HEPATITE A Dr. Edimilson Migowski Introdução O padrão epidemiológico global latino-americano parece estar mudando como resultado da melhoria nas condições sociais e higiênicas. À medida que as condições melhoram, o desenvolvimento da doença tende a ocorrer em crianças com mais idade, adolescentes e adultos, nos quais as complicações são mais freqüentes. A vacina contra a hepatite A é um item importante quando se planeja a proteção do adolescente, pois há um deslocamento da faixa de incidência e aumento da taxa de morbidade pela infecção. Há alguns conceitos equivocados em relação à hepatite A: Já somos todos imunes. Com a melhoria das condições sanitárias a infecção não é mais comum na infância. Um levantamento entre pilotos civis com mais de 35 anos de idade demonstrou que >65% dos indivíduos não tinham tido contato com o vírus. Mesmo entre as pessoas com menor renda, a exposição vem se tornando menos comum visto que as condições de saneamento básico vem melhorando em muitas áreas urbanas. Geralmente o quadro é assintomático. Na verdade, a forma assintomática ocorre na infância. Jovens e adultos, principalmente após os 49 anos, cursam com sintomatologia significativa, o que gera expressivos gastos com cuidados médicos. Nessa faixa etária a hepatite A mata 27 pessoas por mil que adoecem. A doença é autolimitada. Já foram descritos distúrbios auto-imunes desencadeados pelo VHA. Tendo em vista a disponibilidade de vacinas eficazes e bem toleradas, é indispensável proteger a população. Mesmo considerando o caráter benigno da maioria dos casos, o custo da doença é expressivo quando se consideram os dias parados pelo paciente e por seus familiares e ainda o dispêndio com exames para diagnóstico e controle evolutivo da enfermidade. A vacina pode ser usada para proteção pós exposição. Há diferentes experiências neste sentido, especialmente em creches, onde a administração da vacina é capaz de interromper um surto epidêmico. A vacina pode ser usada por pessoas imunodeprimidas ou que estão sob corticoterapia. O grau de soroconversão é muito elevado, mas os testes laboratoriais usados no dia a dia não têm sensibilidade para detectar os níveis de anticorpos induzidos pela vacina já que estes, embora protetores, são muito inferiores aos desenvolvidos pela doença. Agente etiológico O VHA pertence à família Picornaviridae e é classificado dentro do gênero dos Hepadnavirus. É pequeno e mede entre 27 e 32 nanômetros de diâmetro. Seu material genético está constituído por RNA. Da mesma forma que o vírus da hepatite E, o VHA é um vírus sem invólucro. A ausência de cobertura lipídica permite a passagem de vírus, a partir do fígado em direção ao intestino, através do sistema biliar. É muito estável em condições adversas, permanecendo viável em alimentos e água durante meses. É inativado por temperaturas superiores a 100o C durante cinco minutos, sendo exposto aos raios ultravioleta, cloro, formalina e propiolactona-B. Foram descritos um sorotipo e vários genótipos do VHA. Os genótipos têm somente um epítopo dominante altamente conservado, responsável pela geração de anticorpos. Esta característica é ideal para a formulação de uma vacina, pois incluindo o epítopo, esta seria eficaz em qualquer região geográfica. Doença A via de transmissão é principalmente fecal-oral. Dado que não existe o estado de portador crônico para este vírus, a transmissão através de sangue e hemoderivados é rara, pois ocorre somente durante o período de incubação. Este período oscila entre 15 a 50 dias, com uma média de 30 dias. Embora a infectividade máxima seja demonstrada de 14 a 21 dias antes a 8 dias após o início da icterícia, dados epidemiológicos sugerem que o pico de infectividade ocorra durante as 2 semanas que antecedem o início da sintomatologia. Seria coerente admintir que tanto crianças quantos os adultos não transmitam mais o VHA cerca de 1 semana após iniciado a icterícia. A hepatite sintomática ocorre em menos de 30% das crianças infectadas com menos de seis anos, e em 70% a 