Vacinação contra a hepatite B

Propaganda
HEPATITE A
Dr. Edimilson Migowski
Introdução
O padrão epidemiológico global latino-americano parece estar mudando como
resultado da melhoria nas condições sociais e higiênicas. À medida que as condições
melhoram, o desenvolvimento da doença tende a ocorrer em crianças com mais idade,
adolescentes e adultos, nos quais as complicações são mais freqüentes.
A vacina contra a hepatite A é um item importante quando se planeja a proteção do
adolescente, pois há um deslocamento da faixa de incidência e aumento da taxa de
morbidade pela infecção.
Há alguns conceitos equivocados em relação à hepatite A:
Já somos todos imunes. Com a melhoria das condições sanitárias a infecção
não é mais comum na infância. Um levantamento entre pilotos civis com mais de 35
anos de idade demonstrou que >65% dos indivíduos não tinham tido contato com o
vírus. Mesmo entre as pessoas com menor renda, a exposição vem se tornando menos
comum visto que as condições de saneamento básico vem melhorando em muitas áreas
urbanas.
 Geralmente o quadro é assintomático. Na verdade, a forma assintomática
ocorre na infância. Jovens e adultos, principalmente após os 49 anos, cursam com
sintomatologia significativa, o que gera expressivos gastos com cuidados médicos.
Nessa faixa etária a hepatite A mata 27 pessoas por mil que adoecem.
 A doença é autolimitada. Já foram descritos distúrbios auto-imunes
desencadeados pelo VHA.
Tendo em vista a disponibilidade de vacinas eficazes e bem toleradas, é indispensável
proteger a população. Mesmo considerando o caráter benigno da maioria dos casos, o
custo da doença é expressivo quando se consideram os dias parados pelo paciente e por
seus familiares e ainda o dispêndio com exames para diagnóstico e controle evolutivo da
enfermidade. A vacina pode ser usada para proteção pós exposição. Há diferentes
experiências neste sentido, especialmente em creches, onde a administração da vacina é
capaz de interromper um surto epidêmico.
A vacina pode ser usada por pessoas imunodeprimidas ou que estão sob corticoterapia.
O grau de soroconversão é muito elevado, mas os testes laboratoriais usados no dia a dia
não têm sensibilidade para detectar os níveis de anticorpos induzidos pela vacina já que
estes, embora protetores, são muito inferiores aos desenvolvidos pela doença.
Agente etiológico
O VHA pertence à família Picornaviridae e é classificado dentro do gênero dos
Hepadnavirus. É pequeno e mede entre 27 e 32 nanômetros de diâmetro. Seu material
genético está constituído por RNA. Da mesma forma que o vírus da hepatite E, o VHA é
um vírus sem invólucro. A ausência de cobertura lipídica permite a passagem de vírus, a
partir do fígado em direção ao intestino, através do sistema biliar. É muito estável em
condições adversas, permanecendo viável em alimentos e água durante meses. É
inativado por temperaturas superiores a 100o C durante cinco minutos, sendo exposto
aos raios ultravioleta, cloro, formalina e propiolactona-B. Foram descritos um sorotipo e
vários genótipos do VHA. Os genótipos têm somente um epítopo dominante altamente
conservado, responsável pela geração de anticorpos. Esta característica é ideal para a
formulação de uma vacina, pois incluindo o epítopo, esta seria eficaz em qualquer
região geográfica.
Doença
A via de transmissão é principalmente fecal-oral. Dado que não existe o estado de
portador crônico para este vírus, a transmissão através de sangue e hemoderivados é
rara, pois ocorre somente durante o período de incubação. Este período oscila entre 15 a
50 dias, com uma média de 30 dias. Embora a infectividade máxima seja demonstrada
de 14 a 21 dias antes a 8 dias após o início da icterícia, dados epidemiológicos sugerem
que o pico de infectividade ocorra durante as 2 semanas que antecedem o início da
sintomatologia. Seria coerente admintir que tanto crianças quantos os adultos não
transmitam mais o VHA cerca de 1 semana após iniciado a icterícia.
A hepatite sintomática ocorre em menos de 30% das crianças infectadas com menos de
seis anos, e em 70% a 95% dos adultos. As internações, complicações e letalidade
aumentam com a idade. A letalidade sofre um aumento significativo naqueles
indivíduos com doença hepática crônica subjacente.
