THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 1 Levantamento de Curvas de Eletrosensibilidade de Peixes Brasileiros e Concepção de Barreira Elétrica para Repulsão de Peixe F. N. A. Silva, PPGEE/UFMG, R. E. Lopes, PPGEE/UFMG e C. B. Martinez, Prof. Associado PPGEE/UFMG Resumo— O uso de sistemas de repulsão e direcionamento de peixes é uma alternativa para a proteção de cardumes que ficam impedidos de continuar seu movimento de subida do rio. Dentre tais sistemas, as barreiras comportamentais, como são conhecidas as barreiras não-físicas, merecem destaque pois são construídas no intuito de alterar o comportamento de certas espécies de peixes, fazendo com que elas evitem determinada área, o que pode reduzir a entrada de peixes no tubo de sucção sem causar perdas de carga significativas no sistema hidráulico e sem requerer parada de máquina para sua manutenção e/ou limpeza. Basicamente, as barreiras comportamentais utilizam luz estroboscópica, infrasom e/ou ultrasom, cortina de bolhas e campo elétrico. Este trabalho tem como objetivo estudar a influência de campos elétricos de intensidade, freqüência e formas de onda diferentes, em indivíduos jovens e adultos de Pimelodus maculatus, uma das espécies brasileiras de peixe mais importantes no que diz respeito à mortandade de peixes devido à operação de turbinas hidráulicas. A partir deste conhecimento, pretende-se construir curvas de eletrosensibilidade, que definem os limiares do valor de campo aplicado para os diferentes níveis de reação desta espécie. Pretende-se ainda, apresentar proposta de uma barreira elétrica, que reduz a entrada de peixes no tubo de sucção de plantas hidrelétricas, e expor testes feitos em laboratório que compravam a eficiência da mesma Palavras-chave— barreiras elétricas, eletrosensibilidade, impacto ambiental de UHEs, impedimento de entrada de peixes, mortandade de peixes F. N. A. Silva, aluno do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Minas Gerais - Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos, Av. Antônio Carlos 6627, 31.270-901, Campus Pampulha - Belo Horizonte, MG, Brasil. (e-mail: [email protected]) R. E. Lopes, aluno do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Minas Gerais - Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (e-mail: [email protected] ) C. B. Martinez – Orientador e professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Hidráulica e Recursos Hídricos Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (e-mail: [email protected] ) . I. INTRODUÇÃO C om o aumento da demanda de energia elétrica nas últimas cinco décadas, o País se viu forçado a ampliar a sua base de geração. Assim, devido ao considerável potencial hidráulico do Brasil e por ser considerada uma fonte de geração de energia elétrica relativamente barata, houve um considerável aumento na construção de grandes usinas e reservatórios nas últimas décadas. Porém, apesar da incontestável importância da energia elétrica para o bem-estar e progresso da sociedade, a construção de barragens implica em importantes impactos ambientais e sociais, como: inundação da área do reservatório, acúmulo de sedimentos, contaminação da água, salinização do solo, impactos na fauna e flora locais com a modificação do ambiente natural, deslocamento de populações, perda de patrimônio cultural, etc. Dentre os impactos na fauna local, um importante aspecto a ser considerado é que as barragens constituem-se em obstáculo para o deslocamento dos peixes ao longo dos rios, o que afeta de maneira significante espécies migradoras como, por exemplo, o Pimelodus maculatus (mandi amarelo). Tal espécie se sente atraída pelo fluxo turbulento que deixa o tubo de sucção e acaba por adentrá-lo. Assim, durante os eventos de partida e parada das unidades geradoras uma grande quantidade de peixes acaba morrendo ao serem atraídos para dentro do tubo de sucção. O uso de sistemas de repulsão e direcionamento de peixes é uma alternativa para a proteção de cardumes que ficam impedidos