Untitled - Bertrand

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Título original
All Hell Let Loose
Copyright da edição original © Max Hastings 2011
Copyright © 2013 Civilização Editora
Todos os direitos reservados
Fotografia da capa © Hulton-Deutsch Collection/CORBIS
Design da capa © HarperCollins Publishers Ltd. 2012
Fotografia do autor © HarperCollins Publishers
Adaptação da capa
Civilização Editora
Tradução
Miguel Mata
Revisão
Civilização Editora
Pré­‑impressão, impressão e acabamentos
CEM Artes Gráficas
1.ª edição em novembro de 2013
ISBN 978­‑972­‑26­‑3522­‑6
Depósito Legal 366719/13
Civilização Editora
Rua Alberto Aires de Gouveia, 27
4050­‑023 Porto
Tel.: 226 050 900
[email protected]
www.civilizacao.pt
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PARA MICHAEL SISSONS,
agente, conselheiro e amigo
como nenhum desde há trinta anos
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Sumário
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Lista de Ilustrações
Lista de Mapas
Introdução
Traição à Polónia
Sem Paz mas quase sem Guerra
“Guerras­‑Relâmpago” a Oeste
1 a noruega
2 a queda da frança
A Grã­‑Bretanha Sozinha
O Mediterrâneo
1 a aposta de mussolini
2 tragédia grega
3 tempestades de areia
Barbarossa
Moscovo Salva, Leninegrado Faminta
A América Entra na Liça
A Temporada Triunfal do Japão
1 “suponho que vão correr com os homenzinhos”
2 a “estrada branca” da birmânia
A Viragem da Maré
1 bataan
2 mar de coral e midway
3 guadalcanal e nova guiné
Os Britânicos no Mar
1 o atlântico
2 os comboios do ártico
3 a provação do pedestal
Rússia, 1942: A Fornalha
Vivendo com a Guerra
1 os guerreiros
2 as frentes internas
3 o lugar de uma mulher
Adeus a África
Rússia, 1943: As Garras do Urso
Impérios Divididos
1 a liberdade de quem?
2 a hora mais negra do raj
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As Frentes Asiáticas
1 a china
2 combates na selva e de ilha em ilha
Itália: Grandes Esperanças, Frutos Amargos
1 a sicília
2 a estrada para roma
3 a jugoslávia
A Guerra nos Céus
1 os bombardeiros
2 os alvos
As Vítimas
1 amos e escravos
2 a chacina dos judeus
A Europa Torna­‑se Um Campo de Batalha
Japão: Desafio ao Destino
A Alemanha Sitiada
A Queda do Terceiro Reich
1 budapeste: no centro da tempestade
2 o avanço de eisenhower até ao elba
3 berlim: a última batalha
O Japão Prostrado
Vencedores e Vencidos
Agradecimentos
Notas e Referências
Bibliografia
Índice
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422
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571
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Ilustrações
Operário com doze anos numa fábrica de motores, em Perm, na Rússia (ITAR­‑TASS) Rússia, 1943 (© Arquivo Documental Cinematográfico e Fotográfico do Estado Russo,
Krasnogorsk (RGAKFD)/N. Asnina)
Avanço do Exército Vermelho (© Arquivo Documental Cinematográfico e Fotográfico do
Estado Russo, Krasnogorsk (RGAKFD)/Coleção Minkevich)
Artilharia russa na frente do Oder­‑Neisse, abril de 1945
Tripulação de um bombardeiro britânico regressada de um ataque à Alemanha
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Mapas
A Campanha da Polónia
A Campanha da Finlândia
A Invasão da Noruega
A Fase Final da Campanha da França, 1940
A Invasão da Grécia
As Ofensivas de Inverno Alemãs, 1941
O Teatro do Pacífico
A Batalha do Mar de Coral
A Batalha de Midway
Os Russos Cercam o Sexto Exército
O Avanço do Oitavo Exército, 1942­‑1943
Os Russos Exploram a Vitória de Kursk
O Avanço Russo pela Ucrânia
Os Desembarques na Itália, 1943
O Avanço para a Polónia, 1944
Os Aliados Saem da Normandia
O Avanço dos Aliados sobre a Alemanha, 1944
O Avanço sobre a Alemanha no Ocidente, 1945
O Avanço Russo até ao Oder
As Ofensivas Finais Russas
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Introdução
O presente livro tem como tema principal a experiência humana. Homens
e mulheres de muitos países procuraram encontrar palavras para descreverem
o que lhes aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, que transcendeu todas
as suas experiências anteriores. Muitos socorreram­‑se de um lugar­‑comum: “Foi
um inferno.” Dada a ocorrência frequente desta frase nos relatos testemunhais de
batalhas, ataques aéreos, massacres e afundamentos, as gerações posteriores tendem
a considerá­‑la banal. No entanto, num sentido importante, estas palavras encap‑
sulam a essência do significado da contenda para milhões de pessoas que foram
atiradas de existências pacíficas e ordenadas para provações que, em muitos casos,
duraram anos e que para pelo menos sessenta milhões de indivíduos terminaram
com a morte. A conflagração global, entre setembro de 1939 e agosto de 1945,
causou a morte de 27 000 pessoas por dia. Alguns dos sobreviventes descobriram que
o modo como se tinham conduzido durante a contenda definia, para melhor ou pior,
o seu estatuto nas respetivas sociedades para o resto das suas vidas. Os guerreiros
de sucesso ganharam um lustro que permitiu a alguns prosperar no governo ou nos
negócios. De forma conversa, anos depois da guerra, no bar de um clube londrino,
um veterano dos Guardas murmurou sobre um proeminente estadista conservador:
“O Smith não é mau tipo. É pena que tenha fugido durante a guerra.” Uma rapariga
holandesa que cresceu nos anos 50 descobriu que os pais categorizavam os vizinhos
em função do seu comportamento durante a ocupação alemã da Holanda.
Os soldados de Infantaria britânicos e americanos ficaram horrorizados com
as suas experiências durante os onze meses de campanha no Noroeste da Europa,
em 1944­‑1945. No entanto, os russos e os alemães digladiaram­‑se continuamente
durante quase quatro anos, em condições muito piores, e sofreram muito mais bai‑
xas.* Alguns países que tiveram um papel militar marginal perderam muito mais
gente do que os Aliados Ocidentais: a provação da China às mãos dos Japoneses,
entre 1937 e 1945, custou pelo menos quinze milhões de vidas; a Jugoslávia, onde
a guerra civil se sobrepôs à ocupação pelo Eixo, sofreu mais de um milhão de mortos.
Muitas pessoas assistiram a cenas comparáveis à ideia que os pintores renascentistas
tinham do Inferno, ao qual eram condenados os malditos: seres humanos desfeitos
em pedaços de carne e osso, cidades arrasadas, comunidades ordeiras fragmentadas
* A palavra “baixas” é utilizada no livro no seu sentido militar, significando militares mortos,
desaparecidos, feridos ou capturados. Na maioria dos combates terrestres, em quase todos os teatros,
registaram‑se cerca de três feridos por cada morto. (N. do A.)
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em partículas humanas dispersas. Quase tudo o que os povos civilizados dão como
adquirido em tempo de paz foi eliminado – sobretudo a expectativa de serem pro‑
tegidos da violência.
É impossível detalhar num único volume a imensidão da guerra, o aconteci‑
mento maior da história humana. Já abordei alguns dos seus aspetos em oito livros,
de forma mais significativa em Bomber Command, Operação Overlord, Armageddon,
Nemesis e Os Melhores Anos. Embora qualquer obra como a presente deva ser com‑
pleta, procurei evitar a repetição de episódios ou da análise das grandes questões.
Por exemplo, depois de ter dedicado um capítulo inteiro, em Nemesis, à largada das
bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui, em 1945, não valeria a pena repetir
a minha argumentação. O livro obedece a um quadro cronológico e procura definir
e ponderar o panorama geral, o contexto dos acontecimentos: importa que o leitor
adquira uma visão abrangente do que aconteceu no mundo entre 1939 e 1945.
Porém, o seu propósito é ilustrar o significado do conflito para uma infinidade de
pessoas pertencentes a muitas sociedades, tenham elas sido participantes ativos ou
passivos – uma distinção amiúde nebulosa. Por exemplo, uma mulher de Hamburgo
que apoiou fervorosamente Hitler e morreu na tempestade de fogo provocada pelos
bombardeamentos aéreos aliados, em 1943, é tão culpada pela guerra como os nazis
ou foi uma vítima inocente de uma atrocidade?
Na busca da história humana, sempre que possível sem perder a coerência,
a minha narrativa omite a identificação das unidades e os pormenores relativos às
manobras no campo de batalha. Tentei criar um retrato global: a narrativa estra‑
tégica realça facetas do conflito que não examinei noutras obras e sobre as quais
parece haver mais a dizer, a expensas de outros aspetos que foram exaustivamente
explorados, tais como Pearl Harbor e os combates na Normandia.
O genocídio dos Judeus foi a concretização mais coerente da ideologia nazi. Tendo
escrito em Armageddon sobre as provações dos prisioneiros dos campos de concen‑
tração, optei aqui por abordar a evolução do Holocausto da perspetiva nazi. Existe
no Ocidente a perceção tão generalizada de que a guerra foi travada por causa dos
Judeus que é importante dizer que não foi o caso. Embora Hitler e os seus acóli‑
tos tenham decidido culpar os Judeus pelas atribulações da Europa e pelos agravos
do Terceiro Reich, a contenda da Alemanha com os Aliados teve a ver com poder
e domínio hemisférico. O sofrimento do povo judeu com a ocupação nazi ocupou
um espaço relativamente modesto nas perceções de Churchill e Roosevelt e, de forma
ainda menos surpreendente, nas de Estaline. Cerca de um sétimo das vítimas fatais
do Nazismo e quase um décimo de todos os mortos durante a guerra foram judeus,
mas, na época, a sua perseguição foi vista pelos Aliados como um mero fragmento dos
danos colaterais provocados por Hitler, e é assim que os Russos continuam a percecio‑
nar o Holocausto. A atenção limitada dada pelos Aliados ao sofrimento dos Judeus foi
fonte de frustração e de raiva para os seus correligionários contemporâneos conhece‑
dores da situação, e tem dado origem a uma indignação veemente. Todavia, importa
reconhecer que, entre 1939 e 1945, os países aliados viram principalmente a luta em
termos da ameaça do Eixo aos seus interesses, ainda que Churchill os tenha definido
em termos nobres e generosos.
Uma das verdades mais importantes acerca da guerra, aliás, de todos os assuntos
humanos, é que as pessoas só podem interpretar o que lhes acontece no contexto das
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circunstâncias nas quais se encontram. O facto de os sofrimentos de alguns indiví‑
duos serem menos terríveis – em termos objetivos e estatísticos – do que os de outros
era irrelevante para as vítimas. Teria sido monstruoso dizer a um soldado britânico
ou americano debaixo de uma barragem de fogo de morteiro, com os seus camara‑
das a morrerem à sua volta, que as baixas dos Russos eram muitíssimo superiores.
Teria sido insultuoso dizer a um francês esfomeado, ou até a uma dona de casa
inglesa saturada da monotonia das rações, que em Leninegrado havia canibalismo
e que na Bengala Ocidental os pais vendiam as filhas em troca de comida. Poucas
das pessoas que experimentaram os bombardeamentos de Londres pela Luftwaffe,
em 1940­‑1941, se teriam sentido consoladas se soubessem que os bombardeamen‑
tos aéreos aliados iriam causar aos Alemães e Japoneses perdas muitíssimo maiores
e uma devastação sem precedentes. Os historiadores têm o dever e o privilégio de
fazer uso de um relativismo que não é expectável dos participantes. Quase toda
a gente que participou na guerra sofreu: as diferentes escalas e a natureza variada
das suas experiências constituem os temas deste livro. Todavia, o facto de o sofri‑
mento de terceiros ser pior do que o próprio pouco fez para promover o estoicismo
pessoal.
