2017 Herança Multifatorial Profa Danielle Malheiros http://www.lgmh.ufpr.br/ Características dicotômicas versus quantitativas Todas as características de qualquer indivíduo pode ser divididas em dois tipos principais: Características descontínuas ou dicotômicas: o indivíduo tem ou não tem (mendelianas) Características contínuas ou quantitativas, que todos têm, mas em diferentes graus (estatura, o peso, a pressão sangüínea Fenótipos mendelianos podem ser divididos em classes fenotípicas distintas F2 Prop. Genotipica (1:2:1) aa Aa AA albino normal gametas A a A AA Aa a Aa aa Interação alélica: dominância 75% 25% Prop. Fenotipica 1:3 indivíduo sem albinismo ou albino Este tipo de variação, na qual o caráter apresenta apenas estados contrastantes, é chamado variação fenotípica descontínua (discreta) CARACTERES QUALITATIVOS 1866 – Gregor Mendel experimento com ervilha Parentais Variedade anãs x variedade alta F1 F2 Todas altas 1/4 anãs 3/4 altas ? 1760 – Joseph Kölreuter experimento com tabaco Parentais F1 F2 Variedade anãs x variedade alta Todas médias Anãs intermediárias altas 1a tentativa para explicar – 1 gene com dominância incompleta Caso hipotético para a coloração de flores (dominância incompleta) a) Controle em um locus (n=1) P Vermelha Branca AA aa F1 Cor intermediária Aa autopolinizada F2 Resumo dos resultados da F2 2 1 0 Genótipos AA (1) Aa (2) aa (1) Proporção fenotípica 1 2 1 Vermelha Rosa Branca Alelos ativos Fenótipo gametas A a A AA Aa a Aa aa Caráter simples: Cor de flores Dominância incompleta Distribuição descontínua Ainda não explica a ampla gama de fenótipos encontrados na altura das plantas de milho Ampla gama de fenótipos e não apenas 3 classes distintas b) Controle em dois locus (n=2), dominância incompleta P1 F1 Vermelha Branca AABB aabb gametas AB Ab aB ab AB AABB AABb AaBB AaBb Ab AABb AAbb AaBb Aabb aB AaBB AaBb aaBB aaBb ab AaBb Aabb aaBb aabb Cor intermediária F2 AaBb autopolinizada 4 3 2 1 0 Genótipos AABB (1) AABb (2) AaBB (2) AaBb (2) AAbb (2) aaBB (2) Aabb (2) aaBb (2) aabb (1) Proporção fenotípica 1 4 6 4 1 Fenótipo Vermelha Vermelha claro Intermediária rosa clara Branca Alelos ativos c) Controle em três locus (n=3) P1 F1 Vermelha Branca AABBCC bbaacc Cor intermediária AaBbCc autopolinizada F2 gametas ABC ABc AbC aBC Abc aBc abC abc ABC ABCABC ABcABC AbCABC aBCABC AbcABC aBcABC abCABC abcABC ABc ABCABc ABcABc AbCABc aBCABc AbcABc aBcABc abCABc abcABc AbC ABCAbC ABcAbC AbCAbC aBCAbC AbcAbC aBcAbC abCAbC abcAbC aBC ABCaBC ABcaBC AbCaBC aBCaBC AbcaBC aBcaBC abCaBC abcaBC Abc ABCAbc ABcAbc AbCAbc aBCAbc AbcAbc aBcAbc abCAbc abcAbc aBc ABCaBc ABcAbc AbCaBc aBCaBc AbcaBc aBcaBc abCaBc abcaBc abC ABCabC ABcabC AbCabC aBCabC AbcabC aBcabC abCabC abcabC abc ABCabc ABcabc AbCabc aBCabc Abcabc aBcabc abCabc abcabc Alelos ativos 6 5 4 3 2 1 0 AABBCC(1) aBCABC(2) ABcABC(2) AbCABC(2) ABcABc(1) AbCAbC(1) aBCaBC(1 AbcABC(2) aBcABC(2) abCABC(2) AbCABc(2) aBCABc(2) aBCAbC(2) AbcABc(2) aBcABc(2) abCABc(2) AbcAbC(2) aBcAbC(2) abCAbC(2) AbcaBC(2) aBcaBC(2) abCaBC(2) AbcAbc(1) aBcaBc(1) abCabC(1) abcABc(2) abcAbC(2) abcaBC(2) aBcAbc(2) abCAbc(2) abCaBc(2) abcAbc(2) abcaBc(2) abcabC(2) abcabc(1) Proporção fenotípica 1 6 15 20 15 6 1 Fenótipo Vermelha Genótipos Branca Um fenótipo parece misturar-se imperceptivelmente com o seguinte: variação contínua Este tipo de variação, na qual o caráter apresenta variação gradual, é chamada de variação fenotípica contínua CARACTERES QUANTITATIVOS HERANÇA POLIGÊNICA Imaginou-se que as características poligênicas não eram mendelianas, ou seja, não segregavam como fatores mendelianos simples…. Por quase 20 anos, biólogos lutaram para conciliar a complexidade de características quantitativas com a simplicidade da teoria de Mendel A hipótese dos genes múltiplos 1909 – H. Nilsson – Ehle (Suécia) Branco aabbcc Vermelho escuro AABBCC AaBbCc Vermelho intermediário 0 alelos pig 6 alelos pig Cada classe de F2 leva um número diferente de alelos contribuintes de pigmento Herança da cor de grãos em trigo. Três genes que se distribuem independentemente (A, B e C) supostamente controlam a cor dos grãos. Cada gene tem 2 alelos. Os alelos para pigmentação (em letras maiúsculas) são semidominantes em relação aos alelos para falta de pigmentação (em letras minúsculas). O trabalho de Nilsson – Ehle mostrou que um padrão complexo de herança podia ser explicado pela segregação e distribuição de vários genes e alelos. Uma característica de herança complexa não apresenta as proporções mendelianas simples, mas segue as mesmas leis. Pontos importantes: Herança poligênica é um tipo de herança, na qual participam dois ou mais pares de genes com segregação independente, resultando em um efeito cumulativo de vários genes envolvidos, cada um contribuindo com uma parcela para a formação da característica. Na determinação do caráter quantitativo existem vários genes e alelos com efeito cumulativo: efeito aditivo Controle em dois locus - COR DA PELE EM HUMANOS Como explicar as várias tonalidades entre brancos e negros? Davenport (1913), sugeriu que 2 genes determinam a cor da pele: Característica é determinada pelo efeito aditivo dos vários alelos A = B : + melanina a = b : - melanina 2 genes 5 categorias de coloração da pele humana. Fenótipos Genótipos Branco aabb Pardo claro Aabb, aaBb Pardo médio AAbb, aaBB, AaBb Pardo escuro AABb, AaBB Negro AABB Há uma variação contínua ou gradual, o que significa que entre os extremos (negro e branco) existem diversos fenótipos intermediários. Resultados genotípicos e fenotípicos que seriam obtidos a partir do cruzamento de dois indivíduos pardos médios, duplo-heterozigotos: Pardo médio Pardo médio Pardo escuro Pardo escuro Pardo escuro Pardo médio Fenótipos Pardo escuro Pardo médio Pardo médio Pardo médio Pardo médio Pardo claro Pardo claro Pardo médio Pardo claro Pardo claro 1/16 : 4/16 : 6/16 : 4/16 : 1/16 B PC PM PE N Estima-se que cerca de 20 genes contribuam para a determinação da cor da pele em seres humanos!!! Alguns exemplos de características poligenicas e multifatoriais: Altura Peso Vigor geral Tamanho do corpo Cor da pele Cor dos olhos Pressão arterial Malformações congênitas Aspectos comportamentais Inteligência Susceptibilidade a doenças (depressão, distúrbio bipolar, estresse, esclerose múltipla,câncer, diabetes, doenças do coração, autoimunes…) .. . Grande maioria das características de importância evolutiva, econômica, clínica….. Existem 2 tipos de herança multifatorial: 1. Características que variam continuamente na população; 2. Características que se manifestam quando é ultrapassado um um limiar genético subjacente Características de variação contínua tais como tamanho, altura, peso, pressão são controlados por vários fatores, tanto genéticos quanto ambientais Existem características descontínuas que também são multifatoriais Ex.: algumas pessoas nascem com fenda labial. Sabe-se que esta condição se deve a fatores genéticos e ambientais, mas ela não é uma característica quantitativa no sentido usual Pessoas a expressam ou não A manifestação é descontínua Entretanto, os fatores genéticos e ambientais que predispõem uma pessoa a apresentá-la variam quantitativamente Herança com limiar Quando a variável subjacente excede um determinado nível, a característica aparece Este tipo de característica é chamada de característica com limiar normais AABBCCDD….. aabbccdd….. Algumas pessoas possuem alelos que as predispões a desenvolver a fenda labial. Há, de fato uma tendência genética a desenvolver a condição. Só nas pessoas cuja tendência ultrapassa o limiar de fato estão em risco Há um acúmulo de alelos de susceptibilidade, predisposição Limiar O conceito de limiar é usado para explicar como as características poligênicas também podem ser dicotômicas Exemplos de doenças complexas com limiar • • • • • • • • • Artrite reumatóide Câncer Esclerose múltipla Obesidade Diabetes Asma alérgica Hipertensão Doenças cardíacas Doenças psiquiátricas: esquizofrenia, autismo... Determinada por um gene com pouca ou nenhuma influencia ambiental Característica controlada por vários genes Combinação de influências genéticas