de continuar seu movimento de subida do rio. Dentre tais sistemas, as barreiras comportamentais, como são conhecidas as barreiras não-físicas, merecem destaque pois são construídas no intuito de alterar o comportamento de certas espécies de peixes, fazendo com que elas evitem determinada área, o que pode reduzir a entrada de peixes no tubo de sucção sem causar perdas de carga significativas no sistema hidráulico e sem requerer parada de máquina para sua manutenção e/ou limpeza. Basicamente, as barreiras comportamentais utilizam luz estroboscópica, infrasom e/ou ultrasom, cortina de bolhas e campo elétrico. Nos Estados Unidos e Canadá, a utilização de campo elétrico para impedir, ou até mesmo guiar grupos de peixes em THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 seus movimentos de subida e descida em empreendimentos hidrelétricos é bastante difundida. No Salt River, por exemplo, na barragem de Granite Reef, utiliza-se este sistema para impedir que peixes do rio Colorado cheguem ao Rio Salt via Canal do Central Arizona Project. De acordo com dados do fabricante, a barreira que foi instalada em 1989, ainda funciona perfeitamente e com 100% de eficiência. Em países como EUA, Inglaterra e Canadá, estuda-se a reação de peixes a campos elétricos há décadas. Porém, grande parte dos estudos têm como objetivo principal a identificação de métodos e equipamentos para pesca elétrica, ou manipulação de espécies comerciais em tanques, como descrito por [1], [2] e [3]. Neste artigo serão apresentadas curvas com limiares de diferentes níveis de reações da espécie alvo quando submetida a campos elétricos senoidais de 60 e 1000Hz e campos pulsantes de 1000. Apresentar-se-á também estudos iniciais e testes de eficiência de uma barreira elétrica construída com o intuito de reduzir a entrada de peixes em turbinas hidráulicas. II. PEIXES E ELETROSENSIBILIDADE Peixes como o poraquê Sul americano (Electrophorus), podem liberar descargas entre 500 e 600 V. Tais descargas tem capacidade para matar outros peixes e até mesmo animais do porte de uma pessoa. Atualmente se sabe que mesmo pequenas descargas elétricas podem ser utilizadas para a obtenção de informações a respeito do meio [4]. Isso é possível pois as descargas elétricas são apropriadas para a distinção entre objetos não condutores e bons condutores. Na categoria de bom condutor podemos classificar os peixes. Isso ocorre devido ao fato deles terem uma condutividade elétrica superior (devido ao teor salino de seus fluidos corpóreos) à da água, que é um condutor pobre. Devido a esse fato descargas elétricas pouco intensas podem ser usadas para a navegação em águas escuras, assim como para a localização de predadores e presas. Outro ponto a se considerar é que essas descargas elétricas são usadas na comunicação entre indivíduos. Sabe-se também que em alguns casos, um peixe responderá com comportamento sexual apenas aos sinais elétricos provenientes do sexo oposto [5]. De acordo com [6] a eletrosensibilidade dos peixes é alta o suficiente para servir inclusive para detectar o campo magnético da terra. Baseandose no fato de que o peixe é um condutor (devido ao teor salino de seus fluidos corpóreos) quando o mesmo se movimenta através de um campo magnético pode ocorrer a indução de uma corrente elétrica cuja magnitude se encontra perfeitamente dentro do nível de sensibilidade da eletrorrecepção que em alguns peixes chega a ser de 10-8 V/cm. brasileiros e representar um dos maiores problemas no que diz respeito à mortandade em turbinas hidráulicas. O mandi amarelo é um peixe de couro de água doce. Possui três esporões farpados, sendo um no dorso e dois nos flancos. Os ferrões são cobertos por substâncias tóxicas que provocam muita dor após a ferroada. Existem diversos tipos, sendo popularmente conhecidos como: mandi-bandeira, mandi-chorão, mandi-guaçu, mandipintado, mandi-amarelo e outros. Alimenta-se principalmente de insetos, além de animais microscópicos, peixes e vegetais. Algumas espécies