UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO O PAPEL DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS NÃO-FORMAIS DE EDUCAÇÃO: O FOCO NO HOSPITAL Aline Aparecida Akamine São Carlos- 2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO O PAPEL DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS NÃO-FORMAIS DE EDUCAÇÃO: O FOCO NO HOSPITAL Trabalho de Conclusão de Curso realizado sob a orientação da Professora Doutora Elenice Maria Cammarosano Onofre do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para a conclusão do curso de Pedagogia. São Carlos- 2007 O PAPEL DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS NÃO-FORMAIS DE EDUCAÇÃO: O FOCO NO HOSPITAL. Aline Aparecida Akamine Orientadora: Profª Drª Elenice Maria Cammarosano Onofre Departamento de Metodologia de Ensino Banca Examinadora: Profª Drª Aida Victoria Garcia Montrone Departamento de Metodologia de Ensino Profª Drª Maria Cecília Luiz Departamento de Educação São Carlos - 2007 Dedico este trabalho aos meus pais Shoei e Luisa pelo apoio e lições de vida, e aos meus irmãos Alessandro e Amanda por compartilharem dessa jornada. AGRADECIMENTOS De maneira geral, meus agradecimentos se estendem a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho. Em especial, só tenho flores para dar a: - Profª Drª Elenice Maria Cammarosano Onofre pela atenção, perseverança e dedicação exemplares que inspiram minha prática. Durante este percurso, aprendi muito com suas aulas, conversas e sugestões. - Professoras e professores do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos que contribuíram diretamente na realização desse trabalho, pois o período que envolve a realização do trabalho de conclusão de curso não se resume ao último ano de graduação, mas sim a todo o caminho que se percorre durante a formação. - Amigos que fiz no Curso de Pedagogia: Fernanda, Larissa, Deborah, “Riba” e Camila pela amizade e por contribuírem, através da convivência, em meu crescimento tanto pessoal quanto profissional. - Amigos especiais, Claudia e Alexandre, pela atenção e apoio nos momentos difíceis que envolveram a realização deste trabalho. - Meus pais Shoei e Luisa, que foram meus primeiros educadores e amigos, pela presença e pelos esforços que me fizeram chegar até aqui. Amo vocês. - Meus irmãos Alessandro e Amanda pela amizade e carinho. - Léo por compreender minhas ausências durante os quatro anos que envolveram a graduação. “A ciência que cuida do corpo é chamada medicina. A que cuida da alma, educação. Dado que o cuidado do corpo está intimamente ligado ao da alma, a medicina é um aspecto da educação. Dado, por outro lado, que o cuidado da alma exige certa perícia médica, à educação se chama com razão, medicina da alma.” Santo Agostinho RESUMO O presente trabalho teve como objetivo principal estudar a atuação do pedagogo em espaços não-formais de educação, em específico, no hospital. Através das leituras realizadas, o que se pôde perceber é que o pedagogo exerce um papel significativo, pois promove situações de ensino-aprendizagem que podem trazer contribuições ao contexto hospitalar através de uma prática humanizadora, tornando as relações nesses espaços mais humanas, e possibilitando melhorias no tratamento de pacientes/ educandos, já que as relações que se estabelecem entre os envolvidos nesse espaço (profissionais atuantes e pacientes), por vezes, se revelam impessoais. No que diz respeito aos processos educativos que pode promover, a atuação do pedagogo no hospital é relevante, uma vez que as necessidades educacionais e sociais de pacientes/ educandos impossibilitados de freqüentarem a escola, não cessam com sua debilitação, fazendo-se necessário oferecer um atendimento educacional nos hospitais. Nesse sentido, é discutida a formação que deve ter o pedagogo de maneira a torná-lo apto para atuar nesse espaço tanto ligado ao processo de ensino-aprendizagem quanto à integralização e à subjetividade, com a necessidade de se realizar um delineamento acerca da Pedagogia enquanto ciência da educação e de breve histórico do curso de licenciatura em Pedagogia no Brasil. Além disso, também é traçado um panorama de como tem se dado a prática que envolve o atendimento hospitalar ao longo do tempo, abordando os hospitais como espaços educativos. Palavras-chave: Educação e saúde, pedagogo e educação não-formal, processos educativos, hospital como espaço educativo, formação do pedagogo hospitalar. SUMÁRIO Dedicatória Agradecimentos Epígrafe Resumo Capítulo I – INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA...........................................................01 Capítulo II – O CAMINHO PERCORRIDO...................................................................03 Capítulo III – CARACTERIZANDO A EDUCAÇÃO FORMAL E A EDUCAÇÃO NÃO – FORMAL ....................................................................................06 3.1 – Educação e modalidades de prática educativa....................................................06 3.2 – A educação não-formal........................................................................................09 3.2.1 – Breve histórico da educação não-formal...............................................09 3.2.2 – Conceituando a educação não-formal...................................................12 Capítulo IV – O HOSPITAL ENQUANTO ESPAÇO EDUCATIVO..............................17 4.1 – Contexto histórico do atendimento hospitalar......................................................17 4.2 – A necessidade do hospital vir a ser um espaço educativo: para quê?.................20 Capítulo V – O PEDAGOGO E ATUAÇÃO PARA ALÉM DA ESCOLA: SUA IMPORTÂNCIA E SUA PRÁTICA ....................................................22 5.1 – Breve panorama acerca da Pedagogia e da identidade de pedagogos...............22 5.1.1 – O curso de Pedagogia no Brasil............................................................23 5.1.2 – A Pedagogia enquanto ciência da educação.........................................24 5.1.3 – A identidade do pedagogo.....................................................................25 5.2 – O pedagogo inserido no contexto hospitalar........................................................27 5.3 – Formação do pedagogo hospitalar.......................................................................30 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................37 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..................................................................................39 I - INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA O presente Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Pedagogia tem o intuito de aprofundar os estudos sobre os processos de ensino-aprendizagem em diferentes espaços não-formais de educação. Durante a graduação a disciplina Pesquisas e Práticas Pedagógicas em Diferentes Espaços influenciou em observações e análises acerca de práticas pedagógicas, despertando para as possibilidades dessas práticas se darem em diversos campos de atuação do pedagogo, inclusive não-escolares, quer sejam públicos, privados ou comunitários. Nesse sentido, o pedagogo tem ampliado suas possibilidades de atuação para além de espaços escolares formais, inserindo-se, por exemplo, em empresas, serviços de saúde, desenvolvimento de ações educativas e de pesquisas educacionais em organizações não-governamentais, entre outros espaços de educação não-formal. A educação não-formal, constituindo-se enquanto modalidade de prática educativa, é um processo que ultrapassa as barreiras da escola, sendo marcado por intencionalidades tanto educativas quanto políticas e sociais, intencionalidades essas que permitem que o pedagogo conheça a identidade e as necessidades dos educandos atendidos, bem como da sua comunidade. Esse reconhecimento de “quem está sendo ensinado” e de “para que se está ensinando” influi na maneira como se dá a prática pedagógica nos diferentes espaços de educação não-formal, se comparada à prática das escolas, tanto no processo de ensino-aprendizagem quanto no desenvolvimento social e emocional do educando. No presente estudo, com a necessária delimitação do foco de pesquisa de um espaço não-formal de educação, foi escolhido para a pesquisa, o hospital como um ambiente que apresenta possibilidades e necessidades de atuação de um pedagogo, por se mostrar, na maioria das vezes, um espaço aparentemente de relações frias e distantes, mas com o propósito humano e legítimo de salvar vidas. A proposta de buscar evidenciar as práticas pedagógicas que ocorrem no interior do hospital revelou-se para mim como um desafio importante, por considerar que o afastamento de crianças e jovens em tratamento hospitalar de atividades escolares por impossibilidades relacionadas à sua condição de saúde, prejudica sua relação com o meio social e educacional, pois suas necessidades enquanto seres sociais não são interrompidas durante o período de seu adoecimento. Durante a graduação, fui elaborando questões acerca do papel do pedagogo inserido em espaços não-formais de educação, em especial no hospital, e de como se dá sua prática pedagógica. Dessas reflexões surge a questão de pesquisa central deste estudo: o O hospital se constitui em um espaço educativo? o Qual o papel do pedagogo em espaços não-formais de educação e, em específico, nos hospitais? Frente