As crises hipertensivas continuam a ser um problema real na prática

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As crises hipertensivas continuam
´
a ser um problema real na prática clinica
Crise hipertensiva, urgência hipertensiva e
emergência hipertensiva
O conceito de crise hipertensiva é clínico e um tanto
arbitrário. Quando numa consulta ou num serviço de
urgência nos surge um doente com uma pressão superior
a 180/115mmHg, podemos dizer que estamos em
presença de uma crise hipertensiva? Bom, este é um nível
a partir do qual, de forma empírica, se tem considerado
existir um risco elevado de complicações cardiovasculares.
E uma prática antiga, hoje abandonada, levava a que o
médico (ou outro profissional de saúde) sentisse
necessidade de actuar no sentido de uma redução rápida
e urgente dos valores de pressão arterial encontrados.
Na verdade, é hoje aceite que, mais do que os valores
de pressão arterial elevados, importa uma avaliação
sintomática e objectiva do doente. E a classificação das
crises hipertensivas em urgências e emergências
hipertensivas veio enquadrar as diversas situações clínicas
e balizar os níveis de actuação terapêutica.
O JNC VII define as emergências hipertensivas como
situações em que à pressão arterial elevada se associa a
lesão de órgão alvo. Incluem-se nas emergências
hipertensivas a maior parte dos casos de hipertensão
acelerada/maligna, a glomerulonefrite aguda, a falência
ventricular esquerda aguda com edema pulmonar, a que
surge no enfarte agudo do miocárdio, no aneurisma
dissecante da aorta, no acidente vascular cerebral agudo,
na hemorragia intra-craniana ou na angina instávela, a
eclampsia, a encefalopatia hipertensiva e a hipertensão
aguda iatrogénica. No Quadro 1 apresentamos as emergências hipertensivas mais importantes, segundo o JNC VII.
Incluem-se nas urgências hipertensivas alguns casos
de hipertensão acelerada/maligna, a hipertensão com
edema do disco óptico, as complicações progressivas dos
órgãos-alvo, a hipertensão peri-operatória grave, os níveis
superiores de hipertensão do estádio 3 (pressão sistólica
Carlos Perdigão
Professor Agregado de Cardiologia da Faculdade
deMedicina de Lisboa. Fellow da Sociedade Europeia de
Cardiologia.
Membro de diversas sociedades científicas da área da sua
especialidade. Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa
de Cardiologia no biénio 2005-2007. Coordenador do
Grupo de Estudos de Risco Cardiovascular. Editor da
Revista Factores de Risco.
Quadro I
Emergências Hipertensivas (Adaptado do JNC VII)
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Encefalopatia hipertensiva
Falência ventricular esquerda hipertensiva
Hipertensão arterial com enfarte do miocárdio
Hipertensão arterial com angina instável
Hipertensão arterial e aneurisma da aorta
Hipertensão arterial grave associada a hemorragia
subaracnoideia ou acidente vascular cerebral
Crise hipertensiva associada ao feocromocitoma
Crise hipertensiva associada ao uso de drogas como
as anfetaminas, a LSD, a cocaína ou o ectasy
Hipertensão peri-operatória
Eclampsia ou pré eclampsia grave
Recebido para publicação: Agosto de 2009
Aceite para publicação: Agosto de 2009
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Revista Factores de Risco, Nº15 OUT-DEZ 2009 Pág.6
“Podemos definir a hipertensão maligna como uma síndrome que
inclui uma elevação acentuada da pressão arterial (com pressão
diastólica muitas vezes superior a 140mmHg), com lesão vascular que
pode ser observada no exame do fundo do olho como hemorragias
retinianas, exsudados e/ou edema da papila.”
igual ou superior a 180mmHg, pressão diastólica igual ou
superior a 110mmHg).
Esta classificação não entra, pois, em linha de conta
com o nível de pressão arterial, mas sim com a situação
clínica e a forma como ele se apresenta.
hipertensão maligna como uma síndrome que inclui uma
elevação acentuada da pressão arterial (com pressão
diastólica muitas vezes superior a 140mmHg), com lesão
vascular que pode ser observada no exame do fundo do
olho como hemorragias retinianas, exsudados e/ou
edema da papila. Alguns autores referem o termo de
hipertensão acelerada quando à síndrome falta o edema
da papila.
De qualquer modo, esta síndrome pode ser encontrada em situações clínicas tão diversas como a hipertensão arterial essencial nas suas fases mais evoluídas,
nas formas graves de hipertensão resistente e em
situações de hipertensão secundária.