atingem até 46 cm de comprimento e 3,0Kg e é a terceira espécie de peixe de água doce mais capturada em São Paulo segundo o IPSP, Instituto de Pesca de São Paulo. • Nome Popular : mandi • Nome Científico: Pimelodus maculatus • Família: Siluriformes Pimelodidae • Distribuição Geográfica: Pode ser encontrado na Amazônia, Guianas, Venezuela, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina, Bacia do Paraná, do Prata, Rio Uruguai e Rio Iguaçu [7]. • Descrição: peixe de médio porte, alcançando cerca de quarenta centímetros de comprimento e peso de até 3 kg. Apresenta grandes variações cromáticas e até estruturais [8]. O corpo é alto, e a cabeça é curta e baixa, com a boca terminal e a fenda bucal ampla, não possuindo dentes no palato. Os barbilhões maxilares são longos, alcançando a região do pedúnculo caudal. O dorso é castanho escuro, com 3 a 4 séries longitudinais de manchas negras sobre o flanco. As nadadeiras possuem manchas negras e pequenas. • Ecologia: De hábito alimentar onívoro com tendência à ictiofagia [9]-[10]-[11] o mandi-amarelo apresenta ampla plasticidade da dieta. Como na maioria dos peixes de couro, habita o fundo dos ambientes aquáticos. È um peixe de piracema, fazendo a migração reprodutiva rio acima para a desova, que ocorre com a elevação do nível das águas em razão das chuvas. O comprimento médio na primeira maturação sexual varia de 12,5 a 18 cm para machos e 12 a 19 cm para as fêmeas. É uma espécie abundante e importante na pesca comercial [12], com ótima aceitação pelo mercado consumidor [13]. A Fig. 1 apresenta um exemplar do mandi amarelo. III. A ESCOLHA DA ESPÉCIE ALVO – O “PIMELODUS MACULATUS” Visando testar os procedimentos de estudo sobre eletrosensibilidade optou-se por utilizar o “Pimelodus maculatus”, popularmente conhecido como mandi amarelo, devido ao fato dessa espécie ser muito comum nos rios 2 Fig. 1. Mandi amarelo (Instituto de Pesca de São Paulo). THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 IV. TESTES DE ELETROSENSIBILIDADE COM CAMPO ELÉTRICO DE FREQUÊNCIA, FORMA DE ONDA E AMPLITUDE DIFERENTES A. Aparatos de teste Para realização destes testes, foi utilizado um canal de vidro de 1m de comprimento, 0,5m de largura e 0,6m de altura, com uma placa de aço galvanizado instalada em cada face menor do tanque, conforme Fig. 2. Fig. 2. Tanque de testes com par de eletrodos (placas paralelas) O sistema de duas placas paralelas afastadas entre si por um meio condutor homogêneo de resistividade conhecida pode ser representado pelo circuito da Fig. 3. Fig. 3. Circuito equivalente, do aquário de teste. Como o volume entre as placas é um paralelepípedo e o campo é homogêneo devido à natureza do meio, é possível determinar qual é o campo elétrico em qualquer porção de volume de forma muito simples. Como o comprimento do canal é um metro, qualquer tensão “Uab [V]” aplicada ao volume produzirá um campo elétrico de Uab [V/m]. Qualquer porção menor que a total será uma porcentagem desta variando pelo comprimento do paralelepípedo. A Fig. 4 apresenta a distribuição de campo nessa seção de estudo. Fig. 4. Distribuição de tensão entre placas Para os testes com forma de onda senoidal a 60Hz, as placas foram ligadas a um autotransformador variável que controlava a amplitude de tensão aplicada. Para os testes com forma de onda senoidal a 1000Hz, foi utilizado um amplificador operacional linear de potência 3 modelo APEX PA93, que amplificava, de modo controlado, um sinal senoidal de 1000Hz gerado por um Gerador de Funções modelo Minipa MFG 4200. Os testes de 1000Hz com tensão pulsada foram realizados utilizando-se um transistor de potência que chaveava (entrando em corte e saturação) com um sinal pulsante gerado através do Gerador de Funções Minipa MFG 4200. Foi utilizada água de um dos tanques de manutenção dos peixes, cuja resistividade variou de 300 a 325µS/cm, a fim de se reduzir o stress causado pela movimentação e manipulação dos mesmos. A Intensidade da tensão entre as placas é controlada e com