Alguns aspetos das experiências vividas durante a guerra foram quase universais:
o medo e a mágoa; a conscrição de jovens de ambos os sexos, obrigados a viver uma
vida nova e completamente diferente da que tinham escolhido, frequentemente de
armas na mão e, no pior dos casos, como escravos. O aumento desmedido da prosti‑
tuição foi um trágico fenómeno global que merece o seu próprio livro. O conflito pro‑
vocou muitas migrações em massa. Algumas foram ordeiras: metade da população da
Grã­‑Bretanha mudou de residência durante a guerra e muitos americanos aceitaram
empregos em lugares desconhecidos. Todavia, noutras paragens, milhões de pessoas
foram retiradas das suas comunidades em circunstâncias pavorosas e muitas enfren‑
taram provações que as mataram. “São tempos estranhos”, escreveu uma berlinense
anónima, no dia 22 de abril de 1945, num dos grandes diários da guerra, “é a história
vivida em primeira mão, tema de histórias por contar e canções por cantar. Mas vista
de perto, a história é mais inquietante – é só dificuldades e medos. Amanhã vou pro‑
curar urtigas e tentar obter algum carvão.”1
A natureza das experiências no campo de batalha variou de país para país e de
arma para arma. Os soldados de combate experimentaram níveis de risco e dificul‑
dade muito superiores aos das tropas de apoio. As Forças Armadas dos EUA tiveram
uma taxa global de fatalidades de cinco por cada mil militares e a vasta maioria dos
que serviram não enfrentou perigos maiores do que os da vida civil normal. Durante
a guerra, 17 000 soldados americanos feridos em combate perderam membros mas
100 000 operários americanos sofreram amputações devido a acidentes de trabalho.
Os homens que se encontraram no campo de batalha quando os seus países esta‑
vam em retirada sofreram mais do que os que serviram em períodos de vitória; os
guerreiros aliados que só estiveram em ação em 1943­‑1944 tiveram maiores pro‑
babilidades de sobrevivência do que, por exemplo, os aviadores ou os marinheiros
dos submarinos que iniciaram o seu serviço operacional mais cedo, quando as coisas
estavam a correr mal para a sua causa.
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A minha história coloca em destaque as perspetivas e as experiências “de baixo”,
as vozes da gente pequena mais do que as das pessoas importantes; já escrevi exten‑
sivamente sobre os senhores da guerra de 1939­‑1945. Os diários e as cartas con‑
temporâneos registam o que as pessoas fizeram ou o que lhes fizeram a elas mas,
de um modo geral, dizem­‑nos pouco sobre os seus pensamentos, um aspeto mais
interessante mas mais fugaz. A explicação óbvia é que os guerreiros, na sua maioria,
são jovens e imaturos: passam por extremos de excitação, terror ou dificuldades mas
só uma pequena maioria dispõe de energia emocional para a reflexão, uma vez que
estão absortos nos seus ambientes físicos, nas suas necessidades e nos seus anseios
imediatos.
Era fundamental que só um número diminuto dos líderes e dos chefes militares
nacionais soubesse o que o que se passava para além do horizonte. Os civis viviam
num nevoeiro de propaganda e incerteza, pouco menos denso na Grã­‑Bretanha e nos
EUA do que na Alemanha ou na Rússia. Os combatentes de primeira linha avalia‑
vam principalmente o sucesso ou o fracasso do seu campo pela contagem das baixas
e reparando que estavam a avançar ou a recuar. No entanto, estes indicadores nem
sempre eram adequados: o batalhão do soldado Eric Diller ficou dezassete dias isolado
do grosso das forças americanas durante a campanha de Leyte, nas Filipinas, mas ele
só se apercebeu da gravidade da situação quando lhe foi explicada pelo seu coman‑
dante de companhia – depois da guerra.2
Mesmo os que tinham acesso privilegiado a segredos viram­‑se limitados a peças
de um vasto puzzle de conhecimentos. Por exemplo, Roy Jenkins, um futuro esta‑
dista britânico, decifrava as comunicações alemãs em Bletchley Park. Roy e os seus
colegas estavam cientes da importância e da premência do trabalho que desenvol‑
viam mas, contrariamente à impressão transmitida pelos filmes sensacionalistas
sobre Bletchley, não eram informados sobre o significado ou o impacto do seu con‑
tributo. Este tipo de restrições era obviamente mais acentuado do outro lado da
frente: em janeiro de 19423, Hitler convenceu­‑se de que havia demasiadas pessoas
em Berlim que sabiam de mais e decretou que os próprios membros da Abwehr* só
deveriam receber as informações necessárias para o seu trabalho. Foram proibidos
de monitorizar as transmissões do inimigo, um obstáculo considerável para um ser‑
viço de informações.
Fascina­‑me a complexa interação de lealdades e simpatias que se verificou por
todo o mundo. Na Grã­‑Bretanha e na América, a certeza de que os nossos pais e avós
travaram uma guerra “boa” está tão profundamente enraizada que nos esquecemos
com frequência de que, em muitos países, as pessoas adotaram atitudes mais equí‑
vocas: os súbditos coloniais, principalmente os quatrocentos milhões de indianos,
viram pouco interesse na derrota do Eixo caso continuassem sob suserania britânica.
Muitos franceses combateram vigorosamente contra os Aliados. Na Jugoslávia, as
fações rivais empenharam­‑se muito mais na guerra civil do que na promoção dos
interesses dos Aliados ou do Eixo. Um número considerável dos súbditos de Estaline
agarrou a oportunidade oferecida pela ocupação alemã para pegar em armas contra
o odiado regime de Moscovo. Nada disto implica que a causa aliada não merecesse
triunfar, mas realça o facto de que o campo de Churchill e Roosevelt não foi impoluto.
* Serviço de informações militar alemão. (N. do T.)
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Convém explicar como escrevi este livro. Comecei por reler A World at Arms, de
Gerhard Weinberg, e Total War, de Peter Calcovoressi, Guy Wint e John Pritchard,
quiçá as duas melhores histórias da Segunda Guerra Mundial num único volume.
De seguida, elaborei uma narrativa base, colocando os eventos mais importantes por
ordem cronológica, e acrescentei­‑lhe episódios e as minhas reflexões. Completado
o esboço, revisitei outros relatos recentes e de grande qualidade: Why the Allies Won,
de Richard Overy, There’s a War to be Won, de Allan Millett e Williamson Murray,
e Moral Combat, de Michael Burleigh, após o que revi os meus comentários e conclu‑
sões à luz dos deles.
Privilegiei, sempre que possível, episódios relativamente pouco conhecidos em
detrimento das memórias pessoais merecidamente célebres, omitindo, por exemplo,
obras como The Last Enemy, de Richard Hillary, e Quartered Safe out Here, de George
Macdonald Fraser. A Dr.ª Lyuba Vinogradova, que desde há uma década vem inves‑
tigando as fontes russas para mim, voltou a identificar e a traduzir, para a presente
obra, narrativas pessoais, diários e cartas. Serena Sissons traduziu milhares de palavras
de memórias e diários italianos porque o povo de Mussolini me parece escassamente
representado na maioria das narrativas anglo­‑saxónicas. Explorei relatos polacos não
publicados no arquivo do Imperial War Museum e no Instituto Sikorski, em Londres.
Estou, de novo, grato à Dr.ª Tami Biddle, do US Army War College, em Carlisle, na
Pensilvânia, pela partilha generosa de informações e documentos decorrentes das
suas investigações. Vários amigos, nomeadamente o professor Sir Michael Howard,
o Dr. Williamson Murray e Don Berry, tiveram a amabilidade de ler o meu esboço e de
fazer correções, sugestões e comentários preciosos. O decano dos historiadores navais
britânicos, o professor Nicholas Rodger do All Souls College, em Oxford, leu o capítulo
sobre a experiência britânica no mar, em benefício do meu texto final. Richard Frank,
o decano dos historiadores americanos do Pacífico, identificou um rol alarmante de
erros egrégios no manuscrito, pelo que lhe estou profundamente grato. Obviamente,
nenhum dos supracitados é responsável pelas minhas opiniões nem pelos meus erros.
A maior aspiração de qualquer autor, decorridos mais de sessenta e cinco anos
sobre o fim da guerra, é oferecer uma visão pessoal e não um relato abrangente da
maior e mais terrível de todas as experiências humanas, que inspira infalivelmente
humildade aos seus estudiosos de hoje, gratos por terem sido poupados a algo de
semelhante. Em 1920, quando o coronel Charles à Court Repington, correspondente
militar do Daily Telegraph, publicou um relato campeão de vendas sobre o conflito
mais recente, foi considerado sinistro e de mau gosto por ter escolhido para título
The First World War, pois presumia uma segunda conflagração mundial. Chamar ao
presente livro “A Última Guerra Mundial” seria talvez tentar a Providência mas pelo
menos é garantido que milhões de homens armados não se voltarão a enfrentar em
campos de batalha europeus como os de 1939­‑1945. Os conflitos do futuro serão
bastante diferentes e talvez não seja um exagero de otimismo aventar que serão
menos terríveis.
MAX HASTINGS
Chilton Foliat, Berkshire e Kamogi, no Quénia, junho de 2011
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Traição à Polónia
Apesar de Adolf Hitler estar apostado na guerra, a inevitabilidade de um con‑
flito global não foi maior devido à sua invasão da Polónia, em 1939, do que fora
por causa do assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria, em 1914.
A Grã­‑Bretanha e a França careciam de vontade e de meios para cumprirem as
garantias de segurança que tinham dado aos Polacos. As suas declarações de guerra
à Alemanha foram gestos que até alguns antinazis convictos consideraram um dis‑
parate devido à sua futilidade. A contenda iniciou­‑se lentamente para todos os par‑
ticipantes, exceto para os polacos: só no terceiro ano do conflito é que a morte e a
destruição globais atingiram a escala que se manteria até 1945. No princípio, até
o Reich hitleriano estava mal equipado para gerar a intensidade de violência exigida
por uma luta de morte entre os países mais poderosos do planeta.
No verão de 1939, E Tudo o Vento Levou, o romance de Margaret Mitchell
sobre o antigo Sul americano, alcançou uma enorme popularidade na Polónia.
“Considerei­‑o profético”1, escreveu uma das suas leitoras, Rula Langer. Poucos dos
seus compatriotas duvidavam da iminência de um conflito com a Alemanha, dado
que Hitler deixara claro os seus planos de conquista. O povo polaco, firmemente
nacionalista, respondeu à ameaça nazi com o espírito dos jovens condenados da
Confederação americana, em 1861. “Tal como a maioria das pessoas, eu acreditava
em finais felizes”, recordou um jovem piloto de caça. “Queríamos lutar, excitava­
‑nos, e queríamos que a luta começasse depressa. Não acreditávamos que pudesse
realmente acontecer algo de mau.”2 Quando o tenente de artilharia Jan Karski
recebeu a sua ordem de mobilização, no dia 24 de agosto, a irmã disse­‑lhe para
não levar roupa a mais. “Não vais para a Sibéria”, disse ela. “Daqui a um mês estás
de volta.”3
Os Polacos fizeram gala da sua propensão para a fantasia. Havia exuberância nas
conversas nos cafés e bares de Varsóvia, uma cidade cuja beleza barroca e os seus
vinte e cinco teatros levavam os cidadãos a proclamarem­‑na “a Paris da Europa
de Leste”. Um repórter do New York Times escreveu da capital polaca: “Ouvindo
falar as pessoas, pensar­‑se­‑ia que o grande colosso industrial é a Polónia e não
a Alemanha.”4 O ministro dos Negócios Estrangeiros de Mussolini, o seu genro,
o conde Galeazzo Ciano, avisou o embaixador polaco em Roma de que se o seu país
resistisse às exigências territoriais de Hitler, ver­‑se­‑ia a lutar sozinho e “seria rapi‑
damente transformado num monte de escombros”.5 O embaixador não discordou
mas asseverou vagamente que “um eventual sucesso […] poderia dar mais força
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à Polónia”. Na Grã­‑Bretanha, os jornais de lorde Beaverbrook denunciaram como
provocatória a postura de desafio de Varsóvia face às ameaças de Hitler.
