional, 93 ainda não gozam plenamente das mesmas prerrogativas dos cidadãos nacionais do país. Essa constatação é, sem dúvida, preocupante, sobretudo nesse quadro da história. A tipificação conceitual do povo como sujeito de dominação decorre da idéia de consentimento, surgida na Inglaterra, no século XII, em período próximo à edição da Magna Carta, com a eleição pelo povo, ou parcela significativa deste, pelo menos, dos representantes para comporem o Parlamento, os quais tinham a função (que guardam ainda hoje) de deliberar sobre as relações sociais e limitar as ações estatais pelos critérios da legalidade, da moralidade e da probidade estatais. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 33) A idéia de representantes é moderna; vem-nos do Governo feudal, desse governo iníquo e absurdo no qual a espécie humana só se degrada e no Nas antigas repúblicas, e até nas monarquias, jamais teve o povo representantes, e não se conhecia essa palavra. (ROUSSEAU, 1973, p. 114) Independente de qualquer controvérsia tem-se a participação do povo na definição dos fins do Estado, não se restringindo apenas a eleição de seus representantes para o órgão legislativo, mas também como destinatários elaboradores dessas mesmas deliberações legislativas. Mesmo porque, e para se provar esse aspecto, há de se ver que, não estão excluídos os não-eleitores, ou seja, os indivíduos que têm direitos políticos relativos de elegerem ou serem eleitos representantes do povo. Pois mesmos eles estando em tal condição, têm influência sobre os aspectos políticos a serem discutidos. Se a Teoria Geral do Direito observa que as normas jurídicas são genéricas e abstratas, vedando-se destaques individualizadores e direcionamento mandamental, 94 sob a ótica do plano estático da norma, essa generalidade é entendida como sendo a destinação a todos os indivíduos tutelados pela ordem jurídica vigente no Estado. (BONAVIDES, 2001, p. 46) O povo tem trilhado um caminho ainda tortuoso na conquista de sua autodeterminação como sociedade civil organizada e detentora do poder estatal, ao se pretender a eficiência do Estado contemporâneo, sucessor do modelo liberal do Estado Moderno. Mas de toda análise resulta a certeza de que, ínsito ao conceito de Estado, o povo no sentido amplo da expressão, ou como querem outros, a nação, a comunidade ou simplesmente os cidadãos, mantém-se como fundamento sólido de toda sociedade soberana frente ao ordenamento jurídico internacional, quanto mais a um processo de globalização das relações entre os Estados. Na perspectiva da globalização dos meios de produção e informação – à exclusão de toda extensão que se pretenda com a soberania dos Estados, é crescente a relação de intersubjetividade entre indivíduos de diversos Estados soberanos. Desse fato, é inegável que a expressão povo começa a ganhar nova dimensão em conseqüência dos efeitos jurídicos mais abrangentes, na medida em que os direitos e garantias constitucionais inerentes à pessoa humana, como assegurados pelas ordens nacionais, são progressivamente estendidos aos indivíduos de origem estrangeira momentaneamente presentes no território do Estado hospedeiro. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 31) É evidente que, ao menos do ponto de vista dos direitos humanos, o fenômeno da globalização terá significado incontestavelmente positivo; a consagração efetiva dos direitos humanos, como preconizado pelo ordenamento jurídico internacional. 95 2.5 O fenômeno estatal e os fundamentos do Estado de Direito Embora postulado no século XVII pela burguesia com virtual oposição ao absolutismo, através da submissão dos governantes à vontade geral, resta lembrar que acabou por romper a democracia como simples forma de governo e como autêntico regime político. Então, a partir daí, deste rompimento, no século XVIII, emerge o Estado de Direito. A sua locução, todavia, somente foi cunhada em 1813, quando o jurista alemão Welcker distinguiu três tipos distintos de governo: despotismo, teocracia e estado de direito. Simone Goyard-Fabre, por outro lado, sustenta que a teoria alemã do Estado de Direito "encontrou sua forma científica no liberal Robert von Mohl", quando a sua obra Die Polizei-Wissenschaft nach den Grundsätzen des Rechtsstaates, publicada pela primeira vez em 1832, alcançou um razoável reconhecimento acadêmico. Nesta obra, Mohl considerou que o Estado de direito perfaria uma contraposição ao Estado absoluto, como protetor e encorajador do "desenvolvimento das forças naturais", mediante "uma garantia para a liberdade dos indivíduos"(MOHL (apud TAVARES), 1988, p. 24). Correlacionando à restrição do poder estatal, John Stuart Mill entende que, o Estado de Direito tem as seguintes peculiaridades básicas: a) soberania popular, revelada através de representantes políticos; b) sociedade política fundamentada numa Constituição escrita refletidora da visão sociocontratualista lockeana; c) consideração ao princípio do afastamento dos poderes, como ferramenta de restrição do poder governamental; d) autoridade dos direitos fundamentais, que foram primeiramente tidos como naturais e inalienáveis da pessoa humana; e) apreensão com o acatamento aos direitos das minorias; f) eqüidade de todos diante da lei, no que dá a entender em uma completa falta de privilégios de qualquer espécie; g) responsabilidade do governante, bem como temporalidade e eletividade deste cargo público; h) garantia de pluralidade partidária, eleições livres, e 96 liberdade de imprensa; i) ‘império da lei’, na acepção da legitimidade que se aplica à própria pretensão governamental. (MILL, 1995, p. 25) Com isso, assegurada à ordem jurídica do Estado moderno democrático, como forma de um conjunto funcional, como forma de garantir o Estado de Direito. Pela Democracia e o Estado de Direito serem realidades de caráter processual, devem ser incessantemente construídas, como tarefas permanentes no exercício político do conjunto dos cidadãos. Na democracia, como no Estado de Direito, não poderá haver supressão da vontade da maioria, para que, com isso, não se possa abolir os direitos humanos e fundamentais. É certo reconhecer que esse processo de construção tenha aspectos relativistas, pois tem de se lidar racionalmente com as indeterminações do desenvolvimento do espírito autocrítico do ser humano a as aporias irresolúveis da vida, assim como a existência do sistema pluralista dos grupos de interesses seria um evento normal e favorável em uma sociedade de seres humanos livres. Isso faz lembrar as palavras irônicas de Montesquieu, quando disse: “Meu Deus, porque será que nós temos sempre razão e os outros estão sempre errados”. A liberdade democrática dos contemporâneos apareceu no seio do humanismo político. Insurgiu nos séculos XVII e XVIII, a partir da riquíssima fluência dos movimentos revolucionários contra as regalias que persistiam desde a Idade Média. Do mesmo modo, teve-se aqui o nascimento de uma visão mais efetivamente cristã que arquitetaria o princípio universal da eqüidade, de serem todos os indivíduos indiferentemente avaliados como filhos de Deus, e, portanto verdadeiros ‘irmãos’ entre si. Com o seu adágio em amparo à liberdade, procuraria a supressão dos últimos resíduos do antigo sistema feudal, bem como da posse absolutista dos 97 monarcas, antes estruturado na conservação das prerrogativas nobiliárquicas. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 41) As liberdades democráticas, acreditando na natureza humana, aliada ao racionalismo moderno, estiveram profundamente preocupadas na salvaguarda das liberdades civis, refletidora da assistência aos chamados direitos naturais, através da concreta eliminação jurídica do arbítrio estatal. O Estado de Direito, no bojo destes episódios, vem a ser tanto a síntese como o produto de uma visão iluminista e determinante de potencialidades inerentes ao ser humano, mas que também necessitariam primeiramente da eliminação das barreiras externas à liberdade individual. A compreensão do Estado de Direito procuraria delimitar a ação estatal, distinguindo os direitos fundamentais, ressaltados sob o prisma da oposição ao poder discricionário dos governantes, e consagrando a própria teoria da anterioridade do direito natural. Com isso, pode-se finalmente separar o Estado da sociedade civil, de modo a se estabelecer uma esfera de atuação livre desta última, entendida como necessariamente intransponível pelo Estado, ao menos enquanto houvesse o vicejar da liberdade de atuação dos partícipes autônomos da sociedade. (TAVARES, 1988, p. 31) Então, para o legislador obter respeito às garantias constitucionais previamente constituídas, o Estado de Direito dar garantias e sujeita o governante às intenções gerais de justiça, igualdade e liberdade. Com isso, ou seja, com tais garantias, é evidente que ele não poderia atuar de maneira contrária ao chamado ‘espírito da lei’ que produz a proteção dos direitos resultados da natureza de seres racionais. 98 Além disso, se o Estado de Direito é um preceito delimitador não apenas da autoridade administrativa, mas também do próprio Corpo Legislativo, exigir-se-ia que a sociedade tivesse o livre acesso a um Poder Judiciário independente, imparcial e eficaz. Para a sua integral viabilidade, enfim, ficaria igualmente basilar o combate a todas as práticas estatais viciadas, privilegiadoras e lesivas aos membros da coletividade como um todo. Com efeito, o Estado não é nada ou é um órgão distinto do resto da sociedade. Se o Estado está em toda parte, ele não está em lugar nenhum. Resulta de uma concentração que destaca da massa coletiva um grupo de indivíduos determinado, em que o pensamento social é submetido a uma elaboração de um tipo particular e chega a um grau de clareza excepcional. Se essa concentração não existe, se o pensamento social permanece inteiramente difuso, ele permanece obscuro, e a característica distintiva das sociedades políticas inexiste. (DURKHEIM, 2002, p. 115) Dessa forma, tornava-se possível, conforme expôs Georgio Del Vecchio, conseguir a síntese maior do Estado de Direito através de uma expectativa efetivamente kantiana, onde verificou-se o dever do Estado de reconhecer o valor da personalidade e, por conseguinte, o dever de limitar a sua própria atividade, sempre que esta ameaçar destruir aquele valor maior. O Estado não deve, sobretudo, invadir o foro íntimo da consciência individual com exigências arbitrárias, nem tão pouco suprimir a iniciativa e a concorrência individuais. (VECCHIO, 1979, p. 28) Todas as revoluções, lutas do liberalismo clássico, ocorridas ao longo dos séculos, tais como a revolução Gloriosa Inglesa, a revolução Americana e por fim a revolução francesa, serviram para ensinar que o poder deve emanar e ser exercido 99 pelo povo, reconhecidos, evidentemente, pelos direitos fundamentais. Esses movimentos serviram ainda para firmar os limites da ação governamental e a consagração dos direitos naturais do indivíduo. Do mesmo modo, também, as funções públicas que são exercidas em nome do povo, são de mando necessariamente temporárias, eletivas e os governantes legalmente responsabilizados por seus atos. Se a validade de tais atos depende do consenso geral, é preciso também que todo e qualquer cidadão, sem exceções à regra, possua o justo direito de livremente manifestar a sua vontade individual. Para Ortega y Gasset “a rebelião das massas é a mesma coisa que o crescimento fabuloso que a vida humana experimentou em nosso tempo. Mas o reverso do mesmo fenômeno é tremendo; vista desse ângulo, a rebelião das massas é a mesma coisa que a desmoralização radical da humanidade” (ORTEGA Y GASSET, 2002, p. 160). Mais a frente ele diz que “de repente a multidão tornou-se visível, instalou-se em lugares preferenciais da sociedade” (ORTEGA Y GASSET, ibid., id.). 2.6 O Estado de direito e a ordem democrática Muito embora a ‘democracia dos antigos’ ficasse sintetizada à mera verificação da vontade da maioria dos cidadãos da sociedade, nos dias atuais esta simples verificação do posicionamento majoritário já não mais condiz com a plenitude da moderna realidade democrática. Afinal, não se poderia avaliar como democráticos os inúmeros regimes totalitários deste século XX, ainda que estes 100 tenham se fundamentado em fortíssimo apoio popular. Se assim não for feito, afinal, é porque a democracia moderna concebe uma democracia fundada nos princípios liberais do Estado de Direito. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 56) Segundo Hans Kelsen, a democracia moderna não pode estar separada da idéia de Estado de Direito, porque o seu princípio basilar é o de que o governo não deve interferir em certas esferas de interesse do indivíduo, que devem ser protegidas por lei como direitos ou liberdades humanas fundamentais". Com isso, observou o ilustre jurista, tem-se em vista que é através destes direitos que "as minorias são protegidas contra o domínio arbitrário das maiorias [...], a liberdade religiosa, de opinião e de imprensa pertencem à essência da democracia. (KELSEN, 1998, p. 42) De acordo com Kelsen, o que existe na democracia moderna é a concreta restrição do poder governamental. Cícero entendia que o poder governamental deveria ser calcado em uma autoridade inteligente com base na formação do Estado. “Toda constituição particular de um povo, toda coisa pública, e por isso entendo toda coisa do povo, necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente que sempre se apóie sobre o princípio que presidiu à formação do Estado” (CÍCERO, 1973, p. 155). O discurso proferido por Atenágoras, líder democrático de Siracusa, em defesa da democracia, quando falava aos jovens oligarcas de sua cidade, disse, primeiramente, que demos significa o Estado inteiro, e oligarquia apenas uma parte, e em segundo lugar, que os ricos podem ser os melhores guardiães da propriedade, mas os melhores conselheiros são os inteligentes, e os melhores para ouvir e julgar argumentações são os muitos. E na democracia, todos estes, quer agindo separadamente, quer em conjunto, têm participação igual: Some will say that 101 democracy is neither intelligent nor fair [ison] and that wealthy are best able to rule. But I answer first that the demos is the name for the whole people, while oligarchy names only a part. Second, though the rich are indeed the best guardians of the city ´s money, the best councilors are the intelligent, and the best judges of what they hear are the many(THUCYDIDES, 1993, p. 124-25). Tem-se aqui um ideal de uma democracia, onde os ricos têm o seu lugar, mas é papel dos mais inteligentes dar conselho e a decisão final está nas mãos do povo. A democracia deve ser compreendida como a consumação, não o substituto da visão liberal de Estado de Direito. Na mesma avaliação, um Estado não-liberal, onde todas as garantias individuais do Estado de Direito desaparecem, não poderia ser democrático em qualquer sentido significativo. Norberto Bobbio assegura a total compatibilidade do Estado de Direito com a democracia, podendo esta ser avaliada como um "natural desenvolvimento" dos princípios originalmente arquitetados pelo liberalismo político. Até porque, hoje, "Estados liberais não-democráticos não seriam mais concebíveis, nem Estados democráticos que não fossem liberais".(BOBBIO, 1994, p. 26) Finalizando a sua visão ressalta Bobbio que, “se é verdade que os direitos de liberdade foram desde o início a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade” (BOBBIO, Ibid., id.). Importa também enfatizar, que a relação entre democracia e Estado de Direito compreende características básicas do estado de legitimidade e do estado de 102 legalidade, como fundamentação teórica dos preceitos do ordenamento jurídico positivo, sobre ‘quem’ e ‘como’ se deve determinar num governo efetivamente democrático. Por isso, e perfazendo-se as condições substanciais de validade democrática, Sérgio Cadermatori assegura que, com o Estado de Direito, "nenhuma maioria pode decidir a supressão (ou não decidir a proteção) de uma minoria ou tão sequer de um só cidadão". Neste aspecto, prossegue o citado autor dizendo que, o Estado de Direito, entendido como sistema de limites substanciais impostos legalmente aos poderes públicos, visando à garantia dos direitos fundamentais, contrapõe-se ao estado absoluto, seja ele autocrático ou democrático. Nem sequer por unanimidade pode um povo decidir – ou consentir que se decida – que um homem morra ou seja privado de sua liberdade , que pense ou escreva, que se associe ou não a outros. (CADERMATORI, 1999, p. 56) 2.7 A Democracia, o Estado de direito e o Estado democrático de Direito O sistema democrático tem passado por várias alterações, decorrentes das necessidades naturais de mudanças sociais entre os indivíduos, e, com isso, tem apresentado falhas em seu sistema. Essas mudanças são alterações sociais da realidade vigorante, não podendo assegurar que tudo está prontamente assentado, em termos de fato social democrático, com o simples aproveitamento dos princípios liberais aventados pelo Estado de Direito. O Estado de Direito, mais do que um conceito jurídico é um conceito político. É uma idéia-força que subjuga os governantes à vontade geral e legal. Com isso, dentro das regras mínimas apresentadas pelo próprio Estado de Direito, há sempre 103 de haver um aumento efetivo do controle social sobre os atos governamentais e a própria possibilidade institucional de participação política mais direta de todos os indivíduos e grupos sociais, no que concerne à própria construção de uma esfera não estatal e deliberativa do poder proposto pela sociedade civil. Em conferências feitas na Universidade de Berlim sobre a relação do Estado originário com o reino da razão, Johann Fichte, dando um sentido puramente científico à categoria de povo, dividiu o Estado em duas categorias sociais fundamentais, a saber, o povo e os teóricos que eram os homens da ciência. Essas categorias não deveriam estar em lados oposto, posto que a mesma pessoa poderia ser teórica e também pertencer ao povo, portanto, devem