Conflitos políticos do campesinato pernambucano: as ligas

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Revista SymposiuM - Ano 10 • nº 2 •julho-dezembro/2006
Conflitos políticos do campesinato
pernambucano: as ligas camponesas1
Erivaldo Cavalcanti e Silva Filho2;
Anne Anaíde de Oliveira Banja3
Resumo
Este trabalho procura investigar, embora de forma sucinta, os conflitos do
campesinato pernambucano nas décadas de 50 a 70 do século passado. Nossa
preocupação foi de mapear os principais acontecimentos políticos e suas relações
com o campo. Para isso, necessário tornou-se apresentarmos a importância das
ligas camponesas, o golpe de estado de 1964 e a articulação política desenhada
pela principal liderança do movimento pesquisado: Francisco Julião. Palavraschave: campesinato, ligas camponesas, movimentos sociais.
Abstract
This work looks for to investigate, even so of form sucinta, the conflicts
in the pernambucano field in the decades of 50 the 70 of the last century.
Our concern was of mapear the main events politicians and its relations
with the field. For this, necessary one became to present the importance
of the camponesas leagues, the coup d etat of 1964 and the joint politics
drawn for the main leadership of the searched movement: Francisco Julião.
Key words: Camponesas, Camponeses leagues, social movements.
Introdução
P
ara que conheçamos em que contexto se passaram as lutas
camponesas no Estado de Pernambuco, iremos apresentar como
foram construídas nos anos 50 e como cidadãos foram perseguidos
pós-64, por lutarem pela posse da terra, por seus direitos e por um
mínimo de dignidade; também se faz necessário que conheçamos um
pouco sobre a História das ligas camponesas e, concomitantemente,
do nosso País.
O governo de João Goulart (1961-1964) começa sob o
regime parlamentarista, condição imposta para que ele tomasse posse
como Presidente da República. Proposta aprovada pela Câmara dos
Deputados com o intuito de limitar os poderes do Executivo.
Não demorou muito, em 6 de janeiro de 1963, Jango
convocou um plebiscito para decidir sobre a manutenção ou não do
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sistema parlamentar: o resultado foi a volta do presidencialismo,
que lhe devolvia os poderes retirados em 1961, quando Jango havia
sucumbido pelo parlamentarismo. Foi nesse contexto que surgiu
o Plano Trienal e o programa de Reformas de Base, que incluía a
reforma agrária (visando à divisão dos latifúndios), a reforma eleitoral
(voto dos analfabetos), a reforma universitária (ampliando as vagas
das faculdades públicas), entre outras. Com a adoção de todas essas
medidas, houve um descontentamento das elites e o acirramento da
oposição, os movimentos populares cresceram e pressionaram para
que essas medidas fossem postas em prática. No início de 1964, a
crise já atingia todo o País.
O caos realmente surgiu quando João Goulart decretou a
nacionalização das refinarias particulares de petróleo e desapropriou
terras à margem das ferrovias, rodovias e em zonas de irrigação
dos açudes públicos. Logo após essa medida, os proprietários
rurais, a burguesia, os grupos conservadores da Igreja Católica e do
empresariado reagiram contra o seu governo, realizando “a marcha
da família com Deus pela liberdade”. Esse movimento, no começo,
estava sendo organizado por oficiais das Forças Armadas e por alguns
setores civis mais conservadores. Com esse descontentamento das
elites e o acirramento da oposição, surge o Golpe de Estado de 1964
e o fim do governo Jango, além do término do período democrático
e o começo da República militar.
Segundo Costa e Mello, uma das razões do golpe militar
de 1964 foi o avanço das lutas operárias, com a unificação dos
trabalhadores brasileiros numa única frente de luta sindical: o
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Em 1961, ocorreram
180 greves, só em São Paulo; em 1962, foram 184, buscando, entre
outras coisas, a unificação da data-base dos acordos salariais. Não
foi só na zona urbana que surgiram esses movimentos; na zona rural,
as lutas populares eram avançadas e com poder de expansão maior
do que se imaginava. Em 1955, surgia a primeira liga camponesa, no
engenho Galiléia, em Pernambuco; fortalecia-se também a UTAB
- União dos Trabalhadores Brasileiros. Surgiam, assim, os sindicatos
rurais, incentivados pela aprovação, no Congresso, do Estatuto do
Trabalhador Rural, em 1962, levando o campesinato a lutar pelo fim
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da arcaica estrutura latifundiária (Cf. 1999, p. 352).