A nação polaca, de trinta milhões de pessoas – incluindo quase um milhão de
alemães étnicos, cinco milhões de ucranianos e três milhões de judeus –, tivera as
suas fronteiras definidas pelo Tratado de Versalhes, apenas vinte anos antes. Entre
1919 e 1921, a Polónia combatera contra os bolcheviques para afirmar a sua inde‑
pendência da longa hegemonia russa. Em 1939, o país era governado por uma junta
militar, ainda que, segundo o historiador Norman Davies: “Se é verdade que exis‑
tiam dificuldades e injustiças na Polónia, não se verificavam fomes generalizadas
nem matanças em massa como na Rússia, nem o recurso aos métodos bestiais do
fascismo ou do estalinismo.”6 A manifestação mais desagradável do nacionalismo
polaco era o antissemitismo, ilustrado pelas quotas de acesso ao ensino universitário
impostas aos Judeus.
Aos olhos de Berlim e Moscovo, o Estado polaco só devia a sua existência à força dos
Aliados, em 1919, pelo que carecia de legitimidade. Num protocolo secreto do Pacto
Molotov­‑Ribbentrop, assinado em 23 de agosto de 1939, Hitler e Estaline acordaram
a partilha e dissolução da Polónia. Embora os Polacos considerassem a Rússia o seu
inimigo histórico, não sabiam dos desígnios soviéticos de curto prazo e estavam deter‑
minados a frustrar os da Alemanha. Sabiam que o Exército polaco, mal equipado, não
podia derrotar a Wehrmacht, pelo que as suas esperanças assentavam inteiramente
numa ofensiva anglo­‑francesa a oeste, que dividiria as forças alemãs. “Dada a dificí‑
lima situação militar da Polónia”, escreveu o seu embaixador em Londres, o conde
Edward Raczyński, “o meu principal anseio tem sido garantir que não nos envolvemos
numa guerra com a Alemanha sem recebermos ajuda imediata dos nossos aliados.”7
Em março de 1939, os governos britânico e francês deram garantias, formaliza‑
das em tratados, de que na eventualidade de uma agressão alemã contra a Polónia,
lutariam ao seu lado. Caso sucedesse o pior, a França prometeu à liderança militar
de Varsóvia que o seu Exército atacaria a Linha Siegfried* até treze dias após a mobi‑
lização, e a Grã­‑Bretanha comprometeu­‑se com uma ofensiva aérea imediata contra
a Alemanha. As garantias dadas por ambas as potências foram cínicas, pois nem uma
nem outra tinham a menor intenção de as cumprir; destinavam­‑se a dissuadir Hitler
e não a fornecer uma assistência militar credível à Polónia. Foram gestos vazios de
substância, mas os Polacos decidiram acreditar nelas.
Estaline não era cobeligerante de Hitler mas a negociata de Moscovo com Berlim
tornou­‑o cobeneficiário da agressão nazi. A partir de 23 de agosto, o mundo viu
a Alemanha e a União Soviética agirem de forma concertada como as duas faces
do totalitarismo. Devido ao modo como o conflito global terminou, em 1945, com
a Rússia no campo aliado, alguns historiadores aceitaram a autoclassificação da
União Soviética, no pós­‑guerra, de potência neutral até 1941. Errado. Estaline temia
Hitler e estava convencido de que um dia teria de o enfrentar mas, em 1939, tomou
uma decisão histórica ao aquiescer na agressão alemã, em troca do apoio nazi ao
programa de expansão territorial de Moscovo. Independentemente das desculpas
depois avançadas pelo líder soviético e apesar de os seus exércitos nunca terem
* Sistema defensivo construído entre 1938 e 1940. Cobria a fronteira alemã desde Kleve, junto
à Holanda, até Weil am Rhein, na fronteira com a Suíça. (N. do T.)
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combatido em parceria com a Wehrmacht, o Pacto Molotov­‑Ribbentrop estabeleceu
uma colaboração que persistiu até Hitler revelar os seus verdadeiros desígnios com
a Operação Barbarossa.
O pacto de não­‑agressão de Moscovo, juntamente com o subsequente Tratado de
Amizade, Cooperação e Demarcação de 28 de setembro, obrigou os dois principais
tiranos do mundo a sancionarem as respetivas ambições e a repudiarem hostilida‑
des mútuas em benefício da expansão noutras paragens. Estaline tolerou as políti‑
cas expansionistas de Hitler no Ocidente e forneceu uma importante ajuda material
à Alemanha – petróleo, milho e produtos minerais. Os Nazis, ainda que de forma
insincera, deixaram as mãos livres aos Soviéticos no Leste, cujos objetivos incluíam
a Finlândia Oriental e os Estados bálticos, além de um naco substancial da carcaça da
Polónia.
Hitler pretendia que a Segunda Guerra Mundial tivesse início em 26 de agosto,
apenas três dias depois da assinatura do Pacto Molotov­‑Ribbentrop. Contudo, no dia
25, apesar de ordenar o prosseguimento da mobilização, adiou a invasão da Polónia:
ficou chocado ao descobrir que Mussolini não estava disposto a combater imedia‑
tamente ao seu lado e que as comunicações diplomáticas indicavam que a Grã­
‑Bretanha e a França pretendiam honrar as suas garantias a Varsóvia. Enquanto
decorria uma última e fútil roda­‑viva de contactos entre Berlim, Londres e Paris,
três milhões de homens, 400 000 cavalos, 200 000 veículos e 5000 comboios avan‑
çaram para a fronteira com a Polónia. Por fim, em 30 de agosto, Hitler deu ordem de
ataque. Às 02h00 do dia seguinte, subiu o pano do primeiro ato do conflito – um ato
apropriadamente sórdido. O major Alfred Naujocks, do Sicherheitsdienst (serviço de
segurança) liderou um grupo de homens com uniformes polacos e que incluía uma
dúzia de criminosos condenados pejorativamente rotulados de “Konserwen” – con‑
servas – num ataque simulado à estação de rádio alemã de Gleiwitz, na Alta Silésia.
Os “atacantes” dispararam tiros e foram transmitidos pela rádio slogans patrióticos
polacos, após o que retiraram. Os SS metralharam as “conservas”, cujos cadáveres
ensanguentados foram apresentados aos jornalistas estrangeiros como prova de uma
agressão polaca.
Às 02h00 do dia 1 de setembro, o 1.º Regimento de Cavalaria da Wehrmacht,
à semelhança de muitas outras unidades, foi despertado no seu bivaque por um toque
de clarim – algumas unidades alemãs e muitas unidades polacas entraram em com‑
bate a cavalo. Os esquadrões selaram os cavalos, montaram e deslocaram­‑se para as
suas posições, juntamente com as barulhentas colunas de blindados, camiões e peças
de artilharia. Ouviu­‑se a ordem: “Retirar protetores de boca! Carregar! Colocar patilha
em segurança!” Às 04h40, as enormes peças do velho couraçado alemão Schleswig­
‑Holstein, fundeado no porto de Danzig para uma “visita de boa vontade”, abriram
fogo sobre o forte de Westerplatte. Uma hora mais tarde, na fronteira ocidental, os
soldados alemães deitaram abaixo os postes fronteiriços, abrindo o caminho para
a entrada da vanguarda das forças invasoras na Polónia. Pouco depois, um dos seus
comandantes, o general Heinz Guderian, passava pela propriedade ancestral da famí‑
lia, em Chelmno, onde nascera no tempo em que a região pertencera à Alemanha
pré­‑Versalhes. Um dos seus soldados, o tenente Wilhelm Pruller, de vinte e três anos,
expressou a euforia que se apoderara do Exército: “Ser alemão é hoje um senti‑
mento maravilhoso […] Atravessámos a fronteira. Deutschland, Deutschland über alles!
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A Wehrmacht está em marcha! Atrás de nós, à frente, à esquerda ou à direita, só se
vê a Wehrmacht motorizada!”8
Os Aliados Ocidentais, encorajados pelo facto de a Polónia possuir o quarto
maior Exército da Europa, previram alguns meses de luta. Os defensores dispunham
de 1,3 milhões de homens contra 1,5 milhões de alemães, com trinta e sete divisões
de cada lado. Todavia, a Wehrmacht estava muito mais bem equipada, dispondo de
3600 veículos blindados contra os 750 polacos e de 1929 aviões modernos contra
novecentos obsoletos. O Exército polaco vinha ocupando progressivamente as suas
posições desde março mas abstivera­‑se de convocar a mobilização geral para atender
aos conselhos anglo­‑franceses no sentido de evitar provocar Hitler. Por conseguinte,
no dia 1 de setembro, os defensores foram apanhados desprevenidos. Um diplomata
polaco escreveu sobre a atitude dos seus compatriotas: “Estavam unidos na vontade
de resistir, mas não tinham uma ideia clara sobre o tipo de resistência a oferecer,
além de muita conversa fiada acerca de se oferecerem como ‘torpedos humanos’.”9
Ephraim Bleichman, um judeu de dezasseis anos residente em Kamionka, foi
um dos milhares de habitantes convocados à praça principal para uma preleção do
presidente da câmara: “Cantámos um hino polaco declarando que a Polónia ainda
não estava perdida e outro prometendo que nenhum alemão nos cuspiria na cara.”10
Piotr Tarczyński, de vinte e seis anos, escriturário numa fábrica, estava doente há
semanas quando foi mobilizado. Mas, ao informar o comandante da sua bateria
de artilharia de que não estava bem, o coronel respondeu­‑lhe com um enérgico
discurso patriótico “e disse­‑me que tinha a certeza de que logo que eu montasse no
cavalo me iria sentir muito melhor”.11 O equipamento era tão escasso que o regi‑
mento não conseguiu fornecer uma arma a Tarczyński, mas ele recebeu a sua mon‑
tada regulamentar, um cavalo enorme chamado Wojak – Guerreiro.
Witold Urbanowicz, um instrutor da força aérea, estava a realizar um combate
aéreo simulado com um instruendo nos céus de Dęblin quando, atónito, viu as asas
do seu avião encherem­‑se de buracos. Aterrou de imediato. Um oficial correu ao
seu encontro pelos campos, exclamando: “Estás vivo, Witold? Não foste atingido?”
Urbanowitz perguntou: “Mas o que é que se passa?” O seu camarada disse: “Devias ir
à igreja acender uma vela. Acabaste de ser atacado por um Messerschmitt!”12 A debi‑
lidade das defesas polacas era evidente em todo o lado. O piloto de caça Franciszek
Kornicki13 recebeu ordens para descolar duas vezes, nos dias 1 e 2 de setembro.
Na primeira ocasião, perseguiu um avião alemão que se distanciou facilmente dele.
Na segunda, quando as metralhadoras se encravaram, tentou desencravá­‑las, fazer
uma rotação e renovar o ataque. A viragem apertada do avião fez com que as fivelas
do arnês que o mantinha preso na carlinga aberta se abrissem e ele deu consigo no
céu, a descer embaraçosamente de paraquedas.
