NANOMEDICAMENTOS: O CENÁRIO DE REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL Isabela Ornelas Pereira1 Pedro Canisio Binsfeld2 ¹ Bióloga. Aluna da Pós-Graduação em Vigilância Sanitária, pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de Goiás, GO. E-mail: [email protected] ² Orientador, Pós-Doutor em Biotecnologia e Biossegurança. Docente do Programa de PósGraduação em Vigilância Sanitária pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de Goiás, GO. E-mail: [email protected]. RESUMO Os nanomedicamentos são medicamentos em escala nanométrica que, por suas características físicas e químicas, podem ampliar e melhorar o campo de ação da medicina. Como todos os medicamentos e outros produtos para a saúde, os nanofármacos possuem riscos que devem ser estudados e analisados para embasar a regulamentação necessária para proteger a saúde pública. Esse trabalho, por meio de revisão bibliográfica, analisou o cenário da regulamentação de nanomedicamentos no Brasil. O que se observa é um crescente surgimento de produtos que possuem nanopartículas ou nanoestruturas e, no entanto, há uma carência de padrões referenciais para a análise desses produtos como categoria terapêutica. Assim, os nanomedicamentos têm sido avaliados baseados nas legislações de medicamentos convencionais. É necessário, portanto, que se estabeleçam padrões e regulamentações específicas para os nanofármacos. Palavras-chave: Nanotecnologia na medicina; regulação no Brasil; nanofármacos. ABSTRACT The nanomedicines are drugs at nanoscale that, by their physical and chemical characteristics, may expand and improve the field of medicine. Like all medicines and other health products, the nanodrugs have risks that must be studied and analyzed to support the necessary regulations to protect public health. This work, through literature review, analyzed the regulation scenario of nanomedication in Brazil. What is observed is an increasing emergence of products with nanoparticles or nanostructures, and yet, there is a lack of reference standards for the analysis of these products as therapeutic category. Thus nanomedications have been evaluated based on the laws of conventional medicines. It is necessary, therefore, to establish standards and regulations specific to nanodrugs. Keywords: Nanotechnology in medicine; regulation in Brazil; nanodrugs; 1 INTRODUÇÃO A nanotecnologia é vista atualmente como um dos ramos mais promissores no campo científico. Segundo Ebbsen et al (2006), nanotecnologia refere-se à concepção, caracterização, produção e aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas que têm propriedades físicas, químicas e biológicas singulares, com forma e tamanho de escala nanométrica (um nanômetro equivale a um bilionésimo do metro - 1nm = 0,000000001m = 10-9 m) . Átomos e moléculas são controlados individualmente para criar estruturas milhares de vezes menores que a tecnologia atual permite e utilizando-se uma menor quantidade de matéria-prima. Nanomateriais geralmente consistem de átomos de metal, átomos não metálicos, ou uma mistura de metal e átomos não metálicos, comumente referido como metálicos, partículas orgânicas, ou partículas semicondutoras, respectivamente (KIM, et a.l, 2010). A superfície dos nanomateriais é geralmente revestido com polímeros ou moléculas bioreconhecimento para uma melhor biocompatibilidade a e direcionamento selectivo de moléculas biológicas, como é o caso de alguns nanomedicamento. O tamanho final e estrutura de nanomateriais depende dos aditivos de sal e surfactante, as concentrações de reagentes, temperaturas reacionais, solventes e condições utilizadas durante a sua síntese. Uma de suas áreas de aplicação mais promissoras está na medicina, chamada de nanomedicina com o uso de nanomedicamento. Cirurgias em escala nanométrica, moléculas capazes de transportar o fármaco para a célula ou órgão específicos ou até mesmo permitir que o medicamento seja liberado aos poucos no organismo são algumas das possibilidades dessa nova tecnologia. Santana citada por Alves Filho (2005) exemplifica os benefícios do uso de nanomedicamentos: “Quando você consegue ser tão específico no tratamento