Para Jango, a única saída seria aplicar reformas estruturais,
redistribuir a renda, objetivando abrandar as contradições inerentes
ao Capitalismo e também impedir a estagnação das indústrias,
expandindo o mercado interno. Entre as reformas de estrutura, a
principal seria a agrária.
Emfim, após o golpe militar, decretou-se o Ato Institucional
nº 1 (AI –1), em 10 de abril de 1964, quando o alto comando militar
preparava a eleição indireta do Marechal Castello Branco. O regime
militar tinha o modelo econômico baseado na concentração de renda,
na expansão dos créditos para as camadas médias e na abertura
externa da economia brasileira, que durou de 1969 a 1973 (milagre
econômico). O modelo político desse regime era: centralização do
poder com o fortalecimento do executivo, controle da estrutura
partidária, censura aos meios de comunicação e repressão política.
Antes mesmo de entendermos como foram as lutas, os
movimentos históricos das ligas camponesas e do meio rural como
um todo, precisamos ter em mente algumas respostas para: o que são
os camponeses, o que eram as ligas e o que seria o campesinato?
Luna define camponês (lavrador, pequeno produtor) como:
“todo aquele que detentor ou não da posse legal da terra, tem nesta a
sua base de produção, destinando-a para o consumo” (1984, p. 15).
Segundo Prado Júnior e Guimarães, apud Luna (1984,
p. 16), essa camada intermediária, do meio rural brasileiro, os
camponeses, estão entre os escravos e os pequenos proprietários.
Camada esta que, depois da abolição, ficou também em uma posição
intermediária entre os assalariados e os proprietários. Essa categoria
formou o que Queiroz (1973, passim) denominou de “campesinato
brasileiro”. Esses camponeses trabalhavam no sistema do plantation,
detinham um pequeno pedaço de terra dentro da fazenda dos grandes
proprietários, dos latifundiários. Estes cediam a terra para que eles
plantassem uma espécie de roça, que iria servir para o seu sustento e
o de toda sua família e, em troca, servia como mão-de-obra módica.
Finalmente, surge, entre as décadas de 50 e 60, a liga
camponesa, contribuindo para a luta nacional do campesinato. Esta
representou a união dos foreiros, moradores, arrendatários, pequenos
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proprietários e trabalhadores da Zona da Mata Pernambucana contra
os grandes latifundiários.
Essa expressão “Ligas Camponesas” está relacionada ao
movimento de organização de horticultores da região do Recife,
organizado pelo Partido Comunista Brasileiro – PCB, ainda quando
legalizado nos anos 40. O motivo da mobilização dos horticultores
foi a inconstitucionalidade dos sindicatos. A liga de Ipatinga, fundada
em 3 de janeiro de 1946, em Pernambuco, foi uma das poucas que
resistiu ao desaparecimento geral. O berço das lutas organizadas dos
camponeses contra a má distribuição da terra, pela reforma agrária
e contra os grandes proprietários de terra, canalizada pelas ligas
camponesas, foi o Nordeste brasileiro.
1 O surgimento da luta
Na segunda metade dos anos 50, eram os latifúndios que
dominavam o campo pernambucano. Nessa década, consolidou-se
no Estado um movimento que atraiu a atenção do Brasil: as ligas
camponesas. Tornou-se sinônimo da luta pela terra, que, cada vez
mais, ganhava dimensões políticas, à medida que buscava sua
identidade. Estas foram algumas das formas de organização dos
camponeses que resistiram à expropriação da terra, tendo origem na
recusa pelo assalariamento. Tal movimento, completamente novo no
Estado, arrebatou a imaginação de quem sonhava com transformações
para o país, ao mesmo tempo que assustava os grandes proprietários
de terras.
As ligas camponesas tiveram uma acelerada expansão no
início da década de 50, atingindo praticamente todo o Estado, embora
suas lutas mais intensas fossem na Zona da Mata.
