ATENÇÃO FARMACÊUTICA, ACOMPANHAMENTO FARMACOTERAPÊUTICO E ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA: SÃO A MESMA COISA? Profa. Dra. Tania Carmem Peñaranda Govato O acompanhamento farmacoterapêutico nasce em torno do questionamento da figura do farmacêutico e do modelo de doença; É um processo assistencial independente e novo que pode ser inserido em qualquer contexto em que as atividades profissionais de saúde sejam exercidas: hospitais e centros de saúde pública ou privada, empresas etc.; Os processos de mudanças caracterizam-se por integrar diversos tipos de profissionais, que podem atuar como promotores das mudanças ou ser resistentes a elas. Em ambos os grupos haverá também aqueles que se camuflam atrás do exercício profissional clássico como uma forma mais elaborada de resistir às mudanças. O acompanhamento farmacoterapêutico representa uma mudança do modelo de cuidado que inevitavelmente se aloja em um novo conceito de doença. Toda essa evolução necessariamente dará lugar a uma nova figura profissional, que poderá ser a de um farmacêutico diferente ou de uma nova profissão com um enfoque marcadamente na farmacoterapia, na psicologia e na sociologia. INTRODUÇÃO: O ACOMPANHAMENTO FARMACOTERAPÊUTICO EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL O conceito de assistência farmacêutica surge em 1990 por meio do artigo “Oportunidades e Responsabilidades em Atenção Farmacêutica”, publicação de Charles Hepler e Linda Strand. Embora já houvesse há muito tempo uma preocupação considerável com os resultados terapêuticos promovidos pelos medicamentos, o profissional farmacêutico começou a tomar consciência da oportunidade de ocupar um novo espaço na atenção à saúde, baseado na responsabilidade sobre esses resultados. Quando, em princípio, a chamada atenção farmacêutica surge como a primeira tradução de assistência farmacêutica duas circunstâncias com indubitáveis influências sobre seu processo histórico fazem-se notar: Um questionamento importante acerca do papel do farmacêutico diante da sociedade; Uma “medicalização” da sociedade como consequência dos importantes avanços que a indústria farmacêutica produziu na segunda metade do século XX. Para entender o momento atual da profissão farmacêutica e de sua relação com o movimento que representa a assistência farmacêutica é fundamental analisar esses dois processos separadamente. O questionamento do papel do farmacêutico clássico, atualmente chamado farmacêutico comunitário, que atua nas farmácias, deve-se, sem dúvida, à percepção externa de que sua função está relegada a de um mero dispensador e informador de medicamentos e, assim, seus honorários baseiam-se numa porcentagem sobre os preços dos medicamentos. Contudo, não é assim para os farmacêuticos dos hospitais, que desfrutam de um grande prestígio nestas instituições e que, é sabido, ganharam um lugar na atenção à saúde. O MEDICAMENTO NO SÉCULO XX E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS Além destas circunstâncias, relacionadas com a evolução dos mercados, da globalização e da inclusão de novas tecnologias, outro aspecto essencial, é o fato de que a sociedade atual é muito diferente daquela da primeira metade do século XX. Contudo, viver mais tempo com a doença tem dado lugar ao surgimento de novos tipos de enfermos, caracterizados, em um primeiro momento, por um processo patológico mais amplo que os acompanhará até o final de suas vidas. Essas circunstâncias têm modificado não só a relação do paciente com sua própria doença, mas também sua relação com os profissionais de saúde, gerando situações difíceis de serem explicadas, como a negação da doença, a falta de cumprimento da terapia, a automedicação e a procura por terapias alternativas. Desta forma, incidem sobre este processo aspectos pouco relacionados com as ciências biomédicas e mais relacionados às ciências sociais. E a mudança necessária passa, inevitavelmente, pelos seguintes aspectos: Consideração da doença a partir de um modelo biopsicossocial. A saber: a doença tem aspectos fisiológicos, mas também psicológicos e sociológicos; Participação de outros profissionais na atenção à saúde da população, mediante