Atualização em diálise: Tratamento dialítico de mulheres grávidas

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J Bras Nefrol 2001;23(1):49-54
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Atualização em diálise: Tratamento dialítico de mulheres grávidas
João Egidio Romão Junior
Serviço de Nefrologia do Hospital das Clínicas
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência: João Egidio Romão Junior
Rua Maestro Cardim, 560 cj. 172
01322-030 São Paulo, SP
Fax: (0xx11) 883-7683
E-mail: [email protected]
Introdução
Atualmente, existem no Brasil cerca de 35.000 pacientes portadores de insuficiência renal crônica (IRC)
mantidos em programa de diálise e grande parte destes são mulheres em idade fértil. O tratamento dialítico
e medicamentoso destas doentes apresentou uma espetacular melhora nas últimas duas décadas, levando a
uma extensão considerável de expectativa de vida e,
sobretudo, a uma melhora espetacular na qualidade de
vida destas pacientes. A despeito deste progresso, as
mulheres urêmicas apresentam capacidade reprodutiva muito rebaixada, quando comparamo-las a mulheres normais.1 Esta diferença decorre da presença de
uma série de anormalidades comuns à mulher urêmica, como alterações hormonais, distúrbios de ovulação
e menstruais, função sexual deprimida e fertilidade reduzida. Por outro lado, se estas mulheres tornam-se
grávidas, é raro ocorrer uma evolução normal da gestação, culminando com um concepto vivo e sadio.1-3
Gravidez em mulheres urêmicas
Desde 1980, uma série de mudanças no tratamento
dialítico proporcionou uma melhoria do quadro clínico
dos pacientes. Dentre essas mudanças, destacamos a
introdução da diálise peritoneal ambulatorial contínua
(CAPD), o uso da eritropoetina recombinante humana
no tratamento da anemia da insuficiência renal crônica
e de análogos da vitamina D no controle da osteodistrofia e distúrbios dos ions divalentes, o uso de terapia
hemodialítica mais adequada ao paciente (individualizada e prescrita baseando-se em quantificação, principalmente o Kt/V) e a introdução de hemodiálise mais
eficiente, como a hemodiálise de alta eficiência e alto
fluxo, com membranas dialisadoras mais eficientes e mais
biocompatíveis. Como o tratamento clínico e dialítico
tornou-se melhor, a possibilidade de gestação de mulheres urêmicas em período fértil hoje é menos rara, e a
sobrevida dos conceptos é atualmente duas vezes o
descrito na década passada.4-23
A freqüência de gestação em mulheres em diálise
continua, entretanto, muito baixa. Estudo multicêntrico na Arábia Saudita mostrou que 7,5% das mulheres
casadas e com idade inferior a 50 anos ficaram grávidas durante o período em que estiveram sob terapêutica dialítica.21 Nos Estados Unidos, pacientes em idade
fértil e mantidas em hemodiálise apresentaram uma freqüência de gravidez de cerca de 0,75% ao ano, enquanto que em mulheres mantidas em CAPD a mesma
foi de 0,25% por ano.20 Essa diferença entre mulheres
mantidas nesses dois tipos de diálise não está bem estabelecida, havendo hipóteses de que a mesma se deva
a diferenças no padrão hormonal entre elas, de que a
presença de dois litros de fluido intraperitoneal cause
interferências mecânicas no transporte do óvulo nas
trompas ou de que peritonites recorrentes possam levar a obstrução tubária.22
Atualmente, muitas informações sobre a gravidez em
pacientes em diálise advêm de um número crescente de
casos descritos na literatura. Entretanto, é bom ressaltar
que tais trabalhos descrevem mais casos com boa evolução, em detrimento daqueles com insucesso evolutivo.20,21
Em uma recente publicação,23 analisamos uma série
de 17 casos consecutivos de gravidez em mulheres mantidas em programa de diálise no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no
período de 1989 a 1995, sendo 14 em programa de hemodiálise e três em programa de diálise peritoneal ambulatorial contínua. Obtivemos sucesso de gestação com
nascimento de concepto vivo e sadio em 71% dos casos.
Destas pacientes, 12 estavam em programa dialítico por 6
a 72 meses quando ficaram grávidas; nos demais cinco
casos, a gestação foi diagnosticada em período de insuficiência renal crônica pré-terminal, obrigando-nos a antecipar o início do programa dialítico.
