1 - Luciano Ezequiel Kaminski

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NRE – Curitiba
Município – Curitiba
Nome: Luciano Ezequiel Kaminski
E-mail: [email protected]
Escola: Colégio Estadual Pe. Cláudio Morelli
Nível – Médio – Série – 2ª
Disciplina: Filosofia
Conteúdo Estruturante – Estética
Conteúdo básico – Teoria da arte - música
Conteúdo específico – Teoria Crítica
Relação Interdisciplinar 1 – Arte
Validador
Relação Interdisciplinar 2 – Física
Validador
Validador da disciplina
MÚSICA E TEORIA CRITICA
OUVIMOS?
A afirmação de que a juventude perdeu o gosto pela “verdadeira arte”
teria algum fundamento? De fato perdemos o bom gosto e a possibilidade de
experimentarmos a verdadeira essência da beleza e da criação estética?
Carecemos de sensibilidade?
Ilustração de Alexandra Badaró
ATIVIDADE
Como sugestão inicial, se possível, ouvir
um trecho da obra: “A cavalgada das
Valquírias”, da òpera “As Valquírias”, de
Wilhelm Richard Wagner. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
DetalheObraForm.do?select_action=&co_o
bra=3588, ou outra composição que
experimente diferentes sons e ritmos.
Importante
analisar
diferentes
conformações de sons, ritmos, estilos.
É preciso entendermos algumas noções básicas da formação do som,
para que possamos discutir os elementos filosóficos da música a partir de
alguma base comum.
1. O som e o silêncio
O que diferencia o som de um pássaro do som de uma música? Se
ambos parecem ter alguma melodia, ritmo, repetições, seria possível afirmar
que ambos são canções?
Para
precisamos
respondermos
entender
o
a
que
esta
é
questão,
a
música.
Precisamos mesclar conhecimentos de Arte e de
Física para compreendermos melhor como se
formam os sons e porque denominamos alguns
deles de “música”.
www.algosobre.com.br- acesso em
abri/2009
Dado inicial: os corpos vibram. Conforme a
quantidade e intensidade de vibrações é possível
a captação do som pelo nosso aparelho auditivo.
O som é uma onda (na verdade um feixe de
ondas) de vibrações intensas e em quantidades
tais que o nosso ouvido recebe no ar. O “toque”
também faz vibrar o ouvido, o que permite
percebermos
e
diferenciarmos
os
sons.
Imaginemos que o ar é um espaço com alguma
densidade que é modificada pelo som. Em outras
palavras, o som não é uma outra matéria viajando
pelo ar, mas é a modificação deste espaço em
vibrações.
Pitágoras,
filósofo
e
matemático
pré-socrático,
defendia que o universo era
composto de corpos que
emitem sons. Estes sons
formariam uma música das
grandes e das pequenas
esferas, pois tais sons
entrariam numa harmonia,
imperceptível
ao
nosso
ouvido, mas que fundaria,
uma espécie de matemática
do universo, de matemática
dos sons. Foi ele que iniciou
um sistema de escrita
musical muito próxima do
que temos ainda hoje.
Matemática,
filosofia,
música, geometria, teologia,
estavam casados numa
espécie de metafísica do
som.
Se pudéssemos esquematizar o fenômeno da audição de forma
mecânica, poderíamos dizer que o som é uma onda de vibrações que caminha
pelo ar, é percebida pelo ouvido e interpretada pelo cérebro. Mas, tanto a
questão da percepção quanto da interpretação do som vão mais longe de que
esta simples descrição mecânica. Sentimos, percebemos, interpretamos com o
corpo inteiro, de uma só vez. A tal ponto que o mesmo som poderá trazer
efeitos diferentes ao ouvido de diferentes pessoas. Além de uma interpretação
diferente também.
O som, a onda de som, tem um comprimento, uma altura e um
espaçamento entre os seus “fios”. Num desenho esquemático poderíamos
visualizá-la da seguinte forma:
Frequência
Tempo ou quantidade de som
a
l
t
u
r
a
A quantidade de som se dá pelo comprimento da linha, que determina o
seu tempo de duração. A altura que a linha consegue alcançar, determina se o
som é mais grave ou mais agudo. E a distância entre as linhas determina a
frequência do som, isto é, o quanto ele pulsa por segundo. Neste caso, demos
um exemplo com uma linha de som contínua, mas podemos também pensar
em intervalos entre linhas. Mais curioso ainda, é podermos pensar que na
própria linha existem intervalos de ausência de som que também determinam e
dão contorno ao som. Permitem que reconheçamos determinadas mudanças
de vibração oscilatória do ar como um simples barulho ou uma música, por
exemplo. O som é a complexa gama de interconexões de sinal e ausência,
uma ausência em função de um sinal. Essa cadeia de sinal/ausência permite o
tímpano comprimir e descomprimir de acordo com os detalhes de cada onda de
som. Pode-se dizer que sempre buscamos, no maior dos silêncios, alguma
pulsação. Mesmo que seja a do nosso próprio coração, esta que, por sinal, nos
dá alguma marcação familiar, um ritmo, uma contagem de tempo entre o sinal
e a ausência.
