Intervenção no Seminário Nacional preparatório para o 13º Congresso do PCdoB, em maio de 2013 O mundo em transição e a nova luta pelo socialismo Ricardo Alemão Abreu I. A atual crise do capitalismo e o mundo em transição A situação internacional em franca deterioração, com a crise sistêmica e estrutural do capitalismo, crescente instabilidade e ameaças à paz, exige dos comunistas e das demais forças democráticas, progressistas e anti-imperialistas somar forças pela paz, pela soberania das nações, pelo progresso econômico e social e pelo socialismo. A crise acelera as alterações nas relações de poder na situação internacional, tão rápidas quanto importantes. As consequências geopolíticas da crise são muito relevantes e há uma nova relação de forças em formação no mundo. O Conselho Nacional de Inteligência dos EUA publicou um relatório recentemente, no qual preveem que os EUA vão continuar com sua hegemonia em declínio, e por isso necessitam reverter essa tendência. Segundo o mesmo relatório, em 2030 a economia da Ásia será maior que a dos EUA e a da União Europeia somadas. Historicamente, uma das maneiras de destruir forças produtivas e tentar superar a gravidade da crise é a guerra imperialista e o fomento do complexo industrial-militar. Há um novo impulso neocolonialista em curso no mundo. Obama adotou o smart power, e nova doutrina estratégica e de defesa. Há uma alteração do papel dos EUA nas guerras imperialistas, em relação aos aliados, com uma alteração do padrão da guerra, com mercenários de outras nacionalidades e novas tecnologias, como os drones. Atualmente vimos essa filme passar na Líbia, e agora na Síria. O detalhe é que esses filmes não são ficção de Holywood, são realidade estão tirando a vida de dezenas de milhares de pessoas e fazendo milhões de feridos e refugiados. A corrente crise capitalista não tem impactos homogêneos entre países e regiões do mundo. Uma importante novidade decorrente da crise atual do capitalismo é o fenômeno da ascensão econômica da China e dos demais países chamados BRICS, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Associado a esse, o fato de que nesses BRICS, em vários países da América do Sul, e em outros países em transição ao socialismo, o impacto da crise econômica atual ainda é muito menor que nos EUA, Europa e Japão. Nesses países, em especial na China e na Índia, a ênfase na proteção nacional e na valorização do mercado interno, e diferentes formas de planejamento estatal, propriedade social, e de capitalismo de Estado, criaram barreiras às ondas de propagação da crise. Novos polos geopolíticos de articulam. Uma articulação relevante na atualidade é a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que reúne a China, a Rússia e países vizinhos como Cazaquistão, para cooperação em temas de defesa, energia e desenvolvimento econômico. O Irã é observador na OCX. Outro polo de poder em construção é o processo de integração sul-americana, e latino-americana e caribenha. A luta anti-imperialista contemporânea se desenvolve tendo por base a luta dos trabalhadores e dos povos, e também por meio da luta dos países dependentes pelo desenvolvimento e pela independência nacional. Os países em desenvolvimento que lutam por soberania nacional e se fortalecem pelo desenvolvimento desigual do capitalismo, têm contradições objetivas com os países imperialistas, portanto têm um papel contrahegemônico que auxilia e cria melhores condições internacionais para a luta dos povos pela sua libertação nacional e social, cria melhores condições para a luta pelo socialismo em nossos países. II. A unidade dos comunistas e revolucionários e a frente anti-imperialista em nível internacional No período histórico atual, de defensiva estratégica do socialismo, além de uma maior unidade entre os comunistas, especialmente na ação, é necessária a construção de amplas frentes políticas e sociais tendo em vista a conquista da paz, da independência nacional e do progresso econômico e social. Algumas das lições que se deve extrair das primeiras experiências de construção do socialismo no século XX são as ideias de que a transição ao socialismo compreende etapas e fases, não é direta, e é mais complexa e prolongada; não há nem modelo único de socialismo nem caminho universal de conquista do poder político. A partir da teoria revolucionária