CORRELAÇÕES ENTRE A PLUVIOMETRIA DO SETOR LESTE DO NORDESTE DO BRASIL E ANOMALIA DE TEMPERATURA DA SUPERFÍCIE DO MAR Geber Barbosa de Albuquerque Moura1 José Swami Pais Melo2 Resumo O objetivo deste trabalho foi correlacionar a precipitação pluviométrica (março a julho) em cinco grupos homogênios do setor leste do Nordeste do Brasil (NEB) com anomalia de temperatura da superfície do mar (TSM). O período de estudo foi de 1945 a 1985 e a análise mostra que há influência do Atlântico e Pacífico sobre as chuvas do setor leste, com maior correlação para o Atlântico, principalmente na área do Dipolo (com correlação maior que 0,6 e nível de significância de 0,01). O estudo de outras variáveis meteorológicas e oceânicas é necessário para um melhor entendimento da precipitação nos cinco grupos. Palavras-chave: temperatura da superfície do mar (TSM), precipitação pluviométrica, Nordeste do Brasil, Dipolo do Atlântico, El Niño. Abstract The aim of this work was to correlate the rainfall variability (March – July) of five clusters of the East sector of Northeastern Brazil (NEB) with sea surface temperature anomaly (SST) for the period 1945 to 1985. The analysis showed that there are influence of the Atlantic and Pacific oceans on the rainfall of the East sector of NEB. The correlation between precipitation and SST (sector of Dipole) is higher in the Atlantic, principally in the area of the dipole (correlations higher than 0.6 and significant at the 0.01 level). The study of other meteorologic and oceanic variables is necessary for a better understanding of the precipitation on these five clusters. Key words: sea surface temperature (SST), precipitation, Northeast of Brazil, Atlantic Dipole, El Niño. 1. Introdução 1, 2 Professores da UFRPE – Departamento de Agronomia - Fitotecnia R. Dom Manoel de Medeiros, s/n - Dois Irmãos - 52171-900 - Recife/PE - F: (81) 3302.1011 E-mails: [email protected], [email protected]. A possibilidade de se prever, com razoável margem de segurança, as variações climáticas em escala interanual representa uma conquista de dimensões históricas, com profundas implicações no progresso do entendimento das interações entre os seres humanos (a sociedade) e o meio ambiente. Há evidências observacionais, teóricas e resultados de modelos de circulação geral da atmosfera, de que as condições oceânicas e atmosféricas o Atlântico e Pacífico Tropical influenciam fortemente na variabilidade interanual do clima sobre as Américas (Aragão, 1986; Aragão et al., 1994; Hasterath e Heller, 1977; Moura e Shukla, 1981; Hastenrath et al., 1984; Hastenrath e Greischar, 1993; Moura et al., 2000 ). Tem sido obtido êxito considerável nas previsões dos eventos do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS), por meio de simulações (modelos) de evolução solidária dos fenômenos físicos da interface oceano - atmosfera. Além disso, o conhecimento sobre o Atlântico tropical (Dipolo do Atlântico), conjuntamente com as informações sobre o ENOS, nos permite elaborar uma previsão sobre a precipitação do semi-árido nordestino. Vários modelos de previsão climática para o semi-árido do Nordeste, já operacionais, vêm sendo utilizados por diversos organismos regionais, nacionais e internacionais. Por meio desses modelos é possível elaborar prognósticos sobre a qualidade da estação chuvosa do norte semi-árido do Nordeste (período que vai de fevereiro a maio), com antecedência de um a três meses e, para os casos de extremos de pluviosidade, com até seis meses de antecedência. A confiabilidade dessas previsões, pode chegar até a 80%, na dependência de definições acentuadas dos parâmetros envolvidos. Já para a faixa costeira ao leste da região, de climas úmidos e semi-úmidos, ainda não existem modelos operacionais para prognósticos confiáveis. Estudos recentes demonstram a importância de três parâmetros oceano-atmosféricos na definição da estação chuvosa dessa região: a direção dos ventos dominantes à superfície; o posicionamento da Alta do Atlântico Sul; e a temperatura da superfície do mar (TSM) no Atlântico tropical. O objetivo deste estudo foi fazer correlacões entre a precipitação pluviométrica de cinco grupos do setor leste do Nordeste do Brasil (NEB) com anomalias de temperaturas da superfície do mar (TSM). 