TEMA 8 – Estudos de capacidade vetorial: biologia, ecologia, interação e competência. Estudos relacionados a biologia e ecologia de mosquitos vetores bem como a detecção de possíveis avanços adaptativos são necessários para a atualização dos conhecimentos de espécies em ambiente modificado. Tais estudos visam fornecer subsídios ao conhecimento das espécies transmissoras dos vírus da dengue, e possíveis implicações da convivência dessas com o homem, isto posto relatamos abaixo os resultados de alguns estudos. O ambiente ecológico inclui tanto fatores bióticos quanto abióticos. Cada qual podendo afetar a capacidade de uma espécie sobreviver e se reproduzir e, deste modo, determinar parcialmente sua persistência em um determinado local. Macoris (2011) relata a existência de alto grau de diversidade genética entre populações de Ae. aegypti do estado de São Paulo. Tais resultados sugerem distintas introduções de populações de mosquitos nos municípios estudados. Em que pese os resultados desse estudo estar relacionado a mosquitos resistentes a inseticidas, observou-se que após o estabelecimento nas regiões de estudo, estas evoluíram distintamente, sob influência regional. Sob o ponto de vista ecológico, o termo população designa conjunto de organismos da mesma espécie que vive numa determinada área. A densidade de mosquitos, entre outros aspectos constitui um dos parâmetros que contribui para a determinação da capacidade vetorial dos mosquitos (Forattini, 2004). O tamanho populacional é importante componente da biologia e ecologia da espécie, porém este será tratado mais detalhadamente em outro item. Na fase larvária o aumento da densidade é prejudicial ao desenvolvimento larval, quando comparada às demais fases do desenvolvimento, em função da disponibilidade de alimento. Este efeito justifica-se por ser esta a única fase de desenvolvimento do inseto a buscar alimento para seu crescimento (Serpa 2004). Para Beserra (2009) o efeito da densidade de Ae. aegypti imaturos e disponibilidade de alimento aponta uma relação negativa entre eles. Por outro lado o tamanho corporal das fêmeas pode refletir sua longevidade, fecundidade, razão de paridade e capacidade hematofágica, pois fêmeas mais longevas, com grande capacidade de sugar sangue, aumentam o tempo de contato com a população hospedeira, possibilitando maior dispersão do agente etiológico (Kitthawee & Upatham 1992, Briegel et al 2000, Gama et al 2005). A dispersão, estratégia de sobrevivência do mosquito Ae. aegypti limita-se, normalmente, à procura de outros domicílios num raio eficaz cuja amplitude não vai muito além de uma centena de metros, desde que encontre os recursos necessários(Otero et al., 2008). Maciel-de Freitas et al. (2007) encontrou uma média de vôo de fêmeas em torno de 100 metros em uma região com quantidades suficientes de criadouro e alimento. Freitas & Lorenço-de-Oliveira 2009, citam que populações de fêmeas de Ae. aegypti do Rio de Janeiro dispersaram naturalmente, em média, 288,12 m do ponto de soltura e o deslocamento máximo foi de 690 m; 50% e 90% das fêmeas voaram até 350 m e 500,2 m, respectivamente. Para Fantinatti et al. 2007, em condições favoráveis, essa espécie pode atingir distâncias consideráveis, realizando vários repastos antes de completar seu ciclo gonotrófico, contribuindo assim para o maior potencial de disseminação da virose. Em estudo realizado em município do Estado de São Paulo, endêmico para dengue, demonstrou que a maioria das fêmeas adultas de Aedes aegypti são encontradas no intradomicílio e que estas por sua vez já haviam realizado o repasto sanguíneo (Domingos 2005). Considerando-se a elevada antropofilia da espécie em meio urbano, 73,1% das fêmeas examinadas tiveram os humanos como única fonte de alimentação (Telles de Deus 2011). De maneira geral as condições climáticas são determinantes em todas as fases do ciclo de vida. O aumento de temperatura também diminui o período de incubação do vírus, 10 dias a 27ºC e 07 dias a 37ºC, consequentemente faz com que (Mendonça, 2003) o período de transmissão do vírus aconteça mais rápido. Soma-se ainda a diminuição do tempo de todo tempo do ciclo de desenvolvimento, já que o metabolismo do mosquito está acelerado, o que possibilita uma proliferação mais rápida e faz com que um mosquito possa ter