entrecruzar-se. O homem teórico é fundamentado na ação, sem referência prática. O povo, pelo contrário, se “funda na insciência de seu próprio ponto de vista, porque não conhece outro, não tem contrário, o único que torna possível toda distinção” (FICHTE, 1973, p. 173). Fichte reconhece que o Estado de Direito deve ser o Estado de todos. Mas também reconhece que nem todos estão aptos para o exercício desse direito, sendo, portanto exigido de imediato, “uma formação de todos para esse fim, educação – uma educação esclarecida, à qual seja indicado o seu alvo determinado” (FICHTE, Ibid., id.). E ainda alerta que a “educação para a cidadania permanece unilateral: tudo está contido nela, contanto que seja pensada a verdadeira cidadania” (FICHTE, Ibid., id.). A modernidade trás dois aspectos distintos. De um lado, o Estado de Direito e do outro lado, a idéia da soberania popular. Alain Touraine diz que o Estado de Direito, “limita o poder arbitrário do Estado mas ajuda sobretudo este a constituir-se e a enquadrar a vida social proclamando a unidade e a coerência do sistema 104 jurídico” (TOURAINE, 1996, p. 35). Este Estado de Direito não está necessariamente associado à democracia. Ele tanto pode combatê-la como favorecê-la. A soberania popular prepara “mais diretamente a chegada da democracia, porque é inevitável passar da vontade geral à vontade da maioria, e a unanimidade é rapidamente substituída pelo debate, pelo conflito e pela organização de uma maioria e de uma minoria” (TOURAINE, Ibid., id.). Como se vê o Estado de Direito conduz a todas as formas de separação da ordem política ou jurídica e da vida social, ao passo que a idéia de soberania popular prepara a subordinação da vida política às relações entre os atores sociais. Segundo atesta Antônio C. Wolkmer é “a real participação de cidadãos neste poder político autônomo em relação ao Estado, de forma que se possa impedir os comportamentos autoritários ou meramente ilícitos dos governantes e ficar restabelecida a conformação destes às leis gerais e aos legítimos interesses da maioria” (WOLKMER, 1983, p. 39). Em outras palavras, a formalização do controle estampa-se na lei, limitandose esta ao controle social por meio da aplicação sistemática da força numa sociedade politicamente organizada. Tal padrão serve para aumentar o espaço público democrático e facilitar a atuação política mais direta do cidadão, responsabilizando as elites políticas e burocráticas, que de tal modo são bem mais dificilmente fiscalizados numa estrutura governamental de larga escala. O Estado somente poderá ser democrático se e quando o povo exercer efetivamente o poder por meios de seus representantes, ou em algumas circunstâncias, diretamente. Além disso, e, efetivamente sobremais disso, mister que direitos fundamentais constem das cartas políticas e sejam cabalmente respeitados. 105 Em conseqüência, o Estado de Direito é o Estado de legitimidade. (FIGUEIREDO, 1997, pp. 12-13) No referente à classe de espaço público, José Ribas Vieira destaca-o "como ponto importante para um melhor entendimento tanto de uma revisão do conceito de Ciência do Direito quanto a um questionamento dos fundamentos democráticos do fenômeno jurídico"(VIEIRA J. R., 1995, p. 12). Espinosa fundamenta o Estado democrático como sendo um regime político “em que a lei suprema é o bem-estar de todo o povo e não daquele que manda, quem obedece em tudo à autoridade não deve considerar escravo e inútil a si mesmo, mas apenas súdito. Por isso, a república mais livre é aquela cuja leis se fundamentam na reta razão” (ESPINOSA, 2003, p. 241). Conquanto instrumento legitimador do domínio estatal e promotor das liberdades públicas, o Estado de Direito, sob a visão do Estado de Legalidade ou o Estado Legislativo, faz-nos exigir o imperativo da formação positiva de preceitos juridicamente garantidos de efetiva atuação democrática. Neste aspecto, Jürgen Habermas concerne “à constituição de uma nova arena de discussão racional, na qual se realize a mediação entre o Estado e a sociedade, onde vai a opinião pública se organizar como livre portadora de opiniões racionais e diversificadas” (HABERMAS, 2003, p. 41). Portanto, se vê aqui uma implementação muito significativa do espaço público, de abrangência procedimental da soberania popular, que vem desde então procurando repensar as próprias fundamentações da teoria democrática. 106 De modo compreensivo, tem-se uma leitura de que essa constituição de uma nova arena de discussão racional implica na construção de um espaço axiológico em defesa dos direitos humanos, enfim, é pela indivisibilidade destes direitos, demandando inclusive que estes podem ser universalmente distinguidos no intercâmbio civil dos povos entre si. Dentro da própria extensão do Estado de Direito, a teoria desenvolvida por Habermas identifica o ‘papel emancipatório’ que o espaço público abre para a vida social, mediante a institucionalização de uma "formação radical democrática da vontade, através do respeito às normas de discurso racional"(HABERMAS, 2002, p. 41). A emergência do Estado de bem-estar social, em fins do século XIX, vai acelerar o processo de degeneração do espaço público", porque a intervenção paternalista do Estado desmobilizou os cidadãos, "que passam a se relacionar em face do aparelho estatal mais como clientes, na busca da atenção de suas necessidades materiais mínimas, do que como cidadãos – no sentido de ativos partícipes na formação da vontade coletiva. (MAIA, 1997, p. 25) Ricardo Lobo Torres entende que, "a explorar o conceito de ‘mundo da vida’ (Lebenswelt)", onde "se dá a comunicação intersubjetiva sob as regras éticas do discurso", muito embora este Lebenswelt defronte-se com "com os subsistemas reguladores da economia e do Estado"(TORRES R. L., 1995, p. 36). De fato, se buscar uma nova arena para as discussões racionais, desse espaço público, está baseada na teoria do agir comunicativo, pretexto pelo qual Habermas adota uma visão de eticidade kantiana calcada no paradigma da racionalidade comunicativa. É necessário, pois, resguardar o aspecto 107 verdadeiramente social do espaço público, restringindo-se o poder estatal através da implementação dos fundamentos básicos do Estado de Direito. Trata-se, de acordo com o jurista e sociólogo Vieira, "de utilizar os recursos da tradição democrática liberal para aprofundar a revolução democrática, sabendo-se que trata de um processo sem fim” (VIEIRA J. R., 1995, p. 14). No referente à maior legitimação do poder estatal, é necessário redefinir os seus próprios canais de comercialização com a sociedade civil, permitindo-se a institucionalização da participação da cidadania nas ações governamentais. Diversos países já contam com a existência de Conselhos, com a participação de representantes do Governo e da sociedade civil, para a elaboração de políticas públicas. Apontam na mesma direção o funcionamento de Câmaras Setoriais de negociação envolvendo atores interessados e autoridades governamentais, bem como os exemplos de orçamento participativo no plano local. (VIEIRA J. R., Ibid. p. 16) Tem-se de fato de dar maior vazão as relações existentes entre o povo e o governo, com apresentações de políticas públicas cujo desenvolvimento seja difundido como uma forma de atendimento aos anseios sociais. Essa relação de participação, ou essa comunhão de vontades, tem de ser valorada na perspectiva de um exercício de democracia, voltado sempre ao encontro da síntese do desenvolvimento, apesar dos aspectos de caráter heterogêneo. Esse esforço deve ser permanente para descobrir a unidade nacional entre as diferentes tendências que dividem a opinião pública. Ao escolher políticas públicas, políticos – que esperam permanecer em seus cargos – devem classificar em um ponto mais alto o impacto nos votos em relação 108 ao impacto de eficiência de cursos alternativos de ação. (MITCHEL; SIMMONS, 2003, p. 151) Essa busca da unidade entre o governo e o povo, ou seja, no contato entre governantes e governados, o empenho de se encontrar a síntese de todos os problemas nacionais, com a participação de ambos, e, somente com essa participação, é que, assim, poderemos ter uma boa performance governamental. Em analise perfecuntória, reconhecendo a importância que têm os governados na participação das decisões dos governantes, ressaltando as vantagens de produzir diversos fóruns de discussões junto à própria sociedade civil, descentralizando as decisões políticas da autoridade estatal, postulando controle efetivamente democráticos mais realistas, Richard Bellamy, esclarece-nos que “a participação política pode educar os cidadãos em uma percepção da dependência de suas relações sociais e de sua autonomia grupal e individual às regras e às disposições coletivas", além de desencorajar o oportunismo de alguns e as formas destrutivas do interesse próprio” (BELLAMY, 1994, p. 18). Em busca desse espaço público, de ideal de alargamento democrático, salienta Antônio Carlos Wolkmer que, mais do que nunca, em estruturas periféricas como a brasileira, marcadas por uma cultura autoritária, centralizadora e excludente, impõe-se identificar, como indissociável no processo de reordenação do espaço comunitário, a construção de uma verdadeira cidadania aliada ao desenvolvimento de uma democracia participativa de base que tenha como meta a descentralização administrativa, o controle comunitário do poder e dos recursos, o exercício dos mecanismos de co-gestão e autogestão local/setorial/municipal e o incremento das práticas de conselhos ou juntas consultivas, deliberativas e executivas. (WOLKMER, 1983, p. 40) 109 2.8 A representação política e a crise na democracia atual Muitos foram os defensores da representação política, como pressuposto ideal do estado democrático. Montesquieu foi um deles, ao afirmar que “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de usa autoridade” (MONTESQUIEU, 1973, p. 40). Em seu projeto de Paz Perpetua, Kant foi quem definiu melhor o caráter paradoxal da representação democrática ao dizer que “quanto mais reduzido é o pessoal do poder estatal (o número de dirigentes), tanto maior é a representação dos mesmos” (KANT, 2002, p. 131). Disse ainda que, “o que um povo não pode decidir a seu respeito também não o pode o legislador em relação ao povo” (KANT, Ibid., p. 91). No prefácio de seu livro Considerações sobre o governo representativo, John Stuart Mill, diz que tanto os Conservadores como os Liberais (se me é dado continuar a chamálos como a si o chamam) perderam a confiança nos credos políticos que professam nominalmente, enquanto que nenhum dos lados parece ter feito progresso no sentido de conseguir outro melhor. (MILL, 1995, p. 3) Professa ainda que, Todavia, deve ser possível semelhante doutrina melhor, que não seja simples acomodação mediante a divisão da diferença entre os dois, algo de mais amplo do que qualquer deles, doutrina essa que em razão da própria amplitude mereça adotada seja pelos liberais, seja pelos conservadores, sem que precisem renunciar a algo que sintam ser realmente de valia no próprio credo. (MILL, Ibid., id.) 110 Desta forma, é que através do consentimento do povo aos seus representantes, é que se tenta busca uma justiça política. David Hume reconhece a força desse consentimento quando assevera que “não tenho aqui a intenção de negar que o consentimento do povo, quando ocorre, seja um justo fundamento do governo; é sem dúvida o melhor e o mais sagrado de todos” (HUME, 1973, p. 230). Como se vê, estava assim configurada a situação ideal para a aceitação do instituto da representação política, tendo em vista sua capacidade de resolver problemas que incomodavam os atores políticos dinamizadores do espaço público e, ao mesmo tempo, proporcionava-lhes oportunidades de usufruírem mais poder, de acordo com as novas regras do jogo político. Thomas Paine entende que em um estado de natureza os homens são iguais entre si, mas não são iguais em poder. Deste modo, os fracos não se protegem contra os fortes, sendo necessário a proteção de uma instituição, a qual ele denomina de sociedade civil, com o fim de levar a cabo uma equiparação de poderes garantindo a liberdade de direitos: Siendo esto así, la institución de la sociedad civil tiene como fin llevar a cabo uma equiparación de poderes que será paralela y servirá de garantia a la igualdad de derechos(PAINE, 1990, p. 90). Para Paine a instituição do governo representativo surge através dos poderes delegados pelos indivíduos através da eleição aos seus representantes, já que todos os homens têm direitos iguais na forma de um governo e de suas leis que se há de governar e julgar, protegendo os direitos dos outros como proteção mais segura do que o seu próprio: y es aqui de donde surge la institución del gobierno representativo(PAINE, Ibid., p. 91). 111 Loewenstein afirma que “surgiram instituições representativas, quase simultaneamente, em diversos Estados da Europa ocidental, no final do século XIV, quando o feudalismo se extinguia” (LOEWENSTEIN, 1979, p. 58). Explica a simultaneidade, como “deliberada imitação ou, o que ele acha mais provável, em virtude do que denomina “lei da convergência”, embora não exista nada esclarecido sobre as origens dessas instituições” (LOEWENSTEIN,, Ibid. id.). Denota-se, com isso, configurada a recepção das técnicas representativas que desde muito tempo eram utilizadas na Igreja Católica e nas ordens religiosas, por organizações seculares. Não esquecendo que, a partir do século XVII, a representação foi engolfada pelo absolutismo monárquico. Traduzindo aspectos próprios do acesso ao poder, na espécie que sintetiza a plena ausência de representatividade, no caso, o absolutismo do rei, a representação política se inscreve no âmago da teoria constitucional, para traçar seus lineamentos e aparecer durante o período revolucionário, quando surgem nos Estados Unidos da América e na França, as primeiras Constituições escritas de Estados liberais, trazendo, assim, a representação política como forma de atividade democrática. Arnaldo Vasconcelos fazendo a identificação dos regimes democráticos das constituições modernas, nivelando o homem na qualidade de cidadão, eleitor e legislador, diz que “O Estado não recebeu qualquer Direito para si próprio, mas apenas o poder de representar o povo-cidadão no governo da coisa pública” (VASCONCELOS, 2001, p. 37). Nas palavras de Höofe, “o bem do Estado, não é a felicidade, senão o Direito, a comunidade racional de liberdade externa” (HÖOFE, 2005, p. 255). O povo tem a 112 força de escolher seus representantes. Estes têm o dever de exercer um papel fundamental no modo de governo frente a um sistema de representação. Assim, Kant reconhece que “nenhuma das denominadas repúblicas antigas conheceu este sistema” (KANT, 2002, p. 132). A teoria da representação política, afora o núcleo permanente dos valores básicos, comporta conceitos equívocos que têm implicado em muitas discussões e diferentes orientações entre os estudiosos. Na prática constitucional dos Estados, tal equivocidade é manifesta, podendo-se identificar as adesões dos textos a esta ou aquela corrente doutrinária. Para uma revisão e acompanhamento da trajetória do instituto jurídico da representação política, na teoria e na prática. (BONAVIDES, 2001, p. 62) No trato da representação por meio de partidos, o povo tem a segurança de representatividade, pois cada cidadão deverá pertencer, por condições ideológicas ou não, a um partido político. Fazendo isso, se associa com os demais companheiros, fazendo novos grupos, e constituindo um alicerce do conjunto de cidadãos. Assim, se “o povo for dividido em muitos corpos separados, poderá realizar debates com segurança, e evitam-se todos os inconvenientes” (HUME, 1973, p. 273). Quando um homem pertence a um partido, é capaz, sem vergonha ou remorso, de desprezar todos os liames da honra e da moral para servir à sua facção; apesar disso, quando um partido se constitui com base num ponto de direito ou de princípio, nenhuma outra circunstância permite aos homens dar mostras de maior firmeza e mais sólido sentido da justiça e da eqüidade. É a mesma predisposição 113 social dos homens que dá origem a estas manifestações contraditórias. (HUME, 1973, p. 239) Destaca-se, portanto, o quadro teórico matricial da representação política, quais sejam, os conceitos de soberania, mandato e sufrágio. Reconhecendo os fundamentos de liberdade por conseqüência do princípio da soberania nacional, a Constituição Federal francesa de 1791, em seu artigo 1º, reforça o que o artigo. 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, revelando o pensamento dominante no espaço público francês, sendo fruto das trocas argumentadas que nele se processavam, naquela época. Os princípios de Jean-Jacques Rousseau a respeito da soberania popular eram tão fortes, que ele não aceitava o caráter de representação dos deputados, mas dizia que o deputado não poderia representar o povo, mas apenas exprimir a sua vontade, depois de firmada e formulada. Esse tipo de argumentação, neste ponto, tornou-se fontes de acessíveis controvérsias, porque não foram aceitos como válidos e apropriados à racionalidade moral prática, inclusive se opondo ao Barão de Montesquieu, negando que a simples existência de deputados eleitos garanta às leis o selo de vontade popular. Dizia Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato Social, no capítulo XV, que “A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa” (ROUSSEAU, 1973, pp. 113-114). Participando ativamente do processo político, a nobreza e clero acusados por Rousseau de defender interesses particulares, não integrarem a vontade geral, já 114 que o regime francês se processava com a divisão em três Estado, um primeiro, um segundo e um terceiro, sendo este representado pelos habitantes dos burgos, com maior camada populacional. Desta forma, subsidiando a elaboração de uma teoria que aliou o ideário revolucionário aos interesses da elite política emergente, tendo Rousseau razão em dar raízes feudais ao parlamentarismo. Essa mesma argumentação será retomada no livro de Siéyes “O que é o Terceiro Estado?”, que a ela se juntou uma defesa de representação parlamentar, condenada por Rousseau, para estabelecer, ao menos na estrutura formal, o princípio e o funcionamento da Assembléia Constituinte revolucionária, modelo seguido pelas democracias, através de conceito que o Padre Siéyes deu à Nação, dizendo que é “corpo de associados, que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura” (SIÉYES, 1986, p. 69). As conseqüências jurídicas deste conceito são abaixo discutidas. Denota-se que, com isso, ou seja, com base no conceito desenvolvido por Siéyes, a titularidade do direito de soberania se deslocou do povo para a Nação. Esta entidade ideal passou a concentrar o poder do Estado. Estava operada a translação que, por seus desdobramentos jurídicos, garantia à burguesia o controle do poder político. Entre estes desdobramentos estão o direito do sufrágio individual e restrito, e o mandato representativo. Tem uma importância capital na histórica da França, porque ficou como um paradigma para os democratas, desempenhando um papel de guia que seus redatores não tinham, certamente, imaginado para ela”. O segmento democrata da Revolução só deixou para os pósteros, como herança do curto período em que empalmaram o poder, o texto da Constituição de 1793. 