2 - Dados e metodologia Neste trabalho utilizou-se totais mensais de precipitação de 40 postos pluviométricos distribuídos espacialmente ao longo do setor leste do NEB (Figura 1), disponíveis no banco de dados da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária (IPA), os quais foram obtidos junto ao Departamento Nacional de Obras Contra Secas (DNOCS). Estes dados compreendem um período de observação que varia desde o início do século até 1985, com todos os postos pluviométricos apresentando um período superior a 30 anos de dados As anomalias mensais de temperatura da superfície do mar (TSM) foram extraídas da mais nova versão do Comprehensive Ocean-Atmospheric Data Set (COADS), compilada por Da Silva et al. (1994), a qual possui a resolução em ponto de grade de 1o X 1o de latitude e longitude para um período de 1945 a 1985. O período chuvoso do setor leste foi escolhido de março a julho, de acordo com Moura et al. (1998). Os grupos foram escolhidos a partir de análise de agrupamento utilizando o método hieráquico (Tabela 1). A distância utilizada como função de grupamento para medir a similaridade ou dissimilaridade entre os indivíduos (estações), Pi e Pj é a euclidiana, dada por: 2 n D(Pi, Pj) = [ Ni (Piq Pjq ) ]1 / 2 (1) q 1 Onde, Pij representa a precipitação do período chuvoso (março a julho) das estações Pi e Pj. O critério de agrupamento utilizado foi o de Ward (1963), o qual propõe que em qualquer estágio de uma análise, a perda de informação resultante de agrupamento pode ser medida pela soma dos quadrados dos desvios (SQD) de cada ponto à média do grupo ao qual pertence (Everitt 1974). Logo n para os N indivíduos (estações) organizados em K classes, SQD 1 [Xi 2 n ( Xi )2 , onde Xi é o indivíduo pertencente a i-éssima classe. i 1 A média anual (período chuvoso) da precipitação ( P ) para a estação i é dada por: P = 1 Pij J j (2) onde Pij é a precipitação anual (período chuvoso) da estação meteorológica i durante j anos; J é o número de anos no período escolhido para análise e i é o número de estações na região a ser analisada. Padronização da precipitação para cada estação meteorológica: DNij = Pij (3) O Desvio normalizado médio DN k para cada grupo a cada ano é: DN k = 1 DN ij N i (4) Sendo N o número de estações meteorológicas de cada grupo a ser analisado. As normalizações foram feitas para evitar que algumas estações, com médias e desvios padrões sobreponham as demais. Assim para cada estação individual, as normalizações foram feitas subtraindo da precipitação observada a média mensal e dividindo esta diferença pelo desvio padrão, sendo que µ e são de longo prazo e pertinentes a própria estação e a cada período de observação. Para estudar as correlações lineares entre anomalias de TSM e a precipitação para cada grupo (Tabela 1) no leste do NEB, as análises fundamentaram-se na série dos totais de precipitação de marco a julho para o período chuvoso do setor leste do NEB (dada pelo desvio normalizado médio) e anomalias de TSM para o período de 1945 a 1985. Figura 1 - Localização das 40 Estações do setor leste do Nordeste do Brasil utilizadas neste trabalho, e localização dos quatro grupos homogêneos, o símbolo vermelho representa os postos do Grupo 1, o Preto do Grupo 2, o Róseo do Grupo 3, e o laranja do Grupo 4, respectivamente. Tabela 1: Relação das estações dos grupos homogênios Grupos Estações pluviométricas Grupo 1 Cabaceiras, São Bento do Una, Panelas, Piranhas e Caruaru Grupo 2 Itabaiana, Vertentes, Simão Dias, Propria, R. Real, N.S. da Glória, S. do Ipanema, Águas Belas, Garanhuns, F. de Santana, C. Grande, Umbuzeiro, V. do Santo Antão, São Paulo do Potenji e João Câmara Grupo 3 Alagoinha, Anádia, Palmeiras dos Índios, S.A. de Jesus, Timbaúba, Penedo, Bananeiras, União dos Palmares e Touros Grupo 4 Salvador, Estância, Maceió, Palmares, Aracajú e Canquaretama Grupo 5 João Pessoa, Recife e Natal 3 – Resultados e discussão Correlações entre os desvios normalizados da precipitação dos cinco grupos do setor leste do Nordeste do Brasil (NEB) e as anomalias de TSM's globais. Os mapas globais de correlações, mostradas nas Figuras de 2 a 6, apresentam as correlações entre desvios normalizados de precipitação e anomalias de TSM's para o período de março a julho. Pode-se notar das figuras, que há regiões do oceano com correlações negativas no Pacífico leste e central, com máximo concentrados na região do El-Niño3 (>0,4) para os cinco grupos (Figuras 2 a 6), e também El-Niño1+2(>0,4), grupo 3 e 5 (Figuras 4 e 6, respectivamente). Algumas regiões positivamente correlacionadas aparecem no Pacífico, principalmente ao longo do cinturão de altas subtropicais, centrado em 30o sul e norte. Na área do