reflexões sobre a abordagem comunicativa no ensino de francês

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REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM COMUNICATIVA NO ENSINO DE
FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA: SEU APELO SEDUTOR E A ILUSÃO
DO APRENDIZADO
RODRIGUES, Luiz Carlos Balga (UFRJ)
Introdução
Este trabalho é fruto de uma inquietação manifestada durante muitos anos de
prática como professor de Francês Língua Estrangeira (FLE) no Rio de Janeiro,
sobretudo nos últimos cinco anos, quando preocupei-me em coletar os dados que aqui
apresento. Em vez de trazer propostas ou soluções para as questões levantadas, pretendo
fomentar reflexões sobre a prática do professor de FLE, mais especificamente sobre as
aulas que se dizem comunicativas.
Minha pesquisa restringiu-se a três cursos de idiomas que chamarei de A, B e C,
todos localizados na cidade do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados junto a alunos
dos cursos B e C (adultos de ambos os sexos, com formação mínima de graduação,
entre 25 e 45 anos, que tinham no francês sua segunda ou terceira língua estrangeira de
estudo) em conversas informais ou quando o tema se fazia presente nos momentos de
autoavaliação que, muitas vezes, o próprio método utilizado estimulava. Às minhas
anotações acrescentei depoimentos de diretores dos cursos A e C, pois para minha
pesquisa, não poderia dissociar a investigação sobre o método de ensino da questão do
mercado. Muitas vezes percebe-se uma certa bipolaridade: de um lado o “discurso da
secretaria” que vende o curso de francês e do outro lado a prática que efetivamente se dá
em sala de aula.
Alguns cursos preocupam-se em vender a imagem do ensino de idiomas como
algo que não requer grande esforço, que pode se dar de forma lúdica. O diretor do curso
C, por exemplo, sempre dizia aos alunos que lá iam colher informações: “Você vai
aprender sem sentir”, “nada de gramática ou de exercícios para casa de pouca
utilidade”, “tudo será feito em sala de aula”, “em pouquíssimo tempo você estará se
comunicando em francês”, “francês é muito mais fácil do que você imagina”, “aqui no
nosso curso os alunos falam mais do que o professor”. É provável que o fato de muitos
diretores não serem professores – ou de estarem afastados da sala de aula – possa
explicar a crença de que o simples fato de minimizar a gramática seja o grande
facilitador do aprendizado de idiomas, como se a gramática fosse a vilã do ensino de
língua estrangeira.
Por parte dos alunos do curso B ouvi algumas observações interessantes:
“De que me serve apenas me comunicar ? Vou falar tudo errado feito jeca ?
Tenho um amigo francês que me perguntou onde eu estudo francês, pois não
consigo fazer uma frase correta sequer. Fiquei com vergonha de dizer onde
estudo.” (aluno 1)
“Falava coisas erradas e minha professora não me corrigia. Nem na
pronúncia. Resolvi mudar de professor”. (aluno 2)
“Fiquei desesperada. Fui à França e me dei conta de que não falo nada. E já
tem (sic) três anos que estudo francês.” (aluno 3)
1
“Estou terminando o curso e sinto que não consigo falar francês muito bem.
Tenho vergonha de falar, pois sei que não conheço muito bem as conjugações
verbais”. (aluno 4)
“Achei que fosse falar francês com todo mundo sem problema. Que doce
ilusão!
(aluno 5)
A constatação por parte dos alunos de que o aprendizado do idioma não se realiza
como eles desejam, parece revelar algumas questões a serem investigadas: ou a
abordagem (que se apresenta como comunicativa) não está sendo eficaz para ensiná-los
a falar e escrever francês, ou os professores não estão sabendo dela se servir como
deveriam, ou a ansiedade dos alunos em querer reproduzir na língua estrangeira o
estágio de conhecimento normativo que possuem na língua materna cria a impressão de
que nada aprendem, ou de que aquele aprendizado não passa de uma ilusão.
O medo de produzir uma fala estigmatizada persegue os alunos. Muitas vezes eles
pedem aulas de gramática, pois têm internalizado o peso da gramática normativa.
Sabem da importância do domínio da norma como um fator de status e querem
reproduzir na língua estrangeira este mesmo status, sobretudo em francês, pois toda a
representação e imaginário que têm da França incluem o apego dos franceses à sua
própria língua: “la langue de Racine”: adágio que muitos repetem ainda que não
conheçam o citado.