Às 17h00, perto da aldeia de Krojanty, os ulanos polacos receberem ordem para
contra­‑atacar para cobrirem a retirada da Infantaria que se encontrava nas pro‑
ximidades. Enquanto formavam em linha e desembainhavam os sabres, o vice­
‑comandante, o capitão Godlewski, sugeriu que avançassem apeados. “Jovem”,
respondeu com impaciência o comandante regimental, o coronel Mastalerz, “sei
muito bem o que é cumprir uma ordem impossível.” Inclinados sobre os pescoços
dos cavalos, 250 homens carregaram através de uma planície aberta. A Infantaria
alemã fugiu da frente, mas atrás dela havia carros blindados, cujas metralhadoras
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ceifaram os ulanos. Dezenas de cavalos caíram por terra, outros continuaram
a cavalgada sem cavaleiro. Metade dos atacantes morreu em minutos, incluindo
o coronel Mastalerz. Os sobreviventes recuaram em confusão, como destroços de
um tempo desaparecido.
O alto­‑comando francês instara os Polacos a concentrarem as suas forças atrás
dos três grandes rios do centro do país, mas o governo de Varsóvia considerara
essencial defender a totalidade dos mil e quinhentos quilómetros de fronteira com
a Alemanha, até porque a maioria da indústria polaca se localizava no oeste; por
conseguinte, algumas divisões assumiram a responsabilidade por frentes de quase
trinta quilómetros quando os seus efetivos – cerca de 15 000 homens – mal che‑
gavam para cinco ou seis. O ataque alemão, em três eixos – norte, sul e oeste –,
penetrou em profundidade no país face a uma resistência ineficaz, deixando bolsas
isoladas de defensores. Os aviões da Luftwaffe forneceram apoio aos panzers e lança‑
ram ataques devastadores contra Varsóvia, Łódź, Dęblin e Sandomierz.
Os soldados e os civis polacos foram metralhados e bombardeados do ar com uma
imparcialidade implacável mas algumas vítimas demoraram a reconhecer a gravi‑
dade da situação. Depois da primeira vaga de ataques, Virgilia, de naturalidade ame‑
ricana e mulher do príncipe polaco Paul Sapieha, disse tranquilizadoramente ao seu
pessoal doméstico: “A verdade é que estas bombas não são assim tão más. Ladram
mas não mordem.” Quando caíram duas bombas no parque da mansão da família
Smorczewski, em Tarnogóra, na noite de 1 de setembro, os jovens herdeiros, Ralph
e Mark, foram apressadamente tirados da cama pela mãe e correram a esconder­‑se
num bosque com outros refugiados. “Depois de recuperarmos do choque inicial”,
escreveu posteriormente Ralph, “olhámos uns para os outros e tivemos um ataque
de riso. Que visão: um grupo desgarrado de jovens, uns de pijama, outros com um
casaco por cima das cuecas, de pé, no meio das árvores, sem nada que fazer, a brin‑
car com máscaras de gás. Decidimos voltar para casa.” 14
Mas a risota acabou­‑se em pouco tempo: os polacos foram obrigados a reconhe‑
cer o poder devastador da Luftwaffe. “Fui acordado pelo uivo das sirenes e pelas
explosões”, escreveu o diplomata Adam Kruczkiewicz, em Varsóvia. “Os aviões ale‑
mães voavam incrivelmente baixo e largavam bombas a seu bel­‑prazer. Havia um
fogo antiaéreo desconexo, proveniente dos telhados de alguns edifícios, mas não
se via nenhum avião polaco […] As pessoas ficaram atordoadas com a ausência
quase total de defesas antiaéreas. Sentiram­‑se muitíssimo desiludidas.”15 A cidade de
Łuck não fez jus ao nome*: de manhã cedo, foi atingida por uma dúzia de bombas
alemãs que mataram dezenas de pessoas, a maioria crianças a caminho da escola.
Naqueles dias de setembro, as vítimas, impotentes, chamaram aos céus sem nuvens
a “maldição da Polónia”. O piloto B. J. Solak escreveu: “O ar da cidade encheu­‑se
com o fedor dos incêndios e um véu de fumo castanho.”16 Depois de esconder o seu
avião desarmado debaixo de umas árvores, Solak regressava a casa de carro quando
encontrou um camponês na estrada, “a conduzir um cavalo cujo quadril era uma
pasta de sangue coagulado. As narinas tocavam a poeira e cada passo fazia­‑o estre‑
mecer de dor”. O jovem aviador perguntou ao camponês para onde levava o cavalo,
* O autor faz um trocadilho com a palavra inglesa luck, embora o nome da cidade (hoje Lutsk,
na Ucrânia), não tenha nada a ver com a sorte. (N. do T.)
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vítima de um bombardeiro de voo picado Stuka. “À clínica veterinária, na cidade.”
“Mas a cidade ainda fica a seis quilómetros!” O homem encolheu os ombros e disse:
“Só tenho este cavalo.”
Desenrolaram­‑se mil tragédias maiores. Quando a bateria de artilharia do tenente
Piotr Tarczyński avançava para o campo de batalha, foi atacada pelos Stukas; os
homens saltaram dos cavalos e lançaram­‑se por terra. Caíram algumas bombas, atin‑
gindo homens e montadas. Os aviões desapareceram e a bateria retomou a marcha.
“Vimos duas mulheres, uma de meia­‑idade, a outra jovem, que levavam uma
pequena escada em cima da qual estava deitado um homem ferido, agarrado ao abdó‑
men. Quando passaram por nós, vi que os intestinos vinham a arrastar pelo chão.”17
Władysław Anders tinha combatido com os Russos na Primeira Guerra Mundial,
sob o comando de um general czarista de nome exótico, o khan de Nakhitchevan.
Anders, que comandava uma brigada de cavalaria, viu uma professora conduzir
um grupo de alunos para um bosque. “De súbito, ouviu­‑se o rugido de um avião.
O piloto desceu em círculos até uma altitude de cinquenta metros. Quando largou as
bombas e disparou as metralhadoras, as crianças dispersaram como pardais. O avião
desapareceu tão depressa como surgira, deixando no campo algumas pilhas de roupa
garrida, amarrotadas e sem vida. Tornara­‑se óbvia a natureza da nova guerra.”18
George Ślązak, de treze anos, e outras crianças regressavam a casa, em Łódź, de
um campo de férias. De súbito, ouviram­‑se explosões e gritos e o comboio parou.
O chefe do grupo gritou aos rapazes para se apearem depressa e correrem para uma
floresta próxima. Chocados e aterrorizados, ficaram deitados no chão durante meia
hora, até o bombardeamento parar. Quando emergiram da floresta, a algumas cen‑
tenas de metros dos carris, viram o alvo dos alemães, um comboio de transporte de
tropas, que estava em chamas. Alguns rapazes começaram a chorar ao verem homens
ensanguentados; a primeira tentativa para regressarem ao comboio viu­‑se frustrada
pelo regresso dos aviões da Luftwaffe, que atacaram com as metralhadoras. Por fim,
seguiram viagem nas carruagens esburacadas pelas balas. Ao chegar a casa, George
deu com a mãe a soluçar junto do rádio, que anunciara a aproximação dos Alemães.
O piloto Franciszek Kornicki foi visitar um camarada ferido ao hospital de Łódź:
“Era um lugar medonho, com os feridos e moribundos deitados por todo o lado, em
camas e no chão, nos quartos e nos corredores, alguns a gemerem de agonia, outros
silenciosos, de olhos fechados ou abertos, à espera e com esperança.”19 O general
Adrian Carton de Wiart, chefe da missão militar britânica na Polónia, escreveu com
amargura: “Vi mudar a própria face da guerra – deixara de ser gloriosa, já não era
o soldado a avançar para o combate mas sim o combate a enterrar as mulheres e as
crianças.”20
No dia 3 de setembro, um domingo, a Grã­‑Bretanha e a França declararam guerra
à Alemanha, cumprindo as garantias dadas à Polónia. A aliança de Estaline com
Hitler levou muitos comunistas europeus, obedientes a Moscovo, a distanciarem­
‑se da oposição dos seus países aos Nazis. As denúncias dos sindicalistas do que
classificaram de “guerra imperialista” influenciaram as atitudes em muitas fábri‑
cas, estaleiros e minas de carvão francesas e britânicas. Surgiram grafitos nas
ruas: “Fim à guerra: quem paga são os trabalhadores”, “Não à guerra capitalista”.
Um porta­‑estandarte da esquerda, Aneurin Bevan, deputado do Partido Trabalhista
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Independente, aumentou a parada ao apelar a uma guerra em duas frentes: contra
Hitler e contra o capitalismo britânico.
Os protocolos secretos do Pacto Molotov­‑Ribbentrop, que delineavam as ambi‑
ções territoriais das partes, só foram conhecidos das capitais ocidentais depois da
captura dos arquivos alemães, em 1945. No entanto, em setembro de 1939, muitos
cidadãos das democracias viram a Rússia e a Alemanha como suas inimigas. Guy
Crouchback, alter ego fictício do romancista Evelyn Waugh, adotou uma opinião par‑
tilhada por muitos conservadores europeus: o acordo de Estaline com Hitler, “uma
notícia que abalou os políticos e os jovens poetas numa dezena de capitais, trouxe
uma paz profunda ao coração inglês […] O inimigo surgira finalmente à vista, gigan‑
tesco e odioso, já sem nenhum disfarce. Era a Idade Moderna em armas.”21 Alguns
políticos desejavam separar a Rússia e a Alemanha, procurar o apoio de Estaline para
derrotar Hitler, o mal maior, mas esta possibilidade pareceu remota até junho de
1941: ambas as ditaduras eram vistas como inimigas comuns das democracias.
Hitler não estava à espera das declarações de guerra britânica e francesa. A aquies‑
cência de ambos os países na sua conquista da Checoslováquia, em 1938, bem como
a impossibilidade de um auxílio militar anglo­‑francês direto à Polónia, eram indica‑
doras de falta de vontade e de meios para lhe fazerem frente. O Führer recuperou
rapidamente do choque inicial, mas alguns dos seus acólitos ficaram perturbados.
Goering, o comandante­‑chefe da Luftwaffe, com os nervos em franja, disse enrai‑
vecido ao telefone ao ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Ribbentrop:
“Cá tem a sua guerra de merda! A culpa é toda sua!” Hitler procurara forjar uma
sociedade de guerreiros empenhada na glória marcial e alcançara um êxito notável
junto dos jovens. Contudo, as pessoas mais velhas deram mostras de muito menos
entusiasmo em 1939 do que em 1914, pois tinham presente os horrores do conflito
anterior e da derrota. “Esta guerra é de uma irrealidade fantasmagórica”, escreveu
o conde Helmuth von Moltke, oficial das informações da Abwehr e opositor impla‑
cável de Hitler. “As pessoas não a apoiam […] Estão apáticas. É como uma dança
macabra executada num palco por gente desconhecida.”22
No dia 3 de setembro, William Shirer, correspondente da CBS, noticiou da capital
de Hitler: “Não há nenhuma excitação […] não se ouvem vivas nem ovações entusiás‑
ticas, não se vê ninguém a atirar flores […] O povo alemão que vemos aqui esta noite
está muito mais sombrio do que ontem à noite ou anteontem.”23 Ao passar por Stettin
com a sua unidade a caminho da fronteira polaca, Alexander Stahlberg fez eco da opi‑
nião de Shirer: “Nada do ambiente valoroso de agosto de 1914, nada de ovações, nada
de flores.”24 O escritor austríaco Stefan Zweig explicou facilmente este fenómeno:
“Não se sentiam da mesma maneira porque em 1939 o mundo não era tão infantil‑
mente ingénuo e crédulo como em 1914 […] A fé quase religiosa na honestidade ou
pelo menos nas capacidades do governo tinha desaparecido em toda a Europa.”25
No entanto, muitos alemães fizeram eco dos sentimentos de Fritz Muehlebach,
um funcionário do Partido Nazi: “Considerei a interferência da Inglaterra e da França
[…] uma mera formalidade[…] Logo que compreendessem a futilidade absoluta da
resistência polaca e a enorme superioridade das armas alemãs, começariam a ver
que a razão estivera sempre do nosso lado e que era completamente insensato inter‑
ferirem […] A guerra tinha resultado de algo que não lhes dizia respeito nenhum.