marxista-leninista e do pensamento nacional avançado de cada formação econômica social específica, cada povo e cada força revolucionária construirá seu próprio caminho ao socialismo, e construirá o socialismo de acordo com a sua realidade nacional. O internacionalismo proletário e a as amplas alianças anti-imperialistas internacionais são fundamentais para os comunistas. Ao mesmo tempo em que valorizamos muito a necessidade de aumentar as relações de amizade e de cooperação entre as forças políticas comunistas, progressistas e anti-imperialistas, ressaltamos que a relação de intercâmbio e cooperação entre essas forças deve se dar na base da igualdade, do respeito mútuo (inclusive pela orientação política e programática de cada partido), e da não interferência em assuntos internos. Nosso Partido apoia e participa de fóruns e iniciativas com essas características, nos quais busca apresentar de maneira fraterna suas ideias, de forma respeitosa e buscando aprender com a experiência acumuladas de outros povos e de outros partidos. O principal compromisso internacional do PCdoB é com os partidos comunistas e revolucionários. Nesse sentido, pensamos que o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) é um espaço imensamente valioso que devemos preservar, como um rico espaço de intercâmbio de ideias, de amizade, de cooperação e de promoção da unidade de ação entre os comunistas de todo o mundo. Ao mesmo tempo é fundamental o intercâmbio e a unidade com forças políticas antiimperialistas e de esquerda, como é o caso da exitosa experiência latino-americana do Foro de São Paulo, que neste ano completou este ano 23 anos de existência. Com o mesmo espírito, observamos com grande atenção, tendo participado como observadores de suas duas edições, do All Africa Left Network Forum (ALNEF), convocado pelo Partido Comunista da África do Sul, com a participação de dezenas de países do continente africano, e de outros fóruns, seminários e inciativas de partidos amigos. III. As experiências atuais de transição ao socialismo permanecem e se renovam Nas atuais condições históricas, temos a convicção de que o socialismo não pode ser construído de forma imediata, sem mediações de etapas e fases. O exame atento da história mostra que a construção do socialismo e a evolução rumo a uma sociedade sem classes, o comunismo, será obra de muitas gerações. Trata-se de retomar a luta pelo socialismo nas novas condições do século XXI, por isso o conceito da “nova luta pelo socialismo”, criado pelo nosso Presidente Nacional, camarada Renato Rabelo. É preciso ressaltarmos a valiosa contribuição teórica e política para o marxismo e para o movimento revolucionário brasileiro, desse modesto e dedicado dirigente teórico, político e prático que é Renato Rabelo. O começo dos anos 1990 foi marcado pelas derrotas generalizadas da revolução e do socialismo, por dificuldades no soerguimento dos partidos comunistas e demais forças revolucionárias, num ambiente de desmoralização, descrédito e fracasso. Esse ambiente não está totalmente superado, a situação ainda é de defensiva estratégica, entretanto estamos vivendo um recomeço. E isso tudo somente 20 anos depois de uma grande derrota, o que não é muito em termos históricos. Ainda sobre o balanço das experiências socialistas do século XX, aprendemos que, por um lado, houve grandes êxitos econômicos, sociais, políticos e culturais, e de repercussão histórica internacional como a vitória contra o nazi-fascismo na II Guerra Mundial e a descolonização na África e na Ásia. Por outro lado, erros foram cometidos e devemos tirar lições de problemas que ocorreram. Muitos desses problemas ainda não foram completamente corrigidos e continuam a ocorrer nas atuais experiências de transição ao socialismo, e no pensamento e na ação das forças comunistas e revolucionárias no presente. Podemos citar problemas no campo da economia, como a excessiva centralização do planejamento e a negação do papel do mercado; a pouca inovação tecnológica, a baixa qualidade dos produtos e o relativo desabastecimento. No campo político, o burocratismo e a fusão Partido-Estado, e a pouca participação popular na gestão e nos temas estatais; a limitação das liberdades democráticas para o povo, e os abusos do aparato repressivo. O dogmatismo e o oportunismo no campo teórico. E a ingerência em