Indagados sobre o que mais lhes interessara ao procurar o curso C, os alunos
deram-me algumas respostas contraditórias: a promessa de em pouco tempo estar se
comunicando em francês, a pouca ênfase dada à gramática, a falta de tempo e a
promessa de poucos exercícios para casa. Muitos alunos que se queixavam do pouco
conhecimento gramatical, também diziam não ter muita paciência para aulas de
gramática. No curso B os alunos referiam-se sobretudo ao renome da instituição e à
certeza de que lá aprenderiam um “francês correto”, como muitos diziam.
O curso B não excluía totalmente a gramática do seu programa. O curso C dava ao
professor uma maior liberdade de escolha quanto às suas práticas, sob a promessa de
que o curso oferecido ao aluno fosse o mais leve possível, desde que consistente,
fazendo com que o aluno tivesse a consciência de que a cada aula aumentaria a sua
bagagem de conhecimento. O curso A excluía totalmente a gramática do seu programa,
os professores eram instruídos a jamais dar explicações gramaticais e, surgindo
questionamentos dos alunos, deveriam dizer: “você vai compreender isso mais tarde.
Procure apenas entender o significado e repetir”. “Você deve pensar em francês”. Neste
curso – ao contrário do curso B que treina os professores no sentido de banir o uso da
língua materna (L1) – a L1 é usada a todo momento, já que se serve da tradução
frequentemente.
Entrevistando alguns diretores de filiais do curso A eles me disseram que usavam
o “método comunicativo”. Pela observação das práticas pode-se constatar que os
diretores desconheciam totalmente o que seria a abordagem comunicativa. E por que
teimavam em se nomear comunicativos? Talvez por um apelo sedutor que esta
abordagem ainda exerça sobre todos aqueles que buscam se comunicar o mais
rapidamente possível num outro idioma, e sobre um mercado promissor como o de
línguas estrangeiras, ávido por conquistar mais e mais clientes.
2
A Abordagem Comunicativa
Considero que o primeiro passo a ser dado numa investigação como esta é
procurar elucidar a confusão terminológica existente entre método, metodologia e
abordagem. A palavra método vem do grego Μέθοδος, palavra composta por μετά (a
sucessão de tempo, a seguir, durante) e ‘οδός, (via, caminho, estrada // marcha, viagem,
caminhada). Método nada mais é do que um caminho que, seguido de forma ordenada,
procura alcançar certos objetivos. RAMPAZZO (2002, p.13) afirma que atualmente a
palavra método refere-se a “um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, a serem
vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência, ou para um determinado
fim”.
VILAÇA (2008) demonstra que o conceito de método vem sofrendo várias
críticas no campo do ensino de línguas estrangeiras. A primeira delas refere-se a sua
natureza altamente prescritiva que diminui ou impossibilita a realização de uma prática
docente autônoma. Com isso, o professor seria um mero reprodutor de técnicas
elaboradas e prescritas por terceiros. A descontextualização dos métodos é outra crítica
recorrente. Os métodos ignoram as especificidades e as realidades de cada meio social e
baseiam-se num falso princípio de homogeneidade das salas de aula.
Partilho da opinião de PUREN (1988) de que método “é o próprio material
didático” (livro do aluno, acompanhado do caderno de exercícios, do livro do professor,
dos CDs de áudio, dos vídeos); metodologia consiste nos objetivos gerais a serem
alcançados, nos conteúdos linguísticos, nas teorias que fundamentam as situações de
ensino e que muitas vezes inspiram a elaboração de um método. Abordagem (do inglês
approach), por sua vez, pode ser entendida como os pressupostos teóricos acerca da
língua e do aprendizado. É influenciada por teorias advindas da Linguística e da
Psicologia. VILAÇA (2008, p. 78) serve-se do antigo método audiolingual para
exemplificar o conceito de abordagem:
“No que se refere à visão de língua, o método citado baseia-se no
estruturalismo (a língua enquanto forma/estrutura). A visão de aprendizagem
que sustenta o método é o Behaviorismo (Comportamentalismo), segundo o
qual a aprendizagem ocorre por meio de formação de hábitos, por meio da
famosa abordagem tríplice: estímulo, resposta e reforço.”
Por essa razão prefiro adotar o termo abordagem comunicativa.