a essa questão foram traçados os seguintes objetivos: o Evidenciar em que medida o hospital vem a se constituir como um espaço educativo; o Analisar qual o papel do pedagogo no contexto hospitalar. Para atender a esses objetivos, o trabalho apresenta a seguinte estrutura: num primeiro momento, expõe-se o conceito de educação não-formal enquanto modalidade de prática educativa, com o propósito de explicar como surgiu essa matize da educação e seu crescimento diante do ensino formal. A seguir, apresenta-se um breve panorama histórico acerca da prática que envolve o atendimento hospitalar, abordando os hospitais como espaços educativos. Num terceiro momento abordam-se possibilidades de atuação do pedagogo em diversos espaços não-formais de educação, em específico nos hospitais, e qual a contribuição que o profissional da educação pode trazer aos processos educativos desses espaços. II - O CAMINHO PERCORRIDO Para realizar o estudo com o objetivo de melhor entender o papel do pedagogo para além da escola, e sua atuação nos hospitais, foi necessário selecionar o material a ser coletado e analisado. A pesquisa se deu em bibliotecas, acervos da área pesquisada, bibliotecas virtuais e sítios de dissertações na internet. Foram utilizadas como palavras-chave: educação não-formal, pedagogia não-escolar, pedagogos, atuação de pedagogos para além da escola, pedagogos em contexto hospitalar, diferentes práticas educativas, diferentes espaços educativos, pedagogia hospitalar, educação e saúde, entre outros. O que se pôde notar foi que a produção bibliográfica sobre essa temática mostrou-se escassa, e as publicações encontradas eram relativamente recentes, datando do ano de 2005 e 2006. O levantamento bibliográfico nos permitiu evidenciar que o pedagogo, inserido no contexto hospitalar, geralmente realiza trabalhos direcionados às classes hospitalares, que consistem em atendimentos educacionais especializados para educandos impossibilitados de freqüentarem as aulas na instituição de ensino formal, devido a tratamentos de saúde e internações contínuas. Essa evidência acerca do papel do pedagogo em classes hospitalares nos sugeriu seguir um caminho diverso ao que estávamos nos guiando. Ao invés de pesquisar o pedagogo inserido no contexto hospitalar em estudos da área da educação, passamos a pesquisar a sua atuação, uma vez inserido no hospital, em estudos a partir do olhar da área da saúde. O resultado desse novo caminho de pesquisa se mostrou positivo, pois o pedagogo, entre outros profissionais da área de formação humana, como psicólogos e assistentes sociais, tem sido referenciado em recentes estudos que expõem a necessidade de uma formação profissional de cunho mais humano para os profissionais da saúde, valorizando a importância das relações que se estabelecem entre eles e seus pacientes. Dessa forma, foi encontrado material significativo sobre Medicina Humana e Acolhimento na Enfermagem que chamam a atenção para a importância de uma metodologia de trabalho visando uma prática de tratamento de pacientes mais eficiente. A questão da eficácia do tratamento hospitalar refere-se aos recentes estudos, que afirmam que os tratamentos que consideram não só a enfermidade, mas sim que abrangem um todo emocional e psicológico, obtêm resultados no processo de cura, melhores e mais rápidos. Tais pesquisas mostram também a necessidade de mudanças na prática de tratamento de pacientes, não os reconhecendo somente por números, ou por debilitações, pois as pessoas acometidas por enfermidades não devem transformar sua identidade numa estatística, ou doença. Suas identidades permanecem as mesmas e, portanto, os pacientes devem ser reconhecidos enquanto pessoas e seres humanos. Esse caminho possibilitou o despertar para um aspecto importante, que consiste em entender como os outros profissionais vêem o pedagogo, sua função e o que esperam dele enquanto profissional a contribuir com suas práticas. Esse olhar contribuiu no desenvolvimento do presente trabalho, contudo, a fim de não nos afastarmos dos objetivos inicialmente propostos, tal nuance não foi aprofundada e analisada ao longo deste estudo. O procedimento de seleção de bibliografia foi o de atender às demandas estabelecidas para esse trabalho, que consistiam em responder às seguintes questões, já explicitadas anteriormente: o O hospital se constitui em um espaço educativo? o Qual o papel do pedagogo em espaços não-formais de educação, especificamente no espaço hospitalar? Dessa maneira, para cada questão, dentre as bibliografias levantadas, foram escolhidas as produções que melhor respondiam aos questionamentos, estipulando-se um número de cerca de três autores que contemplassem e contribuíssem para respondermos a cada questão. Sendo esse um tema ainda pouco explorado em estudos de pesquisa na área de educação, pretende-se contribuir nas discussões sobre a inserção do pedagogo nos espaços hospitalares, esperando-se, portanto, avaliar através do material bibliográfico levantado, o papel do pedagogo, não se atendo somente às instituições escolares, mas também em espaços não-formais de educação, modalidade essa de educação que será aprofundada no capítulo que se segue. III- CARACTERIZANDO A EDUCAÇÃO FORMAL E A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL No presente capítulo realiza-se exposição sobre a educação não-formal enquanto modalidade de educação, suas características, conceitos e espaços em que decorre. Para melhor contextualização, primeiramente apresentamos um breve panorama acerca da educação e suas modalidades de práticas educativas, para então focarmos a educação não-formal. 3.1- Educação e modalidades de prática educativa Segundo Libâneo (2005) a tarefa de se definir a educação não é fácil, pois devido à sua complexidade e ao seu caráter multidimensional e plurifacetado, o conceito de educação torna-se passível de análise sob diversos enfoques, abrindo margem para variados entendimentos, ou ainda entendimentos parciais sobre educação por parte dos profissionais que atuam direta ou indiretamente na área educacional. O entendimento parcial do conceito de educação por parte desses profissionais pode se dar devido à comum tendência de se olhar direcionadamente à sua área de atuação ou de sua formação acadêmica, de maneira a não compreender o todo que envolve tal conceito ou ainda deixando outros aspectos, que não suas especificidades de pesquisa e atuação, como secundários, tornando sua definição parcial e incompleta. É necessário, portanto, através do seu foco educativo, inserido na realidade educacional mediar uma questão problematizadora que dê margem para uma discussão mais abrangente juntamente aos outros aspectos, englobando o todo que envolve as questões educacionais. Libâneo (2005) ainda atenta para as práticas educacionais e educativas de “senso comum”, em que a educação é relacionada a ideologias religiosas e culturais, entre outras, dominantes na sociedade. Nesse momento, faz-se necessária breve exposição dos significados da educação nas concepções clássicas, e na concepção histórico-social aqui adotada. O texto de Libâneo (2005) explicita a educação na concepção etimológica, em que “educar é conduzir de um estado para outro agindo de maneira sistemática sobre o ser humano, tendo em vista prepará-lo para a vida num determinado meio” (p.76). Ainda segundo Libâneo (2005), esse é o sentido de educação presente no “linguajar comum”, em que a educação refere-se a ações que visam adaptação dos indivíduos e dos grupos, no que tange o comportamento e valores morais, a determinações do contexto social, que podem ser a família, a escola, entre outros segmentos. Nas teorias clássicas aparecem várias concepções de educação, ação educativa e finalidades da mesma e algumas teorias focam seus estudos no desenvolvimento do indivíduo internamente, outras na contribuição do ambiente externo para seu desenvolvimento. Contudo, as definições clássicas de educação, de maneira geral, focam-se no indivíduo, e o que as diferencia, segundo Libâneo (2005), é a noção de sociedade que se adota, ora vinculada ao processo educativo e às condições tanto históricas quanto sociais, ora tomando-a enquanto algo já consolidado e imutável. Já na visão histórico-social de educação, tanto o indivíduo quanto o ambiente social devem ser considerados, uma vez que o fenômeno educativo não é isolado do contexto social, cultural, econômico e político. Nesse sentido, o processo educativo está “(...) enraizado nas contradições, lutas sociais, de modo que é nos embates da práxis social que vai se configurando o ideal de formação humana” (Libâneo, 2005, p.78). O sentido de educação na visão histórico–social envolve ainda contínuas transformações, em que o conteúdo e os objetivos do processo educativo sofrem variações ao longo da história, de acordo com as transformações das relações sociais, da economia e política vigentes e lutas sociais. Contudo, a transformação da educação em detrimento das transformações da sociedade não faz com que o processo educativo se torne meramente reprodutivo e de adaptação ao modelo social vigente, uma vez que possibilita a apropriação do conhecimento por parte dos indivíduos e dos grupos, visando autonomia e emancipação, de maneira a compreender as relações de poder que se estabelecem no contexto social e lutar por uma práxis social mais igualitária. Diante