e ambientais Monogênica Poligênica Multifatorial Genética quantitativa Trabalho de Eduard W. East (1913) Estudou o tamanho da corola de flores do tabaco Em uma linhagem pura, o tamanho da corola tinha em média 41mm e em outra, tinha em média 93mm Entretanto, dentro de cada linhagem pura, East observou variação fenotípica Mas se eram linhagens puras, como explicar a variação fenotípica??? Herança do tamanho da corola em tabaco. Pelo menos 5 genes parecem estar envolvidos Segregação genética Variação genética Variação ambiental HERANÇA MULTIFATORIAL (QUANTITATIVA) VF = VG + VA Influências ambientais Como estudar características quantitativas? Recorre-se a um modelo de análise baseado em descrições estatísticas da fenótipo em uma população Média (x̅ ou μ) – centro da distribuição Variância (s2) – dispersão dos dados ao redor da média Desvio padrão (s) – raiz quadrada da variância 1 - coletar os dados (constituir a amostra) 2 – representá-los graficamente como uma distribuição de freqüência Altura, em centímetros, de 60 alunos. Média e variância de uma distribuição Tempo de maturação do trigo linhagens parentais puras (homozigotas) Linhagem A – amadurece rápido Linhagem B – amadurece lentamente as distribuições em F1 e F2 indicam que estas populações tinham tempos de maturação intermediários a distribuição F2 reflete a segregação genética que ocorre quando as plantas F1 são produzidas Objetivo da descrição: divisão da variação observada na característica em componentes genético e ambiental decomposição da variação fenotípica quanto da variação é devida a diferenças genéticas e quanto é devida a causas ambientais VF = VG + VA Utiliza-se a variância s2F = s2G + s2A Variancia fenotípica (VF) total = 14,26 dias Para estimar a VA podemos usar os dados da população parental e de F1 – são geneticamente uniformes Portanto, a variabilidade dentro de cada uma destas 3 populações reflete diferenças resultantes do efeito ambiental VA = (VA+VB+VF1)/3 (1,92+2,05+2,88)/3 = 2,28 dias Como temos a VA, podemos calcular a VG por subtração VF = VG + VA Isolando VG: VG = VF - VA VG = 14,26 – 2,28 = 11,98 dias VF = VG + VA 14,26 dias = 11,98 dias + 2,28 dias Significa que a maior parte da variância no tempo de maturação de F2 se deve a diferenças genéticas entre os indivíduos Qual a utilidade em se decompor a variação fenotípica? Sabendo os valores de VG e VA, podemos calcular a herdabilidade (H2) da característica Herdabilidade – parâmetro genético que nos dá idéia de quanto de uma variação fenotípica é devida a causas genotípicas H2 = VG VF = VG VG + VA Herdabilidade no sentido amplo H2 varia de 0 a 1 Se próxima de 0 – pouco da variabilidade é atribuível a diferenças genéticas Se próxima de 1 – a maior parte da variabilidade é atribuível a diferenças genéticas Na população F2 do trigo: VF = VG + VA 14,26 dias = 11,98 dias + 2,28 dias H2 = VG = 11,98 VG + VA 14,26 = 0,84 Interpretação Este resultado nos diz que 84% da variabilidade observada no tempo de maturação do trigo se deve a diferenças genéticas entre indivíduos O restante da variação (16%) é uma função da resposta dos indivíduos à variação do ambiente Herdabilidade A herdabilidade é a proporção da variância fenotípica que é atribuível à variância genética O que a herdabilidade responde é: quanto das diferenças entre os indivíduos resultam de diferenças genéticas entre eles, e quanto resulta de diferenças ambientais? Pontos importantes A herdabilidade é propriedade de um caráter, em uma população em um determinado ambiente. Isto não pode ser extrapolado. Dizer, por exemplo, que a herdabilidade do tempo de maturação do trigo é 84% está errado – é somente na população que calculamos Portanto, populações diferentes podem ter valores diferentes de herdabilidade A herdabilidade NÃO indica o grau em que uma característica é geneticamente determinada. A herdabilidade indica o grau em que os genes determinam a variação em uma característica. EXERCÍCIO EXERCÍCIO VF = VG + VA H2 = VG VF 5,44 = VG + 3,33 VG = 0,37 H2 = 2,11 = 0,37 5,44 Herdabilidade no sentido