de uma doença, é possível restringir a quantidade de fármaco a ser empregada, visto que há um melhor rendimento. Isso traz benefícios não só para os pacientes, mas também para a indústria farmacêutica, que pode reduzir alguns custos de produção. No caso do câncer, a quimioterapia sempre traz resultados adversos para as pessoas, pois é um procedimento que também atinge células sadias. Com a liberação controlada de fármacos, a tendência é que as células doentes sejam prioritariamente atacadas, o que minimiza os efeitos deletérios." No Brasil, até a presente data, não há uma definição consolidada sobre nanomedicamento, e têm sido atribuídas diferentes definições em função do contexto em que é utilizado. Entretanto, para fins da compreensão e considerações do presente trabalho adotase a seguinte definição “nanomedicamento é toda a substância ou combinação de substâncias elaborada que possuem distintas propriedades fisico-químicas, usada com a finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Sendo esta, uma forma farmacêutica terminada que contém um fármaco em nanoescala ou associado a um nanoadjuvante com ação farmacológica específica visando modular funções metabólicas e fisiológicas”. Atualmente, mais de 30 fármacos são comercializados com sucesso na forma de nanomedicamentos. Diversas nanoplataformas permitiram atender necessidades específicas da indústria de produtos terapêuticos, com soluções como a melhora da biodisponibilidade, o direcionamento para células alvo e serem menos tóxicas, fato que indica que este mercado deverá crescer significativamente ao longo desta década. Provas de conceito com novos nanomedicamentos se acumulam e novas nanoformulações de antigos fármacos oferecem a possibilidade de revolucionar o uso mais eficáz em diversas terapias (Fórum competitividade de nanotecnologia, 2012). Um estudo diagnóstico do mercado brasileiro para aplicações da nanotecnologia em fármacos e cosméticos revelou que este é bastante incipiente e poucos dados estão disponíveis. Entretanto, foi possível identificar produtos importados de base nanotecnológica, comercializados no Brasil, como por exemplos lipossomas, conhecidos desde a década de 80, estão presentes em uma serie de produtos cosméticos nacionais e importados (Fórum de competitividade de nanotecnologia, 2012). Há indicadores de que o uso da nanotecnologia em fármacos traga enormes benefícios e significativas melhorias nos tratamentos terapêuticos. Entretanto, faz-se um alerta também aos eventuais efeitos adversos da aplicação de materiais nanoestruturados no corpo humano e do seu impacto na saúde pública e ambiental, a médio e longo prazo (GAO et al., 2009). Especificamente na área terapêutica, destacam-se os possíveis riscos de toxicidade das nanopartículas e o grau de imprevisibilidade e incerteza do conhecimento atual sobre os seus efeitos colaterais (McCARTHY et al., 2007), além de considerar questões éticas ou de bioética. Um dos principais problemas apontados para desenvolver uma regulamentação para a área de nanomedicamentos é a falta de parâmetros metrológicos para determinar o que realmente o que são produtos nanoestruturados para a saúde ou na área de cosméticos. A ausência destes parâmetros torna-se determinante na constituição de uma regulamentação para este setor (Fórum de competitividade de nanotecnologia, 2012). Em alguns produtos nos quais se declara o uso de nanopartículas, na realidade, não usam. Por outro lado, há produtos que possuem nanopartículas, entretanto, não os citam no rotulo. Nesse aspecto, o Brasil tem ainda muito o que desenvolver em pesquisas e estudos que possam melhor embasar a regulamentação relacionada a nanomedicamentos. A questão é tão preocupante que a Sociedade Interamericana de Vigilância Sanitária (SIVS) apresentou, no Encontro Anual DIA (Drug Information Association), em junho de 2010, um trabalho com o título: "As preocupações relativas à farmacovigilância de nanomedicamentos em países com regulamentações fracas: um exemplo do Brasil”. Apesar de uma vasta regulamentação sanitária no Brasil, a área de nanoprodutos destinados a saúde requer atenção específica para o aprimoramento da regulamentação que seja assertiva aos produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. Política e tecnicamente o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, devem estimular e fomentar estudos e avaliações que as melhores normas que regulamentem o uso de medicamentos e produtos nanoestruturados para a saúde. Neste contexto, o objetivo do presente trabalho foi examinar e conhecer o cenário de regulamentação de medicamentos e produtos nanoestruturados utilizados em saúde no Brasil, tanto do ponto de vista do que existe, assim como, diagnosticar a necessidade de tornar o regulatório mais específico. 