disso, Libâneo (2005, p.82) define a educação como: “(...)prática social cunhada como influência do meio social sobre o desenvolvimento dos indivíduos na sua relação ativa com o meio natural e social (...). O modo de propiciar esse desenvolvimento se manifesta nos processos de transmissão e apropriação ativa de conhecimentos, valores, habilidades, técnicas, em ambientes organizados para esse fim.” Dessa forma, a concepção de educação adotada neste estudo é de ação que visa inserção de indivíduos/ grupos no meio social os quais estão contextualizados, de maneira a transmitir conhecimentos acumulados historicamente pelo homem, tanto no âmbito político quanto cultural, social e econômico, formando-os enquanto sujeitos. De caráter contestador, o processo educativo tem a pretensão de desenvolver o olhar crítico e consciente dos indivíduos acerca de seu papel na sociedade, transformandoos em cidadãos. Num sentido mais amplo, a educação abrange os processos educativos intencionais, sistematizados, institucionais, ou ainda processos que não são intencionais, sistematizados e nem institucionais, mas que ocorrem no meio social. Quanto às formas intencionais de educação no que dizem respeito ao desenvolvimento social e cultural dos indivíduos, elas se caracterizam e se distinguem em educação escolar e extra-escolar. Assim, fica claro que o processo educacional por não ser um fenômeno isolado do meio social e de políticas envolvidas, e nem suas manifestações como algo restrito às instituições escolares formais de ensino, abarca um sentido de ensinoaprendizagem mais amplo, além de processos e relações mais complexos, como será apresentado em capítulos posteriores. Por ora, serão expostas intencionalidades da educação no que tange às modalidades escolares e extra-escolares, as quais serão tratadas enquanto educação intencional e educação não-intencional, respectivamente. Uma vez que o processo educativo é decorrente da interação com o meio social ao qual o sujeito está inserido, as premissas que envolvem tal sociedade como valores políticos, culturais, entre outros conceitos construídos historicamente, fazem parte do processo educacional de forma não-intencional, pois é apreendido independentemente de ação voluntária. Já a educação intencional refere-se à educação formal (escolar ou não) em que há o propósito de disseminação de conhecimento, cada vez mais necessário ao longo da história, em tomadas de decisões sócio-políticas que envolvem um coletivo maior no âmbito social evolutivo. Referente à educação intencional, existem ainda duas formas de se darem tais processos: de maneira formal, ou seja, em instituições de ensino com o objetivo único de educação; e de maneira não-formal, que realiza-se em diferentes espaços nãoescolares, mas ainda com caráter educativo. É importante ressaltar que essa modalidade de ensino não-formal se dá em espaços diversos que não a escola, não deixando de ser caracterizados enquanto educativos e de prática de vivência social. Essa modalidade de educação não-formal será devidamente aprofundada no item que se segue. 3.2- A educação não-formal 3.2.1- Breve histórico da educação não-formal Desde o século XIX, o atendimento educacional não-formal no Brasil é assumido por instituições tanto públicas, quanto confessionais (pertencentes à Igreja Católica) ou da sociedade civil. 1 Dentre essas instituições, data-se na história que os primeiros trabalhos relacionados à educação não-formal foram realizados pela Igreja Católica ao acolher crianças abandonadas e dar instrução a elas na faixa etária escolar para que pudessem ter uma vida economicamente produtiva na fase adulta. 1 Segundo informações contidas na obra de Áries (1981) “História social da criança e da família”. O número de crianças negligenciadas por seus pais e mães era grande, devido às normas e valores morais da sociedade de outrora, que permitiam que homens tivessem diversos relacionamentos com distintas mulheres sem o compromisso de se assumir legalmente os filhos que dessa união nasciam. Além do fato de que mulheres solteiras e com filhos ficavam marginalizadas e excluídas do meio social, e como a educação era somente destinada aos homens, poucos ofícios cabiam às habilidades conquistadas pelas mulheres e, aos ofícios que lhes cabiam, eram pouco valorizados e de baixos salários para garantir o sustento de uma mãe e seu (s) filho (s). Dessa forma, não eram poucos os pais que abandonavam os filhos, pois assumi-los era de extremo desconforto tanto para o homem quanto para a mulher na sociedade do referido século. Tais princípios e valores morais, seguidos até bem pouco tempo atrás, refletem nada mais que os preceitos defendidos pela Igreja como a instituição do casamento e o relacionamento entre homens e mulheres com a finalidade de procriação dentro do contexto matrimonial. Dessa maneira, não foi por acaso que as instituições confessionais foram as que primeiramente acolheram as crianças enjeitadas, pois tinham o interesse em manter sua supremacia ideológica, mascarando os problemas sociais que tais valores morais traziam. A educação dessas crianças baseava-se em cuidados gerais com alimentação, higiene pessoal, ensino religioso e diferentes preceitos de acordo com o gênero: para os meninos a preocupação era em possibilitar o ensino de um ofício que os permitissem trabalhar posteriormente, já para as meninas o ensino baseava-se em bons modos, artesanato e outros ofícios que as ajudassem a conseguir um bom casamento na idade adulta. Com o passar do tempo a importância da alfabetização veio à tona, e essas crianças tiveram acesso ao mundo letrado, tendo a oportunidade de se formarem profissionalmente em ofícios melhor remunerados, inclusive as meninas podendo atingir a formação de normalistas. Porém, é importante ressaltar, que tais crianças quando atingiam a idade adulta e uma formação educacional, eram destinadas a trabalhar nas próprias instituições confessionais em que foram acolhidas quando menores, com o intuito de cuidar das novas crianças e retribuir o cuidado e a educação que puderam ter. Fica claro então, que a educação não-formal nesse contexto de instituições confessionais tinha o caráter assistencialista, com a preocupação maior em cuidar e assistir a criança, baseando-se em princípios higienistas e catequistas. Posteriormente, o atendimento educacional não-formal foi sendo assumido por outras instituições públicas, mas ainda com o forte princípio assistencial e, até a década de 80, em que o Brasil ainda passava pela Ditadura Militar, a educação nãoformal era tida somente como uma extensão da educação formal escolar, sendo desenvolvida inclusive, em espaços exteriores às unidades escolares. Foi somente a partir da década de 90, devido ao novo modelo neoliberal de política educacional, social e econômica, que cresceram as iniciativas de instituições da sociedade civil e não-governamentais, com a finalidade de suprir as deficiências encontradas no sistema educacional formal, que se deu devido à grande demanda de educandos matriculados frente à pouca infra-estrutura oferecidas pelas escolas e poucos profissionais da área da educação capacitados, o que gerou baixos salários e desvalorização do trabalho desses profissionais. Contudo, passou-se a valorizar na educação não-formal o aprendizado realizado de maneira coletiva e as diversas expressões culturais que fazem parte da formação do indivíduo. Assim, o foco mudou para uma nova cultura organizacional, em que as aprendizagens de habilidades extra-escolares ampliariam o campo da educação para outras dimensões que não a escola. Dessa forma, a educação não-formal passou a ter um caráter transformador, em que valoriza e resignifica as práticas educativas e culturais com o intuito de educar e formar cidadãos capacitados a integrar-se na sociedade, transformando-a de maneira a se tornar mais humana e igualitária. Tal visão de educação não-formal persiste até os dias atuais e destina-se aos mesmos propósitos que se iniciaram na década de 90 do século passado, porém com maior força e reconhecimento por parte de pesquisadores, profissionais envolvidos, educandos e comunidade. 