95% dos adultos. As internações, complicações e letalidade aumentam com a idade. A letalidade sofre um aumento significativo naqueles indivíduos com doença hepática crônica subjacente. As manifestações clínicas características em grupos pediátricos são febre, mal-estar, anorexia, náuseas, vômitos, dor abdominal e diarréia. O surgimento de icterícia, colúria e acolia são acompanhados por uma melhoria do estado geral, e a recuperação em geral se dá em poucas semanas sem deixar seqüelas. A detecção de IgM anti-VHA estabelece o diagnóstico da infecção em fase aguda e a presença de IgG anti-VHA constitui marcador de contato anterior com o VHA, que permanece por toda a vida. Entre as complicações da infecção encontramos a hepatite colestática, na qual predomina a icterícia prolongada, colúria intensa, acolia e prurido. A hepatite recorrente, que em 10% dos casos se apresenta com uma recaída clínica acompanhada de uma nova elevação de transaminases. A hepatite fulminante, que constitui a forma mais grave da doença, com sinais clínicos de insuficiência hepática que traduzem necrose hepática maciça. No Brasil a causa infecciosa principal de insuficiência hepática aguda é o VHA. Finalmente, a hepatite crônica auto-imune tipo I constitui uma manifestação atípica da hepatite A, que até há pouco tempo não tinha sido descrita. Vacinas contra a hepatite A Vacinas disponíveis no Brasil Havrix® (GlaxoSmithKline) É uma vacina inativada com formaldeído e adsorvida em hidróxido de alumínio como adjuvante. A cepa da vacina é a HM 175, procedente das fezes de um paciente australiano acometido de hepatite A e cultivada em células diplóides humanas MRC-5. Após um período de três semanas o vírus é colhido e extraído das células. A purificação dos vírions é constituída por várias etapas que incluem filtragem estéril, ultrafiltragem e concentração por cromatografia de coluna. A suspensão do vírus purificada e filtrada é inativada com 250 microgramas/mililitro de formaldeído a 37° C durante 15 dias. Os vírions inativados são posteriormente absorvidos em hidróxido de alumínio como adjuvante a uma concentração de vírus de hepatite A de 720 unidades ELISA/ 0,5 mL ou de 1.440 unidades ELISA/ 1 mL. Eficácia e imunogenicidade A vacinação induz a produção de anticorpos específicos anti-VHA, dando lugar à imunidade protetora praticamente em 100% das crianças vacinadas. O título médio de anticorpos obtidos após a vacinação é mais elevado do que o observado após administração de imunoglobulina padrão. A eficácia protetora é de 95% e estima-se que a proteção dure entre 16 e 25 anos ou, talvez, pela via toda. Em pessoas que experimentalmente receberam um número maior de doses que as recomendadas, a persistência de anticorpos foi calculada entre 24 e 47 anos. De uma forma ou de outra, esta duração de proteção estimada não considera os reforços naturais que ocorrem como resultado da exposição ao vírus selvagem. Com esses reforços é possível que a imunidade seja permanente, pelo menos nos países em desenvolvimento e com um padrão de alta endemicidade para o vírus. Vale ressaltar que os níveis de anticorpos obtidos com a vacina tendem a ser menor (10 a 100 X menor) do que o observado após a infecção pelo vírus selvagem da hepatite A. O kit comercialmente disponível para avaliação de IgG anti-VHA pode não detectar a soroconversão da vacina. Sendo assim, a avaliação sorológica para testar soroconversão após vacinas contra o VHA, com os kits disponíveis, não deve ser solicitada. Reações adversas A vacina é bem tolerada. A freqüência de reações adversas é semelhante à encontrada com outras vacinas que contêm hidróxido de alumínio como adjuvante. Os eventos adversos em geral são leves ou moderados e transitórios ocorrendo dentro de um ou dois dias após vacinação. As manifestações locais (dor, tumefação, vermelhidão) no lugar da injeção, ocorrem com uma freqüência aproximada de 10% dos vacinados. As reações gerais (febre, mal-estar, anorexia etc.) se apresentam em menos de 10% dos mesmos. A freqüência