2 METODOLOGIA DA PESQUISA O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa, de natureza analítico-descritiva e com análise da bibliografia formal, discursiva e concludente sobre o cenário da regulamentação de nanomedicamentos no Brasil. Com esse propósito foi realizada a revisão do acervo bibliográfico nas bases de dados disponíveis em bibliotecas virtuais e sítios da rede mundial de computadores, entre as quais as bases de dados do Portal da CAPES, da Literatura Latino Americana em Ciência da Saúde (LILACS), US National Library of Medicine (PubMed), Scientific Eletronic Library Online (SciELO) e Descritores em Ciências da Saúde (DECs/BIREME), e em outras fontes de dados, como livros e no marco regulatório brasileiro. A busca foi feita por meio de descritores associados a nanomedicamentos e regulamentação em saúde, encontradas nos títulos e nos resumos das publicações. Para a elaboração deste trabalho de revisão, foi utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa por meio de pesquisa bibliográfica de artigos publicados nos últimos 10 anos, pesquisados utilizando-se os serviços dos Periódicos Capes, PubMed e SciELO. Finalmente, a conclusão do estudo, partindo de dados particulares das publicações avaliadas, permitiu uma inferência geral sobre a importância da regulamentação de nanomedicamentos para garantir a qualidade e segurança desses produtos diretamente relacionados à saúde da população. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O crescente uso de nanomedicamentos e produtos nanoestruturados na saúde tem despertado a atenção das autoridades sanitárias quanto a eventuais riscos destes para a saúde e da necessidade de regulamentação específica. A análise da literatura permite inferir que a questão de regulamentação é um grande desafio a ser superado no Brasil, tanto do ponto de vista político, quanto científico, metrológico e regulatório. 3.1 Principais usos de nanomedicamento e produtos nanoestruturados para a saúde Embora ainda seja uma área relativamente nova, a nanotecnologia já tem produtos e procedimentos aplicados em diversas atividades na saúde. Na área médica, essa nova tecnologia é usada, por exemplo, na encapsulação de fármacos em nanopartículas, que teriam a propriedade de transportar a droga até o órgão ou célula doente, administrando-a de forma gradual e controlada. Nesse caso, a nanotecnologia auxilia na construção de uma nanocápsula adequada ao tamanho do fármaco e à via de administração. Assim, se o medicamento tiver que ser aplicado pela via nasal, para tratamento da asma, por exemplo, a cápsula tem que ser maior do que cinco mícrons, para que fique retida no ponto onde o fármaco deve ser liberado. Já se a administração for cutânea, cujos poros medem cerca de 30 nanômetros, a partícula tem que ser bem menor e com uma propriedade adicional: precisa ter boa estabilidade, ser elástica, de modo que se deforme para penetrar no organismo e depois se reconstitua já no seu interior, onde fará a liberação controlada (ALVES FILHO, 2005). Na quimioterapia convencional empregam-se medicamentos citotóxicos usados para matar as células cancerosas, mas que além destas, por serem citotóxicas matam também as células saudáveis, conduzindo a efeitos secundários adversos, tais como náuseas, neuropatia, perda de cabelo, fadiga, e comprometimento da função imunológica. Nesses casos, as nanopartículas carreadoras podem ser utilizados como veículos carreador do quimioterápico diretamente no tumor, aumentando a eficácia em atingir as células alvo, poupando o tecido