As manifestações clínicas características em grupos pediátricos são febre, mal-estar,
anorexia, náuseas, vômitos, dor abdominal e diarréia. O surgimento de icterícia, colúria
e acolia são acompanhados por uma melhoria do estado geral, e a recuperação em geral
se dá em poucas semanas sem deixar seqüelas. A detecção de IgM anti-VHA estabelece
o diagnóstico da infecção em fase aguda e a presença de IgG anti-VHA constitui
marcador de contato anterior com o VHA, que permanece por toda a vida.
Entre as complicações da infecção encontramos a hepatite colestática, na qual
predomina a icterícia prolongada, colúria intensa, acolia e prurido. A hepatite recorrente,
que em 10% dos casos se apresenta com uma recaída clínica acompanhada de uma nova
elevação de transaminases. A hepatite fulminante, que constitui a forma mais grave da
doença, com sinais clínicos de insuficiência hepática que traduzem necrose hepática
maciça. No Brasil a causa infecciosa principal de insuficiência hepática aguda é o VHA.
Finalmente, a hepatite crônica auto-imune tipo I constitui uma manifestação atípica da
hepatite A, que até há pouco tempo não tinha sido descrita.
Vacinas contra a hepatite A
Vacinas disponíveis no Brasil
Havrix® (GlaxoSmithKline)
É uma vacina inativada com formaldeído e adsorvida em hidróxido de alumínio como
adjuvante. A cepa da vacina é a HM 175, procedente das fezes de um paciente
australiano acometido de hepatite A e cultivada em células diplóides humanas MRC-5.
Após um período de três semanas o vírus é colhido e extraído das células. A purificação
dos vírions é constituída por várias etapas que incluem filtragem estéril, ultrafiltragem e
concentração por cromatografia de coluna. A suspensão do vírus purificada e filtrada é
inativada com 250 microgramas/mililitro de formaldeído a 37° C durante 15 dias. Os
vírions inativados são posteriormente absorvidos em hidróxido de alumínio como
adjuvante a uma concentração de vírus de hepatite A de 720 unidades ELISA/ 0,5 mL
ou de 1.440 unidades ELISA/ 1 mL.
Eficácia e imunogenicidade
A vacinação induz a produção de anticorpos específicos anti-VHA, dando lugar à
imunidade protetora praticamente em 100% das crianças vacinadas. O título médio de
anticorpos obtidos após a vacinação é mais elevado do que o observado após
administração de imunoglobulina padrão. A eficácia protetora é de 95% e estima-se que
a proteção dure entre 16 e 25 anos ou, talvez, pela via toda. Em pessoas que
experimentalmente receberam um número maior de doses que as recomendadas, a
persistência de anticorpos foi calculada entre 24 e 47 anos. De uma forma ou de outra,
esta duração de proteção estimada não considera os reforços naturais que ocorrem como
resultado da exposição ao vírus selvagem. Com esses reforços é possível que a
imunidade seja permanente, pelo menos nos países em desenvolvimento e com um
padrão de alta endemicidade para o vírus.
Vale ressaltar que os níveis de anticorpos obtidos com a vacina tendem a ser menor (10
a 100 X menor) do que o observado após a infecção pelo vírus selvagem da hepatite A.
O kit comercialmente disponível para avaliação de IgG anti-VHA pode não detectar a
soroconversão da vacina. Sendo assim, a avaliação sorológica para testar soroconversão
após vacinas contra o VHA, com os kits disponíveis, não deve ser solicitada.
Reações adversas
A vacina é bem tolerada. A freqüência de reações adversas é semelhante à encontrada
com outras vacinas que contêm hidróxido de alumínio como adjuvante. Os eventos
adversos em geral são leves ou moderados e transitórios ocorrendo dentro de um ou dois
dias após vacinação. As manifestações locais (dor, tumefação, vermelhidão) no lugar da
injeção, ocorrem com uma freqüência aproximada de 10% dos vacinados. As reações
gerais (febre, mal-estar, anorexia etc.) se apresentam em menos de 10% dos mesmos. A
freqüência das reações adversas tende a diminuir na dose subsequente.
É obrigatório vacinar hepatopatas, a menos que seja demonstrado que já estão imunes
para o VHA. A segurança e eficácia da Havrix®, em pacientes com hepatopatia crônica
de etiologia viral (hepatite B e hepatite C), e de outras etiologias, foi demonstrada. Esta
indicação foi aprovada pelo FDA americano.