Em 1961, chegou a ter 10 mil associados e 40 sedes
municipais, das quais as mais fortes eram as dos municípios de Água
Preta, Bom Jardim, Cabo e São Bento do Una.
Em 1962, as ligas tornaram-se o maior movimento agrário
do país. Os camponeses, que até então só tinham líderes de atuação
geograficamente restrita, passaram a contar com o apoio do Deputado
Federal Francisco Julião, que foi eleito pelo PST – Partido Social
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Trabalhista, coligado com o PSB – Partido Socialista Brasileiro.
A força das ligas lideradas pelo Deputado foi notória,
sendo este chamado por Luís Carlos Prestes (maior líder comunista
da época) para fundir as ligas camponesas com a ULTAB4. Prestes
considerava que, com a junção das duas, o movimento agrário iria
adquirir mais forças e condições de desenvolver-se nacionalmente.
O Deputado pernambucano, que seria o novo líder da união,
recusou a proposta, pois acreditava que o movimento acabaria sob
o domínio do Partido Comunista Brasileiro. O lema do movimento
das ligas camponesas era: Reforma agrária na lei ou na marra.
Para criar uma liga, era necessário, apenas, reunir um grupo de
cerca de 40 camponeses e, se todos concordassem com o estatuto,
eleger a diretoria. Depois, preparar uma ata, que seria assinada por
todos, e fazer a comunicação à justiça. A entidade surgia como uma
sociedade civil de direito privado, bastando registrá-la em cartório.
A CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas reconhecia a existência
dos sindicatos, mas, devido à grande burocracia necessária para sua
criação, era mais fácil serem formadas as ligas.
As primeiras reivindicações delas enfocavam a abolição do
cambão e do foro. O primeiro se refere aos dias de trabalho dados
de graça para o proprietário da terra, como se fosse um escravo;
enquanto o segundo consiste em uma espécie de aluguel pago pelo
camponês ao dono da terra.
Oficialmente, portanto, as ligas camponesas surgiram em
1º de janeiro de 1955, no engenho Galiléia, em Vitória de Santo
Antão, Pernambuco, tornando-se o mais antigo símbolo das lutas
pela terra, a luta por uma reforma agrária. Os próprios moradores
do engenho fundaram as ligas, que, na época, tinham o nome de
Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco
(SAPPP). Com o movimento já estruturado, surge uma personalidade
muito importante para a sua legalização: Francisco Julião5. Ele foi o
defensor desses moradores, que estavam ameaçados de despejo por
causa do movimento. Foi, também, o principal líder do movimento,
bem como o responsável pela sua institucionalização.
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Julião, em 1962, foi candidato a Deputado Federal. Uma
música que surgiu durante a campanha bem caracteriza o mote das
diretrizes que seriam encampadas pelo candidato: “operário sem pão/
camponês sem terra/ panela vazia/ tambor de revolução... / viva a
reforma agrária radical/ com Francisco Julião” (CARVALHO, 1994,
p. 94).
Francisco Julião lutou juntamente com os camponeses pela
reforma agrária e ajudava aos moradores a protegerem-se da reação.
Orientados por ele, os camponeses soltavam um “foguetão” para
avisar aos outros quanto à chegada de estranhos ao engenho e, à
medida que eles eram avisados, armavam-se de foices, machados,
facões e o que tivessem.
A ajuda não veio só do Brasil, mas também do exterior,
como do irmão do Presidente dos Estados Unidos da América, John
Kennedy. Em 30 de julho de 1961, aconteceu uma visita histórica,
o Diário de Pernambuco registrou o apoio de Eduard Kennedy. A
manchete, em letras garrafais, assim expressava: Irmão de Kennedy
visitou liga camponesa do engenho “Galiléia”. O mesmo prometeu
ajudar os camponeses, porém não atendeu ao principal pedido feito,
que foi a retirada das forças armadas do campo, da “polícia”, como
eles a chamavam. A forma que Kennedy arrumou para ajudar essa
população foi a doação de um gerador de energia, que era capaz de
fornecer 100 watts.