3.2.2- Conceituando a educação não-formal Sendo o termo educação algo que não se limita aos muros da escola, este autentica a educação não-formal enquanto educacional, pois reafirma a possibilidade de manifestações educacionais fora da sala de aula, como também em diferentes espaços, porém com condições de processos de ensino-aprendizagem diferentes. A educação não-formal envolve aprendizagem política, em que o sujeito compreende seu papel enquanto cidadão integrado em seu meio social e natural; aprendizagem que visa o trabalho; aprendizagem e exercício de organização de sujeitos buscando um bem comum voltado para a resolução de problemas coletivos; além da própria aprendizagem dos conteúdos escolares, porém de maneira diferenciada quanto à metodologia e espaço físico. Na educação não-formal, o ato de ensinar conteúdos escolares decorre de forma mais “espontânea” que nas instituições escolares, pois sempre se busca a relação entre conteúdo e vivências fora do espaço educativo. Dessa maneira, os conteúdos ministrados e a finalidade das práticas educativas podem e são determinadas pela comunidade e seu contexto social. Esse compromisso com as questões pertinentes ao grupo incita uma aprendizagem significativa, pois trata-se de conteúdos relacionados à sua própria vivência, numa prática que considera os conhecimentos já obtidos anteriormente. Assim, questões acerca de repreensões, punições em caso de não-aprendizagem ficam obsoletas. Tal metodologia mostra-se tão eficaz que, por vezes, a educação não-formal acaba preenchendo lacunas vazias deixadas pelo ensino formalinstitucional. Gohn (1999) diferencia a educação não-formal da informal. A educação nãoformal, como já citada anteriormente, é intencional e objetiva a formação de sujeitos. Tal modalidade se dá em espaços não-escolares, contudo educativos. Já a modalidade de educação informal deriva de processos espontâneos ou naturais, mesmo que carregados de valores e representações, como é o caso, por exemplo, da educação familiar. Nesse sentido, o que diferencia a educação não-formal da educação formal e escolar não é meramente a ausência ou não do espaço escolar. Suas diferenças estão na organização e na estrutura do ensino oferecido e do aprendizado proporcionado, pois o tempo e o espaço diferenciados para a aprendizagem proporcionam novos elementos na educação, em que o tempo da aprendizagem não é fixado e são respeitadas diferenças de assimilação de conteúdos. A educação não-formal se divide em dois planos: o primeiro relacionado à transmissão de conhecimentos acumulados historicamente pelos homens, e o segundo, abarcando a educação e conscientização da participação social e ações coletivas. Quanto ao primeiro plano, nota-se a preocupação em se transmitir conteúdos formais de educação, porém, é no segundo plano, que se estabelecem as diferenças entre a educação formal e a não-formal, pois esse ensino oferecido em diferentes espaços educativos, parte do pressuposto de que a aprendizagem se dá por meio da prática social e da compreensão da realidade que se vivencia num caráter coletivo e de práxis concreta de um grupo. Dessa maneira, permite perpetuação e valorização de culturas particulares dos indivíduos ou de grupos envolvidos, respeitando-as e fazendo não somente com que as atividades propostas contemplem a realidade de cada um, mas sim fazendo com que a realidade transcorra e dê início a outras atividades. Ao partir da realidade autêntica do aluno, relações sociais, crenças, valores, gostos artísticos forma-se um currículo imediatamente percebido pelo educando. Vale salientar, que o conteúdo relacionado com o seu cotidiano serve como ponto de partida para conhecimentos que lhe são desconhecidos. É importante lembrar que no Brasil, tal modalidade de educação está vinculada às classes mais baixas economicamente, pois visa suprir deficiências referentes à qualidade do ensino que lhes é oferecido. Consequentemente, a educação não-formal acaba por ter como objetivo a inserção de crianças e adolescentes, clientela essa majoritariamente atendida, na sociedade, uma vez que foram excluídas desde o processo de seleção do sistema escolar, em que a educação é destinada a poucos, e não é para o ensino público na realidade brasileira. A própria política sócio-econômica brasileira vigente, estimula o crescimento da modalidade educação não-formal, pois ameniza, ou até mesmo extingue as carências da população, obrigação essa cabível ao Estado. É então conveniente tal crescimento contínuo de OSC’s (Organizações da Sociedade Civil)2, uma vez que além de defender sua causa legítima de proporcionar oportunidades melhores às classes mais baixas economicamente e de torná-los cidadãos, seu crescimento também se torna de interesse das classes sociais altas, pelo fato de acabar por combater a marginalidade, criminalidade/ violência protegendo essas classes mais favorecidas de tal desconforto, através da profissionalização e ascensão econômica da população carente. No entanto, a educação não-formal de maneira geral, tem outros objetivos que não a perpetuação do descaso do governo brasileiro em relação às classes baixas economicamente. Suas aspirações envolvem indistinção de classes sociais, procurando construir diálogo entre essas partes. Assim, tal modalidade deveria ser acessível a todos e não somente às classes menos favorecidas com o intuito de suprir necessidades de obrigação do Estado. Outro fator a ser explorado é em relação à formação que deve ter o profissional envolvido nesse processo de ensino-aprendizagem em modalidade não-formal de educação, que nem sempre é exigida apesar de extremamente necessária. O educador além de dominar conhecimentos pedagógicos, também deve conhecer as especificidades que envolvem a educação não-formal, quanto ao contexto que está inserido e a quem está sendo dirigida. Os educadores devem estar atentos e sensíveis aos anseios e necessidades dos educandos, oportunizar diferentes vivências conjuntas, além de levar em consideração, pré-conhecimentos que trazem ao espaço educativo acerca de diferentes contextos sociais e culturais. Importante salientar que a bagagem cultural e os conhecimentos adquiridos através da experiência de vida trazidos pelos educandos e pela comunidade contribuem para o desenvolvimento de uma relação mais igualitária, em que ambas as partes, educador - educando/comunidade tanto ensinam quanto aprendem, numa rica troca de conhecimentos e experiências. 2 OSC’s (Organizações da Sociedade Civil) é um recente termo designado a abranger os diferentes segmentos da sociedade civil como ONG’s (Organizações Não-Governamentais), grupos religiosos, instituições que mantêm parcerias com empresas , entre outros grupos. Ainda a respeito do papel do educador, segundo Simson (2001, p.18): “É importante afirmar que a educação exige uma atitude política do educador perante a realidade, pois, ao abrir novas perspectivas de ação, permite negar um certo determinismo que a visão histórica de longa duração possa sugerir.”.3 Considerando que a educação não-formal reaviva a cultura de maneira que a mesma se reflita em todas as atividades, é necessário que o educador seja capaz de proporcionar a reapropriação e resignificação dos conhecimentos acerca de cultura, tanto por parte dos educandos, quanto da comunidade de maneira crítica, ativa e consciente. Assim, fica evidente a necessidade de uma formação de qualidade dos profissionais da educação e, ainda de uma formação continuada que dê suporte para esses profissionais elaborarem suas múltiplas práticas educativas, objetivando a construção da (s) identidade (s) de indivíduos e de determinada comunidade, e para reavaliarem criticamente o trabalho que foi desenvolvido. Dessa forma, é objetivo da educação não-formal e papel do educador, possibilitar aos educandos um desenvolvimento educacional, bem como interações com o meio social em que estão inseridos, contribuindo em sua maneira de se relacionar com as pessoas e o ambiente de seu convívio, e na minimização das dificuldades de aprendizagem e/ou defasagem escolar, em busca de metodologias que considerem a realidade dos educandos e que propiciem esse aprendizado de maneira significativa. É necessário reconhecer que não apenas a escola, mas outros espaços, são fundamentais para o pleno desenvolvimento do homem. A educação é um processo social e contínuo, não tem começo nem fim, se dá ao longo do ciclo da vida, com seus inúmeros acontecimentos. A marca fundamental dos processos educativos é as relações que os indivíduos travam com o mundo, num processo dialógico, se reconstruindo. 3 Grifos nossos. Diante disso, exploramos o tema deste estudo a partir do foco em um espaço não-formal: o hospital. Tal espaço é analisado enquanto espaço educativo, em que traçamos o histórico do atendimento hospitalar e os recentes estudos à respeito de como devem se dar as relações tanto entre profissionais que ali atuam, quanto entre profissionais da saúde e seus pacientes. IV- O HOSPITAL ENQUANTO ESPAÇO EDUCATIVO Com o foco em crianças e adolescentes impossibilitados de se locomoverem e freqüentarem uma escola, ficando fadados ao abandono e à exclusão que os privam de seus direitos à educação bem como do convívio social, segundo Matos (2006), a necessidade do hospital buscar transformações enquanto espaço educativo torna-se imprescindível, devido à importância desse espaço oferecer, ao referido público alvo de crianças e adolescentes hospitalizados, uma aprendizagem significativa e interrelações com o meio em que os pacientes estão inseridos, uma vez que é o hospital o único meio social de convivência do qual sentem-se parte. Neste capítulo expõe-se um breve histórico da instituição hospitalar e sua prática de atendimento a pacientes, além de um panorama geral de como se dá esse atendimento atualmente, em específico à crianças e adolescentes em internação contínua. 