115 Cedendo ao peso da evidência histórica, o exemplo da doutrina francesa de representação política ao acatar o princípio da soberania nacional, desvinculou a relação dos representantes frente aos representados do modelo de relação instituída pelo mandato privado. Tal modelo não poderia ser aplicado na seara do direito público, porque significaria a admissão do mandato imperativo, que não condizia com os interesses liberais, porque coerente com a teoria desenvolvida por Rousseau da soberania popular. Passou então a ser analisada a incumbência do princípio de representatividade dentro da divisão do mandato, se de modo imperativo ou de modo representativo. Sendo este último aceito, predominantemente, pelas Constituições dos Estados da liberal-democracia. Por representação Max Weber entende primordialmente uma situação objetiva já considerada, nas quais as ações dos membros da associação são imputadas aos demais ou devem ser considerados como legítimos e vinculante: por representación se entiende primariamente la situación objetiva ya considerada en que la acción de determinados miembros de la asociación (representantes) se imputa a los demás o que éstos consideran que deben admitirla como "legítima" e vinculatoria para ellos, sucediendo así de hecho(WEBER, 1993, p. 235). Paulo Bonavides menciona as peculiaridades do mandato representativo, derivadas do mandamento da “duplicidade”, são a generalidade, a liberdade, a irrevogabilidade. Em conseqüência configurase a independência do mandatário, pois que não concebe uma região determinada, mas a Nação; tem autonomia de vontade para atuar de maneira livre, sem sujeição, porque é avaliado titular da vontade nacional soberana; e os representados não podem derrubá-lo, pois o mandato não está no domínio jusprivatista. (BONAVIDES, 2001, p. 310) 116 A representação imperativa se subsume ao princípio da soberania popular, por esta demonstração democrática o poder dos emissários é um poder que lhes é prestado pelo eleitorado, e a pretensão do governo se funda na ocasião em que o cidadão-eleitor converge para gerar a vontade do Estado. De acordo com esta concepção o país legal é apenas a emanação e a caricatura de um país real que preexiste a ele. Max Weber tecendo crítica política partidária do parlamento alemão dividiu o sistema de democratização parlamentar em ativa e passiva. Na democratização ativa, o líder político de massa é proclamado líder através da confiança e da fé que as massas depositam nele, como meio de sua própria demagogia, por causa de suas proezas parlamentares. Na democratização passiva de massa, não é ela quem produz o líder político de seu meio, mas é o líder que recruta seus seguidores e conquista a massa pela demagogia. Não se pode ignorar que no Brasil a crítica weberiana exposta é bem latente. Não na forma de divisão elaborada por Weber, mas como instrumento de união das duas correntes de democratização parlamentar. Alguns líderes políticos brasileiros, o que ora se denomina de líderes políticos de massas, adquirem confiança e fé na massa votante que proclama por suas atitudes funcionais como parlamentar. Por outro lado, alguns líderes políticos brasileiros, nascem do recrutamento de seguidores que servem, por sua vez, para recrutaram a massa e com isso indicá-lo na conquista de uma cadeira parlamentar, através do sufrágio. Nenhuma dessas democratizações seja ativa como passiva, como exposta por Max Weber, apesar dele dizer que “Na verdade, toda democracia propende nesta direção” (WEBER, 1974, p. 81) e que essa “técnica especificamente cesarista 117 é o plebiscito” (WEBER, Ibid., id.), não está presente o povo. É inconcebível ao povo realizar qualquer tipo de representação através da demagogia. Para o povo os interesses da democratização são protegidos de outra maneira que não através de um parlamento demagogo, e sim através de uma democracia representativa forte direcionada ao controle da atuação de cada parlamentar, por força de um sistema educacional de politização de todos os cidadãos ativos e passivos interessados no desenvolvimento do Estado. A distinção entre o mandato privado e o mandato representativo tem sido repetitiva na bibliografia que trata do assunto representação política. Uns aceitam a eqüidade da semelhança e outros a rejeitam. Na compreensão de Locke, no capítulo IX de que trata “Sobre os fins da sociedade política e do governo”, em sua obra sobre o Tratado de Governo, o encargo político fundamentado em uma analogia consensual e não em uma analogia contratual, o poder civil, como assim ele denomina, diferentemente do que habitualmente é atribuído a tripartição dos poderes, tem dois poderes o executivo e o legislativo, cujas relações constituem o objeto principal do debate em torno da organização do poder político. A idéia de relação consensual como fundamento do mandato político, se não tivesse sido atropelada pela corrente contratualista e jurisprivatista, teria afastado as polarizações e os radicalismos conceituais, porque o que é consensual é o que é aceito por um determinado grupo ou povo, em determinado tempo e lugar. Reale remete-nos à alteração fundamental que se processou no âmbito da teoria do Estado e da teoria do Direito Público, no apogeu do século XIX e início do século XX, por obra sobretudo, de mestres alemães. Eles concluíram que a Nação é 118 uma entidade sociológica que se estrutura numa personalidade que é o Estado. A soberania não é mais da Nação, mas do Estado. Traduzido, por um elemento abstrato, de matiz político, dando concreção aos denominados elementos perceptíveis (povo e território), a soberania é uma categoria histórica estatal. A atribuição da soberania ao Estado, viabiliza, através de vinculação político-jurídica, uma inexorável realidade efetiva, não suscitando, assim, novas dúvidas sobre a natureza jurídica da representação. São apresentados por Reale, duas novas teorias: a teoria do querer nacional e a teoria da representação como representação de interesses. As críticas em relação à primeira (trata-se de uma ficção, não é possível identidade entre o querer do povo, da comunidade, e o querer do representante), são semelhantes às que foram colocadas para o mandato imperativo. A segunda teoria — a da representação de interesses, apareceu, diz Reale que, quando se verificou a ficção da teoria da representação do querer. O representante, por ela, age por critérios próprios, mas não em função de seus próprios interesses e sim, dos interesses do povo. A questão do interesse está, desde o surgimento da representação política, envolvida em sua problemática. Basta lembrar o célebre discurso de Burke aos seus eleitores de Bristol e os Papéis dos Federalistas (Hamilton, Jay e Madison), que remontam ao século XVIII. (REALE, 2000, p. 162) Não se trata de nova teoria, porque sua pretensão é a mesma da teoria da soberania popular, com a diferença de que esta lidava com os conceitos de povo e nação, ao invés de povo e Estado. Oportuna é a colocação de Reale, quando fala do alargamento do conceito de representação, em função da pessoa do Estado. A representação não se reduz aos membros do Poder Legislativo; a dogmática jurídica alemã e a teoria geral do Direito Público alemão ensinaram que não é só o Parlamento quem representa o povo, mas 119 o Presidente da República, o Rei constitucional e o Judiciário também o representam. Para Nobert Elias “os Estados parlamentares multipartidários constituem um acontecimento marcante nos processos civilizadores e de formação do Estado” (ELIAS, 1997, p. 265). É, pois, a delegação popular a base do sistema democrático. Depois de realçado aspectos da representação política ligados aos conceitos de soberania e de mandato, há de se tecer considerações sobre o sufrágio. Por sufrágio entende-se como uma organização política do consentimento autorizativo popular, ou como dizem alguns autores, o processo legal de escolha de seus representantes. Portanto, com base neste conceito, vê-se logo que se trata de mandatos representativos vinculados à teoria da soberania. Enraiza-se na teoria da soberania popular. Por outro lado, o ato de votar se subordinava à existência de bloqueios à manifestação da vontade do cidadão. A função sufragante se realizava de forma pública, muitas vezes sem a exigência da pessoalidade, o que dava margem à prática da corrupção, coação e fraude. Já se vê, pois, que os representantes eleitos não recebiam o beneplácito da maioria. O sistema de restrição de voto consistia na exigência do eleitor possuir bens de fortuna. O eleitorado se compunha de pessoas, mais ou menos, da mesma categoria social, tendo interesses básicos comuns; os eleitos, por sua vez, eram integrantes deste mesmo universo. Por conseqüência, os parlamentos do século XIX eram compostos por notáveis, pessoas distinguidas que devido aos interesses comuns básicos, chegavam a um consenso em torno das questões apreciadas pelas câmaras. Pode-se observar que embora o sufrágio apresentasse tais características, assim mesmo, foi estruturada a teoria do mandato representativo, demonstrando 120 uma atitude cautelosa e preventiva da classe dominante. O povo, nas ditas liberais democracias, deveria ficar afastado do poder. Segundo William Mitchel e Randy Simmons em algumas “democracias, a unidade principal de contabilidade e meio de troca é o voto. Mas considere o voto em si como um análogo do dinheiro. Dessa maneira, o voto não pode expressar a intensidade de preferência de um eleitor” (MITCHEL; SIMMONS, 2003, p. 155). Na época do Brasil Império, vigorou a existência de uma renda anual mínima. No decorrer da segunda metade do século XIX, o movimento operário começou a se posicionar face às questões políticas, dentro do projeto maior de emancipação da classe e de conquista do poder. Neste contexto, resolveram lutar para obter o direito político do sufrágio, enxergando nele o meio não revolucionário de atingir seus objetivos. Na revolução democrático-burguesa da China, Sun Yat-sen, fundador do partido nacionalista, já controlando a cidade de Cantão, anunciava os três Princípios do povo que depois se constituiria nas três Grandes Políticas. Os três Princípios do povo eram o nacionalismo, democratismo e o bem-estar popular. As três Grandes Políticas eram a aliança com a Rússia, aliança com o Partido Comunista da China e ajuda aos camponeses e operários. Partindo dos princípios desenvolvidos por Sun Yat-sen, Mao Tse Tung criou uma forma de organização de poder, naquilo que chamou de um sistema de governo, com a participação popular, a fim de lutar pela derrubada do imperialismo e das forças feudais existente na China. 121 O estudo por ele desenvolvido, na criação de sua organização de poder popular, partia dos múltiplos sistemas de Estado existentes no mundo à sua época. Definia que os Estados se reduziam há três tipos de Repúblicas, uma sob a ditadura da burguesia, outra sob a ditadura do proletariado e por último sob a ditadura das classes revolucionárias. Das premissas republicanas, optou pela terceira já que nos “Estados modernos, o chamado sistema democrático é em geral monopolizado pela burguesia e se converteu simplesmente num instrumento de opressão contra o povo humilde” (MAO TSE TUNG, 1982, p. 165). Devido a essa opressão sobre o povo humilde, detentor do poder popular, Mao Tse Tung, denominando de ‘Nova Democracia’, sustentando o democratismo apresentado pelo partido nacionalista de Sun Yat-sen, disse que “o sistema democrático é bem-comum de todo o povo humilde; não deve ser propriedade exclusiva de um punhado” (MAO TSE TUNG, Ibid., id.). Esse sistema democrático “deve-se basear com sufrágio realmente universal e eqüitativo” (MAO TSE TUNG, Ibid., pp.165-66). E com isso, entendia que “só um sistema eleitoral assim dará a classe revolucionária uma representação de acordo com o lugar que ocupe no Estado” (MAO TSE TUNG, Ibid., p. 166). Para ele, isto consiste o centralismo democrático, ou seja, o espírito da nova democracia, permitindo ao povo expressar a sua vontade. Então, os movimentos políticos começaram a se formar e daí resultou a formação de partidos. Através desses veículos de representação política, merece destaque o Partido Socialista Alemão por seu pionerismo, por sua atuação relevante e, principalmente, por sua deliberação de participar das “regras do jogo” da democracia representativa. Sob o prisma dessa representação surgem os chamados 122 sistemas partidários que determinam a própria concepção interativa da relação entre o povo, na qualidade de titular, e os mandatários do poder público. Nisso, restou introduzido no sistema político elementos geradores de conflitos. Os parlamentares socialistas, por exemplo, eram porta-vozes de interesses diferentes dos da classe burguesa, críticos do sistema e demandantes de políticas públicas que se destinavam a melhorar as condições de vida dos trabalhadores. O Partido Socialista Alemão foi o primeiro partido de massas com estrutura e organização definidas. Michels em seu clássico livro sobre a sociologia dos partidos políticos, analisa seu funcionamento e aponta seus defeitos, que se não corrigidos, coloca o partido sob a “lei de ferro” da oligarquia dirigente. No contexto histórico deste século, analiticamente, os partidos políticos através dos sistemas partidários, em sua natureza jurídica, passam a ser institutos de direito público interno e institutos de concepção social. Com isso, e devido ao exercício de controle que os titulares políticos tinham sobre os seus mandatários eleitos debaixo de suas legendas, trouxe à discussão a natureza do mandato, não mais faceada ao instituto do mandato civil, mas a um mandato imperativo partidário. A tendência neste século tem sido a de desacreditar a representatividade das chamadas democracias indiretas, como algo mítico ou ilusório. Por todo este século, a representação política tem sido criticada, enfrentada e desacreditada. As críticas se radicam nos pontos vulneráveis que a teoria da representação contém e que aqui foram entrevistos. Conclui Offe que, estas “estruturas políticas parademocráticas servem para conter e despolitizar o conflito, conciliando tenuemente o que é funcionalmente necessário com o que é politicamente viável” (OFFE, 1989, p. 255). 123 Não se pode deixar de fazer menção que nesse período, viu-se florescer os mais diversos tipos de Estado, com os mais diferentes sistemas de governo e regimes de governo, com distintos sistemas econômicos, com formas de ideologia própria e particulares, no entanto, sem qualquer exceção, com um regime político democrático, que apenas variava no que tange, pelo menos em tese, ao grau e ao método formal. Desta concepção Raymond Aron extrai que um regime político é constituído por um setor de uma assembléia social, setor esse que comporta a característica singular do comando desta assembléia: Le régime politique est constitué par um secteur particulier de l’ensemble social, secteur qui comporte la caractéristique singulière de commander l’ensemble(ARON, 2003, p. 56). Assim nascem os chamados direitos políticos, como elenco de atividades e obrigações que o agora cidadão passa a dispor em uma sociedade democrática. “São direitos, porque em um governo do povo a participação do cidadão no poder político se cristaliza mediante a escolha daqueles que ocuparão dos interesses de cada um e de todos, caracterizando a democracia representativa como forma mais adequada ao governo das sociedades complexas” (HAGUETTE, 1994, p.39). Tal fato leva-nos a refletir sobre a complexidade da crise das instituições representativas. Parece-nos que existe, por um lado, uma publicidade manipuladora que procura deslegitimá-las, e não só isso, institui outros mecanismos políticos e/ou jurídicos para suprimir, subsidiar e condicionar a representação tradicional. Um destes mecanismos é a representação dos grupos de interesse, novo circuito de representação que está sendo utilizado pelo Estado, que concede status público aos grupos de interesses. Outro mecanismo que está sendo aplicado, concorrendo com 124 as instituições representativas é o da adoção, pelos textos constitucionais, de institutos da democracia semidireta. Apesar de tudo o exercício do sufrágio não operacionalizou o raciocínio de que uma determinada classe votaria em sua classe. Tornou-se, então impossível de conseguir maiorias parlamentares para uma determinada classe, abalando, desta feita, a estrutura do mandato representativo, na tentativa de vincular os representantes aos seus eleitores. Nota-se, porém, que os valores liberais passam a ser moldado em face do aspecto político. Se explicar este fato, a tendência seria interpretar que estaríamos diante de uma formação de modelo, que se refletiria nas condições político-jurídicas daquela época e lugar, ou seja, aqui, no século XVIII, instituído uma crise político, por força da própria formação do modelo ideal de Estado, através dos valores liberais, na busca do verdadeiro titular da soberania. Não interessa, por esse novo modelo, discutir se é o Estado ou a Nação o titular da soberania. Se a missão é representativa ou imperativa. Se o apoio é localizado ou universal. Disto só resta saber que o empenho atual reside no fato de saber quem de fato está preparado para exercer o múnus da representação pública temporária, porque é assunto pacífico a aceitação do apoio amplo. Para desnudar a crise da fixação do modelo liberal, teve-se uma revolução participativa do final da década de 60. De forma agressiva, os estudantes franceses, em maio de 1968, gritavam “abaixo às eleições”, estavam externando o desencanto com os canais convencionais de decisão política e o desejo de abrirem novas vias de comunicação política, em uma alienante sociedade de massas. 