mais ciclos gonotróficos do que o normal. Segundo Maciel-de-Freitas et al. (2008), apenas 26,3% das fêmeas seriam capazes de sobreviver mais do que dez dias, tempo equivalente à duração do período de incubação extrínseco. A determinação da competência ou infectividade nos mosquitos deve considerar a existência de fatores extrínsecos e intrínsecos. A literatura tem registrado variações na competência vetorial de Ae. aegypti para os vários sorotipos virais da dengue. Diversos são os fatores que interferem nessa situação, dentre os quais está o comando genético (Romero-Vivas e col. 1998). Christofferson e Mores (2011) estabeleceram um índice de deslocamento para caracterizar as diferenças entre as linhagens de dengue. O índice, que visava interpretar a capacidade de uma linhagem recentemente introduzida em substituir uma cepa já estabelecida, pode ser usado para entender melhor a dinâmica de transmissão nos sistemas com múltiplas cepas e ou sorotipos circulam ao mesmo tempo. O estudo pode aprimorar a avaliação do potencial de transmissão dos arbovírus. Anderson e Rico-Hesse (2006) investigaram o efeito do genótipo sobre o potencial de transmissão em uma população de Ae. aegypti (do estado do Texas/EUA) e sua associação com dengue hemorrágica. Os autores verificaram o aumento de 65 vezes na capacidade vetorial desse mosquito para os vírus que podem causar dengue hemorrágica. Este pode ser um dos os mecanismo através dos quais os flavivírus mais virulentos se propagam e deslocam a nível mundial. A investigação do papel do tamanho de machos de Ae. aegypti no sucesso reprodutivo e longevidade de fêmeas da mesma espécie indicaram que os machos grandes tinham maior capacidade de cruzamento do que machos de pequeno porte. Chegou-se a observar a redução da fecundidade por> 50% em parte das fêmeas fecundadas com machos menores em relação aos machos maiores (Helinski e Harrington 2011). Novas ferramentas para o controle do mosquito podem reduzir as populações de vetores e quebrar o ciclo de transmissão da dengue. Sirot e colaboradores (2011) realizaram um estudo que visou identificar o conjunto de proteínas do líquido seminal de machos de mosquitos e caracterizou quais são transferidos para as fêmeas durante o acasalamento. O estudo colabora para futuras análises funcionais individuais para identificar proteínas seminais que podem desencadear alterações do sexo feminino pós-nupcial (por exemplo, nos padrões de alimentação e produção de ovos). Portanto, a identificação destas proteínas pode levar a nova abordagem para manipulação do potencial reprodutivo e capacidade vetorial do Ae. aegypti (Sirot et al 2011). Outra ferramenta utilizada para o controle biológico do Ae. aegypti ocorre pela infecção dos mosquitos com uma cepa de Wolbachia pipientis (wMelPop) com intuito de abreviar sua vida visando desenvolvimento de uma estratégia de controle biológico de transmissão do vírus da dengue. Os mosquitos infectados também apresentam aumento da atividade diurna e taxas metabólicas. Essas mudanças de comportamento requerem investigação adicional com relação a um possível mecanismo fisiológico e o seu papel na capacidade vetorial do inseto (Turley et al, 2009). A presença de bactérias no intestino dos mosquitos antagoniza os agentes infecciosos, como a dengue, agindo como um fator negativo na competência vetorial do mosquito. Portanto, o conhecimento dos mecanismos moleculares envolvidos no controle da microbiota do intestino poderia ajudar no desenvolvimento de novas ferramentas para reduzir a transmissão (Oliveira et al, 2011). Em uma avaliação do efeito do tamanho do corpo adulto na taxas de sobrevivência e dispersão do Ae. aegypti macho e fêmea, não foi observada diferença na longevidade entre fêmeas maiores e menores, no entanto o estudo mostrou que as fêmeas menores parecem picar mais em um único ciclo gonotrófico do que as maiores. Os resultados sugerem que as fêmeas menores têm uma maior capacidade vetorial (Maciel-de-Freitas, 2007). O estudo do polimorfismo na expressão de susceptibilidade à infecção mostrou variações intraespecíficas na competência vetorial que são controladas por um ou mais genes e expressas em proporções variáveis dentro de uma população de mosquitos. Os recentes avanços na biologia molecular têm facilitado a acessibilidade