outros países e partidos, usando como justificativa o internacionalismo. Claro que, apesar de todos esses problemas, o balanço é muito positivo. São inestimáveis as contribuições para a humanidade e para a civilização, que o pensamento marxista-leninista, o movimento comunista e as experiências de transição ao socialismo do século XX nos legaram. Nesse mesmo sentido é preciso reconhecer e valorizar as experiências socialistas que resistem e se desenvolvem na Ásia, na China, no Vietnã, no Laos e na Coreia Popular, e na América Latina, em Cuba, e perceber as novas potencialidades e processos revolucionários que estão despertando, sobretudo na América Latina, em países como a Venezuela, entre outros. A permanência e a renovação dessas experiências de construção socialista que tiveram início com revoluções no século 20 têm grande significado político e ideológico. Os êxitos e as conquistas dessas experiências demonstram a diversidade de caminhos e formas nacionais de processo revolucionário e de transição ao socialismo, e demonstram a superioridade do socialismo em relação ao capitalismo, em crise sistêmica e estrutural. Destaca-se o papel da República Popular da China, grande país dirigido pelo Partido Comunista, em transição ao “socialismo com particularidades chinesas”, ascende como importante país no cenário internacional, e objetivamente a ação internacional chinesa conjuga as bandeiras da paz e da cooperação para o desenvolvimento, bandeiras que interessam aos demais povos e nações do mundo. Em 2016 (previsão do FMI) ou 2020 (previsão do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA), a China será primeira economia do mundo. Os chineses constroem, a passos largos, um país avançado e cada vez mais próspero para seu povo. O 18º Congresso do PC da China, realizado em 2012, apontou como prioridades para o país, entre outras, a inovação como principal componente da economia e o desenvolvimento sustentável, com mais urbanização, política ambiental e qualidade de vida. O Vietnã vive um dinâmico processo de desenvolvimento econômico e social, em transição ao socialismo. Desde 1986, quando lançou a política de renovação de seu sistema político e econômico (Doi Moi), o Vietnã impulsiona uma economia de mercado com orientação socialista, e coleciona importantes êxitos. O 11º Congresso do PC do Vietnã, realizado em 2011, resolveu persistir com as linhas de renovação e “ser firme com os objetivos da independência nacional e do socialismo”. Além disso, propôs intensificar os esforços para “criar as bases para em 2020 o Vietnã se converta no fundamental em um país industrializado, no caminho da modernização”. O Laos é uma república de regime socialista que vive momento de grande crescimento econômico, mesmo com a crise capitalista internacional se agravando. O Laos tem uma economia planificada de mercado “no caminho do socialismo”, com uma ousada estratégia de industrialização e modernização, e de promoção da renda e do bem-estar dos trabalhadores. Em 2011 foi realizado o 9º Congresso do Partido Popular Revolucionário do Laos, e um dos objetivos aprovados foi inovar para “implementar a política de renovação; construir bases sólidas para superar o subdesenvolvimento em 2020, e avançar rumo ao socialismo”. A República Democrática Popular da Coreia é um país bloqueado economicamente há mais de 60 anos, desde quando foi vitorioso na guerra contra o imperialismo estadunidense, numa guerra que destruiu o país e tirou a vida de milhões de norte-coreanos. Desde então os EUA ameaçam militarmente a Coreia Popular, que levanta a bandeira de um acordo de paz e a proposta de reunificação confederada do país. Depois de uma recente Conferência do Partido do Trabalho da Coreia, o governo do país traçou o objetivo de manter os esforços para a defesa da soberania nacional, e ao mesmo tempo impulsionar a “revolução industrial, científica e tecnológica do século 21”, com metas de desenvolvimento e atualização das forças produtivas do país, visando o consumo popular e a melhoria da qualidade de vida do povo. Na América Latina, Cuba resiste vitoriosamente ao cerco imperialista e ao bloqueio econômico, financeiro e comercial que existe há mais de 50 anos, patrocinado pelos EUA. O 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado em 2011, aprovou as diretrizes para a atualização do modelo