1 RELEVO PIAUIENSE: uma proposta de classificação Iracilde Maria de Moura Fé Lima APRESENTAÇÃO Este trabalho foi desenvolvido originalmente como uma das áreas de estudo que integra o PROJETO DELIMITAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL SEMI-ÁRIDO – ESTADO DO PIAUÍ – , objeto de convênio entre o CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia e as Universidades Federais do Nordeste, através de acompanhamento pela SUDENE. No Piauí, a área de geomorfologia necessitou desenvolver inicialmente o trabalho de classificação do relevo, como suporte à análise das formas de relevo do domínio semiárido deste Estado. Assim, este estudo foi realizado durante os anos de 1982 e 1983, envolvendo desde o levantamento dos trabalhos já realizados, que de alguma forma se referem aos tipos de relevo piauiense, à montagem de uma criteriosa metodologia de fundamentação geomorfológica, compatível com a natureza do estudo. Como objetivo geral, portanto, o presente trabalho visa fornecer subsídios para a compreensão das diferenças sub-regionais, através da proposição de uma base sobre qual poderão ser desenvolvidos os trabalhos de detalhamento do relevo piauiense. INTRODUÇÃO O estudo geomorfológico reveste-se de grande importância em estudos ambientais, pois procura mostrar a distribuição espacial dos conjuntos de formas que compõem cada compartimento estrutural-topográfico, suas origens e características evolutivas, dados estes indispensáveis, principalmente, aos trabalhos de levantamento e exploração dos recursos naturais renováveis. Objetivando a compreensão do espaço piauiense, procurou-se contribuir para esta área do conhecimento através da: 1- Identificação das unidades da estrutura geológica do espaço piauiense; 2- Definição e mapeamento de compartimentos regionais de relevo por unidades lito-estruturais; Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 2 3- Caracterização desses compartimentos regionais e identificação de feições geomorfológicas locais. Esses objetivos envolvem uma proposta de classificação dos compartimentos regionais por unidades estruturais, como suporte à discussão da gênese, da composição e da evolução das formas locais de relevo. As limitações encontradas estão ligadas aos aspectos bibliográficos, uma vez que a literatura geomorfológica sobre o Piauí, além de fragmentada, é generalizada, abrangendo toda a grande região Nordeste. Pretendeu-se, sobretudo, iniciar o trabalho de explicação do relevo piauiense, realçando-se a necessidade de um aprofundamento maior destes estudos, visando não somente à localização, mas ao conhecimento das relações entre a estrutura e os processos responsáveis pela gênese e evolução dessas formas, tendo em vista, principalmente, a sua utilização adequada pelo homem. METODOLOGIA Este trabalho desenvolveu-se a partir das etapas de levantamento e análise da documentação bibliográfica e cartográfica; inspeção ao campo em algumas áreas; mapeamento e caracterização dos compartimentos regionais de relevo. As imagens Landsat e de Radar, na escala de 1:250.000, permitem uma visão regional e um bom realce do relevo e facilitam, ainda, a identificação do estabelecimento e das relações da drenagem com a estrutura geológica. Assim, utilizaram-se imagens Landsat em preto e branco (canal 7) e de Radar em papel off-set, para a identificação das unidades estruturais e depósitos de cobertura, bem como dos compartimentos regionais de relevo, traçando o esboço das formas locais. O mapeamento efetuado foi reduzido para 1:1.000.000 e em seguida para 1:4.000.000. Para definição dos depósitos de cobertura foi utilizado o mapeamento do RADAM (1973). As informações relativas às altitudes foram transcritas por superposição do mapa do Brasil ao milionésimo (IBGE, 1979). Em função da grande extensão do território piauiense, de aproximadamente 251.000 km², as verificações de campo tiveram um caráter exploratório ao nível dos compartimentos regionais. Seguiram-se roteiros através das estradas principais, vicinais e caminhos, efetuando-se paradas para observação. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 3 Considerou-se “compartimento regional de relevo” cada conjunto regional de formas que apresente uma certa unidade geológico-topográfica e relações entre si na forma de evolução. Assim, foram utilizados para a sua classificação os indicadores lito-estruturais, topográficos e climáticos. Estes testemunharam a atuação de processos morfoclimáticos regionais, responsáveis pela morfogênese local. Em função do uso generalizado do termo “SERRA” para todas as elevações piauienses, foram incluídas neste trabalho algumas notas de roda pé, esclarecendo a sua substituição por vocábulos tecnicamente mais adequados. Guerra (1966) salienta que o termo “serra” é utilizado com sentido muito amplo, que deixou de ser usado pelos geomorfólogos por não indicar uma explicação genética-evolutiva. A caracterização do relevo como integrante do domínio semiárido piauiense foi discutida no capítulo III do relatório final do “Projeto Delimitação e Regionalização do Brasil Semi-Árido – Estado do Piauí” (1984). REVISÃO DOS CONHECIMENTOS ANTERIORES Através de análise da literatura geomorfológica disponível observa-se que os estudos sobre o Piauí são desenvolvidos em escalas muito reduzidas, o que implica num nível de grande generalização das formas do relevo piauiense. Assim, destacam-se breves comentários sobre esses trabalhos, que, de alguma forma, referem-se às classes de relevo do espaço piauiense: I – Ab’Sáber (1960) caracteriza como morfologia monoclinal a maior parte do modelado piauiense, classificando-o como um “sistema de cuestas concêntricas de front externo, esculpidas em sedimentos da bacia intra-cratônica soerguida”. Acrescenta, apenas, que esse front é voltado para a área de rochas cristalinas do maciço antigo, submetido a longos períodos de processo de desnudação marginal (Moreira, 1977). II – O mapeamento realizado pelo Projeto RADAM (1973), identifica feições geomorfológicas em todo o espaço piauiense, no entanto, o tratamento analítico é feito a nível regional das grandes unidades morfo-estruturais nordestinas. Segundo este estudo, o Piauí incluindo-se nas seguintes unidades: 1. Litoral; 2. Planalto da bacia sedimentar do Maranhão-Piauí; 3. Planalto Central do Maranhão; Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 4 4. Depressão periférica do Médio São Francisco; 5. Planalto Ocidental do Médio São Francisco; 6. Depressão Interplanáltica de Parnaguá. III – Batista (1975, 1981) agrupa as formas de relevo do Piauí em cinco chapadas e chapadões: 1. O Arco da Fronteira, que se divide em duas secções pela Chapada do Araripe, constituindo-se ao Sul o divisor das bacias hidrográficas do Parnaíba e do São Francisco e ao Norte separando os vales piauienses dos cearenses; 2. Os Chapadões do Sul, correspondendo às escarpas do Arco da Fronteira, “que vão perdendo altitude no sentido sul/norte”; 3. As Cuestas do Centro, que apresentam mergulho das camadas de leste para oeste; 4. Os Contrafortes da Ibiapaba, identificados como cuestas que pertencem ao setor norte do Arco da Fronteira; 5. Os Morros Isolados, que são as formas de pequenas altitudes, que intercalam as formas de maior expressão espacial. IV – A classificação apresentada por Moreira (1977) abrange, além das linhas predominantes de cuestas, os glacis, os sertões e as formas de detalhe. Destaca duas grandes linhas de cuestas: a primeira, formada por um semicírculo, constitui os limites da bacia sedimentar com o escudo cristalino, a leste, apresentando uma litologia predominantemente constituída de arenitos e conglomerados que compõem as Formações Serra Grande e Pimenteiras. Nessa cuesta externa, sobressaem-se dois grandes conjuntos de formas separados pelo canyon do Poti: a Serra da Ibiapaba e a Serra Grande, consideradas como um alinhamento bem característico de escarpa de circundesnudação. A segunda linha, em menor escala, compreende as áreas entre os rios Longá e Gurguéia e apresenta-se bastante compartimentada pela incisão da drenagem. Considera a condição de glacis “amplamente desenvolvida e bastante esbatidos”, por se localizarem nas rochas Paleozóicas e Mesozóicas, apresentando-se em camadas de grande espessura, fraca inclinação e elevado grau de porosidade e permeabilidade, o que dificulta a organização da rede de escoamento superficial. Ressalta que o comportamento da área sertaneja é semelhante para todo o Nordeste, diferindo apenas, na porção piauiense onde a estrutura geológica é de rochas sedimentares. Na área cristalina observa-se maior dissecação linear embora com uma drenagem atual de caráter temporário. As áreas de maior povoamento ocorrem próximo às