isso é possível descobrir a reação do peixe sob a influência de um campo elétrico de intensidade estabelecida. B. Metodologia de teste Nos testes de eletrosensibilidade, cada indivíduo era testado individualmente e uma única vez, sendo utilizados lotes com vinte a trinta indivíduos para cada forma de onda estudada. Os testes nos quais o peixe pareceu muito estressado desde o início ou quando uma eventualidade externa influenciava de alguma forma o resultado, foram descartados. Segundo [1] a reação apresentada pelos peixes depende diretamente do tipo de campo aplicado (contínuo, alternado ou pulsante), sua intensidade e duração. Para as três formas de onda utilizadas, identificou-se basicamente 3 diferentes níveis de reação: • Sensibilidade: Qualquer alteração no estado em que o peixe se encontra, como movimento das nadadeiras laterais, dorsal ou caudal, alteração na freqüência respiratória ou mudança vagarosa de posição dentro do aquário. • Agitação: Movimento brusco do peixe. O peixe sai do estado de repouso e se coloca em deslocamento horizontal de forma muito rápida, como se tentasse fugir de algum predador ou perturbação, não conseguindo permanecer na mesma posição de conforto inicial. • Paralisia: O peixe já não consegue nadar de forma natural. Movimenta-se com ondulações largas. Os músculos da nadadeira caudal ficam enrijecidos, a nadadeira e esporão dorsal ficam eretos e a boca aberta. Neste estado nota-se que o peixe já não tem controle sobre a direção de seu deslocamento, suas nadadeiras ficam paralisadas e sua natação prejudicada. Deste modo, os testes de eletrosensibilidade foram conduzidos da seguinte maneira: um peixe ainda não testado era escolhido de forma aleatória e transposto para o aquário teste, onde permanecia por um período de três minutos para aclimatação. Passado este período, aumentava-se gradativamente a tensão aplicada entre as placas até que o peixe apresentasse as reações descritas anteriormente. Todos os testes foram filmados para análise mais detalhada dos eventos visando reduzir possíveis erros de interpretação das reações de cada indivíduo. THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 4 C. Resultados Obtidos Os peixes testados apresentavam comprimento e peso compatíveis com as de indivíduos em maturação sexual e que, segundo os agentes geradores de energia são os mais afetados pela operação de turbinas hidráulicas. Cada peixe testado forneceu três valores de campo referentes aos limiares de sensibilidade, agitação e paralisia. Por se tratar, porém, de animais de fundo e portadores de barbilhões, que são órgãos sensoriais bastante desenvolvidos, o limiar de sensibilidade para todas as formas de onda testadas apresentou valores bastante reduzidos e não serão apresentados, haja vista que tal reação não interessa para o desenvolvimento da barreira elétrica. Assim as curvas de resposta elétrica para as três formas de onda testadas são apresentadas a seguir. Campo Elétrico senoidal de 1000Hz necessários para que o Pimelodus maculatus apresente os estados de paralisia e agitação. Testes de 1000Hz Pulsada Alguns pesquisadores, como [2] sugerem que a utilização de tensões pulsadas é mais vantajosa pois possuem menores tempos de recuperação se comparadas às tensões alternadas, porém, necessitam de uma fonte de tensão contínua para operação. As curvas dos limiares de agitação e paralisia de Campo Elétrico[V/m] em função do comprimento e peso para o Pimelodus maculatus são apresentadas nas Fig. 5 e 6. Fig. 7. Curvas de eletrosensibilidade para tensão senoidal de 1000Hz em função do peso. Fig. 8. Curvas de eletrosensibilidade para tensão senoidal de 1000Hz em função do comprimento. Fig. 5. Curvas de eletrosensibilidade para tensão pulsada 1000Hz (duty cycle 50%) em função do peso. Fig. 6. Curvas de eletrosensibilidade para tensão pulsada 1000Hz (duty cycle 50%) em função do comprimento. Testes de 1000Hz Senoidal De acordo com [14] a utilização de uma freqüência de 1000Hz senoidal diminui os ferimentos