Resposta da pressão arterial ao estresse agudo traumático em

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Artigo Original
Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2013 jan-mar;11(1):17-20
Resposta da pressão arterial ao estresse agudo traumático em
urgências ortopédicas*
Blood pressure response to acute traumatic stress in orthopedic emergencies
Jose Raul Espinosa Cacho1, Tiago Vilela Santos2, Rafael Santos Gon2
*Recebido do Hospital da Vida. Dourados, MS.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Pacientes vítimas de trauma
ortopédico apresentam como resposta ao estresse, elevação transitória da frequência cardíaca e da pressão arterial (PA), fenômenos
da reatividade cardiovascular, sendo erroneamente classificados
como hipertensos, e medicados como tal. O objetivo deste estudo
foi avaliar os pacientes com elevação transitória da PA, bem como
os hipertensos.
MÉTODO: Estudo transversal, realizado em hospital de referencia, na cidade de Dourados, MS. A amostra foi de 50 indivíduos,
vítimas de trauma ortopédico, com idade ≥ 18 anos. Foram excluídos os pacientes com período de internação menor que 24h,
trauma grave ou instabilidade hemodinâmica. Foram realizadas
diariamente, três medidas da PA em um dos membros superiores,
com intervalo de um minuto entre as medidas, e a média das duas
últimas medidas foi considerada a PA do indivíduo. Para as aferições foi utilizado aparelho de coluna de mercúrio de acordo com
as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Para o diagnostico de
hipertensão o critério foi pressão arterial sistólica (PAS) ≥140 ou
pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, estado civil, raça, escolaridade, diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica (HAS), tratamento
farmacológico para HAS, comorbidades associadas, PAS e PAD.
RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 31,9 ± 14,7
anos para normotensos, 41,2 ± 17,7 para elevação transitória e
41,0 ± 19,8 para hipertensos. Foram classificados como: em normotensos (50%), elevação transitória (26%) e hipertensos (24%).
CONCLUSÃO: A reatividade cardiovascular ao trauma provoca
elevação transitória da PA. A sua interpretação correta na urgên-
1. Coordenador da Liga de Hipertensão da Universidade Federal da Grande Dourados. Mato Grosso do Sul, MS, Brasil.
2. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados. Mato
Grosso do Sul, MS, Brasil.
Apresentado em 23 de novembro de 2011.
Aceito para publicação em 01 de novembro de 2012.
Endereço para correspondência:
Dr. Jose Raul Espinosa Cacho
Rua Joaquin Alves Taveira, 1940
79824-100 Dourados, MS.
Fones: (67) 3421-3249 – (67) 9971-1799
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
cia tem papel importante no diagnóstico e cuidados da doença
hipertensiva.
Descritores: Estresse, Pressão arterial, Reatividade cardiovascular, Traumatismo.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: In response to stress,
orthopedic trauma patients present transient elevation in heart
rate and blood pressure (BP), cardiovascular reactivity phenomena, being wrongly classified as hypertensive, and treated as such.
The aim of this study was to evaluate patients with transient elevation of BP, as well as hypertension.
METHOD: Cross-sectional study in reference hospital in the
city of Dourados, state of Mato Grosso do Sul (MS). The sample
consisted of 50 patients, victims of orthopedic trauma, aged ≥18
years. We excluded patients hospitalized for less than 24 hours,
with severe trauma, or hemodynamicaly instable. Three BP measurements were performed daily in either upper limb, with an
interval of one minute, and the average of the last two measurements was considered the subject’s BP. For the measurements,
a mercury column device according to the V Brazilian Guidelines on Hypertension was used. The criterion for diagnosing
hypertension was systolic blood pressure (SBP) ≥ 140 or diastolic
blood pressure (DBP) ≥ 90 mmHg. The variables analyzed were:
age, gender, marital status, race, education level, previous diagnosis of systemic hypertension (SH), pharmacological treatment
for SH, associated comorbidities, SBP and DBP.
RESULTS: The average age of patients was 31.9 ± 14.7 years
for normotensives, 41.2 ± 17.7 to transient elevation and 41.0 ±
19.8 for hypertensive patients. They were classified as normotensive (50%), transient elevation (26%) and hypertensive (24%).
CONCLUSION: The cardiovascular reactivity to trauma causes
transient elevation of blood pressure. The correct interpretation
of BP levels in trauma patients has an important role in the diagnosis and care of hypertensive disease.
Keywords: Blood pressure, Cardiovascular reactivity, Stress,
Trauma.
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica
multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de
pressão arterial (PA)1. O aumento dos níveis tensionais representa
um fator de risco independente, linear e contínuo para doenças
cardiovasculares (DCV)2.
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Cacho JRE, Santos TV, Gon RS e col.
A HAS tem alta prevalência como fator de risco para DCV nos
países industrializados. Porém, a prevalência atual em muitos países em desenvolvimento, particularmente em sociedades urbanas,
é tão alta quanto em países desenvolvidos. A prevalência estimada
no Brasil é de 30% na população acima de 40 anos considerando-se valores de PA ≥ 140/90 mmHg1.