concentrações de água superficial ou nas suaves depressões mais úmidas, chamadas localmente de “baixões”. Como Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 5 formas de detalhe, são referidas as do tipo ruiniformes, que ocorrem nos sedimentos areníticos da “Formação Cabeças”, resultantes da intensa erosão pluvio-eólica orientada pelas áreas de fraqueza: as diáclasses. V – Lins (1978), ao analisar a bacia do Parnaíba, faz referência aos conceitos teóricos sobre formas de relevo, destacando a sua localização. Salienta o conjunto de cuestas que bordeja a bacia sedimentar em áreas piauienses, bem como considera, a exemplo da classificação de Moreira anteriormente citada, uma segunda linha de “cuestas interiores”, assinalando os contatos entre as formações e mesmo entre litologias diferentes dentro da mesma formação geológica. Lins destaca outra unidade classificando-a como Chapadões ou Chapadas, representada pelas grandes formas tabulares que “se dilatam no sul do Piauí e Maranhão”. Faz referências, ainda, às relíquias ruiniformes de Sete Cidades esculpidas na “Formação Pimenteiras”, além de feições isoladas tanto ao norte como ao sul do Estado. Outra importante contribuição desse trabalho constitui-se das referências aos níveis de aplainamentos, através dos processos de pedimentação e pediplanação, estudados no Brasil a partir dos trabalhos de Bigarella e colaboradores (1965). VI – O estudo de Pellerin (1983), representa o primeiro trabalho de mapeamento e análise geomorfológica de detalhe no Estado do Piauí, utilizando fotografias áreas na escala de 1:25.000. Constitui-se numa análise da área do Parque nacional da Serra da Capivara na região sudeste, onde ocorrem as pinturas rupestres, nos municípios de São Raimundo Nonato/São João do Piauí. Este trabalho identifica três grandes conjuntos geomorfológicos: 1- Os planaltos conhecidos como chapadas, “muito regulares e monótonos”, com altitudes entre 630-600 metros a SE e 520-500 metros a NW. Observou nesses conjuntos as formas locais de platôs, vales de fundo chato e feições ruiniformes. Destacou que esta área encontra-se praticamente desabitada pelo homem, apresentando uma vegetação de caatinga arbustiva e presenças de crostas ferruginosas sobre os afloramentos rochosos nas vertentes, e que ocorrem abrigos de pinturas rupestres nos vales dos riachos da Serra Branca e do Boqueirão. 2- A zona de “cuestas” areníticas (Serra da Capivara, Nova, do Bom Jesus do Gurguéia). Considerou esta zona uma cuesta dupla de arenito, com deposição intermediária de conglomerados, a qual se encontra profundamente cortada por canyons de quilômetros de extensão, com paredes verticais ruiniformes. Figura esta área como a de maior concentração de pinturas rupestres. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 6 3- Um vasto pedimento, dominado pelos inselbergs que se realçam pela erosão diferencial. Considerou este um prolongamento norte da depressão periférica do médio São Francisco, cortando, ao sul, uma série gnaíssica em numerosos inselbergs residuais e, ao norte, uma série micaxistosa bem aplainada, porém recortada por diversos batólitos graníticos intrusivos. Destaca que esta representa, entre as citadas, a unidade de maior intensidade de ocupação humana e concentração superficial de água em padrão dendrítico, em oposição ao padrão das unidades sedimentares. BASES GEOLÓGICAS DO RELEVO – GRANDES UNIDADES LITO- ESTRUTURAIS. Os processos resultantes das oscilações climáticas subatuais, associados à orientação da estrutura geológica são responsáveis pela elaboração das formas de relevo que, na atualidade, continuaram a evoluir em combinação com os demais elementos do quadro natural. Assim é que a gênese do modelado em áreas piauienses reflete as condições litológicas e de atuação tectônica pretérita, a que se submeteu toda a estrutura geológica do nordeste e que, mais recentemente – a partir do Pliopleistoceno –, documenta variações climáticas responsáveis pela dinâmica subatual e atual do seu modelado (AB’SABER, 1969). Procura-se, portanto, analisar o relevo piauiense a partir da identificação das feições por compartimento regional, dentro de cada unidade morfoestrutural. Identificam-se essas bases geológicas por grandes unidades lito-estruturais e sedimentos recentes que, no Piauí, compreendem a seguinte distribuição, conforme Figuras 1 e 2: I – Embasamento cristalino Pré-Cambriano; II – Formações Paleo-Mesozóicas da Bacia Sedimentar do Maranhão-Piauí; III – Sedimentos Terciários da Formação Barreiras; IV – Sedimentos Costeiros Quaternários. Os terrenos do embasamento cristalino no Estado do Piauí são datados do PréCambriano e correspondem à faixa do Escudo Nordestino, no contato sul e sudeste da bacia sedimentar do Maranhão-Piauí. Representam, portanto, a continuidade das depressões sertanejas regionais que ocorrem em todo o nordeste oriental, abrangendo no Piauí uma área de aproximadamente 39.000 km², ou seja, 15% da área total do Estado. Com relação à bacia sedimentar do Maranhão-Piauí, a literatura geológica observa que a posição intra-cratônica dessa bacia favoreceu a deposição sedimentar que oscilou com as Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 7 transgressões e regressões marinhas, associadas aos movimentos de subsidência e soerguimento. O seu abaixamento está ligado às perturbações da crosta a partir do PréCambriano. Figura 1: Esboço da base geológica do Nordeste do Brasil Fonte: Aziz Nacib Ab’Saber (1980) Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 8 Figura 2: Formações Geológicas da Bacia Sedimentar do Maranhão-Piauí Fonte: Josué C. Mendes (1971). Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 9 As discordâncias que estão refletidas hoje na sua estratigrafia, atestam a ciclicidade dos períodos sedimentares de sua formação, embora ocorram em área de extensão pouco significativa em relação ao total da bacia. Essa sedimentação se processou a partir do Siluriano em ciclos de duração e intensidade variadas, sobre uma superfície que se rebaixou, quando da subsidência de grandes regiões, formando, entre outras, a sinéclise, que compreende a bacia sedimentar do Maranhão-Piauí, paralelamente à elevação de outras áreas – as antéclises – com a exposição do embasamento cristalino. As formações geológicas que a compõem se distribuem sucessiva e paralelamente entre si, obedecendo à direção geral norte/sul, com um mergulho suave de leste para oeste e atingem, no Piauí, uma profundidade pouco acima de 2000m, localizando-se sua maior espessura no interior do Estado do Maranhão (Figura 2). Figura 3: Perfil Geológico e topográfico da Bacia Sedimentar Maranhão-Piauí Fonte: Josué C. Mendes (1971) O seu caráter litogenético e a ausência de grandes perturbações em sua camada indicam que essa bacia não foi testemunha de processos orogenéticos. O seu soerguimento vertical se deu em conjunto, atestando assim, um caráter epirogenético, quando as perturbações diastróficas lhe causaram grandes raios de curvaturas, resultando em suaves dobramentos e falhas, orientados na direção NE e NW, predominantemente. Esses falhamentos regionais no Piauí são representados pelas grandes falhas transcorrentes de Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 10 Jaibara – Porto Nacional ou de Guaraciaba na direção NE/SW, a de Urbano Santos – Oeiras (ou de Canindé) e a de Curimatá, ambas de direção NW/SE, desenvolvidas possivelmente do triássico ao Cretáceo, estas sugerem a orientação dos grandes rios, além do alinhamento das feições estruturais da bacia sedimentar (Cunha, 1972 e Radam, 1973). Observa-se, que além desses falhamentos regionais, ocorrem ainda, grande número de falhas de fraturamentos por toda a bacia, que se refletem no comportamento das formas de relevo também a nível local. Esta constitui a unidade de maior expressão em área, atingindo cerca de 209.000 km², o que representa 83,5% da área total do Estado do Piauí. A terceira unidade corresponde aos tabuleiros pré-litorâneos, formados pelos sedimentos da Formação Barreiras, datados do Terciário. Resulta numa forma glacis de acumulação, que se gerou a partir da deposição dos sedimentos continentais em direção ao litoral. No Piauí esta formação corresponde a uma faixa de aproximadamente 1.700 km², ou seja, 0,7% da área do Estado1. A quarta unidade compõe-se dos sedimentos recentes de praias e aluviões, os quais pertencem ao Quaternário. Corresponde à planície costeira, com 66 km de extensão, atingindo uma área em torno de 600 km², compreendendo apenas 0,2% da área de todo o Estado. 