Congresso de Inovação, Ciência e Tecnologia do IFSP - 2016 ETE CARLOS DE CAMPOS: GRAFITE E APROPRIAÇÃO ESPACIAL GABRIELA RUSSO DE CARVALHO1, ANA CAROLINA CARMONA RIBEIRO2 1 2 Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, IFSP, Campus São Paulo, [email protected] Docente na Área de Construção Cívil, IFSP, Campus São Paulo, [email protected] Área de conhecimento (Tabela CNPq): Planejamento e Projeto do Equipamento - 6.04.02.03-2 Apresentado no 7° Congresso de Iniciação Científica e Tecnológica do IFSP 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016 - Matão-SP, Brasil RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados obtidos na pesquisa de Iniciação Científica ETE Carlos de Campos: Grafite e Apropriação Espacial que é um desdobramento da Iniciação Científica ETE Carlos de Campos: espacialidade e materialidade da primeira Escola Profissional Feminina de São Paulo, que analisou o edifício da Carlos de Campos, escola centenária tombada pelo Condephaat na categoria de bem cultural. A escola ficou conhecida nas últimas duas décadas por ter formado grafiteiros de renome, como Os Gêmeos, Nina, Vermelho e Crânio. A intenção é analisar como o grafite pode estar inserido no ambiente escolar, usando como estudo de caso a Carlos de Campos, que desde sua criação tem cursos ligados ao desenho, sendo esta, a única cadeira obrigatória a todos os cursos nos primeiros anos da escola. Como metodologia, optou-se por fazer um estudo teórico sobre arte urbana, com foco em grafite, refletindo sobre alguns casos em escolas; um estudo teórico sobre o ensino de desenho em escolas profissionalizantes; uma coleta de registros de intervenções na Carlos de Campos; e por fim, uma análise sobre a prática formal do ensino de desenho e suas expressões espontâneas no ambiente escolar. PALAVRAS-CHAVE: arte urbana; grafite; arquitetura escolar; patrimônio escolar; ETE Carlos de Campos. ETE CARLOS DE CAMPOS: GRAFFITI AND SPATIAL APPROPRIATION ABSTRACT: This research aims to present the results in scientific initiation research ETE Carlos de Campos: Graffiti and Space Appropriation which is an deployment of Undergraduate Research ETE Carlos de Campos: Spatiality and Materiality of the First Professional Female School of São Paulo, which analyzed the building of Carlos de Campos, century-old school listed by Condephaat in cultural property category. The school was known in the past two decades to have formed renowned graffiti artists, such as Os Gêmeos, Nina, Vemelho e Crânio. The purpose is to analyze how graffiti can be inserted in school’s space, using as case study Carlos Campos, which since its inception has courses linked to the design, which is the only mandatory course in all courses in the first years of school. As methodology, we chose to make a theoretical study of urban art, with focus on graffiti, reflecting about cases in schools; a theoretical study about design’s teaching in vocational schools; a gathering of interventions material on Carlos Campos; and finally, an analysis of design’s formal teaching and their spontaneous expressions in the school environment. KEYWORDS: urban art; graffiti; school architecture; school patrimony; ETE Carlos de Campos. INTRODUÇÃO A presente pesquisa tem como tema ETE Carlos De Campos: Grafite e Apropriação Espacial, e dá sequência à pesquisa de Iniciação Científica ETE Carlos de Campos: espacialidade e materialidade da primeira Escola Profissional Feminina de São Paulo, que estudou o edifício da atual ETE Carlos de Campos, considerando suas características originais, modificações e reformas. O edifício é tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico) na categoria de bem cultural desde 2010. Desde sua criação, em 1911, a Carlos de Campos tem seu currículo diretamente ligado ao desenho, sendo esta a única cadeira obrigatória a todos os cursos nos primeiros anos de funcionamento da escola. Neste período, a escola oferecia cursos voltados a prendas manuais, artes e saúde para meninas, atualmente oferece cursos como Design de Interiores, Comunicação Visual, Modelagem do Vestuário, Edificações e Enfermagem. A partir da década de 1980, a escola passou a formar alunos ligados ao grafite, incluindo alguns nomes importantes do grafite paulistano, como Os Gêmeos, Nina, Vermelho e Crânio. Além disso, a escola passou a abrigar, a partir do mesmo período, grafites em seus muros e paredes internas, destes e outros grafiteiros, motivo pela qual ficou conhecida. O objetivo da pesquisa é entender como o grafite, forma de arte urbana fora do círculo acadêmico, se insere no meio escolar, usando como estudo de caso a ETE Carlos de Campos, que tem explícito em seu histórico a prática do ensino de desenho e conta, desde a década de 1980, com diversas manifestações de arte urbana em seus muros. Além disso, a pesquisa visa contribuir com a preservação da memória da Carlos de Campos, tendo em vista que essas manifestações fazem parte do cotidiano