saudável, além de proteger as drogas de serem degradadas no corpo antes de chegarem ao seu destino (BOISSEAU & LOUBATON, 2011). Os nanotubos de carbono (NTCs), por suas propriedades singulares, são os nanomateriais promissores, com aplicações potenciais em sistemas de liberação controlada de fármacos (BIANCO et al., 2005), próteses neurais (BENABID et a.l, 2005), marcadores biológicos e vetores de DNA na terapia gênica (CHEUNG et al., 2010). Além disso, os NTCs ainda têm sido amplamente estudados para a terapia de neoplasias e doenças neurodegenerativas (WEI et al., 2007). Além dos exemplos citados de nanopartículas, nanomedicamento e produtos nanoestruturados para a saúde, há quase que diariamente a publicações de artigos científicos que relatam novas aplicações ou o aperfeiçoamento de técnicas já utilizadas para melhorar e aumentar a oferta de produtos, procedimentos e nanomedicamentos que qualifiquem e tornem os tratamentos terapêuticos menos traumáticos e mais eficazes aos pacientes. 3.2 Reflexões sobre riscos associados ao uso de nanopartículas Embora a nanotecnologia venha sendo cada vez mais estudada e suas aplicações exploradas, ainda pouco se sabe sobre suas interações no corpo humano, toxicidade, biocompatibilidade e possíveis reações. O grau de toxicidade, por exemplo, depende do tipo de célula e sítio de ação, podendo ser influenciado pelo teste de toxicidade empregado, pela estrutura, estado de agregação e grau de pureza dos nanocomponentes, o que explica a dificuldade em se consolidar e comparar resultados de estudos nesse assunto, ressaltando a necessidade de padronização dos protocolos de toxicidade (OBERDORSTER et al., 2004). Um levantamento de artigos científicos nos principais bancos de dados usando descritores, como segurança de nanopartículas para saúde; riscos de nanopartículas para a saúde; toxicidade de nanopartículas para a saúde e toxicologia de nanopartículas, revelou que o uso de nanopartículas, nanomedicamento e produtos de saúde nanoestruturados geram ainda inúmeras incertezas sobre a sua segurança ou mesmo sobre quais os possíveis riscos associados a estes. Entretanto, é importante continuar a busca pela compreensão do comportamento da matéria em nível atômico e molecular, assim como, as suas interações com os sistemas biológicos, em especial as interações em ambiente celular (MAILÄNDER; LANDFESTER, 2009; PASCHOALINO et al., 2010; BINSFELD, 2011; GUAN et al., 2012). Em muitos estudos, são apontados indícios de riscos associados às nanopartículas, principalmente pela sua ação citotóxica, genotóxica, teratogênica, em função das alterações estruturais e funcionais das células e pela modulação metabólica que provocam, além das associações e interações com as biomoléculas, prejudicando o desempenho de suas funções (XIA et al., 2010; YASUHIRO 2011; GUAN et al., 2012; PERREAULT et al., 2012). Alguns estudos científicos afirmam que altas concentrações de nanopartículas podem gerar espécies reativas ao oxigênio após serem introduzidas nas células (MANNA, 2005), as quais danificam bases nitrogenadas e levam a mutação do DNA, induzindo a apoptose. Além disso, foram descritos comprometimento da viabilidade celular e função mitocondrial, aumento dos níveis de LDH por lesão da membrana celular, diminuição da glutationa reduzida, aumento de interleucina-8 e dos níveis de peroxidação lipídica (REDDY et al., 2010). Outros estudos revelam que partículas nanométricas podem ser conduzidas até o cérebro por meio dos neurônios olfativos, dos nervos sensoriais da pele ou da circulação sanguínea, por isso a neurotoxicidade desses materiais é um fator relevante que deve ser amplamente estudado (OBERDORSTER et al., 2004) . Atualmente há um aumento de informações sobre nanopartículas, entretanto, ainda falta compreender como suas propriedades físico-químicas (tamanho, forma, composição, solubilidade, reatividade, área de superfície, biopersistência, entre outras) determinam os efeitos interativos com sistemas biológicos. As ainda limitadas informações sobre a natureza físico-química das nanopartículas faz com que seja difícil avaliar e mensurar o comportamento biológico e toxicológico destas e, consequentemente, prever os riscos associados às mesmas (XIA et al., 2010; NYSTRÖM; FADEEL, 2012). Fica claro, portanto, a necessidade de se ampliar os conhecimentos na área de riscos associados ao uso de nanopartículas na saúde. Entretanto, nos últimos anos, apenas 3% dos recursos destinados à pesquisa científica em nanotecnologia estão relacionados à análise de riscos e estudos de segurança das partículas com as células e sistemas biológicos (BINSFELD, 2011). 