5. OS COMPARTIMENTOS REGIONAIS DE RELEVO E AS FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS E TIPOS DE MODELADOS. A partir da identificação das grandes unidades estruturais e de depósitos de cobertura foi desenvolvida e apresentada para este trabalho uma proposta de classificação de grandes conjuntos de formas de relevo, que se designaram como compartimentos regionais de relevo. Portanto, a classificação das formas do relevo piauiense que se segue, compreende inicialmente a identificação destes compartimentos regionais, por unidades estruturais, onde se individualizaram as formas locais de relevo. Assim, os critérios prioritários para esta classificação são de ordem estrutural, topográfica e de evolução. Iniciando a discussão sobre a interpretação, através dos processos que envolvem a gênese e a evolução do modelado atual, foram observados tanto os aspectos da litologia e demais elementos estruturais como as condições climáticas e a idade relativa dos conjuntos e 1 O mapeamento efetuado pelo Projeto Radam (1973) indica uma descontinuidade destes seguimentos ao se interromperem na área pré-litorânea e voltarem a ocorrer capeando a Formação Itapecuru, no interior da bacia sedimentar, formando uma camada horizontal. Identifica estes sedimentos como areno-argilosos, mas não se refere à sua estratigrafia. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 11 formas atuais. Foram identificados e mapeados os seguintes compartimentos regionais de relevo no Piauí conforme Tabela 1 e Figura 4: Tabela 1: Distribuição dos compartimentos regionais do Relevo do Piauiense. área e tipos de formas locais, segundo as unidades estruturais e depósitos de cobertura, no Estado do Piauí(1) Unidades Estruturais e Depósitos de Cobertura Compartimentos Regionais de Relevo Área que ocupa no Piauí(2) Km² (Aproximada) 600 Sedimentos Quaternários Planície Costeira Sedimentos Barreiras (Terciário Indiviso) Tabuleiros Pré- 1.700 litorâneos Baixos Planaltos do 61.000 Médio-Baixo Parnaíba Bacia Paleo-Mesozóica do Maranhão-Piauí Planalto Oriental da 43.000 Bacia do MaranhãoPiauí Chapadões do Alto- 106.000 Médio Parnaíba Embasamento Cristalino (Pré-Cambriano) Depressões Periféricas 39.000 (1) (1) Dimensionamento a partir de imagens Landsat e Radar, escala base 1:250.000 (2) (2) Área calculada através de planímetro (média de quatro medições da redução de 1:1000.000). Feições Geomorfológicas ou Tipos de Formas Locais Dunas móveis e dunas fixas Planícies flúviomarinhas Tabuleiros Agrupamentos de mesas Planaltos rebaixados Áreas de acumulação inundáveis Planícies flúvio-lacustres Reversos de Cuestas conservados em estrutura monoclinais Depressões monoclinais Feições ruiniformes Cimeira de Planaltos conservados Vales pedimentados Morros testemunhos Pedimentos Vales Inselbergs Obs.: Pelo critério de gênese esta tabela deverá ser lida de baixo para cima, ou seja, do Embasamento Cristalino para os Sedimentos Quaternários. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 12 Figura 4 – Mapa de Compartimentos do Relevo do Piauiense Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 13 I – Depressões Periféricas Este compartimento é representado pela faixa de áreas ao sudeste e sul do Piauí (periferia da Bacia Sedimentar Maranhão-Piauí). Limita-se ao norte com a porção sul da cuesta da Ibiapaba, conhecida como Serra Grande; ao leste com a chapada do Araripe; ao oeste com os Chapadões do Alto-Médio Parnaíba; ao sudeste com a Serra Dois Irmãos e ao sul com a Serra da Tabatinga. Compreende uma área de aproximadamente 39.000 km² correspondente a 15,6% da área total do Estado. Localiza-se na unidade estrutural do embasamento cristalino, pertencente ao núcleo nordestino do escudo brasileiro, datado do Pré-Cambriano. Os lineamentos registrados nesta área atestam perturbações tectônicas, que provocaram dobramentos e falhamentos PréSilurianos significativos para a evolução de suas formas superficiais. Com relação à exploração de minerais, este encontra-se em fase incipiente de aproveitamento comercial. Destacam-se: o mármore, no município de Pio IX, e o gesso em Simões, que são exportados através da estrada de ferro Paulistana/Petrolina, o níquel e amianto explorados pela Companhia Docegeo, e o talco em São Raimundo Nonato (BAPTISTA, 1981). Topograficamente corresponde a uma área deprimida, com um nível de base local de aproximadamente 300m de altitude, entre os bordos da bacia sedimentar Paleozóica e as Formações Cretáceas dos planaltos que ocorrem nos limites sudeste do Piauí com os Estados do Ceará e Pernambuco e ao sul com a Bahia. Estes limites são representados por escarpas de superfícies tabulares com altitudes em torno de 600 metros no Piauí, que apresentam, porém, sua plenitude nestes Estados vizinhos. A sua drenagem é intermitente, refletindo as condições climáticas atuais de baixos índices pluviométricos, irregularmente distribuídos, associados às condições de impermeabilidade da estrutura geológica que, por sua vez, vai refletir a não contribuição para a alimentação interna de seus rios no período da ausência das chuvas. As condições de potencial hidrogeológico são consideradas pela SUDENE, através de levantamento hidrogeológico básico do Nordeste (1978), como pertencentes à categoria do “muito fraco a nulo”, e os dados relativos ao escoamento superficial indicam uma vazão nula para os rios desta área. No entanto, o encaixamento de seus vales reflete condições climáticas subatuais de maior quantidade e concentração das chuvas, quando esses rios tiveram competência superior à atual. Essas fases de variação climática a que se submeteram não somente o Nordeste, mas o Brasil e, praticamente, todo o globo terrestre, durante o Quaternário (PENTEADO, 1971), são Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 14 possíveis de comprovação pelos registros deixados nos ambientes, como as linhas de pedras, cascalheiras, lateritas e sílex, entre outros. A maior intensidade de incisão da drenagem e de processos de pedimentação e pediplanação, observados no Nordeste e no Piauí, é explicada, assim, como anteriores à instalação dos domínios morfoclimáticos atuais, documentados por essas paleoformas a nível regional e local. Essas superfícies de erosão são representadas pelos “sertões” cristalinos da região Nordeste que foram elaboradas a partir de um passado remoto, Pré-Siluriano, uma vez que iniciaram o fornecimento de detritos para a formação da bacia sedimentar, submetendo-se ora com maior intensidade, ora com menor intensidade às perturbações tectônicas, oscilações do nível do mar e variações climáticas continentais. As combinações de processos regionais evacuaram “grandes quantidades de massa de solos e de rochas” responsáveis pela exposição de rochas intrusivas em toda sua extensão, como é o caso do granito (AB’SABER, 1975). Esses eventos são considerados como os agentes desencadeadores dos processos desnudacionais, a que se submeteram essas superfícies arrasadas. Na Região Nordeste não ocorreram recentemente condições de umidade suficientes, como foi o caso do sudeste/sul e norte do país, para nela se desenvolverem fases de processos de intemperismo químico pronunciado e, consequentemente, solos propícios à instalação de florestas. Estas, além da função de proteção dos solos contra a erosão, funcionaram como fixadoras de umidade que, aprofundando o manto de decomposição, possibilita também a infiltração e favorece a alimentação interna dos cursos d’água. Vale destacar, ainda, que a variedade mineralógica que compõe as rochas das regiões cristalinas, de origem magmática, em presença de constante umidade favorece o desenvolvimento de solos naturalmente ricos em nutrientes, que adquirem maior valor econômico em relação aos solos desenvolvidos em áreas sedimentares, predominantemente areníticas da bacia do Maranhão-Piauí. Os solos que ocupam essas áreas cristalinas, no Piauí, apresentam-se pouco intemperizados, portanto, de espessura pouco profunda, à exceção de alguns paleossolos2. Ocorrem, ainda, áreas, ora com tendência à salinização, notadamente na bacia do rio Piauí, ora com coberturas de cascalhos e seixos, observados nas rampas pedimentares e nos antigos terraços fluviais (atualmente não inundáveis). 2 Considera-se paleossolos aqueles tipos desenvolvidos em condições ambientais diferentes das atuais. No caso do Nordeste semiárido são aqueles que apresentam intemperismo químico pronunciado, incompatível, portanto, com as condições climáticas atuais dessa região. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 15 Como consequência das condições climáticas de pequena pluviosidade e grande amplitude de variação térmica, ocorre uma predominância de intemperismo físico sobre o químico, implicando numa cobertura vegetal natural rarefeita, representada pelas caatingas. Assim, por essa vegetação não proteger, suficientemente, as rochas e os solos contra os impactos das chuvas predominantemente torrenciais, verifica-se nessas áreas a predominância da retirada de regolito e de solos pela erosão laminar, em relação ao aprofundamento dos perfis de solos. Foram identificados neste compartimento como formas de relevo locais os inselbergs (morros residuais cristalinos realçados pela erosão diferencial), pedimentos no contato do rebordo da bacia com as depressões periféricas e, ainda, vales encaixados por rios mais ativos no passado. Os rios que drenam esta área correspondem a todos os afluentes que formam o curso do alto do Piauí/Canindé, e a porção leste do alto curso Gurguéia. A incisão desses rios isola os divisores internos povoados de inselbergs, pedimentos e alvéolos pedimentares em toda a extensão deste compartimento. Nas áreas centro e norte, onde se instalam as redes do Fidalgo, do Itaim e afluentes da margem esquerda (sentido nascente/foz) do Guaribas, os tipos de erosão pluvial e linear se fazem em níveis intensos, com dissecação em cristas, principalmente nos contatos dos rebordos com as depressões, tornando algumas áreas praticamente inaptas para a utilização agrícola. A continuidade dessas depressões periféricas ocorre no extremo sul, na área do alto Gurguéia (Grupo Salgueiro), onde seus afluentes Curimatá, Paraim e Contrato dissecaram e continuam a dissecar tanto o cristalino – deixando morros residuais (inselbergs) – como ao penetrar na área sedimentar isolam morros tabulares das Formações Serra Grande, Sambaíba e Itapecuru, fazendo recuar esse contato sedimentar/cristalino para o interior da bacia. Vale destacar a presença de afloramentos cristalinos, principalmente migmatitos e granitos de anatexia do Pré-Cambriano Indiviso, no contato entre a bacia sedimentar e a Formação Barreiras, no limite noroeste do Piauí com o Ceará. Apesar desta área estar incluída na categoria de Depressões Periféricas, representa o que se considerou como um setor de exumação local. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 16 II – Chapadões do Alto-Médio Parnaíba3 Este compartimento compreende o conjunto de extensos planaltos4 ao sul do Piauí, dentro da grande unidade estrutural da bacia sedimentar do Maranhão-Piauí. Inicia-se no contato com a área das depressões cristalinas, periféricas à bacia sedimentar, sendo representada pelos grandes planaltos conhecidos popularmente como “Serras”5 do Bom Jesus do Gurguéia, Semitumba, Vermelha, Uruçuí e Grande. Limita-se com o Tocantins, o Maranhão e pequena porção da Bahia, precisamente no contato com as Serras Semitumba e Tabatinga. Topograficamente, estes planaltos correspondem às superfícies tabulares de estrutura horizontal, apresentando altitudes que decrescem de sul para norte, verificando-se cotas de aproximadamente 700 metros ao sul e de 300 metros ao norte, próximo à foz do Gurguéia; enquanto que o nível de base local passa de 300 para menos de 200 metros nesses trechos. Ocupa uma área de aproximadamente 106.000km², em torno de 42% da área total do Estado e 50% da porção piauiense da bacia sedimentar. A litologia dessa unidade é constituída principalmente pelos arenitos da Formação Sambaíba (Triásico), que corresponde aos altos interflúvios do Parnaíba/Gurguéia/Itaueira/Piauí. Na bacia do Canindé, os interflúvios (áreas entre seus afluentes) correspondem às Formações Longá e Cabeças (arenitos e folhelhos Devonianos) e na base dos valores, aflora, predominantemente, a Formação Piauí (arenitos intercalados de folhelhos carbonosos e restos de plantas carbonizadas datadas do carbonífero). No contato com o cristalino, principalmente, observa-se a presença de grandes falhamentos que cruzam todo o Estado, com as falhas de Curimatá e de Barreiras, ao sul, e a do rio Canindé, no limite norte deste compartimento, que apresentam a direção geral NW / SE. Ocorrem também outras falhas de menor expressão espacial, em direções ortogonais, mapeados pelo RADAM (1973), sendo que a sua maioria encontra-se mascarada pela sedimentação. 3 Do ponto de vista geomorfológico o termo “Chapada” consiste em um planalto sedimentar típico de encostas elevadas. O “Chapadão” representa uma designação regional para uma série de chapadas ou planaltos de superfície regular (GUERRA, 1966). 4 “Planalto” é um vocábulo muito utilizado, porém deverá estar sempre associado ao tipo de estrutura, que lhe atribuirá à origem, para não adquirir uma conotação apenas descritiva da forma horizontal ou subhorizontal e da altitude elevada (GUERRA, 1966). 5 O termo “serra” indica elevações acidentadas, com fortes desníveis, tratando-se, porém, de uma descrição empírica e muito imprecisa. As “serras” do sul do Piauí foram designadas neste trabalho Planaltos Sedimentares por possuírem estrutura geológica de rochas sedimentares em camadas horizontais. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 17 Podem ser identificadas nesse compartimento, visíveis na escala de 1:1.000.000, as seguintes feições geomorfológicas: As Superfícies de Cimeira de planaltos conservados, que correspondem às áreas de cumeadas tabulares, que decrescem em patamares estruturais na direção sul / norte. Apresentam nítidos rebordos estruturais também no contato com os vales, passíveis de comprovação em trabalho de campo; Morros testemunhos, que documentam o recuo das encostas por processos pedimentares. Apresentam nítida evolução atual através da desagregação mecânica, por estarem desprotegidas de cobertura vegetal; Vales Pedimentares de fundos chatos, limitados por vertentes predominantemente retilíneas que se elevam em patamares estruturais até os níveis das superfícies de cimeira. Dentre este, destacam-se os Canyons ou Boqueirões formados pelos rios Paraim e Piauí, que, atualmente, encontram-se bastante alargados pela erosão lateral. Estes vales apresentam essa forma ao cortarem estruturas geológicas diferentes (da cristalina exumada à sedimentar soerguida), apresentando uma amplitude altimétrica em torno de 300 metros. Esses largos vales de fundos chatos são resultantes do recuo das encostas por processos de pedimentação e exibem no seu interior grande quantidade de morros que testemunham esse recuo. Estes morros sedimentares residuais resultam da expressiva dissecação subatual e atual nas áreas de encostas, que têm formas predominantemente retilíneas. Os vales são bem incisivos, a partir dos formadores que nascem nos sedimentos do limite sul do Piauí e nas depressões cristalinas sertanejas, tendo como rios principais o alto Parnaíba, o Gurguéia e o Canindé. Este se representa nesse compartimento pelos seus afluentes da margem esquerda, notadamente, o médio curso do Piauí. Dentre os demais rios que merecem destaque, pela sua expressiva extensão, encontram-se: o Uruçuí Preto, que nasce no interflúvio Parnaíba/Gurguéia, e o ltaueira no interflúvio Gurguéia/Piauí. Estes diferem do Gurguéia e do Canindé por drenarem uma só estrutura: a do tipo sedimentar. É nesse compartimento que se encontra o limite entre os tipos de regime de águas superficiais perenes e temporários, tanto da área que ocupa a bacia hidrográfica do Parnaíba como de toda a bacia sedimentar do Maranhão – Piauí. Este limite é representado pelo rio Gurguéia, pois todos os rios à sua esquerda são perenes, enquanto os de sua direita são temporários. Estes tipos de regime refletem tanto as condições de maior quantidade de chuvas ________________________ (6) O termo “serra” indica elevações acidentadas, com fortes desníveis, tratando-se porém, de uma descrição empírica e Publicado originalmente: Carta Teresina. v.12 n.2 p.neste 55-84trabalho Ago/Dez 1987. Sedimentares Digitalizadopor empossuírem 2013. muito imprecisa. As “serras” do CEPRO. sul do Piauí foram designadas Planaltos estrutura geológica de rochas sedimentares em camadas horizontais. 