O abastecimento interno da cidade do Rio de Janeiro e sua hinterlândia no final do século XVIII e início do XIX Deborah da Costa Fontenelle Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected] INTRODUÇÃO O processo de ocupação e colonização efetiva do Brasil ocorreu de forma lenta, mesmo para o contexto da época, e por que não dizer tardia, colocando em risco o domínio do território colonial. De acordo com WEHLING & WEHLING (2005), do século XVI ao XVIII, o Brasil experimentou diferentes fases de colonização portuguesa, partindo de uma fixação litorânea incipiente – predominantemente durante o século XVI, da implantação de feitorias às capitanias hereditárias –, passando por um período de expansão territorial até atingir, no século XVIII, um momento de consolidação colonial. Segundo RUSSEL-WOOD (1998), a decepção de não encontrar, a princípio, metais preciosos em terras brasileiras fez com que o Brasil ocupasse uma posição periférica em relação aos interesses da metrópole durante o século XVI, servindo, predominantemente, para a extração de pau-brasil entre outros gêneros. Entretanto, como coloca MORAES (2000), é importante frisar que seu domínio era imprescindível, pois o seu controle abriria possibilidades futuras1. Assim, mesmo “desprezado” o Brasil foi “apropriado”. O relativo esquecimento de Portugal em relação ao Brasil frente às outras possessões portuguesas na África e na Ásia causou uma relativa negligência com a colônia americana, permitindo que ela fosse alvo de inúmeras investidas de outras nações européias durante os três séculos de colonização. Esta omissão foi muito sentida no Rio de Janeiro, onde o descaso português em ocupar o território permitiu a formação da França Antártica – tentativa francesa de estabelecimento de um núcleo de ocupação na Guanabara que teve duração de uma década. Foi somente a partir da ameaça francesa 1 MORAES (2000) afirma que qualquer terra descoberta deveria ser incorporada, pois mesmo que ela não apresentasse vantagens imediatas, no futuro poderia ser de grande utilidade. No caso do Brasil, o extenso litoral, combinado às possessões portuguesas na África, permitiria o controle do Atlântico Sul. que os portugueses, preocupados em perder seu território colonial, se sentiram estimulados a formar um povoamento. Assim, em 1º de Março de 1565, foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, tendo início o processo de ocupação da Guanabara. Desta forma, até meados do século XVII o Rio de Janeiro exerceu uma função defensiva, tendo como objetivo assegurar o território colonial de novos invasores. Entretanto, no final do século XVII e início do XVIII o que se observa é o surgimento de novas funções que irão conceder à cidade uma crescente importância tanto no contexto da colônia como do próprio império português (BICALHO, 2003). Além da participação do Rio de Janeiro na atividade açucareira colonial, a cidade desponta agora como importante porto da colônia, principalmente em função da comercialização de escravos2 e do escoamento do ouro. Outro fator que contribuiu para o aumento da importância da cidade do Rio de Janeiro, foi a proximidade deste núcleo com a Bacia do Prata e a Colônia de Sacramento – áreas que estavam em constante disputa entre os Reinos de Portugal e Espanha. Em 1763 esta importância que vinha sendo adquirida pela cidade culmina com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Agora, além de importante núcleo econômico e estratégico, o Rio de Janeiro também exerceria a função de núcleo político. OBJETIVOS Neste sentido, o presente projeto tem como objetivo analisar o papel exercido pelo Rio de Janeiro no que diz respeito ao abastecimento interno da colônia do final do século XVIII e início do XIX– quando a cidade começa a apresentar uma crescente importância tanto no contexto da colônia como no da própria metrópole. Pretende-se também, estabelecer e regionalizar a hinterlândia de abastecimento do porto do Rio de Janeiro a fim de verificar seu papel e sua importância no contexto em questão. 2 Segundo ALENCASTRO (2000) este comércio, denominado por ele de triângulo negreiro, envolvia Luanda - Rio de Janeiro - Buenos Aires na comercialização de escravos, açúcar, tabaco, cachaça, geribita e prata. METODOLOGIAS A primeira etapa deste trabalho consistiu em uma revisão bibliográfica preliminar com o intuito de obter uma visão geral sobre o tema. Sendo assim, os trabalhos de João Luís Fragoso, “Homens de grossa aventura” e o de Maria Fernanda Bicalho, “A cidade e o império” se tornam uma leitura imprescindível para entender o contexto e a dinâmica de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro do final do século XVIII e início do século XIX. Posteriormente, partiu-se para o levantamento de dados sobre o porto do Rio de Janeiro no período em questão. Para tal, está sendo analisada a documentação existente no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro acerca dos termos de entrada de embarcações no porto do Rio de Janeiro no período de 1793 a 1815. Nesta, é possível observar os registros de entrada dos gêneros alimentícios no período em questão e sua proveniência, além de outras informações como quem traz a mercadoria, a quantidade e o preço do produto. Vale ressaltar que como a pesquisa encontra-se em estágio inicial esta etapa ainda encontra-se em processo de realização. Por fim, pretende-se realizar uma busca por material cartográfico sobre o Rio de Janeiro setecentista, tendo como objetivo a elaboração de mapas que representem a hinterlândia de abastecimento do porto do Rio de Janeiro. RESULTADOS PRELIMINARES Tendo em vista que a pesquisa encontra-se em estágio inicial os resultados a serem apresentados ainda são muito incipientes. Infelizmente, o levantamento de dados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro ainda não foi concluído não sendo possível, portanto, a apresentação destes dados. Entretanto, a bibliografia utilizada permite afirmar que a análise do abastecimento interno da colônia contribui para os recentes estudos sobre a existência de uma rede colonial comercial própria, independente da metrópole. Esta tese, defendida por FRAGOSO (1998) contraria a historiografia clássica exposta por Caio Prado Júnior (1942) que via no sentido da colonização uma economia baseada no exclusivo metropolitano, apoiado no tripé monocultura, latifúndio, trabalho escravo. Desta forma, acreditamos que através da análise dos termos de entrada de gêneros alimentícios na cidade do Rio de Janeiro será possível comprovar a existência de um mercado à parte do metropolitano, como defende FRAGOSO (1998). Segundo o autor, “pelo menos parte da acumulação mercantil aqui verificada não se transferia para a metrópole e era reaplicada aqui mesmo”. Ainda, podemos afirmar que o Rio de Janeiro exercia uma certa centralidade no período em questão polarizando o comércio 'interno' da colônia em sua hinterlândia. Assim, esperamos que com o prosseguimento da pesquisa essa questões possam ser respondidas. BIBLIOGRAFIA ABREU, Maurício de Almeida. 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A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996 WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005