Calendário de vacinação, posologia e via de administração
A dose geralmente recomendada consiste uma dose e um reforço ambos de 720
unidades ELISA (U.EL.) de um ano a 18 anos, 11 meses e 29 dias, com um intervalo
entre as aplicações de seis a 12 meses. Esquema para maiores de 19 anos: uma dose
única de 1440 U.EL., seguida de um reforço de seis a 12 meses após. Com a dose única
de 1440 U.EL. são alcançadas porcentagens de soroconversão de cerca de 99%
transcorrido um mês da administração.
A via de administração é intramuscular. Não é recomendada a administração na região
glútea, pois a soroconversão pode não ser boa. Nos casos de diátese hemorrágica, a
vacinação pode ser administrada por via subcutânea e nessa eventualidade pode ocorrer
aumento dos eventos adversos e menor imunogenicidade.
Interações
Não apresenta interações e pode ser administrada simultaneamente com outras vacinas
usando seringas e lugares anatômicos diferentes. A administração concomitante de
imunoglobulinas e vacina anti VHA não afeta o índice de soroconversão, mas pode ter
como resultado um título relativamente mais baixo de anticorpos do que quando é
administrada somente a vacina.
VAQTA ® (Merck Sharp & Dohme)
É uma vacina inativada que utiliza a cepa CR326F e foi aprovada pela FDA (EUA) em
1996. A cepa viral é cultivada em células diplóides humanas MRC-5, é inativada com
formalina e adsorvida em hidróxido de alumínio como adjuvante. Os estudos clínicos
demonstram características imunogênicas e de reações colaterais semelhantes às da
HavrixR. Sua eficácia protetora também é elevada. A dose comumente recomendada é a
administração de uma dose e um reforço em crianças (a partir de 2 anos) e adolescentes
até os 17 anos, 11 meses e 29 dias, de 25 U/dose com uma potência equivalente a 720
U.EL. da vacina HavrixR) e de uma dose e um reforço em adultos com mais de 18 anos
(50 U/dose). O intervalo entre as aplicações é de 6 a 18 meses para adolescentes com
menos de 18 anos de idade e de 6 meses para os adolescentes com idades superiores.
Mesmo que ainda não tenha sido comercializada, foram publicados estudos com uma
nova fórmula de VAQTA® de 100 U/dose. Esta fórmula foi comparada com a Havrix®
1440 U.EL., apresentando uma imunogenicidade semelhante associada a um bom perfil
de tolerância local. Em 2001 houve um problema com alguns lotes da VAQTA sendo
recomendado a revacinação das pessoas em vários países do mundo, inclusive no Brasil.
Avaxim® (Pasteur Mérieux)
É uma vacina inativada em formaldeído, derivada de uma cepa do VHA isolada na
Alemanha, adsorvida em hidróxido de alumínio e utilizada na maior parte do mundo
essencialmente em adultos, à concentração de 160 RIA/0,5 mL, em duas doses
separadas por um intervalo de seis meses. Os estudos em adultos mostraram uma
resposta precoce na geração de anticorpos. Nos EUA essa vacina está licenciada apenas
para adolescentes com mais de 15 anos de idade.
Num estudo recente, foi avaliada em crianças de 18 meses a 15 anos de idade e
aprovada em alguns países, em duas doses separadas por um intervalo de seis meses.
Logo antes da dose de reforço, a soroconversão foi de 100% com um aumento de 22,6
vezes nos títulos dos anticorpos quatro semanas depois da dose de reforço. Reações
locais e sistêmicas foram observadas em cerca de 20% dos vacinados. Em geral, mostra
um perfis de segurança e imunogenicidade bons em crianças das idades mencionadas.
Será importante avaliar estudos de eficácia protetora e de uso concomitante com outras
vacinas.
No Brasil esta vacina está licenciada para crianças com mais de 1 ano de idade
aplicando-se duas doses com intervalo de 6 meses entre elas. Por enquanto não se faz,
ao contrário de vários outros países do mundo, distinção entre as doses para crianças e
para adultos, mas parece que isto será modificado.
Epaxal® (Berna)
A dose é igual para crianças com mais de 2 anos de idade e adultos. Cada dose da vacina
tem 24 UI de VHA inativado, associado com 10g de hemaglutinina de influenza e
100g de fosfolípide. O esquema recomendado também é o de duas doses com intervalo
de 6 a 12 meses entre as doses. Essa vacina não tem alumínio como adjuvante.