Se a Polónia estivesse sozinha, teria certamente cedido sem causar problemas.”26
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Os países aliados esperavam que o simples gesto de declararem guerra “des‑
mascararia o jogo de Hitler”, precipitando o seu derrube pelo seu próprio povo
e dando origem a um acordo de paz sem um choque bélico catastrófico na Europa
Ocidental. A resposta da Grã­‑Bretanha e da França ao desenrolar da tragédia polaca
foi marcada pelo egoísmo. O comandante­‑chefe francês, o general Maurice Gamelin,
dissera ao seu homónimo britânico, em julho: “Temos todo o interesse em que
o conflito comece no Leste e que só se generalize progressivamente. Deste modo,
teremos o tempo de que necessitamos para mobilizar a totalidade das forças franco­
‑britânicas.” O deputado conservador Cuthbert Headlam escreveu petulantemente
no seu diário, em 2 de setembro, que os polacos “só se podem culpar a si próprios
pelo que lhes vai acontecer”.27
Na Grã­‑Bretanha, no dia 3 de setembro, o alarme de ataque aéreo que soou
minutos antes da alocução radiofónica do primeiro­‑ministro Neville Chamberlain
anunciando a guerra suscitou sentimentos ambivalentes. “A mãe ficou toda agi‑
tada”, escreveu J. R. Frier, um estudante londrino de dezanove anos. “Várias mulhe‑
res do bairro desmaiaram e muitas fugiram para a rua. Comentários: ‘Não vão para
o abrigo antes de ouvirem os canhões a disparar’ – ‘Os balões ainda nem sequer
estão no ar’* – ‘O porco deve ter mandado os aviões antes do fim do prazo’.” Depois
do toque de fim do alarme, “em minutos, estavam todos à porta das suas casas,
a falarem rápida e excitadamente uns com os outros. Falava­‑se de Hitler e de revo‑
luções na Alemanha […] A coisa mais peculiar que senti foi o desejo de que aconteça
alguma coisa – ver os aviões a chegar e as defesas em ação. É claro que não quero ver
bombas a cair nem pessoas a morrer mas de alguma forma, já que estamos em guerra,
quero que as coisas se comecem a mexer. Com este ritmo, a guerra vai demorar sabe
Deus quanto tempo”.28 A impaciência em relação à provável duração da contenda
revelou­‑se um sentimento popular duradouro.
Nas remotas colónias africanas, alguns jovens fugiram para o mato quando sou‑
beram da eclosão da guerra: receavam que os seus governantes britânicos fossem
repetir a prática da Primeira Guerra Mundial, conscrevendo­‑os para serviço de tra‑
balho obrigatório – como efetivamente aconteceu. Um queniano chamado Josiah
Mariuki registou “um boato ominoso de que Hitler iria aparecer e matar­‑nos a todos
e muitas pessoas, cheias de medo, foram para os rios e abriram buracos nas mar‑
gens para se esconderem dos soldados”.29 Os chefes militares reconheceram que
as Forças Armadas britânicas não estavam preparadas para o combate, mas alguns
jovens soldados de carreira revelaram­‑se ingénuos ao ponto de acolherem de bom
grado a possibilidade de entrarem em ação e de serem promovidos. “O efeito foi de
alegria e excitação”, escreveu John Lewis, dos Cameronians.** “Hitler era uma figura
ridícula, e os documentários noticiosos Pathé de soldados alemães a marcharem em
passo de ganso provocavam um gozo hilariante […] Eram muito bons a bombardear
aldeias espanholas indefesas*** – mais nada. A maioria dos seus carros de combate
* Balões de barragem, ancorados com cabos de metal, destinados a impedir ataques aéreos
a baixa altitude. (N. do T.)
** Regimento de Infantaria do Exército Britânico. (N. do T.)
*** Uma alusão à participação da Legião Condor na Guerra Civil da Espanha, em particular, ao
bombardeamento de Guernica. (N. do T.)
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era de cartão.* Tínhamos vencido uma Alemanha muito mais poderosa vinte anos
antes. Éramos o maior império do mundo.”30
Poucas pessoas pensaram de forma tão racional como o tenente David Fraser,
dos Guardas Granadeiros, que observou com contundência: “A abordagem mental
dos britânicos às hostilidades distingue­‑se pelos seus defeitos principais – indolência
mental e suposições irrealistas […] Nas democracias, as pessoas precisam de acredi‑
tar que o bem se opõe ao mal – daí o espírito de cruzada. Tudo isto, juntamente com
a tentativa de suscitar paixões morais e ideológicas poderosas, tende a funcionar
contra a conceção fria da guerra definida por Clausewitz, a extensão da política, um
exercício com objetivos finitos e atingíveis.”31
Muitos aviadores britânicos previram o seu destino provável. O oficial Donald
Davis escreveu: “Estava um dia maravilhoso de outono quando passei de carro pelos
montes Wittenham e Chiltern, que tão bem conhecia, e lembro­‑me de pensar que
o mais provável era que daí a três semanas estivesse morto. Parei para contemplar
o panorama e refletir durante alguns minutos. [Concluí que] se me tivesse visto
confrontado com as mesmas decisões teria na mesma decidido voar e tentar alistar­
‑me na RAF.”32 Para a geração de Davis, em todo o mundo, o privilégio do acesso ao
céu era a concretização de uma visão romântica suprema e muitos jovens estavam
dispostos a pagá­‑lo arriscando a vida.
Em Westminster, um ministro disse ao embaixador polaco, com uma condes‑
cendência monumental: “Vocês têm muita sorte! Quem diria, há seis meses, que
teriam a Grã­‑Bretanha como aliada?”33 Na Polónia, as notícias das declarações de
guerra britânica e francesa deram origem a uma onda de esperança, alimentada
pela retórica extravagante dos novos aliados. Os varsovianos abraçaram­‑se uns
aos outros na rua, dançaram, choraram, buzinaram. Uma multidão congregou­‑se
junto da embaixada britânica, na Avenida Ujazdów, a ovacionar, a cantar e a entoar
desajeitadamente uma versão de “God Save the King”. O embaixador, Sir Howard
Kennard, gritou da varanda: “Viva a Polónia! Lutaremos lado a lado contra a agres‑
são e a injustiça!”
Estas cenas tumultuosas repetiram­‑se junto da embaixada francesa, onde uma
multidão cantou “A Marselhesa”. À noite, em Varsóvia, um boletim governamental
anunciou triunfalmente: “Unidades da cavalaria polaca romperam as linhas blinda‑
das alemãs e entraram na Prússia Oriental.” Por toda a Europa, alguns inimigos do
Nazismo foram tomados de breves ilusões. Mihail Sebastian era um escritor romeno
judeu de trinta e um anos. No dia 4 de setembro, depois de ouvir a notícia das decla‑
rações de guerra britânica e francesa, ficou ingenuamente admirado com o facto
de os aliados não atacarem de imediato a oeste. “Ainda estarão à espera de alguma
coisa? Será possível (segundo dizem alguns) que Hitler seja derrubado e substituído
por um governo militar que negociará a paz? Haverá mudanças radicais na Itália?
O que fará a Rússia? O que é que está a acontecer ao Eixo, sobre o qual existe um
silêncio súbito em Roma e Berlim? São mil perguntas que nos deixam sem fôlego.”34
Sebastian procurou alívio para a sua agitação mental em Dostoievski e depois em
Thomas de Quincey, em inglês.
* No início do desenvolvimento da sua arma blindada, os alemães tinham treinado com automó‑
veis sobre os quais era montada uma estrutura de cartão na forma de um carro de combate. (N. do T.)
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No dia 7 de setembro, dez divisões francesas entraram cautelosamente no
Sarre alemão. Depois de avançarem oito quilómetros, pararam: a isto se resumiu
a demonstração armada da França em apoio da Polónia. Gamelin acreditava que os
Polacos conseguiriam conter a Wehrmacht até o programa de rearmamento francês
estar mais avançado. O povo polaco começou lentamente a compreender que estava
sozinho na sua aflição. Stefan Starzyński, um ex­‑soldado da Legião de Piłsudski*, era
o inspirador presidente da câmara de Varsóvia desde 1934, famoso por ter transfor‑
mado a cidade num caleidoscópio de flores estivais. Starzyński falava diariamente
pela rádio à sua gente, denunciando a barbárie nazi de forma emotiva e apaixonada.
Recrutou grupos de socorristas, convocou milhares de voluntários para abrirem trin‑
cheiras e confortava as vítimas das bombas alemãs, que pouco depois chegaram aos
milhares. Muitos varsovianos fugiram para leste, com os ricos a trocarem automóveis
para os quais não tinham combustível por carroças e bicicletas. Ephraim Bleichman,
um judeu de dezasseis anos, viu colunas de refugiados da sua raça arrastando­‑se
miseravelmente pela estrada de Varsóvia. Na sua inocência, não se apercebeu do
perigo especial que enfrentavam: apesar do notório antissemitismo polaco, “nunca
me tinha acontecido nada mais grave do que ser alvo de insultos”.35
O obstáculo principal à fácil progressão alemã era a exaustão dos homens e dos
cavalos. O primeiro­‑cabo de cavalaria Hornes reparou que a sua montada, Herzog, não
parava de cambalear: “Gritei ao comandante de secção – ‘O Herzog não aguenta mais!’
Mal tinha acabado de falar, o pobre animal caiu de joelhos. Tínhamos feito 70 km no
primeiro dia e 60 km no segundo. Ainda por cima, tínhamos atravessado as mon‑
tanhas com a patrulha avançada, a galope […] Ou seja, quase 200 km em três dias,
praticamente sem descanso! A noite caíra há muito e nós continuávamos a avançar.”36
Os horrores da “guerra­‑relâmpago” foram aumentando: enquanto a Rádio Varsóvia
tocava a “Polonesa Militar” de Chopin, os bombardeamentos alemães da capital eram
agora acompanhados pelo fogo de um milhar de canhões que disparavam 30 000 pro‑
jéteis por dia, transformando em ruínas os magníficos edifícios da cidade. “O encanta‑
dor outono polaco [está] a chegar”, escreveu no seu diário o piloto de caça Mirosław
Ferić, amargurado com a ironia. “Raios partam o seu encanto.”37 A capital foi envol‑
vida por uma mortalha cinzenta de fumo e poeira. O castelo real, a ópera, o teatro
nacional, a catedral e dezenas de edifícios públicos, bem como milhares de residências,
ficaram em ruínas. As avenidas e os parques encheram­‑se de cadáveres por enterrar
e sepulturas improvisadas; o abastecimento alimentar, de água e de eletricidade foi
cortado; as ruas estavam atapetadas com os vidros das janelas. No dia 7 de setembro,
com o Exército polaco a recuar para leste, a cidade e os seus 120 000 defensores viram­
‑se cercados. O chefe do Estado­‑Maior do Exército, o marechal Edward Rydz­‑Śmigły,
tinha fugido de Varsóvia com o governo no segundo dia da guerra. O sistema de apro‑
visionamento e comunicações do Exército entrou em colapso. Cracóvia caiu quase
sem resistência, em 6 de setembro, e Gdynia a 13, mas a sua base naval ainda resistiu
durante uma semana.