Do ponto de vista fisiopatológico, a gravidade da
hipertensão maligna é associada à falha da auto-regulação
devida à frequente exposição da parede arterial a níveis
muito elevados de pressão, mostrando os estudos
anátomo-patológicos uma proliferação da média/íntima e
necrose fibrinóide, representando esta a resposta a
espasmo e dilatação forçada das pequenas artérias.
A forma de apresentação clínica mais grave de
hipertensão maligna é, talvez, a encefalopatia hipertensiva, caracterizada por alterações neurológicas
reversíveis, expressas por cefaleia intensa, confusão
mental e perturbações visuais. Não menos grave é a
forma de lesão renal, por vezes irreversível e que pode
obrigar a diálise.
A hipertensão maligna pode pois ser considerada uma
emergência hipertensiva.
Avaliação inicial da crise hipertensiva
O diagnóstico de uma crise hipertensiva baseia-se
numa histórica clínica orientada, num exame objectivo
cuidadoso e nalguns exames complementares simples.
De entre os sintomas mais frequentes há que referir a
cefaleia (mais frequentemente occipital e matinal), as
perturbações da visão, a sonolência e a confusão mental.
O edema pulmonar agudo é uma das formas de
apresentação clínica da crise hipertensiva. Despistar a
presença de um acidente vascular cerebral ou um acidente
coronário agudo em evolução. Não esquecer a coarctação
da aorta (avaliar a pressão arterial nos quatro membros) e
a dissecção do aneurisma da aorta.
Investigar o diagnóstico prévio de hipertensão e qual
o seu tratamento, quais os níveis habituais e desde há
quanto tempo, bem como os sintomas de disfunção
cardíaca, cerebral ou visual. Indagar sobre a presença de
outros factores de risco como diabetes, tabagismo, doença
cardíaca ou cerebrovascular. Utilização de fármacos vasopressores como os simpaticomiméticos ou tóxico-dependência.
Do exame objectivo deve constar a avaliação da
pressão arterial, a auscultação cardíaca e dos grandes
vasos (carótidas, renais e aorta), a fundoscopia (na
hipertensão acelerada/maligna o único sinal de evolução
rápida pode ser uma retinopatia de grau III ou IV), o
exame neurológico e uma avaliação da função renal.
Os exames complementares devem incluir o
hemograma, a creatinina sérica, a ureia, a glicemia, o
ionograma sérico, a urina tipo II, um electrocardiograma e
um Rx de tórax.
O efeito da descida aguda da pressão arterial
Durante as décadas de 80/90 do século XX,
generalizou-se uma prática nos serviços de urgência e
mesmo nos consultórios médicos, de redução aguda da
pressão arterial num indivíduo onde se verificava uma
pressão arterial muito elevada, usando a nifedipina
sublingual. Dado que o fármaco é mal absorvido pela
mucosa oral, a maior parte é absorvida no intestino de
forma rápida, provocando uma baixa significativa da
pressão arterial 5 a 10 minutos após a toma, com um pico
máximo de descida entre os 30 e os 60 minutos, durando
Hipertensão maligna
No contexto das crises hipertensivas, importa analisar
o conceito de hipertensão maligna. Podemos definir a
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As crises hipertensivas continuam a ser um problema real na prática clínica
a acção cerca de 6 horas. Esta descida pode ser ainda mais
dramática se o doente já tomava um diurético ou um
bloqueador beta, especialmente se existe depleção de
volume. O acentuado efeito hipotensor e a estimulação da
actividade simpática reflexa, com taquicardia, podem
causar efeitos hemodinâmicos graves com hipoperfusão
cerebral e coronária, levando à ocorrência de acidentes
vasculares cerebrais e síndromes coronárias agudas.
Por outro lado, não parece haver qualquer benefício
em baixar uma pressão arterial muito elevada num tão
curto espaço de tempo e forma tão rápida, tudo parecendo
aconselhar que esta descida da pressão deverá ser gradual
e atingir os valores normais dentro de um ou mais dias.
Claro que aquilo que foi apontado como efeitos
adversos de hipotensão grave para a nifedipina
sublingual, também tem sido descrito para o captopril
sublingual, embora com menos frequência, pelo que
qualquer actuação deve ser cautelosa, vigilante e de
constante monitorização.
correctamente, modifique o esquema terapêutico segundo
a sua experiência clínica e as recomendações para a
hipertensão arterial.
Se a pressão diastólica é superior 120mmHg, o cenário 2,
ponha o doente em repouso e administre 40mg de
furosemido. Se trinta minutos depois a pressão diastólica
tiver descido, actue como no cenário 1. Se a pressão
diastólica não tiver descido, administre uma dose de um
anti-hipertensor oral, por exemplo, 25mg de captopril ou
5mg de bisoprolol ou 5mg de felodipina ou 0,2 mg de
clonidina (podendo adicionar 0,1mg de hora à hora se
necessário). Se mesmo assim a pressão diastólica se
mantém superior a 120mmHg, envie à urgência de um
centro hospitalar para acompanhamento e eventual
internamento.