3.3 Mobilização para implementação de políticas de nanotecnologia Na última década, várias iniciativas por meio de políticas públicas e fomento (Figura 1) têm demonstrado a relevância estratégica da nanotecnologia para o desenvolvimento do país. A partir do ano de 2001, com a criação das Redes Cooperativas de Nanotecnologia foi se estruturando a nanotecnologia no Brasil, e desde 2003, ano da implantação do Programa de Nanotecnologia, foram apoiados, via edital, mais de quatrocentos projetos de pesquisa e desenvolvimento. O governo tem apoiado à pesquisa básica, à inovação entre os Institutos de nanotecnologia e empresas, reforçando as redes existentes e a infraestrutura laboratorial. • Criação das Redes Cooperativas de Nanotecnologia ... 2001 • Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior 2003 • Programa para o Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia 2004 • Política de Desenvolvimento Produtivo • Criação institutos de nanotecnologia 2005 • Programa Nacional de Nanotecnologia 2008 • Fórum de Inovação de Nanotecnologia • Inauguração do Centro de Caracterização em Nanotecnologia 2009 2010 • Fórum de Competitividade Nanotecnologia 2012 ... • Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologia. • Comitê Interministerial de Nanotecnologia Figura 1. Representação das principais políticas públicas que convergem para o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil na última década (Binsfeld, in press). Já a partir de 2004, a Política Industrial, Tecnológica e do Comércio Exterior e a criação da Ação Transversal de Nanotecnologia dos Fundos Setoriais estimulam ainda mais o programa. O lançamento do Programa Nacional de Nanotecnologia, em 2005 permitiu a criação de novas redes de pesquisa, do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO para o desenvolvimento da nanometrologia, do Centro Brasileiro Pesquisas Físicas, entre outras. Mais recentemente, em 9 de julho de 2012 foi publicada a Portaria Interministerial nº 510 que criou o Comitê Interministerial de Nanotecnologia (CIN), cuja primeira reunião do comitê foi realizada em outubro de 2012. O CIN tem por finalidade assessorar os ministérios na integração da gestão, na coordenação e no aprimoramento das políticas, diretrizes e ações voltadas ao desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil, cabendo-lhe: a) Propor mecanismos de integração da gestão e da coordenação das atividades relacionadas às nanotecnologias, desenvolvidas pelos Ministérios representados no Comitê e pelos demais órgãos e entes do governo federal. b) Propor a criação de mecanismos de planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação das atividades relacionadas às nanotecnologias, desenvolvidas pelos Ministérios representados no Comitê e pelos demais órgãos e entes do governo federal. c) formular recomendações de planos, programas, metas, ações e projetos integrados para a consolidação e a evolução das nanotecnologias no País, indicando potenciais fontes de financiamento d) indicar os recursos financeiros necessários destinados a apoiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, em nível nacional ou internacional, quando envolver cooperação bilateral ou multilateral em nanotecnologias. Além disso, há as discussões no âmbito do Fórum de Competitividade de Nanotecnologia, onde são tratados temas estratégicos da nanotecnologia de meio ambiente, de saúde, de têxteis e confecção, da defesa, da energia, regulamentação, entre outros. Também em 2012 foi criado o Sistema de Laboratório em Nanotecnologia (SisNano), que é um sistema de laboratórios (estratégicos e associados) multiusuários direcionados à pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) em nanociências e nanotecnologias. Tem como objetivo estruturar e ampliar o acesso de pesquisadores e empresas à infraestrutura laboratorial. Tanto o Comitê Interministerial, quanto o Sistema de Laboratórios são passos importantes no incentivo ao desenvolvimento da nanotecnologia e para convergência de conhecimentos, pontos fundamentais para subsidiar a construção de uma regulamentação com base científica e sustentação política. No entanto, devido à rapidez da inclusão de novas tecnologias no mercado, o Estado tem tido dificuldades na mesma velocidade elaborar a regulamentação de acordo com as demandas. 