causados por atordoamento elétrico, no caso de exposição a campos elétricos elevados. Assim, optou-se por testar os níveis de Testes de 60Hz Senoidal Segundo [1], certos níveis de tensões alternadas e pulsadas afetam o sistema nervoso central dos peixes, produzindo um estado de eletronarcose(paralisia completa), o que não ocorre com campos contínuos. Outra vantagem dos campos alternados é a inexistência de eletrotaxes e a possibilidade de tetania a maiores distâncias dos eletrodos. Assim sendo, se campos alternados de 60Hz produzirem as reações esperadas com níveis de tensões próximas às dos testes com formas de onda senoidais a 1000Hz, seria mais vantajoso utilizar 60Hz, já que esta representa a freqüência padrão do Sistema Elétrico brasileiro. As Fig. 9 e 10 apresentam o campo elétrico necessário para levar o Pimelodus maculatus aos estados de agitação e paralisia. D. Análise de Resultados A utilização de campos pulsantes diminui o tempo de recuperação dos peixes [2] e seus efeitos representam o meio termo entre a tensão alternada e a contínua [1]. Campos alternados geram reação de narcose elétrica mais rapidamente, o que pode ser vantajoso para a eficiência de uma barreira elétrica e, a utilização de campos elétricos a 1000Hz diminui THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 Fig. 9. Curvas de eletrosensibilidade para tensão senoidal de 60Hz em função do peso. 5 13,0V/m senoidal seria suficiente para provocar a mesma reação em um indivíduo do mesmo peso. Tensões pulsantes necessitam de uma fonte de tensão contínua (V dc) e por isso são bastante utilizadas em equipamentos de pesca elétrica, que são instrumentos portáteis que levam consigo bancos de baterias. Sendo os níveis de campo elétrico menores para a forma de onda alternada, partiu-se então para análise de qual a melhor freqüência a se utilizar: 1000Hz ou 60Hz. A análise das curvas de eletrosensibilidade para as três formas de onda utilizadas, sugerem que os níveis de campo elétrico necessários para agitar ou paralisar o Pimelodus maculatus são significativamente menores para campos senoidais de 60Hz, conforme Fig. 12. Possíveis explicações para tal fenômeno são o efeito pelicular que pode estar ocorrendo na passagem da corrente elétrica pelo peixe e o efeito da reatância capacitiva da água, que é menor que a do peixe. Uma observação importante é que os níveis de tensão utilizados nestes testes de eletrosensibilidade não foram suficientes para causar nenhum tipo de dano interno ou externo aos indivíduos experimentados. Fig. 10. Curvas de eletrosensibilidade para tensão senoidal de 60Hz em função do comprimento. os ferimentos causados por atordoamento elétrico, no caso de exposição a campos elétricos elevados. Assim sendo, é pertinente a comparação entre os níveis de campo elétrico necessários para provocar as reações desejadas para os campos pulsante e alternado de 1000Hz, conforme Fig. 11. A partir da análise da Fig. 11 nota-se claramente que os níveis de campo elétrico exigidos para que o Pimelodus maculatus entre em paralisia são significativamente maiores se utilizado campo pulsante. Seria necessário, por exemplo, um campo pulsante de 1000Hz de aproximadamente 24,6V/m para paralisar um peixe de 60g, enquanto que um campo de Fig. 12. Curvas de eletrosensibilidade para campos senoidais de 60Hz e 1000Hz sobrepostos. V. TESTES DE EFICIÊNCIA DA BARREIRA ELÉTRICA A. Aparatos de teste Os testes de eficiência da barreira elétrica foram realizados em um aquário circular, de dimensões apresentadas na Fig. 13. A barreira foi energizada utilizando-se sistema monofásico de 60Hz com nível de tensão constante através de um autotransformador variável. Foi criado ainda um sistema de atração de peixes através de fluxo contínuo de água utilizando-se uma bomba hidráulica de 1/2cv, altura manométrica total máxima de 12mca e vazão de 4,5m³/h. A barreira foi montada em uma estrutura de acrílico de dimensões (550x450x35)mm. Os eletrodos foram construídos com lâminas de aço