125 2.9 O Mandato político, a democracia e a análise do lugar público 2.9.1 A normatização do lugar público As exigências pessoais, a liberdade de expressão, a liberdade de associações, são condicionantes que levam os cidadãos a subirem à vida pública e a decidirem politicamente os seus desejos, as suas vontades. No início da modernidade, o espaço publico burguês foi civil. Depois entrou em um longo período em que os debates parlamentares e as grandes negociações sindicais estiveram presentes na vida pública. Com isso, os homens deixaram de ter confiança na sua capacidade de fazer história e fecharam-se nos seus desejos, na sua identidade ou nos sonhos de uma sociedade utópica. Agora, se tem uma nova cultura democrática, passando a existir numa reconstrução do espaço público e com regresso ao debate político, principalmente das políticas públicas. Pierre Boudier quando trata das condições formadoras da política, como sendo um lugar, por excelência, da eficácia simbólica da ação social capaz de produzir coisas e sobretudo grupos, reconhece a estrutura do povo como fonte de poder, já que o “grupo é feito por aquele que fala em nome dele, aparecendo assim como o princípio do poder que ele exerce sobre aqueles que são o verdadeiro princípio dele” (BOURDIEU, 2003, p. 158). Uma dos fatores para a discussão da crise de representatividade é o que se denomina de lugar público. Quando se fala em lugar público, a título de ressalva, 126 deve-se, de logo, lembrar da praça de agora, em Atenas, onde era o palco de grande discussão à esteira pública. Faz-se então necessário dar significado o que de fato se refere ao lugar público. No século V, em Atenas, o teatro gozou de maior liberdade de expressão do que em qualquer outro período na história. O povo se reunia, naquele espaço, para assistir as peças teatrais que versavam sobre os diversos assuntos públicos, inclusive à política. Mas antes disso, ou seja, de se analisar a questão da liberdade de expressão tratada num espaço público na Grécia antiga, basta voltar por um momento à história de Tersites, no canto II da Ilíada versículo 195 a 210, e observar à igualdade política entre os indivíduos. Eis a narrativa: Mas se via um do povo erguer a voz aos brados, com o cetro o ferroava e com palavras ásperas: “Homens de deus, acalma-te e calado escuta a voz dos que mais valem: ruim de guerra, sem garra, inútil da luta, imprestável no aviso. Na, Asqueus, não seremos todos reis aqui. De multicapitães não careceremos. Não é bom! Que um rei, um só, nos comande e encabece, a quem Zeus sinuoso outorgou cetro e lei”. (CAMPOS, 2001, p. 79) Mais à frente ... Ressentidos embora, os Aqueus gargalharam, uns aos outros dizendo divertidamente: “Ò deuses! Odisseu já cumpriu mil façanhas, príncipe em bons conselhos, ardiloso em guerra. Feito nenhum, porém, entre os Aqueus melhor do que realizou, calando a logorréia ao boquirroto de ânimo arrogante. Certo, nunca mais este insano afrontará os reis”. Assim falou a multidão. [...] Bom conselheiro, falou a todos na assembléia: [...](CAMPOS, Ibid., p. 83) Dessa narrativa homérica, se observa de fato a igualdade política entre os indivíduos, em uma assembléia o povo, em multidão, erguia aos brados o descontentamos com o governo. Não se observa só em Homero, como anteriormente dito, na peça As Suplicantes de Ésquilo, encenada por volta de 463 a.C., se encontra, como diz Stone, “uma palavra composta que designa o conceito de liberdade de expressão. 127 Ela contém duas raízes: eleutheros (“livre”) e stomos (“boca”). A ação transcorre no período arcaico, e constitui uma verdadeira lição de democracia – talvez a mais antiga exposição da idéia de que o governo legítimo é o que se baseia no consentimento dos governados” (STONE, 2005, p. 260). Ésquilo, aliás, se utiliza da liberdade de expressão na peça trágica Prometeu acorrentado (1170-1175), encenada em Atenas, aproximadamente a 458 a.C, quando IO sai correndo desvairada e o Coro diz Sim, era um sábio, um verdadeiro sábio, o primeiro dos homens cujo espírito pensou e cuja língua enunciou que se consorciar estritamente de acordo com a sua condição é realmente o bem maior de todos, e que jamais se deve ter vontade, quando se é apenas um artífice, de unir-se a um parceiro presunçoso por causa de sua riqueza e inebriado com sua linguagem. (ÉSQUILO, 2004, p. 37) Também se encontra em Antígona de Sófocles, apesar de se dá pouca importância política a essa tragédia, que “o povo não apenas tem o direito de se expressar mas também o de ser ouvido: o governante que despreza as opiniões do povo põe em risco sua cidade e a si próprio também” (STONE, 2005, p. 262). Eis o diálogo: Creonte: E por acaso não foi um crime que ela fez? Hêmom: Não é assim que se expressa o pensamento de nosso povo. Creonte: e caberá ao povo impor-me as leis que devo promulgar? Hêmom: Observe: teu linguajar parece o de um jovem inexperiente! Creonte: Estaria eu governando esta cidade em nome de outrem? Hêmom: Ouve meu pai: nenhum Estado pertence a um único homem! Creonte: E a cidade não pertence, então, a seu governante? Hêmom: Só numa terra inteiramente deserta terias o direito de governar sozinho! (SOFOCLES, 2002, p. 64) Outro poeta trágico que trouxe a questão da discussão democrática em um espaço publico, através do teatro, foi Eurípedes. Apesar de seu o mais jovem dos poetas, em Eurípedes, o homem comum entra em cena, diferentemente dos outros 128 poetas que tratavam mais das relações humanas com os deuses. Em Eurípedes, a democracia igualitária encontra sua mais completa expressão. Basta observar quando Teseu condenando a tirania, em As Suplicantes de Eurípedes (429 ss), diz que “sob leis escritas, a justiça é distribuída imparcialmente aos fracos e aos poderosos, o menor supera o maior se sua causa for justa. Assim, são as coisas “quando o demos é o senhor do país” (GUTHRIE, 1995, p. 120). Neste aspecto, irá se encontrar uma dimensão valorativa da liberdade de expressão na esfera pública, através do pensamento de Hannah Arendt, em sua obra intitulada A Dignidade da Política, no capítulo Filosofia e Política, no item o ‘doxa destruído’, auxiliando bastante o sentido de direcionar a atenção para a análise de aspectos que estão implícitos na concepção de lugar público, e tenham de ser destacados como elementos conceituais básicos. De fato, há de se considerar que, com o crescimento das cidades, houve um alargamento da esfera social foi provocando o encolhimento da esfera pública, culminando no reducionismo de público ser considerado sinônimo de estatal. Hannah Arendt resgata o entendimento greco-romano, atribuindo ao lugar público “às qualidades do que é visível, do que é visto e ouvido por todos e do que é comum a todos, embora cada um tenha seu lugar neste mundo comum” (ARENDT, 2003, p.59). Para se falar em um lugar público, é necessário se falar em liberdade e democracia. Hannah Arendt faz afirmações que entrelaçam liberdade e condição humana da pluralidade, dando sentido ao que ela chama de política, servindo, portanto, para organizar e regular o convívio de diferentes, não de iguais. A liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários 129 para o surgimento de um espaço entre homens, permitindo que todos se manifestem no lugar público, através do discurso e da ação. Desta forma, Hannah Arendt não vê identificação entre liberdade e soberania, identificando que “Se a soberania e a liberdade fossem a mesma coisa, nenhum homem poderia ser livre; pois a soberania, o ideal da inflexível auto-suficiência e auto-domínio, contradiz a própria condição humana da pluralidade” (ARENDT, 2003, p. 246). Mais adiante, Hannah Arendt explicita que a soberania sempre é espúria quando reivindicada por uma entidade única e isolada, quer seja a entidade individual da pessoa ou a entidade coletiva da nação. “A soberania reside numa limitada independência em relação à impossibilidade de calcular o futuro, e seus limites são os mesmos limites inerentes à própria faculdade de fazer e cumprir promessas” (ARENDT, Ibid., p. 257). Mesmo a moralidade que se afirma através de tratados e acordos validados pelo grupo, têm que se apoiar, pelo menos no plano político, na “boa intenção” de neutralizar os enormes riscos da ação, através da disposição de perdoar e ser perdoado, de fazer promessas e cumpri-las. A igualdade presente no lugar público é, necessariamente, uma igualdade de desiguais que precisam ser “igualados” sob certos aspectos e por motivos específicos. O espaço público estabelece a realidade do próprio eu, da própria identidade. Outrossim, estabelece a realidade do mundo circundante. Quando nos alienamos em relação ao mundo, há uma atrofia do espaço público. Diz ainda Hannah Arendt que o que distingue a era moderna não é, como pensava Marx, a alienação em relação ao ego, mas a alienação em relação ao mundo. Conforme Jürgen Habermas um fator que muito contribuiu para o que homem moderno ficasse alienado, foi a expropriação: “... a propriedade, em contraposição à 130 riqueza e à apropriação, refere-se a uma parte do mundo comum que tem um dono privado e é, portanto, a mais elementar condição política para a mundanidade do homem” (HABERMAS, 2003, p. 265). O lugar público, não é somente algo material, uma denominação de local. È antes de tudo, um onde transcende o ciclo vital das gerações, perpetuando os feitos dos grandes homens, constituindo-se na memória e no capital de um povo, conforme os ensinamentos de Hannah Arendt. Maquiavel, ainda foi mais além, dizendo que se o povo se engana, os discursos em praça pública existem justamente para retificar suas idéias; basta que um dos homens de bem levante a voz para demonstrar com um discurso o engano do mesmo. Pois o povo, como disse Cícero, mesmo quando vive mergulhado na ignorância, pode compreender a verdade, e a admite com facilidade quando alguém da sua confiança sabe indicá-la. [...] Se os tribunos devem sua origem à desordem, esta desordem merece encômios, pois o povo, desta forma, assegurou participação no governo. (MAQUIAVEL, 2000, p. 32) A literatura tem emprestado diversos sistemas de organização política e social através do povo. Para se ter uma idéia, na formação política e social de sua Icaria, uma cidade comunista imaginária, tomando a educação como a base de sua sociedade, os icarianos de Etienne Cabet, comunitariamente, se organizam em espaços públicos, para tomarem decisões, através de assembléias populares, acerca das leis e da constituição da comunidade, onde todos devem participar, inclusive, para eleger seus representantes em uma república democrática a qual se chega a comparar com a uma democracia pura, constituindo assim uma soberania popular: That the people are SOVEREING and that to the people alone belongs, with sovereignty, the power to draft, or cause to be drafted, their social contract, their 131 constitution, and their laws(CABET, 2003, p. 32). E mais: They delegate to a POPULAR ASSEMBLY the power to prepare their constitution and laws, and to an EXECUTIVE BODY the power to execute them(CABET, Ibid., p. 33). Por fim expressa que, Thus, our political organization is that of a democracy REPUBLIC; it is, in fact, an almost pure DEMOCRACY(CABET, Ibid., id.). Considerando o espaço como expressão de liberdade, Otfried Höffe diz que “o espaço é o lugar das massas americanas, elas próprias renovadas por uma liberdade garantida pela propriedade, pela apropriação e pelo direito novo” (HÖFFE, 2002, p. 215). 2.9.2 O espaço público e o programa liberal de representação política Em sua obra A inclusão do outro, Habermas, ao analisar a autonomia privada e pública sob o modelo ao executar o enfoque procedimental à elucidação do estado democrático de direito, verificou que Pelo fato de os cidadãos não poderem entender a constituição como projeto, o uso público da razão não tem o sentido de um exercício atual de autonomia política, mas serve tão-somente à manutenção pacífica da estabilidade política. (HABERMAS, 2004, p.88) Como se observa, o diagnóstico de uma estabilidade política, flutua entre ambas constelações estilizadas. Isto porque, como disse Jürgen Habermas ocorriam duas tendências que, também, dialeticamente inter-relacionadas, assinalavam uma decadência da dimensão pública: “ela penetra esferas cada vez mais extensas da sociedade e, ao mesmo tempo, perde a sua função política, ou seja, submeter os 132 fatos tornados públicos ao controle de um público crítico” (HABERMAS, 2003, p.167). Jürgen Habermas, continua seu raciocínio, dizendo que o projeto burguês de vincular toda atividade do Estado a um sistema normativo, na medida do possível sem lacunas e legitimado pela opinião pública, já almejava a eliminação do Estado, sobretudo como um instrumento de dominação. (HABERMAS, Ibid., p.100) Em uma revisão conceitual básica, o espaço público burguês tem sua expressão jurídica na forma do Estado burguês de direito, ao sentido objetivo de uma determinada Constituição política. As funções deste Estado burguês estão atreladas a normas gerais, adequando garantias jurídicas que Max Weber chama garantias de previsibilidade, segundo seus Estudos políticos sobre a Rússia de 1905 e 1917. Nessa perspectiva, as Constituições incorporam direitos fundamentais e princípios de organização política que atendem os interesses da esfera pública burguesa. Com o tempo, e por força da pressão das massas, nelas se inserem a extensão dos direitos políticos para os grupos que estavam marginalizados (operários e mulheres, principalmente) e os direitos sociais. A leitura das primeiras Constituições mostra que o conteúdo de seus textos se subsume ao modelo liberal da esfera pública burguesa. Como se vê, todos os princípios constitucionais levam a concepção de que o poder está centrado nas mãos do povo, nas mãos do conjunto político de cidadãos reunidos. Esta concepção trás um significado de que esse poder seria, então, “o assentimento dos participantes mobilizados para fins coletivos e, portanto, sua 133 disposição de apoiar a liderança política” (HABERMAS, 2001, p. 101). O que deveras ecoa um poder comunicativamente produzido nas convicções comuns investidos através das instituições estatais, apoiado pelo “fato de que os participantes orientam-se para o entendimento recíproco e não para o seu próprio sucesso” (HABERMAS, Ibid., p. 103). As instituições estatais são produtos de apoio do povo em um governo democrático, através de intercâmbio público de opiniões dentro de um espaço público. Em algum momento que o povo deixe de apóiá-las elas tendem a desaparecer. É assim que Thomaz Jefferson quis dizer quando afirmou que o “povo é o único censor de seus governantes, e mesmo seus erros tenderão a mantê-los adstritos aos verdadeiros princípios de sua instituição” (JEFFERSON, 1973, p. 41). Se não ocorrer desta forma, sem o intercâmbio público de opiniões dentro de um espaço público, estar-se-ia criando um elitismo democrático canalizando formas restritivas de participação política do povo, mesmo diante de uma população despolitizada, já que os “direitos de cidadania, direitos de participação e comunicação política são, em primeira linha, direitos positivos” (HABERMAS, 2004, p. 280). Com isso, não se vê nenhuma hipótese do poder estatal democrático ser a força originária do cidadão. Como apregoa Habermas a “força origina-se, isso sim, do poder gerado comunicativamente em meio à práxis de autodeterminação dos cidadãos do Estado e legitima-se pelo fato de defender essa mesma práxis por meio da institucionalização da liberdade pública” (HABERMAS, Ibid., id. ). Thomas Jefferson percebeu que seria um perigo para a república, caso certificasse restrições na participação do povo, diante de um elitismo democrático. 134 Esse perigo nota-se quando a “Constituição outorgara todo poder aos cidadãos, sem lhe outorgar a oportunidade de serem e de agirem como cidadãos” (HABERMAS, Ibid., p. 29). É desta forma que Jefferson advogava em favor de uma participação do povo em todos os ramos de governo. Considerava o povo como fonte de toda autoridade da nação, “como sendo livre para conduzir seus interesses comuns através de quaisquer órgãos que julgue adequado” (HABERMAS, Ibid., id. ). Dizia, em carta endereçada a John Cartwright, no ano de 1824, que “este pode exercê-lo em todos os casos em que se julgue competente para fazê-lo, ou pode agir pode meios de representante livres e igualmente eleitos” (HABERMAS, Ibid., p. 38). Mesmo porque segundo “concepção ‘republicana’, a política não se confunde com essa função mediadora; mais do que isso, ela é constitutiva do processo de coletivização social como um todo” (HABERMAS, Ibid., p. 278). Daí se extrai que os direitos de cidadania, de participação se dá também através comunicação política. Para o exercício da democracia, o povo necessita da existência de um espaço político unificado, para assentar na “criação livre de uma ordem política, na soberania popular, portanto, numa liberdade de escolha fundamental em relação a qualquer herança cultural” (TOURAINE, 1996, p. 98). Isso cria uma força que reside na vontade dos cidadãos de agirem de maneira responsável na vida pública, formando um espírito democrático através de uma consciência coletiva, afirmado pela ação política criando uma nova identidade coletiva. 