A situação dos camponeses no começo das ligas não era nada
confortável, o trabalho diário no campo, segundo estudos feitos por
Celso Furtado, economista, primeiro superintendente da SUDENE,
não dava para comprar um quilo de farinha na feira. Outro pertinente
comentário feito por Antônio Callado, escritor que, na época, redigiu
reportagens sobre o tema, diz em um trecho:
Se alguém chegasse, em plena Idade Média e em
tempo de peste, a uma aldeola miserável de Portugal,
não encontraria quadro mais fantástico do que o
desses camponeses (apud FRANCISCO, 2004, p. 3).
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2 O declínio das Ligas
No Governo de João Goulart, os sindicatos obtiveram um
grande crescimento. Goulart apoiou a criação dos sindicatos fazendo
com que desaparecessem as amarras burocráticas. Em Pernambuco,
essas entidades também foram beneficiadas com o estímulo dado
pelo Governador do Estado, Miguel Arraes.
Nessa trilha, aberta e guarnecida pelos governos Federal e
Estadual, entraram o PCB e a Igreja Católica, que vivia um período
de temor pela perda de fiéis para os comunistas. Era crescente o
surgimento de sindicatos, estando o maior localizado na cidade de
Palmares, congregando trabalhadores rurais de várias regiões.
Ao passo que os sindicatos apoiados pelo governo e pela
igreja estavam progredindo, as ligas camponesas, comandadas por
Julião, estavam praticamente sozinhas, à margem do Estado, dos
partidos e da igreja.
Julião não era contra essas instituições, até defendia que se
completassem com as ligas e que os associados a estas deviam filiarse a eles. Mas havia divergências políticas e ideológicas envolvidas
na criação de novas entidades; na prática, havia um clima de disputa
entre todos.
Os sindicatos eram mais eficazes do que as ligas, no sentido
de levar adiante as reivindicações mais imediatas de melhoria
das condições de vida, uma batalha que, dia a dia, fazia as ligas
declinarem. A reivindicação da organização, principalmente quanto
à reforma agrária, implicava um exaustivo e longo combate contra
os poderosos, e não havia garantia alguma de sucesso.
Nessa época, surgiu, nos debates, a idéia de que as ligas não
tinham mais motivo de existirem. Suas reivindicações poderiam ser
incorporadas pelos sindicatos, aos quais todos poderiam unir-se.
Elas enfrentavam então duas oposições: o latifúndio, que não
queria a reforma agrária; e os sindicatos, que se interessavam, antes
de tudo, pelo salário e pelas conquistas trabalhistas, ao passo que as
ligas lutavam pela terra e pelo salário, mas sempre colocando a terra
em primeiro plano, de maneira a não criar no campesinato a ilusão de
que todo aquele que tenha salário terá terra. Nesse sentido, elas temiam
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ainda que a luta pelo salário levasse os camponeses a desistirem
da luta pela conquista da terra, que era o objetivo fundamental.
No ano de 1963 e início de 1964, as ligas entraram em
uma escalada de radicalização política e ideológica que a isolou
ainda mais. Sofreu ataques do governo, violência dos proprietários
de terras e entrou em combate com os parceiros democráticos pela
hegemonia da organização dos camponeses.
O cenário político e social estava em mudança acelerada,
e, internamente, as ligas se debatiam em busca de uma linha de
pensamento e ação que se adequasse ao novo momento. Os líderes
lançavam as suas teses para serem discutidas e submetidas à votação,
que se realizaria posteriormente em um encontro nacional.
A mais radical das teses era a de Julião. Foi publicada no
jornal A liga, pertencente à organização, com o título “unificar as
forças revolucionárias em torno de um programa radical6”.
Segundo Celso Furtado,
A organização das ligas camponesas teve uma
rápida propagação, que não encontra paralelo
na história dos movimentos sociais no Brasil...
Transmitindo suas mensagens através de símbolos,
criando mártires ali onde uma população sem presente
e sem destino aguardava uma mensagem qualquer
que lhes dava sentido à vida, o movimento das ligas
camponesas levou a massa camponesa nordestina
a cumprir em prazo surpreendentemente curto uma
evolução madura através de longos decênios (apud
FRANCISCO, 2004, p. 3).
