X – Projeto de Pesquisa TÍTULO: Estudos preliminares para a recuperação e conservação de ariranhas em uma área de ocorrência histórica. Luna Carinyana Silvestre & Guilherme de Miranda Mourão Resumo do Projeto (Máximo 14 linhas, espaço simples entre linhas – fonte Arial tamanho 10) Pteronura brasiliensis é listada como em perigo de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza e vulnerável pela lista brasileira de espécies ameaçadas . Sua área de distribuição histórica foi intensamente reduzida e fragmentada. Em 2010 o ICMBio aprovou um Plano de Ação Nacional para a Conservação das Ariranhas (PAN-Ariranha), que tem como meta, dentre outras, a recuperação da espécie em áreas de ocorrência histórica. O objetivo do presente projeto é determinar se ainda há populações residuais de ariranhas nas bacias dos rios Ivinhema e Amambaí e determinar se há disponibilidade de habitats adequados para o estabelecimento de grupos de ariranhas nestas áreas. Conduzirei levantamentos nos trechos mais preservados destes rios, procurando por ariranhas e/ou seus sinais, como locas, latrinas, terraços (campsites) ou outros rastros. Utilizarei modelos de distribuição geográfica potencial para obter um mapa com áreas propicias a presença da espécie, e imagens de satélite para a detecção de lugares propícios a ocorrência de ariranhas na área focal, que guiarão as observações in situ dos habitats. Nas áreas de maior probabilidade de ocorrência, avaliarei variáveis como: tipo de corpo d'água, presença de margens com barranco, cobertura da vegetação, turbidez da água e disponibilidade de peixes. Palavras-chave (Máximo três) Pteronura brasiliensis 1. Seleção de habitat Distribuição geográfica potencial INTRODUÇÃO A ariranha (Pteronura brasiliensis) (Gmelin 1788) é um dos maiores carnívoros da América do Sul. Animais adultos podem atingir um comprimento total de 1,8m e pesar até 32 kg (Duplaix 1980; Rosas et al. 2009). São animais semiaquáticos que formam grupos familiares coesos, de 2 a 12 indivíduos, compostos por um casal reprodutivo e sua prole de diferentes gerações, (Duplaix 1980; Schweizer 1992, Carter & Rosas 1997). É uma espécie territorialista, que necessita de extensos habitats para suprir as necessidades de um grupo, o que significa um território que pode variar 2 à 32 km em rios e atingir até 20 km² em lagos (Duplaix 1980; Laidler 1984; Schenck 1999; Ribas, 2004; Staib 2005; Leuchtenberger & Mourão 2008). Ao longo de seus territórios mantêm locas e “campsites”, próximos às margens do corpo d’água, que usam para se abrigarem, descansarem, reproduzirem e marcarem seus territórios (Duplaix 1980; Laidler 1984; Carter & Rosas 1997; Groenendijk et al. 2005). Membros do grupo normalmente se movem, forrageiam, descansam, patrulham e protegem seus territórios juntamente (Duplaix 1980). Ariranhas utilizam rios, córregos, lagos e pântanos de florestas tropicais (Duplaix 1980). A seleção de habitat parece ser influenciada pela disponibilidade de refúgio, comida e pelas características do corpo d’água e suas margens. As ariranhas preferem águas claras ou pretas e são influenciadas pela forma, estrutura, acessibilidade, inclinação, cobertura vegetal e composição do solo das margens de rios, bem como pela profundidade e velocidade das águas (Duplaix 1980; Carter & Rosas 1997; Lima et al. 2012; Palmeirim et al. 2014). A espécie é particularmente vulnerável às perturbações humanas (Duplaix 1980). A caça comercial para a obtenção de peles foi a principal causa do declínio populacional de ariranhas, enquanto que o desmatamento, colonização humana ao longo dos cursos d’água, construção de represas hidrelétricas, mineração, contaminação dos rios, pesca excessiva, turismo mal gerido e doenças de animais domésticos são ameaças mais recentes e iminentes para as populações (Carter & Rosas 1997; Groenendijk 1998; Shenck & Staib 1998; Schenck 1999). A espécie é classificada como em perigo de extinção pela IUCN (Duplaix et al. 2008), além de estar listada no Apêndice I (espécie ameaçada de extinção) da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora (CITES). Endêmica da América do Sul, sua distribuição no passado estendia-se desde a Colômbia, Venezuela, Guianas, Suriname, com limite sul no norte da Argentina, e oeste na base dos Andes (Foster-Turley et al. 1990; Carter & Rosas 1997). Atualmente encontra-se extinta ou possivelmente extinta no Uruguai e na Argentina e conta com apenas uma pequena população no Paraguai, que representa apenas 2% de sua distribuição original no país (Duplaix et al. 2008). No Brasil, a espécie apresentava ampla distribuição, desde o Rio Grande do Sul até a Amazônia, com exceção da região semiárida (Tomás et al. 