135 O liberalismo político ou do Estado de Direito parte da instituição de que o individuo e a condução individual de sua própria vida precisam ser defendidos das intervenções feitas pelo poder estatal: “O liberalismo político permite ... que nossas instituições políticas contenham espaço suficiente para modos de vida dignos e que, nesse sentido, nossa sociedade política seja justa e boa” (HABERMAS, 2004, p. 122). O liberalismo, cujo ideário inspirara e apoiara a existência de uma esfera pública autônoma e crítica, demolidora do poder absoluto dos reis, depois de ser dominante, não tolerou a perspectiva de atuação de uma esfera pública que introduzisse no Estado burguês de direito a presença democrática das massas. Teóricos liberais como John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville se manifestaram sobre a necessidade da esfera pública ser controlada e sobre a conveniência das questões políticas serem decididas por um número relativamente pequeno de pessoas, criadas especialmente para essa tarefa. Tais pessoas seriam burgueses cultos e poderosos, que substituíam a aristocracia de sangue, e formavam um público de elite, cujo pensamento deveria determinar a opinião pública. Jürgen Habermas introduziu na temática do espaço público a questão da racionalidade, da razão, que lhe é tão cara. Mais adiante, ainda se referindo ao pouvoir — denominação que Montesquieu dá ao poder legislativo, ele diz que Pouvoir enquanto tal é posto em debate através de uma esfera que funcione politicamente. Esta deve levar a “voluntas” a uma “ratio” que se produz na concorrência pública dos argumentos privados como consenso sobre o praticamente necessário no interesse geral. (HABERMAS, 2003, p.102) 136 Assim, o poder de legislar não deveria ser expressão de uma vontade política, mas de uma concordância racional, votando-se para o pensamento de Locke e Montesquieu. Para ainda afirmar o princípio da publicidade até mesmo contra o poderio de uma opinião pública obscurantista, é preciso enriquecê-la com momentos da esfera pública representativa a ponto de poder formar-se um público esotérico de representantes. Em relação a ele, o público que só se deixaria representar, deveria limitar-se a, em regra, tornar objeto de seu julgamento mais o caráter e os talentos da pessoa a quem convoca para estatuir essas questões, e não às suas próprias questões, objeto de seu julgamento. (HABERMAS, 2003, p. 164) Desta forma há de se indagar se não existia um espaço público democrático que elaborasse a voluntas em ratio, através do processo de trocas argumentadas entre as pessoas, de que maneira decidiriam sobre o que concernia ao interesse geral? O espaço público politicamente ativo no Estado liberal, ao invés de um instrumento de libertação foi pervertido numa instância da repressão, com o liberalismo só podendo, de acordo com sua própria ratio oferecer publicidade à própria opinião. Para isso, empregou medidas restritivas para assegurar influência a uma opinião pública que, em relação às opiniões dominantes, acabou sendo minoria. As medidas restritivas atingiram as instituições ligadas à representação política. Dentro deste contexto, a organização política do consentimento autorizativo popular, que traduzia o meio pelo qual se manifesta a vontade do povo, quanto a sua formação do corpo eleitoral, pelo sufrágio universal absoluto e restritivo, deveria ser afastado da prática constitucional. Acompanhando a trajetória do liberalismo que 137 atingiu seu apogeu na metade do século XIX, o espaço público burguês, que se tornara diretamente o princípio organizatório dos Estados de direito burgueses, assumindo a forma parlamentar de governo. Cem anos depois, dissolvida a relação originária entre esfera pública e esfera privada, a esfera pública burguesa é decomposta. Mangabeira Unger tem uma visão de que o estabelecimento de dois poderes governamentais, o parlamentarismo e o presidencialismo, eleitos por sufrágios universal direito, é uma das disposições que associada a decisão de tornar um governo ativo, no caso o gabinete parlamentarista, caracterizam esquemas de um constitucionalismo emergente. Esse sistema dualista depende de três ideais institucionais. “A primeira era o esforço de maximização dos aspectos populares da democracia indireta”. “A segunda idéia foi a tentativa de dar ao governo no poder a iniciativa da decisão, permitido-lhe apoiar-se no presidente ou no parlamento e evitar a queda automática ou imediata por ter perdido o apoio de um dos dois”. “A terceira idéia institucional limitou a segunda e lhe permitiu operar sem ameaçar a primazia do apelo ao eleitorado de massa reconhecido pela primeira idéia” (UNGER, 2001, p. 309). Portanto, se extrai, desse esquema constitucional emergente, que o sufrágio universal está e deverá estar sempre presente em qualquer sistema democrático à operacionalizar o poder como princípio e fonte de poder, tornando possível quaisquer ação governamental, dando capacidade de se agir com eficácia, independentemente do consenso entre os poderes do Estado. Como conseqüência, o processo de intervenção do Estado na esfera privada eliminou a separação rígida entre setor público e setor privado, trazendo 138 disfuncionalidade para a esfera pública burguesa, ao retirar-lhe o papel de mediadora entre o Estado e as necessidades da sociedade. Jürgen Habermas afirma que surge, então, uma esfera social repolitizada, que não pode ser submetida, nem sociológica nem juridicamente, sob as categorias do público e do privado. Neste setor intermediário se interpenetram os setores estatizados da sociedade e os setores socializados do Estado sem a intermediação das pessoas privadas que pensam politicamente. (HABERMAS, Ibid., p. 208) Aparecem no espaço público político as organizações privadas e públicas, instituições que privilegiam o coletivo em detrimento do individual. O público, no jogo de poder que se desenrola entre os grupos de interesses politicamente atuantes e os partidos, só esporadicamente é chamado a participar para desempenhar uma função aclamativa. A constatação de Habermas é a de que “a referida imbricação de Estado e sociedade, que resultou da ocupação do espaço público pela massa dos nãoproprietários, retirou à esfera pública a sua antiga base, sem lhe dar uma nova” (HABERMAS, Ibid., p. 209). Jürgen Habermas fez esse diagnóstico, baseando-se nos fatos ocorrentes no final da década de 50. Hoje, ele admite que Nos centros urbanos delineiam-se os contornos de um trânsito social marcado simultaneamente por formas de expressão socialmente diferenciadas e estilos individualizados de vida. Não se sabe ao certo se nessa “sociedade da cultura” espelha-se tão-só a “força do belo malutilizada” para fins comerciais ou de estratégia eleitoral, uma cultura de massas privatizada, semanticamente depurada — ou se ela poderia representar o campo de ressonância de um espaço revitalizado, onde brota a semente das idéias de 1789. (HABERMAS, Ibid., p. 210) 139 Não há um público que faça a crítica da dominação e nem um público que informe a fundamentação legislativa. A publicidade se torna predominantemente demonstrativa, pois inclusive o jornalismo, de crítico passa a ser manipulador. Percebe-se em Jürgen Habermas, sobre soberania popular como procedimento, seu interesse em descobrir como em geral teria de ser pensada hoje uma república radicalmente democrática, caso pudéssemos contar com o apoio de uma cultura política de ressonância — não uma república que aceitamos como patrimônio a partir de uma visão retrospectiva das heranças propícias, mas uma que executamos como projeto na consciência de uma revolução que se tornou a um tempo permanente e cotidiana. (HABERMAS, Ibid., p. 101) Afirma ele, que o projeto do Estado de direito democrático, esta condicionado à institucionalização aprimorada, passo a passo, do procedimento de formação racional da vontade coletiva, procedimento que não pode prejudicar os objetivos concretos dos envolvidos. Cada passo neste caminho tem efeitos retroativos na cultura política e nas formas de vida; todavia, sem o concurso não intencional destas [formas de vida] não podem surgir formas de comunicação adequadas à razão prática. (HABERMAS, Ibid., p. 112) Então, na visão habermasiana, se deduz que a representação política de uma república democrática não pode estabelecer a separação entre governantes e governados. Muito pelo contrário, os canais de comunicação entre uns e outros devem estar sempre abertos, perdendo significado a contenda travada em torno da dicotomia mandato imperativo versus mandato representativo. Não só porque o mandato imperativo não assusta mais ninguém, com pelo fato da dicotomia excludente não se aplicar mais: o representante, mantendo contactos com suas bases, decidindo depois de discutir as questões, têm um mandato consensual que, dependendo do acordo de vontades, ele exerce ora com mais, ora com menos liberdade. 140 CAPÍTULO 3 - GOVERNANTES E GOVERNADOS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO As instintivas massas humanas não se movem senão pela imaginação e pelo sentimento: a lógica persuade o homem culto, mas não converte o simples. Um apelo à Liberdade e à Justiça feito em estrofes que reduzem como as antigas “vozes do céu”, arrebatam turbas que longos volumes de filosofia deixariam indiferentes. Quando ser quer fazer marchar um regimento não se explica, com a sutileza de um protocolo, os motivos que levam à guerra: desdobrase uma bandeira, faz-se soar um clarim, e o regimento arremete. (Eça de Queiroz) Dentro do âmbito de atuação, englobando as categorias básicas de povo, Estado e soberania, traduzindo um conjunto de métodos de organização para o acolhimento do bem comum, de acordo com o aspecto técnico-jurídico, as três categorias apresentam conceitos diferentes. Observa-se que, apesar da consolidação de uma tendência em direção a um capitalismo social dentro de uma democracia constitucional, as informações de povo e Estado, aparecem, com exatidão, os contornos rudimentares que compõem a realidade fundamental do Estado. Partindo-se da constatação do modelo capitalista social agora com nova roupagem e características, significando o neoliberalismo, de certa forma realizada através de um processo crescente de uniões de bloco de países, como fator primordial do próprio sistema do Estado, projetando uma realidade política, esta encontrará o seu fundamento na solidariedade do povo como grupo social, presa por vínculos culturais desenvolvidos nas fronteiras da porção territorial precisamente delimitada. É certo que não se encontra unanimidade quanto aos elementos que concorrem para o surgimento do Estado neoliberal. 141 Para grande parte dos autores de relações internacionais, nada mais seria do que o resultado natural da imposição do unilateralismo da nação líder quanto a sua concepção econômica, política e cultural, descompreendendo à pretensa simplicidade conceitual da soberania e da territorialidade. É suficiente que se constate o império soberano de uma ordem nacional sobre um território para que haja o Estado. Ataliba Nogueira entende “ser necessário acrescer às três expressões de herança clássica: o povo, território e soberania (aí compreendidos o poder e a autoridade) um quarto elemento, o poder” (NOGUEIRA, 1985, p.36). No caso o poder é intrínseco ao exercício da soberania. No esclarecimento de sentido político, povo são indivíduos que convivem baseados nos princípios da soberania e da distribuição eqüitativa de poder, caracterizado em sua essência pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão de poderes e pelo controle da autoridade, em um determinado espaço físico sob um sistema de organização política e administrativa. Dessa interação de individualidades, na força de sua manifestação coletiva, sobrelevam os cidadãos, que são os titulares de direito público subjetivo que lhes assegura o direito de interferir no processo decisório da organização política (ius honorum). Essa ação concertada no agir responsável e livremente expressado pelo exercício pleno da soberania nacional é decisiva para o atendimento das necessidades comuns da sociedade. De sorte que a força estará sempre ao lado dos governados, mesmo em governos despóticos e totalitários, pois a opinião produzida pelo povo nos espaços públicos é reconhecida por todos os governantes. ”Se investigarmos através de que meios se consegue este prodígio, verificaremos que, como a força está sempre do 142 lado dos governados, os governantes se apóiam unicamente na opinião. O governo de assenta, portanto, apenas na opinião; e esta máxima se aplica tanto aos governos mais despóticos e militares como aos mais livres e populares” (HUME, 1973, p. 239). O povo quando governado deve saber dividir o poder com os governantes, e assim que seja do contrário, os governantes também devem saber dividir o governo com o povo, pois quando isso não ocorre estar-se-á diante de governos autoritários, não constituindo um governo bom nem para um e nem para o outro. “Todos os governo livres devem ser formados por dois conselhos, um menor e um maior; ou, por outras palavras, pelo senado e pelo povo. Ao povo sem senado, conforme observa Harrington, faltaria prudência; ao senado, sem o povo, faltaria honestidade” (HUME, Ibid., p. 273). A manifestação da legitimidade da representação política do povo se faz, institucionalmente, governo, criando um sistema de co-participação das responsabilidades nacionais, como resulta o Estado de Direito. Os direitos associativos individuais, tais como à vida, à igualdade (isonomia), à liberdade, à segurança, à propriedade e à nacionalidade, tratados como uma das formas mais originárias de garantia dos direitos do povo foi incorporado pelo Estado constitucional de Direito como expressões particulares de alguns de seus princípios constitucionais, como a supremacia constitucional e a rigorosa sujeição do Estado ao direito. O imperativo de que o poder se expresse mediante direitos genéricos, aludido a um grupo genérico de direitos inerentes ao homem como indivíduo ou ser coletivo, tais como os direitos individuais, coletivos e difusos, abstratos e vinculantes para o 143 povo, também é válido para os poderes públicos. Assim como o povo não pode desatender às determinações constitucionais, também as instituições governamentais não podem, a nenhum pretexto, desatender ao que manda o direito, ignorando os legítimos anseios do povo. Este, o elemento significativo e preponderante do valor do povo, sentido que não pode ser vulgarizado, porque tributária a idéia de Estado. Não obstante, esta dependência em relação à vontade de outros e esta desigualdade não se opõem de modo algum à sua liberdade e à sua igualdade como homens, que, em conjunto, constituem um povo; ao invés, atendendo somente às suas condições, este povo pode constituir-se em Estado e entrar numa constituição civil. (KANT, 2005, p. 181) Hans Kelsen frisa que “o povo constitui-se no âmbito pessoal de aplicação do direito do Estado” (KELSEN, 2000, p. 41), ou seja, na visão de Jorge Miranda “o conjunto dos destinatários, por excelência, da ordem jurídica estadual” (MIRANDA J., 1993, p. 211). Como se vê, para valorar o Estado, é necessário estabelecer referência às relações políticas mantidas entre os homens. Do ponto de vista de metodológico, na obtenção de generalizações a partir de fatos isolados e na explicação de fatos particulares a partir do exame de casos genéricos, a ciência política utiliza-se do método clássico de indução e dedução, além da analogia, quanto ao estudo do povo, composto por um conjunto de indivíduos, no direito constitucional. Esses estudos traduzem elementos basilares e representativos da convivência humana em sociedade, principalmente no papel que o povo deve ter frente ao Estado. 144 Ao direito, especificamente o constitucional, comporta o exame das características formais dos direitos e deveres consagrados no acervo normativo estatal. Nesse aspecto, não se pode deixar de assinalar que a vida política e os próprios fatos políticos, sempre foram objetos de observação e reflexão da Ciência Política, tocando indagar como a ação concertada do homem é determinante para o exercício do poder ou é, por ele, afetado, evidentemente levando em consideração a sua participação em um grupo mais amplo. Na concepção de modelos analíticos de verificação empírica, o que se designa de povo, enquanto idéia de nação, não encontra mais cabimento científico, porque dado absolutamente dispensável, em razão da falta de uniformização de vontade separada pelos diferentes níveis econômicos e culturais da população. A ênfase atual desloca-se para a consideração da realidade interativa das classes ou grupos de interesse classificadores da população, esses sim, próprios para efeitos de análise política. A distinção possível de ser estabelecida entre o povo – elemento essencial de titularidade da soberania – e o Estado – realidade política juridicamente organizada que se manifesta pelos seus órgãos habituais (legislativo, executivo e judiciário) – encontra fundamento para a determinação da estrutura básica da positividade constitucional (especialmente na legitimação das ações administrativas) e suas características estruturais da organização estatal. (GORDILLO,1984, p. 45) Neste sentido, nos Estados ocidentais, a Constituição resulta do exercício de um direito subjetivo e soberano imanente ao povo soberano para dar molde a uma expressão política com efeitos jurídicos. 