Vale lembrar que, no plano internacional, um dos ícones
do movimento foi Emiliano Zapata, líder campesino mexicano, que
muito contribuiu no imaginário do movimento das ligas camponesas.
Mesmo depois de quarenta anos da sua morte, foi esse revolucionário
mexicano um camponês sem terra, líder da revolução de 1910 em
seu país, que se tornou uma espécie de símbolo da reforma agrária
no Brasil. Entre outros motivos, esse fato aconteceu graças ao
filme Viva Zapata, projetado no Brasil na época das ligas, e graças,
também, às analogias feitas pelos jornalistas pernambucanos que
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comparavam a revolução de Zapata com as ligas. Ajudava-se, assim,
tanto a publicação do movimento como a sua propagação.
Em 31 de março de 1964, como já aludido, ocorre o golpe
militar e a perseguição aos camponeses e seus líderes. Nessa época,
entre outros acontecimentos, como movimento reativo, o líder
comunista Gregório Bezerra levanta a proposta de distribuir armas
para o povo e transferir a sede do governo para a combativa cidade
de Palmares (VELHO, 1996, passim).
Após o golpe, Julião tornou-se uma das lideranças mais
perseguidas do Brasil, que lutava pela resistência democrática. Em
9 de abril de 1964, foi cassado pelo Ato institucional n° 1 (AI-1) e,
sabendo o que iria acontecer-lhe, um dia antes da sua cassação, fugiu
vestido de camponês por Belo Horizonte (assistiu de perto à classe
média aplaudir Magalhães Pinto e o General Olímpio Mourão Filho),
depois, seguiu para o interior de Minas e daí para Bauzinho, em
Goiás. Foi obrigado a mudar de nome e passou a se chamar Antonio
Ferreira da Silva, camponês e pastor protestante.
Foi preso três meses depois. Houve uma denúncia por
parte de um pernambucano que tinha trabalhado na campanha para
governador em Pernambuco, de João Cleofas de Oliveira, derrotado
por Arraes em 1962. A sua prisão ocorreu no dia 3 de junho de 1964,
o casebre onde morava foi cercado por policiais e, no momento da
emboscada, estava com alguns amigos. Segundo o próprio Julião, os
policiais o reconheceram pelos pés, pois quando pediram para que os
homens que ali estavam mostrassem as mãos, todas eram calejadas,
mas quando pediram para retirar as botas logo identificaram quem
era Julião, pois, segundo ele próprio, “as mãos eram de camponês,
mas os pés eram de Deputado” (FRANCISCO, 2004, p. 4).
Após a prisão, foi transferido para Brasília, em seguida para
a Segunda Companhia de Guarda, no Recife, dividindo cela com o
Ex-Governador Miguel Arraes e outros. Após dezoito meses preso,
o Advogado Sobral Pinto impetrou um Habeas Corpus, libertandoo. Em 28 de dezembro de 1965, exilou-se no México, retornando ao
Brasil em 4 de novembro de 1979.
O golpe militar impediu que os planos de Julião, os quais
estavam sendo traçados nos mínimos detalhes, fossem postos em
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prática. Um deles era a incorporação dos seguidores do Padre Cícero
Romão Batista às ligas camponesas. Julião já tinha encomendado
uma estátua do padre ao escultor Abelardo da Hora. Ele gostaria de
levar a homenagem onde o padre era venerado, Juazeiro do Norte,
no Ceará. Embaixo da estátua, estaria escrito: “Ligas Camponesas
do Nordeste: romaria ao Juazeiro do Padre Cícero” (FRANCISCO,
2004, p. 12).
A publicidade dada a essas grandes personalidades da luta
camponesa foi muito importante para expandir o movimento, porém,
isso não bastava. Para que este tivesse uma maior expansão, fazia-se
necessária não a sua regionalização, mas uma nacionalização, e foi o
que aconteceu. O movimento, de fato, iniciou-se no Nordeste e logo
se expandiu rapidamente, em 1954, no Estado de São Paulo. Surgiu
a ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do
Brasil). Tal movimento tinha o objetivo de coordenar as associações
camponesas que já existiam, porém, logo, surgiram as controvérsias
entre esses dois grupos, as ligas e a ULTAB, esta última, sempre
em busca da sindicalização. As divergências surgiram pela forma
radical da proposta de reforma agrária. Entretanto, a união desses
dois grupos, em alguns momentos, foi muito importante para a
propagação dos ideais das lutas camponesas.