4.1- Contexto histórico do atendimento hospitalar. A preocupação de se oferecer um atendimento com procedimentos mais humanos e integrados é constatada há tempos na história da saúde, porém a visão restritamente biológica preponderava no que se referia à prática do processo saúdedoença. “O problema denota, ainda, apesar de esforços contrários, uma acentuada ênfase ao biologismo, com profundas raízes, o que necessariamente não só restringe a visão de outros horizontes como cria sérias dificuldades pelo seu sentido de unilateralidade.” (Matos & Mugiatti, 2006, p.19) Tal sentido de unilateralidade torna-se prejudicial ao atendimento médicohospitalar no que se refere às propostas teórico-práticas da área de medicina, pois acabam limitando a somente um viés, uma unidimensão o tratamento de doenças. Um fator preocupante é a “despersonalização” dos pacientes em que suas identidades deixam de ser seus respectivos nomes, mas sim sua doença tornando-os mero instrumento de pesquisa causando embaraços, humilhações e baixa auto-estima nos hospitalizados. Segundo Matos & Mugiatti (2006) a passividade também é detectada como comportamento comum aos doentes na relação médico-paciente mesmo “(...) diante de um processo em que deveria ser essencialmente ativo nesse vital processo.” (p.20). Outro fator que pode contribuir para a deteriorização dessa relação entre profissionais da educação e pacientes é a administração formal e burocrática que acaba por priorizar o âmbito econômico-financeiro ao invés de repensar um atendimento de melhor qualidade aos doentes, transformando o hospital num ambiente denso e frio. Muitos outros fatores negativos podem causar tal distanciamento entre médicos, enfermeiros, e outros profissionais envolvidos no atendimento hospitalar e seus pacientes, o que reforça ainda mais a visão unidimensional de tratamento de doenças com o foco no aspecto físico, exclusivamente. Contudo, a enfermidade de um paciente não deve ser analisada e tratada somente através de seu aspecto físico em si, como também pelos seus aspectos psicológico e social, pois dessa forma estará se tratando de uma pessoa em todas as suas dimensões e não somente no aspecto de uma determinada doença. É importante frisar que o paciente em tratamento não é só acometido de sua diagnosticada doença, bem como também de todo um processo psicológico e social pelo qual passa devido à sua enfermidade. Além disso, o estado psico-emocional do enfermo altera significativamente sua resposta aos tratamentos ou ainda agravam mais sua condição, seja ela de baixa ou alta gravidade. Assim, estão sendo tratadas pessoas em seu mais amplo sentido, e não somente uma doença. Dado isso, os hospitais vêm procurando melhorar seus atendimentos capacitando seus profissionais de maneira a considerarem o aspecto humano de seus ofícios, realizando um trabalho integrado e em parceria com outros profissionais envolvidos no tratamento do paciente, em busca de um só diagnóstico e um só tratamento que contemple todas as dimensões da pessoa acometida de doença. Tais preceitos representam a Medicina Comunitária, uma nova proposta de relação ativa e consciente entre ambas as partes envolvidas, tanto pacientes quanto profissionais da saúde. Em muito se diferenciam os procedimentos da medicina comunitária da prática medicinal precedente, no que se refere ao seu caráter humanizador do primeiro que visa superar a submissão e passividade por parte dos pacientes, dando luz a uma posição ativa e crítica quanto à sua condição e ao seu tratamento, em lugar dos aspectos caritativo e assistencial no tratamento anterior. A implantação de tais intentos inovadores de processo de humanização do tratamento foram mais evidentes no público infanto-juvenil do hospital, resultado esse que atenua as dificuldades de crianças e adolescentes de adaptação à sua nova condição e ao distanciamento de sua rotina anterior, incluindo, inclusive, o distanciamento do ambiente escolar. Sobre isso, Matos & Mugiatti (2006, p.23) afirmam que tal panorama se mostra enquanto: “(...) solução ao problema evidenciado em contexto hospitalares pediátricos, alusivo à incompatibilidade de tratamentos prolongados de crianças e adolescentes em faixa etária escolar, em processo de escolaridade.” Assim, as transformações pelas quais passaram a instituição hospitalar ao longo de sua história revelam a mudança de foco em seu atendimento e tratamento que de aspecto físico da doença, passou então a focar a multidimensionalidade dos pacientes considerando e tratando, ineditamente, de seus aspectos psicológico e social. Tais transformações resultaram em uma melhora à tolerância dos procedimentos dos tratamentos, além de melhor resposta aos tratamentos das doenças, sendo parte fundamental um trabalho integrado de todos os profissionais envolvidos visando um só diagnóstico e um só tratamento que abranjam todos os aspectos que envolvem o acometimento das pessoas hospitalizadas. 4.2- A necessidade do hospital vir a ser um espaço educativo: para quê? A importância de um atendimento e tratamento mais humano a pacientes que considere sua multidimensionalidade em seus aspectos psicológico e social, inclusive, traz consigo a necessidade de mudança na prática dos profissionais envolvidos e do hospital como um todo. Nesse sentido, o hospital passa por um processo de humanização de relações possíveis através de práticas que reafirmem tal preceito e que condigam com o mesmo. Como já mencionado anteriormente, um grande problema enfrentado pelos pacientes é seu distanciamento da instituição escolar e desse convívio social com outras pessoas, o que afeta consideravelmente o aspecto emocional e psicológico das crianças e adolescentes e, consequentemente, afeta em todo o andamento do tratamento clínico. Então, torna-se necessário oferecer um atendimento não só hospitalar bem como escolar que integre suas necessidades escolares e sociais, sempre em concomitância com seu tratamento médico, reafirmando o hospital como um espaço educativo. Segundo Ortiz (2005) espaço educativo caracteriza-se por onde é possível se dar relações de ensino-aprendizagem, de maneira dialógica ou não. Portanto, é todo espaço destinado ao ensino, não se restringindo o conceito a determinadas correntes metodológicas. A importância do hospital vir a ser um espaço educativo não-formal se justifica no próprio direito de todos ao acesso à educação assegurado pela Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados (1995); como também se justifica nas mudanças sócio-educativas que se dariam no interior desse espaço através das relações ali existentes. Afinal, como já mencionado, no contexto do ambiente hospitalar, encontram-se crianças e adolescentes em tratamento prolongado e contínuo que, por muitas vezes, são privadas do direito de freqüentar a escola devido ao seu adoecimento ficando impedidas de terem contato, inclusive, em relações com o meio sócio- cultural. Dessa forma torna-se necessário possibilitar a essas crianças e adolescentes seu desenvolvimento educacional, bem como interações com o meio social em que estão inseridos, contribuindo em sua maneira de se relacionar com as pessoas e o ambiente de seu convívio, e na minimização das dificuldades de aprendizagem e/ou defasagem escolar, em busca de metodologias que considerem a realidade dos educandos e que propiciem esse aprendizado de maneira significativa. Também é importante enfatizar que o afastar de crianças e jovens em tratamento hospitalar de atividades escolares por razões de saúde prejudica sua relação com o meio social, lembrando que suas necessidades sociais e educativas não cessam com seu adoecimento. Assim, tal proposta de educação não-formal além de assegurar o direito de todos à educação conscientizadora e inserção no meio social, também é apontada como beneficiária no próprio tratamento de doenças, uma vez que instiga crianças e adolescentes a não enxergarem somente sua condição hospitalar, bem como enxergar a si mesmos e se enxergarem no mundo que os cerca repleto de possibilidades Parte daí a necessidade de se transformar o hospital num espaço pedagógico e educacional, em que crianças e adolescentes possam se desenvolver psico-sócioculturalmente, dimensionando condições de construção do conhecimento em ambiente hospitalar, dignificando o eixo educação e saúde, de pessoas hospitalizadas. Dessa forma, são expostas no capítulo que se segue a importância do pedagogo no contexto hospitalar e suas possibilidades de atuação nesse espaço nãoformal de educação, transformando o hospital num espaço educativo e tornando mais humana a relação entre os profissionais que ali atuam e os pacientes. V - O PEDAGOGO E ATUAÇÃO PARA ALÉM DA ESCOLA: SUA IMPORTÂNCIA E SUA PRÁTICA “Há uma diversidade de práticas educativas na sociedade e, em todas elas, desde quase configurem como intencionais, está presente a ação pedagógica.” (Libâneo, 2005, p.58) No presente capítulo analisa-se o fato do pedagogo estar comumente ligado ao ofício da docência e, portanto limitado à atuação na escola. Apresenta-se então a discussão acerca do papel do pedagogo, explorando suas possibilidades de ações pedagógicas fora do âmbito escolar. 5.1 – Breve panorama acerca da Pedagogia e da identidade de pedagogos. O ofício de ensinar nunca foi uma atividade nobre. Na Grécia Antiga, por exemplo, tal ofício era cabível a ex-prisioneiros e refugiados, sendo a profissão pouco valorizada desde então, apesar de sempre se destacar a importância da educação para a perpetuação de civilizações.4 No presente momento, temos assistido a uma crise da profissão de educador com baixos salários, desvalorização do ofício tanto no âmbito social quanto profissional, falta de condições de trabalho, entre outros. Explicações para tal situação de desvalorização da profissão de educador na sociedade são tecidas a partir de referenciais históricos e culturais embasados em velhos preconceitos, referenciais esses, que vão sendo seguidos e se repetindo ao longo dos tempos. Em meio a essa situação de desvalorização profissional, como se dá a formação dos profissionais da área de educação? 