Quando temos um som em sincronia, em harmonia, com continuidade
agradável, podemos reconhecer com maior facilidade essa cadeia de sons. É
pela repetição de padrões que podemos reconhecer e nos familiarizarmos com
determinados sons. Isso explica, por exemplo, os diferentes estilos musicais
que as culturas inventam pra si. Em cada caso haverá uma familiaridade de
acordo com as experiências de seus povos. Isso tudo tem a ver com as
tradições, com os elementos e sons que a relação de cada povo tem com a
natureza, com aspectos religiosos, enfim, com uma variedade grande de
elementos que compõem a historia e a riqueza da música.
ATIVIDADE
A partir do que vimos sobre a composição dos sons, poderíamos pensar a idéia de um
estilo universal, padrões universais de musicalidade? Se possível, procure exemplos de
sons e músicas de diversas culturas, com o fito de encontrar algum elemento comum. Ao
final, produza um texto argumentativo para apresentar à turma.
José Miguel Wisnik, afirma que “... o complexo corpo/mente é um
medidor frequencial de frequências.” (1989, p. 19) e que tais padrões seguem
elementos da natureza e do próprio corpo, como pulsação, reações
musculares, respiração, piscar, andar, raios, dentre outros. Neste ponto
mesclam-se o elemento racional, que calcula, mede e esquematiza os sons
(veja por exemplo os elementos de uma partitura, que nada mais são do que a
racionalização dos sons), e elementos psquícos, que marcam numa unidade
mental um ritmo ou pontos de inflexão na cadeia dos sons. Em meio a
elementos racionais e psíquicos, podemos dizer que a “cola” de tudo isso é a
presença do emocional que, de certa forma, gruda em determinados sons,
ritmos e cadências, que lhe são mais ou menos aprazíveis. Não é à toa que
determinados modos e ritmos numa música recebem nomes relacionados a
sentimentos e movimentos que aqueles momentos querem expressar (Allegro,
Triste, Moderato, Andante, Vibrante, por exemplo).
Como então podemos definir música? É a combinação estrategicamente
pensada e sentida entre diferentes sons, ritmos e melodias. Os sons entram
numa espécie de diálogo, com tempos, alturas, coloridos vocais, que passam a
se diferenciar do simples ruído ou barulho natural. A música é, portanto, uma
linguagem que não apenas comunica (como a dos animais, por exemplo), mas
que produz sentido, produz um mundo. A música é uma, dentre outras formas
de linguagem humana, que não apenas expressa, mas produz expressão,
desperta um mundo de emoções, ideias, sentimentos, esperanças, medos,
tensões, enfim, a música é expressão e produção de vida. No dizer de Wisnik,
o “... som afinado diminui o grau de incerteza do universo.” (1989, p. 27) A
música é uma das formas que o ser humano possui para familiarizar-se com o
mundo, com os outros e consigo mesmo.
É disso que trata a arte, das várias dimensões da vida e da morte, do
micro e do macrocosmos, do exterior e do interior. A música, enfim, é um jogo
que transforma ruído e silêncio em som ordenado, criativo e provocador. É a
experiência do sagrado e do profano, é ritual, é sacrifício. É lugar do
pensamento e da reflexão, do jogo de poder e das ideologias. Para alguns, a
música é a arte por excelência. Para outros, é a decadência.
Mas afinal, o que estamos ouvindo ultimamente?
ATIVIDADE
Pela explicação acima, a música é um componente essencial da vida cultural, social e
existencial dos seres humanos. A vida sem música seria pobre demais. Entretanto,
parece que conseguimos empobrecer a própria música. Você conseguiria argumentar (a
favor ou contra) a tese do empobrecimento musical? Que elementos indicariam o
contrário? Que situações e exemplos podem ser dados no sentido de evidenciar a
riqueza da música brasileira? Como explicitar este assunto em âmbito mundial? Produza
um texto a partir das discussões e
2. TEORIA CRÍTICA DA ARTE
Bem é sabido que a vida corrida e carregada de compromissos torna
difícil a conquista da felicidade que, este mesmo mundo que nos cobra lucro,
riqueza e prosperidade, promete. Em outras palavras, temos o desejo de uma
vida tranqüila e a realização dos nossos sonhos e projetos, mas a realidade
parece tornar distante essa expectativa justamente no meio do caminho para
tudo isso. Não precisamos de muito esforço para percebermos que um dos
resultados disso é uma certa frustração. Um descontentamento com a vida de
uma forma geral, o que agrega consigo outras conseqüências. Politicamente,
por exemplo, o afastamento da esperança de um mundo mais justo e o
afastamento da própria dinâmica das decisões coletivas.