das reações adversas tende a diminuir na dose subsequente. É obrigatório vacinar hepatopatas, a menos que seja demonstrado que já estão imunes para o VHA. A segurança e eficácia da Havrix®, em pacientes com hepatopatia crônica de etiologia viral (hepatite B e hepatite C), e de outras etiologias, foi demonstrada. Esta indicação foi aprovada pelo FDA americano. Calendário de vacinação, posologia e via de administração A dose geralmente recomendada consiste uma dose e um reforço ambos de 720 unidades ELISA (U.EL.) de um ano a 18 anos, 11 meses e 29 dias, com um intervalo entre as aplicações de seis a 12 meses. Esquema para maiores de 19 anos: uma dose única de 1440 U.EL., seguida de um reforço de seis a 12 meses após. Com a dose única de 1440 U.EL. são alcançadas porcentagens de soroconversão de cerca de 99% transcorrido um mês da administração. A via de administração é intramuscular. Não é recomendada a administração na região glútea, pois a soroconversão pode não ser boa. Nos casos de diátese hemorrágica, a vacinação pode ser administrada por via subcutânea e nessa eventualidade pode ocorrer aumento dos eventos adversos e menor imunogenicidade. Interações Não apresenta interações e pode ser administrada simultaneamente com outras vacinas usando seringas e lugares anatômicos diferentes. A administração concomitante de imunoglobulinas e vacina anti VHA não afeta o índice de soroconversão, mas pode ter como resultado um título relativamente mais baixo de anticorpos do que quando é administrada somente a vacina. VAQTA ® (Merck Sharp & Dohme) É uma vacina inativada que utiliza a cepa CR326F e foi aprovada pela FDA (EUA) em 1996. A cepa viral é cultivada em células diplóides humanas MRC-5, é inativada com formalina e adsorvida em hidróxido de alumínio como adjuvante. Os estudos clínicos demonstram características imunogênicas e de reações colaterais semelhantes às da HavrixR. Sua eficácia protetora também é elevada. A dose comumente recomendada é a administração de uma dose e um reforço em crianças (a partir de 2 anos) e adolescentes até os 17 anos, 11 meses e 29 dias, de 25 U/dose com uma potência equivalente a 720 U.EL. da vacina HavrixR) e de uma dose e um reforço em adultos com mais de 18 anos (50 U/dose). O intervalo entre as aplicações é de 6 a 18 meses para adolescentes com menos de 18 anos de idade e de 6 meses para os adolescentes com idades superiores. Mesmo que ainda não tenha sido comercializada, foram publicados estudos com uma nova fórmula de VAQTA® de 100 U/dose. Esta fórmula foi comparada com a Havrix® 1440 U.EL., apresentando uma imunogenicidade semelhante associada a um bom perfil de tolerância local. Em 2001 houve um problema com alguns lotes da VAQTA sendo recomendado a revacinação das pessoas em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Avaxim® (Pasteur Mérieux) É uma vacina inativada em formaldeído, derivada de uma cepa do VHA isolada na Alemanha, adsorvida em hidróxido de alumínio e utilizada na maior parte do mundo essencialmente em adultos, à concentração de 160 RIA/0,5 mL, em duas doses separadas por um intervalo de seis meses. Os estudos em adultos mostraram uma resposta precoce na geração de anticorpos. Nos EUA essa vacina está licenciada apenas para adolescentes com mais de 15 anos de idade. Num estudo recente, foi avaliada em crianças de 18 meses a 15 anos de idade e aprovada em alguns países, em duas doses separadas por um intervalo de seis meses. Logo antes da dose de reforço, a soroconversão foi de 100% com um aumento de 22,6 vezes nos títulos dos anticorpos quatro semanas depois da dose de reforço. Reações locais e sistêmicas foram observadas em cerca de 20% dos vacinados. Em geral, mostra um perfis de segurança e imunogenicidade bons em crianças das idades mencionadas. Será importante avaliar estudos de eficácia protetora e de uso concomitante com outras vacinas. No Brasil esta vacina está licenciada para crianças com mais de 1 ano de idade aplicando-se duas doses com intervalo de 6 meses entre elas. Por