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Entretanto, gravidez nestas pacientes permanece
arriscado tanto para as mães, que têm hipertensão arterial e anemia agravadas, além de problemas hemorrágicos mais freqüentes que gestantes normais, quanto
para os fetos, com alta morbidade e mortalidade.22,23
Por isso, alguns autores continuam enfaticamente desencorajando a gestação em mulheres portadoras de
insuficiência renal crônica e até sugerindo interrupção
destas quando a concepção ocorre.24 Outros sugerem
que, se a paciente desejosa de engravidar tem grande
chance de ser submetida a um transplante renal a curto/médio prazo, seria melhor que a mesma aguardasse
a cirurgia, para tentar uma gravidez já com função renal normalizada.25 As razões para isso seriam pelo menos três: gravidez após transplante não parece implicar
em risco aumentado de sensibilização imunológica, algo
que pode ocorrer com a gravidez em mulheres em diálise e que reduziria a chance de um transplante após
o parto; as chances de gravidez são maiores na mulher
transplantada renal, com função renal normalizada, do
que em mulher urêmica mantida em programa crônico
de diálise; e, finalmente, as complicações descritas nestas gestantes são maiores na mulher urêmica do que
na transplantada renal. Se a possibilidade de transplante renal for remota e o casal desejar um filho, acreditamos que tal tentativa não deva ser desestimulada, mas
a equipe médica deveria intensamente discutir com o
casal a chance reduzida de gravidez, o ônus na manutenção de uma gestação, as possibilidades menores de
sucesso evolutivo e as complicações possíveis na gestante e no feto. Nos casos de gravidez destas mulheres,
uma rotina multiprofissional rígida e intensa deve ser
observada e colocada à disposição da paciente.
Hemodiálise
As informações técnicas associadas a estas gestações com sucesso indicam que alguns pontos devem
ser observados. Muitos acreditam que a uréia plasmática destas pacientes deva ser mantida entre 100 mg/dl e
140 mg/dl ou menos, dando assim ao feto maior chance de desenvolvimento e de sobrevida. Isto nem sempre é fácil de se alcançar em mulheres que não apresentem função renal residual, pois estas pacientes
necessitam de ingestão calórico-protéica normal e há
uma elevada produção e excreção de uréia fetal endógena.7,12,14,27 Mais recentemente, houve um aumento nos
casos de gestação com sucesso em mulheres com uréia
plasmática mantida ao redor de 200 mg/dl e/ou creatinina superior a 9 mg/dl.5,15,28 Em nossa série de grávi-
das urêmicas, a média dos níveis séricos de uréia foi
78,6 mg/dl±27,4 mg/dl (variando de 45 mg/dl a 110
mg/dl), graças à manutenção de esquema dialítico de
alta eficiência, com sessões realizadas quatro a seis vezes
por semana.23
Em um estudo, a concentração de creatinina e a
uréia do líquido amniótico eram as mesmas do plasma
materno e caíam na mesma proporção da queda da concentração plasmática da mãe durante a hemodiálise,
sugerindo que um aumento na freqüência e na eficiência da diálise seria útil para reduzir o ambiente urêmico
do feto, com conseqüência favorável à evolução do
mesmo.29 Uma outra vantagem de sessões dialíticas mais
freqüentes seria a redução do ganho de peso entre as
sessões e uma retirada menor de volume durante a hemodiálise, com subseqüente menor instabilidade hemodinâmica. Desta forma, em mulheres com função renal
residual muito reduzida ou mesmo ausente, sessões diárias de hemodiálise podem ser necessárias. Esta prática
também facilita a remoção mais adequada de fluidos e a
manutenção do chamado peso seco, com menor risco
de episódios hipotensivos associados a sofrimento fetal
e trabalho de parto prematuro. Além do peso seco, o
ganho de peso normal da mãe ao longo da gravidez
necessita ser reavaliado em função da variação estimada
do peso fetal. No primeiro trimestre ocorre um ganho
mínimo de peso de cerca de 1 kg a 1,5 kg; após, estimase um ganho linear de aproximadamente 400 gramas a
500 gramas por semana.
Não existe uma eficiência dialítica bem definida para
pacientes grávidas. Entretanto, aceita-se que o valor de
Kt/V para estas mulheres deveria ser maior do que aquele
aceito como adequado para os demais pacientes.23,25,26
Na hemodiálise, esta adequação é obtida com aumento na freqüência e eficiência das sessões de hemodiálise para até seis dias por semana. O tipo de membrana
a ser usada não parece ter influência na evolução da
gestação, mas sugere-se evitar membranas de cuprofane, que induzem maior grau de catabolismo protéico.