Elevações agudas da PA em resposta ao estresse são geralmente
atribuídas à atividade do sistema nervoso simpático. Outros processos podem também contribuir para a sua elevação aguda, que
podem incluir diminuição do óxido nítrico endotelial (NO) e a
supressão do efeito vagal.
O efeito do estresse liberando adrenalina e noradrenalina é a resposta ao estímulo dos barorreceptores em curto prazo, e estudos recentes vêm demonstrando a participação destes receptores
também em longo prazo, na regulação da PA e da frequência
cardíaca3.
O estresse além de estimular a liberação de adrenalina e noradrenalina, age também incrementado a liberação de renina plasmática, com maior participação do sistema angiotensina-aldosterona,
seguido do aumento da angiotensina II, que com o seu efeito
vasoconstritor age na arquitetura das artérias provocando disfunção endotelial e remodelamento dos vasos, com diminuição do
lúmen arterial, aumentando a resistência vascular4.
Embora o estresse, nas suas diversas formas, possa induzir aumentos transitórios da PA, a pergunta que surge é se ele tem
suficiente efeito para provocar o aumento persistente da PA ou
agravar a pré-existente5.
O exato momento como esses mecanismos provocam a HAS permanece no campo das hipóteses4.
A elevação tensional transitória provocada pelo estresse (dor, ansiedade) durante o atendimento médico de emergência, faz com
que os pacientes sejam erroneamente classificados como portadores de HAS, sendo medicados como tal. Nesta circunstância
consideram-se apenas as cifras pressóricas do momento do atendimento, às vezes com consequências desastrosas6,7.
O objetivo deste estudo foi estimar a resposta pressórica ao estresse agudo por trauma ortopédico, e avaliar que pacientes tinham
elevação transitória dos níveis de PA como manifestação da reatividade cardiovascular e quais eram os verdadeiros hipertensos.
A PA de cada paciente foi medida nas primeiras 24h de internação, e em todos os dias subsequentes até o momento da alta.
Para a definição de HAS foi utilizado o critério das V Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão Arterial: pressão arterial sistólica (PAS)
≥ 140 ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg.
As variáveis analisadas foram: idade, sexo, estado civil, raça, escolaridade, diagnóstico prévio de HAS, tratamento farmacológico
para HAS, comorbidades associadas, PAS e PAD.
A análise estatística baseou-se no levantamento, classificação e
distribuição da frequência das classes de interesse de forma descritiva. As variáveis qualitativas apresentadas foram as frequências
absoluta (n) e percentual (%), com respectivas média, mediana e
o desvio-padrão, quando foi o caso.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos pela Instituição, processo nº 009/2010.
RESULTADOS
Dos 50 pacientes avaliados a idade média variou entre 31,9 ±
14,7 anos para a classe de normotensos, 41,2 ± 17,7 para elevação
transitória e 41,0 ± 19,8 para hipertensos.
A maioria dos participantes era do sexo masculino (98%), solteiros (52%) e pardos (46%); dentre eles 40,8% com estudo fundamental incompleto, 6,0% com diagnóstico estabelecido de HAS,
4,0% utilizavam hipotensores e 88% sem comorbidades.
Os valores da PA obtidos permitiram classificar a população avaliada em normotensos (50%), elevação transitória (26%) e hipertensos (24%) (Gráficos 1 e 2).
MÉTODO
Estudo transversal, em amostra de conveniência, no período de
11 de maio a 13 de setembro de 2010, em hospital de urgência
na cidade de Dourados, MS. A amostra foi constituída por 50
indivíduos vítimas de trauma ortopédico, com idade acima de 18
anos, admitidos na unidade hospitalar.
Foram excluídos os pacientes com internação menor que 24h,
pacientes com trauma grave que foram internados em unidade
de terapia intensiva (UTI) ou com instabilidade hemodinâmica.
Todos os pacientes foram submetidos, em cada avaliação diária, a
três medidas da PA em um dos membros superiores, com intervalo de um minuto entre elas, sendo a média das duas últimas considerada a PA do indivíduo. As medidas da PA foram realizadas
por dois pesquisadores treinados, utilizando aparelho de coluna
de mercúrio de acordo com as normas das V Diretrizes Brasileiras
de Hipertensão Arterial1.
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Gráfico 1 – Classificação pela pressão arterial.
Gráfico 2 – Média de idade por classificação de pressão arterial.
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Resposta da pressão arterial ao estresse agudo traumático em urgências ortopédicas
DISCUSSÃO
Ao longo dos últimos anos, a PA tornou-se reconhecida como
uma variável contínua, impossível de caracterizar com precisão,
exceto por múltiplas medidas sob várias condições, quando então
é possível realizar o diagnóstico preciso1,2,8.
A variabilidade da PA em medidas repetidas, tanto em uma única
avaliação, quanto em ocasiões distintas, é muito maior do que se
pode perceber. As consequências negativas de não reconhecer e
lidar com esta variabilidade são óbvias, pois os pacientes podem
ser rotulados erroneamente como hipertensos ou normotensos,
além de poder associar-se ao acometimento de órgãos-alvo.