Um contra­‑ataque efetuado no dia 10 de setembro por oito divisões polacas, atra‑
vés do rio Bzura, a oeste de Varsóvia, desorganizou brevemente a ofensiva alemã
* Formação polaca que combateu integrada no Exército austro­‑húngaro, na Primeira Guerra
Mundial. (N. do T.)
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e rendeu 1500 prisioneiros. Kurt Meyer, do Leibstandarte SS*, reconheceu, com um
misto de admiração e condescendência: “Os Polacos atacam com enorme tenacidade
e provam que sabem verdadeiramente morrer.” Contrariamente à lenda, os cavaleiros
polacos só enfrentaram os carros de combate alemães em duas ocasiões. Um destes
episódios teve lugar na noite de 11 de setembro, quando um esquadrão se lançou
a todo o galope contra a aldeia de Kałuszyn, na posse do inimigo. Dos oitenta e cinco
cavaleiros que atacaram, sobreviveram trinta e três. Os invasores utilizavam a sua
cavalaria para efeitos de reconhecimento e mobilidade, não para ataques. A unidade
do primeiro­‑cabo Hornes avançou em coluna, com dois cavaleiros mais à frente:
“Galopavam de colina em colina e depois davam sinal para o avanço do resto da tropa.
Como precaução adicional, um cavaleiro acompanhava a coluna em cada flanco,
no cimo das cristas. De súbito, vimos surgir da poeira formas desconhecidas: cavalos
pequenos e ágeis com cabeças balouçantes, montados por ulanos polacos de uniforme
caqui, com uma extremidade da comprida lança presa no estribo e a outra apoiada no
ombro. As pontas, reluzentes, oscilavam ao ritmo dos cascos dos cavalos. Nesse preciso
instante, as nossas metralhadoras abriram fogo.”38
A Wehrmacht dispunha de armas e blindados muito superiores aos do inimigo.
A Polónia era um país pobre, com poucos milhares de camiões militares e civis;
o orçamento nacional era inferior ao da cidade de Berlim. Dada a fraca qualidade
e o número reduzido dos aviões polacos em comparação com a Luftwaffe, é notável
que a campanha tenha custado aos alemães 560 aparelhos. A bateria do tenente
Piotr Tarczyński ficou debaixo de um intenso fogo de artilharia a quilómetro e meio
do rio Varta. O tenente, em missão de observador avançado, ficou sem telefones; os
homens enviados para verificar o que se passava não regressaram. Sem ter pedido
uma única salva, Tarczyński viu­‑se cercado pelos infantes alemães e caiu prisioneiro.
Tal como muitos outros homens em situação idêntica, tentou conquistar as boas
graças dos captores: “Só consigo comparar a minha situação com a de alguém que
se vê inesperadamente confrontado com estranhos dos quais está totalmente depen‑
dente. Sei que não o devia ter feito, foi uma vergonha.”39 Ao ser conduzido para
o cativeiro, passou por vários soldados polacos mortos e fez­‑lhes instintivamente
continência.
No meio da raiva popular contra os invasores da pátria, registaram­‑se cenas de
violência que não honraram a causa da Polónia. No princípio de setembro, tiveram
lugar detenções em massa de alemães étnicos – alegadamente membros da quinta
coluna. Em Bydgoszcz, a 3 de setembro, no “Domingo Sangrento”, mil civis alemães
foram massacrados sob a acusação de terem disparado sobre tropas polacas. Alguns
historiadores alemães modernos afirmam que durante a campanha terão sido mortos
13 000 alemães étnicos, na sua maioria inocentes. O número exato é quase de certeza
muito inferior mas estas mortes ofereceram um pretexto para as atrocidades horríveis
e sistemáticas infligidas pelos Nazis aos Polacos, em especial, aos Judeus, que começa‑
ram dias depois do início da invasão. Hitler disse aos seus generais, na Obersalzberg**:
“Gengiscão mandou matar a seu bel­‑prazer e sem remorsos milhões de homens
e mulheres mas a história vê­‑o apenas como o construtor de um grande Estado […]
* Regimento constituído pela guarda pessoal de Hitler. (N. do T.)
** Montanha onde se localizava o Berghof, o retiro de Hitler. (N. do T.)
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Enviei as minhas unidades da caveira* para leste com ordens para matarem sem pie‑
dade homens, mulheres e crianças de raça ou língua polaca. Só assim conquistaremos
o espaço vital de que necessitamos.”
Quando a Wehrmacht entrou em Łódź, George Ślązak, de treze anos, ficou atónito
ao ver mulheres atirarem flores aos soldados e oferecerem­‑lhes guloseimas e cigarros.
As crianças gritavam “Heil Hitler!” Ślązak escreveu, espantado: “Rapazes que andavam
comigo na escola agitavam bandeiras com a suástica.”40 Os civis eram cidadãos pola‑
cos mas de ascendência alemã e estavam a demonstrar o seu legado. Goebbels lançou
uma estridente campanha de propaganda para convencer o povo alemão da justiça da
sua causa. No dia 2 de setembro, o jornal nazi Völkischer Beobachter anunciou a inva‑
são num duplo cabeçalho: “O Führer proclama a luta pelos direitos e pela segurança
da Alemanha.” No dia 6, o Lokal­‑Anzeiger declarou: “Terrível bestialidade dos Polacos
– aviadores alemães fuzilados – colunas da Cruz Vermelha chacinadas – enfermeiras
assassinadas.” Alguns dias mais tarde, num espantoso cabeçalho do Deutsche Allgemeine
Zeitung: “Os Polacos bombardeiam Varsóvia.” Dizia o artigo: “A artilharia polaca de
todos os calibres abriu fogo da parte oriental de Varsóvia contra as nossas tropas na
parte ocidental da cidade.” A agência noticiosa alemã denunciou a resistência polaca
como “insensata e insana”.
A maioria dos jovens alemães, formados no sistema educativo nazi, aceitou
sem hesitações a versão dos acontecimentos oferecida pelos seus líderes. “O avanço
dos exércitos tornou­‑se uma irresistível marcha vitoriosa”, escreveu um piloto ins‑
truendo da Luftwaffe, de vinte anos. “Assiste­‑se a cenas de profunda emoção com
a libertação dos aterrorizados residentes alemães do Corredor Polaco. Atrocidades
medonhas, crimes contra todas as leis da humanidade, são trazidas à luz pelos nossos
exércitos. Perto de Bamberg e de Thorn, foram descobertas valas comuns com os
corpos de milhares de alemães massacrados pelos comunistas polacos.”41
No dia 17 de setembro, a data em que os Polacos esperavam que os Franceses
dessem início à prometida ofensiva na Frente Ocidental, a União Soviética desferiu
o seu malicioso ataque, destinado a garantir o quinhão de Estaline da pilhagem de
Hitler. Stefan Kurylak, um polaco ucraniano de treze anos, vivia numa aldeia tran‑
quila perto da fronteira com a Rússia. A rua principal começou a encher­‑se de solda‑
dos polacos em retirada, a pé e a cavalo, com alguns a gritarem: “Fujam – salvem­‑se,
boas gentes! Escondam­‑se onde puderem, eles não têm piedade. Depressa. Vêm aí os
Russos!”42 Pouco depois, o adolescente viu uma coluna de carros de combate soviéti‑
cos atravessar a aldeia: uma criança assustada e confusa que ficou especada no cami‑
nho dos veículos foi abatida a tiro com indiferença. Kurylak refugiou­‑se no buraco
onde a família guardava as batatas.
Vyacheslav Molotov, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Estaline, disse ao
embaixador polaco em Moscovo que dado que a república polaca já não existia,
o Exército Vermelho interviera para “proteger os cidadãos russos da Bielorrússia e da
Ucrânia ocidentais”. Embora Hitler tivesse concordado com a anexação da Polónia
Oriental por Estaline, os Alemães foram apanhados de surpresa pela intervenção
soviética. E os Polacos também. Depois de o Exército Vermelho os ter atacado pela
* Os SS. (N. do T.)
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retaguarda, escreveu amargamente o marechal Rydz­‑Śmigły, a resistência só pode‑
ria ser “uma manifestação armada contra uma nova partilha da Polónia”. O alto­
‑comando da Wehrmacht, desejoso de evitar confrontos acidentais com os russos,
definiu uma fronteira nos rios San, Vístula e Narev, mandando retirar as forças
alemãs que tinham avançado para lá desta linha.
Hitler esperava que a intervenção de Estaline levasse os Aliados a declarar guerra
à Rússia e em Londres assistiu­‑se efetivamente a uma sucessão de debates sobre
se o compromisso da Grã­‑Bretanha com a Polónia implicaria um confronto com
um novo inimigo. No Gabinete de Guerra, Churchill e o ministro da Guerra, Leslie
Hore­‑Belisha, foram os únicos a recomendar preparativos para tal eventualidade.
O embaixador da Grã­‑Bretanha em Moscovo, Sir William Seeds, telegrafou: “Não
vejo que vantagem teria para nós uma guerra contra a União Soviética, embora
me agradasse pessoalmente declará­‑la a Molotov.” Para grande alívio do primeiro­
‑ministro Neville Chamberlain, o Ministério dos Negócios Estrangeiros informou
que a garantia dada pelo governo à Polónia apenas cobria uma agressão alemã.
A retórica britânica contra Estaline foi dura, mas não se pensou mais em fazer­
‑lhe frente; do mesmo modo, os Franceses limitaram­‑se a expressões de repúdio.
Em poucos dias e com apenas 4000 baixas, os Russos ocuparam mais de 120 000
km² de território, incluindo as cidades de Lwów e Wilno.* Estaline tornou­‑se suse‑
rano de mais de cinco milhões de polacos, 4,5 milhões de ucranianos étnicos, um
milhão de bielorrussos e um milhão de judeus.
Os cidadãos de Varsóvia, famintos, continuavam a agarrar­‑se à esperança de ajuda
do Ocidente. Um vigia de ataques aéreos confidenciou a um conhecido: “Sabes como
são os Britânicos. Levam tempo a decidir­‑se mas agora vêm aí de certeza.”43 A surpresa
inicial de milhões de polacos transformou­‑se num sentimento de injustiça face à pas‑
sividade dos seus supostos amigos. Um oficial de cavalaria escreveu: “Interrogávamo­
‑nos: o que é que se está a passar a oeste? Quando vão os Franceses e os Britânicos
dar início à sua ofensiva? Não conseguíamos compreender porque é que os nossos
aliados eram tão lentos a vir em nosso auxílio.”44 No dia 20 de setembro, o embaixa‑
dor da Polónia em Londres falou pela rádio ao seu povo: “Compatriotas! Saibam que
o vosso sacrifício não é em vão e que o seu significado e eloquência são profunda‑
mente sentidos aqui […] As hostes dos nossos aliados estão a reunir­‑se […] Chegará
o dia em que os estandartes vitoriosos […] regressarão do estrangeiro à Polónia.”45
Porém, enquanto falava, o conde Raczyński estava consciente, como mais tarde
escreveu, de que as suas palavras “pouco mais eram do que uma ficção poética. Onde
estavam as hostes aliadas?”
Em Paris, o embaixador polaco, Juliusz Łukasiewicz, trocou palavras ríspidas
com o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Georges Bonnet. “Não está certo!