Vacinas combinadas
A vacina combinada de hepatite A e B (TwinrixR, GlaxoSmithKline) foi aprovada no
Brasil em 1998 e também em vários países europeus e nos EUA. Estudos clínicos
demonstraram sua segurança e eficácia.
Esquemas acelerados da combinação (zero, sete e 21 dias) foram estudados a fim de
poder proporcionar proteção rápida para viajantes. Uma semana depois da terceira dose,
mais de 80% dos sujeitos ficaram protegidos contra a hepatite B e todos os sujeitos
soroconverteram para o VHA.
A Havrix® 1440 foi combinada com a vacina contra a febre tifóide polissacarídea Vi,
mostrando uma soroconversão equivalente à das vacinas monovalentes. Essa
combinação não está disponível comercialmente.
Atuação em casos especiais
Atuação em surtos epidêmicos. Diversos estudos clínicos demonstraram a eficácia da
vacinação na interrupção de surtos epidêmicos de hepatite A ocorridos na comunidade,
creches, hospitais, prisões e instituições para deficientes mentais.
Vacinação de contatos. Informações preliminares sugerem que a administração da
vacina (Havrix®) contra o VHA nos três dias subseqüentes ao contato (há relato de até
15 a 18 dias após) apresenta um nível elevado de proteção. Foram publicados os
resultados de um estudo prospectivo, aleatório, para avaliar a eficácia da vacina na
prevenção de casos secundários em pessoas de um a 40 anos. O período de tempo pósexposição antes da vacina foi inferior a cinco dias na maioria dos casos. A eficácia
protetora da vacina foi de 79% e os dois casos que ocorreram no grupo vacinado com
Havrix® foram assintomáticos. Estes resultados sugerem que a vacina é eficaz na
prevenção de casos secundários e que deve ser recomendada aos contatos de casos
primários. A administração simultânea de imunoglobulinas foi motivo de discussão, já
que ainda que não afeta a porcentagem de pessoas soroconvertidas, pode ter como
conseqüência um título mais baixo de anticorpos do que se a vacina tivesse sido
administrada sozinha. Se for decidida a administração, deve ser utilizado um lugar
diferente daquele usado para a vacina. Vale ressaltar que em artigo recente (Taliani e
Gaete. Hepatitis A: post-exposure prophylaxis. Vaccine 21 (2003) o uso de
imunoglobulina foi desencorajado dando-se maior ênfase ao uso de vacina na proteção
pós exposição.
Quadro 1.
Vacinas contra a hepatite A no Brasil
Nome comercial
Informações
Apresentação
e
Gerais
dose
Havrix®
Vacina inativada.
Crianças (>1 ano):
GlaxoSmithKline
Adjuvante:
720 U.EL./0,5 mL
hidróxido
2 doses: 0, 6-12
De alumínio
meses
Adultos (>19):
1440 U.EL./1 mL
2 doses: 0, 6-12
meses
VAQTAR
Vacina inativada.
Crianças (>2 anos):
25 U/0,5 mL
Merck Sharp & Adjuvante:
2 doses: 0, 6-18
Dohme
hidróxido
meses
De alumínio
Adultos:
50 U/1 mL
2 doses: 0, 6 meses
R
Avaxim
Vacina inativada.
Adultos:
Aventis Pasteur
Adjuvante:
160 RIA/0,5 mL
Comentários
Ampla experiência.
Aprovada pela FDA. Da
mesma forma que as outras
vacinas que tem alumínio não
deve ser congelada.
Aprovada pela FDA.
Características
Imunogênicas e
Reações
colaterais
semelhantes à HavrixR.
Indicada para maiores de 1
ano.
EpaxalR
Berna
hidróxido
De alumínio
Vacina inativada.
Sem hidróxido de
alumínio
2 doses: 0, 6 meses
24 UI de VHA
Indicada para maiores de 2
2 doses com 6 a 12 anos.
meses entre elas
VACINAÇÃO CONTRA A HEPATITE B
EPIDEMIOLOGIA
A hepatite B é uma infecção de distribuição universal com diferenças importantes em
sua incidência e mecanismos de transmissão, em função das condições
socioeconômicas, sanitárias e culturais das diferentes regiões geográficas. O vírus da
hepatite B (VHB) está presente no sangue, fluidos e líquidos orgânicos, lágrimas e
saliva das pessoas portadoras do vírus, tanto as assintomáticas quanto as que apresentam
infecção aguda ou crônica, e são essas pessoas que constituem o foco ou reservatório do
vírus para efeitos de transmissão.