145 Bobbio entende que “uma boa constituição democrática dá a todos os cidadãos maiores de idade o direito de votar. Mas não diz em que partido eles devem votar. Se o fizesse, não seria uma boa e sim uma péssima Constituição” (BOBBIO, 1999, p. 189). Uma Constituição, no edifício complicado e exagerado do Estado contemporâneo, mesmo quando perfeita, mostra apenas a fachada. (BOBBIO, Ibid., p. 190) Em substância, Claude Lefort, expressa que uma “constituição que tenha uma cabeça republicana, porém, sendo ultramonárquica em todas as outras partes, sempre me pareceu um monstro efêmero. O vício dos governantes e a imbecilidade dos governados não tardariam a levá-la à ruína; e o povo exausto de seus representantes, e de si mesmo, criaria instituições mais livres ou em breve voltaria a se estender aos pés de um senhor absoluto” (LEFORT, 1991, p. 45). As correntes explicativas do fenômeno estatal sugerem que para a sua legitimação, pelo menos relativo a seus atos, depende de sua perfeita adequação às finalidades e à consciência de seus fins, ou seja, para adquirir a sua parte de autonomia deve primeiro refletir sobre o grau de autonomia de seu povo, que, de acordo com sua tendência ideológica, estabelece livremente os princípios reitores de sua organização política e escolhe seus representantes. Tarciso Leite sai em defesa, seja na teoria e na prática, não de um ‘terceira via’ da democracia, mas sim, como ele denomina, de uma democracia alternativa, seja social ou líbero-social, contento 4 (quatro) pontos fundamentais, sendo um de natureza ideo-filósofico, outro político, outro social e por fim o econômico. Dizendo que, 146 Os primeiros, de natureza ideológica e filosófica, resumem-se num conjunto de idéias, de princípios normativos que orientam a formação teórica e a ação dos líderes e dos militantes de uma sociedade, de seus indivíduos, grupos, organização e instituições; de governantes e governados. (LEITE, 2002, p. 81) Assim, ainda que se considere que os governantes tenham sua origem no conjunto de cidadãos (povo), os governados têm reconhecido as suas qualidades específicas na separação de funções. Os governantes governam na conformidade disposta na Constituição e nas leis às quais devem estrita observância. Então a essência desse fenômeno político, ou seja, aquele designado pelo termo de participação dos governados no governo, torna-se um elemento democrático do estamento governamental. O Poder é atributo de mando outorgado aos governantes por ordem dos governados, o povo. 3.1 A soberania em face da globalização O fenômeno da globalização tem contribuído de sobremaneira, para impor efetivas restrições à esfera de influência das várias soberanias nacionais. Isto passa a constituir em uma realidade dos tempos atuais, modificando sensivelmente as relações internacionais em seu contexto mais amplo. Salientando que esse fenômeno não mais se restringe à variável econômica, apesar dela ter sido um dos fatores para dotar amplitude e abrangência. Muitos pensam que por causa deste fenômeno, a soberania caminha para a sua erosão, assumindo a teoria da transnacionalização, acarretando uma mudança 147 de valores e conseqüentemente novos ordenamentos legais nas relações humanas se encarregando de operar transformações cruciais no entendimento e no próprio papel da soberania. Celso Ribeiro Bastos trata esta questão como poder insuperável do Estado, pois acima dele não existe outro, quer seja na área internacionalmente ou internamente. Expressa que a soberania é o atributo que se confere ao poder do Estado em virtude de ser ele juridicamente ilimitado. Um Estado não deve obediência jurídica a nenhum outro Estado. Isso o coloca, pois, numa posição de coordenação com os demais integrantes da cena internacional e de superioridade dentro do próprio território, daí ser possível dizer da soberania que é um poder que não encontra nenhuma outro acima dela na arena internacional e nenhum outro que lhe esteja nem mesmo em igual nível na ordem interna. (BASTOS, 1998, p. 284) Por sua vez, no que concerne à questão da autonomia diz ainda o citado autor que “é a margem de discrição de que uma pessoa goza para decidir sobre seus negócios, mas sempre delimitada essa margem pelo próprio direito” (BASTOS, Ibid., p. 284). Não se pode deixar de ter em mente, que, independentemente de controvérsias, que o fenômeno da globalização, sob a ótica da soberania, como processo de transformação das relações mundiais, possui natureza diversa do fenômeno da extraterritorialidade, sobretudo, porque a um relativismo de voluntariedade no sentido de se restringir o alcance da projeção da soberania nacional. 148 3.1.1 Abordagem histórica da soberania Neste contexto, torna-se necessário abordar um breve histórico a respeito da soberania. A soberania tem princípio na natural evolução das fronteiras como um limite material e territorial ao exercício de um poder. Logicamente antes de se exercer o poder este tem de ter legitimidade tem de ser soberano. Conforme Ferreira Filho “[...] o Estado no sentido estrito da palavra, surge na História no exato momento em que certos monarcas, como os franceses, se afirmaram detentores do mais alto poder, recusando sujeição quer ao papado quer ao império” (FERREIRA FILHO, 1990, p. 4). O principado civil de Maquiavel é obra de duas tendências diversas entre governante e governados, entre o príncipe e o povo. Nasce do fato de que “o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo” (MAQUIAVEL, 1973, p. 45). No conflito destas tendências, o príncipe é um cidadão que só se torna príncipe de sua pátria pelo favor de seus concidadãos, “digo que se chega a esse principado ou pelo favor do povo ou pelo favor dos poderosos” (MAQUIAVEL, Ibid., id.). Neste caso, o povo, por sua vez, se se sentir incapaz de resistir aos grandes, “dá reputação a um cidadão e o elege príncipe para estar defendido com a sua autoridade” (MAQUIAVEL, Ibid., id.). Como se vê, no principado civil de Maquiavel, existe um sistema de ascensão, pois o povo credita a um cidadão de seu conjunto, por amizade, a se tornar um príncipe mediante o seu favor, uma vez que não deseja ser oprimido, 149 “porque o objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos” (MAQUIAVEL, Ibid., p. 46). Assim, “o povo se converte em seu amigo, como se tivesse sido conduzido à posição de príncipe graças a seus favores” (BONAPARTE, 2002, p. 92). Aliás, neste aspecto, Napoleão Bonaparte concluiu que “para um príncipe é necessário contar com a amizade do povo, caso contrário não haverá soluções na adversidade” (BONAPARTE, Ibid., id.). Depois de Napoleão, na Europa, inaugurar gradualmente o regime representativo. Primeiro na França e depois nos países do centro e do ocidente europeu, advindo das idéias herdadas da antiguidade clássica e adaptada as necessidades da sociedade do século XIX. Gaetano Mosca entende que assim se alcançou, na metade do século XIX, um novo tipo de organização política que se pode definir como Estado Rrepresentativo moderno: Y se alcanzó así, poço antes o poço después de la mitad del siglo XIX, el nuevo tipo de organización política que se puede definir como el Estado representativo moderno (MOSCA, 2004, p. 251). A burocracia e o sistema eletivo tornam-se as principais características do Estado representativo moderno. Assim, la democracia debe admitir que el mejor gobierno es el que emana del consenso de la mayoría numérica de los conciudadanos(MOSCA, Ibid., p. 255). Nesse sentido: Hay uma casi perfecta armonía entre el ordienamento político presente e lãs condiciones de la civilización del siglo que lo vio nacer e vivir(MOSCA, Ibid., p. 251). 150 Émile Durkheim diz que "a estrutura política de uma sociedade é, pois determinada pela forma pela qual se afastam ou se aproximam governantes e governados"(DURKHEIM, 2002, p. 39). Não se pode deixar de registrar que o Estado soberano é aquele que não se encontra numa situação de dependência, jurídica ou geral, em relação a outro Estado. 3.1.1.1 A globalização e o conceito de soberania Considerando, pois, o apanhado doutrinário tanto filosófico quanto político, podemos conceituar então soberania já na sua análise gramatical onde “soberanus”, na língua latina antiga era justamente o superlativo de “super”, o que estava por cima, sobre as outras estruturas. Na mesma linha de raciocínio, como os novos Estados, surgidos com a Reforma e a paz de Westfália em 1648, exerciam o “suma potestas”, o supremo poder; muito provavelmente o termo foi traduzido para o francês vernáculo como “souveraineté” e para o inglês como “sovereighty”. Desta forma, na realidade toda a conceituação inflexível que se der para a soberania será imprecisa dado que diferentes épocas adotaram diferentes predicados para esta. Sem querer incorrer em preciosismos, somos chamados a diferenciar a soberania interna da externa de um país, se esta é na atualidade, um reconhecimento de um ‘status’ abstrato de interlocutor institucional, aquela 151 representa o monopólio da coerção legítima em certo território que resulta de uma série de fatores. Neste aspecto, para encontrar um ponto de referência estabilizador, Cornelius Castoriadis tem uma visão do indivíduo como uma criação social e parte total da instituição da sociedade. Para ele a autonomia do indivíduo, na dicotonomia liberdade de igualdade, à busca da soberania, depende da “igual participação de todos no poder, sem o que evidentemente não há liberdade, do mesmo modo que não há liberdade sem igualdade” (CASTORIADIS, 1987, p. 337). Jules Michelet, em defesa do povo, alertava que, Nossos clínicos legislativos tratam cada sintoma que surge aqui e ali como uma moléstia isolada e distinta, acreditando poder saná-la com aplicações locais. Pouco percebem da solidariedade profunda que une todas as partes do corpo social e das questões a ele relacionadas. (MICHELET, 1988, p. 121) Kant definiu a Constituição como sendo um ato de vontade geral pela qual a massa se torna um povo. A partir daí, formado o povo, ou seja, formada a Constituição através da vontade geral da massa, é preciso observar que ele se interessaria mais pelo modo de governo do que pela forma de Estado. As formas de Estado (civitas) as definiu em três. A primeira forma seria a soberania (forma imperii), a segunda seria a de Governo (forma regiminis) e a terceira republicanismo. O modo de governo, recorrendo a sua fundamentação racional do Direito, disse que deveria “ser conforme a idéia de direito pertence o sistema representativo” (KANT, 2002, p. 132), em razão de “todo Estado implica a relação de um superior (legislador) com um inferior (o que obedece, a saber, o povo)” (KANT, Ibid., id.). 152 Como se observa, Kant definia bem o papel do legislador em seu republicanismo. Definia o papel que deveria exercer os governantes e os governados, no sistema representativo. Funda-se, então o estado jurídico público. 3.1.1.2 A mudança do conceito de soberania Talvez seja errôneo falar de uma mudança no conceito de soberania. na realidade está havendo uma mudança institucional no mundo dada a proeminência das estruturas supranacionais, matéria do segundo capítulo do presente trabalho. O estudo do Direito internacional, bem como das relações entre Estados, tem dedicado atenção especial às questões de soberania. O próprio Ministério das Relações Exteriores, nas palavras precisas de Demétrio Magnoli sentencia que, as tendências globalizadoras da economia contemporânea colocam novos desafios para o Estado-Nação. A resposta a tais desafios evidencia não uma suposta fraqueza dos Estados mas, pelo contrário, a sua força e vitalidade. Exercendo a soberania, o Estado nacional posiciona-se no interior da economia mundial e escolhe políticas capazes da moldar o próprio processo de globalização. (MAGNOLI, 2000, p. 92) 3.2 O fenômeno da globalização Neste momento visa-se abordar o fenômeno da globalização dentro de parâmetros pré-determinados que permitam avaliar o objeto de estudo dentro de uma linha de raciocínio mais apropriada. Como sob o conceito “globalização” podese atingir uma diversidade de dados como multiculturalismo, neoliberalismo, tecnologia e informação entre outros, torna-se um imperativo uma delimitação mais clara dos conceitos e métodos. 153 Para tal, as linhas subseqüentes ensejarão a análise do fenômeno do globalismo sob uma perspectiva histórica, sem deixar de equacionar a influência econômica e das estruturas intergovernamentais e supranacionais. Ademais, considerando as conseqüências jurídicas do objeto deste subitem será dado um privilégio à abordagem jurídica do tema, já que esta é o fundamento da moderna sociedade civil, com seus institutos e dispositivos de governabilidade. 3.2.1 A globalização como fenômeno histórico É inegável que existe hoje certa confusão no conceito de globalização, pois há quem credite a este fenômeno um aspecto quase que exclusivamente de universalização de informações e culturas oriundas da velocidade e acessibilidade aos meios de comunicação. Resta, entretanto que este dito fenômeno, muitas vezes caracterizado como “mundialização” na realidade não é nada mais do que o que se operou nas grandes navegações onde com a descoberta de novas tecnologias (ex. bússola, astrolábio, novas rotas marítimas), o mundo até então tido como modelo (Asiático e europeu) presenciou grandes mudanças estruturais da sociedade com a “descoberta” de novas culturas. Na verdade, mundialização, que é um fenômeno historicamente cíclico (remetendo ao “Das Geist” de Hegel), é um conceito divergente de globalização. A globalização acarreta hoje claramente a mundialização, ou seja, uma troca e por vezes choques intensos de diferentes culturas, padrões morais e estruturas de convívio social. Neste contexto, para esgotar a corriqueira confusão, a própria televisão é um meio mundializante, sendo que sob a alcunha de globalismo situa-se uma discussão bem mais política e profunda das relações internacionais e da 154 estipulação de padrões jurídicos e econômicos que envolvem todas as nações soberanas do planeta terra. Os teóricos não são concordes no que tange que ao momento histórico em que surgiu a globalização. As escolas preponderantes insistem que o fato histórico que marcou esse momento foi a criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial, mas há quem com razão localize o mesmo fato na formação da Comunidade Européia, outros após a Primeira Grande Guerra com a criação da Liga das Nações e por fim, uma escola mais economicista que traduz o aparecimento da globalização com o fracasso do capitalismo tradicional na década de oitenta. Para Immanuel Kant nenhum Estado deveria intervir em outro Estado, caso o próprio povo tivesse em luta por seus direitos. Dizia ele que “a ingerência de potências estrangeiras seria uma violação do direito de um povo independente que combate a sua enfermidade interna; seria, portanto, um escândalo, e poria em perigo a autonomia de todos os Estados” (KANT, 2002, p. 123). Na realidade são diferentes perspectivas de um mesmo fenômeno, pois se uma das palavras-chave chama-se integração, a ONU é uma estrutura supranacional mundial ainda não aceita por muitas nações, e a Comunidade Européia é uma estrutura supranacional regional. Da mesma forma, é nítido que a Segunda Grande Guerra tem suas origens na Primeira bem como toda a estruturação da ONU tem lugar na consciência do fracasso da Liga das Nações. O mesmo entendimento leva a crer que logicamente o neoliberalismo que sucedeu ao capitalismo como tendência econômica mundial, é um aspecto importante do entendimento da globalização. 155 3.2.2 As conseqüências da globalização Ao arrolar sobre as conseqüências da globalização devemos ter em mente que o fenômeno atinge as mais diversas culturas e por isso terá um reflexo muito particular em cada nação. Filosoficamente, é unânime que com a crescente valorização de valores mundiais, vislumbra-se uma intensificação do regionalismo em uma interessante perspectiva. É o caso concreto dos bascos na Comunidade Européia e mesmo da intensificação de movimentos nacionalistas e regionalistas ao redor do mundo. O entendimento de Octavio Ianni é no mesmo sentido quando afirma que “o contraponto entre nacionalismo, regionalismo e globalismo abala a economia e a sociedade, assim como a política e a cultura, tanto provocando distorções como abrindo horizontes” (IANNI, 1999, p. 102). Em outras passagens o autor torna o discurso mais evidente que, Esse é o contexto em que se situam as ressurgências de localismos, provincialismos, nacionalismos, etnicismos, recismos, fundamentalismos e outras manifestações que se multiplicam no âmbito da globalização[...] Não é por acaso que se multiplicam os estudos e os debates sobre a questão nacional na época da globalização do capitalismo. (IANNI, Ibid., pp. 110-11) As principais conseqüências da globalização podem ser analisadas sob duas perspectivas principais e exaustivas, a internalização e a regionalização de valores, sejam econômicos, jurídicos, políticos ou sócio-culturais. Sob este padrão de pesquisa encontramos uma infinidade de desdobramentos que podemos citar entre os mais abrangentes a formação das estruturas supranacionais, os fenômenos 156 integratórios regionais e a internacionalização das mais diversas instituições da sociedade civil. Para desenvolver uma linha de raciocínio lógica e precisa, após enumerar-se as conseqüências da globalização “latu sensu”, que oferecem uma visão generalizada ao leitor, redirecionaremos o discurso para as conseqüências jurídicas da globalização visto que mudando-se a realidade fática, muda-se todo o ordenamento organizacional de um povo, ao qual deve-se seguir institucionalmente o ordenamento jurídico. Adepto ao cosmopolitismo, Anthony Giddens entende que a formação de uma nação cosmopolita tem agora um sentido diferente na sua construção, já que “numa era de informação, o território já não importa tanto aos Estados-nações quanto no passado” (GIDDENS, 1999, p. 152). O multiculturalismo se funde em torno desta construção. Diz ele que, “uma perspectiva cosmopolita é a condição necessária de uma sociedade multicultural numa ordem globalizante” (GIDDENS, Ibid., p. 148). Para isso, “a nação cosmopolita implica democracia cosmopolita, operando numa escala de globalização” (GIDDENS, Ibid., p. 150). Portanto, “já não é utópico associar questões de governo nacional e global, porque eles já estão intimamente conectadas na prática” (GIDDENS, Ibid., p. 152). Michel Foucault considera que é da própria essência dos governos terem por objetivo principal a economia, para tanto, expressa que a “palavra economia designava no século XVI uma forma de governo; no século XVIII, designará um nível de realidade, um campo de intervenção do governo através de uma série de processos complexos absolutamente capitais para nossa história. Eis portanto o que significa governar e ser governado” (FOUCAULT, 1979, p. 282). 