O banho de diálise pode ter sua concentração final de
potássio elevada para 3 mEq/L, para se evitar hipopotassemia com hemodiálise freqüente; em algumas pacientes pode ocorrer alcalose respiratória, que pode
ser corrigida com a redução da concentração de bicarbonato do dialisato para 25 mEq/L. O uso de concentração de cálcio de 3,5 mg/dl promove um ganho materno de cerca de um grama de cálcio, o que assegura
quantidade adequada deste elemento necessário para
calcificação do esqueleto fetal. A anticoagulação utili-
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zada durante a hemodiálise normalmente não sofre
modificação em relação à prescrita previamente à gestação, havendo necessidade de ser reduzida ou mesmo abolida em casos de hemorragias ou de risco hemorrágico. A heparina não cruza a barreira placentária
e não parece ter efeito teratogênico.
Diálise peritoneal
Experiência com gravidez em mulheres em diálise
peritoneal ambulatorial contínua é limitada a poucos
casos em todo o mundo.16-19,23,27,30-32 Em 1988, Redrow
et al publicaram trabalho que mostrou o uso de CAPD
em nove mulheres grávidas e sugeriu que esta modalidade terapêutica seria mais indicada a estas pacientes,
especialmente por manter mais estável o meio interno
e conseqüente ambiente metabólico intra-uterino mais
constante, melhor controle da anemia e da hipertensão
arterial, não necessitar de anticoagulação materna e por
promover menores mudanças de volemia.12 No que se
refere à ocupação da cavidade peritoneal com dois litros de líquido de diálise e sua incompatibilidade com
um útero gravídico cada dia maior, parece não trazer
problemas; desconforto abdominal materno nas últimas semanas de gestação pode ser minimizado com
pequenas reduções no volume de líquido de diálise
infundido na cavidade peritoneal.16-19
Entretanto, muitas questões sobre o esquema de
diálise peritoneal e complicações desta modalidade
dialítica permanecem. Pelas características inerentes a
este método dialítico, alguns autores o recomendam
para mulheres urêmicas grávidas.19,27 Por outro lado,
devido à pouca capacidade de se ajustar a eficiência
dialítica em uma situação de maior exigência de depuração, torna-se difícil manter uma diálise adequada a
estas pacientes, especialmente se há necessidade de se
reduzir os volumes de líquido de diálise infundidos na
cavidade peritoneal.30 Para as pacientes mantidas em
diálise peritoneal ambulatorial contínua, o aumento no
Kt/V pode ser obtido com um aumento no número de
trocas diárias. Dentre três casos por nós acompanhados, infelizmente observamos apenas um caso com
sucesso, havendo uma perda por aborto espontâneo e
outra por óbito da criança imediatamente após o parto, algo inferior ao obtido com as mulheres mantidas
em hemodiálise (79% de sucesso gestacional).23 Uma
grande incógnita existente se refere ao impacto da peritonite sobre a evolução da gestação em mulheres
mantidas em CAPD. Devido à conexão entre as trompas e o peritôneo, existe um risco de que infecção
associada à gestação possa desencadear peritonite. Se
peritonite ocorre, ela pode contribuir para parto prematuro, como descrito em dois dos três casos de peritonite em grávidas urêmicas relatados na literatura.19,26
Em uma de nossas pacientes, observamos episódio de
peritonite eosinofílica, que não interferiu na evolução
da gestação.23 Casos de peritonite bacteriana nestas
mulheres podem ser tratados de maneira segura com
cefalosporinas, evitando-se o uso de aminoglicosídeos, que podem ser ototóxicos e ocasionar insuficiência
renal aguda na criança.