enquanto não se faz, ao contrário de vários outros países do mundo, distinção entre as doses para crianças e para adultos, mas parece que isto será modificado. Epaxal® (Berna) A dose é igual para crianças com mais de 2 anos de idade e adultos. Cada dose da vacina tem 24 UI de VHA inativado, associado com 10g de hemaglutinina de influenza e 100g de fosfolípide. O esquema recomendado também é o de duas doses com intervalo de 6 a 12 meses entre as doses. Essa vacina não tem alumínio como adjuvante. Vacinas combinadas A vacina combinada de hepatite A e B (TwinrixR, GlaxoSmithKline) foi aprovada no Brasil em 1998 e também em vários países europeus e nos EUA. Estudos clínicos demonstraram sua segurança e eficácia. Esquemas acelerados da combinação (zero, sete e 21 dias) foram estudados a fim de poder proporcionar proteção rápida para viajantes. Uma semana depois da terceira dose, mais de 80% dos sujeitos ficaram protegidos contra a hepatite B e todos os sujeitos soroconverteram para o VHA. A Havrix® 1440 foi combinada com a vacina contra a febre tifóide polissacarídea Vi, mostrando uma soroconversão equivalente à das vacinas monovalentes. Essa combinação não está disponível comercialmente. Atuação em casos especiais Atuação em surtos epidêmicos. Diversos estudos clínicos demonstraram a eficácia da vacinação na interrupção de surtos epidêmicos de hepatite A ocorridos na comunidade, creches, hospitais, prisões e instituições para deficientes mentais. Vacinação de contatos. Informações preliminares sugerem que a administração da vacina (Havrix®) contra o VHA nos três dias subseqüentes ao contato (há relato de até 15 a 18 dias após) apresenta um nível elevado de proteção. Foram publicados os resultados de um estudo prospectivo, aleatório, para avaliar a eficácia da vacina na prevenção de casos secundários em pessoas de um a 40 anos. O período de tempo pósexposição antes da vacina foi inferior a cinco dias na maioria dos casos. A eficácia protetora da vacina foi de 79% e os dois casos que ocorreram no grupo vacinado com Havrix® foram assintomáticos. Estes resultados sugerem que a vacina é eficaz na prevenção de casos secundários e que deve ser recomendada aos contatos de casos primários. A administração simultânea de imunoglobulinas foi motivo de discussão, já que ainda que não afeta a porcentagem de pessoas soroconvertidas, pode ter como conseqüência um título mais baixo de anticorpos do que se a vacina tivesse sido administrada sozinha. Se for decidida a administração, deve ser utilizado um lugar diferente daquele usado para a vacina. Vale ressaltar que em artigo recente (Taliani e Gaete. Hepatitis A: post-exposure prophylaxis. Vaccine 21 (2003) o uso de imunoglobulina foi desencorajado dando-se maior ênfase ao uso de vacina na proteção pós exposição. Quadro 1. Vacinas contra a hepatite A no Brasil Nome comercial Informações Apresentação e Gerais dose Havrix® Vacina inativada. Crianças (>1 ano): GlaxoSmithKline Adjuvante: 720 U.EL./0,5 mL hidróxido 2 doses: 0, 6-12 De alumínio meses Adultos (>19): 1440 U.EL./1 mL 2 doses: 0, 6-12 meses VAQTAR Vacina inativada. Crianças (>2 anos): 25 U/0,5 mL Merck Sharp & Adjuvante: 2 doses: 0, 6-18 Dohme hidróxido meses De alumínio Adultos: 50 U/1 mL 2 doses: 0, 6 meses R Avaxim Vacina inativada. Adultos: Aventis Pasteur Adjuvante: 160 RIA/0,5 mL Comentários Ampla experiência. Aprovada pela FDA. Da mesma forma que as outras vacinas que tem alumínio não deve ser congelada. Aprovada pela FDA. Características Imunogênicas e Reações colaterais semelhantes à HavrixR. Indicada para maiores de 1 ano. EpaxalR Berna hidróxido De alumínio Vacina inativada. Sem hidróxido de alumínio 2 doses: 0, 6 meses 24 UI de VHA Indicada para maiores de 2 2 doses com 6 a 12 anos. meses entre elas VACINAÇÃO CONTRA A HEPATITE B EPIDEMIOLOGIA A hepatite B é uma infecção de distribuição universal com diferenças importantes em sua incidência e mecanismos de transmissão, em função das condições socioeconômicas, sanitárias e culturais das diferentes regiões