As variações biológicas da PA podem ser aleatórias ou sistemáticas, as diferenças entre medidas repetidas pelo mesmo observador
e método são variações de caráter aleatório, porém quando existe
diferença entre diferentes observadores ou métodos, podem ser
aleatórias e sistemáticas8.
As primeiras são incontroláveis, mas podem ser reduzidas, repetindo
a medida tantas vezes quanto necessárias; as sistemáticas são provocadas por algo que afeta o paciente, o examinador, o esfigmomamômetro ou o procedimento, sendo controláveis, mas se não forem
reconhecidas não podem ser reduzidas por múltiplas leituras.
Sua variabilidade depende de diferentes fontes: do período diurno ou noturno, sazonal em curto prazo, e afetada pela respiração
e batimentos cardíacos que estão sob a influência do sistema nervoso autônomo5.
Os Descritores em Ciências da Saúde define o estresse como o
efeito desfavorável de fatores ambientais (estressores) sobre as
funções fisiológicas de um organismo. O estresse fisiológico não
resolvido e prolongado pode afetar a homeostase do organismo,
levando a perdas ou afecções.
Entre as diversas alterações provocadas pelo estresse, chama a
atenção a hiperreatividade do sistema nervoso simpático, denominada reatividade cardiovascular, definida como tendência a
exibir a frequência cardíaca e PA exageradas9.
A reatividade cardiovascular excessiva ao estresse psicológico
pode ter um papel na fisiopatologia da hipertensão essencial. Essa
hipótese foi avaliada em pelo menos sete estudos de grande escala
que têm utilizado o teste pressor ao frio (cold pressor) para provocar alterações da pressão arterial10.
Evidências da literatura demostram consistente associação entre
estresse (reatividade cardiovascular ) e PA em indivíduos jovens
após exposição a testes como vídeogames, cálculos matemáticos
ou cold pressor teste, com aparecimento de hipertensão após período de um a seis anos. A reatividade cardiovascular teria, de
acordo com estes estudos, efeito preditor no desenvolvimento de
doença subclínica como hipertrofia do ventrículo esquerdo e hipertensão arterial, ou em novos eventos em alguns pacientes com
hipertensão essencial ou coronariopatia ja estabelecida9-11.
Episódios repetidos de reatividade cardiovascular aumentada podem contribuir para o desenvolvimento da hipertensão através da
promoção de remodelamento vascular12.
Os traumas físicos incluindo os ortopédicos têm efeito estressor,
e desta forma agem como o gatilho que ativa o sistema nervoso
simpático, e assim a reatividade cardiovascular8-12.
Este estudo demonstrou que a elevação transitória da PA (manifestação da reatividade cardiovascular) esteve presente em 26%
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dos indivíduos e que 24% eram hipertensos. Os dados encontrados de elevação transitória da PA estão de acordo com artigo de
Unger e Parati que afirman que não há nenhuma dúvida de que o
estresse, em suas várias formas, pode induzir elevações transitórias
da PA7.
No grupo com elevação transitória da PA, o seu seguimento diário apresentou, após 12h de internação, regressão aos níveis de
normalidade, indicando que estes pacientes não eram hipertensos
verdadeiros, e que a ansiedade, medo e dor eram os responsáveis
pelo o seu aumento, que pode inicialmente ser interpretado erroneamente como hipertensão arterial.
Nestas circunstâncias, não há indicação de fármacos de efeito hipotensor, estando indicado o uso de analgésicos ou ansiolíticos,
que em curto período fará retornar a PA a níveis normais. Lima
e col. em estudo realizado em serviço de emergência, após nove
horas usando o grupo de fármacos, promoveu o retorno aos níveis pressóricos normais6.
A idade media encontrada no estudo para pacientes com hipertensão transitória foi de 41,2 ± 17,7 anos e estes dados são concordantes com metanálise de Gasperin e col. na qual indivíduos
entre 46 e 64 anos com reatividade cardiovascular apresentaram
cerca de duas vezes mais probabilidade de desenvolver HAS ou
aumentar a PA do que os adultos jovens13.
Os pacientes envolvidos em acidentes de trabalho e automobilísticos (principais causas de traumas ortopédicos observados).
Buckley e Kaloupedk em metanálise referem que em 59% dos
estudos avaliados a amostra era exclusiva de indivíduos do sexo
masculino já que foi realizada em veteranos de guerra, nos quais
foi também detectado o fenômeno de reatividade cardiovascular12,14,15.
O estudo tem limitações, merecendo algumas considerações, por
tratar-se de um serviço de referência, amostras de conveniência
são passiveis de viés de recrutamento; o fato dos pacientes serem
na maioria do sexo masculino e a amostra pequena podem interferir na análise dos resultados.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados obtidos foi possível observar a presença
da reatividade cardiovascular ao trauma agudo, manifestando-se
como elevação transitória da PA. A medição e acompanhamento
adequados, desde a admissão desses pacientes, possuem importante papel no diagnóstico e cuidados da doença hipertensiva,
sendo necessário diagnosticar de forma acurada o verdadeiro hipertenso e aquele apenas com elevação transitória.
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