A transmissão do VHB ocorre principalmente por quatro mecanismos, dependendo da
importância de um ou de outro, segundo a incidência da doença no meio:
1. Transmissão vertical ou perinatal: ocorre em zonas de endemicidade média ou alta,
é a principal via, na maior parte do mundo, permitindo a perpetuação da doença,
pois uma grande parte dessas crianças infectadas passará à cronicidade (90%).
2. Transmissão horizontal: ocorre em zonas de endemicidade baixa ou média; aqui são
particularmente importantes os riscos dos contatos domésticos ou sexuais dos
portadores crônicos, o que se chama transmissão intrafamiliar, particularmente
importante em pediatria.
3. Transmissão por via sexual: apesar da concentração do VHB ser de 100 a 1.000
vezes mais baixa no sêmen e na secreção vaginal do que no soro, foi demonstrado
que a transmissão através desses fluidos é real.
4. Transmissão por via parenteral: atualmente o perigo da transfusão de sangue ou
plasma ou utilização de instrumentos cirúrgicos praticamente desapareceu, pois as
medidas de biossegurança, quando aplicadas, são muito eficientes. O risco tende a
diminuir para os pacientes em hemodiálise, profissionais de saúde, desde que
tenham sido vacinados.
No entanto persiste o mecanismo parenteral nos consumidores de drogas por via
endovenosa; 75% deles apresentam evidência atual ou passada dessa infecção. Também
a acupuntura, tatuagens, perfuração de orelhas, etc. são mecanismos parenterais de
transmissão ainda vigentes.
Agente Etiológico (VHB):
O vírus da hepatite B é um vírus DNA de estrutura complexa pertencente ao grupo
Hepadnaviridae.
Ao microscópio eletrônico, no soro de pacientes infectados, é possível observar a
existência de três tipos de partículas relacionadas com o VHB. As de tamanho maior
têm forma esférica e 42 nm de diâmetro, e correspondem ao vírion infeccioso ou
partícula de Dane. Estas partículas estão constituídas por uma cobertura externa que se
compõe de proteínas, lipídios e hidratos de carbono, e um núcleo central, core, ou
núcleo de 27 nm. A cobertura contém o antígeno de superfície do VHB (HBsAg).
O núcleo central da partícula Dane contém o denominado antígeno do core do VHB
(HBcAg) e outro antígeno muito relacionado com ele, o antígeno “e” (HBeAg). O
HBeAg é um antígeno solúvel e sua concentração em soro é proporcional à das
partículas de Dane, que seriam as partículas infecciosas.
História natural da doença:
A infecção pelo VHB pode levar a uma grande variedade de afecções que vão desde a
hepatite aguda, de duração e gravidade variável, até a hepatopatia crônica de evolução
muito variável.
A infecção aguda caracteriza-se pela presença de HBsAg, HBeAg e altos títulos de IgM
anti-HBc no soro. Estes marcadores desaparecem uma semana depois do início dos
sintomas em pacientes com infecção aguda autolimitada. O HBeAg desaparece do soro,
coincidindo com níveis máximos das aminotransferases. Enquanto o HBsAg
habitualmente permanece detectável até a convalescência porque sua clarificação em
soro requer um tempo mais prolongado.
O anti-HBc eleva-se no soro coincidindo com o início dos sintomas ou precedendo os
sintomas, e permanece detectável durante anos, depois de recuperação da infecção. O
anti-HBe aparece depois do anti-HBc, habitualmente quando o HBeAg já desapareceu.
O último marcador a aparecer é o anti-HBs. O período compreendido entre a
clarificação do HBsAg e o surgimento de seu anticorpo constitui o denominado período
de janela. Geralmente a presença de anti-HBs, que segue a infecção aguda, indica
recuperação da infecção e o desenvolvimento de imunidade.
Estado de portador crônico: 5 a 15% dos adultos imunocompetentes não se recuperam
normalmente da infecção e permanecem positivos para o HBsAg.
Em crianças, ao contrário do que ocorre na idade adulta, a infecção pelo VHB em faixas
muito precoces de idade, sobretudo as crianças que se infectaram por transmissão
vertical, têm maior risco de evoluir para formas crônicas da infecção, até 90%, e
posteriormente desenvolver complicações.