Poderíamos pensar ainda numa dimensão estética no rol destas
consequências. Um distanciamento da arte, ou daquilo que alguns poderiam
chamar de Arte (com letra maiúscula, para indicar a “verdadeira”), ou ainda, a
dificuldade de uma experiência verdadeira com a arte.
Alguns filósofos da escola de Frankfurt, na Alemanha, nos meados do
século XX estudaram a relação arte-mercado-sociedade, a partir conceito de
indústria cultural. Devemos pensá-lo dentro da lógica do sistema capitalista, ou
seja, a partir da lógica do mercado, onde tudo gira em torno do lucro, do
comércio e da produção em larga escala. A arte não ficou fora deste contexto.
O mercado descobriu na música, no cinema, nos shows, uma grande
oportunidade
de
negócio.
Entretanto, para que o sistema
não corra riscos, é preciso criar
também o mercado, ou seja,
inventá-lo. Dito de outro modo,
é preciso criar a necessidade
A Escola de Frankfurt foi, na verdade, um grupo de
filósofos, dentre eles, W. Benjamin, T. Adorno,
Horkheimer e J. Habermas, com questões muito
próximas. Em linhas gerais discutiam questões
sociais, econômicas e políticas. No campo da
filosofia estética, à luz das idéias marxistas, o
grupo procurou ver, além de outros assuntos, as
conseqüências para a arte da modernização
tecnológica e do desenvolvimento do mercado
consumidor.
nas pessoas de consumirem
aquele determinado produto. Daí as técnicas de propaganda, com a idéia de
que “você precisa disso, você não pode viver sem aquilo...” A indústria
encontrou na reprodução tecnológica da criatividade uma grande oportunidade
de riqueza.
ATIVIDADE
Discuta em grupos, produza um texto argumentativo e apresente para a turma, sobre a
relação consumo e alienação política. Em que medida a transformação da população
em potenciais consumidores, vinculando a identidade ao valor econômico de consumo,
também não reduz sua capacidade de crítica e de participação política?
Alguns poderiam olhar com naturalidade para tal situação, afinal de
contas, a arte só passa a ter algum valor caso tenha condições de mercado,
isto é, que possa cair no gosto popular e, deste modo, virar um produto de
vitrine. Entretanto, isto parece reduzir o valor da produção do artista ao
mercado. Além do que temos a vinculação da própria criação do artista para o
mercado, o que faz recuar a margem de criatividade e liberdade tanto do artista
quanto do público para limites mercadológicos. Existe aqui o risco de
produzirmos não apenas arte para um mercado, mas pessoas para este
mercado. Indivíduos sem identidade, voltados ao consumo, com sensibilidade
pouco apurada e sem gosto próprio. Aqui é que podemos aproximar a idéia de
indústria cultural com a de cultura de massa. Uma indústria que produz arte e
produz uma massa, a multidão sem rosto, sem definição, consumidores.
Mas a vinculação da arte ao mercado não é uma novidade do
capitalismo. Afinal, a arte sempre de algum modo foi vendida ou estava
atrelada a interesses que não eram necessariamente a própria arte em si
mesma. Pode-se tomar, a título de exemplo, a arte medieval, que estava
voltada para fins religiosos ou políticos. Existem os mais otimistas que acham a
mistura arte e mercado interessante. O mercado serviria como um palco
comum por onde se entrelaçam tanto a arte popular quanto a arte erudita.
Teríamos uma espécie de grande caldeirão de produções sem definições
estanques e linhas demarcatórias muitas das vezes mais preconceituosas do
que justas.
ATIVIDADE
Investigue e discuta com seus colegas quais são, ou quais deveriam ser, os critérios que os
estúdios e meios de comunicação utilizassem para a escolha de qual música mereceria ser
publicada. Seria o mercado da música um palco realmente democrático?
Produza, a partir da discussão, um painel com dois lados: a) as imagens das bandas ou
cantores de sucesso nos últimos meses; b) as imagens daqueles pouco conhecidos e/ou
músicos independentes. Além disso, procure as letras das músicas ou mesmo as próprias
canções e analise até que ponto o mercado escolhe o “melhor”.
Veremos agora de que forma dois filósofos da Escola de Frankfurt
tratam desta questão para que possamos entender o problema do ponto de
vista conceitual.