galvanizado e fixados na estrutura através de abraçadeiras de nylon, como apresentado na Fig. 14. Fig. 11. Curvas de eletrosensibilidade para campos pulsantes e alternados de 1000Hz sobrepostas. THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 Fig 13. Tanque de teste de eficiência da barreira. Fig 14. Barreira Elétrica para repulsão de peixes A configuração dos eletrodos foi projetada de modo a se obter a melhor distribuição de campo elétrico na região da barreira, ou seja, os peixes deveriam se aproximar de forma ortogonal às linhas de campo elétrico, para que fosse garantida uma maior diferença de potencial no peixe. Assim, energizouse o eletrodo 1 (janela superior da barreira) com uma das saídas do autotransformador monofásico e o eletrodo 2 (janela inferior) com o outro pólo de saída. A distribuição de campo no entorno da barreira ficou então como mostrado na Fig. 15: Fig 15. Distribuição de Tensão e Equipotenciais na região da barreira elétrica (vista lateral) 6 B. Metodologia de Ensaio Os testes de eficiência da barreira elétrica foram realizados com tensão entre eletrodos de 10Vrms e forma de onda senoidal a 60Hz. Segundo as curvas das Fig. 9 e 10, utilizando-se um campo de 10V/m consegue-se reações bem próximas à paralisia para mandis de aproximadamente 40 gramas e 17 centímetros de comprimento (peso e comprimento médio dos peixes mantidos no laboratório), e para as condições de teste, de peixes se aproximando da barreira de forma gradativa, consegue-se tal amplitude sem o peixe ter que se aproximar muito da barreira, onde os níveis de campo são bem mais elevados. A senóide de 60Hz foi selecionada por ter apresentado os menores limiares de paralisia e agitação e pela facilidade em se utilizar tal freqüência já que este é o padrão adotado pelo Sistema Elétrico Brasileiro. Foram separados seis grupos de quinze indivíduos cada, sendo que três serviram como teste controle, no qual todo o procedimento de teste é realizado, porém a barreira não é energizada, o que confere aos testes efetivos (com barreira energizada) uma importante base de comparação e referência. Os quinze indivíduos eram soltos na Região 1 do tanque teste (vide Fig 16) onde permaneciam por 20 minutos para aclimatação. Após este período, energizava-se a Barreira Elétrica e retirava-se a tela que dividia as Regiões 1 e 3. A partir deste momento os peixes tinham, por 40 minutos, livre circulação por estas regiões a menos da barreira elétrica, que dificultava a migração. Como o a passagem pela barreira no movimento de descida (a favor do fluxo) também era de interesse da pesquisa, decidiu-se por seccionar o tanque, criando-se uma região inacessível para os peixes (Região 2). O estabelecimento desta região também foi importante para reduzir a área transitável do aquário, o que de certa forma aumentava a movimentação dos peixes na região da barreira elétrica. Diariamente eram feitos um teste controle e um teste efetivo, em um período do dia que não houvesse muita variação de temperatura e luminosidade, para que tais fatores não interferissem no comportamento dos peixes.Todos os testes foram filmados, já que a presença física de qualquer pessoa na sala de teste poderia influenciar na circulação dos peixes. Terminados os testes, os vídeos eram avaliados para análise do trânsito de peixes através da barreira. Fig 16. Tanque utilizado para teste de Eficiência da Barreira Elétrica(vista superior). THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 A contagem de indivíduos transitando pela barreira foi feita em intervalos de 5minutos para que se pudesse determinar o grau de adaptabilidade dos peixes à situação e quantificou-se o trânsito de indivíduos, ou seja, a quantidade de movimentos de passagem através da barreira, não analisando-se movimentos individuais de cada peixe. C. Resultados obtidos Todos os testes foram realizados no mesmo tanque e em dias consecutivos, sem que fosse reposta ou substituída a água, para que suas características não fossem muito