Os indivíduos com uma infecção aguda anictérica têm mais probabilidade de evoluir
para o estado de portador crônico, como ocorre com freqüência nos recém-nascidos,
crianças, pacientes hemodialisados, entre outros, nos quais a infecção é freqüentemente
assintomática e tem persistência do HBsAg. Foi demonstrado que os homens têm mais
dificuldade para clarificar o HBsAg do que as mulheres.
Vacinação contra a hepatite B
VACINAS PRODUZIDAS PELA TÉCNICA DE ENGENHARIA GENÉTICA
A vacina contra a hepatite B atualmente disponível foi, sem dúvida, a primeira grande
vacina obtida por esse processo. As técnicas de recombinação genética do DNA
permitiram expressar o HBsAg do VHB em diversos tipos de células entre as quais cabe
destacar a levedura comum (Saccharomyces cerevisiae). A recombinação do gene, que
codifica o HBsAg nessas células permite obter partículas de HBsAg quase idênticas às
encontradas no plasma dos indivíduos afetados.
Vacinas disponíveis no Brasil
As vacinas disponíveis no Brasil são as obtidas por recombinação genética. Existem
comercialmente vários tipos de vacinas, e todas contêm HBsAg obtido e purificado por
tecnologia de DNA recombinante em leveduras (Saccharomyses cerevisiae), nas quais
se insere o gene responsável pela síntese do HBsAg. Contém como adjuvante hidróxido
de alumínio e timerosal (Butangue®) ou 2-fenoxietanol (Engerix ®) como conservante..
Por ter alumínio devem ser conservadas entre +2 ºC a +8 ºC, sem congelar. A validade
da Engerix B® é de 3 anos nestas condições de conservação.
Eficácia e imunogenicidade: Ainda que a imunogenicidade das vacinas recombinantes
genéticas podem ser consideradas como semelhantes deve-se realizar estudos clínicos
que fundamentem a sua utilização. Três doses de vacina significam uma resposta
protetora de anticorpos em 95-98% dos indivíduos vacinados. Os títulos protetores
começam a manifestar-se duas semanas depois de segunda dose; considera-se títulos
protetores os iguais ou superiores a 10 mUI/mL de anti-HBs. A resposta imunológica é
maior em crianças e adolescentes do que em adultos com mais de 40 anos. Há trabalhos
que sugerem que, no indivíduo satisfatoriamente soroconvertido após a vacinação, a
proteção específica persiste mesmo que, com o tempo, os níveis de anticorpos (antiHBs) fiquem abaixo de 10mUI/mL.
Entre crianças que apresentaram níveis de anticorpos > 10 mUI/mL após o esquema
primário de vacinação, 15 a 50% delas estarão com níveis inferiores a 10 mUI/mL 5 a
15 anos após a vacinação e isso não quer dizer que a pessoa tenha se tornado susceptível
A eficácia não está comprovada diante da circunstância excepcional de uma nova
infecção por “mutantes de fuga”, contra o que não existe proteção específica nos
vacinados. A eficácia da vacina em pacientes com imunossupressão ou submetidos a
hemodiálise é baixa e muito variável, e depende mais das circunstâncias individuais do
que da dose e do esquema de vacinação. A eficácia da vacina não é alterada pela
administração simultânea de IGHB no caso de recém-nascidos de mães portadoras de
HBsAg, tampouco nos esquemas de profilaxia pós-exposição (lembre-se isto é regra
para as vacinas inativadas em geral) em que está indicada o esquema de imunoprofilaxia
mista passiva-ativa.
Há um efeito dose-dependente na resposta imune desenvolvida em crianças e, como
norma geral, aceita-se para maior dose de antígeno administrado, um desenvolvimento
de um maior nível de anticorpos protetores (anti-HBs).
Reações adversas: Estas vacinas têm um excelente perfil de segurança. As reações
adversas locais são transitórias e apresentam-se em 3-5% dos vacinados sob a forma de
irritação local com eritema, enrijecimento e dor no ponto da injeção. As reações gerais
caracterizam-se por febre baixa, náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal, cefaléia e
cansaço, artralgia e mialgia, embora sua incidência seja muito baixa e de resolução
espontânea. Outras raras reações ocasionais são erupção, prurido e urticária. Com
escassa freqüência foram descritos quadros de síncope, hipotensão, broncoespasmo,
angioedema, vasculite e linfadenopatias. Algumas complicações neurológicas, como
vertigem ou parestesia podem ocorrer raramente. Complicações tipo síndrome de
Guillain-Barré foram descritas em pós-vacinados com preparados derivados de plasma,
embora a associação não esteja firmemente estabelecida.