18 distribuídas em maior período do ano – portanto a transição climática do tipo mais seco para o mais úmido, como as condições de alimentação interna, ou seja, a surgência de águas subsuperficiais para estes leitos, a partir das áreas dos vales do Gurguéia e das bacias hidrográficas à sua esquerda. O vale do rio Gurguéia se destaca pela sua extensão, abrangendo uma área estimada de 300km2 (Lins 1978). É considerado o vale pedimentar de maior expressão desta unidade, pois sua evolução se faz a partir do recuo das encostas, possibilitando, assim, tanto o alargamento do leito maior, quanto maior liberdade para divagar, formando meandros, uma vez que a amplitude do seu perfil longitudinal sendo pequena favorece este comportamento. Destaca-se, ainda, que além de solos coluviais e aluviais que aí se desenvolvem, a disponibilidade natural de umidade pela perenidade do rio e a presença de aquíferos sob alta pressão (jorrantes) que permitem maior enriquecimento deste – natural e de exploração – em relação aos vales vizinhos. Em alguns trechos do curso, porém, o leito desse rio encontra-se encaixado na estrutura geológica, denotando condições anteriores de maior competência em relação à atual. Apesar desse enriquecimento milenar, tanto pelo recebimento de material mais fino que chega às suas margens através da seleção natural dos detritos – da encosta até o leito maior – quanto pela inundação periódica do rio depositando o material em suspensão e em dissolução, essa área atualmente encontra-se subutilizada. Observa-se a ocupação atual somente de algumas manchas esparsas, principalmente pela pecuária e pelo cultivo do arroz dentro do vale, e do milho e feijão nas áreas mais elevadas, mas que se tornam inexpressivas em relação à área total. Nesta última década é crescente a ocupação das áreas mais elevadas, não só desta bacia hidrográfica, mas de todo o compartimento por projetos de reflorestamento, utilizando o cajueiro como essência prioritária. III – Planalto Oriental da Bacia Sedimentar do Maranhão Piauí Este compartimento localiza-se na bacia sedimentar do Maranhão – Piauí, no contato leste com o Ceará. Apresenta uma área aproximadamente de 43.000km2, em torno de 17,2 % da área total do Piauí e 20,6% da porção piauiense da bacia sedimentar. Topograficamente, essa área reflete a estrutura monoclinal de cuesta6, por apresentar um mergulho de suas camadas em torno de 5 graus, no sentido leste/oeste. As altitudes variam 6 "Cuesta" corresponde a um tipo de Planalto Sedimentar dessimétrico, por apresentar um mergulho suave (em torno de 30º graus) de finas camadas. O corte abrupto em um dos seus limites, representa o "front" ou Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 19 entre 900 metros – áreas mais elevadas no Ceará – e um nível de base local em torno de 200 metros. Forma uma grande linha de cuesta, cujo "front" está voltado para as depressões sertanejas cearenses e o reverso para o Piauí. Apresenta-se mais uniforme ao norte, onde é denominada genericamente de "Serra da Ibiapaba" e ao sul, a partir do canyon ou boqueirão do rio Poti, é conhecida por "Serra Grande", apresentando, nessa parte, altitudes mais modestas, e escarpa bastante festonada pela drenagem de sudoeste do Ceará. Interrompe-se, praticamente, nos limites com os terrenos cristalinos no sudeste piauiense, onde o seu contato é representado pela Chapada do Araripe (Ceará/Pernambuco) que, em terras piauienses, faz-se representar por uma estreita faixa de sedimentos. A sudeste limita-se com as depressões periféricas e a oeste com os Baixos Planaltos do Médio-Baixo Parnaíba. A litologia é formada, predominantemente, por arenitos e folhelhos, que compõem as Formações Serra Grande, Pimenteiras e Cabeças, apresentando capeamentos pontuais de pequena expressão das Formações Piauí e Itapecuru. Observa-se que a área constituída pela Formação Serra Grande é a que se apresenta mais conservada, em termos de erosão areolar, em relação às demais formações, correspondendo desde o "front" ao reverso imediato destas, da linha da cuesta, que forma o bordo da própria bacia sedimentar soerguida. Esta área é testemunha dos grandes falhamentos regionais que cortam todo o Piauí, falhamentos que deslocaram grandes blocos de sedimentos e direcionaram o encaixe da drenagem na estrutura em direção ortogonais de NE/SW e NW/SE. As maiores falhas são conhecidas como Urbano Santos/Oeiras (ou falha do rio Canindé), que é cortado pela falha de Picos em ângulo reto, a de Guaraciaba (ou de Jaibara/Porto Nacional), e a de Curimatá, entre outras de menor extensão detectadas ou inferidas pelo RADAM (1973). São frequentes também, nesta porção a ocorrência de fraturas silicificadas, (Formações Serra Grande e Cabeças), de diques de diabásio (basalto?) de extensões variadas, ocorrendo de norte a sul responsáveis pela formação de solos mineralogicamente ricos, e ainda, de alguns domos estruturais ao longo das Formações Pimenteiras e Cabeças. Este poderoso controle estrutural, segundo Lima (1982), reflete o soerguimento em conjunto e a estrutura local intensamente falhada e fraturada que determina as feições atuais. As formas de relevo deste compartimento estão representadas pelos reversos de cuestas conservadas em estruturas monoclinais, depressões e vales encaixados – destacandose o canyon ou boqueirão do Poti, que tem piso cristalino e encostas sedimentares com frente e o declive suave do sentido contrário ao front designa-se "reverso". O ataque da erosão diferencial realça a diferença de resistência de suas camadas ou formações geológicas. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 20 amplitude de mais de 300 metros. Merece destaque, ainda, outro tipo de feição geomorfológica, como a do tipo ruiniforme que ocorre nos municípios de Castelo do Piauí/São Miguel do Tapuio e Picos. Esta representa afeição residual que se forma a partir do desgaste provocado pela erosão plúvio/eólica, segundo, os planos de diaclases, na Formação Cabeças. No município de Piracuruca, no contato desta unidade com os Baixos Planaltos do Médio Baixo Parnaíba, ocorre um expressivo agrupamento destas formas-relíquia na área do Parque Nacional de Sete Cidades. Nessas áreas, uma fina cimentação, capeia o arenito, protegendo-o contra o desgaste acelerado. Apresenta, na maioria dos "conjuntos monumentos", uma aparência de casco de tartaruga pela retração da rocha, segundo os planos de diaclases, como resultante das variações climáticas que o Nordeste sofreu durante o Pleistoceno (MAIO, 1962). A interiorização deste planalto se apresenta como um grande desmembramento em forma de cuestas gradativamente menos elevadas, atestando que a sua condição estrutural comanda os processos erosivos. O desgaste do reverso é representado principalmente pela forte incisão dos grandes rios que drenam essa área como o Longá, através dos seus afluentes: os rios dos Matos, Piracuruca e Corrente; o Poti, representado pelos seus afluentes: Macambiras, Cais, São Nicolau e Sambito; e ainda, o Canindé que se representa pelo rio Guaribas no, contato entre esta unidade e as depressões cristalinas. Observa-se que estes rios se encontram em processo de erosão regressiva, encaixados na estrutura do reverso intensamente fraturada, paralelamente, entre si, obedecendo predominante a mente à direção geral destes falhamentos de NE/SW e, em menor proporção, à direção do mergulho da estrutura de E/W. Sugerem um comportamento semelhante ao do rio Poti que, segundo hipótese de fendida por Lima (1982), baseando-se em várias evidências, coloca a elevada probabilidade de que o Poti aproveitando-se de fraquezas litológica e estrutural tenha cortado gradualmente por erosão regressiva a estrutura da cuesta, através do processo de epigenia por superimposição, formando um grande canyon, e capturando a drenagem endorréica da depressão periférica de Crateús. A área do grande reverso da cuesta em terras piauienses apresenta uma reduzida umidade em relação à porção cearense, em função da predominância das chuvas orográficas, atingindo somente o seu front e reverso imediato (maiores altitudes do planalto, principalmente a porção norte limitada pelo canyon do Poti). A vegetação característica do lado piauiense compõe-se predominantemente de cerrados e caatingas, intercalados de palmeiras nas áreas mais úmidas. Os solos são predomiPublicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 21 nantemente arenosos e pobres, executando-se algumas manchas localizadas, resultando assim numa agricultura e extração vegetal sem grande expressão em relação à produção do Estado. Destacam-se, portanto, a exploração industrial da opala, no município de Pedro II, e de lajes para revestimentos e pisos, retiradas dos folhelhos diaclasados da Formação Cabeças, no município de Castelo do Piauí. IV – Baixos planaltos do Médio–Baixo Parnaíba Este compartimento inicia-se com o arco norte dos sedimentos Paleozóicos das Formações Serra Grande e Pimenteiras, no contato com a Formação Barreiras, ao norte do Estado. O seu extremo noroeste corresponde à planície fluvial do Parnaíba, a partir da Lagoa do Cajueiro (Joaquim Pires) e em direção: a montante do Parnaíba até à foz do Gurguéia, quando aquele rio retorna à direção geral Sanfranciscana (sul/norte). A este limita-se com o Planalto Oriental da Bacia Sedimentar – a cuesta da Ibiapaba – e, ao sul, com os Chapadões do Alto-Médio Parnaíba. Compreende uma área de aproximadamente 61.000km², ou seja, 24,4% do total do Estado e 29,2% da bacia sedimentar – área piauiense. Sua litologia é constituída predominantemente pelos sedimentos Devonianos (arenitos e folhelhos) da Formação Longá; arenitos intercalados com folhelhos