A abordagem comunicativa foca o ensino da língua estrangeira no sentido, no
significado e na interação intencional entre sujeitos. Em outras palavras, o aluno deve
ser levado a se comunicar na língua alvo, tendo a capacidade de usá-la em situações
reais ao interagir com outros usuários dessa língua. Esta abordagem inspirou-se nos
trabalhos de etnografia da comunicação desenvolvidos por HYMES (1991). Segundo
este autor os membros de uma comunidade linguística possuem uma competência
linguística e uma competência sociolinguística, ou seja, um conhecimento conjugado de
formas gramaticais e de normas de uso que, no caso da língua materna, são adquiridos
de forma simultânea e implícita. Saber comunicar significa então ser capaz de produzir
enunciados linguísticos de acordo com a intenção de comunicação (apresentar-se, pedir
permissão, desculpar-se, fazer um convite, etc.) e conforme a situação de comunicação
(status, posição social do interlocutor, relações pessoais ou profissionais, etc.). A
competência de comunicação reside, portanto, essencialmente nas relações entre esses
3
diversos componentes. Componentes que MOIRAND (1982) classificou como
linguístico, discursivo, referencial e sociocultural.
Se o ensino da língua estrangeira deve ter seu foco direcionado à comunicação, o
ensino da gramática, segundo esta abordagem, deve ser nocional, contentando-se com a
organização do sentido. Se as atividades gramaticais estão a serviço da comunicação, os
exercícios formais e de fixação (os drills, por exemplo) deram lugar aos exercícios de
comunicação real ou simulada, mais interativos. O aluno é levado a descobrir, por si só,
as regras de funcionamento da língua, através da reflexão, da elaboração de hipóteses,
gerando uma maior participação do aluno no processo de aprendizagem.
A abordagem comunicativa dá extrema importância à produção dos alunos e as
estratégias utilizadas procuram fomentar essa produção. Estimulam-se os trabalhos em
grupos e os jeux de rôle, onde a grande preocupação é a eficácia da comunicação e não
a “correção” morfossintática dos enunciados. O papel do professor também se modifica.
Ele deixa de ser o detentor do conhecimento, polo principal no processo de ensinoaprendizado para ser o “facilitador”, o organizador, o animador das atividades. A
correção não deve ser sistemática para não gerar bloqueio no aluno, que fatalmente
frearia sua criatividade, sua iniciativa e sua participação.
Podemos considerar a abordagem comunicativa como um desenvolvimento de
certos aspectos da metodologia audiovisual, mais precisamente daquela vigente nos
anos 80 e que PUREN (1988) chamou de terceira geração. Nesta época o professor já
evitava corrigir os erros dos alunos num primeiro momento. Discretamente corrigiam-se
a pronúncia, a entonação e o ritmo. A grande preocupação da avaliação era medir o
domínio da competência comunicativa do aluno, bem como sua criatividade.
A abordagem comunicativa considera como melhor modelo de linguagem para a
sala de aula a linguagem autêntica (que não foi produzida para ser usada em aula, mas
surgida das interações reais entre nativos no dia a dia), real (que se refere ao que de fato
acontece e não a que é usada como simples exemplo para elucidar uma regra gramatical,
por exemplo), focada no sentido e não na forma (a forma seria internalizada de modo
dedutivo) e baseada nas necessidades do aluno.
Críticas e Implicações
É inegável que a abordagem comunicativa baseia-se numa ideia muito salutar: a
de que se comunicar na língua estrangeira é o mais importante objetivo a ser alcançado;
aliás, esse é o escopo de todo aquele que se matricula num curso de idiomas. Contudo,
pela maneira como isso muitas vezes é posto em prática, nem sempre se alcança o
resultado esperado. São vários os aspectos criticados por pesquisadores, professores e
alunos. Vejamos alguns deles.
O primeiro ponto a ser discutido parece ser a noção tão defendida pelos
“comunicativistas” de que o ato de fala deve ser adequado à situação de comunicação.
Sendo assim, deve-se ensinar ao aluno o que dizer em determinada situação. É natural
que aos débutants sejam ensinados apenas alguns enunciados típicos em certas situações
importantes (apresentar-se, pedir informações, comprar algo). No entanto, não se podem
prever todas as situações possíveis, tampouco indicar o comportamento linguístico
adequado, como se fosse plausível prever como as pessoas necessariamente se
expressam em dada situação.
Outra ideia questionável é a convicção de que as estratégias de ensino, como o
trabalho em grupo, o jeux de rôle, o estímulo para que o aluno faça suas próprias
4
descobertas sejam realmente o caminho mais eficaz de se aprender, ou seja, aquele que
gera uma maior competência comunicativa em menos tempo. Não se tem conhecimento
de nenhuma pesquisa que ateste que a abordagem comunicativa – com sua
supervalorização dos atos de fala e seu desprezo pela gramática seja a mais eficiente.