Com a proliferação desses grupos a favor dos camponeses,
cresceu, também, o números dos que eram contra esses ideais,
principalmente no tocante à reforma agrária. Entretanto não foram
só as lutas por ideais que marcaram a história desses camponeses,
mas também a violência: famílias inteiras foram mortas, líderes
brutalmente assassinados e outros desapareceram.
Essa violência sempre esteve presente na vida dos
camponeses, principalmente na década de 60, quando houve um
maior crescimento, precisamente no ano de 1964, com o regime
militar. Um dos maiores motivos para o crescimento dela eram as
greves que proliferavam à medida que o movimento se expandia,
tornando-se cada vez mais em evidência e cada ano mais forte.
Foram registradas algumas mortes das maiores lideranças
desse movimento. Podemos mostrar a linha de crescimento da
violência contra essas lideranças:
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[...] entre 1954 e 1962 ocorre em Pernambuco apenas
uma greve entre os trabalhadores rurais (cortadores
de cana em um engenho em Goiana, em outubro
de 1955), no ano de 63 assinala a ocorrência de 48
greves, sendo duas delas gerais (em nível estadual).
Mas crescem também as ações repressivas: ocorreu
em janeiro desse ano o assassinato de 5 camponeses
na Usina Estreliana; entre agosto e setembro são
assassinadas algumas lideranças como Jeremias
(Paulo Roberto Pinho, líder trotskista) em També e
Antonio Cícero em Bom Jardim, delegado sindical da
Usina de Caxangá. Na Paraíba, além do assassinato
de João Pedro Teixeira, em Sapé, ocorreram choques
com várias mortes, ainda em Sapé e Mari (OLIVEIRA,
1990, p. 29).
3 A criação de um partido político
Analisando com mais precisão, as ligas iniciaram, em 63,
um processo para se transformarem em partido político: seria o
primeiro partido agrário do Brasil.
Foi na Conferência do Recife, reunindo as 64 ligas existentes
no país, que ocorreu a primeira etapa do processo de transformação
destas em partido. Aí foi criado um Conselho Nacional do movimento,
ao qual todos ficariam subordinados.
A criação de um núcleo chamado de organização política,
embrião do partido, foi aprovado em janeiro de 1964. O problema
político enfrentado pelas Ligas era o mesmo enfrentado hoje pelo
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o de
que os partidos têm dificuldades práticas, teóricas e doutrinárias
para acompanhar e incorporar as tensões sociais e reivindicações
camponesas (MARTINS, 1999, passim).
Julião acreditava que, com a criação de um partido, seria
possível incluir os camponeses no quadro político nacional.
A fundação de um partido agrário, a votação das teses e
outras questões internas seriam discutidas em um encontro nacional
marcado para junho de 1964. Mas este não ocorreu, o Golpe Militar
chegou antes, fechando as ligas, reprimindo violentamente os
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camponeses e cassando e prendendo Francisco Julião.
Com a implantação do Regime Militar, o Brasil mergulha
em uma nova fase de sua história. O plano político é marcado pelo
autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição
política, prisão e tortura dos opositores, e pela censura prévia aos
meios de comunicação (COSTA, 1999, passim).
Durante 21 anos, o país viveu sob tutela militar, que marcou
seu povo e suas instituições. Foram duas décadas de confronto entre
forças políticas e sociais. Nesse conflito, os donos do poder utilizaram
diversos recursos: censura, tortura e arbítrio.
Os militares, vale lembrar, tomaram o poder do país em
uma aliança de que participaram diferentes setores da burguesia:
latifundiários, empresários e banqueiros, todos contra a reforma
agrária, todos contra os camponeses.
Com o Golpe, foram destituídos de seus cargos importantes
figuras políticas para as ligas, como o então Governador de Pernambuco,
Miguel Arraes e o próprio Deputado Federal Francisco Julião7.