4 Informação retirada da obra de Manacorda (2000) “História da educação: da antiguidade aos nossos dias”. 5.1.1-O curso de Pedagogia no Brasil No Brasil, o curso de Pedagogia é marcado por instabilidades relacionadas ao tipo de formação que deve ter o pedagogo, seu campo de atuação e quais os saberes necessários para a sua prática. Libâneo (2005) apresenta um breve panorama histórico da educação e da pedagogia no Brasil, que se divide em períodos: o O período que abrange desde a educação jesuítica até a segunda década do século XX, em que a pedagogia tinha caráter científico ainda que especulativo; o O período que compreende a Escola Nova no Brasil (a partir da segunda década do século XX) até o período que antecede a ditadura militar, onde a pedagogia é associada à docência e à experiência de professores; o O período do tecnicismo educacional que se inicia com a ditadura militar no Brasil até o início dos anos 90, evidenciando uma pedagogia de caráter científico, porém técnico e não teórico; o O período da concepção de “ciências da educação”, que compreende o início dos anos 90 do século XX em diante, onde volta então, a concepção de pedagogia no sentido de metodologia e organização do ensino. Pode-se perceber a partir do levantamento realizado por Libâneo (2005), que desde a década de vinte do século passado, a pedagogia e o curso de formação de pedagogos desenvolvem foco prioritário nos processos que envolvem o ofício docente em instituições formais de educação. Assim, a figura do pedagogo é cada vez mais associada à do professor. Os períodos que compreendem a formação tecnicista do pedagogo e o de ciências da educação atual, somente contribuem para a perpetuação obscura da identidade do pedagogo, uma vez que a formação técnica não proporciona uma abrangência de competências, e que atualmente há “(...) ausência de uma política educacional claramente definida (...)” (Libâneo apud Silva, 1991, p.134). Nesse sentido, as contínuas mudanças de concepções sobre a pedagogia e, por conseguinte sobre o pedagogo a ser formado, observadas ao longo da história da educação no Brasil, influenciaram o cunho formador dos cursos de Pedagogia e provocaram constantes reformulações do curso, fatores esses que se relacionam à indefinição da identidade do pedagogo, mas que também caracterizam uma busca dessa identidade. 5.1.2-A Pedagogia enquanto ciência da educação As constantes transformações promovidas na sociedade devido às mudanças de valores que envolvem estilos de vida contemporâneos, e avanços tecnológicos e de comunicação conquistados atualmente, contribuem para que o conceito de educação amplie-se acompanhando tais transformações, de maneira a ser considerado como um fenômeno plurifacetado e de possibilidades em qualquer espaço educativo, mesmo que fora da instituição de ensino formal. Assim, práticas pedagógicas e processos de ensino-aprendizagem não são possíveis somente nas salas de aula, mas ultrapassam os muros da escola. Nesse sentido, Libâneo (2005) aborda a pedagogia enquanto uma das ciências da educação dando a noção pluridimensional da área. As outras ciências que estão englobadas, juntamente com a pedagogia, à educação são a Filosofia, Sociologia, História e Psicologia da educação. Cabe à pedagogia como ciência da educação gerar uma síntese integrando os diferentes processos do fenômeno educativo, inclusive os que envolvem as outras ciências da educação. Libâneo (2005) ainda conclui atentando para a necessidade de reconstrução da pedagogia com o repensar de práticas pedagógicas, numa investigação da realidade educativa, visando o saber pleno por parte do educando, e apontando para a necessidade de ampliação do campo de ação profissional do pedagogo, pois o desenvolvimento da pedagogia, enquanto uma das ciências da educação, e sua interligação com as demais ciências, reconfigurariam a identidade do pedagogo em toda sua amplitude, apontando para caminhos sócio-políticos mais abrangentes de educação para responsabilidade e liberdade. 5.1.3-A identidade do pedagogo O pedagogo é o profissional que atua em todas as abrangências da prática educativa que podem estar ou não interligadas à instituição escolar e aos processos de ensino-aprendizagem de maneira direta, ou seja, atua diretamente relacionado às novas demandas sócio-educativas nas modalidades formal, informal e não-formal de educação, decorrentes das constantes transformações ocorridas na sociedade, transformações essas, causadas pela mídia e outros meios de comunicação de massa, avanços tecnológicos, mudanças profissionais, etc. Nesse sentido, faz-se necessário diferenciar o trabalho pedagógico do trabalho que envolve a atuação docente, a fim de responder a possíveis questionamentos acerca da identidade do pedagogo e sua suposta restrição à carreira docente dentre os limites da escola. O trabalho pedagógico envolve um amplo leque de práticas educativas passíveis de ocorrerem em outro espaço educativo, sendo sua atuação de possibilidades mais abrangente que o exercício de professor, coordenador, orientador e diretor de escolas, de maneira a ultrapassar esses limites para novas realidades e demandas sociais e educacionais. Tais demandas podem contemplar diferentes âmbitos da sociedade, como movimentos sociais, empresas, a área de psicopedagogia e de orientação educacional, programas sociais, serviços para o público da terceira idade, serviços de lazer, meios de comunicação de massa como televisão e rádio na produção de materiais educativos, na produção e idealização de brinquedos, editoras, requalificação profissional, entre outros. Já o trabalho docente envolve o trabalho pedagógico, ficando claro que todo trabalho docente constitui-se como trabalho pedagógico, por se tratar de um dos âmbitos do segundo, todavia, nem todo trabalho pedagógico se constitui num trabalho docente por ter possibilidades de atuação que vão além do âmbito docente, como já mencionado. Conclui-se nesse sentido que o papel do pedagogo e suas possibilidades de atuação não se limitam somente ao ambiente escolar e nem à função de docente. Suas áreas de atuação são inúmeras dentro e fora do âmbito escolar. Libâneo (2005) distingue em três tipos de atividade o campo da ação do pedagogo: os campos da docência, de especialistas da ação educativa escolar, e de especialistas em atividades paraescolares. O campo que envolve o ofício da docência do ensino tanto público quanto privado, diz respeito às práticas docentes e pedagógicas que decorrem nas instituições de ensino formal. O campo de especialistas da ação educativa escolar refere-se às práticas pedagógicas que envolvem o trabalho de gestores, coordenadores, orientadores educacionais, entre outros, atuantes em instituições formais de ensino; O campo que contempla os especialistas em atividades pedagógicas paraescolares trata do pedagogo e outros profissionais que atuam em espaços nãoformais de educação. Quanto às ações pedagógicas do âmbito extra-escolar, Libâneo (2005) as ramifica em duas áreas distintas: a de pedagogos e outros profissionais que desenvolvem atividades pedagógicas intencionais e não-escolares em diferentes espaços educativos, exercendo funções de formadores, instrutores, consultores, entre outros; e a de profissionais em atividades pedagógicas relacionadas à transmissão de saberes técnicos de uma atividade profissional especializada, como é o caso, por exemplo, de engenheiros, supervisores de trabalho, etc, os quais Libâneo (2005, p.59) denomina “(...) formadores ocasionais que ocupam parte de seu tempo em atividades pedagógicas (...)”. Dessa forma, é possível perceber que a sociedade na qual estamos inseridos é, de maneira ou outra, pedagógica, pois trata-se de um meio em que sempre estamos ensinando e aprendendo conhecimentos acumulados historica e culturalmente pelo homem. O que diferencia e caracteriza enquanto pedagógico-educativo é a intencionalidade que se tem nessa relação de ensino-aprendizagem, uma vez que somente as ações pedagógicas intencionais são ditas enquanto processo de educação não-formal, o qual pode se dar em qualquer espaço educativo, porém mantendo o mesmo cunho formador que a instituição escolar. 