Seria necessário observar diversos alunos por vários anos, estudando em condições
iguais, uns com enfoque comunicativo e outros com outro enfoque, para que no final se
medissem as habilidades adquiridas e se avaliasse seu desenvolvimento nas quatro
competências (compreensão e expressão orais e escritas).
WELKER (2003, p. 3) sustenta que a organização do ensino segundo os atos de
fala é muito problemática e que por isso seria recomendável que a progressão fosse
estabelecida conforme a gramática, pois nos estágios iniciais, é muito importante a
sequência em que os fatos gramaticais são apresentados, dada sua inequívoca
capacidade de generalização. Diz o autor:
“Tem-se a impressão de que dois fatos foram esquecidos pelos defensores do
método comunicativo:
a) uma única regra gramatical permite a formação de milhares de enunciados,
ao passo que cada ato de fala é único (com a complicação adicional de que há
várias realizações possíveis, as quais têm que ser aprendidas, decoradas),
exceto atos comunicativos pouco específicos como “narrar algo”;
b) não existe ato de fala sem regra gramatical, salvo enunciados que
consistem em uma única palavra (por exemplo, Fogo!) ou em expressões
idiomáticas (nas quais as regras gerais podem não ser obedecidas);
geralmente precisa-se até mesmo de várias regras gramaticais para realizar
um único ato comunicativo e de numerosas regras para realizar atos
comunicativos gerais como o citado „narrar algo‟”.
Existe entre os ferrenhos defensores da abordagem comunicativa a ideia de que a
correção gramatical dos enunciados não é tão necessária, porque é muito provável de se
fazer compreender com auxílio de frases gramaticalmente imprecisas. O problema é que
professores oriundos do mesmo espaço geográfico – ou social – dos alunos, tendem a
compreender facilmente todos os “erros” gramaticais e até mesmo fonéticos que estes
produzem, porque estão acostumados com estas situações, resultantes da interferência
da L1, o que pode tornar o ensino da língua pouco eficiente.
Exemplo clássico e já banalizado dessa situação, no campo da pronúncia, parece
ser a constante confusão que a imensa maioria dos alunos faz em relação aos vocábulos
vent [v¡] (vento) e vin [vé] (vinho). A extrema dificuldade dos alunos brasileiros em
pronunciar o último fonema nasal [é], leva-o a pronunciar indistintamente vento e
vinho. É claro que a pronúncia inadequada – que pode causar uma certa estranheza ao
falante nativo da língua – não denota necessariamente uma falta de fluência do aluno,
nem uma impossibilidade do mesmo em se comunicar em francês. Aparentemente, o
que parece existir é que seus professores aceitam esta pronúncia, pois compreendem a
dificuldade da pronúnica padrão – por se tratar de uma dificuldade partilhada pela
maioria dos alunos – que também é facilmente identificada pelos colegas, sem nenhum
tipo de estranheza, tão comumente presente nos ouvidos nativos. Muitos professores,
num caso específico como este, preferem simular ser um nativo da língua alvo, fingindo
que não entendem os erros típicos da influência da L1. É uma forma de demonstrar ao
aluno como ele pode ser mal entendido, mostrando reações de estranheza que podem
ocorrer em contato com nativos e em situações reais de uso da língua.
5
Não há dúvida de que o objetivo primordial do ensino de língua estrangeira tem
de ser o domínio da competência comunicativa, mas parece que o grande problema dos
comunicativistas foi inverter a ordem, priorizando os atos de fala em detrimento da
gramática. Isso só se mostra viável nos níveis intermediário e avançado, quando as
regras gramaticais básicas já foram devidamente aprendidas. Evidencia-se, nos
depoimentos dos alunos reproduzidos na introdução, a importância que dão à falta de
um conhecimento gramatical consistente e de um trabalho fonético mais eficaz.
Consideram como sendo este o fator de tanta insegurança no uso da língua estrangeira.
O ensino de gramática é visto pelos cursos de idiomas como algo tradicional (no
sentido de antigo, ultrapassado, negativo) e ineficaz. Essa pretensa consciência crítica
seria bastante eficaz se revelasse uma tentativa de se buscar um método que pudesse
otimizar o ensino/aprendizado de FLE, mas não parece ser isso o que acontece. A
preferência por não se enfatizar a gramática parece ser, por parte dos diretores de
cursos, uma opção para atrair os alunos e, sobretudo, para não os perder.