Sugere-se aqui a pressão diastólica como critério
orientador por ser menos influenciada pelo stress que
muitas vezes acompanha esta situação.
“O acentuado efeito hipotensor
e a estimulação da actividade
simpática reflexa,
com taquicardia, podem causar
efeitos hemodinâmicos graves
com hipoperfusão cerebral e
coronária …”
O que fazer numa urgência hipertensiva?
Na Figura 1 apresentamos uma proposta de actuação
para dois cenários diferentes perante um doente que
apresente uma urgência hipertensiva, no conceito que
atrás enunciámos. Assim, no cenário 1, num doente que
se apresenta com uma pressão arterial muito elevada e
em que uma avaliação cuidada permitiu excluir uma
disfunção de órgão-alvo, a pressão diastólica pode ser um
critério de orientação. Se esta é igual ou superior a
120mmHg, ponha o doente em repouso e reavalie ao fim
de trinta minutos. Se os valores desceram, mande o
doente para casa com uma prescrição de dois fármacos
anti-hipertensores, indicação de fazer repouso, de fazer
auto avaliação da pressão arterial, disponibilize o seu
contacto e reavalie o doente duas ou três semanas depois.
Se o doente já fazia terapêutica anti-hipertensora reveja
essa terapêutica, certifique-se que a fazia efectiva e
Figura 1
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mesmo nos casos benignos, esta desvalorização pode
fazer perder a oportunidade de implementar uma
terapêutica correcta para uma hipertensão crónica mal
controlada, seja por ineficácia de um esquema terapêutica
desadequado, seja por falta de aderência à terapêutica
prescrita.
“ … existe algum risco em
desvalorizar o conceito de crise
hipertensiva.”
Carlos Perdigão
Como actuar nas emergências hipertensivas?
Nos doentes em que, para além da pressão arterial
muito elevada, apresentam sintomas de disfunção de
órgão alvo, o objectivo da intervenção terapêutica será o
de obter uma descida da pressão arterial média até 25%
nas primeiras duas horas e atingir os 160/100mmHg no
prazo de 2 a 6 horas. Neste caso, é preferível iniciar uma
tera-pêutica endovenosa, mas isto obriga a uma monitorização, de preferência numa unidade de cuidados
intensivos ou num serviço apropriado.
São diversos os fármacos anti-hipertensores que
podem ser utilizados por via endovenosa: os vasodilatadores (nitroprussiato, nicardipina, nitroglicerina, enalapril,
hidralazina) e os inibidores adrenérgicos (labetalol,
esmolol, fentolamina), mas nem todos estão disponíveis
nos diversos serviços de urgência e unidades de saúde. O
manejo destes fármacos implica o conhecimento das suas
posologias, duração de acção e efeitos adversos, bem
como uma regular prática clínica da sua utilização. No
entanto, em casos de crise hipertensiva acompanhados de
insuficiência cardíaca congestiva ou falência ventricular
esquerda com edema pulmonar, a administração de
furosemido, de preferência por via endovenosa, pode ser
uma medida eficaz e praticável por qualquer clínico onde
quer que se encontre.
Bibliografia recomendada
The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention,
Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure.
Arch Intern Med 1997; 157:2413-2446.
Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo
JL Jr et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on
Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood
Pressure: the JNC 7 report. The Journal American Medical
Association 2003; 289: 2560-2572.
ESC-ESH 2007 Guidelines for the management of hypertension:
J.Hypertension: 2007:25:1105-1187.
Póvoa R, Scala L. Crise hipertensiva. Revista Factores de Risco
2008; nº11 (Out-Dez): 20-28
Conclusões
As crises hipertensívas são uma realidade na prática
clínica diária, quer em ambulatório quer nos serviços de
urgência, sendo uma das situações que frequentemente
se coloca em medicina familiar e em medicina de
urgência.
É necessário continuar a chamar a atenção dos
médicos e dos outros profissionais de saúde para a
mudança do paradigma de abordagem terapêutica das
crises hipertensivas, estabelecendo bem a diferença entre
urgência hipertensiva e emergência hipertensiva,
divulgando padrões de actuação e enfatizando a
necessidade de generalizar práticas correctas perante os
diversos quadros clínicos com que se pode apresentar um
doente com uma crise hipertensiva.
Finalmente, existe algum risco em desvalorizar o
conceito de crise hipertensiva. Por um lado, porque
algumas situações são de grave emergência hipertensiva,
que pode pôr em risco a vida do doente. Po outro, porque
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