amplo H2 = VG VG + VA VG – inclui todos os fatores que fazem com que os genótipos exibam fenótipos diferentes: efeitos dos alelos individuais as relações de dominância entre os alelos interações epistáticas entre genes Capacidade de fazer previsões de como serão os fenótipos depende do tipo de interação entre os alelos Portanto, a variação que resulta de dominância e epistasia tem pouco poder preditivo Ex.: tipo sanguíneo ABO (VF=VG) Por causa da dominância dois indivíduos com o mesmo fenótipo pode ter genótipos diferentes Tipo A : IAIA ou IAi Sendo assim, se duas pessoas do tipo A tiverem filho, não podemos prever exatamente que fenótipo o filho terá (A ou O) A dominância nos impede de fazer uma previsão exata!! Nossa capacidade de fazer previsão melhora quando os genótipos não são confundidos por dominância Ex.: cor das flores (branca, vermelha, rosa) (VF=VG) aa – branca Aa – rosa Fenótipo depende do número de A – efeito aditivo AA - vermelha Podemos saber exatamente qual será o resultado dos cruzamentos Agora podemos decompor a variância genética: Va = variância genética aditiva Vd = variância de dominância Existe ainda a variação devida a efeitos epistáticos, que, como a dominância, são de pouca ajuda na previsão de fenótipos Ve = variância epistática Juntos, estes três componentes constituem a variância genética total: VG = Va + Vd + Ve VG = Va + Vd + Ve Lembrando: VF = VG + VA Portanto: VF = Va + Vd + Ve + VA VF = Va + Vd + Ve + VA Destes 4 componentes só a Va é útil em prever os fenótipos da prole a partir dos fenótipos dos seus genitores Esta variância, como fração da variância fenotípica total é denominada de herdabilidade no sentido restrito h2 = Va VF HERDABILIDADES NO SENTIDO AMPLO RESTRITO H2 = VG VF h2 = Va VF E o que podemos fazer conhecendo a herdabilidade? 1. PREVER O FENÓTIPO DA PROLE 2. SELEÇÃO ARTIFICIAL (MELHORAMENTO GENÉTICO) Previsão de fenótipos Considere a seguinte situação a respeito de valores de QI: Marcio e Fernanda fizeram teste de padrão de inteligência (QI) QI Marcio = 110 QI Fernanda = 120 QI médio da população = 100 Marcio e Fernanda tiveram um filho - Orlando - que foi dado para adoção. Os pais adotivos querem saber o QI de Orlando. Se o QI não tivesse componente genético, qual seria a melhor estimativa para o QI do Orlando? A média da população = 100 Entretanto, vários estudos indicaram que a variação nos valores de QI têm componente genético Estimativas da herdabilidade do QI = 0,4 Significa que 40% da variação observada nos valores de QI se deve aos efeitos aditivos dos alelos Podemos usar esta estatística juntamente com os QIs dos pais para prever o valor do QI do Orlando. A melhor estimativa é: QIO= μ + h2 [QIM + QIF] – μ 2 QIO= μ + h2 (QIP– μ) Diferença entre o valor médio dos pais e a média da população Substituindo: QIO= 100 + 0,4 (115 – 100) QIO= 106 T = QI A herdabilidade no sentido restrito traduz a diferença entre o valor médio parental e a média da população 115 – 100 = 15 x 0,4 = 6 Diferença herdável M=Marcos F=Fernanada O=Orlando P=Pais Adicionando esse valor à média podemos prever o fenótipo da prole 6 + 100 = 106 A herdabilidade no sentido restrito nos diz a proximidade com que a prole se assemelha com a média dos pais Considerações importantes O valor do QIO é um valor preditivo Se procurássemos centenas de casais com QI médio parental de 115, seria esperado que os QIs dos filhos formassem uma distribuição de frequencias, cujo valor médio seria 106 Entretanto, existiriam crianças com QI mais altos ou mais baixos, ou até mesmo mais alto que os valores dos pais Isso se deve à segregação mendeliana dos alelos que influenciam o QI e de fatores do ambiente Em ambiente sem estímulo, o QI do Orlando pode ser inferior a 106 Em ambiente com muito estímulo, o QI do Orlando pode ser superior a 106 EXERCÍCIO Referências bibliográficas • Snustad e Simmons. Fundamentos de Genética. 4ª ed. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008. • Anthony J. F. Griffiths. Introdução a genética . 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.