Atlântico, aparece uma área de correlação negativa entre 30 e 60o sul, inclusive próximo ao continente no setor da Zona de Convergência do Atlântico Sul - ZCAS. Uma região de correlações positivas surge na região da alta semi-estacionária do Atlântico sul, cujos os resultados devem ser recebidos com cautela, pois as observações nessas regiões são em números menores que nas regiões tropicais. Entre 30 e 60o no Atlântico norte aparecem correlações negativas, justamente nas áreas do cinturão da alta semi-estacionária. No Atlântico, na área de atuação da Zona de Convergência Intertropical - ZCIT, aparecem correlações negativas, com menos intensidade para o grupo 5 (Figura 6). Encontra-se setores de correlações negativas ao norte do equador e positivas ao sul, justamente na área do Dipolo (Moura & Shukla, 1981), com maiores correlações positivas (>0,6) para o grupo 1 (Figura 2), grupo 4 (Figura 5), e grupo 5 (Figura 6). Como pode ser observado, a partir desses resultados, a influência da distribuição de anomalias de temperatura da superfície do mar (TSM) sobre as chuvas do setor leste do NEB, sugere que, para as estações aqui analisadas, a influência maior é do Atlântico sul, com correlações positivas em sua maioria, indicando águas quentes, nesse oceano, afetariam positivamente as chuvas, enquanto que para o oceano Pacífico, por sua vez, apresentam correlações negativas, isso induz a uma influência negativa nas chuvas do setor leste, como era de se esperar, pois nos episódios El-Niño as águas quentes naquele oceano modificam a circulação de Walker de forma a reduzir as chuvas. Enquanto o Dipolo fase negativa (águas quentes no Atlântico sul e frias no Atlântico norte) induz a movimentos ascendentes ao sul do equador e descendente ao norte, sobre a área adjacente ao NEB, numa circulação meridional anômala, onde o ar que sobe ao sul do equador, pelo fato das águas superficiais estarem mais aquecidas, desce ao norte, o que aumenta a nebulosidade e, por extensão a precipitação no setor leste. Figura 2: Correlações entre desvios normalizados de precipitação de uma região homogênea (Cabaceiras, São Bento do Una, Panelas, Piranhas e Caruaru), e anomalias de TSM, médias de março a julho de 1945 a 1985. Figura 3: Correlações entre desvios normalizados de precipitação de uma região homogênea (Itabaiana, Vertentes, Simão Dias, Propriá, R. Real, N.S. da Glória, S. do Ipanema, Águas Belas, Garanhuns, F. de Santana, C. Grande, Umbuzeiro, V. do S. Antão, S. P. do Potenji e João Câmara), e anomalias de TSM, médias de março a julho de 1945 a 1985. Figura 4: Correlações entre desvios normalizados de precipitação de uma região homogênea (Alagoinha, Anádia, P. dos Índios, S. M. de Jesus, Timbaúba, Penedo, Bananeiras, União do Palmares e Touros), e anomalias de TSM, médias de março a julho de 1945 a 1985. Figura 5: Correlações entre desvios normalizados de precipitação de uma região homogênea (Salvador, Estância, Maceió, Palmares, Aracajú e Canquaretama), e anomalias de TSM, médias de março a julho de 1945 a 1985. Figura 6: Correlações entre desvios normalizados de precipitação de uma região homogênea (João Pessoa, Recife e Natal), e anomalias de TSM, médias de março a julho de 1945 a 1985. 4 – Conclusão Ficaram evidentes que os sistemas de grande escala como El-Niño e Dipolo, reduzem ou aumentam a nebulosidade do setor leste. A área do El-Niño 3 influência negativamente as chuvas dos cincos grupos aqui analisados. O Dipolo negativo influência positivamente as chuvas dos cincos grupos, com correlações positivas acima de 0,6, com nível de significância de 0,01 para o grupo 1 e 5. Na fase de Dipolo negativo (águas superficiais quentes no Atlântico sul adjacente a costa do NEB), os distúrbios de leste são mais freqüentes, e isso favorece a chuva torrencial. 5 – Referências Bibliográficas ARAGÃO, J.O.R. A general circulation model investigation of the atmospheric response to El Niño. [s.l.] : National Center for Atmospheric Research, 1986. 144p. (NCAR Cooperative Thesis, 100). ARAGÃO, J.O.R.; ROUCOU, P.; HARZALLAH, A.; FONTAINE, B; JANICOT, S. Variabilité atmosphérique sur le Nordeste brésilien dans le modèle de circulation générale du LMD (1970-1988). Publications de l’Association Internationale de Climatologie, v.7, Panaglotis Maheras (Ed), Grécia, p. 432-438, 1994. DA SILVA, A. M.; YOUNG, C.C.; LEVITUS, S. Atlas of surface marine data 1994. Vol. 1: Algorithms and procedures. 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