5.2 – O pedagogo inserido no contexto hospitalar. São extensas as possibilidades de atuação do pedagogo atualmente, inclusive no âmbito extra-escolar, uma vez que são muitos os espaços educativos que têm essa intencionalidade de educar como, por exemplo, o terceiro setor5, crescente nos dias de hoje, sendo ligado às questões sócio-culturais e educacionais, recrutando pedagogos para exercer funções no âmbito da educação não-formal. Além disso, há outros espaços que transformaram suas práticas e abriram portas para um olhar mais humano e educacional, como os hospitais, por exemplo, que é o foco do presente trabalho. No contexto hospitalar, referindo-se à sua transformação enquanto espaço educativo, torna-se imprescindível a figura do pedagogo, pois é ele que vai possibilitar essa situação de ensino-aprendizagem, numa concepção de educando, sujeito de sua história e com possibilidades, não sendo portanto considerado um “paciente”. A esse processo de reconhecimento do individuo enquanto ser humano dá-se o nome de humanização, conceituada pelo educador Paulo Freire (1987) em sua obra Pedagogia do Oprimido. Segundo Paulo Freire (1987), a educação é uma das características do homem que o humaniza, e obviamente vai muito além da sala de aula, pois um sujeito se educa através do convívio social e durante a vida toda. Sendo assim, sua concepção de educação é um processo histórico que se desenvolve ao longo do tempo, um fato social onde a sociedade se reproduz, um fenômeno cultural que se perpetua e modifica e, ainda, é instrumento de dominação de um grupo social sobre outro. O referido autor ainda defende uma educação intrinsecamente ligada à conscientização política, estimulando os profissionais da educação a inquietarem-se com as práticas reprodutivistas de nossa sociedade excludente. O educador se propôs a uma pedagogia da comunicação, com um método ativo, crítico e com modificações no conteúdo programático, partindo da realidade dos 5 O termo “terceiro setor” é aqui tido como uma nova ordem social, ao lado do Estado enquanto primeiro setor e do mercado tido como o segundo setor, associado ao voluntariado, filantropia e de cunho não lucrativo. alunos, uma educação que teria o diálogo como premissa para conscientização, que seria expresso através de uma relação horizontal, de igualdade, entre educador e educando. Assim, a educação é um processo social e contínuo, não tem começo nem fim, se dá ao longo do ciclo da vida, com seus inúmeros acontecimentos. A marca fundamental dos processos educativos são as relações que os indivíduos estabelecem com o mundo, num processo dialógico, se reconstruindo. Assim sendo, o autor evidencia que muitos espaços são fundamentais para o pleno desenvolvimento do homem. Paulo Freire (1974) também explicita a importância de uma educação para as massas, contudo não uma “educação para domesticação, alienação” que forme um homem-objeto, “coisificado”; e sim uma “educação para liberdade” para formação de um homem-sujeito. Tal formação acarretaria numa auto-reflexão acerca de seu meio e de seu tempo. Na auto-reflexão, o homem toma consciência de sua condição de oprimido. A sociedade aprisiona-o fazendo com que ele fuja de sua essência livre. Lutando contra seus opressores, conquistando sua liberdade e tornando-se crítico e reflexivo, o homem é capaz do diálogo e da consciência de sua contribuição na cultura e na história. E quanto à reflexão sobre seu meio e seu tempo, o homem como temporal, ou seja, capaz de discernir o tempo (passado, presente e futuro), deve ter a visão crítica de sua atuação na cultura e história, através do tempo e de seu tempo na sociedade. Em consonância com esse pensamento humanista, o pedagogo inserido no contexto hospitalar não deve ter posição passiva e de espera, mas sim de iniciativa e de ação em busca de uma prática que possibilite construção de conhecimentos que oportunizem a ampliação de novos horizontes, retomando seu papel na sociedade enquanto agente transformador. Essa prática pedagógica e educativa que assume o compromisso de transformação social deve estar em consonância e integrada às práticas de outros profissionais envolvidos tanto da área da saúde, quanto da área social e educacional, no tratamento dos pacientes crianças e adolescentes. Dessa forma, o pedagogo deve buscar o verdadeiro significado de sua prática educativa que permeia a relação de ensino-aprendizagem, a fim de sua práxis reflexiva se constituir numa ação consciente e crítica, possibilitando essa mesma formação a seus educandos. Nesse ponto, é pertinente questionar-se a respeito de que conteúdos devem ser ensinados, quais devem ser dados com maior enfoque e de que maneira devem ser abordados para esse educando/ paciente, pois muito se questiona a respeito da adequação dos conteúdos dados. Diante disso, quais seriam os conteúdos que fariam sentido para crianças e adolescentes hospitalizados e integrados em classes hospitalares, muitos envolvidos com sua doença de maneira negativa afetando suas relações sociais, ou ainda outros, com poucas chances de sobrevivência? É esse fato que dificulta a tarefa de educar e que fundamenta preceitos que questionam que direitos tem o pedagogo em decidir o que um educando deve aprender. Contudo preferimos acreditar no preceito, em contrapartida, do seguinte questionamento: “Quem somos nós, pedagogos, para decidir o que um educando não deve aprender?”. Assim, na questão dos conteúdos, somos favoráveis ao ensino de tudo a todos e o que vai caracterizar essa forma de ensino não-formal e diferenciá-la da educação formal escolar é a metodologia de ensino utilizada, além do tempo para se dar esse processo de ensino-aprendizagem. Outro fator importante e que diz respeito ao cotidiano do trabalho pedagógico desse profissional é em relação ao planejamento. É importante a organização e planejamento do trabalho a ser desenvolvido, pois isso dá ao pedagogo a oportunidade de refletir melhor sobre sua prática, uma vez que ao planejar já se criam expectativas sobre a avaliação do trabalho realizado. Torna-se necessário enfatizar, que não é tarefa fácil o planejamento e a organização de atividades contextualizadas com a realidade hospitalar, que contemplem, ao mesmo tempo, o conteúdo e o lúdico, e sempre de maneira a estarem “imunes” das condições de repressão presentes nas escolas, apesar do ensino não-formal também englobar conteúdos. 5.3 - Formação do pedagogo hospitalar A construção dessa práxis possível no ambiente hospitalar necessita de um preparo pedagógico fundamentado juntamente a uma orientação pedagógica específica a esse campo de atuação. Atualmente, o crescimento modesto do atendimento educacional em hospitais tem-se tornado uma preocupação para os envolvidos. Essa situação é atribuída, por vezes, à falta de formação e qualificação de pedagogos para atuar no cotidiano hospitalar, lidando com a rotina de medicamentos, internações, variadas enfermidades, entre outros atenuantes próprios da prática hospitalar. Afinal, os cursos de Pedagogia preparam o pedagogo para lidar com uma clientela diferenciada e a considerar as diferenças sócio-culturais de seus educandos e da comunidade atendidos, contudo, não os prepara para lidarem com os alunos de classes hospitalares e suas condições relacionadas à doença, processo de tratamento agressivo, possível cura ou falecimento dos mesmos. Os pedagogos atuantes em classes hospitalares ou em outros contextos que envolvem o hospital, geralmente possuem formação superior, contudo muitos procuram por uma especialização que fundamente seus conhecimentos pedagógicos aliando-os a uma prática de “pedagogia hospitalar”. Outro fato constatado a respeito da atuação de pedagogos em contexto hospitalar foi a ausência de apoio pedagógico por parte de uma figura que coordene o trabalho que está sendo realizado, e que aponte caminhos que auxiliem o educador na relação com seus pacientes/ educandos, de maneira a promover uma educação emancipadora, própria de uma prática reflexiva. Além disso, é fato que os cursos de formação de profissionais da saúde como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outras especialidades da área, não prevêem a participação do pedagogo na equipe de trabalho hospitalar como um todo, o que acaba por prejudicar a relação entre saúde e educação, uma vez que se deteriora a participação de uma das partes. Nesse sentido, a função do pedagogo passa a relacionar-se à promoção da saúde por meio do desenvolvimento e da aprendizagem, e não a ofícios secundários e recreacionistas, sendo relevante e necessário o trabalho desenvolvido por pedagogos nos hospitais. Em relação à prática pedagógica assumida nesses espaços, já referidas anteriormente, evidencia-se uma aproximação com a pedagogia freireana por trazer à educação não-formal o bem-estar do oficio educacional e a dialogicidade. Quanto ao bem-estar, Paulo Freire (1987) discute posturas e transformações, que visariam uma melhora no espaço educativo através de uma reconstrução de perspectivas e objetivos, e o repensar do papel e da prática de cada um no ambiente hospitalar. Faz–se necessário, portanto, uma melhor formação de profissionais críticos na área da educação para que busquem não fazer do ensino um meio de reprodução de vivências desumanizadoras, já experienciadas pelas crianças enfermas fora desse ambiente, mas sim buscando e possibilitando, dessa forma, o bem estar no hospital. Ainda segundo Paulo Freire (op.cit), buscar tal bem estar no ambiente de ensino engloba o repensar, redefinir e reconstruir por parte de educadores o seu papel, sua prática e perspectivas, resultando numa metodologia que trate das questões pertinentes à realidade dos pacientes contemplando “(...) uma alegria cultural firmada no prazer proporcionado pela interação com a aprendizagem e o conhecimento (...)