datados do Carbonífero (Formação Piauí); arenitos, folhelhos, siltitos e calcários, das Formações Pedra de Fogo e Itapecuru, do Permiano ao Cretáceo; e uma mancha de sedimentos Terciários da Formação Barreiras, formando topo entre os rios Longá\Parnaíba. Destacam-se afloramentos de sill e diques Cretáceos de basaltos (alguns autores denomina-os como diabásio), na área sul desse compartimento, mapeados pelo RADAM (1973), como Formação Orozimbo, ocorrendo nos municípios de Água Branca, São Pedro e adjacências, em maior expressão espacial. Em direção ao sul, nos municípios de Amarante, Floriano e Valença, esses afloramentos se tomam mais esparsos, como se pode observar em campo, não se conhecendo ainda os mapeamentos detalhados dessas manchas de rochas básicas. Nas áreas desses afloramentos observa-se maior ocupação agrícola, pois esses solos minerais escuros desenvolvidos nessas rochas básicas, pela sua fertilidade natural, adquirem maior valor para utilização agrícola, sendo considerados como os melhores de todo o Estado. Topograficamente, esse compartimento apresenta reflexos, ainda que fracos, do mergulho geral das camadas suborizontais como continuidade aos terrenos da cuesta da Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 22 Ibiapaba. As altitudes evoluem, portanto, de oeste para leste, aproximadamente 20/40 metros no vale do Parnaíba e para 200/300 metros nos planaltos rebaixados. A dissecação, em intert1úvios tabulares, isola pequenos planaltos considerados como mesas com simetria de vertentes, pela sua forma tabular, que, ora se adensam formando os grupamentos de mesas, ora se esparsas formando vales coluviais achatados, além dos aluviais. Assim, apesar desse compartimento ser classificado como categoria erosiva, principalmente, porque nas suas porções central, sudeste e sul ocorrem predominantemente os processos erosivos em relação aos processos de formação de solos, observa-se que esse desgaste é, em parte, ainda, orientado pela estrutura geológica. Justifica-se esta afirmação pela observação de que o contato desse compartimento com a grande linha de cuesta que forma o Planalto da Ibiapaba é identificado por Moreira (1977) como uma segunda linha de cuestas internas de menores altitudes que correspondem a degraus estruturais, relacionados aos sills de diabásio (basalto?), que são comuns na Formação Longá. Para o interior desta bacia, no entanto, as cuestas menores vão perdendo a sua forma característica para apresentarem-se dissecadas em unidades menores de mesas e morrotes, guardando parcialmente a topografia tabular de camadas horizontais. Em muitas áreas, a manutenção dessas superfícies deve-se ao capeamento por concreções lateríticas, que funcionam como proteção contra o desgaste. Como formas de relevo locais podem ser citados os agrupamentos de mesas, os planaltos rebaixados, os morros testemunhas tipo mesa e morrotes, as áreas deprimidas de acumulação inundáveis e as planícies flúvio-lacustres dos rios Parnaíba e Longá. Como planaltos rebaixados podem ser identificadas as formas localmente conhecidas por Serra Grande, Serra do Grajaú, Serra da Lagoa Funda, Chapada Grande, Serra de São Pedro e Serra do Tabuleiro, entre outras. Os rios nesse compartimento, que isolam em interflúvios tabulares os planaltos e as unidades menores citadas, apresentam um fluxo torrencial, inundando periodicamente áreas além leito maior, principalmente nos cursos baixos onde têm seus fluxos represados pelo rio Parnaíba, em períodos de "cheias". Representam a drenagem dessa área, os baixos cursos dos rios Canindé e Poti, de direção sudeste/noroeste, pequeno trecho (próximo à foz) do rio Itaueira, quase a totalidade da bacia do Longá e os trechos médio e baixo do rio Parnaíba (margem direita), que apresentam direção sul/norte. Na bacia do Longá, merece destaque a formação de uma área periodicamente inundável mapeada pelo RADAM (1973), como "agrupamento de lagoas temporárias em prováveis áreas de “playas” em exorreísmo”. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 23 Considerando-se pertinente essa explicação, acrescenta-se o fato de que a drenagem (formadores do Longá) tende ao padrão radial convergente em direção ao centro dessa área, atestando assim, topograficamente, que o processo de pedimentação subatual foi o responsável por essa feição geomorfológica, onde a deposição dos sedimentos finos alcançou o centro dessa depressão formando essas “playas". Essa mancha é bem expressiva na área e corresponde a grande parte da bacia do Longá, pois compreende desde os afluentes Jenipapo, Suruhim e longarzinbo (no limite sul com a bacia do Poti), até à foz do Longá no Parnaíba (área limite com a Formação Barreiras). Corresponde às porções centro e norte desse compartimento, onde ocorrem as Formações Longá e Poti/Piauí, que têm, como rochas constituintes, arenitos, folhelhos e siltitos. Assim, a topografia plana soma-se a presença de folhelhos e de siltitos abaixo dos arenitos que recobrem toda a superfície, que são responsáveis por esta área. Apresentam solos extremamente pobres e mal drenados. associados à ocorrência de afloramentos rochosos e manchas de concreções ferruginosas que vão refletir uma vegetação natural rarefeita de campos e transição de caatinga/cerrado nas áreas mais secas e, com maior frequência, a carnaúba/babaçu nas áreas inundáveis. Emperaire (1983) salienta que, neste trecho, ocorre degradação pontual da vegetação natural, em função dessas características edáficas encontrarem-se associadas a inadequada utilização pelo homem. V – Tabuleiros Pré-Litorâneos Este compartimento localiza-se ao norte do Piauí, tendo como limites a planície costeira ao norte, o rio Parnaíba a oeste, a bacia sedimentar ao sul e os afloramentos cristalinos a leste. Corresponde a uma área tabuliforme, onde as cotas mais elevadas atingem 60 metros. A sua área é de aproximadamente 1.700 km2 o que representa 0,7% do tota1 do Estado. A designação de barreiras para os sedimentos clásticos que ocorrem no litoral brasileiro foi proposta por Branner em 1902. Estudos posteriores de Oliveira e Leonardos (1943) os denominaram de Série Barreiras. Esta série representa uma faixa de sedimentos de origem continental, que granulometricamente variam de seixos a argilas, que se depositaram durante o Terciário, acompanhando o litoral brasileiro, desde o Amazonas ao Rio de Janeiro (RADAM,1981). Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 24 Nos Estados do Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, essa faixa de sedimentos Terciários é objeto de estudos geológicos e geomorfológicos (BIGARELLA e ANDRADE, 1964; RADAM, 1981; SOUZA, 1975). No Piauí, somente o mapa geológico do RADAM (1973) se refere a estes sedimentos, identificando-os como Formação Barreiras composta de arenitos brancos e róseo-avermelhados (pouco consolidados) granulação variada, leitos de argila creme e lentes de caulin e calcário. Apresenta-se recobrindo uma faixa de 5030 km de largura entre a bacia sedimentar e o litoral como um glacis de acumulação, designado como tabuleiros em todo Norte e Nordeste ao Brasil. Essa área corresponde aos interflúvios rebaixados dos principais rios: Parnaíba/Portinho/lgarapé Baixo do Salgado/Riacho da Baixa Velha/São Miguel/Cardoso/Camuripim/ Ubatuba/Camelo (cartas DSG 1978). Vale destacar que o mapa do RADAM (1973) indica a presença de uma mancha destes sedimentos no interior da bacia sedimentar do Maranhão – Piauí, sobre a Formação ltapecuru (Cretáceo), no interflúvio Longá/Parnaíba, entre os municípios Matias Olímpio, Barras e Miguel Alves, aproximadamente. Observa-se que esta mancha tem correspondência com o alongamento sul da Formação Barreiras no espaço maranhense, que acompanha a margem esquerda do Parnaíba em grandes extensões. Essa área representa a forma de um planalto rebaixado de camada horizontal, que limita a área das lagoas fluviais formadas pelo Parnaíba, ao longo do seu baixo curso. VI – Planície Costeira Os terrenos Quaternários do Piauí correspondem a uma faixa litorânea de pequena extensão que se localiza entre a baía das Canárias (foz do Parnaíba, limite com o Maranhão) e a barra do Timonha (limite com o Ceará). Esta faixa paralela à costa é formada pelo delta do Parnaíba, por dunas móveis e planícies flúvio-marinhas, que resultam do trabalho combinado dos agentes fluvial, marinho e eólico. O delta corresponde ao limite noroeste com o Estado do Maranhão quando se inicia a bifurcação do rio Parnaíba em duas direções, ainda, em áreas piauienses, formando os braços do Igaraçu e do Santa Rosa. A partir daí subdivide-se em vários braços e igarapés que se intercalam com as diversas ilhas baixas e arenosas onde se destaca, dentre as ilhas piauienses, a