O FUXICO NA SALA DE ESPERA: CONSTRUINDO UM ESPAÇO TERAPÊUTICO ALTERNATIVO (2010) 1 CULAU, Fernanda Steffen 2; DIAS, Hericka Zogbi Jorge 3; PEIXOTO, Maristela Jaqueline Reis 4; SANTOS, Ticiane Lúcia dos 5; ZUCHETTO, Gabriela 6 1 Trabalho de Extensão _ UFSM Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 3 Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 4 Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 5 Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil 6 Curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected] ; [email protected] ; [email protected] ; [email protected] ; [email protected] 2 RESUMO Os CAPS fazem parte de um novo modelo de atendimento de saúde mental que tem por objetivo oferecer atenção integral a crianças e adolescentes comprometidos psiquicamente. O presente trabalho é uma ação de intervenção em um CAPS Infantil da cidade de Santa Maria e tem como um dos preceitos a noção de clínica ampliada e (re) inserção psicossocial de usuários e familiares do serviço. Trata-se de uma oficina terapêutica denominada ‘Oficina de Fuxico’, que ocorre na sala de espera do serviço, todas as sextas-feiras de manhã. A oficina é realizada por duas eacadêmicas do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria e tem por objetivo promover a interação entre os usuários do serviço, proporcinando-lhes um espaço terapêutico a fim de promover vínculos saudáveis. A condução do trabalho tem resultado em uma relevante participação e podemos concluir que proporciona um espaço de acolhimento e lazer que contribuem na (re) construção das configurações vinculares e na (re) inserção psicossocial das crianças e seus cuidadores/pais, assim como entre os cuidadores/pais. Palavras-chave: Psicologia, Saúde Mental, Clínica Ampliada. 1. INTRODUÇÃO O CAPS é um dispositivo que surge com a Reforma Psiquiátrica brasileira para atender a demanda do atendimento à saúde mental no nosso país, desvinculando-se da antiga lógica que colocava os ‘doentes mentais’ marginalizados em nossa sociedade trancafiados em Hospitais Psiquiátricos. Assim, a fim de significar o atendimento desses pacientes criou-se um serviço em rede que além de propiciar o tratamento para casos de pacientes com distúrbios graves e geradores de intenso sofrimento psíquico, refazer o laço 1 destes com a sociedade. O CAPS conta ainda com o trabalho de uma equipe multiprofissional que traz diferentes saberes e diferentes olhares necessários para a intervenção com os pacientes que utilizam o serviço, contribuindo para a melhora do paciente e também para a discussão das ações executadas na saúde mental a fim de continuar com o progresso nessa área. A rede de atenção em saúde mental da cidade de Santa Maria – RS conta com um CAPSi (CAPS infanto-juvenil), que atende hoje cerca de 180 crianças e adolescentes e é composto por uma equipe multiprofissional de 14 funcionários. A Oficina de Fuxico foi realizada a partir da parceria entre o CAPSi e o curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, através da criação de um projeto de pesquisa e extensão denominado PROCONVIVE. Os acadêmicos realizam diversas atividades no serviço, e dentre elas está a Ofinina de Fuxicos. Desde seu início, em janeiro de 2009, a oficina tem tido relevante importância no serviço, pois proporciona um ambiente de convivência e terapêutico. 2. DESENVOLVIMENTO Para que seja contemplada uma inovadora forma terapêutica de cuidado em saúde mental, é preciso que se enfatize os aspectos biopsicossociais dos sujeitos atendidos nos CAPS. Segundo o Ministério da Saúde (2004), o trabalho desenvolvido no CAPS deve se dar em um “meio terapêutico” e ser baseado na noção de clínica ampliada. O meio terapêutico é caracterizado por um ambiente acolhedor e facilitador, que possibilite a formação de novos modelos de relações. Atendendo a esses aspectos é interessante oferecer aos usuários, além dos atendimentos individuais, atividades integradas, que proporcionem o convívio com familiares, demais pacientes e funcionários. Winnicott (1983) salienta a importância de tal meio quando aponta a necessidade do holding, ou seja, de um ambiente que permita o desenvolvimento e a integração do sujeito através de relações saudáveis estabelecidas. Visando isso, criou-se neste CAPS um ambiente de caráter terapêutico onde é realizada a atividade de confeccionar fuxicos: a oficina de fuxicos na sala de espera. Em analogia a noção do brincar proposta por Winnicott (1975), podemos pensar na atividade de fuxicar como algo em que, como no brincar, tanto a criança quanto o adulto possa fruir sua liberdade de criação. De acordo com o autor, a criatividade é de suma importância por ser condição necessária à busca do eu (self), possibilitando uma integração do eu. 2 Para promover a articulação e a inclusão social dos usuários, como presume o cuidado em saúde mental nos CAPS, se faz necessário oferecer propostas terapêuticas aos familiares e cuidadores destes, além de responsabilizá-los pelo tratamento. Em pesquisa realizada no estado de São Paulo, com foco nas famílias de usuários de 19 CAPSi, constatou-se que