2.1. Adorno e a decadência do gosto
Em seu texto “O Fetichismo na Música e a Regressão da audição”
Adorno se refere à decadência do gosto musical como algo que não é nada
novo. Dá-nos a entender que, embora a música, em
diversas épocas, procure defender valores acima
dela própria (a paz, a harmonia, o sagrado, por
exemplo), sempre acaba por ocorrer um barulho
indisciplinado que desmonta toda a tradição e os
rituais considerados mágicos e corretos que estariam
associados a ela. Tal descompasso acaba tornando
os ouvidos desacostumados com a normalidade que
a tradição apregoa. A música torna-se apenas motivo
de diversão, com pouca ou nenhuma originalidade.
Perde-se a compreensão do todo e a possibilidade
de termos uma experiência original. O que significa
trata tal experiência original?
Theodor
Ludwig
WiesengrundAdorno (1903-1969),
filósofo,
sociólogo,
musicólogo,
compositor
alemão,
membro da Escola de
Frankfurt.
(http://pt.wikipedia.org/wik
i/Theodor_Adorno - acesso
em março/2009)
Voltemos à realidade, da qual falávamos no
início desse texto, de uma vida sem graça, vazia de sentido. Ela acaba sendo
preenchida de barulho. No dizer de Adorno: “A música de entretenimento
preenche os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas deformadas
pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências” (1999,
p. 67). A música de entretenimento - entenda-se a música da moda, do
mercado – é tão somente o eco do vazio de sentido de vida. Com isso
deixamos de experimentar toda a riqueza da vida, a dinamicidade dos espaços
novos que a arte inventa, dos tempos para além do relógio e do calendário que
a música inspira, a experiência com o sagrado, a diversão com o profano,
enfim, ficam de fora da nossa experiência uma diversidade e profundidade de
sensações, idéias, conhecimentos, vibrações que tornariam a vida mais rica e
original.
Muitos aspectos curiosos derivam desta constatação de Adorno. Uma
delas é a de que o prazer, no sentido mais amplo da palavra e, principalmente,
no seu sentido estético, fica perdido diante de uma música comercial. Tem-se
um prazer momentâneo, que anula outro tipo de prazer, ao qual poderíamos
chamar de espiritual, estético, cósmico, original, intenso, universal, holístico,
relativo à liberdade, ao sublime, ao absoluto. A redução ou “banalização do
prazer”, acaba por constituir-se num dos elementos chave na compreensão da
sociedade capitalista contemporânea. Banaliza-se o prazer, a vida, o trabalho,
o lazer, tudo em troca de um mero momento de fuga. Fuga essa que,
contrariamente ao que se poderia imaginar, nos torna cada vez mais escravos
de um gosto que não nos pertence, de uma vontade que não é a nossa, de um
padrão que fere a criatividade de uma experiência original. Uma redução
estética que implica numa redução do indivíduo. Nas palavras de Adorno: “A
liquidação do indivíduo constitui o sinal característico da nova época musical
em que vivemos.” (1999, p. 73)
A música enquanto mercadoria não é capaz de entregar ao consumidor
todos os elementos que a compõem, sustentam e que a tornam possível. O
que ela é capaz de fornecer fica reduzido a um fetiche. Aliena-se na música de
entretenimento – e o que é mais perigoso, no indivíduo que a consome – a
idéia de totalidade, a composição de suas partes, do trabalho de elaboração,
dos sentimentos, idéias, crenças, mitos, e ritos que ela pode comportar. Eis um
conceito importante em Adorno, o de fetichismo musical. O conceito de
fetichismo é emprestado, na verdade, do marxismo, que já tratava deste
assunto em termos de relações de trabalho e modos de produção. Agora,
Adorno aplica as regras da alienação também ao sistema de consumo de arte.
O prazer que sentimos na música de entretenimento acaba por produzir
justamente o seu contrário. Consumimos um produto que não nos pertence –
pertença no sentido de sentir-se partícipe da composição. Ganhamos em troca
a angústia da posse de um produto e da não experimentação de uma obra. O
prazer enlatado nos leva à angústia da eterna necessidade da posse, da
compra, mas deixa de lado o prazer estético. O filósofo denomina esta
realidade de “masoquista cultura de massa” (1999, p. 80) Um eterno sofrimento
em busca de um prazer que nunca chega. Nos tornamos escravos do produto.
ATIVIDADE
Escreva um texto no qual se poderia pensar a idéia do masoquismo cultural relacionado ao
consumismo desenfreado em que vivemos. Que outros componentes, além desta pobreza
de prazer estético, indicada no texto acima, poderiam explicitar a necessidade sem medida
de consumo.