uma gestão interdisciplinar; Modificação do papel passivo do paciente em sua atenção, passando de um modelo assistencial focado na doença para outro mais centrado no paciente, como se diz atualmente, focado nas pessoas; Passar, nas políticas de saúde, de modelos assistencialistas e paternalistas centrados nos produtos que são oferecidos, a outros baseados na participação de todos os agentes de saúde envolvidos; Deixar de usar a saúde como arma eleitoral e de confronto político e enfrentar as mudanças necessárias com tranquilidade e visão em longo prazo. Portanto, a assistência farmacêutica surge num momento de mudanças para todos os profissionais que têm algo a dizer sobre a saúde, quando se faz necessário repensar o modelo de atuação. É possível afirmar que a assistência farmacêutica vive um momento similar ao do novo modelo desejado de atenção à saúde. Na verdade, pode-se afirmar que está totalmente incorporada à mudança, sendo uma parte inseparável deste. A DENOMINAÇÃO Analisando o contexto em que nasce a assistência farmacêutica, no qual conflui a necessidade de dar um salto profissional e a existência de uma sociedade que carece de outro modelo de assistência à saúde, cria-se uma situação na qual aparecem, igualmente, promotores da mudança e de resistências. “Atenção Farmacêutica” é a tradução para assistência farmacêutica que se adotou universalmente no mundo castelhano, apesar de que nem a palavra atenção tem o mesmo significado e a mesma carga semântica da palavra inglesa care, nem ao menos à farmacêutica equivale pharmaceutical, que se refere mais ao medicamento do que a qualquer outra coisa. Contudo, a mudança proposta por Hepler e Strand, em 1990, foi muito diferente disso e mais diferente ainda do que a própria Linda Strand junto com Robert Cipolle e Peter Morley postularam em seguida no Peters Institute Pharmaceutical Care, da Universidade de Minnesota. Enquanto a atenção farmacêutica sempre teve uma visão do conjunto de atividades assistenciais desempenhadas pelo farmacêutico, a assistência farmacêutica se refere a um processo concreto, que é o de atender as necessidades farmacoterapêuticas dos pacientes. Neste contexto, em 2001 a atenção farmacêutica foi definida na Espanha pelo consenso criado pelo Ministério da Saúde e Consumo como “a participação ativa do farmacêutico na assistência ao paciente e na dispensação e acompanhamento de um tratamento farmacoterapêutico, cooperando assim com o médico e com outros profissionais da saúde, a fim de que se obtenham resultados que melhorem a qualidade de vida do paciente, implicando também o envolvimento do farmacêutico em atividades que proporcionem boa saúde e previnam doenças”. Isto tem influenciado o mundo espanhol e definições semelhantes têm sido adotadas a fim de que se diferencie o conceito de assistência farmacêutica do que é denominado pelo consenso espanhol de “acompanhamento farmacoterapêutico”, que é definido como “a prática profissional na qual o farmacêutico é responsável pelas necessidades do paciente relacionadas aos medicamentos, mediante a detecção, prevenção e solução de problemas relacionados às medicações (PRM), de forma continuada, sistematizada e documentada, em colaboração com o próprio paciente e com os demais profissionais da saúde, com a finalidade de alcançar resultados concretos, que melhorem a qualidade de vida do paciente”. Mesmo assim, a denominação de “acompanhamento farmacoterapêutico” adotada até agora com sucesso para definir o conceito de assistência farmacêutica, não designa de forma muito clara o que realmente seja, uma vez que, embora o acompanhamento de um medicamento – acompanhá-lo para verificar seus efeitos – seja inerente a esta prática, alguns grupos profissionais realmente não entendem, porque cada profissão está focada na sua missão: o médico na doença, o fisioterapeuta na lesão de que trata e o professor em seu aluno. Contudo, não está claro que a essência do processo assistencial não está no acompanhamento, que é uma obrigação de todo profissional da saúde que interaja com pacientes, conforme já foi mencionado, mas sim no atendimento das necessidades farmacoterapêuticas, mediante a