VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil Estudo dos efeitos da precipitação pluviométrica sobre a escarpa de Salvador ao longo de 450 anos Rosana Muñoz(UFBA) Engenheira civil, doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora da Faculdade de Arquitetura da UFBA, pesquisadora do NTPR – Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração, ligado à Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA. [email protected] TEMA Este trabalho trata da influência da precipitação pluviométrica nos desastres com escorregamentos de terra ocorridos na escarpa de Salvador, portanto, na sua conformação urbanística, de 1550 a 2006. INTRODUÇÃO Salvador, a primeira capital do Brasil, foi fundada para controle do território conquistado pelos portugueses nos pontos mais altos da encosta originada por uma falha geológica denominada Falha de Salvador que, historicamente, divide a cidade em duas: Cidade Alta e Cidade Baixa. Pela sua posição topográfica inicial, Salvador presenciou vários desastres decorrentes, entre outras causas, de corrimentos de terra da “Montanha”, denominação dada, no século XIX, à escarpa. Já em 1550, aproximadamente um ano depois de sua fundação, ocorre o primeiro acidente, registrado na carta de Luís Dias a Miguel de Arruda, datada de 13 de julho de 1551, em que parte dos muros primitivos de defesa da Cidade ruiu em função de um grande temporal (SIMAS FILHO, 1998). Desde aquele ano, vários outros desastres se sucederam, tendo como resultados perdas materiais, humanas e históricas. Muitas edificações públicas e particulares desabaram. Algumas foram reconstruídas, mas outras desapareceram levando consigo parte da conformação urbanística, da memória e do que seria hoje patrimônio cultural da Bahia. Segundo pesquisas bibliográficas, os altos índices pluviométricos que atingem a Cidade entre março e julho são os principais responsáveis pelos desastres registrados em Salvador. OBJETIVO O objetivo deste trabalho é avaliar a influência da precipitação pluviométrica na ocorrência de desastres oriundos de escorregamentos de terra, de 1550 até 2006, em um trecho de grande interesse cultural e VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil patrimonial da Falha de Salvador, compreendido desde o Forte de São Pedro até a Lapinha e paralelo ao contorno da Baía de Todos os Santos. METODOLOGIA E INFORMAÇÕES UTILIZADAS A avaliação da influência da precipitação pluviométrica será dividida em duas partes: a primeira, a ser realizada de forma qualitativa, abrangerá os desastres ocorridos de 1550 a 1963; e a segunda, de forma quantitativa, de 1964, quando se tem os primeiros dados de chuvas registrados em Salvador, a 2006. Para a realização desta última, previamente foi feito um estudo estatístico descritivo com dados de chuva obtidos de 1964 até 2006, fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), cujos resultados e análises serão apresentados no decorrer do trabalho final. A análise quantitativa será feita considerando a chuva precipitada na data do escorregamento, comparada à média diária, assim como a acumulada nos cinco dias precedentes aos desastres, segundo estudo já realizado e a ser apresentado no trabalho final. Cabe aqui ressaltar que não somente a precipitação pluviométrica desencadeia escorregamentos de terra; vários outros fatores naturais e antrópicos potencializam essa ação. Enfatiza-se, porém, que, segundo Muñoz (2009), a chuva é o principal destaque nesses eventos. De opinião semelhante, Guidicini e Nieble (1983) atribuem à chuva o aspecto mais significativo a ser considerado na análise de condições que conduzem à ocorrência de escorregamentos de terra. Para Cunha e outros (1991), a água das chuvas pode atuar na desestabilização de um talude de diversas formas: pela elevação do grau de saturação nos solos, diminuindo suas resistências; pelo aumento do peso específico do solo devido à retenção de parte da água infiltrada; e pela introdução, em vazios, fissuras, trincas e juntas do maciço ou parte dele, de pressões hidrostáticas ou hidrodinâmicas que podem levar à ruptura do talude. Para a elaboração deste trabalho, foram consultados diversos documentos primários existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia e no Arquivo Municipal de Salvador, dos séculos XVIII ao XX; falas e relatórios de presidentes da Província; documentos do Arquivo Histórico Ultramarino e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; livros e periódicos raros; relatórios existentes na CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia e na Prefeitura Municipal do Salvador; além de dados fornecidos pelo INMET e imagens de frontispícios da Cidade do Salvador; entre outros. RESULTADOS A análise realizada permitiu concluir que a contribuição das chuvas nos escorregamentos dá-se não somente nos dias de chuva intensa, mas já nos dias precedentes em que se iniciam a infiltração e o VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil acúmulo de água no solo. Apesar da média dos meses de maior precipitação, durante o período de 1990 a 2005, ter ficado em torno ou abaixo da média mensal para os três meses, foram observados desastres. Assim sendo, pode-se concluir que não há um valor mínimo ou padrão de precipitação pluviométrica que dispare os escorregamentos. Dos 48 desastres catalogados de 1550 até 2006, envolvendo escorregamento de terras, 80% têm suas causas atreladas aos elevados índices pluviométricos que atingiam e atingem a Cidade, principalmente nos meses de abril, maio e junho. De acordo com um estudo preliminar de solos realizado na área, observou-se, em alguns lugares, o afloramento da rocha e a grande profundidade do nível d’água, atestando que o problema dos escorregamentos em Salvador não ocorre em função da elevação do nível do lençol freático quando da ocorrência de chuvas, e sim pela ação da frente de umedecimento. CONCLUSÕES A configuração topográfica da área onde foi fundada a Cidade do Salvador, na cumeada da montanha, assegurou-lhe, por um lado, uma posição de defesa do seu perímetro urbano ante os inimigos, mas, por outro, transformou-a em palco de escorregamentos de terra que levavam consigo edificações públicas e particulares e muitas vidas humanas. As chuvas, variáveis independentes e de comportamento não uniforme, modificaram o perfil da escarpa ao longo dos anos, alterando o frontispício da Cidade, em função de sucessivos desabamentos de taludes e de edificações. Apenas ações humanas poderiam diminuir a vulnerabilidade da área nos períodos mais críticos. Após a construção de uma grande contenção, em alvenaria de pedra, nas ladeiras da Misericórdia, da Conceição e da Montanha, no fim do século XIX; da execução de uma cortina de concreto na Avenida Contorno, em meados do século XX; e do implemento de ações governamentais de preservação das encostas; observou-se uma diminuição do número de desastres na área, deixando mais tranqüila a população das cidades Alta e Baixa nas épocas das grandes chuvas que atingem Salvador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUNHA, M. A. (Coord.); FARAH, F; CERRI, L. E. S; GOMES, L. A.; GALVÊS, M. L.; BITAR, O. Y.; AUGUSTO FILHO, O.; SILVA, W. S. DA. Ocupação de Encostas. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1991. GUIDICINI, G.; NIEBLE, C. M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. São Paulo: Edgard Blücher, 1983. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA - INMET. Dados pluviométricos de 1964 a 2006 para a Estação Ondina. Salvador, 2006. Meio magnético. VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil MUÑOZ, R. Acidentes e desastres em um trecho da Falha de Salvador: um estudo na busca da preservação dos edifícios de interesse cultural. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009, 854 p., 3 volumes. SIMAS FILHO, A. A propósito de Luís Dias, mestre das obras da Cidade do Salvador e decano dos arquitetos do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Mattos, 1998.