Adorno continua sua análise sobre o mercado da música com o conceito
de “regressão da audição”. Com ele, poderemos compreender melhor os
efeitos da música de entretenimento sobre a sensibilidade. É preciso
reconhecer que o mercado da música não apenas restringe nossa liberdade ou
limita nosso gosto. Ocorre que a sociedade de consumo deixa nossos ouvidos
surdos, empobrecidos. Não estamos falando da surdez fisiológica, mas de um
tipo especial de surdez: a do conhecimento da música. A “regressão da
audição” é exatamente uma estagnação no nada, a quase impossibilidade de
nos colocarmos de corpo, alma e espírito na música. Não se trata de regressão
no sentido de uma volta ao passado, às tradições, nem mesmo uma volta à
infância perdida. É, na verdade, uma constante volta ao nada de conhecimento
musical. Compramos, escutamos, mas não sabemos exatamente do que se
trata.
Obviamente não se trata de uma simples pesquisa sobre a vida do autor
ou do intérprete, mas de conhecimento musical como um todo. Nas palavras de
Adorno:
Os ouvintes perdem com a liberdade de escolha e com a responsabilidade não
somente a capacidade para um conhecimento consciente da música – que
sempre constitui prerrogativa de pequenos grupos – mas negam com pertinácia
a própria possibilidade de se chegar a um tal conhecimento. Flutuam entre o
amplo esquecimento e o repentino reconhecimento, que logo desaparece de
novo no esquecimento. (1999, p. 89)
Mais alguns elementos importantes podemos destacar nessa regressão
da audição. É a impossibilidade de avanço no saber, implicando na
permanência na ignorância auditiva, o que impedem uma fruição livre e rica da
música. Não conhecemos, adiamos sempre o melhor para um depois que
nunca chega. E não chega porque não temos tempo, paciência, dinheiro,
fontes apropriadas, e muitos outros desvios. O que nos resta? O prazer da
compra do próximo sucesso.
Pode-se entender, por tudo isso, porque nosso ouvido fica mal
acostumado, calmo demais, sente muito pouco. Desejamos músicas com
muitos enfeites, finais já conhecidos, rimas consagradas. Menos detalhe, mais
barulho. Nosso ouvido ficou atomizado, ouve apenas as partes que quer, sem a
audição (ou percepção) da totalidade. Um querer, além do mais, que não é
próprio do sujeito, mas que segue as regras do consumo. Adorno confirma esta
exigência do próprio consumidor quando afirma que “Os ouvintes e os
consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é
imposto insistentemente.” (1999, p. 91) Basta comprar, sem pensar.
Nosso ouvido, acostumado com músicas de mercado, com as mesmas
cadências, ritmos e rimas, fica ingênuo, empobrecido de novas experiências,
infantilizado. Nega-se a conhecer novos formatos de sons, ritmos, harmonias,
enfim, experimentar os choques de experiências musicais que acabam por
enriquecer e enobrecer o prazer estético da música. Temos uma espécie de
coação que se estabelece de duas formas: a externa ou social, no sentido da
exigência da compra do produto cultural; e a interna ou perceptiva, no sentido
de uma escuta calada, cega ao novo, limitada ao básico, sem exigência de
esforço para compreender a complexidade de arranjos, sentimentos,
contrastes, de erros intencionais ou não, das tensões e angústias que a música
convida a experimentar. Nosso “comportamento perceptivo” (ADORNO, 1999,
p. 92) fica caracterizado pela desconcentração, pela falta de tensão e pela
resignação. Não percebemos a estrutura, apenas o colorido. Não suportamos
as pressões e exigências que a riqueza da música exige. Ficamos na
experiência vazia do mero divertimento.
Ao compararmos com o processo de produção nas fábricas, o processo
de composição musical acaba se reduzindo a uma mera técnica, na qual o
músico deve dominar uma série de movimentos já determinados, para um
resultado que todos já esperam e exigem. Eis a denúncia de uma fraude. A
indústria que promete o novo, acaba por fornecer o padrão, o mesmo de
sempre. A música fica impossibilitada de oferecer uma experiência de
arrebatamento e estranhamento da vida cotidiana. Apenas nos contentamos
com paliativos, “... no fundo as pessoas percebem-se traidoras de uma
possibilidade melhor, e simultaneamente percebem-se traídas pela situação
reinante.” (Adorno, 1999, p. 102)
O que impera? A indústria cultural que, com promessas de satisfação no
consumo, o que faz é justamente acomodar o público ao sofrimento indefinido.
A indústria cultural acaba por denunciar a crise de seus próprios “valores”, para
a qual encontram-se os paliativos no mercado. Um círculo vicioso e lucrativo.