3.4. Cenário de regulamentação de nanomedicamentos Todos os medicamentos e produtos para a saúde de uso comercial necessitam de registro e autorização para o uso Brasil. É importante destacar que os nanoprodutos são uma categoria especial, que também requer uma avaliação distinta ao dos processos convencionais de registro. Entretanto, até o momento não há um consenso sobre o melhor procedimento quanto ao mecanismo regulatório a ser adotado para nanomedicamentos. Entre as autoridades sanitárias e de saúde há a certeza da necessidade da definição de uma regulamentação específica para nanomedicamentos e produtos de saúde nanoestruturados. Alguns especialistas em regulação entendem que no caso de tecnologias emergentes, como é o caso dos nanomedicamentos, a regulação pode ser de dois tipos, a reativa ou a preventiva. A do tipo reativa é aquela para a qual há poucas informações e pouco conhecimento para elaborar normas. Esta é a forma tradicional, na qual se aguarda para ver se ocorrem efeitos adversos para então cogitar alguma intervenção regulatória (Linkov; Satterstrom 2008; Hock et al. 2011; Binsfeld, 2011). Atualmente, o FDA (Food and Drug Administration) e a EMA (European Medicines Agency), e outras agências reguladoras analisam estes produtos de forma particularizada, caso a caso. Entretanto, há ainda uma grande carência de padrões referenciais para a análise de produtos que contém nanopartículas como categoria terapêutica (Rickerby, 2007). Este modelo pode ser uma opção interessante para o Brasil seguir, visto que é complexo estabelecer uma regulamentação geral através de uma Lei elaborada pelo Congresso Nacional, enquanto não há referenciais suficientes para a elaboração de normas gerais. Assim, as autoridades sanitárias do Brasil, entre elas a Anvisa, possuem as prerrogativas legais para elaborar regulamentações específicas através de Resoluções de Diretoria Colegiada (RDC), baseando as análises de caso a caso, considerando os avanços científicos e tecnológicos. Na Europa, um dos mais importantes instrumentos normativos aplicáveis aos nanomateriais é o Regulamento (CE) n.º 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, relativo ao registro, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH) que tem por objetivo assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e dos trabalhadores e do ambiente. O que tem reinando na pratica, não só no Brasil, é que os nanomedicamentos são avaliados para a sua segurança e eficácia baseado nas legislações vigentes para medicamentos convencionais, por isso, há consenso, no mundo e no Brasil da necessidade de regulamentação específica para nanomedicamentos e produtos para a saúde que possuem nanopartículas ou nanoestruturas. Assim, o desafio do Estado está em, com o pouco conhecimento atual, criar normas que alcancem um equilíbrio, já que se a regulação for muito rígida poderá prejudicar o desenvolvimento científico, tecnológico e inovação, e, por outro lado, se for pouco rígida pode acarretar riscos à saúde da população. 