Ilha Grande de Santa Isabel. Esta ilha se localiza entre a barra das Canárias e a barra do Igaraçu, apresentando uma forma triangular de base voltada para o oceano, com uma área de Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 25 aproximadamente 240 km², densamente povoada. As planícies flúvio-marinhas correspondem aos baixos cursos, próximo à foz dos pequenos rios que drenam os tabuleiros pré-litorâneos e correm diretamente para o oceano, recebendo também sedimentos marinhos, além dos fluviais, nos seus terraços de várzea. Destacam-se as formações praiais entre o delta do Parnaíba e a Ponta de Anel na região de dunas móveis e restingas, e a partir daí até os limites com o Ceará, apresenta-se em condições alagadiças onde se encontram algumas rias (RADAM, 1973) e mangues de pequena expressão, que encontram condições favoráveis de desenvolvimento nas embocaduras das planícies flúvio-marinhas. Merecem destaque os recifes areníticos de Itaquí, junto à praia do Coqueiro, que afloram por ocasião da maré baixa, bem como a presença de afloramentos graníticos na praia da Pedra do Sal. A repetição de feições angulosas quebra a retilinidade da linha da costa como algumas baías que, segundo Baptista (1981), resultam das correntes fluvial sul/norte e eólica oeste/leste, responsáveis pela formação das barras sempre a leste dessas baías. Nestas áreas registram-se depósitos de ostras e mariscos, assim como a presença de "pontas" da pedra do Sal, do Atalaia, do Anel e do Timonha. RESUMOS E CONCLUSÕES A análise do relevo piauiense, tendo como base de explicação os critérios litoestruturais, topográficos e climáticos, possibilitou a identificação de alguns aspectos conclusivos, que podem ser assim resumidos: 1 – A base geológica do Piauí compõe-se de: Uma parcela do núcleo nordestino do Escudo Brasileiro, portanto, formada por rochas cristalinas do Pré-cambriano, correspondendo a aproximadamente 39.000 Km², ou seja, 15% da área piauiense; Grande parte da bacia do Maranhão-Piauí, formada por rochas sedimentares Páleo-Mesozóicas, representando cerca de 209.000 Km², ou seja, 35% da bacia sedimentar e 83,5% da área piauiense e; Pequena área de Depósitos de Cobertura, que corresponde aos Sedimentos Terciários da Formação Barreiras e aos Sedimentos Quaternários Litorâneos. Corresponde a uma área de aproximadamente 2.300 Km², ou seja, 0,9% do Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 26 total piauiense. Ressalte-se que não foram mapeadas as aluviões que se tornam inexpressivas em relação à área total do Estado, tendo, consequentemente, área imprecisa na escala base deste trabalho, que é de 1:1.000.000. 2 – Essa base geológica ou lito-estrutural reflete-se nas formas de relevo regionais que, associadas ao clima, permitem a individualização e a classificação dos compartimentos regionais do relevo do Piauí: Estrutura cristalina, intensamente metamorfisada e desnudada, constitui o compartimento das Depressões Periféricas. Essa área corresponde às superfícies de erosão interplanáticas, que se estendem por todo o Nordeste Oriental, conhecidas regionalmente como “Sertões Semiáridos Nordestinos”; A estrutura sedimentar compreende três compartimentos regionais de relevo: os chapadões do Alto-Médio Parnaíba, o Planalto Oriental da Ibiapaba e os Baixos Planaltos do Médio-Baixo Parnaíba. Os dois primeiros individualizaram-se basicamente pelos critérios estrutural e topográfico, por refletirem a estrutura de camadas concordante horizontal, no caso dos Chapadões do Alto-Médio Parnaíba, e a estrutura concordante inclinada por tectonismo-monoclinal ou homoclinal do Planalto Oriental da Ibiapaba, que lhe confere o tipo de “cuesta”. O Terceiro compartimento, ou seja, os Baixos Planaltos do Médio-Baixo Parnaíba, apesar de refletir a estrutura, identifica-se pelo comando da evolução do relevo a partir das condições climáticas: nas de relevo: os Tabuleiros Pré-litorâneos, que se constituem num glacis de acumulação de sedimentos de origem continental, e a Planície Litorânea, formada pelos Sedimentos Quaternários do litoral. 3 – A partir dos trabalhos de A. Caileux, J. Tricart, Fairbridge e F. Ruellan, iniciados na década de 1950, sobre os aspectos básicos da dinâmica paleo-climática quartenária do Brasil, autores brasileiros como Ab’Saber, Bigarella, Mousinho, Andrade, entre outros, têm desenvolvido estudos muito importantes para o conhecimento dos complexos arranjos das condições ambientais que se estabelecem e variaram desde o Plioceno ao Holoceno. Esta literatura demonstra que, no Brasil, os climas semiáridos (quentes, com fases de chuvas concentradas) correspondem aos interglaciais e que as fases mais secas e relativamente frias correspondem às fases glaciais. Deixa claro, ainda, que os domínios ou Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 27 conjuntos regionais de paisagens morfoclimáticos7, ora do tipo zonal, ora do tipo azonal, não dependem somente da zonação climática atual, mas dos efeitos acumulados dessa série de flutuações climáticas pretéritas. 4 – Para o conhecimento das variações de condições ambientais no espaço piauiense necessita-se de estudos aprofundados através de métodos geomórficos e pedológicos, associados aos sedimentológicos. No entanto, evidenciam-se algumas características que documentam a sua importância para a composição das condições ambientais atuais: 4.1. Como processos/feições relíquias resultantes de condições climáticas pretéritas, diferentes das atuais, podem ser citadas: Encaixamento pronunciados de vales fluviais; Níveis de terraços antigos sedimentos por cascalheiras; Capeamentos por lateritas8, páleo-solos; Rampas e vales pedimentares; Morros testemunhos sedimentares e cristalinos (inselbergs). Estas ocorrências testemunham que também no Piauí: As condições subatuais de semiaridez, ora mais acentuadas, ora mais moderadas, com períodos de forte concentração de chuvas possibilitaram o desenvolvimento dessas formas; Os processos degradacionais foram intensos e bem demarcados por vários níveis de erosão, desde as depressões periféricas ao litoral; Os níveis atuais das superfícies e cimeira, de planaltos rebaixados, de morros testemunhos e alguns terraços de cascalhos são mantidos por capeamentos lateríticos. Estes ocorrem em todos os compartimentos regionais de relevo, tendo sido constatados nos municípios de Parnaíba, Barras, José de Freitas, Campo Maior, Teresina, Picos, Oeiras, Floriano, Canto do Buriti, São Raimundo Nonato e São João do Piauí; a drenagem apresenta-se, no atual domínio do semiárido, com caráter de intermitência, frequentemente anastomosado. Inclusive os rios perenes, o Parnaíba e o Gurguéia, encontramse sem competência para transportar sua carga atual de sedimentos arenosos. 7 As combinações regionais de fatos geomórficos, climáticos, hidrológicos e pedológicos levam à composição de províncias ou domínios morfoclimáticos. 8 Lateritas correspondem às crostas duras com forte concentração de ferro e alumínio. “Velhos solos transformados em nova rocha, sob a forma de crosta ferruginosa resistente” formados em condições climáticas ainda não suficientemente estudadas (Ab’Saber, 1975). Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 28 Isto caracteriza que tanto o aprofundamento de vales, o transporte de sedimentos grosseiros – tipo cascalhos que ocorreram em condições de energia de fluxo superior à atual, bem como o recuo de encostas, laterização, etc, são incompatíveis com as condições climáticas atuais. 