Além
destas
críticas
contundentes à indústria cultural,
Adorno não se mostra contente
com algumas saídas para este
clima
de
“masoquismo
da
audição”. Por exemplo, a idéia de
que estaríamos fora da cultura de
massas ao consumirmos óperas e
músicas
clássicas,
adquirirmos
coleções de Mozart, Vivaldi e
outros. O que se acaba por fazer,
neste caso, é justamente cair nas
malhas do mercado. São falsas
saídas
que,
no
final,
Arnold Franz Walter Schönberg, ou
Schoenberg,
(1874-1951),
compositor
austríaco de música erudita e criador do
dodecafonismo, revolucionário e influente
estilo de composição do século XX. Suas
primeiras obras, apesar de ligadas à tradição
pós-romântica, já prenunciavam um método
composicional inovador, que evoluiu para a
atonalidade e, mais tarde, para um estilo
próprio, o dodecafonismo. Schönberg foi
também pintor e importante teórico musical,
autor de Harmonia e Exercícios Preliminares
em
Contraponto.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Arnold_Sch%C3%B
6nberg)
apenas
indicam a incapacidade da audição
moderna se render à riqueza da
música. São paliativos que, por um
lado, restringem o acesso à arte
erudita a poucos, muitas vezes
numa falsa impressão de erudição.
Além
do
que
não
promovem
qualquer coisa que se queira
chamar de democracia musical,
nem mesmo o desenvolvimento do
ouvido.
Ainda
assim,
é
Anton Webern (1883–1945), compositor
austríaco pertencente à chamada Segunda
Escola de Viena, liderada por Arnold
Schoenberg, cujo estilo e poética musical foi
chamada de música dodecafônica, Música
expressionista ou Música pontilhista. Ele se
tornou conhecido e admirado entre os músicos
pós-modernos pelas inovações rítmicas,
timbrísticas e dinâmicas que formariam o estilo
musical
conhecido
como
serialismo.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Anton_Webern)
possível
lançarmos um olhar positivo para o futuro? Parece que Adorno não deixa
muitas boas novas. Mas não seria fácil demais simplesmente dizermos que o
mercado corrompeu qualquer forma de arte verdadeira, sincera, complexa, com
recheios de conhecimento? Não seria uma redução até meio fantástica dizer
que “tudo acabou” em termos de criatividade artística e percepção estética?
Temos uma deixa de Adorno para sua própria queixa, falando sobre a música
de Schoenberg e Webern:
A sua música dá forma àquela angústia, àquele pavor, àquela visão clara do estado
catastrófico ao qual os outros só podem escapar regredindo. (...) Todavia, somente os
indivíduos são capazes de representar e defender, com conhecimento claro, o genuíno desejo
de coletividade em face de tais poderes. (1999, p. 106)
Em outras palavras, para o filósofo, é pela individualidade consciente,
carregada de conhecimento de técnicas e teorias, bem como pelos reflexos
sociais de tais conhecimentos, que é possível pensarmos numa arte sadia, rica,
livre, aberta ao novo e sem medo do passado. Indivíduos maduros.
ATIVIDADE
Discuta em grupos sobre a viabilidade desta possível saída que Adorno propõe. Dentro da
lógica e ritmo de vida que a sociedade contemporânea exige, isto poderia se dar de que
forma? A escola teria algum papel na produção de indivíduos com conhecimento de arte?
Pesquise exemplos que da sua comunidade, ou os que a mídia apresenta, sobre escolas
de música que são criadas em comunidades carentes. Apresentem para a turma e
discutam a relevância destes projetos.
2.2 BENJAMIN E A PERDA DA AURA DA ARTE
O filósofo alemão Walter Benjamin também
procurou analisar o fenômeno da cultura de massa.
Entretanto, ele o toma na perspectiva dos efeitos que
as novidades tecnológicas, aplicadas às artes,
www.drinkingupstream
produzem na sensibilidade do expectador. Sua
.wordpress.com (acesso
em abril/2009)
análise se deteve na fotografia e, principalmente no
cinema, porém, poderemos transpor sua análise
também ao fenômeno musical. O mesmo salto que
houve entre a pintura e a fotografia, ou entre o teatro
e o cinema, podemos pensá-lo para os concertos ao
vivo, que hoje podem ser gravados em estúdios com
recursos de última geração.
Walter
Benedix
Schönflies
Benjamin
(1892-1940) foi um
ensaísta, crítico literário,
tradutor,
filósofo
e
sociólogo judeu alemão.
Também fez parte da
escola de Frankfurt.
