A África clama por solidariedade

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A África clama por solidariedade
Escrito por Marcelo Barros e Arcelina Helena
Nós, brasileiros, temos uma dívida social com a África que nos ajudou a construir o nosso país.
Depois da guerra, por exigência da justiça internacional, os judeus foram "indenizados" por
tudo o que perderam na perseguição nazista. A África nunca foi indenizada pelas invasões,
pelo colonialismo e pela estrutura escravagista que seqüestrou milhões de seus filhos. Como
crentes no Deus da vida, somos chamados a inventar novas formas de solidariedade que seja
força de ressurreição para o continente africano.
Em especial neste tempo pascal e nesta semana proclamada pela ONU de "Solidariedade
Internacional aos povos da África". Na beira do Lago Vitória, no Quênia, ali mesmo onde foram
encontrados os mais antigos fósseis do ser humano, vilas inteiras foram transformadas em
cidade de crianças. Não se trata de alguma imitação africana da Disneylândia. Apenas a triste
realidade de vilas, onde todos os adultos já morreram vítimas da AIDS. As crianças seguem
sobrevivendo, muitas delas também doentes, sem assistência médica, sem escola, sem afeto,
sem comida. As crianças mais velhas vão assumindo as funções de adultos e cuidando dos
irmãozinhos como podem. Ali mesmo onde, presumidamente, começou a história da
humanidade, nossa desumanidade poderá assistir, silenciosamente, ao começo do fim. A
muitos quilômetros do lago, em Nairobi, capital do Quênia, em Nyumbani, há um orfanato
modelo, cuidadosamente administrado pelo médico jesuíta Ângelo D'Agostino. Aí, 80 crianças
portadoras do vírus da AIDS vivem em alegres chalés, recebem boa alimentação, vão para
escola. Aparentemente vivem felizes. Mas têm o mesmo destino das crianças do Lago Vitória e
da periferia miserável de Nairobi. Sem o coquetel para o tratamento da AIDS, elas não têm
nenhuma chance de viver. As estatísticas sobre a epidemia de AIDS são tão trágicas no
Quênia quanto em todos os países da África sub-equatorial. A tragédia da doença se alastra
com rapidez entre a população debilitada pela fome, pela ignorância, falta de informação e
carência de tudo, principalmente de medicamentos. Em alguns países, a epidemia chega a
atingir 30 por cento da população.
A África, no entanto, não é um continente pobre. Tem riquezas como petróleo e pedras
preciosas. Mesmo com adversidades climáticas e terras pobres, os africanos viveram bem
durante milhares de anos até que chegou o homem branco. Países europeus que tomaram o
governo e as terras da África até o último século, utilizaram os africanos para fazê-los trabalhar
gratuitamente, e se apossaram de suas minas e riquezas.
A partir dos anos 50, os países africanos conseguiram a independência. Os colonizadores, no
entanto, deixaram na África fronteiras artificiais que deram origem aos novos países.
Separaram grupos humanos pertences às mesmas tribos, com dialetos e costumes comuns; e
mantiveram, através de legislação imposta aos novos governos, a hegemonia européia. Isso
gerou violento processo de segregação racial na qual o africano é considerado inferior em sua
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própria pátria. As conseqüências são guerras, massacres, genocídios entre os próprios
africanos. E uma estrutura social injusta: no Zimbábue, por exemplo, 2% da população branca
detêm a quase totalidade das terras e da economia. Esses países, os mais pobres do mundo,
não podem pagar o preço exigido pelas indústrias farmacêuticas pelos medicamentos
necessários para enfrentar a epidemia da AIDS. E clamam, com direito e justiça, a
solidariedade do mundo, especialmente dos países que os exploraram e têm com eles uma
dívida social e ética.
No momento, a África coloca suas esperanças de sobrevida de seus povos nos países que
estão produzindo versões genéricas dos medicamentos do coquetel anti-AIDS a preços bem
mais reduzidos do que os oferecidos pelas poderosas indústrias farmacêuticas. Entre esses
países está o Brasil. Na Assembléia Mundial de Saúde, da Organização Mundial de Saúde
(OMS), o Brasil tentou, mais uma vez, na semana passada, defender a produção de genéricos
contra a AIDS e mais uma vez bateu de frente com o poderoso lobby da indústria farmacêutica.
E'preciso apoiar essa iniciativa brasileira contra a insensibilidade das indústrias para as quais
vidas humanas valem
menos que o lucro.
Em visita à África, o papa João Paulo II pediu perdão pela cumplicidade que no passado a
Igreja Católica viveu com o sistema escravagista. Em 1992, bispos católicos da América Latina
reconheceram a dívida que a Igreja e nossos países têm para com a África. Mas, não adianta
apenas pedir perdão. É necessário nos mobilizarmos em ações concretas de solidariedade. Na
África, muitos brasileiros têm suas raízes familiares e espirituais. Hoje, muitos cristãos
brasileiros procuram descobrir nas raízes africanas, uma nova forma de viver a fé bíblica, um
novo sopro de espiritualidade. Um místico africano do século XII escreveu: "Meu coração
tornou-se capaz de qualquer forma de oração. É convento para os cristãos, Caaba do
peregrino, tábuas da lei judaica e Corão para o muçulmano. A minha fé é a solidariedade".
Disponibilizado pela CNBB em Fev/04
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