dos dados da seqüência do ácido nucléico. Estas novas técnicas permitem analisar a distribuição dos genótipos dentro e entre populações. Estudos de genética de populações são atualmente utilizados para compreender a evolução da diferenciação das espécies e fornecer indicações sobre a relação genética entre as populações de vetores de campo. As estimativas de fluxo gênico que diz respeito à capacidade vetorial têm fornecido uma visão rica em complexo de espécies de vetores. O conhecimento da variação intra-espécie é importante para a compreensão da transmissão vetorial, a epidemiologia da doença e controle da doença. Em sua pesquisa Russel et al (2005) apresentaram dois exemplos para ilustrar a contribuição compreensão dos da estudos de genética epidemiologia das de populações doenças para veiculadas a por artrópodes: Aedes polyneniensis vetor da filariose linfática humana e Aedes aegypti, o vetor do vírus da dengue. Camara-Lima et al. 2011, observou que fêmeas de Ae. aegypti quando infectada por vírus dengue tem comportamento alterado. Em seu estudo verificou um aumento de 50% no deslocamento de fêmeas quando contaminada pelo sorotipo 2. Esse aumento de atividade pode refletir em outros aspectos biológicos como até mesmo a postura de ovos. Christophers (1960) e Focks et al.(1993) consideram que os ovos postos dependem do tamanho corporal, sendo equivalente a 46.5ovos/g (Bar-Zeev, 1957; Nayar & Sauerman, (1975). Otero et al.(2006) assume uma média de 63 ovos/fêmea. O corpo do Aedes aegypti assume diferentes tamanhos e é adaptado a diversos climas em diferentes regiões do globo. Por isso, o número de ovos depositados por uma fêmea varia geograficamente. A quantidade de ovos que uma fêmea de Aedes aegypti pode depositar em uma única postura também varia em diferentes temperaturas. Beserra et al. (2006) encontrou 271,9 e 260,40 ovos/fêmeas em duas populações estudadas na temperatura de 26ºC com uma faixa de temperatura local entre 18 e 32ºC. Outros estudos também comprovam essa sazonalidade (Focks et al., 1993, Focks et al., 2000, Ferreira & Yang, 2003; Otero et al., 2006 e 2008; Honório et al., 2009). Análises feitas com os dados climáticos mostram que a chuva é um bom preditor de infestação, quando considerada três a quatro semanas antes da medição do índice. Já a temperatura, tem um efeito positivo uma semana antes (Honório et al., 2009). Deve-se mencionar a competência vetorial de outras espécies de mosquito, para os vários tipos de vírus de dengue. Em que pese o registro de Aedes albopictus em quase todas as localidades do território nacional, bem como o isolamento de vírus DEN a partir de formas imaturas e de indivíduos adultos no Brasil, até agora não foi possível determinar, epidemiologicamente, sua participação na transmissão dessa infecção à população humana. O quadro de potencialidade vetorial dessa espécie, já conhecido para estados norte-americanos, pode ser inferido para vírus autóctones no Brasil pelo menos no que diz respeito às mesmas populações. Logo, parece justificável a preocupação da dispersão de Ae. albopictus para áreas rurais com ocorrência de focos de febre amarela silvestre ou de outras arboviroses autóctones. Até o momento essa espécie não é responsável pelas epidemias recorrentes no Brasil, mas tem potencial para contribuir (Schatzmayr 2000; Castro et al. 2004; Ríos-Velásquez et al., 2007), uma vez que é uma espécie mais silvestre, podendo alocar outros espaços ainda não atingidos por epidemias. As transformações no ambiente natural podem redirecionar o comportamento de populações animais. Esse potencial genético está constantemente submetido à novas adaptações em ambientes modificados, podendo aproximá-los das populações humanas. Assim, espécies e ambiente alteram um ao outro de maneira recíproca, elas são participantes ativas numa troca dialética. Beserra & Castro (2008) mencionaram que determinadas populações de Aedes aegypti apresentam um padrão distinto de crescimento e potencial biótico, o que sugere adaptação às condições climáticas próprias de cada região. Desta forma, é estratégia da vigilância entomológica e epidemiológica deve procurar evidenciar adaptações das espécies de vetores em diferentes contextos ecológicos regionais visando sinalizar períodos de ocorrência e/ou expansão de epidemias.