econômico e social do país, com a participação ativa da grande maioria do povo nos debates. Diz a resolução do Congresso do PC de Cuba que “só o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da Revolução, e que na atualização do modelo econômico será preponderante a planificação, e esta levará em conta as tendências do mercado”. O lema atual do PC de Cuba é “Unidos por um socialismo próspero e sustentável”. IV. A nova luta pelo socialismo na América Latina e Caribe A América Latina e o Caribe, e em especial a América do Sul, segue a tendência democrática, progressista e anti-imperialista apresentada nos últimos anos, e a região situase como um espaço de resistência e de alternativas, nas quais as mais avançadas proclamam o objetivo socialista. A participação em frentes políticas anti-imperialistas, democráticas e progressistas que governam parte importante desses países, permite os partidos comunistas e revolucionários da América Latina avançar na acumulação revolucionária de forças. Há uma diversidade de processos políticos em curso, e há também uma poderosa contraofensiva da direita local e do imperialismo. Mas, de conjunto, a atual tendência que se desenvolve na América Latina e Caribe tem um sentido antineoliberal e anti-imperialista comum, na busca de alternativas que superem o capitalismo dependente e fortaleçam projetos nacionais, em alguns países orientados para a transição ao socialismo. Uma das causas fundamentais para o êxito destas forças populares, patrióticas e progressistas, ao longo de nossa história continental, tem sido a unidade política. A partir da diversidade política e ideológica das forças de esquerda e progressistas na América Latina, e as diferentes realidades nacionais, alcançamos uma inédita unidade no processo político latino-americano, da qual o Foro de São Paulo é uma importante expressão. Como dizia o dirigente comunista peruano José Carlos Mariátegui, o socialismo, em nossos países latino-americanos, não pode ser decalque e nem cópia, deve ser criação heróica de nossos povos, ou não será. Assim foi a Revolução Cubana e assim está sendo sua atualização econômica e o aperfeiçoamento do socialismo cubano. Assim está se dando o processo de acumulação revolucionária de forças na Venezuela, na Bolivia e no Equador, onde há experiências mais avançadas. Apesar de serem economias predominantemente capitalistas, esses países da América do Sul contam com novas Constituições que afirmam a orientação socialista, há elementos importantes de poder popular, e já se iniciou processo de socialização de parte dos meios fundamentais de produção. Com as mudanças na situação internacional e as sucessivas vitórias políticas e eleitorais das forças de esquerda e progressistas sul e latino-americanas, configura-se uma situação política inédita que permite, apesar da contra-ofensiva da direita local e do imperialismo estadunidense, uma reorientação e uma retomada dos processos de integração continental. Por fim, a estratégia socialista deve estar presente, na qualidade de rumo orientador, nos projetos nacionais e populares em curso na América Latina e Caribe e em nosso projeto de integração continental solidária. A integração solidária só será alcançada plenamente se estiver inserida como parte fundamental da luta pelo socialismo em cada país e em escala continental. Atualmente no Brasil e em parte importante da América Latina, lutamos pelo êxito de governos nacionais de orientação progressista e anti-imperialista, que representam uma parcela de poder e inauguram o desafio de construir não somente mais democracia, mas também um novo poder popular. Para isso, é necessário um diferenciado e prolongado processo de acumulação de forças, no qual uma das principais tarefas é a exigência de atualizar e renovar a teoria revolucionária, partindo de uma realidade concreta e específica, nacional e continental. Assim, como países e povos todos latino-americanos, mas com formações econômicas e sociais singulares, desenvolveremos caminhos originais e nacionais para alcançar a transição ao socialismo. Viva a luta dos povos contra o imperialismo, pela paz, pela soberania nacional e pelo desenvolvimento econômico e social! Como dizia o inesquecível João Amazonas, viva o Socialismo, futuro da Humanidade! Viva o Programa do PCdoB, caminho brasileiro para o Socialismo!