“A gramática afugenta os alunos. Eu mesma tive aulas com uma professsora
que dava gramática toda aula. Saí do curso. Não aguentei. Não tinha tempo
pra ficar estudando tudo aquilo. Queria falar logo.” (diretor 1 do curso A)
“Se sentir necessidade de dar gramática, faça de maneira bem suave, sem que
o aluno sinta muito. Hoje em dia as pessoas têm pressa, precisam falar rápido
e não querem perder tempo com regras gramaticais”. (diretor do curso C
durante treinamento de professor)
“Gramática ? Nem fale nesse nome aqui. Isso aqui não existe !” (diretor 2 do
curso A)
A abordagem comunicativa parece ter herdado da metodologia direta seu desprezo
pela língua materna. É comum ainda ouvir de professores o famoso apelo para que seus
alunos “pensem em francês”. Pude constatar por parte da direção do curso B o envio de
um comunicado aos professores para que não fizessem uso da língua portuguesa em sala
de aula.
Hoje em dia o uso da L1 em aula de língua estrangeira não somente é tolerado
como recomendado. WELKER (2003, p. 4)1 lista algumas citações a respeito:
“Usando-se a lingua materna para um esclarecimento sucinto a respeito de
um ponto gramatical ajudará esses alunos muito mais do que uma prolongada
tentativa de explicar e re-explicar na língua estrangeira e, consequentemente,
haverá mais tempo disponível para a prática do ponto em discussão.
(RIVERS, 1975, p. 82)
(...) no estágio inicial, a eliminação da lingua materna (...) é completamente
ilusória.
Leontjev
a
considera
'psicologicamente
impossível'.
(MOSKALSKAJA, 1981, p. 86)
É logicamente impossível fazer abstração de conhecimentos existentes. Por
conseguinte, no ensino de linguas estrangeiras não é possível fazer de conta
de que não se domina a língua materna (...). Portanto, a língua materna tem
que ser considerada mais um auxilio na aprendizagem do que um entrave.
(SCHERFER, 1991, p. 96-97)
6
Graças aos trabalhos dos psicolinguistas, reconhece-se agora que querer
afastar a língua materna do ensino das línguas estrangeiras beira o absurdo.
(LAVAULT,1998, p. 94)
Recentes estudos sobre aquisição de L2 sugerem que o uso da L1 “reduz a
ansiedade e melhora o ambiente afetivo da aprendizagem, leva em
consideração fatores socioculturais, facilita a incorporação das experiências
de vida dos alunos e permite que o ensino seja mais centrado neles”
(AUERBACH, 1993, p. 20 apud CHECCHIA, 2002, p. 34).”
De um modo geral, pode-se perceber que há uma certa simpatia por parte dos
professores em relação ao enfoque comunicativo, ainda que esses mesmos professores
não se sirvam totalmente das estratégias preconizadas por essa abordagem.
WEININGER (2001, p. 46) discorre sobre isso:
“Na prática (...) o professor da aula „comunicativa‟ continua tendo uma
participação muito elevada, no discurso de aula, tanto em termos
quantitativos quanto qualitativos, ou seja, ele fala muito mais que todos os
alunos juntos e ainda dita as regras a partir de uma posição hierarquicamente
superior. Penso, então, que ao discorrerem sobre o método comunicativo, os
professores alinham teoricamente com esse método, e provavelmente tentam
fazer uso de situações comunicativas em sala de aula. Em outras palavras, os
professores pesquisados se preocupam em priorizar o significado, e não a
forma, mas tropeçam em dificuldades estruturais (tamanho e heterogeneidade
dos grupos) e pessoais (falta de conhecimento necessário, teorias
implícitas).”
Pode-se dizer que a abordagem comunicativa faz parte das práticas dos
professores, mas não totalmente. Muitos professores que atuam em cursos de idiomas e
em colégios revelam ter opções diferentes para cada situação, e justificam o uso do
método tradicional – principalmente nos colégios – por questões de ordem estrutural
(turmas muito numerosas e/ou heterogêneas; limitações quanto ao espaço físico que não
permitem a organização das carteiras de forma a favorecer o trabalho em grupo, carga
horária ínfima; falta de recursos materiais como vídeo, som e internet).
Interessante é observar o prestígio de que a abordagem comunicativa ainda goza
no meio pedagógico. Até mesmo professores que se servem de estratégias ditas
tradicionais , ao serem indagados sobre sua prática profissional, dizem ser adeptos do
“método comunicativo”. Isto se dá porque ser “comunicativo” implica na construção de
uma imagem positiva de sua capacidade profissional, pois pressupõe-se que para pôr em
prática as estratégias de comunicação, o professor tenha bastante competência
linguística. Para o curso esta imagem também é positiva, pois revela-o como “antenado”
com métodos mais recentes, dando-lhe mais credibilidade junto aos potenciais clientes.