haviam pouquíssimos registros de atendimentos ou de propostas terapêuticas aos familiares (Dombi-Barbosa et al., 2009). O CAPSi de Santa Maria é responsável pelo atendimento de crianças com neuroses graves, psicoses e autismo. Após a etapa do acolhimento, se o paciente permanecer em tratamento, é feito um plano terapêutico de acordo com as necessidades deste, objetivando sempre o seu desenvolvimento psíquico e social do paciente. A criança ou o adolescente passa então a freqüentar a ‘casa’, sendo acompanhada pelo cuidador/responsável que permanece na sala de espera, aguardando o atendimento. Surge daí a oportunidade de realizar um trabalho com os pais e cuidadores desses pacientes, afinal por se tratar de um atendimento psicossocial e por serem sujeitos que ainda não respondem por si, entende-se que o familiar deve receber algum nível de atenção e deve ser engajado no tratamento. 3. METODOLOGIA O grupo é aberto, onde participam pais/cuidadores e crianças que estejam no local durante o horário da oficina, que aguardam atendimento na sala de espera ou que tem o interesse espontâneo em participar. A oficina ocorre semanalmente, todas as sextas-feiras pela manhã, com duração de duas horas e é facilitada por duas acadêmicas do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria. O número e a freqüência de participantes na oficina são variáveis, porém há alguns participantes, em sua maioria mães e avós, que estão sempre presentes e constituíram um funcionamento de grupo que se assemelha a um grupo fechado. Além destes, há alguns participantes que estiveram presentes uma única vez na oficina e outros com freqüência quinzenal ou mensal. Contabilizando o total de participantes, fizeram uso da atividade do fuxico cerca de 20 familiares e de 15 crianças. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES O fuxico é o dispositivo utilizado para incentivar a livre expressão dos participantes, e também cumpre outras funções como: permitir que as estagiárias façam intervenções 3 verbais durante as conversas que se desenvolvem no local, criar um espaço terapêutico que atua na desconstrução da imagem de ‘incapacidade’ muitas vezes dada às crianças e adolescentes que se associa aos seus diagnósticos, impulsionando aspectos da criatividade e assim permitindo emergir subjetividades, buscando oportunizar o aparecimento de novas formas de ser desses pacientes. A proposta de fuxicar na sala de espera objetiva, a partir do desenvolvimento de uma técnica muito simples de corte e costura, criar um espaço de acolhimento, de uma forma dinâmica e participativa, além de proporcionar um espaço de escuta aos participantes. Os fuxicos, que no início eram feitos apenas a partir da técnica aprendida passaram a ganhar novos formatos, além de em determinado momento terem sido unidos para formar um tapete ou transformados em ioiô ou bolinhas a partir das idéias dos participantes infantis. A autonomia no fazer, a costura e a união das peças simbolizam a subjetivação e a integração proporcionadas ao sujeito durante as oficinas. 5. CONCLUSÃO Os resultados obtidos são parciais já que a oficina encontra-se em andamento. Com base nas produções e nas construções realizadas pelos participantes durante esse período, - por exemplo, a confecção a partir dos fuxicos de novos materiais como flores, bolas, etc. – percebemos que a partir dessas experiências houve a constituição de uma base importante para o desenvolvimento de novas propostas terapêuticas e interventivas no CAPSi. Isso porque a utilização de disparadores como o fuxico mostrou ser de grande valia na busca de tratamentos terapêuticos alternativos no serviço de sáude mental. O funcionamento da oficina de fuxicos no CAPSi de Santa Maria possibilitou a criação de um espaço terapêutico num local que devido ao intenso fluxo de pessoas era tido como ‘um lugar de passagem’. Porém, ao oferecermos uma atividade que primeiramente parecesse apenas ocupacional, estávamos, no entanto, oferecendo algo mais, em nível terapêutico: uma escuta diferenciada para os participantes da oficina. Assim, a confecção de fuxicos na sala de espera mostrou a importância da criação de espaços nos serviços de saúde mental que incentivem a livre expressão dos sujeitos, que também reforcem os laços sociais através da convivência destes com outros usuários do serviço assim como a equipe técnica e que permitam emergir o sujeito com toda a sua problemática para que assim se possa intervir e possibilitar o surgimento de novas formas de ser dos sujeitos. 4 REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. DOMBI-BARBOSA, C. et al . Condutas terapêuticas de atenção às famílias da população infantojuvenil atendida nos centros de atenção psicossocial infantojuvenis (CAPSI) do estado de São Paulo. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum., São Paulo, v. 19, n. 2, Aug. 2009 Disponível em: <http://pepsic.homolog.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010412822009000200007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30/09/2010 WINNICOTT, .D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. 5