Indicações: Deve-se vacinar universalmente todos os recém-nascidos ou lactentes e
adolescentes.
A vacinação está indicada nos casos de acidentes com material pérfuro-cortante
contaminado com sangue de fonte HBsAg positiva ou desconhecida. No caso de fonte
conhecida com HBsAg (+) será aplicada, em ponto de injeção diferente, IGHB uma
única vez e a vacina 0,1 e 2 meses que, sendo esquema rápido, necessita de uma dose de
reforço 12 meses após a primeira dose. Não devemos esquecer também que, às vítimas
de violência sexual, devem ser oferecidas todas as formas disponíveis de profilaxia pósexposição contra DST’s, incluindo-se aí a profilaxia contra o VHB. A paciente deverá
receber a imunoglobulina e, em outro sítio de punção, receber a primeira das três dose
de sua vacinação.
Em recém-nascidos prematuros, com menos de 2000 gramas; a vacina deverá ser
administrada em 4 doses (0, 1, 2 e 6 a 12 meses).
Contra-indicações e precauções: Apenas a anafilaxia a alguns dos componentes da
vacina, as reações graves a doses prévias da vacina e a presença de infecção com febre
elevada constituem contra-indicações a estas vacinas.
Não é contra-indicada para mulheres grávidas com alto risco de contrair a infecção, já
que as vacinas recombinantes genéticas contêm apenas partículas de HBsAg não
infectante. Pelo contrário, a infecção materna pelo VHB durante a gravidez, sobretudo
no último trimestre, pode resultar em doença grave da mãe, e há um alto risco de
transmissão vertical ao feto ou ao recém-nascido.
Calendário da vacinação:
Há trabalhos que defendem o uso em esquemas diversos de aplicação (0-1-6 / 0-2-6 / 24-6).
Em adolescentes não vacinados recomenda-se administrar 3 doses (0-1-6- meses) sem
fazer sorologia pré nem pós-vacinação.
Não há critérios sobre doses de reforço, mas considera-se que a memória imunológica é
capaz de responder a estímulos infecciosos do VHB, não sendo então necessária.
Vale comentar que o esquema habitualmente recomendado (0,1 e 6 meses), como outros
esquemas para outras vacinas, é apenas uma referência. Alterações neste esquema
influem pouco, ou nada, no resultado final, e são às vezes inevitáveis para integrar um
maior número de pessoas nos programas de vacinação. Em geral, recomenda-se
prosseguir com o esquema de vacinação que fora interrompido por qualquer razão, sem
que seja necessário recomeçar.
Vias de administração:
A via de administração da vacina recombinante como outras vacinas adsorvidas em
hidróxido de alumínio, é a via intramuscular profunda no músculo deltóide. Nos recémnascidos e pré-escolares é preferível empregar a face ântero-lateral do músculo vasto
lateral da coxa. A via subcutânea, em dose idêntica, é menos imunogênica, tanto em
termos de taxas de soroconversão quanto em títulos obtidos; no entanto seria
aconselhada, em determinadas situações, como para pacientes com problemas de
coagulação, nos quais deve ser evitada a via intramuscular.
Conservação:
A vacina deve ser armazenada entre 2 e 8 ºC positivos. Embora se trate de uma vacina
relativamente estável, o congelamento produz um dano irreversível (como toda vacina
que contém alumínio); em nenhuma circunstância deve ser utilizada uma vacina que
tenha sido congelada.
Posologia:
A administração da vacina é feita por via intramuscular na região ântero-lateral do vasto
externo em crianças recém-nascidas e lactentes. Em crianças maiores e adolescentes a
vacina será aplicada no deltóide. Não deve ser administrada na região glútea, pois foi
observada uma menor imunogenicidade nas pessoas que foram vacinadas nessa região.
Em nenhuma circunstância se deve administrar a vacina por via endovenosa No caso de
crianças hemofílicas ou trombocitopênicas, em virtude do risco de hemorragia pode-se
aplicar, muito lentamente, por via subcutânea (Quadro Nº 3).