geográficas. O vírus da hepatite B (VHB) está presente no sangue, fluidos e líquidos orgânicos, lágrimas e saliva das pessoas portadoras do vírus, tanto as assintomáticas quanto as que apresentam infecção aguda ou crônica, e são essas pessoas que constituem o foco ou reservatório do vírus para efeitos de transmissão. A transmissão do VHB ocorre principalmente por quatro mecanismos, dependendo da importância de um ou de outro, segundo a incidência da doença no meio: 1. Transmissão vertical ou perinatal: ocorre em zonas de endemicidade média ou alta, é a principal via, na maior parte do mundo, permitindo a perpetuação da doença, pois uma grande parte dessas crianças infectadas passará à cronicidade (90%). 2. Transmissão horizontal: ocorre em zonas de endemicidade baixa ou média; aqui são particularmente importantes os riscos dos contatos domésticos ou sexuais dos portadores crônicos, o que se chama transmissão intrafamiliar, particularmente importante em pediatria. 3. Transmissão por via sexual: apesar da concentração do VHB ser de 100 a 1.000 vezes mais baixa no sêmen e na secreção vaginal do que no soro, foi demonstrado que a transmissão através desses fluidos é real. 4. Transmissão por via parenteral: atualmente o perigo da transfusão de sangue ou plasma ou utilização de instrumentos cirúrgicos praticamente desapareceu, pois as medidas de biossegurança, quando aplicadas, são muito eficientes. O risco tende a diminuir para os pacientes em hemodiálise, profissionais de saúde, desde que tenham sido vacinados. No entanto persiste o mecanismo parenteral nos consumidores de drogas por via endovenosa; 75% deles apresentam evidência atual ou passada dessa infecção. Também a acupuntura, tatuagens, perfuração de orelhas, etc. são mecanismos parenterais de transmissão ainda vigentes. Agente Etiológico (VHB): O vírus da hepatite B é um vírus DNA de estrutura complexa pertencente ao grupo Hepadnaviridae. Ao microscópio eletrônico, no soro de pacientes infectados, é possível observar a existência de três tipos de partículas relacionadas com o VHB. As de tamanho maior têm forma esférica e 42 nm de diâmetro, e correspondem ao vírion infeccioso ou partícula de Dane. Estas partículas estão constituídas por uma cobertura externa que se compõe de proteínas, lipídios e hidratos de carbono, e um núcleo central, core, ou núcleo de 27 nm. A cobertura contém o antígeno de superfície do VHB (HBsAg). O núcleo central da partícula Dane contém o denominado antígeno do core do VHB (HBcAg) e outro antígeno muito relacionado com ele, o antígeno “e” (HBeAg). O HBeAg é um antígeno solúvel e sua concentração em soro é proporcional à das partículas de Dane, que seriam as partículas infecciosas. História natural da doença: A infecção pelo VHB pode levar a uma grande variedade de afecções que vão desde a hepatite aguda, de duração e gravidade variável, até a hepatopatia crônica de evolução muito variável. A infecção aguda caracteriza-se pela presença de HBsAg, HBeAg e altos títulos de IgM anti-HBc no soro. Estes marcadores desaparecem uma semana depois do início dos sintomas em pacientes com infecção aguda autolimitada. O HBeAg desaparece do soro, coincidindo com níveis máximos das aminotransferases. Enquanto o HBsAg habitualmente permanece detectável até a convalescência porque sua clarificação em soro requer um tempo mais prolongado. O anti-HBc eleva-se no soro coincidindo com o início dos sintomas ou precedendo os sintomas, e permanece detectável durante anos, depois de recuperação da infecção. O anti-HBe aparece depois do anti-HBc, habitualmente quando o HBeAg já desapareceu. O último marcador a aparecer é o anti-HBs. O período compreendido entre a clarificação do HBsAg e o surgimento de seu anticorpo constitui o denominado período de janela. Geralmente a presença de anti-HBs, que segue a infecção aguda, indica recuperação da infecção e o desenvolvimento de imunidade. Estado de portador crônico: 5 a 15% dos adultos imunocompetentes não se recuperam normalmente da infecção e