(http://pt.wikipedia.org/
wiki/Walter_Benjamin)
- acesso em abril/2009
Benjamin procurou responder se a reprodução e comercialização da arte
para as massas não roubaria dela o seu potencial criativo, formador e
transformador do mundo. Vamos nos deter em suas reflexões a partir de seu
texto “A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”, escrito em
1935.
Segundo Benjamin, as obras de arte sempre foram passíveis de
reprodução (de cópia): quando alunos copiavam obras de seus mestres para
aprender a desenvolver técnicas, os falsários que copiavam clandestinamente
obras de arte famosas com fins lucrativos, são alguns exemplos. Mas o que se
vê atualmente é algo diferente: uma reprodução rápida, em grande quantidade
e voltada para um grande mercado consumidor – as massas.
Tenhamos em mente a reprodução operada pelo mercado da música,
desde os LP´s, fitas cassetes, até os CD´s, Mp3, IPod´s e outras mídias. A
transformação da execução ao vivo de uma obra musical em uma gravação,
que poderá ser reproduzida aos milhares, comercializada às multidões, traz
consequências que precisam ser analisadas com maior cuidado.
Para Benjamin, a reprodução das artes deve recolocar velhas questões
sob novas condições. Sempre que ocorre a decadência de algum padrão, deve
surgir daí algo novo, quase sempre muito “avançado”, extravagante, fora do
comum, e que salva a arte de um possível fim. Além disso, tais mudanças
também produzem alterações significativas no modo como os indivíduos
percebem a realidade, ou seja, mudanças nos sentidos do corpo e no modo
como as percepções são interpretadas. O filósofo elabora um conceito que
permite compreendermos um âmbito geral para estas alterações – o conceito
de aura.
Benjamin afirma que, para além da perfeição técnica da reprodução, “...
falta sempre algo: o hic et nunc (o aqui e agora) da obra de arte, a unidade de
sua presença no próprio local onde se encontra.” (1980, p. 7) O que seria essa
unidade? Para o filósofo, uma obra de arte é autêntica apenas quando ela
naturalmente se dá ao olhar e à contemplação do espectador. Um obra de arte
está sempre vinculada à uma tradição, à uma história, às alterações materiais
que ela sofreu com o tempo (envelhecimento, perda de cor, por exemplo).
Qualquer reprodução tecnológica que perca isso, rouba da obra a sua aura,
isto é, a sua unidade, sua autenticidade, “... transformam o evento produzido
apenas uma vez num fenômeno de massas.” (BENJAMIN, 1980, p. 8) A perda
da aura fica mais evidente na medida em que essas reproduções se voltam ao
mercado, isto é, ao consumo de milhares, que não têm conhecimento ou
vivência dessa tradição para apreciá-la de forma justa.
Além do que, do ponto de vista de quem as reproduz o interesse é
apenas comercial e não artístico. No caso de uma obra reproduzida com fins
comerciais, tanto a produção da arte quanto a sua contemplação ficam
prejudicadas pela falta do original e pela distância do peso de sua tradição,
história e os detalhes do “ao vivo”. A arte se torna objeto de liquidação.
A reprodução, segundo Benjamin, afasta o espectador dos ambientes
originais, desvaloriza a unidade da presença da própria obra. Isso significa
perda de autenticidade que “... é tudo aquilo que ela [a obra de arte] contém e é
originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de
testemunho histórico.” (1980, p. 8)
A perda da aura implica em retirá-la de sua função ritualística. Quando
percebemos pela via da contemplação, entramos numa relação diferenciada
com o objeto contemplado. A arte fica reduzida à exibição comercial, voltada ao
divertimento. Enquanto que esse mesmo objeto artístico, sob o véu de sua
aura, guarda uma distância que lhe é própria e fundamental. Como uma
imagem que se presta ao culto. Permanece sempre inatingível, longínqua. Na
distância e no ritual de contemplação, o objeto guarda sua unidade e ganha
seu valor de autenticidade. Tal valor se perde à medida em que outros
interesses mais práticos entram na relação, como por exemplo, o interesse do
colecionador, do comerciante ou expositor de arte.
ATIVIDADE
Nos últimos tempos percebemos uma procura no mínimo interessante de produtos
musicais veiculados em mídias tecnológicas mais antigas, como o vinil, por exemplo. A que
se deve essa busca – que poderíamos denominar de cultura “retrô” – por elementos
artísticos de um passado recente? Como você analisaria essa volta a tecnologias antigas a
partir do conceito de aura?
Investigue outros exemplos deste retorno ao passado e produza um texto para apresentar
à turma.
A perda da aura produziu uma desfuncionalização da arte em seu
aspecto social. A grande massa de consumidores, alienada num gosto
enlatado, perde também sua capacidade crítica e o sentido de fruição estética.