Se a busca por um método perfeito foi durante muito tempo uma obsessão, hoje a
ideia mais disseminada entre os pesquisadores é a da inexistência do método perfeito. O
que está na base dessa crítica é a constatação da enorme diversidade de fatores sociais,
culturais, cognitivos e afetivos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem. O que
se vê hoje em dia é a defesa do ecletismo no ensino de língua estrangeira como forma
de romper com as amarras impostas por muitos métodos, valorizando professores,
alunos e contextos de aprendizado. O ecletismo dá mais liberdade ao professor,
deixando em suas mãos as escolhas metodológicas mais adequadas ao contexto onde
7
leciona. É preciso ter em mente, porém, que o ecletismo deve ser visto como maior
flexibilidade e não como uma postura antimetodológica.
A crença na inexistência de um método perfeito já se fez presente também nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Segundo este documento, o professor não
precisa mais acatar as imposições de um método específico, mas escolher, dentre os
métodos existentes, as opções mais adequadas à sua prática docente. É claro que o
ecletismo metodológico leva a uma maior responsabilidade do professor por suas
escolhas e práticas. Esta responsabilidade exige-lhe uma formação mais crítica e
autônoma, já que ele deixa de ser mero executor de um método para tomar decisões,
desenvolver materiais e gerenciar o processo de ensino/aprendizado.
O mais interessante é que os diretores de curso, de um modo geral, parecem não
aceitar a denominação que, ao que tudo indica, já é bem aceita pelos professores.
Indagados sobre um possível ecletismo metodológico em seus cursos, fazem questão de
refutar a informação, dizendo que seus cursos seguem o “método comunicativo”. Para
esses diretores, defender o ecletismo soa demonstrar o não conhecimento efetivo de um
método, um desconhecimento das novas tendências, uma atitude que lhes parece “pouco
profissional”. Associam o termo eclético a algo inconsistente, amorfo, que
definitivamente não satisfaz ao mercado, que não “se vende”: “dizer que se é eclético é
a mesma coisa que dizer que não se é nada.” (diretor do curso B)
Considerações Finais
As exigências de um mercado de trabalho cada vez mais globalizado têm
transformado o ensino de línguas estrangeiras num campo bastante promissor. O inglês,
que há muito deixou de ser um diferencial para se tornar uma necessidade, abriu
caminho para que outras línguas assumissem esse caráter de diferencial na formação. É
o caso do francês, que procura recuperar aos poucos seu antigo prestígio. Para atender à
pressa do mundo moderno – que deseja uma formação cada vez mais rápida e produtiva
– proliferaram os métodos baseados na abordagem comunicativa que seduzem alunos,
professores e cursos com uma proposta de aprendizado focado no sentido, no
significado e na interação real entre sujeitos. Esta abordagem, que prega o ensino
puramente nocional da gramática, estimula aqueles que se queixam das práticas
“enfadonhas” e garantem aos estabelecimentos de ensino a oportunidade de oferecer
cursos leves, lúdicos que procuram atrair mais e mais alunos para suas fileiras.
Após anos a fio de abordagem comunicativa percebe-se uma insatisfação dos
alunos que se sentem “iludidos”, que se deparam com uma inconsistência de
conhecimento, que se queixam da falta do “conteúdo gramatical” na sua formação. Os
métodos e os cursos flexibilizam então suas práticas, abrem espaço para que a gramática
e, muitas vezes, até mesmo a língua materna retornem à sala de aula. As práticas
pedagógicas mostram-se cada vez mais ecléticas, mas seus atores recusam esta
denominação e continuam se dizendo comunicativos, ainda que já não adotem esta
abordagem de forma tão contundente. Seria o receio de parecer “pouco profissional”?
Seria a tendência de ceder aos modismos? Seria o desconhecimento de novas propostas
metodológicas? Seria a necessidade de manter um discurso inquestionavelmente sedutor
que garanta aos cursos um número crescente de alunos? Procuremos as respostas. Está
lançado o debate.
8
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9
_________ . Traduzir frases isoladas na aula de língua estrangeira: por que não ?
Universidade de Brasília, 2003. 12p. Disponível em:
<http://vsites.unb.br/il/let/welker/tradfras.doc>. Acesso em 07/10/2010.
Notas
1
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10
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