157 Para Boudieur o “que está em questão é o papel do Estado (dos Estados nacionais atualmente existentes ou do Estado Europeu, que se trataria de criar), particularmente na proteção dos direito sociais, o papel do Estado social, único capaz de contrabalançar os mecanismos implacáveis da economia abandonada a si própria” (BOURDIEU, 1998, p. 83). O essencial é, portanto este conjunto de coisas e homens; o território e a propriedade são apenas variáveis. Mesmo porque, num “Estado verdadeiramente livre, os cidadãos fazem tudo com seus braços e nada com o dinheiro” (ROUSSEAU, 1973, p. 113). De todo modo, o que caracteriza a finalidade da soberania é este bem comum, geral, é apenas a submissão à soberania. A finalidade da soberania é circular, isto é, remete ao próprio exercício da soberania. (FOUCAULT, 1979, p. 284) Rousseau tratou essa questão dizendo que a “soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto” (ROUSSEAU, 1973, p. 50). No caso da teoria do governo não se trata de impor uma lei aos homens, mas de dispor as coisas, isto é, utilizar mais táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas. (FOUCAULT, Ibid., p. 284) Uma das grandes preocupações hoje é saber lidar com o exercício da soberania, já que não se trata, “como nos séculos XVI e XVIII, de procurar deduzir 158 uma arte de governo de uma teoria de soberania, mas de encontrar, a partir do momento em que existia uma arte de governo, que forma jurídica, que forma institucional, que fundamento de direito se poderia dar à soberania que caracteriza um Estado” (FOUCAULT, Ibid., p. 290). 3.2.2.1 As conseqüências jurídicas da globalização A questão controversa sobre a compreensão jurídica da globalização possui um fundamento claro. Como declara Marcos Bernardes de Mello em relação ao estudo de Direito e Realidade “...na verdade, a norma jurídica enquanto considerada em si, como um comando da sociedade, não deixa de ser algo abstrato, mas que se refere a alguma coisa concreta (os fatos) que se ocorrer deverá produzir determinada conseqüência ( = efeito jurídico)” (MELLO, 1999, p. 13). Considerando o fato de uma nova conjuntura internacional, fica evidente conceber que todo um novo panorama político internacional terá suas conseqüências no ordenamento jurídico que acompanha as mudanças da sociedade. Para Anthony Giddens os “processos globalizantes retiraram poderes das nações e os transferiram para o espaço global despolitizado” (GIDDENS, 1999, p. 153). O que se discute não é a existência de conseqüências jurídicas pois isto é lógico segundo os fundamentos do estudo do direito enquanto ciência, mas qual o órgão competente para determinar um ordenamento supranacional com amparo 159 concreto e larga aceitação. Em língua vulgar perguntar-se-ia quem ditaria as regras já que estas são de imposição internacional, ou melhor, supranacional. Esta é a diferença clara, por exemplo, da Comunidade Européia que possui estruturas administrativas e judicantes supranacionais com por vezes claras agressões à soberania e o Mercosul que é um acordo intergovernamental no qual as regras após serem criadas precisam ser internalizadas pelo Congresso nacional de cada país membro. Aqui, situa-se a divergência jurídica que quando existe uma manifesta discordância à uma norma na forma de hostilidade comunitária, “insistindo o grupo de em se comportar de modo diferente do estabelecido, é evidente que esta norma não pode prevalecer” (GIDDNES, Ibid., p. 15). Como uma exigência histórico-jurídica surgem então as estruturas supranacionais, que a princípio foram criadas de forma a estabelecer uma paz mais duradoura, no contexto da Guerra Fria, mas também com a clara intenção de uma internacionalização de regras econômicas como Breton Woods, de prevenções sanitárias como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e mesmo de normas ecológicas entre outras diversas. O surgimento de estruturas supranacionais é um fenômeno concreto do pós Segunda Guerra Mundial e põe em cena um segundo sujeito no direito internacional, além dos Estados-Nação, como preconiza Ricardo Seintenfus e Deise Ventura dizendo que, As organizações internacionais podem ser definidas como uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns pela permanente cooperação entre seus membros. Logo o direito das Organizações internacionais é derivado ou secundário. (SEINTENFUS; VENTURA ,1999, p. 30) 160 Resta, portanto, das conseqüências jurídicas da Globalização que as sociedades nacionais, tomadas individualmente tem sido submetidas a uma variedade de processos de internacionalização a partir de “cima”. Entre esses processos estão às novas formas de organização econômica, incluindo as corporações globais. John Urry e Scott Lash dizem que, com uma nova divisão internacional do trabalho e altos índices de desintegração vertical; o declínio das especialidades das empresas produzindo mercadorias fixas para determinados mercados nacionais e o crescimento de novos circuitos de dinheiro e de operações bancárias, separados daquelas indústrias e que estão literalmente fora do controle das políticas econômicas nacionais consideradas individualmente. (URRY; LASH, 1987, p. 300) Para cada um destes processos existe uma regra regulamentadora ou estão em processo legislativo novas leis para reger as situações emergentes. 3.3 O conceito de soberania e a prática política nas relações internacionais As transformações que estão ocorrendo no mundo na segunda metade do século XX, anunciando o XXI, podem ser encaradas como as manifestações de uma ruptura histórica mais ou menos drástica e geral, com implicações práticas e teóricas fundamentais. A geografia e a história parecem entradas em um novo ciclo, adquirindo movimentos inesperados e dimensões surpreendentes. Entre estas mudanças bruscas, tanto no campo teórico como no prático está o conceito de soberania e sua prática política nas relações internacionais. 161 O Estado na contemporaneidade tem se transformado em uma unidade política fundamental do sistema mundial. Como diz Boaventura Santos “o espaço mundial, se é espaço da economia mundial, é também o espaço do sistema interestatal, assente na soberania absoluta dos Estados e nos consensos entre eles obtidos como meio de prevenir a guerra” (SANTOS, 2000, p. 314). Apesar do percurso global que tem assentado a soberania, tem-se notado o agravamento das disparidades e das hierarquias no sistema mundial, principalmente se levar em conta a perda da centralidade do Estado em face de forças subestatais e supra-estatais. A perda de eficácia dos Estados perante outros Estados, fulmina uma erosão da soberania interior dentro do sistema interestatal, culminado com a ausência de condições que tornem efetiva a democracia na grande maioria dos países do sistema mundial. Este fato torna urgente uma nova ordem transnacional adaptada a essas novas condições. 3.3.1 O avanço político e jurídico As tendências globalizadoras da economia contemporânea colocam novos desafios para o Estado-Nação. A resposta a tais desafios evidencia não uma suposta fraqueza dos Estados mas pelo contrário, a sua força e vitalidade. Exercendo a soberania, o Estado nacional posiciona-se no interior da economia mundial e escolhe políticas capazes de moldar o próprio processo de globalização. O movimento de globalização certamente modifica as relações entre os Estados e as economias nacionais. Os arautos do “desfalecimento” do Estado- 162 Nação enxergam indícios de corrosão da soberania no rebaixamento ou supressão de taxas alfandegárias, na ampliação de liberdade de movimentos dos capitais internacionais, na privatização de setores econômicos controlados pelo poder público. Interpretam a mudança das funções econômicas dos Estados como sinal de sua inevitável dissolução. O argumento da dissolução da soberania é fraco, pois na Europa do século XIX quando a soberania parecia não ter limites, os Estados virtualmente não desempenhavam funções econômicas, exceto zelar pela estabilidade da moeda. Já com o Keynesianismo, o Estado passou a exercer domínio sobre a regulação do mercado interno, o que passou a ser encarado como exercício fundamental da soberania. Deste raciocínio se depreende que não existe uma agressão à soberania nacional, mas sim um diferente entendimento do exercício da soberania através dos tempos. Como a globalização implica uma nova reformulação das relações entre o poder público e mercado, a noção jurídica de soberania é submetida a mais uma revisão. “Mas de forma nenhuma esta revisão significa um desfalecimento” (MAGNOLI, 2000, p. 93). O liberal Francis Fukuyama quando trata da questão dos interesses nacionais do Estado moderno entende que “O nacionalismo é um fenômeno especificamente moderno, porque substitui a relação domínio/servidão por um reconhecimento igualitário e recíproco” (FUKUYAMA, 1999, p. 260). Cita, para tanto, o exemplo do caso da Alemanha, frente ao imperialismo e as guerras na esteira das grandes revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX. 163 As tendências mais modernas da teoria do Direito e das Relações Internacionais apregoam hoje o exercício da soberania relativa dos países membros da Comunidade Européia e dos países signatários de Tratados Internacionais relativa à adesão em estruturas organizacionais supranacionais em detrimento à soberania absoluta do Estado intervencionista típico da prática capitalista finda nos anos oitenta. Neste aspecto é necessário delimitar o espaço-cidadania, dentro das relações internacionais, compreendida por uma dimensão autônoma. Outra nomeclatura utilizada para expressar a mesma realidade é a soberania compartilhada que faz, a exemplo da teoria dos diferentes ordenamentos jurídicos (nacional e internacional) de Kelsen, uma divisão de atribuições e competências entre os ordenamentos supranacionais ou intergovernamentais e os de interesse político e econômico tipicamente nacional. Este basicamente é o resumo e toda a evolução que se opera hoje na prática internacional: o resto é futurismo. Claramente existem escolas com influência claramente “esquerdista”, que não poderiam deixar de serem mencionadas, que fazem a crítica à globalização como “projeto neocolonial, que revisa as Constituições e agride os povos subdesenvolvidos como povo e como nação” (BARBOSA FILHO, 1997, p. 34). Finalmente, a soberania é então afetada em dois sentidos, dentro do contexto dos blocos econômicos que vierem a seguir o modelo europeu supranacional e em relação à imensa gama de organizações internacionais. Em relação à primeira explanou-se a questão da soberania relativa ou compartilhada. Em relação à segunda, referente à estruturas como a ONU e FMI ou mesmo o Tribunal Penal Internacional, fala-se de uma complementariedade através de delegação. 164 Em outro aspecto, desta feita, tratando a questão da soberania no âmbito jurisdicional, Martônio Mont’Alverne discorre que “O ponto central sobre a preponderância do princípio da soberania popular e sua incompatibilidade com a existência de um tribunal constitucional possui razões para além daquelas de embasamento empírico e de ordem mais complexa” (LIMA, 2003, p. 223). Diz ainda que “o problema reside na supremacia do poder legislativo, que a todo instante constata a redução de seu âmbito de atuação política, promovida pela jurisdição constitucional, o que significa, ainda, a submissão do representado ao representante” (LIMA, Ibid., id.). Constata-se, então, que em um Estado Democrático de Direito em que exista uma supremacia do órgão legislativo, ou mesmo ainda de quaisquer um dos órgãos do Estado, existirá uma redução de atuação política do povo, já que esse e para esse o poder é exercido e emanado. Na era da globalização, as realidades e os problemas nacionais, misturam-se com o domínio da realidade e dos problemas mundiais. Nesta situação, quais seriam os principais reflexos para a justiça internacional? O primeiro deles é a comprovação de que a delegação de poderes dos Estados para Organismos Internacionais, como é o caso do estabelecimento do Princípio da Complementariedade, deriva de uma possível incompetência dos Estados em rebater isoladamente a questões globais. Daí a idéia de que para dificuldades mundiais são necessárias demandas mundiais, pois como dizia Bobbio só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma justiça internacional conseguir impor-se e supor-se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia dentro 165 do Estado - que é ainda a característica predominante da atual fase - para a garantia contra o Estado. (BOBBIO, 1994, p. 9) Para Merleau-Ponty o “otimismo democrático admite que, num Estado onde os direitos do homem são garantidos, nenhuma liberdade usurpa as outras liberdades e coexistência dos homens como sujeitos autônomos e razoáveis encontra-se assegurada” (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 196). Não se trata, portanto, de uma ofensa à soberania de um Estado-Nação, mas uma livre complementariedade de competências para garantir uma acentuada mundialização e uma ordem jurídica que cumpra o sonho, e não utopia de paz. 3.3.2 Povo e democracia face à globalização A ordem internacional que se conhece na atualidade remonta ao século XVII, mais precisamente a 1648, quando foi assinado o Tratado de Vestfália. Como se sabe, os princípios normativos centrais fixados neste tratado - territorialidade, soberania, autonomia e legalidade - configuraram o sistema internacional de Estados. As relações entre Estados igualmente soberanos ficam submetidas ao direito internacional, desde que cada um deles assim o consinta, já que não há autoridade legal para além do Estado capaz de impor obrigações legais a ele ou a seus cidadãos. (HELD, 1994, p. 21) A democracia contemporânea é intimamente ligada ao Estado-Nação, cujos alicerces estão hoje abalados pela globalização econômica e pelo fim da bipolaridade característica da guerra fria, afetando substancialmente a própria 166 democracia e a cidadania. Debilitam-se os laços territoriais que ligam o indivíduo e os povos ao Estado, o que enfraquece a identidade nacional, diminui a importância das fronteiras internacionais e desestrutura as bases da cidadania tradicional. Se os direitos de cidadania e a soberania estão sujeitos ao Estado nacional, e se este se enfraquece visivelmente com a ação de globalização, como permanecerão os primeiros num mundo globalizado? A decadência da cidadania está bastante vinculada à alteração no papel do Estado. O Estado moderno, com sua expectativa espacial, priorizou a população dentro de seu território nacional, dotando-a de uma identidade básica e de uma poderosa ideologia, o nacionalismo. Após séculos de lutas, a noção monárquica de súdito foi substituída pelo princípio democrático da cidadania, baseado nos direitos e deveres do cidadão. Mas os Estados submergem cada vez mais a aptidão de estabelecer internamente políticas nacionais autônomas e muitos deles, como o Brasil, acabam submetendo-se aos programas de 'ajustes estruturais' do FMI, hoje criticados até mesmo pelo Banco Mundial. (BENEVIDES, 2002, p. 32) No mundo contemporâneo, os conflitos da globalização reorientam o Estado e os interesses das elites dominantes, atribuindo-lhes perspectivas não territoriais e extranacionais. O Estado recompõe seu papel em função de variáveis econômicas exógenas, como ampliação do comércio mundial, políticas macroeconômicas e maior mobilidade internacional do capital. A mentalidade das elites dominantes se desterritorializou a tal ponto que mesmo a 'segurança' é resolvida mais em termos da economia global do que em relação à defesa da integridade territorial. 167 Muitos problemas tornaram-se prontamente globais, dificílimos de serem definidos por meio de políticas nacionais isoladas. Os mercados se globalizaram, o meio ambiente não distingue fronteiras, os meios eletrônicos de comunicação muito menos. Inúmeros tratados internacionais foram acatados nesta segunda metade do século XX na área ambiental, científica, cultural, econômica, social, criminal e outras, abrandando a tradicional e predominante visão realista que esclarece as relações internacionais apenas pela força e pelo conflito. (FARIA, 1996, p. 34) Diante dessa representação, a grande maioria da população dos diversos Estados, marginalizada social e economicamente pela globalização, perde interesse e energia para compartilhar das lutas políticas internas, que entende como secundárias, imergindo em passividade e alienação. À parte essa maioria inerte, surge, entre outros, um grupo desorientado que vai servir de massa de manobra para políticas direitistas e, de outro lado, uma minoria de militantes idealistas que oferece resistência à globalização dominante, propondo uma globalização alternativa, um projeto emergente de construir uma sociedade civil global visando à democratização das relações internacionais. Esse plano de construção de uma 'democracia cosmopolita' é entrecortado pelas muitas identidades ligadas a gênero, raça, meio ambiente, concepções espirituais e outras. Nessa conjuntura, a cidadania clássica, determinada no interior de um Estado territorial, afigura-se marginal a essa agenda que divulga, de certa forma, o imperativo de arrostar a globalização econômica para além das fronteiras territoriais do Estado-Nação. (IANNI, 1996, p. 52) Nas condições atuais, face às graves implicações sociais da globalização econômica, o Estado não parece interessado em promover a mobilização popular, 168 mantendo a cidadania passiva e apolítica. Como ao mercado não interessa outra coisa, coube à sociedade civil, reunida em torno do interesse público, a empreitada de mobilizar as energias cívicas da população para amparar, no plano transnacional, os princípios da cidadania engrossados com os ideais de democracia política, diversidade cultural e sustentabilidade ambiental. Uma das principais finalidades desses atores não estatais é garantir normas que regulem as operações das empresas transnacionais. Um dos panoramas dessa confrontação têm sido as Nações Unidas com suas palestras globais sobre temas sociais, econômicos e ambientais, onde essas assembléias civis transnacionais tiveram absorvente participação. Hoje, organizações como Anistia Internacional, ou Greenpeace, têm mais força no cenário internacional do que a maioria dos países. (NASCIMENTO, 1997, p. 9) Apesar do abalo que vem sofrendo a cidadania pelo declínio do Estado territorial e da soberania nacional, a atuação transnacional das organizações da sociedade civil na salvaguarda da democracia e dos direitos humanos, bem como na luta pelo desenvolvimento sustentável e pela diversidade cultural, parece indicar que está em curso a tendência de constituição de uma sociedade civil global emergente. O Estado não tem o monopólio da esfera pública. Existe um espaço público não estatal que vem se reforçando visivelmente nas últimas décadas. Temas antes privado são tornados públicos com o avanço dos movimentos sociais. Um bom exemplo é a violência doméstica. No plano internacional, há bastante evidência de mudança nas relações entre atores, instituições, normas e idéias para tornar o sistema político mundial o nível apropriado de análise, e não uma sociedade internacional de Estados. 