Evolução da gestação
Em todos os trabalhos com gestação em mulheres
urêmicas, foi muito raro que as gravidezes chegassem
ao termo.5-22 Uma publicação da Associação Européia
de Diálise e Transplante (EDTA-ERA) em 1980, mostrou que apenas 23% das gestações em mulheres com
insuficiência renal crônica e mantidas em diálise não
terminavam em aborto espontâneo.4 Em todos esses
casos as mulheres estavam em programa crônico de
hemodiálise. Em nossa série de 17 pacientes, tivemos
sucesso de gestação em 71% dos casos, sendo que
dentre as mulheres mantidas em hemodiálise este ocorreu em 79% das gravidezes.23 Pacientes com função
renal residual presente apresentam melhor evolução
do que pacientes anúricas.20,22,23 Assim, há uma tendência a gestações com maior sucesso naquelas mulheres
com insuficiência renal crônica que engravidaram antes de iniciar o programa de diálise quando comparadas àquelas que já estavam há algum tempo em programa dialítico quando se tornaram grávidas.5,22
Na evolução destas gestações, algumas intercorrências clínicas têm grande impacto no sucesso da gravidez, algumas inclusive sendo críticas para o desenvolvimento do feto e outras relacionadas a fatores de risco
materno.11,12,22,23 Em nossa série, os problemas mais freqüentes observados foram o polidrâmnios (em sete dos
17 casos), oligodrâmnios (em um), diabetes gestacional (em dois casos em CAPD), parto prematuro com
aborto prematuro (em três casos), hipertensão arterial
agravada (em oito pacientes) e peritonite eosinofílica
em um paciente (Tabela).23 Dentre estas intercorrências, a hipertensão arterial, a anemia, o parto prematuro,
o risco de abortamento espontâneo e a possibilidade
de mortalidade materna merecem ser analisadas.
A hipertensão arterial sistêmica é freqüente em pacientes mantidos em programa crônico de diálise, exacerbando-se durante a gestação.22 Desta forma, constitui-se
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Tabela
Complicações observadas em 17 pacientes grávidas em diálise
Complicação
Anemia
Sofrimento fetal
Hipertensão arterial
Poli-hidrâmnios
Hemorragias
Aborto espontâneo
Diabetes gestacional
Oligo-hidrâmnios
Encefalopatia hipertensiva
Pneumonia
n
12
10
8
7
3
3
2
1
1
1
%
71%
59%
47%
41%
18%
18%
12%
6%
6%
6%
no problema mais constante e preocupante em mulheres
grávidas mantidas em diálise. Cerca de 80% destas mulheres apresentam hipertensão e um terço delas tem níveis pressóricos diastólicos superiores a 110 mmHg. Em
algumas ocasiões, pode haver o desenvolvimento de hipertensão maligna, que requer tratamento intensivo, sendo descritos casos de encefalopatia hipertensiva com crise convulsiva. 33-35 O diagnóstico de pré-eclâmpsia
superajuntada é difícil de ser estabelecido, visto que seus
indicativos principais (hiperuricemia, hipertensão arterial, proteinúria, edema) estão presentes em pacientes com
insuficiência renal.22 Em nossa série, observamos agravamento da hipertensão em oito dos 17 casos, possivelmente relacionado a aumento de volemia, e que foram
controlados com sucesso com diálise mais eficaz e drogas hipotensoras; em dois dos casos, entretanto, a hipertensão arterial agravou no último trimestre e esteve relacionada a aborto espontâneo.23 Os hipotensores mais usados
foram o alfametil-dopa, o labetolol e a nifedipina; os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA)
são claramente contra-indicados em mulheres grávidas.