VACINAS COMBINADAS
O rápido desenvolvimento tecnológico, graças à biologia molecular e à engenharia
genética, fez com que os progressos neste campo fossem muito acelerados e levou à
criação de vacinas que combinam diferentes antígenos. Hoje já se dispõe
comercialmente de: DPT + VHB, DPT + Hb + VHB, DPTa-Hb-eIPV/Hib (essa é a
vacina sêxtupla – Infanrix Hexa – da GSK, a Hexavac da Sanofi Pasteur, foi retirada do
mercado Brasileiro e Mundial em setembro de 2005), e outras combinações estão
licenciadas.
A Twinrix ® é uma vacina combinada contra os vírus das hepatites A e B pode ser
utilizada em crianças a partir de 1 ano de idade. Esta vacina simplificou o esquema de
vacinal, principalmente, de adolescentes não previamente vacinados.
A dose pediátrica (360 U Elisa de VHA e 10g de HBsAg) pode ser utilizada de 1 ano a
15 anos 11 meses e 29 dias e a dose adulto (720 U Elisa de VHA e 20g de HBsAg) a
partir desta idade. Recomenda-se três doses da vacina com 1 mês de intervalo entre a
primeira e a segunda dose e de 5 meses entre a segunda e a terceira dose. Vários
trabalhos demonstram a eficácia da formulação para adultos em crianças a partir de 1
ano até 15 anos administrando-se duas doses dessa vacina, com intervalo de seis a doze
meses entre as mesmas.
Imunoterapia passiva: É feita com IGHB e pode ser indicada no caso de recém-nascidos
de mães HBsAg (+), a administração deve ser feita nas 8-12 primeiras horas de vida.
Também deve ser aplicada em crianças que tiveram contato com as mucosas ou, por via
parenteral, com sangue ou líquidos biológicos infectados.
Quadro 2
Marcadores para detecção de infecção por VHB e imunidade
Abreviação
HBsAg*
Antígeno o anticorpos
Antígeno de superfície
Uso
Detecção de portadores ou de pessoas com
infecção aguda
Anti-HBs
Anticorpos contra o
Identificação de pessoas que tiveram
antígeno de superfície
infecção por VHB e adquiriram imunidade.
(HBsAg)
Determinação de imunidade depois da
vacinação
HbeAg
Antígeno e
Identificação de portadores com risco
elevado de transmitir HBsAg (marcador de
replicação viral ativa)
Anti-Hbe
Anticorpos contra o
Identificação de portadores de HBsAg com
antígeno e (HBe)
baixo risco de infecciosidade
AntiHBc
Anticorpo contra o antígeno Identificação de pessoas que tiveram
do núcleo (HBcAg)
contato com VHB
Anti-HBIgM Anticorpos contra um
Identificação de infecções agudas ou
antígeno do núcleo
recentes por VHB (inclusive aquelas que se
apresentam em pessoas HBsAg-negativas)
positivo em hepatite crônicas ativas.
* Este antígeno pode estar presente em pessoas que foram vacinadas recentemente (até
18 dias atrás).
Fonte
Pessoal exposto
Não vacinada com
esquema incompleto
UI/I
Vacinada com
esquema completo
(com títulos > 10
UI/I)
Vacinada com
esquema completo
(com títulos < 10
UI/I)
Resposta
Desconhecida
Fonte
HBsAg-positiva
IGHB x 1 e iniciar
vacina anti-HB
Nenhum tratamento
IGHB x 2 (com 1 mês
de intervalo ou IGHB
x mais 1 dose de
vacina anti-HB e
completar esquema
Medir níveis de
anticorpos anti-HBs
do indivíduo exposto.
Se forem inadequados
IGHB x 2 ou IGHB x
1 mais 1 dose de
reforço de vacina antiHB e completar
esquema. Se forem
adequados, nenhum
tratamento é
necessário.
Fonte
HBsAg-negativa
Iniciar ou
completar
vacinação anti-HB
Nenhum
tratamento
Fonte
Desconhecida
IGHB x 1 ou iniciar
ou completar
vacinação anti-HB
Nenhum tratamento
Nenhum
tratamento
Trata-se como se a
fonte fosse HBsAg
(+)
Nenhum
tratamento
Medir níveis de
anticorpos anti-HBs
do indivíduo
exposto. Se forem
inadequados, aplicar
dose de reforço de
vacina anti-HB. Se
forem adequados,
nenhum tratamento
é necessário.
Download