permanecem positivos para o HBsAg. Em crianças, ao contrário do que ocorre na idade adulta, a infecção pelo VHB em faixas muito precoces de idade, sobretudo as crianças que se infectaram por transmissão vertical, têm maior risco de evoluir para formas crônicas da infecção, até 90%, e posteriormente desenvolver complicações. Os indivíduos com uma infecção aguda anictérica têm mais probabilidade de evoluir para o estado de portador crônico, como ocorre com freqüência nos recém-nascidos, crianças, pacientes hemodialisados, entre outros, nos quais a infecção é freqüentemente assintomática e tem persistência do HBsAg. Foi demonstrado que os homens têm mais dificuldade para clarificar o HBsAg do que as mulheres. Vacinação contra a hepatite B VACINAS PRODUZIDAS PELA TÉCNICA DE ENGENHARIA GENÉTICA A vacina contra a hepatite B atualmente disponível foi, sem dúvida, a primeira grande vacina obtida por esse processo. As técnicas de recombinação genética do DNA permitiram expressar o HBsAg do VHB em diversos tipos de células entre as quais cabe destacar a levedura comum (Saccharomyces cerevisiae). A recombinação do gene, que codifica o HBsAg nessas células permite obter partículas de HBsAg quase idênticas às encontradas no plasma dos indivíduos afetados. Vacinas disponíveis no Brasil As vacinas disponíveis no Brasil são as obtidas por recombinação genética. Existem comercialmente vários tipos de vacinas, e todas contêm HBsAg obtido e purificado por tecnologia de DNA recombinante em leveduras (Saccharomyses cerevisiae), nas quais se insere o gene responsável pela síntese do HBsAg. Contém como adjuvante hidróxido de alumínio e timerosal (Butangue®) ou 2-fenoxietanol (Engerix ®) como conservante.. Por ter alumínio devem ser conservadas entre +2 ºC a +8 ºC, sem congelar. A validade da Engerix B® é de 3 anos nestas condições de conservação. Eficácia e imunogenicidade: Ainda que a imunogenicidade das vacinas recombinantes genéticas podem ser consideradas como semelhantes deve-se realizar estudos clínicos que fundamentem a sua utilização. Três doses de vacina significam uma resposta protetora de anticorpos em 95-98% dos indivíduos vacinados. Os títulos protetores começam a manifestar-se duas semanas depois de segunda dose; considera-se títulos protetores os iguais ou superiores a 10 mUI/mL de anti-HBs. A resposta imunológica é maior em crianças e adolescentes do que em adultos com mais de 40 anos. Há trabalhos que sugerem que, no indivíduo satisfatoriamente soroconvertido após a vacinação, a proteção específica persiste mesmo que, com o tempo, os níveis de anticorpos (antiHBs) fiquem abaixo de 10mUI/mL. Entre crianças que apresentaram níveis de anticorpos > 10 mUI/mL após o esquema primário de vacinação, 15 a 50% delas estarão com níveis inferiores a 10 mUI/mL 5 a 15 anos após a vacinação e isso não quer dizer que a pessoa tenha se tornado susceptível A eficácia não está comprovada diante da circunstância excepcional de uma nova infecção por “mutantes de fuga”, contra o que não existe proteção específica nos vacinados. A eficácia da vacina em pacientes com imunossupressão ou submetidos a hemodiálise é baixa e muito variável, e depende mais das circunstâncias individuais do que da dose e do esquema de vacinação. A eficácia da vacina não é alterada pela administração simultânea de IGHB no caso de recém-nascidos de mães portadoras de HBsAg, tampouco nos esquemas de profilaxia pós-exposição (lembre-se isto é regra para as vacinas inativadas em geral) em que está indicada o esquema de imunoprofilaxia mista passiva-ativa. Há um efeito dose-dependente na resposta imune desenvolvida em crianças e, como norma geral, aceita-se para maior dose de antígeno administrado, um desenvolvimento de um maior nível de anticorpos protetores (anti-HBs). Reações adversas: Estas vacinas têm um excelente perfil de segurança. As reações adversas locais são transitórias e apresentam-se em 3-5% dos vacinados sob a forma de irritação local com eritema, enrijecimento e dor no ponto da injeção. As reações