O senhor sabe que não está certo!”, disse ele. “Um tratado é um tratado e deve ser
respeitado! Dá­‑se conta de que cada hora de adiamento do ataque à Alemanha sig‑
nifica […] a morte de milhares de polacos, homens, mulheres e crianças?” Bonnet
encolheu os ombros: “E o senhor quer que as mulheres e crianças de Paris sejam
massacradas?”46 A correspondente americana Janet Flanner escreveu de Paris:
“Parece que continuam a ser envidados esforços no sentido de travar a guerra, de
* Vílnius, anexada pela Polónia em 1922. (N. do T.)
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impedir a sua eclosão – esforços envidados, quiçá de forma constrangida, por líde‑
res governamentais relutantes em ficarem para a história por terem ordenado os
primeiros disparos provocadores ou como um reflexo generalizado do estado de
espírito corajoso mas confuso das várias populações. Deve ser certamente a primeira
guerra em que milhões de pessoas, em ambos os campos, continuaram a pensar que
poderia ser evitada mesmo depois de ter sido oficialmente declarada.”47
Os Franceses eram totalmente avessos a desencadear uma grande ofensiva contra
a Linha Siegfried, solicitada por Winston Churchill, e muito menos a exporem­‑se às
retaliações alemãs bombardeando a Alemanha. De modo igual, o governo britânico
declinou ordenar à RAF que atacasse alvos terrestres alemães. O deputado con‑
servador Leo Amery escreveu com desprezo acerca do primeiro­‑ministro Neville
Chamberlain: “Abominando apaixonadamente a guerra, estava decidido a travá­‑la
o menos possível.”48 Um editorial do The Times pareceu aos Polacos troçar da sua
situação aflitiva: “Na agonia da sua terra martirizada, os Polacos talvez se sintam de
algum modo consolados por saberem que merecem a simpatia, aliás, a reverência
não só dos seus aliados da Europa Ocidental mas também das gentes civilizadas de
todo o mundo.”
A Campanha da Polónia
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Ataques alemães 15/27 set.
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Bolsa de Bzura (polacos)
Ataques russos 17/27 set.
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Há quem diga que, em meados de setembro de 1939, com o grosso do Exército
alemão empenhado na Polónia, os Aliados tiveram a oportunidade ideal para lan‑
çarem uma ofensiva na Frente Ocidental. Contudo, a França estava ainda menos
preparada psicologicamente do que militarmente para semelhante iniciativa e a
pequena força expedicionária britânica, em trânsito para o continente, pouco pode‑
ria ter contribuído. Os Alemães teriam provavelmente repelido qualquer ataque sem
grande prejuízo para as suas operações no leste e a inércia dos governos francês
e britânico refletiu a vontade dos seus povos. Uma secretária de Glasgow chamada
Pam Ashford escreveu no seu diário, no dia 7 de setembro: “Quase toda a gente
acredita que a guerra terminará em três meses […] Muitos dizem que esmagada
a Polónia não fará grande sentido continuar.”49
Os Polacos deviam ter previsto a passividade dos seus aliados mas estes fizeram
gala de um cinismo espantoso. Um historiador moderno, Andrzej Suchcitz, escre‑
veu: “O governo e as autoridades militares polacos foram enganados e traídos pelos
seus aliados ocidentais. Não houve a mínima intenção de fornecer à Polónia um
apoio militar efetivo.” Com Varsóvia condenada, Stefan Starzyński declarou pela
rádio: “O destino atribui­‑nos o dever de defender a honra da Polónia.” A postura
de desafio do presidente da câmara seria celebrada por um poeta polaco em termos
caracteristicamente emotivos:
E ele, quando a cidade não passava de uma massa vermelha, em
[carne viva
Disse: “Não me rendo.” Que ardam as casas!
Que as minhas orgulhosas realizações sejam pulverizadas pelas bombas.
Que me importa que dos meus sonhos nasça um cemitério?
Para que vós, que podeis aqui vir um dia, recordeis
Que algumas coisas são mais caras do que a mais bela muralha de
[cidade.50
No fim da terceira semana da campanha, a resistência polaca estava quebrada.
A capital só ainda não fora ocupada porque os alemães pretendiam destrui­‑la antes
de se apoderarem das ruínas; o bombardeamento prosseguiu implacavelmente, hora
após hora, dia após dia. A enfermeira Jadwiga Sosnkowska descreveu o cenário no
seu hospital, nos arredores de Varsóvia, no dia 25 de setembro:
A procissão de feridos provenientes da cidade era uma interminável marcha de morte.
Não havia eletricidade e nós, médicos e enfermeiras, tínhamos de andar com velas.
Como as salas de operação e de enfermagem tinham sido destruídas, trabalhávamos nas
salas de aulas ou em vulgares mesas de pinho, e a falta de água impossibilitava a este‑
rilização dos instrumentos, tinham de ser limpos com álcool […] Quando os destroços
humanos eram deitados em cima da mesa, o cirurgião tentava infrutiferamente salvar
vidas que lhe escapavam pelos dedos […] Uma sucessão de tragédias. A dada altura,
a vítima era uma rapariga de dezasseis anos. Tinha um farto e glorioso cabelo dourado,
o rosto era delicado como uma flor. Os olhos, encantadores, de um azul­‑safira, estavam
marejados de lágrimas. As pernas, até ao joelho, eram uma polpa ensanguentada na
qual era impossível distinguir os ossos da carne; tiveram de ser amputadas acima do
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joelho. Antes de o cirurgião começar, debrucei­‑me, beijei a tez pálida daquela criança
inocente e pus a minha mão impotente na sua cabeça dourada. Morreu tranquilamente
durante a manhã, como uma flor arrancada por uma mão implacável.51
Os soldados profissionais raramente se podem dar ao luxo de serem emotivos face
aos horrores da guerra mas a posteridade choca­‑se com a complacência dos generais
alemães em relação ao carácter do seu líder nacional e à aventura mortífera na qual
se tornaram seus cúmplices. Erich von Manstein é consensualmente considerado
o melhor general alemão da guerra; depois do conflito, orgulhou­‑se de ter desem‑
penhado o seu papel como oficial e cavalheiro. Porém, os seus escritos datados da
Campanha da Polónia e posteriores revelam a insensibilidade característica da sua
casta. Ficou encantado com a invasão: “É uma decisão grandiosa do Führer, tendo
em conta a atitude das Potências Ocidentais até ao momento. A sua proposta de solu‑
ção da questão polaca foi tão interessante que a Inglaterra e a França – se quisessem
realmente a paz – deveriam ter pressionado a Polónia para a aceitar.” Pouco depois do
início da campanha, Manstein visitou uma unidade que tinha recentemente coman‑
dado: “Foi comovente ver o pessoal tão contente quando eu apareci de repente […]
O Cranz [o seu sucessor] disse­‑me que era um prazer comandar em combate uma
divisão tão bem treinada.” Numa carta à mulher, Manstein descreveu a sua rotina durante a campanha, na
qual serviu como chefe do Estado­‑Maior de Von Rundstedt, no Grupo de Exércitos
do Sul: “Levanto­‑me às 06h30, dou umas braçadas e estou no gabinete às 07h00.
Relatórios matinais, café e depois trabalho ou deslocações com o R[undstedt].
Ao meio­‑dia, chega a cozinha de campanha. A seguir, meia hora de intervalo. Depois
do jantar, que comemos com os oficiais do Estado­‑Maior, tal como o almoço, chegam
os relatórios da noite. E assim por diante, até às 23h30.”52 Nota­‑se um contraste
profundo entre a serenidade do Quartel­‑General do Exército e a enorme tragédia
humana precipitada pelas suas operações. Manstein assinou uma ordem para as
forças alemãs que sitiavam Varsóvia abrirem fogo sobre quaisquer refugiados que
tentassem sair da cidade: foi considerado mais fácil impor um desfecho rápido à cam‑
panha e evitar combates de rua se os habitantes não pudessem escapar ao bombarde‑
amento da capital. Mas Manstein era um homem tão melindroso que chegava a sair
da sala onde Von Rundstedt estava a falar porque ficava incomodado com a lingua‑
gem obscena do seu chefe. No dia 25 de setembro, deleitou­‑se com uma visita de
felicitações de Hitler e escreveu à mulher: “Foi agradável ver o regozijo dos soldados
à passagem do automóvel do Führer.”53 Em 1939, o corpo de oficiais da Wehrmacht
já dava mostras da falência moral que caracterizaria a sua conduta até 1945.
Um oficial de cavalaria polaco, Klemens Rudnicki, descreveu a tragédia do seu regi‑
mento e das suas queridas montadas em Varsóvia, em 27 de setembro, na noite que
antecedeu a queda da cidade: “Chamas vermelhas e brilhantes iluminavam os nossos
cavalos, sossegados e imóveis ao longo dos muros do Parque Łazienki, quais esqueletos
com selas. Alguns estavam mortos; outros sangravam, expondo ferimentos enormes
e abertos. Cenzor, o cavalo de Kowalski, ainda estava vivo mas tinha as tripas de fora.
Não fora há muito que vencera a Taça do Exército, em Tarnopol. Fora o nosso orgulho.
Um tiro na orelha pôs­‑lhe fim ao sofrimento. No dia seguinte, alguém necessitado de
aliviar a fome iria possivelmente cortar­‑lhe um pedaço da garupa.”54
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Varsóvia capitulou no dia 28 de setembro. O pequeno capitão Krysk, do
3.º Esquadrão de Rudnicki, declarou com emoção que rejeitava a ordem: “Amanhã
de manhã, carregaremos contra os alemães para preservar a tradição regimental:
o 9.º de Lanceiros nunca se rende.”55 Rudnicki dissuadiu­‑o; os oficiais esconderam
as bandeiras do regimento na Igreja de Santo António, na rua Senatorska, o único
edifício intacto no meio de hectares de ruínas. Rudnicki refletiu pesarosamente que
o Exército polaco deveria ter sido disposto em profundidade tendo em vista um com‑
bate defensivo prolongado em vez de guarnecer uma débil linha avançada que seria
certamente rompida. Mas isso teria sido “contrário às nossas aspirações nacionais –
e às nossas tradições militares e esperanças de nos tornarmos uma grande Potência.”56
No dia 29 de setembro, o Exército de Modlin, a norte de Varsóvia, rendeu­‑se
aos Alemães, que fizeram 30 000 prisioneiros. A resistência organizada foi esmo‑
recendo, com a península de Hel a cair no dia 1 de outubro; o último combate
registado travou­‑se em Kock, a norte de Lublin, no dia 5. Centenas de milhares de
homens caíram nas mãos dos Alemães e muitos mais tentaram fugir. O jovem piloto
B. J. Solak ficou comovido ao encontrar um coronel da força aérea sentado debaixo
de uma árvore, com as lágrimas a escorrerem­‑lhe pelo rosto. Tal como muitos outros
polacos, Feliks Lachman lembrou­‑se de E tudo o vento levou, que lera recentemente.
Ao fugir de casa, pensou: “Apesar de Tara estar desolada, Scarlett O’Hara atravessou
o inferno para chegar ao lugar onde sabia que pertencia. Nós tínhamos deixado,
imediatamente e para sempre, os homens e as coisas que constituíam o ambiente
social, intelectual e emocional das nossas vidas. Movíamo­‑nos num vácuo, sem
rumo.”57 Depois de um ataque aéreo à cidade de Krzemieniec, Adam Kruczkiewicz
viu um judeu velho na rua, “de pé, ao lado do cadáver da mulher […] a gritar his‑
tericamente uma sucessão de maldições e blasfémias: ‘Deus não existe! Os únicos
deuses são Hitler e as bombas! Não existe misericórdia nem piedade no mundo!”58
Algumas unidades de cavalaria polacas conseguiram escapar para a Hungria,
onde entregaram as armas. No quartel do 3.º Regimento de Hussardos húngaro,
os fugitivos, exaustos, ficaram comovidos ao serem acolhidos pelos oficiais, lidera‑
dos pelo idoso coronel Von Pongratsch, trajados em grande uniforme. Alguns dias
depois, quando os polacos partiram para o campo de internamento, o veterano, com
as suas grandes patilhas, despediu­‑se com um abraço a cada um. Estas cortesias de
um mundo de antanho foram bem recebidas porque tinham sido banidas do uni‑
verso implacável no qual a maioria dos polacos se via agora a habitar.