“ (Rosa, 2004, p.71). Quanto à dialogicidade, é através da mesma que se cria a oportunidade da construção de uma relação entre educador e paciente/ educando em que ambos têm a chance de falar, serem ouvidos e de ouvir ao outro, respeitando as diferenças entre os semelhantes. Conscientizando-se nessa prática pedagógica, abre-se o caminho para participação livre e crítica dos pacientes/ educandos no meio social em que estão inseridos. Dessa forma, o método dialogal, ativo, crítico e horizontal (de igual para igual) possibilita compreensão das diversidades culturais e sociais e, de certa forma, garante o despertar e o interesse da criança enferma para o conhecimento. O acesso ao conhecimento apresenta-se como estratégia de superação da consciência ingênua pela consciência crítica em busca de um saber emancipador, referida no parágrafo anterior. Assim, além de promover a emancipação desses pacientes, também supre as necessidades intelectuais, sócio-interativas, afetivas e escolares dos mesmos, sem esquecer que o lúdico pode se mostrar como uma ferramenta metodológica muito eficaz para essa prática. Tanto o processo de ensino-aprendizagem, quanto a formação integral do paciente/educandos, apresentam-se de maneira a objetivar também a reintegração da escolaridade com continuidade dos trabalhos escolares e a superação da doença. Afinal, não se pode focar na educação como caminho para a liberdade, fechando as vistas para o contexto das crianças que estão sendo atendidas, desconsiderando a realidade obscura de suas enfermidades. A respeito da relação entre pedagogos e pacientes frente à consciência da necessidade de enfrentamento da doença por ambos, Ortiz & Freitas (2005, p. 66) afirmam que: “São nas situações de procura que o escolar doente encontra a figura do professor como um elo limítrofe que transita na sua vida conhecida e com livre trânsito no novo universo branco em que está inserido. Esta possibilidade do educador de pertencimento a dois mundos -o escolar e o hospitalar- opera na vertente psicossocial de não-isolamento da criança na condição de doente. É um cuidado que permite uma ruptura no reducionismo do pensar a enfermidade.” Portanto, a formação do pedagogo hospitalar supera a visão fragmentada que se centra apenas no processo de ensino-aprendizagem, almejando também a integralização do atendimento ao paciente, em que a relação entre pedagogo e paciente/ educando ultrapassa a questão meramente conteudista e firma-se na subjetividade. Torna-se também necessário esclarecer que sua função está ligada à contribuição em promover situações de educação e ativar sentimentos de autonomia pela aprendizagem, e não de ser um substituto de algum familiar, recreacionista, psicólogo, ou outros papeis igualmente importantes. Portanto, é constatada a possibilidade de transformação de um ambiente hospitalar algumas vezes hostil e de insatisfações, para outro mais humano e com perspectivas de melhores resultados. Dessa forma, torna-se viável a possibilidade de esperança em função do conhecimento, delineando diversas possibilidades em busca de vida no hospital. VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS O interesse inicial do presente Trabalho de Conclusão de Curso foi de estudar as possibilidades de atuação do pedagogo em diferentes espaços, quer sejam escolares ou não. Considerando o recorte de pesquisa de um único espaço não-formal de educação, o hospital se mostrou como um ambiente educativo, onde a presença do pedagogo é significativa. Através das leituras realizadas, o que se pode constatar é que a sociedade como um todo se constitui enquanto educativa, devido ao fato de que os processos educativos podem ocorrer informalmente, sem a necessidade de certa formalidade conteudista e institucional. Nesse sentido, o hospital caracteriza-se como um espaço não-formal de educação, ou seja, um espaço não-escolar de intencionalidades educativas, em que ocorrem situações de ensino-aprendizagem, tanto com a pretensão de educar, quanto a de salvar vidas. A afirmação de que diversos espaços sociais são educativos, devido ao próprio caráter de transmissão de conhecimentos que tem a sociedade para a perpetuação da história cultural do homem, reafirma a possibilidade de atuação do pedagogo em outros espaços além da escola, já que neles se possibilita a relação de ensino-aprendizagem, relação essa necessária para a concretização do caráter educativo. Em contexto hospitalar, o papel do pedagogo geralmente se revela diante da necessidade crescente de atendimento educacional para pacientes em idade escolar e que devido ao seu adoecimento são impossibilitados de freqüentarem as aulas regulares da escola. Esse ofício que envolve a pedagogia hospitalar não só demonstra a preocupação em proporcionar melhorias nos aspectos educacionais e sociais desses pacientes/ educandos, mas também legitima o direito dos mesmos em ter acesso à educação. Segundo a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) publicada pelo MEC – Ministério da Educação e da Cultura, os pacientes em idade escolar, que se encontram em situação de internação contínua, são considerados enquanto portadores de necessidades especiais, pois a debilitação que os acomete impossibilita sua integração no cotidiano escolar. Assim, torna-se necessário o atendimento pedagógico a esses pacientes/ educandos nos hospitais. Além de reafirmar o direito da criança à educação, a atuação dos pedagogos em contexto hospitalar também contribui para melhorias nesse ambiente através de uma relação mais humana. Este espaço propicia inúmeras relações entre todos os envolvidos no processo de tratamento de pacientes (os profissionais que compõem a equipe médica, os próprios pacientes e seus familiares), contudo tais relações por vezes são marcadas pela frieza com que médicos, enfermeiros, fisioterapeutas se relacionam com seus pacientes e respectivos familiares, e pelo sofrimento que passam os mesmos no processo de debilitação. Nesse sentido, o pedagogo pode trazer contribuições ao ambiente hospitalar através de uma prática pedagógica humanizadora que abre portas para um olhar mais humano e educacional, possibilitando situações de ensino-aprendizagem entre os profissionais envolvidos, incluindo o pedagogo, e seus pacientes, numa concepção que também considera o segundo enquanto educandos e cidadãos. Retomando ao interesse primeiro que inspirou a escolha por esse tema para a concretização do estudo nessa pesquisa, as questões que não nos eram claras a respeito do papel que exerce o pedagogo fora do âmbito escolar, em específico no hospital, revelaram-se mediante o processo que envolveu o desenvolvimento desse trabalho. Foi constatada a importância desse profissional nesse espaço educativo e quais as contribuições que pode trazer através de sua prática. Contudo, com a avançar da pesquisa, outros questionamentos foram surgindo ainda envolvendo o pedagogo nos hospitais. Uma questão que não se esclareceu foi em relação à formação do pedagogo para atuar nesses espaços. Muito se discute a respeito da inclusão de disciplinas nos cursos de licenciatura em Pedagogia que preparem os futuros profissionais da educação a lidarem com a rotina dos hospitais e com os tratamentos de doenças, envolvendo conhecimentos acerca de medicamentos e tipos de enfermidade. Contudo, será esse o caráter dos cursos de formação de pedagogos? Afinal, ao que parece, tal curso deveria então formar pedagogos especialistas para áreas específicas, e não para diversas formas de atuação de maneira abrangente. Assim sendo, se faria necessário estudar a rotina de outros espaços educativos, como por exemplo, organizações não-governamentais e presídios com suas práticas pedagógicas possíveis. Dessa maneira, os cursos de graduação em Pedagogia dariam conta de uma formação tão completa num período de quatro anos? Ou tais especializações deveriam ser oferecidas somente em cursos de pós-graduação voltados a campos específicos de formação? Outra questão que não se mostrou clara e que despertou o interesse para pesquisas posteriores diz respeito à visão dos profissionais da saúde em relação ao trabalho que pedagogos realizam. Sabe-se que tais profissionais não têm uma formação que compreenda maiores informações a respeito da contribuição e atuação de pedagogos nos hospitais, contudo, através das leituras realizadas, ficou evidente a busca crescente dos envolvidos com a área de saúde por uma formação mais humana que considere os enfermos enquanto seres sociais, com necessidades que não cessam devido ao seu adoecimento, de maneira que as relações que se dão nesses espaços entre os mesmos e seus pacientes sejam igualitárias e mais humanas. Todavia, não se mostrou expressiva a preocupação com uma formação continuada que dê suporte para uma prática humana e educativa no cotidiano hospitalar, nem reconhecimento da necessidade de um pedagogo na equipe de trabalho desses espaços. Nesse sentido, qual a contribuição de pedagogos na prática de profissionais da saúde? Finalizando, a pesquisa realizada proporcionou para a nossa formação (inicial e contínua) o repensar de práticas pedagógicas possíveis em diferentes espaços sociais que se constituem enquanto educativos. A possibilidade de inserção em diferentes campos de atuação do pedagogo revela a abrangência do conceito de educação para outras modalidades além da formal-escolar, ampliando o olhar para outras instâncias, de maneira a valorizar as relações de ensino-aprendizagem que se estabelecem entre indivíduos e grupos em espaços não-formais ou informais de educação. Assim, o presente trabalho possibilitou compreender que os caminhos traçados pela experiência de atuar em contexto hospitalar não se limitam a adquirir uma série de habilidades e competências, mas sim a uma prática pedagógica reflexiva que ofereça ao pedagogo a construção de saberes que o habilitem a promover processos educativos em espaços formais e não-formais de educação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - BRASIL. 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