4.2. Com relação à morfodinâmica atual do Nordeste brasileiro e em particular do Piauí, utilizam-se duas classificações básicas: I – A de Tricart (1964), que caracteriza o espaço nordestino “em zonas morfoclimáticas”, localiza o Piauí em duas zonas: a do sertão – área de caatingas – e a zona de transição – área dos cerrados, caatingas e gramíneas temporárias; II – A de Ab’Saber (1970), que identifica “áreas nucleares dos domínios morfoclimáticos brasileiros”, onde a área piauiense encontra-se em dois grandes domínios: o das caatingas – área das depressões interplanálticas semiáridas, e o das faixas de transição – ora para os chapadões tropicais interiores com cerrados e florestas-galerias, ora para as áreas mais úmidas dos cocais que se estendem para o Maranhão; No compartimento das depressões periféricas – área do sertão semiárido as características da morfodinâmica atual podem ser identificadas por: 1. atuação dos processos da morfogênese mecânica através de variação térmica – caracterizada tanto pela esfoliação peculiar, que desagrega finos sedimentos superficiais, como pela esfoliação métrica, que desagrega e faz rolar blocos encosta abaixo. São responsáveis por essa fragmentação as variações de temperaturas, principalmente pelos resfriamentos bruscos da área superficial da rocha dilatada pelo superaquecimento, pois as rochas e solos estão frequentemente expostos pela insuficiente proteção da cobertura de caatingas; 2. regimes de precipitações por enxurradas que, tendo por base a classificação de Tricart (1964), podem ser agrupados em: Área de enxurradas quase total e imediata, formando caneluras nas colinas cristalinas de rochas expostas; Áreas de enxurradas difusas nos longos declives, onde a presença da vegetação impossibilita a concentração das águas, permitindo a retirada somente de partículas finas. São responsáveis pelas superfícies juncadas de cascalhos que se tornam protetoras da lixiviação e da retirada de solos delgados que recobrem; Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 29 Áreas de concentração das enxurradas a jusante dos grandes declives. Corresponde a áreas de incisão de vales de rios temporários afluentes dos grandes rios alóctones que, mantendo os níveis de bases locais, relativamente baixos, possibilitam a dissecação linear regressiva. No domínio de transição de condições semiáridas para subúmidas, em áreas da bacia sedimentar – do contato com o cristalino para o vale do Parnaíba –, as características da dinâmica atual diferem gradualmente, uma vez que: a) Deixa de ocorrer o escoamento em lençol e as enxurradas se apresentam concentradas; b) Inicia-se o processo de meandramento dentro dos vales, alargados por maior competência subatual, em função da pequena amplitude dos perfis, longitudinais; c) Nas áreas de contato cerrados/caatingas onde as condições de umidade tendem a ser mais elevadas, correspondentes aos planaltos rebaixados e morros testemunhas dissecados em interflúvios tabulares, predominam os processos de intemperismo mecânico com trânsito de sedimentos grosseiros, apresentando cicatrizes em ravinas; d) Nas áreas de cobertura vegetal de cerrados, a infiltração é favorecida pela natureza das rochas permeáveis e pelas camadas de folhas e ramos secos que possibilitam certo nível de umidade superficial; e) Nas áreas de cobertura vegetal de maior porte e densidade, tipo cerradão, floresta semi-decídua e cocais, a partir do vale do Gurguéia em direção ao vale do Parnaíba e ao longo deste rio até sua foz, observa-se o caráter de perenidade dos rios, em função tanto da maior quantidade de chuvas distribuídas em maior espaço de tempo, como da proximidade e disponibilidade do lençol d’água subterrâneo. Estas condições favorecem também o desenvolvimento do intemperismo químico que possibilita o desenvolvimento de solos e a tendência à convexidade das encostas dos planaltos e/ou agrupamento de mesas dessas áreas. Vale destacar que estas condições de maior umidade ocorrem também na região dos municípios de Pedro II e Domingos Mourão que, por se localizar no reverso imediato da cuesta da Ibiapaba, é favorecida pelas chuvas orográficas regulares que se distribuem nessa área e no seu front. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 30 Procurou-se demonstrar que os componentes como a estrutura geológica, os páleoclimas e a organização da rede de drenagem (esta última reflete a combinação entre os dois primeiros) foram os responsáveis diretos pela estruturação dos compartimentos regionais de relevo e que os climas atuais, a litologia e a cobertura vegetal correspondem aos componentes que condicionam os processos – areolares e lineares – que fazem evoluir esses conjuntos de formas, modelando as feições locais. A atuação do homem geralmente acelera esses processos de evolução, pela quebra dos níveis de equilíbrio dos geossistemas, cabendo-lhe, portanto, a imprescindível tarefa de conhecê-los para saber utilizar adequadamente o seu ambiente, preservando para as gerações futuras. REFERÊNCIAS AB’SABER, Aziz Nacib. Conhecimentos sobre as flutuações climáticas do quaternário no Brasil. Boletim Sociedade Brasileira de Geografia. São Paulo, 6 (1) 1957. ______. O relevo brasileiro e os seus problemas. In.: AZEVEDO, Aroldo. Brasil a terra e o homem. São Paulo, Nacional, 1968, p. 135-217. ______. O domínio morfoclimáticos semi-árido das caatingas brasileiras. São Paulo, UNESP, 1980. (Craton & Intracraton, 6). ______. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários. São Paulo. IG-USP, 1977 (Paleoclimas, 3). ______. Formas e relevo. São Paulo, Edart, 1975. ______. Os mecanismos da desintegração das paisagens tropicais no Pleistoceno; efeitos paleoclimáticos do período Wiirm – Wisconsin no Brasil. São Paulo, IBILCE – UNESP, 1979, (Inter-fáceis escritos e documentos, 4). ______. Participação das superfícies aplainadas, nas paisagens do Nordeste brasileiro. Geomorfologia. São Paulo, IG-USP (19): 38, 1969. ______. Províncias geológicas e domínios morfoclimáticos no Brasil. Geomorfologia. São Paulo. IG-USP (20): 1-25. 1970. ______. Razões da retomada parcial de semi-aridez holocênica, por ocasião do “ótimo climaticum” – primeiras idéias. São Paulo, UNESO, 1980. (Inter-fácies, 8). BAPTISTA, João Gabriel. Geografia física do Piauí. Teresina. COMEPI, 1981. BIGARELLA, João José. Geology oh the Amazon and Parnaiba basins. In.: NAIRIN, Alan E. M. & STELL, F. G. ed The ocean basins and margins. New York, s. ed. 1971. p. 25-85. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 31 BIGARELLA, João José & ANDRADE, G. Osório. Considerações sobre a estratigrafia dos sedimentos cenozóicos em Pernambuco (Grupo Barreiras). Recife, UR/ICT, 1964, (arquivos, 2). BIGARELLA, João José & MOUSINHO, M. Regina. Significado paleogeográfico e paleoclimático dos depósitos rudáceos. Boletim Paranaense de Geografia, Curitiba, (16-17), 1965. BIGARELLA, João José; et al. Pediplanos, pedimentos e seus depósitos correlativos no Brasil. Boletim Paranaense de Geografia, Curitiba. (16-17): 117-151, 1965. BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto RADAM. Mapas de geologia e geomorfologia, 1:1.000.000, 1973. BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto RADAM. Mosaicos em papel of-sett (preto e branco), 1:250.000, 1979. ______. Ministério das Minas e Energia. Projeto RADAM. Relatórios nº 1, 2 e 3 de 1973 e nº 23 de 1981. ______. SUDENE. Cartas de 1:100.000, 1978. ______. SUDENE. Levantamento hidrogeológico básico do Nordeste. Recife, 1978. COMPANHIA DE PESQUISAS E RECURSOS NATURAIS. Mapa tectônico do Brasil, 1: 5.000.000. CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA & INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. Imagens land sat 1:250.000, preto e branco, 1978. CUNHA, Francisco B. Motta & CARNEIRO R. G. Interpretação fotogeológica do CentroOeste da bacia Sedimentar do Maranhão. IN: ANAIS DO VIGÉSSIMO SEXTO CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA. s. 1. 1972. EMPERAIRE, Laure. Relatório da vegetação do Piauí: projeto delimitação e regionalização do Brasil semi-árido. s. 1., CNPq/SUDENE, FUFPI, 1983 (mimeografado). FUNDAÇÃO IBGE & BRASIL/ SUDENE. Cartas do Brasil ao milionésimo. Folhas: Teresina, Jaguaribe, Fortaleza, São Luís, Rio São Francisco e Aracaju. p. 1., 1979. GUERRA, Antônio Teixeira. Dicionário geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro, IBGE, 1966. LIMA, Iracilde M. de Moura Fé. Caracterização geomorfológica da bacia hidrográfica do Poti. Rio de Janeiro, s. ed. 1982. 105 p. (Dissertação de Mestrado). LINS, Rachel Caldas. Bacia do Parnaíba: aspectos fisiográficos. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Recife, 1978. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 32 MAIO, Celeste R. Relevo e estrutura. IN: FUNDAÇÃO IBGE. Geografia do Brasil. As grandes regiões Norte e Nordeste. Rio de Janeiro, IBGE, 1962. v. 2. MENDES, Josué Camargo. Geologia do Brasil. Rio de Janeiro, INC, 197. MOREIRA, Amélia Alba M. Geologia e relevo. IN: Fundação IBGE. Geografia do Brasil. Região Nordeste. Rio de Janeiro, IBGE, 1977, v. 2. MOREIRA, Amélia Alba M. Geologia e relevo. IN: SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO CEARÁ & FUNDAÇÃO IBGE. Atlas do Ceará. s. 1., 1973. PELIERIN, Joel. Missão geomorfológica em São R. Nonato, Sudeste do Piauí, Brasil. Teresina, FUFPI, 1983. p. 201-225 (cadernos de pesquisas, 3). PENTEADO, Margarida M. Fundamentos de Geomorfologia. Rio de Janeiro, IBGE, 1970. SOUZA, Marcos J. N. Geomorfologia do Vale do Choró. São Paulo, IGOG-USP, 1975. SOUZA, Marcos J. N. et al. Compartimentação topográfica do Estado do Ceará. Ciências Agronômicas, Fortaleza UFC, 1979. RICART, J. As zonas morfoclimáticas do Nordeste brasileiro. Boletim Geográfico. Rio de Janeiro, IBGE, 22 (197), 1964. Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013. 33 APÊNDICE A Publicado originalmente: Carta CEPRO. Teresina. v.12 n.2 p. 55-84 Ago/Dez 1987. Digitalizado em 2013.