A anemia, comum em paciente com insuficiência
renal crônica, tende a se agravar quando esta doente
fica grávida. A deficiência de ferro tem sido uma constante, e a necessidade de suplementação vigorosa de
ferro quase sempre é necessária; em média se repõe 1
grama a 2 gramas de ferro no curso da gestação, acrescido de 800 mg a 1000 mg requeridos pelas necessidades normais de uma gravidez. Eritropoetina no tratamento da anemia tem se tornado parte do regime
terapêutico normal de pacientes mantidos em programa dialítico, mas a experiência com essa droga em
mulheres urêmicas é muito restrita,13,32,34-39 sendo que
na grávida urêmica tem se mostrado necessidade de
maiores doses de eritropoetina.13,36,38 Não existem mui-
tas evidências na literatura de que eritropoetina cruze
a barreira placentária, mas nós relatamos que isto poderia ocorrer, ocorrendo policitemia no recém-nascido.39 Em oito dos nossos casos utilizamos eritropoetina
durante a gestação e nenhum efeito adverso como comportamento hipertensivo, pré-eclâmpsia, convulsão,
trombose e infarto placentário foi observado. Acreditase que uma melhora dos valores do hematócrito e da
hemoglobina poderia melhorar a evolução da gestação nestas mulheres, mas nenhuma diferença entre as
mulheres tratadas com eritropoetina e aquelas não tratadas foi observada.23
Prematuridade é um sério problema para crianças
de pacientes mantidas em diálise. A maior parte delas
nasce antes da 36ª semana de gestação.5-7,10,12,20,40,41 Isto
pode ser relacionado a episódios de hipotensão arterial que ocorrem durante as sessões de hemodiálise ou a
uma queda dos níveis de progesterona que é vista com
a hemodiálise.42 Há também um aumento incidental de
crianças nascidas pequenas para a idade gestacional,
refletindo que é comum um retardo de crescimento
intra-uterino; metade das crianças descritas na literatura estavam abaixo do percentil 10% para a idade gestacional.13 A prevenção deste retardo no desenvolvimento não é completamente alcançado pelo tratamento
dialítico, algo compreendido, considerando o fato que
a correção do estado urêmico destas mulheres é somente parcialmente obtido. Controle do trabalho prematuro de parto com a administração intra-uterina de
sulfato de magnésio em pacientes mantidas em CAPD
tem sido descrito, alcançando-se níveis sangüíneos seguros para a mãe;12 o uso de magnésio em urêmicos
deve ser cuidadoso e bem monitorizado, já que os riscos de hipermagnesiemia nestes doentes é elevado. A
indometacina pode ser usada, mas a experiência com
ela é limitada.
A incidência de abortos espontâneos está aumentada em mulheres mantidas em diálise, e dados mostram valores de ocorrência em 38% a 55% dos casos.4,12
Isto com certeza é subestimado, visto haver tendência
para descrever gestações com sucesso mais do que as
perdas. Anormalidades congênitas não são mais freqüentes nestas crianças do que na população geral.8
Muito descrito são os problemas com as crianças recém-nascidas, com destaque para a síndrome de angústia respiratória com alta mortalidade. Não existem
na literatura estudos analisando a evolução pondoestatural e neuropsíquica de crianças geradas e com desenvolvimento intra-uterino em mulheres mantidas em
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diálise. Em nossos casos não observamos qualquer
anormalidade destes aspectos nas crianças.
É importante ressaltar que a mortalidade materna é
notavelmente não descrita na literatura, a despeito dos
sérios fatores de risco maternal e fetal sempre relatados nesta população específica.20 Entretanto, têm sido
descritos casos de intercorrências clínicas graves durante a gestação de urêmicas, e o fato de não haver
relato de óbitos maternos talvez se deva ao extremo
cuidado que se tem nas unidades de diálise quando
ocorre gestação em uma das mulheres ali tratadas.
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Prevenção de gravidez
Um ponto pouco discutido e cada vez mais atual
em face do aumento descrito do número de gestações
neste grupo de mulheres é o controle preventivo de
gravidez naquelas que não desejam engravidar. Pouco
temos feito neste sentido e o método anticoncepcional
a ser usado não está bem definido. Trabalho americano recente mostrou que cerca de 50% das mulheres
questionadas apresentavam atividade sexual e que 36%
destas mulheres sexualmente ativas utilizavam algum
tipo de controle preventivo de gravidez. Preocupante
foi o fato de que apenas 13% destas mulheres haviam
discutido o assunto anteriormente com seus médicos
nefrologistas.43 Métodos de barreira como o diafragma
e o preservativo são efetivos e seguros, enquanto o
dispositivo intra-uterino está associado a episódios de
infecção mais freqüentes e a sangramentos durante a
hemodiálise. Contraceptivos orais são seguros, desde
que a paciente não tenha hipertensão arterial, diabetes
ou lúpus eritematoso.
Conclusão
Desta forma, podemos resumir que gravidez com
sucesso é possível neste subgrupo complexo de mulheres mantidas em programa dialítico crônico. Estas mulheres apresentam diversas complicações clínico-obstétricas,
não havendo porém casos de óbito materno na literatura.
Não se descreveu também anormalidades fetais nas crianças nascidas no terceiro trimestre de gestação. Para as
mulheres que desejam levar a gestação a termo, cuidados
meticulosos e redobrados são necessários para maximizar as chances de sucesso da gravidez. A gravidez representa pequeno risco para as mães e um grande risco para
as crianças e, até o momento, a terapêutica dialítica mais
adequada para estas ainda não está bem definida.
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