gerais caracterizam-se por febre baixa, náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal, cefaléia e cansaço, artralgia e mialgia, embora sua incidência seja muito baixa e de resolução espontânea. Outras raras reações ocasionais são erupção, prurido e urticária. Com escassa freqüência foram descritos quadros de síncope, hipotensão, broncoespasmo, angioedema, vasculite e linfadenopatias. Algumas complicações neurológicas, como vertigem ou parestesia podem ocorrer raramente. Complicações tipo síndrome de Guillain-Barré foram descritas em pós-vacinados com preparados derivados de plasma, embora a associação não esteja firmemente estabelecida. Indicações: Deve-se vacinar universalmente todos os recém-nascidos ou lactentes e adolescentes. A vacinação está indicada nos casos de acidentes com material pérfuro-cortante contaminado com sangue de fonte HBsAg positiva ou desconhecida. No caso de fonte conhecida com HBsAg (+) será aplicada, em ponto de injeção diferente, IGHB uma única vez e a vacina 0,1 e 2 meses que, sendo esquema rápido, necessita de uma dose de reforço 12 meses após a primeira dose. Não devemos esquecer também que, às vítimas de violência sexual, devem ser oferecidas todas as formas disponíveis de profilaxia pósexposição contra DST’s, incluindo-se aí a profilaxia contra o VHB. A paciente deverá receber a imunoglobulina e, em outro sítio de punção, receber a primeira das três dose de sua vacinação. Em recém-nascidos prematuros, com menos de 2000 gramas; a vacina deverá ser administrada em 4 doses (0, 1, 2 e 6 a 12 meses). Contra-indicações e precauções: Apenas a anafilaxia a alguns dos componentes da vacina, as reações graves a doses prévias da vacina e a presença de infecção com febre elevada constituem contra-indicações a estas vacinas. Não é contra-indicada para mulheres grávidas com alto risco de contrair a infecção, já que as vacinas recombinantes genéticas contêm apenas partículas de HBsAg não infectante. Pelo contrário, a infecção materna pelo VHB durante a gravidez, sobretudo no último trimestre, pode resultar em doença grave da mãe, e há um alto risco de transmissão vertical ao feto ou ao recém-nascido. Calendário da vacinação: Há trabalhos que defendem o uso em esquemas diversos de aplicação (0-1-6 / 0-2-6 / 24-6). Em adolescentes não vacinados recomenda-se administrar 3 doses (0-1-6- meses) sem fazer sorologia pré nem pós-vacinação. Não há critérios sobre doses de reforço, mas considera-se que a memória imunológica é capaz de responder a estímulos infecciosos do VHB, não sendo então necessária. Vale comentar que o esquema habitualmente recomendado (0,1 e 6 meses), como outros esquemas para outras vacinas, é apenas uma referência. Alterações neste esquema influem pouco, ou nada, no resultado final, e são às vezes inevitáveis para integrar um maior número de pessoas nos programas de vacinação. Em geral, recomenda-se prosseguir com o esquema de vacinação que fora interrompido por qualquer razão, sem que seja necessário recomeçar. Vias de administração: A via de administração da vacina recombinante como outras vacinas adsorvidas em hidróxido de alumínio, é a via intramuscular profunda no músculo deltóide. Nos recémnascidos e pré-escolares é preferível empregar a face ântero-lateral do músculo vasto lateral da coxa. A via subcutânea, em dose idêntica, é menos imunogênica, tanto em termos de taxas de soroconversão quanto em títulos obtidos; no entanto seria aconselhada, em determinadas situações, como para pacientes com problemas de coagulação, nos quais deve ser evitada a via intramuscular. Conservação: A vacina deve ser armazenada entre 2 e 8 ºC positivos. Embora se trate de uma vacina relativamente estável, o congelamento produz um dano irreversível (como toda vacina que contém alumínio); em nenhuma circunstância deve ser utilizada uma vacina que tenha sido congelada. Posologia: A administração da vacina é feita por via intramuscular na região ântero-lateral do vasto externo em crianças recém-nascidas e lactentes. Em