modificadas. Assim, a temperatura e condutividade da água nos três dias de teste foram as seguintes: TABELA I TEMPERATURA E CONDUTIVIDADE DA ÁGUA NOS TESTES DE EFICIÊNCIA analisado, o trânsito de peixes pela barreira elétrica nos testes efetivos foi maior do que nos testes controle e, mesmo nos instantes em que a movimentação de indivíduos nos experimentos controle é alta, a quantidade de peixes que conseguiu atravessar a barreira energizada foi baixa. Outra importante observação que se faz a partir da Fig. 17 é a intensa movimentação dos peixes nos minutos iniciais do experimento controle, ou seja, os indivíduos inicialmente confinados na Área 1 do tanque buscam se acomodar e preencher melhor o espaço disponível, enquanto nos testes efetivos não se identifica tal padrão de movimentação. Este fato sugere que a barreira foi também efetiva no confinamento dos peixes na Área 1, e pode ser usada com este intuito em canais ou tanques de manipulação. VI. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES DA BARREIRA TEMPERATURA, θ(ºC) CONDUTIVIDADE, σ(µS/CM) 7 1º TESTE 2º TESTE 3º TESTE 21,8 22,7 23,5 310 324 307 Nos testes controle, contou-se um total de 81 transições pela barreira, sendo destes, 50 movimentos de subida (contra o sentido do fluxo de água) e 31 movimentos de descida (a favor do sentido do fluxo de água). Nos testes efetivos 10 transições pela barreira foram contados, sendo 6 movimentos de subida e 4 movimentos de descida. Levando-se em conta o trânsito total de indivíduos pela barreira, sua eficiência foi de 87,6%, que é uma taxa consideravelmente alta se comparada a outras barreiras comportamentais como apresentado por [15]. Para os movimentos de subida e descida, a eficiência é praticamente a mesma, com 88% e 87% respectivamente. A Fig. 17 apresenta um diagrama com a movimentação dos peixes nos testes controle e efetivos. Fig 17. Movimentação dos peixes pela barreira durante os testes controle e efetivos D. Análise de Resultados O gráfico da Fig 17 mostra que não há adaptabilidade dos peixes ao choque elétrico com o tempo. Prova disso é que a movimentação de indivíduos na primeira metade do teste foi superior à última metade. A comparação com o teste controle comprova a alta eficiência da barreira visto que em nenhum intervalo de tempo Este trabalho investigou o uso de campo elétrico sobre indivíduos de Pimelodus maculatus. Apresentou-se as curvas de eletrosensibilidade em função do peso e comprimento para esta espécie, contemplando reações que se chamou de Agitação e Paralisia. A obtenção de tais curvas é importante não só para aplicação em barreiras elétricas como também para outras finalidades como pesca elétrica, manipulação e manejo. Os níveis de campo necessários para causar reações de agitação e paralisia utilizando-se ondas pulsantes de 1000Hz foram maiores se comparados com ondas senoidais. A utilização de 60Hz senoidal reduziu ainda mais a amplitude necessária. Isso pode ter ocorrido devido ao efeito pelicular causado pela utilização da alta freqüência ou ainda devido ao efeito da reatância capacitiva da água, utilizada neste caso como condutor/dielétrico. Optou-se então por utilizar corrente senoidal de 60Hz para energização da barreira, pois, ao contrário da corrente DC, não provoca eletrotaxes nos peixes (reação de atração), é o tipo de tensão gerada na usina e necessita de amplitudes menores para paralisar o Pimelodus maculatus. Os testes de eficiência da barreira elétrica obtiveram resultados expressivos, com uma eficiência próxima a 88%, índice considerado alto se comparado com outras barreiras comportamentais como barreira de bolhas e luminosa(luz estroboscópica). Apesar de apresentar um bom índice de redução do trânsito de peixes, a barreira se mostra como uma armadilha para os peixes que a conseguem ultrapassá-la já que, de acordo com os resultados, movimentos de descida pela barreira também foram bastante reduzidos. Isso significa que grande parte dos peixes que conseguissem ultrapassá-la, ficariam “aprisionados” a montante do seu ponto de instalação. Mesmo assim sua utilização ainda conseguiria resultados animadores, já que os movimentos de subida são reduzidos em até 88%, ou seja, a quantidade e peixes que conseguem ultrapassar a barreira é baixa. A barreira elétrica proposta neste trabalho, poderá ser facilmente adaptada a plantas já em operação ou em construção. Poderá ser instalada em ranhuras semelhantes às utilizadas nas comportas tipo Stop-log ou até mesmo em trilhos(guias) afixados na saída do tubo de sucção das THE 8th LATIN-AMERICAN CONGRESS ON ELECTRICITY GENERATION AND TRANSMISSION - CLAGTEE 2009 máquinas, e representaria uma solução eficiente e de baixo custo de instalação, operação e manutenção para a redução de mortandade de peixes em usinas hidrelétricas. VII. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a todos que de alguma forma colaboraram para os testes e tornaram este estudo possível. Todo o grupo de Passagem de Peixes do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais pelo esforço conjunto e idéias inovadoras. VIII. REFERÊNCIAS [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] I.G. Cowx and P. Lamarque, Fishing With Electricity. Applications in Freshwater Fisheries Management, Fishing News Books, Oxford, 1990, 245 pp. D. J. Bird and I. G. Cowx, “The selection of suitable pulsed currents for electric fishing in fresh waters,” in Fisheries Research, 18 (1993) 363-376, Elsevier Science Publishers. B. Roth, A. Imsland, and D. Moeller, “Effect of Electric Field Strength and Current Duration on Stunning and Injuries in MarketSized Atlantic Salmon Held in Seawater”, North American Journal of Aquaculture 65:8-13, 2003. A. J. Kalmijn, ”The role of electroreceptors in the animal's life. 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Resumos...Igarapé: Associação Mineira de Aquicultura. pp 16-17, 1984. J. Lines and S. Kestin, “Electrical stunning of fish: the relationship between the electric Field strength and water conductivity,” Aquaculture [Online] 241 (2004), pp. 219-234. Available: http://www.sciencedirect.com G. R. Ploskey and P. N. Johnson, “Effectiveness of Strobe Lights and an Infrasound Device for Eliciting Avoidance by Juvenile Salmon,” in Behavioral Technologies for Fish Guidance, C. C. Coutant, American Fisheries Society, 2001, pp. 37-56. 8 IX. BIOGRAFIAS Flávio Nakamura Alves Silva. Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007), mestrando em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais na área de Compatibilidade Eletromagnética e Qualidade da Energia. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Sistemas de Energia, projetos elétricos de média tensão e subestações elétricas. Desenvolve pesquisa junto ao grupo de Passagem de Peixes no Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos da UFMG atuando principalmente nos seguintes temas: avaliação do comportamento de peixes submetidos a campos elétricos e desenvolvimento de barreiras elétricas para repulsão de peixes. Rafael Emilio Lopes. Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Atualmente é professor da Faculdade Pitágoras e Trabalhando como Engenheiro Eletricista da CBTU/STU-BH. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica, com ênfase em Teoria Geral dos Circuitos Elétricos, atuando principalmente nos seguintes temas: micro geração, peixes, eletrosensibilidade, impedimento de entrada de peixes em uhe`s e proteção de peixes em áreas de risco. Carlos Barreira Martinez. Possui graduação em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia Civil de Itajubá (1984), mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Itajubá (1988) e doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (1994). Atualmente é professor aassociado da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Hidráulica, atuando principalmente nos seguintes temas: pequenas centrais hidrelétricas, planejamento energético, mecanismo de transposição de peixes, avaliação energética e energia elétrica.