1964 significou um retrocesso para o país. O projeto de
desenvolvimento implantado pelos militares levou ao aumento das
desigualdades sociais. Sob a retórica da modernização, ampliaram-se
os problemas políticos e econômicos do país, gerou-se o crescimento
da concentração de renda, conduzindo a imensa maioria da população
à miséria, intensificou-se a concentração fundiária e promoveu-se o
maior êxodo rural da História do Brasil.
O aumento do preço do açúcar fez com que os latifundiários
da Zona da Mata pernambucana expulsassem de suas terras os
camponeses que nelas viviam, para usar o espaço no plantio da cana
de açúcar.
Essa atitude, somada ao avanço do capitalismo, gerou um
aumento na miséria e na concentração de riquezas. Tal processo,
juntamente com a mecanização e a industrialização, simultaneamente
com a modernização tecnológica de alguns setores da agricultura,
transformou o meio rural.
A expulsão dos trabalhadores rurais causou um crescimento
do trabalho assalariado, produzindo um novo personagem na luta
pela terra e pela reforma agrária: o bóia-fria.
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Os militares e a burguesia tinham um modelo de
desenvolvimento para o campo, que preconizava a agricultura
capitalista em detrimento da agricultura camponesa. Era com esse
modelo que pretendiam controlar a questão agrária, implantando-a
por meio da violência.
O governo da ditadura ofereceu aos empresários subsídios,
incentivos e isenções fiscais, impulsionando o crescimento
econômico da agricultura e da indústria, enquanto arrochava os
salários, estimulava a expropriação e a expulsão, multiplicando os
despejos das famílias camponesas e intensificando a concentração
fundiária.
Essas medidas adotadas na década de 60 pelo governo fizeram
fez com que o Brasil se transformasse no paraíso dos latifundiários
e agregou novos elementos à reforma agrária, aumentando e
expandindo os conflitos, fazendo eclodir as lutas camponesas.
Conclusão
Devido à repressão sofrida pelos camponeses e pelas ligas,
em razão do Golpe Militar e do novo regime político e econômico
do país, as lutas camponesas desenvolveram-se por todo o território
nacional. Os conflitos fundiários triplicaram e o governo, ainda na
perspectiva de controlar a questão agrária, determinou a militarização
do problema, proporcionando diferentes e combinadas formas de
violência contra os trabalhadores.
Durante todo o Regime Militar, o governo tentou acabar
com os movimentos rurais. Mas, ao tentar reprimir a reforma agrária
e a luta pela terra, apostou no fim do campesinato engajado e fez
nascer, posteriormente, o mais recente e importante movimento da
História do Brasil rural: o MST.
Mesmo com as dificuldades impostas na época, esses
movimentos rurais no Estado de Pernambuco foram-se fortalecendo.
Com a ajuda da FETAPE8, os camponeses enfrentaram as milícias
armadas dos latifundiários, dos usineiros e os porões do governo
ditatorial.
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Dos movimentos rurais realizados em Pernambuco, o de
maior relevância ocorreu em 1979, ainda sob a batuta do Regime
Militar, quando mais de 240 mil canavieiros do Estado entraram
em greve por melhores condições de trabalho e maiores salários.
Esse movimento representou a unidade da entidade sindical rural,
sendo, junto com a greve dos metalúrgicos do ABC Paulista, a maior
mobilização dos trabalhadores do Brasil.
O ano de 1964 foi marcado por muita luta e violência: houve
perseguição, morte, desaparecimento, prisão e tortura das lideranças
das ligas camponesas. Nessa situação, como não poderia ser diferente,
ocorreu a desarticulação desses grupos. Esse momento tanto foi um
marco para as lutas camponesas, como um marco da violência e da
extirpação dessa camada da população, além da decretação do fim da
possibilidade da existência da reforma agrária.
Porém, essa luta não foi em vão. As ligas camponesas
conseguiram que a sociedade enxergasse o campo e as pessoas
que ali viviam em condições sub-humanas. De uma forma bem
diferente, estas agora eram vistas como quem precisava de ajuda e
de grandes mudanças. Agora, a sociedade lutava, juntamente com os
camponeses, para amenizar seus problemas, que não eram poucos.