crianças maiores e adolescentes a vacina será aplicada no deltóide. Não deve ser administrada na região glútea, pois foi observada uma menor imunogenicidade nas pessoas que foram vacinadas nessa região. Em nenhuma circunstância se deve administrar a vacina por via endovenosa No caso de crianças hemofílicas ou trombocitopênicas, em virtude do risco de hemorragia pode-se aplicar, muito lentamente, por via subcutânea (Quadro Nº 3). VACINAS COMBINADAS O rápido desenvolvimento tecnológico, graças à biologia molecular e à engenharia genética, fez com que os progressos neste campo fossem muito acelerados e levou à criação de vacinas que combinam diferentes antígenos. Hoje já se dispõe comercialmente de: DPT + VHB, DPT + Hb + VHB, DPTa-Hb-eIPV/Hib (essa é a vacina sêxtupla – Infanrix Hexa – da GSK, a Hexavac da Sanofi Pasteur, foi retirada do mercado Brasileiro e Mundial em setembro de 2005), e outras combinações estão licenciadas. A Twinrix ® é uma vacina combinada contra os vírus das hepatites A e B pode ser utilizada em crianças a partir de 1 ano de idade. Esta vacina simplificou o esquema de vacinal, principalmente, de adolescentes não previamente vacinados. A dose pediátrica (360 U Elisa de VHA e 10g de HBsAg) pode ser utilizada de 1 ano a 15 anos 11 meses e 29 dias e a dose adulto (720 U Elisa de VHA e 20g de HBsAg) a partir desta idade. Recomenda-se três doses da vacina com 1 mês de intervalo entre a primeira e a segunda dose e de 5 meses entre a segunda e a terceira dose. Vários trabalhos demonstram a eficácia da formulação para adultos em crianças a partir de 1 ano até 15 anos administrando-se duas doses dessa vacina, com intervalo de seis a doze meses entre as mesmas. Imunoterapia passiva: É feita com IGHB e pode ser indicada no caso de recém-nascidos de mães HBsAg (+), a administração deve ser feita nas 8-12 primeiras horas de vida. Também deve ser aplicada em crianças que tiveram contato com as mucosas ou, por via parenteral, com sangue ou líquidos biológicos infectados. Quadro 2 Marcadores para detecção de infecção por VHB e imunidade Abreviação HBsAg* Antígeno o anticorpos Antígeno de superfície Uso Detecção de portadores ou de pessoas com infecção aguda Anti-HBs Anticorpos contra o Identificação de pessoas que tiveram antígeno de superfície infecção por VHB e adquiriram imunidade. (HBsAg) Determinação de imunidade depois da vacinação HbeAg Antígeno e Identificação de portadores com risco elevado de transmitir HBsAg (marcador de replicação viral ativa) Anti-Hbe Anticorpos contra o Identificação de portadores de HBsAg com antígeno e (HBe) baixo risco de infecciosidade AntiHBc Anticorpo contra o antígeno Identificação de pessoas que tiveram do núcleo (HBcAg) contato com VHB Anti-HBIgM Anticorpos contra um Identificação de infecções agudas ou antígeno do núcleo recentes por VHB (inclusive aquelas que se apresentam em pessoas HBsAg-negativas) positivo em hepatite crônicas ativas. * Este antígeno pode estar presente em pessoas que foram vacinadas recentemente (até 18 dias atrás). Fonte Pessoal exposto Não vacinada com esquema incompleto UI/I Vacinada com esquema completo (com títulos > 10 UI/I) Vacinada com esquema completo (com títulos < 10 UI/I) Resposta Desconhecida Fonte HBsAg-positiva IGHB x 1 e iniciar vacina anti-HB Nenhum tratamento IGHB x 2 (com 1 mês de intervalo ou IGHB x mais 1 dose de vacina anti-HB e completar esquema Medir níveis de anticorpos anti-HBs do indivíduo exposto. Se forem inadequados IGHB x 2 ou IGHB x 1 mais 1 dose de reforço de vacina antiHB e completar esquema. Se forem adequados, nenhum tratamento é necessário. Fonte HBsAg-negativa Iniciar ou completar vacinação anti-HB Nenhum tratamento Fonte Desconhecida IGHB x 1 ou iniciar ou completar vacinação anti-HB Nenhum tratamento Nenhum tratamento Trata-se como se a fonte fosse HBsAg (+) Nenhum tratamento Medir níveis de anticorpos anti-HBs do indivíduo exposto. Se forem inadequados, aplicar dose de reforço de vacina anti-HB. Se forem adequados, nenhum tratamento é necessário.