O general Władysław Anders liderou a sua unidade, exausta e desfalcada, para
leste, em fuga aos Alemães. Os homens cantavam enquanto obrigavam as montadas
emaciadas a avançar pelo meio de uma multidão de refugiados e militares perdidos.
Encontraram o Exército Vermelho e Anders enviou um oficial de ligação ao quartel­
‑general local soviético para pedir passagem até à fronteira húngara. O polaco viu­
‑se despojado de tudo o que tinha e ameaçado de execução. Os canhões russos
começaram a bombardear as posições polacas. Anders ordenou aos seus homens
que se dividissem em pequenos grupos e se dirigissem para a Hungria. O general,
gravemente ferido, foi capturado, juntamente com muitos outros militares. Um ofi‑
cial russo disse­‑lhe complacentemente: “Agora somos grandes amigos dos Alemães.
Lutaremos juntos contra o capitalismo internacional. A Polónia era um instrumento
da Inglaterra, por isso teve de cair.”59
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Tal como centenas de milhares de polacos, Regina Lempicka foi arbitrariamente
detida pelos Russos nos meses seguintes e enviada para o Cazaquistão. A avó e a sobri‑
nha, ainda bebé, morreram de fome no exílio; o irmão, que era soldado, foi abatido
a tiro. A experiência da família às mãos dos Russos, escreveu ela mais tarde, tornou­‑se
“um sonho pavoroso”. Quando um grupo de soldados polacos foi conduzido por uma
ponte por guardas do Exército Vermelho, um dos prisioneiros disse sombriamente:
“Entramos na Rússia. Nunca regressaremos.” Tadeusz Żukowski escreveu: “A partir
daquele instante, o mundo inteiro pareceu mudar: um céu, uma terra e uma gente
diferentes. Uma sensação estranha, como se algo fendido dentro de nós se tivesse
aberto, como se a vida nos tivesse deixado e caído subitamente numa gruta escura,
uma passagem subterrânea escura como breu.”60 Uma mulher disse com desprezo
a um prisioneiro polaco a caminho do Gulag: “Os Polacos são uns lordes fascistas!
Na Rússia, vão aprender a trabalhar. Aqui vão ser suficientemente fortes para traba‑
lharem mas demasiado fracos para oprimirem os pobres!”61
Para cerca de 1,5 milhões de polacos, na sua maioria civis expulsos dos seus
lares no leste do país nos meses seguintes, foi o início de uma provação de cativeiro
e fome às mãos dos Russos, que custou a vida a 350 000 pessoas. Muitas destas
famílias não tinham homens, que haviam sido sumariamente eliminados. No dia
5 de março de 1940, Lavrenti Beria, o chefe da segurança da União Soviética, enviou
a Estaline um memorando com quatro páginas, propondo a eliminação dos oficiais
superiores polacos e de outros indivíduos definidos como líderes da sociedade. Beria
recomendou que os detidos nos campos soviéticos fossem objeto “da aplicação dos
meios de punição máximos – morte por fuzilamento”. Estaline e outros membros do
Politburo aprovaram formalmente a recomendação para a decapitação da Polónia.
Nas semanas seguintes, em várias prisões soviéticas, pelo menos 2500 polacos foram
assassinados pelos carrascos do NKVD com uma bala na nuca. Os cadáveres foram
enterrados nas florestas em redor de Katyn, a oeste de Smolensk, em Minsk e nou‑
tros lugares, em valas comuns, a maior das quais foi descoberta com satisfação pelos
Nazis, em 1943.
As alegações posteriores de que os julgamentos por crimes de guerra realizados
pelos Aliados não passaram de “justiça dos vencedores” são poderosamente refor‑
çadas pelo facto de nenhum russo ter sido julgado por Katyn. Em outubro de 1939,
um polaco que estava a ser interrogado por oficiais do NKVD perguntou amarga‑
mente: “Como é possível a URSS, um Estado progressivo e democrático, ter uma
relação de amizade com a Alemanha nazi reacionária?” O interrogador retorquiu
friamente: “Estás enganado. A nossa política atual é de neutralidade durante a luta
entre a Inglaterra e a Alemanha. É deixá­‑las sangrar – o nosso poder aumentará.
Quando estiverem completamente esgotadas, nós seremos a parte poderosa e fresca,
decisiva na última fase da guerra.”62 Parece uma imagem correta das aspirações de
Estaline.
Hitler, de visita a Varsóvia, no dia 5 de outubro, fez um gesto para as ruínas
e disse aos jornalistas estrangeiros que o acompanhavam: “Cavalheiros, viram
com os vossos olhos a loucura criminosa que foi tentar defender esta cidade […]
O meu único desejo era que certos estadistas de outros países, que parecem querer
transformar a Europa inteira numa segunda Varsóvia, tivessem a oportunidade,
como os senhores tiveram, de ver o verdadeiro significado da guerra.”63 Starzyński,
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o presidente da Câmara de Varsóvia, foi enviado para Dachau, onde, quatro anos
depois, seria assassinado. O Exército polaco sofreu 70 000 mortos e 140 000 feridos,
e morreram milhares e milhares de civis. As baixas do Exército alemão cifraram­‑se
em 16 000 mortos e 30 000 feridos. Cerca de 700 000 soldados polacos tornaram­‑se
cativos de Hitler. Em Londres, foi estabelecido um governo polaco no exílio.
O chefe do Estado­‑Maior General Imperial da Grã­‑Bretanha, Sir Edmund Ironside,
encontrou­‑se com Adrian Carton de Wiart quando este regressou de Varsóvia e saiu­
‑se com uma frase desdenhosa: “Pelos vistos, os seus polacos não fizeram lá grande
coisa.”64 A afirmação refletiu a frustração das esperanças britânicas e francesas de
que o Exército polaco castigasse suficientemente a Wehrmacht para evitar a necessi‑
dade de os Aliados Ocidentais o fazerem. Carton de Wiart retorquiu: “Vejamos o que
farão outros, senhor.” Um número considerável de polacos decidiu aceitar o exílio,
a separação de tudo o que conheciam e amavam, para continuarem a luta contra
Hitler. Cerca de 150 000 rumaram a oeste, frequentemente em odisseias memoráveis.
Foi, de longe, o maior êxodo voluntário de todos os países ocupados pela Alemanha
e refletiu a paixão dos Polacos pelo prosseguimento do seu combate. Os exilados que
fugiram para o ocidente ficaram espantados com a calorosa receção que receberam
na Itália fascista, onde muita gente lhes gritou: “Bravo, Polónia!”
Antes de deixar a sua base aérea, o instrutor Witold Urbanowicz ofereceu um
rádio e as suas camisas de seda à mulher que lhe limpava os aposentos e o seu traje de
noite ao porteiro e depois partiu de autocarro com os seus cadetes, rumo à Roménia;
quase um ano mais tarde, aos comandos de um Hurricane, tornou­‑se um dos maiores
ases da RAF. Cerca de 30 000 polacos, um terço dos quais pilotos e pessoal de terra
da força aérea, chegaram à Grã­‑Bretanha em 1940, e muitos outros depois. Um deles
trazia uma hélice de madeira, um símbolo que nunca largara durante a sua viagem de
4500 km. Muitos outros juntaram­‑se ao Exército britânico do Médio Oriente, depois
de serem finalmente libertados do cativeiro por Estaline. Estes homens dariam um
contributo muito mais notável para o esforço de guerra aliado do que o que a Grã­
‑Bretanha deu para o da Polónia.
A Polónia tornou­‑se o único país ocupado por Hitler no qual não houve colabo‑
ração entre vencidos e vencedores. Os Nazis classificaram os Polacos como escravos,
recebendo em troca um ódio implacável. Quando a princesa Sapieha atravessou a fron‑
teira no meio de uma multidão de refugiados em busca de um abrigo precário, a filhi‑
nha perguntou­‑lhe: “Também vai haver bombas na Roménia?” A princesa respondeu:
“Acabaram­‑se as bombas. Aqui não há guerra. Vamos para um sítio com sol, onde as
crianças podem brincar onde lhes apetece.” A menina insistiu: “Mas quando é que
vamos para casa, ter com o papá?” A mãe não lhe conseguiu responder. Em breve, não
existiria praticamente nenhum refúgio na Europa para crianças ou adultos.
Hitler empenhara­‑se na conquista da Polónia mas, como em tantas outras ocasi‑
ões, não tinha um plano concreto para o futuro. Só quando se tornou evidente que
Estaline via com bons olhos a extinção do país é que o líder alemão decidiu anexar
a Polónia Ocidental. Antes da guerra, os Nazis gostavam de rotular a Polónia de
“Saisonstaat” – Estado temporário. Agora, deixaria inclusivamente de ser um Estado:
Hitler tornou­‑se senhor de territórios habitados por quinze milhões de polacos, dois
milhões de judeus, um milhão de alemães étnicos e dois milhões de pessoas de
outras minorias. Uma das características principais de Hitler era o ódio instintivo
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a todos quantos se opusessem à sua vontade, um ódio que depressa se manifes‑
tou contra os polacos e obviamente, em especial, contra os judeus. Um dia, em
Łódź, pouco depois da ocupação, Szmulek Goldberg regressava do trabalho quando
“dei com as ruas mergulhadas no caos. Havia gente a correr em todas as direções.
Um indivíduo parou e agarrou­‑me na manga. ‘Esconda­‑se! Esconda­‑se!’, guinchou
ele. ‘Os alemães estão a prender os judeus e a levá­‑los em camiões’.”65 Goldberg
viu passar os camiões carregados de cativos, uma primeira amostra dos desígnios de
Hitler para a sua raça. Decorridas semanas sobre a conquista da Polónia, já tinham
sido assassinados os primeiros milhares de judeus.
Na Grã­‑Bretanha, Tilly Rice, deslocada de Londres com os filhos para um porto
piscatório no Norte da Cornualha, escreveu, no dia 7 de outubro, depois do fim da
Campanha da Polónia: “Na família com a qual habito, a notícia foi recebida com um
silêncio confuso […] A guerra continua mas como algo distante, apenas com reper‑
cussões ocasionais na vida da comunidade […] Com o passar dos dias, as minhas rea‑
ções a toda esta situação vão sendo cada vez mais de indiferença.”66 A Grã­‑Bretanha
e a França tinham declarado guerra à Alemanha para salvarem a Polónia. A Polónia
deixara de existir e os seus representantes no Supremo Conselho de Guerra Aliado
foram considerados redundantes e afastados. Muitos políticos e cidadãos britânicos
e franceses perguntaram: Com que objetivo se continua em guerra? Como poderá
ser travada com eficácia? O embaixador americano em Londres, Joseph Kennedy,
encolheu os ombros e disse ao seu homónimo polaco: “Mas onde é que os Aliados
podem combater os Alemães e vencê­‑los?”67 Kennedy era descaradamente angló‑
fobo, apaziguador e derrotista, mas a sua pergunta era válida, e os governos aliados
não tinham nenhuma resposta boa para ela. Depois da queda da Polónia, o mundo,
confuso, ficou à espera do que aconteceria a seguir. Não tendo a França nem a Grã­
‑Bretanha estômago para tomarem a iniciativa, o rumo da guerra estava dependente
do bel­‑prazer de Adolf Hitler.
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