A arte perde sua força de transformação social, de denúncia e de poder de
reflexão. Ocorre o que Benjamin chama de “... um divórcio crescente entre
espírito crítico e o sentimento de fruição.” (1980, p. 21) A impossibilidade de
fruição livre, de um contato íntimo com a obra na sua genuína apresentação,
de um diálogo com o autor/ator do espetáculo, tornam a vivência da arte uma
experiência mecânica, como também apontava Adorno anteriormente.
Diferente de Adorno, porém, Benjamin consegue entrever alguns pontos
positivos que vieram com as técnicas de reprodução. Em sentido amplo, o
filósofo afirma que elas possibilitam uma ampliação no alcance dos sentidos
para regiões do real que a percepção natural não teria. Ou seja, o que temos é
um aprofundamento da percepção, o que também implica na ampliação do
conhecimento. Segundo o filósofo, a tecnologia fornece “... um levantamento da
realidade incomparavelmente mais preciso.” (1980, p. 22) Isso porque ela
permite isolar uma quantidade maior de detalhes, ângulos e campos de
percepção. As dimensões do real se ampliam. As coisas ficam maiores, numa
espécie de alargamento das dimensões perceptivas o que, por sua vez,
permite à imaginação compor novas relações. Fazemos um levantamento mais
completo da realidade, nos detalhes que outrora, a pintura, escultura, teatro e
poesia não tinham acesso. A reprodução técnica das artes para Benjamin, “ (...)
nos faz enxergar melhor as necessidades dominantes sobre nossa vida...”. “O
espaço se alarga”, “o movimento que assume novas dimensões”, permite-se o
“engrandecimento das coisas”, o “desvendar novas estruturas da matéria”.
(1980, p. 23)
Mesmo que a arte possa ser vista apenas como lazer comercialmente
lucrativo, e que a diversão guarde alguma distância da “arte pura”, não se deve
esquecer que por estas novas tecnologias, a arte passa a ser apreciada de
uma outra forma. A tecnologia aplicada à arte permite que a sociedade se
compreenda e assimile novas atitudes em relação à vida, pois “... a arte nos
confirma tacitamente que o nosso modo de percepção está hoje apto a
responder a novas tarefas”, às quais estamos, cotidianamente, recusando a
cumprir. À arte cabe cumpri-las.
Sendo assim, a questão sobre o que ouvimos pode agora ser pensada e
repensada sob um novo olhar. Se o que denominamos “arte” não mais se
reduz às formatações clássicas ou acadêmicas, por outro lado não podemos
reduzir a criatividade às regras de um consumo sem reflexão ou compromisso
com a liberdade. É preciso termos alguma bagagem cultural sim, mas não
devemos esquecer que somos também produtores e não apenas receptores ou
consumidores de cultura. Neste sentido, cabe apurar nossos ouvidos e depurar
o que ouvimos. Não nos fecharmos o novo, nem ao difícil, ou reduzirmo-nos ao
fácil. Afinal, arte é para ser vivida. E em abundância!
ATIVIDADE
Atividades:
1) Escreva um texto analisando os aspectos positivos que as reproduções tecnológicas das
obras de arte possibilitam ao ser humano. Até que ponto elas encaminham para novas
formas de arte ou para novas formas de alienação?
2) Elabore um quadro/painel com as transposições para a percepção auditiva das alterações
nos sentidos que o cinema promoveu na visão. O que estamos ouvindo mais e melhor?
3) Em dupla, desenhe um quadro no seu caderno com as diferenças e semelhanças entre
Adorno e Benjamin, no tocante à visão mais positiva ou negativa da indústria cultural.
Debate
Organize um debate na sala a partir das seguintes questões:
1) A partir do que foi discutido neste Folhas, é possível dizer que ouvimos música? Barulho?
Ou diversão?
2) Será que o conceito de arte no sentido clássico ainda permanece diante da produção
cultural voltada para o mercado?
3) Como poderíamos pensar (e produzir) a arte para além das exigências do mercado?
REFERÊNCIAS:
ADORNO. T. W. O fetichismo da música e a regressão da audição. Trad.
Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1999. Col. Os Pensadores. Pp.
65-108.
_____. Idéias para a Sociologia da Música. Trad. Roberto Schwarz. São
Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores. Pp. 259-273.
ARANTES. A. A. O que é cultura popular? 14ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1998.
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução.
Trad. José Lino Grünnewald. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os
Pensadores. Pp. 3-28.
ROCHLITZ, R. O desencatamento da arte. A filosofia de Walter Benjamin.
Trad. Maria E. O. Assumpção. São Paulo: EDUSC, 2003.
WISNIK, J. M. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São
Paulo: Cia das letras, 1989.
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