identificação dos PRM, que é uma visão única e exclusiva que o farmacêutico oferece dentro do processo assistencial. Uma visão diferente, um novo código de identificação de problemas, coerentes e compatíveis com aquilo que outros profissionais de saúde utilizam para exercer suas profissões. Portanto, nem “atenção farmacêutica” nem “acompanhamento farmacoterapêutico” são conceitos satisfatórios e “assistência farmacêutica” pode ser considerado um anglicismo para a nossa língua e cultura, que, contudo, será escolhido nestas páginas para referir-se a esta prática. Assim, neste texto, embora sejam utilizados os três termos, sempre serão para definir a mesma coisa, ou seja, como atender as necessidades farmacoterapêuticas dos pacientes e como fazer com que todas e cada uma das pessoas que necessitam de medicamentos consigam tê-los com uma indicação adequada, com o maior efeito benéfico, sem reações adversas e com o maior número de informação para que os utilizem de maneira adequada. A “assistência farmacêutica” é um processo assistencial que possui um sentido especial no âmbito da atenção primária, embora não seja exclusivo de qualquer ambiente de cuidados à saúde. Pode, portanto, ser exercida como qualquer outra profissão de saúde em qualquer esfera de ação, mas, obviamente, cada ambiente exigirá uma ênfase especial em alguns aspectos e menos em outros. Mas, como um pediatra é um pediatra, estando ele em um hospital ou centro de saúde, um farmacêutico que pratique a “assistência farmacêutica” a fará onde estiver. O crédito profissional será sempre por aquilo que se faz e não pelo local onde se faz. O processo que se descreve, nada tem a ver com a dispensação de medicamentos e deve ser feito de forma absolutamente independente dela. Nos casos de a atuação ser em uma farmácia, deve ter sua identidade própria, pessoal, e agendar uma consulta com o paciente, embora, como toda empresa, as demais atividades sejam de suma importância na hora de captar pacientes e de verificar os resultados. Além disso, aprendendo-se este novo processo, darse-á sentido aos demais que se integram em uma farmácia. A saber, entendendo-se como satisfazer as necessidades farmacoterapêuticas dos pacientes é possível que se compreenda muito melhor as informações que um paciente deseja sobre seus medicamentos durante a dispensação, os questionamentos que implicam a automedicação de um paciente ou a indicação de um medicamento pelo farmacêutico para tratar um problema de saúde. A mudança é tão profunda que, necessariamente, nos encontramos às portas de uma nova profissão, que, dependendo do papel e da visão dos responsáveis políticos e acadêmicos, trará ou um novo farmacêutico, com uma formação muito diferente da clássica, ou um novo farmacoterapeuta, especialista em farmacoterapia e suas implicações psicológicas e sociais, que poderia ser chamado de farmacêutico. RESUMO O movimento que representa a assistência farmacêutica não está imune às mudanças e tensões que estão ocorrendo no ambiente assistencial, como consequência da evolução do modelo de doença. Embora esteja certo que a figura do farmacêutico possa estar em questão, as razões para a mudança são muito mais profundas e afetam outros profissionais e a própria atenção à saúde; Entender esta mudança e suas implicações permitirá a tomada de medidas adequadas para enfrentar esse desafio e tornar inúteis as manifestações que tentam se opor a esse processo inevitável; As mudanças não acontecem apenas, nem aparecem de repente. Portanto, são necessários líderes profissionais que as façam acontecer, embora não se possa garantir que o novo cenário testemunhe toda a sua plenitude. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 1. Banegas JR, Rodríguez-Artalejo F, De la Cruz Troca JJ, Guallar-Castillón P, Del Rey Calero J. Blood pressure in Spain. Distribuition, awareness, control and benefits of a reduction in an average pressure. Hypertension. 1998; 32:998-1.002. 2. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PC. El ejercicio de la atención farmacéutica. Nueva York: Mc Graw-Hill, 1998. 3. Cipolle RJ, Strand LM, Morley PC. 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