3.5 Aspectos Sanitários dos Nanomedicamentos Da mesma forma que os medicamentos tradicionais são registrados, controlados e fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os nanomedicamentos também devem passar por esses procedimentos, que visam garantir a segurança e a eficácia dos produtos comercializados. Após o registro e comercialização a farmacovigilância deve analisar os exames realizados na fase pré e pós-registro, os testes de biodisponibilidade, testes de toxicidade, as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e ensaios clínicos, além do gerenciamento do risco. Como os estudos sobre os nanomedicamentos ainda estão se aprofundando, mas vários deles já estão no mercado, uma solução seria adaptar exigências de medicamentos já existentes aos nanomedicamentos por comparação e aproximação das propriedades. Como os nanomateriais não são uma classe unificada de compostos, cada tipo de material deve ser avaliado separadamente. Além disso, as variações no tamanho e forma podem ter efeitos imprevisíveis sobre as propriedades físicas e químicas dos nanomateriais: uma substância de 50 nm que é não-tóxica pode ser tóxico em 1 nm ou vice-versa (OBERDÖRSTER et al., 2005). Por serem fortemente dependentes da sua microbiota, os nanomateriais podem mudar de tamanho ou forma dentro de um organismo. Uma partícula 100 nm pode desintegrar-se em 1 nm partículas, ou partículas de 1 nm poderiam se agregar em uma partícula de 100 nm. Estudos contínuos de longo prazo mesmo após a comercialização também são muito importantes, pois nanopartículas podem comportar-se de modo muito diferente em um organismo se comparado aos estudos pré-clínicos em cultura de células. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A nanotecnologia aplicada à medicina (nanomedicina) já é uma realidade. Existem diversos produtos e processos que aplicam esta, alguns declaradamente, outros não. Cada vez mais estudos devem ser feitos para analisar os reais efeitos dos nanomedicamentos e produtos nanoestruturados na saúde humana, para que assim possa se elaborar normas específicas baseadas em evidências e conhecimento dos reais efeitos evitando assim danos a saúde pública, ao desenvolvimento científico ou a indústria. O Estado deve ainda adotar o Princípio da Precaução, que implica o dever moral de avaliação de risco contínuo com relação ao impacto do que não é totalmente previsível. Outro fator importante é a preocupação com direito a informação pelos usuários e população. Considerando o atual estágio dos nanomedicamentos no Brasil, o desafio é criar uma regulamentação eficaz para o registro e o gerenciamento de possíveis riscos e impedir danos à saúde da população. No entanto, como até o momento não há regulamentação específica para nanomedicamento ou produtos com nanopartículas faz-se necessário adotar maior cautela e análise minuciosa caso a caso. Por outro lado, as autoridades sanitárias e a academia dão claros sinais da intenção e da necessidade do aprimoramento da regulamentação, visando à adoção de medidas regulatórias específicas à medida que surjam novos dados científicos sobre os efeitos de nanopartículas em organismos vivos e nos ecossistemas. Finalmente, o Brasil com vista a avançar tanto no desenvolvimento tecnológico, inovação como na regulamentação em nanotecnologia adotou uma série de políticas públicas, entre as quais assume o desafio de prover as condições necessárias para que a pesquisa possa produzir as informações necessárias para as autoridades reguladoras e sanitárias estabelecerem as normas e as medidas sanitárias necessárias para prover a segurança, qualidade e eficácia dos novos produtos que contém nanopartículas entre estes os nanomedicamentos. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES FILHO, M. Jornal da Unicamp. Ed. 294 - jul/2005 Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2005/ju294pag06.html>. Acesso em: 15 de Setembro de 2012. BENABID, A.L, et al.Therapeutic electrical stimulation of the central nervous system. C R Biol. V. 328, n. 2, p. 177-86, 2005 BIANCO, A.; KOSTARELOS, K.; PRATO, M. Applications of carbon nanotubes in drug delivery. Curr Opin Chem Biol. V. 9, n. 6, p. 674-9, 2005 BINSFELD, P.C. Nanotecnologia: A interação célula e nanopartículas. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Inovação em temas estratégicos de saúde pública/Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Organização Pan-Americana da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde. P. 89-101, 2011. BOISSEAU, P.; LOUBATON, B. Nanomedicine, nanotechnology in medicine. Comptes Rendus Physique; v.12, p. 620–636, 2011. BRASIL. Lei nº 9782, de 26 de Janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jan. 1999. CHEUNG, W.; et al. DNA and carbon nanotubes as medicine. Adv Drug Deliv Rev. v. 62, n. 6, p. 633-49,2010 EBBSEN, M.; Jensen T. Nanomedicine: techniques, potentials, and ethical implications. Journal of Biomedicine and Biotechnology. V. 5, 2006. Fórum de Competitividade de Nanotecnologia. Disponível em: <http://forumnano.abdi.com.br/sitepages/noticias.aspx/?NoticiaID=74>. Acessado em: 2 de Novembro de 2012. FRONZA, T. et al. Nanocosméticos: em direção ao estabelecimento de marcos Regulatórios. Porto Alegre. Editoração e impressão: Gráfica da UFRGS, 2007, v.1. 61 pp. GAO, J.H; Xu, B. Applications of nanomaterials inside cells. NanoToday. V. 4, n.1,p. 37-51, 2009. GLENN, L.M.; BOYCE, J.S. Regenerative Nanomedicine: Ethical, Legal, and Social Issues. Nanotechnology: Regenerative Medicine, Methods in Molecular Biology™. V.811, p. 303316, 2012. GUAN, R. et al. Cytotoxicity, oxidative stress, and genotoxicity in human hepatocyte and embryonic kidney cells exposed to ZnO nanoparticles. Nanoscale Res Lett. V. 7, n.1, p.602, 2012. HOCK, S.C; YING, Y.M; WAH, C.L. A review of the current scientific and regulatory status of nanomedicines and the challenges ahead. J. Pharm. Sci. Technol. V. 65, n. 2, p.177-95, 2011. KIM, B.Y.S, et al. Current concepts: Nanomedicine. The New England Journal of Medicine. V. 363, p. 2434-43, 2010. LINKOV, I.; SATTERSTROM, F.K.; COREY, L.M. Nanotoxicology and nanomedicine: making hard decisions. Nanomedicine: Nanotechnology, Biology and Medicine. V. 4, p. 167171, 2008. MANNA, S.K. et al. Singlewalled carbon nanotube induces oxidative stress and activates nuclear transcription factor-κB in human keratinocytes. Nano Lett. V.5, n. 9, p.1676-84, 2005. MAILÄNDER, V.; LANDFESTER, K. Interaction of nanoparticles with cells. Biomacromolecules. V. 10, n. 9, p. 2379–2400, 2009. MCCARTHY, J.R. et al. Targeted delivery of multifunctional magnetic nanoparticles. Nanomedicine. V.2, p. 153-167, 2007. MEYYAPPAN, M. Carbon Nanotubes: Science and Applications. Boca Raton, FL: CRC Press. P. 214, 2005. NYSTRÖM, A.M.; FADEEL, B. Safety assessment of nanomaterials: implications for nanomedicine. J. Control Release. V. 161, n. 2, p. 403-408, 2012. OBERDORSTER, G. et al. Translocation of inhaled ultrafine particles to the brain. Inhal Toxicol. Environ Health Persp. V.16, n.6-7, p.437- 445, 2004. OBERDÖRSTER, G. et al. Nanotoxicity: an emerging discipline evolving from studies of ultrafine particles. Environ Health Persp. V. 113, p. 823 – 839, 2005. OPAS/OMS - Organização Pan-Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde. A importância da farmacovigilância: monitorização da segurança dos medicamentos. Título I. Série II, 2005. PASCHOALINO, M. P.; MARCONE, G. P. S.; JARDIM, W. F. Os nanomateriais e a questão ambiental. Quím. Nova. V. 33, n.2, p. 421-430, 2010. PERREAULT, A.; et al. Genotoxic effects of copper oxide nanoparticles in Neuro 2A cell cultures. Sci. Total Environ. V. 5, n. 441C, p. 117-124, 2012. PUBMED – Banco de dados do National Center for Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine, EUA. Sitio eletrônico: <www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed>. Acessado em: 10 de Novembro de 2012. REDDY, A.R. et al. Multi wall carbon nanotubes induce oxidative stress and cytotoxicity in human embryonic kidney (HEK293) cells. Toxicology. V. 272, 2010 RICKERBY, D.G. Nanotechnological medical devices and nanopharmaceuticals: the European regulatory framework and research needs. J. Nanosci Nanotechnol. V.7, n. 12, p. 4618-4625, 2007. WEI, W. et al. Biological properties of carbon nanotubes. J. Nanosci Nanotechnol. V. 7, n. 4, p. 1284-1297, 2007. YANG, X.J. et al. Brain responses to micro-machined silicon devices. Brain Res. Sep V. 5, n. 983(1-2):p. 23-35, 2003. YASUHIRO, A. Safety Studies of Nanomaterials about Intracellular Distribution and Genotoxicity. Laboratory of Biopharmaceutical Research, National Institute of Biomedical Innovation . V.131, p. 215-219, 2011. XIA, X. R.; MONTEIRO-RIVIERE, N.A.; RIVIERE, J.E. An index for characterization of nanomaterials in biological systems. Nature Nanotechnology. V. 5, p.671–675, 2010.