dos usuários do espaço e acabam por influencia-los. MATERIAL E MÉTODOS Como metodologia, escolheu-se fazer um estudo teórico, em uma primeira etapa, da história do grafite, considerando seu surgimento nos Estados Unidos e seu desenvolvimento em São Paulo a partir de livros, artigos e sites de grafiteiros. A continuação deste estudo refere-se a uma análise de casos de intervenções artísticas em escolas, principalmente grafites, baseada em notícias de revistas, jornais e sites de mídias populares, além de publicações em mídias digitais de órgãos como a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o Ministério da Educação, que têm incentivado essas produções artísticas no ambiente escolar, aprovando e divulgando projetos que se propõem a grafitar muros de escolas. Ainda na primeira etapa de desenvolvimento da pesquisa, iniciou-se uma coleta de registros de intervenções feitas na ETE Carlos de Campos em diversas épocas, com alunos, ex-alunos, professores e funcionários. Em um segundo momento, escolheu-se estudar a prática do ensino do desenho e artes em escolas profissionalizantes, técnicas e industriais, com foco no currículo da ETE Carlos de Campos. Além disso, dar sequência à coleta de registros de intervenções artísticas no edifício da Carlos de Campos. E, por fim, desenvolver uma análise relacionando o desenho formal e sua expressão espontânea no ambiente escolar através do grafite. RESULTADOS E DISCUSSÃO A palavra grafite, tem origem etimológica na língua grega, e significa “escrever, expressar através de caracteres escritos” ou “desenhar, representar por linhas desenhadas” (CASTRO, 2014, p.10). Grafite é uma tradução da palavra italiana sgraffito, que significa rabisco, ranhura (GANZ, 2010, p.8). Segundo Celso Gitahy, o grafite pode ter sua linguagem dividida em características conceituais e estéticas. As estéticas referem-se a uma “expressão plástica figurativa e abstrata” e a conceitual é composta de sua ideologia, sua intenção em relação à sociedade e ao governo, como se coloca e age na cidade. Gravar símbolos em paredes é um ato inerente aos homens desde os primórdios, sendo o exemplo mais antigo, as pinturas rupestres (GITAHY, 1999, p.11). O grafite, no modelo popular atual, surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, em Nova Iorque e na Filadélfia. Nesse período de grande agitação social, tensão racial e crise econômica, jovens de periferia passaram a pintar seus nomes em muros e estações de metrô, o que colaborou para que artistas de classes mais baixas passassem a enfrentar as classes dominantes e a se manifestar por toda cidade, não somente em seus bairros de origem. No início, os grafites eram formados por nomes ou apelidos dos autores, posteriormente por pseudônimos e nomes de grupos. As técnicas também foram sendo alteradas e variam em quantidade cor usada e tempo de execução (GANZ, 2010, p.8-9; CAMPOS, 2007, p.269). Com a intensificação do movimento do grafite, na década de 1980, as autoridades passaram a tomar medidas para impedir que ocorressem, como apagar as pinturas e levantar grades ao redor das estações de trens, áreas que eram foco dos grafiteiros. No mesmo período, revistas especializadas em arte e galerias passaram a dar espaço e divulgar os grafiteiros (CASTRO, 2014, p.19). O grafite alcançou grande qualidade no Brasil, principalmente em São Paulo (GANZ, 1999, p.9). Em 1968, segundo Costa (2000, p.32), jovens universitários passaram a pintar em muros de universidades posicionamentos contrários ao do governo ditador vigente, mesmo ano em que manifestações semelhantes ocorriam na França (COSTA, 2000, p.32). Em 1978, Alex Vallauri passou a grafitar uma bota de cano alto e salto fino pela cidade, que deu origem a uma obra exposta na 18ª Bienal, como A festa na casa da rainha do frango assado (GITAHY, 1995; BLAUTH; POSSA, 2012, p.157). Além disso, também começaram a aparecer frases pelos muros paulistanos, que tinham a intenção de protestar, fazer uma piada ou uma colocação poética, como “Ah, Ah, BEIJE-ME”, de Hudinilson Junior (1957 – 2013) e “sou pipou”, que tratava da representatividade de um povo (GITATY, 1999, p.26; p.51-52). O estilo americano de grafite passou a ser reproduzido no Brasil com frequência em meados da década de 1980, por artistas como Os Gêmeos, Speto, Binho, Tinho, Viché e o grupo Aerosol, associado a outras manifestações artísticas, como o rap e o hip-hop. Deste movimento surgiram desenhos mais elaborados e letras mais coloridas (GITAHY, 1999, p.48), que foram sendo adaptados por cada artista, gerando painéis compostos por personagens, animais, ilustrações inspiradas em xilogravura, circo, entre outras. Pouco tempo depois, no final da década de 1980, começaram a surgir inscrições e desenhos nas paredes da ETE Carlos de Campos. No Brasil, no Rio de Janeiro, o projeto PAZ (Paredes Art Zone), de 2015, age organizando oficinas de grafites em escolas, onde alunos de 11 a 13 anos participam da elaboração