Mesmo com toda campanha que a ditadura fez para acabar
com a classe dos camponeses, ela não teve êxito. Por um lado, uma
parte da população se identificava com a luta desse povo; e, por outro
lado, a luta que era especificamente do Nordeste brasileiro tinha
tomado grandes proporções, era agora uma luta nacional, em que
todos os camponeses e os que acreditavam nos seus ideais estavam
juntos. Com isso o movimento crescera em todo o país. Tornava-se
impossível à ditadura conter esse movimento.
Como se sabe, a luta pela reforma agrária perdura até os
dias atuais, com o MST, que se considera descendente das ligas
camponesas, como de fato é. A luta campesina pela dignidade, por
uma vida mais justa, por um pedaço de terra onde possam plantar
para sustentar a própria família não parou e não vai parar até que se
consiga fazer uma efetiva reforma agrária no Brasil.
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Revista SymposiuM - Ano 10 • nº 2 •julho-dezembro/2006
Notas
Investigação realizada no Núcleo de Pesquisa da AESO – Ensino Superior de
Olinda/Faculdades Integradas Barros Melo no ano de 2004.
2
Prof. Dr. da AESO – Faculdades Integradas Barros Melo.
3
Bacharelanda em Direito pela AESO – Bolsista da Faculdades Integradas
Barros Melo.
4
União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, entidade criada
pelo PCB em 1954.
5
Conhecido Advogado das causas camponesas.
6
Publicada em 12 de Junho de 1963, defendia a criação de um Movimento
Unificado da Revolução Brasileira – MURB, ao qual caberia lutar pela
aplicação de uma série de reivindicações nitidamente revolucionárias. Não
se contentava apenas com a reforma agrária radical, queria também reforma
urbana radical, bem como a reforma industrial e bancária. De acordo com
essas reformas radicais, os aluguéis seriam reduzidos em 50%, e cada inquilino
adquiriria automaticamente a preferência para comprar o imóvel. As grandes
indústrias instaladas no país seriam nacionalizadas, o mesmo ocorrendo com
o sistema financeiro. As forças de segurança teriam os seus efetivos reduzidos
e seriam criados núcleos voluntários de operários, camponeses e estudantes. A
lei de Segurança Nacional seria revogada. O voto seria estendido ao analfabeto.
Todos os Códigos de Direito Público e Privado seriam revistos.
7
Julião no dia do Golpe estava na Câmara dos Deputados, tendo feito no dia
anterior (31 de Março) um discurso afirmando que os camponeses estavam
prontos para resistir ao Golpe que se formava, exigiu a reforma agrária e
criticou a movimentação militar.
8
Em 1962, Pernambuco fervilhava, eram as ligas camponesas, o surgimento
dos primeiros Sindicatos de Trabalhadores Rurais, as lideranças ligadas à
igreja, os partidos de esquerda, organizações populares, todos, enfim, lutando
por melhores condições de vida e trabalho no campo. Nesta época, havia 08
Sindicatos de Trabalhadores Rurais organizados em Pernambuco, que criaram,
no dia 06 de junho de 1962, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no
Estado de Pernambuco – FETAPE.
1
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
Referências
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São Paulo: Paz e Terra, 1994.
COSTA, Luis César Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. História do
Brasil. 11. ed., São Paulo: Scipione, 1999.
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Pernambuco, Recife, 31 de mar 2004. Documento especial.
LUNA, Regina Celi Miranda Reis. A terra era liberta: um estudo
da luta dos posseiros no Vale do Pindaré. São Luís: UFMA, 1984.
MARTINS, José de Souza, O poder do atraso: ensaios de sociologia
da história lenta. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no
campo. 3. Ed. São Paulo: Contexto, 1990.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O campesinato brasileiro:
ensaios sobre a civilização. Petrópolis: Vozes, 1973.
VELHO, Otávio Guilerme. O capitalismo autoritário e o
campesinato. São Paulo: DIFEL, 1996.
Endereço para correspondência:
E-mail: [email protected]
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