169 Com uma base normativa calcada na autodeterminação dos indivíduos O significado contemporâneo de sociedade civil global tornou-se um componente importante na ressignificação das relações internacionais, que não podem mais ser esclarecidas apenas em termos de relações entre Estados e mercados. Ele recomenda diversos caminhos que se entrecruzam no espaço global, numa perspectiva que atribui aos atores um grau de agência que uma visão estadocêntrica não poderia admitir. Na opinião de Santos A ascensão de forças sociais no plano global constitui um tipo novo e diferente de política. A idéia de 'política cívica mundial' significa que, enraizada nas atividades de associações civis transnacionais, encontra-se um entendimento de que os Estados não detêm o monopólio dos instrumentos que governam os negócios humanos e que, ao contrário, existem formas não estatais de governança que podem ser usadas para efetuar mudanças em larga escala. (SANTOS, 1997, p. 105) A denominada 'política cívica mundial' encaminhada pela sociedade civil global não é resposta única aos problemas globais; não existe resposta única. Ela representa, entretanto, uma contribuição fundamental aos esforços para assegurar a democracia política, o desenvolvimento social, a proteção ambiental e a diversidade cultural, nos níveis local, nacional e global. Otfried Höffe denomina a união dos povos num Estado globalizado de "República Mundial". O termo por ele adotado de "República Mundial" não se refere apenas à república no sentido hordieno, mas também ao conceito de res publica, que remonta à antiguidade clássica e que era definido por Cícero da seguinte forma: "É, pois – prossegui o Africano -, a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no consentimento jurídico na utilidade comum” (CÍCERO, 1973, p. 155). 170 É com uma base normativa calcada na autodeterminação dos indivíduos que Höofe entende "o direito de autodeterminação de um povo diz respeito a grupos cuja constituição jurídica ainda se encontra em aberto; apesar disso, estes grupos, na qualidade de minorias ameaçadas, buscam um status especial, geralmente de natureza jurídico-pública” (HÖFFE, 2005, p. 457). Em que "o primeiro nível de um direito genuinamente coletivo consiste no direito de ingressar em um status jurídico; já o segundo nível consiste no próprio direito de autodeterminação"(HÖFFE, Ibid., p. 457). A direção humana na terra, lembra Morin, não é mais orientada por Deus, pela ciência, pela razão ou pelas leis da história. Ela nos faz reencontrar o significado grego da palavra planeta: astro errante. É sob o signo da incerteza, que marca o tempo 'pós-moderno' ou 'pós-nacional', que os cidadãos do mundo se deparam com os riscos da nova ordem internacional, esgrimindo, em nome do interesse público, os valores da democracia e da sustentabilidade, agrupados em torno a uma sociedade civil global emergente e operando em um nascente espaço público transnacional, onde enfrentam as forças dominantes do Estado e do mercado. Do resultado deste encontro, depende o destino da democracia, a sustentabilidade do planeta e a sorte de seus habitantes. (MORIN, 1997, p. 19) Depois de várias revoluções e transformações, finalmente poderá ser realizado um dia aquilo que a natureza tem como propósito supremo, um Estado cosmopolita universal, como o seio no qual podem se desenvolver todas as disposições originais da espécie humana. (KANT, 2004, p. 19) 171 CONCLUSÃO É a democracia e o povo quem justamente mais parecem estar sintonizados com o sentido comum de justiça democrática, segundo o qual todos devem possuir o mesmo em termos numéricos. [...]. Só assim se compreende, estamos em crer, que a igualdade e a liberdade sejam apanágio de um regime. (Aristóteles) Neste estudo baseou-se através de uma reflexão crítica, aprofundar a compreensão da categoria povo como fundamento do Estado democrático de Direito, numa tentativa de dar respostas ao contexto formador desse grupamento institucional de características políticas complexas, que regula as expectativas normativas de suas relações sociais cotidianas através de sua participação na formação da vontade geral. Este trabalho baseou-se numa reflexão mais abrangente sobre o sistema de criação, produção e da marcha irresistível da democracia, dando maior ênfase à noção de liberdade e igualdade desde a Grécia antiga, onde a própria essência da liberdade significava ser isento de desigualdade presente no ato de comandar e mover-se. A igualdade existia apenas no domínio político, na ação entre pares, e, portanto necessitava de um espaço que os tornasse iguais mediante a convivência pública, vivenciada na polis. Insere-se a discussão numa perspectiva que tem por objetivo analisar estes fenômenos junto ao processo da democratização, que vem se desenvolvendo na modernidade e culmina com os desafios postos pelo mundo globalizado. 172 Evidenciou-se que o papel do povo dentro do Estado democrático de Direito, durante o processo histórico moderno, chegou em certo momento a confundir igualdade política com igualdade social. O que deveras não poderia ocorrer, pois a igualdade do povo, dentro do seu espaço democrático, é tanto de natureza política como social; responsável pelo esforço no desenvolvimento das idéias políticas na formação do Estado democrático, intermediando a dialética do histórico com a moderna criação e produção de estruturas democráticas globalizadas. O povo tem a função de se munir com as ferramentas dirigidas a esses processos de criação e produção democrática através de uma configuração material e de uma estruturação do Estado, que lhe dê condições de um controle maior sobre os governantes, desenvolvidas a partir da lógica de comunidades fortalecidas que tem por base de criação a utilidade de suas necessidades. Para a análise, foi necessário compreender o problema central da questão política atual. Um povo autônomo só poderá ser forte, instaurando uma atividade autônoma coletiva, pressupondo a sua paixão pela democracia, pela liberdade, pelos negócios comuns. Buscou-se através dessa reflexão, dentro do processo histórico democrático, encontrar algumas pistas sobre o questionamento que foi proposto na introdução do trabalho. Assim, foi necessário entender o universo do povo no que diz respeito à dialética que este trava com a questão entre o nacionalismo e a globalização na contemporaneidade. Percebeu-se que o povo, enquanto agente produtivo de institucionalização pública, integrado às políticas públicas, no desenvolvimento do Estado Democrático, traça estratégias alternativas pertinentes à sua segurança e ao seu bem-estar. Essa 173 é uma preocupação fundamental, já que os interesses do povo são políticos em todas as medidas, necessitado ser debatidos em razão de um conteúdo variado quanto ao grau de importância social. Por ser titular dos direitos políticos, o povo, quando reunido, em seu espaço público, têm o anseio de ver realizado, através das considerações de todos e de tudo, a sua vontade soberana, materializada através de um projeto de estrutura democrática mais eficaz. O povo, assim, quando organizado em pleno exercício democrático, sem interferência de uma atuação estranha no seu corpo, em seu conjunto, se torna a própria materialidade de uma comunidade formadora de uma sociedade melhor, mais coesa, mais digna. Se vê que no plano de uma organização política e territorial nacional, o povo assenta e ocupa todo o espaço público, compartimentando com os seus entes, um sistema de estruturação dos corpos políticos deliberativos, através do regime democrático, com a construção da federação a partir de sua célula comunitária. Durante os séculos, as sociedades, através de suas Constituições, vêm reconhecendo que a forma do poder político exercido pelo povo é uma ação que têm em vista a liberdade política. O seu objetivo central, mais que a criação de uma sociedade política justa ou que a abolição de todas as formas de cominação e de exploração, deve ser o de permitir que os indivíduos, os grupos, e as coletividades se tornem, de sujeitos livres, em produtores da sua história, capazes de unir em sua ação o universalismo da razão e da particularidade de uma identidade pessoal e coletiva, exercendo uma política absoluta, dando prioridade a cada ser humano afirmar a sua liberdade através de uma experiência e contra relações de dominações particulares. 174 O poder do povo é anti-utópico por natureza, visto que consiste em dar a última palavra à maioria, variável por definição, para escolher uma combinação, sempre susceptível de modificação, de exigências ou de princípios opostos, como são a liberdade e a igualdade, o universal e o particular. Em combinação com o pensamento democrático este povo procura dar primazia à base em relação ao topo, à maioria em relação às chamadas elites dominantes, reconhecendo que o papel principal na construção da democracia deve ser desempenhado pelos próprios atores sociais, levando a uma definição de cultura, mais que um conjunto de instituições e de procedimentos burocráticos. As reflexões e as ações por parte do povo na democracia, são identificadas com a livre construção de um espaço público, no qual possam organizar-se os ataques contra uma sociedade hierarquizada e segmentada, discutindo, como objetivo, o de abrir o sistema político, o de o libertar das tradições, da pressão dos interesses sociais, de o dessocializar, tornando a vida social mais natural e mais racional, suscitando um grande esforço direcionado a uma educação de qualidade, bem como acessos às informações que permita dar soluções mais esclarecidas, apelando contra a ordem estabelecida para a liberdade e para a responsabilidade do indivíduo, da comunidade, da minoria. É por isso que o povo é adverso de qualquer recurso à totalidade, sendo adepto aos apelos de participação, de representação e de comunicação, assentando sobre tudo na liberdade de criação do indivíduo como sujeito da comunidade, em sua capacidade de ser um ator social e de modificar o seu meio envolvente para arrotear território onde ele se põe a prova como criador livre, através de um mercado 175 político aberto, no qual os cidadãos possam escolher livremente os seus candidatos, sem seguimento de um marketing político cada vez mais alastrante. O mundo está hoje dividido entre o universo globalizado do mercado e o universo segmentado das identidade nacionais, religiosas e culturais. Há um lado a circulação acelerada do dinheiro e da informação, e do outro lado, um multiculturalismo radical. Assim, o povo como poder visa necessariamente dar um equilíbrio ao governo, fazendo com que todos vivam uns com os outros indivíduos e grupos simultaneamente diferentes e semelhantes, que pertençam ao mesmo conjunto, ao mesmo tempo que se diferenciam dos outros e até se opõem entre eles, correspondendo, à natureza humana dessas relações, à da ação social. A esfera público-política surge então como um espaço encontrado para a imortalização das decisões do povo, através do sufrágio, para a escolha de seus representantes, partindo de uma perspectiva sócio-cultural. Pois somente as atividades públicas é que concederiam um significado existencial ao povo, através das quais, os indivíduos de diferentes níveis econômicos e culturais, não se distinguem uns dos outros, formando um corpo político, através de uma vontade uniforme que é a chamada vontade do povo, existindo uma igualdade entre cidadãos, embora persista a desigualdade entre os homens enquanto indivíduos. Na esfera pública, os cidadãos são livres e iguais em termos de oportunidade de participação política, principalmente pela igualdade à palavra e ao voto. Não deveria haver distância inconciliável entre governantes e governados na esfera pública. O espaço público deve se tornar gerador de um poder dialógico e plural, decorrente da reunião dos cidadãos. Nasceria, então, nesta esfera, neste 176 espaço, um poder político gerado pela ação em conjunto, sustentada ao final pelo consenso, apesar das inevitáveis divergências ideológicas. Há de se reconhecer, que nessa era de globalização há um declínio da esfera pública, dando-se, inclusive, pela descrença de um mundo comum, em termos de hierarquia das atividades humanas, gerado pela preponderância da dimensão econômica, promovendo surgimento na esfera social de elites economicamente supérfluas, decorrente do desenvolvimento do sistema capitalista neoliberal, com a colaboração ativa ou passiva de certa forma dos governos nacionais, impondo uma pobreza politicamente programada, via o desemprego estrutural, requerendo, por parte do povo, uma necessária reestruturação da organização política, passando por um sistema educacional de base formadora crítica, e não dando soluções meramente técnicas ou mercadológicas. Apesar de reconhecer que de certa forma a globalização, da maneira que está sendo posta, trás consigo um conflito entre a nação e a soberania do Estado, a vontade do povo sempre impôs e sempre irá impor, quando reunido a massa de cidadãos, ao Estado o reconhecimento dos direitos civis e políticos que lhe pertence. Esses direitos quando respeitados por outros países, passarão a pertencer a uma concordância da comunidade nacional, ou entre nações, reduzidos à condição de direitos nacionais, reconhecendo então a soberania, através do povo e do Estadonação. De fato, deve-se reconhecer que a natureza competitiva e consumidora da sociedade, no sistema de globalização, tem aprofundado o isolamento de cada um dos indivíduos, tornando-os, inclusive, hostis com relação às atividades políticas, consideradas como desnecessárias perdas de tempo e energia. Diante disso, o 177 espaço público passa a ter uma função de interesses privados. O que deveria ser considerado povo, passa a ser considerado uma multidão, que de forma desorganizada e desvinculada de quaisquer compromissos, nada tem a acrescentar para o Estado nas transformações sociais. Apesar da Constituição garantir os todos esses direitos, essas multidões em massa são uma ameaça ao próprio espaço público em busca de um mundo comum. Nesta perspectiva, interessar-se pelo protagonismo popular é tomar consciência de que a discussão elaborada ao longo deste trabalho foi uma discussão que acentua o caráter político do povo, que é compatível com o desenvolvimento do Estado democrático de direito. Fabricam-se com ele e por ele a política, a ciência e a consciência política. Quando o povo reúne-se, percebe-se o aprendizado do conjunto, que aos olhos do observador externo, vê-se um corpo em formação. É esse corpo em formação que se assemelhará sempre a um corpo governado por uma cabeça, por aqueles que são soberanos e grandes e que pensam e agem sem benefício. Havendo, ainda, nesse corpo uma nação em face daqueles que o governam. O caminhar para uma forma de governo em que o poder se encontre nas mãos do povo, sob o exercício de sua autoridade, resultará numa soberania legítima, através da razão espontânea que constitui a potência criadora de sua linguagem. A palavra é o poder, quando emana do povo. O povo, esse conjunto de indivíduos com moral distinta que o compõe, onde se dotado de um estatuto jurídico, a Constituição, que lhe permite agir em seu nome, não é um dado, ou um conceito, que remete à sociedade empírica. É o germe, é o principio de um poder político justificado para ele próprio. O povo como função e 178 como arte é o tecedor do Estado, que em um esforço heróico de nacionalidade irá fazer a obra do mundo e estabelecer para todas as nações o evangelho da liberdade e da igualdade. Tem razão de ser aqui a afirmação de Sílvio Romero, quando diz que “O povo brasileiro, considerado em seu conjunto, oferece o espetáculo dune société à formation communautaire ébranlée” (ROMERO, 1998, p. 218). 179 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, Almerindo Janela. Políticas educativas e avaliação educacional: para uma análise sociológica da reforma educativa em Portugal (1985-1995). Braga, Portugal: Universidade do Minho, 1998. ALTHUSIUS, Johannes. Política. Trad. Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: Top Books, 2003. AMARAL, Roberto. A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2002. AQUINAS, Saint Thomaz. On law, morality and politics. Trans. Richard J. Regan. 2ª ed. Indianápolis, E.U.A.: Hackett Publishing Company, 2002. ARENDT, Hannah. A condição Humana. Trad. de Roberto Raposo. 10ª ed. 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