de desenhos, estudo de cores e execução de painéis com grafiteiros renomados. Segundo a curadora do projeto, Elodie Salmeron, o projeto serve como porta de entrada para outras formas de expressão artística (CATRACA, 2015; SILVEIRA, 2015). Em São Paulo, segundo a Secretaria de Educação, mais de 100 escolas estaduais tinham os muros grafitados em 2014. A arte urbana e o grafite fazem parte do cotidiano desses alunos e já foram incluídos no currículo dessas escolas na disciplina de Arte. Na Zona Norte da cidade, próximo ao Jaçanã, o projeto Arte no Muro, da About Produções, age desenvolvendo painéis de grafite em muros externos de escolas por artistas conhecidos na região. O Arte no Muro é executado apenas pelos grafiteiros, mas faz com que os alunos tenham contato com o grafite e melhora a aparência dos muros das escolas. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o Ministério da Educação reforçam, através de publicações em sites oficiais, que os grafites têm sido utilizados para cobrir e inibir pichações – estilo de grafite alongado e voltado à tipografia criado em São Paulo (GITAHY, 199, p. 18-19) – nas escolas. A ETE Carlos de Campos ficou conhecida por ter formado diversos alunos envolvidos com o grafite, a maioria tendo frequentado os cursos ligados ao desenho, como Os Gêmeos, Nina Pandolfo, Vermelho e Ricardo Tatoo. Não apenas alunos intervêm nas paredes da escola, mas também artistas externos e funcionários convidados pelos alunos. Apesar de haver uma rotatividade nos grafites, por serem apagados com certa frequência, percebe-se que há, por parte dos alunos principalmente, mas também de parte dos professores, a intenção de perpetuar essa cultura na escola. FIGURA 1. Grafites feitos na ETE Carlos de Campos respectivamente entre 1988 e 1989, por Ricardo Martins Machado; entre 1990 e 1995; 2004, por Onesto e Os Gêmeos; 2013, por Presto. Fonte: Arquivo Tiago Pessoa, Arquivo Lucia Goulart, Edna Santos. CONCLUSÕES Por ser um movimento predominantemente jovem, os grafites acabam tomando, espontaneamente, como tela os muros das escolas. Em maior parte, o grafite usado nas escolas é o de estilo estadunidense, o que mais se difundiu em São Paulo, de grande apelo visual. Parte das escolas que têm seus muros pichados, opta por cobri-los com grafites, arte de mesma origem, porém com estética próxima do que é socialmente tomado como agradável. Na ETE Carlos de Campos criou-se uma “cultura” de grafite, onde a técnica e a valorização dessa forma de expressão e arte são transmitidos entre alunos e professores. AGRADECIMENTOS Ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia por incentivar as pesquisas de Iniciação Científica dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo do campus São Paulo. À Ana Carmona, orientadora desta pesquisa, pelo apoio e incentivo. Aos meus ex-professores e ex-colegas da Carlos de Campos, por terem feito com que eu me interessasse ainda mais pela história da escola. REFERÊNCIAS AULA SÃO PAULO. A revolução da cor: o trabalho da ONG PUBLICOLOR de Nova York. São Paulo, Aula São Paulo, Políticas Culturais. Disponível em <http://www.aulasaopaulo.sp.gov.br/politicasculturais3.htm> Acesso em 10 mar. 2016. BLAUTH, L.; POSSA, A. C. K. Arte, grafite e o espaço urbano. Palíndromo, Santa Catarina, n.8, 2012. Disponível em <http://ppgav.ceart.udesc.br/revista/edicoes/8/artigo_arte_grafite.pdf> Acesso em 10 mar. 2016. CASTRO, A. L. F. Arte Urbana: Estudo exploratório da sua relação com as cidades e proposta de projeto prático para o Porto. 2014. Dissertação (Mestrado em Multimédia) – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, 2014. Disponível em < https://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/78051/2/109900.pdf> Acesso em 23 mar. 2016 CAMPOS, R. M. O. Pintando a cidade: uma abordagem antropológica ao graffiti urbano. 2007. Dissertação (Doutorado em Antropologia) – Universidade Aberta, Lisboa, 2007. Disponível em < http://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/765/1/TD_RicardoCampos.pdf> Acesso em 23 mar. 2016 CATRACA LIVRE. Grafiteiros levam cores e arte para muros de escolas. São Paulo, Catraca Livre, Gentilezas Urbanas, 30 jun. 2015. Disponível em < https://catracalivre.com.br/geral/gentilezaurbana/indicacao/grafiteiros-levam-cores-e-arte-para-muros-de-escolas/ > Acesso em 25 mar. 2016. COSTA, R. R. A. A recepção e a estética das imagens grafitadas nos espaços da cidade de São Paulo. 2000. 303 p. Tese (Doutorado) - Curso de Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. GANZ, N. O Mundo do Grafite: arte urbana dos cinco continentes. Brasil: WMF Martins Fontes, 2010. 376p. GITAHY, C. O que é graffiti?. São Paulo: Brasiliense, 1999. 83p. SILVEIRA, D. Projeto de francesa leva grafite a alunos de escolas públicas do Rio. G1, Rio de Janeiro, maio 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/05/projeto-defrancesa-leva-grafite-alunos-de-escolas-publicas-do-rio.html>. Acesso em: 10 mar. 2016.