2000), mas atualmente acredita-se que esteja extinta no sul do país e em toda Mata Atlântica (Rosas et al. 1999; Groenendjki et al. 2005; Rodrigues et al. 2013). O declínio da espécie anunciado entre os anos 80 e 90 (Foster-Turley et al. 1990; Schweizer 1992; Carter & Rosas 1997) em que estimava-se que a população total de ariranhas no Brasil estava entre 1000 a 3000 indivíduos (Brecht-Munn & Munn 1988 apud Carter & Rosas 1997) e na região do Pantanal era de aproximadamente 500 indivíduos (Schweizer 1992) aparentemente está se alterando. Estudos indicam a recuperação populacional na Amazônia e no Pantanal, atribuindo, apenas para a última região, uma população de aproximadamente 2500 indivíduos (Ribas 2004; Leuchtenberger & Mourão 2008, Lima 2009; Rosas et al. 2007; Evangelista & Rosas 2011). Consequentemente, torna-se extremamente necessário aprofundar nosso conhecimento sobre como se dará a distribuição a partir da expansão populacional da espécie e como esta irá se relacionar com a paisagem. A relação entre as espécies e o ambiente representa o núcleo da modelagem geográfica preditiva (Guisan & Zimmermann 2000). Modelos potenciais combinados a um Sistema de Informação Geográfica (SIG), no oferece uma poderosa ferramenta para a investigação da distribuição de animais selvagens (Gough & Rushton 2000). Estes modelos são projetados para adquirir, armazenar, manipular, transformar, combinar, analisar e representar os dados. Permitem uma maior precisão na previsão da distribuição da espécie em diferentes paisagens, são usados para definir áreas favoráveis ou desfavoráveis para a espécie e podem ser levados em consideração em programas de manejo (Barbosa et al. 2003). Recentemente o Plano de Ação para ariranhas (PAN), aprovado em 2010 pelo ICMBio (Portaria no 88 de 2010), estabelece a recuperação da espécie em áreas de ocorrência histórica como uma das metas prioritárias. No entanto não há estudo científico preparatório para a reintrodução ou reforço populacional. Acredita-se que muitas áreas da bacia do Paraná, principalmente aquelas no entorno e inseridas no Parque Estadual das Várzeas do Ivinhema e no Parque Nacional de Ilha Grande (área focal), representam ambientes protegidos, pouco explorados, com baixas densidades demográficas e com características ambientais favoráveis a presença de ariranhas (Guilherme Mourão, com. Pessoal). Entretanto apenas dois registros isolados recentes na literatura apontam para a presença da espécie na área (Braga et al. 1998; Rocha-Mendes et al. 2005), oferecendo indícios de que as populações de ariranhas na área, se existentes, são ínfimas e dispersas. Nossas hipóteses são que a área focal na bacia do alto rio Paraná é altamente propicia a presença da espécie e possui diversas das características ambientais utilizadas para a seleção de habitat e que a distribuição potencial da espécie é ampla para o território brasileiro quanto às condições climáticas, uso do solo e hidrografia e limitada apenas pela ocupação humana. 2. 2.1. OBJETIVOS OBJETIVOS GERAIS Verificar a ocorrência e distribuição de Pteronura brasiliensis em área de ocorrência histórica e entender como a distribuição pode estar correlacionada a fatores ambientais e à ocupação humana. 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 2.2.1) Avaliar e quantificar a presença de populações de ariranhas em rios da bacia do Paraná; 2.2.2) Avaliar a disponibilidade de habitats na área focal que comumente são correlacionados à presença de ariranhas; 2.2.3) Verificar quais variáveis ambientais são significativamente determinantes na seleção de habitat pela espécie; 2.2.4) Sugerir, através de modelos de distribuição geográfica potencial, possíveis locais de ocorrência da espécie para manejo de populações e reintrodução de animais; 3. METODOLOGIA . 3.1. Avaliação da presença de indivíduos/grupos Pteronura brasilienses Durante o período de janeiro de 2015 a Janeiro de 2016, serão realizadas oito campanhas, uma em cada mês, com duração de 15 dias cada, para avaliar a ocorrência de ariranhas nas áreas da bacia do Paraná que possuem registros históricos para a presença da espécie. A área de estudo será percorrida com barco a motor de popa em saídas diárias, que se iniciarão logo ao amanhecer, fazendo-se percorrer a maior área possível, aproximadamente 30 km, até o entardecer. Uma nova área será percorrida a cada dia caso nenhum sinal da presença da espécie seja detectado. Caso contrário, dias adicionais serão necessários para a visualização do grupo, identificação dos indivíduos e de seu território. Consideraremos sinais indicadores da presença da espécie vestígios como locas, latrinas, pegadas, sinais de cheiro ou observações diretas de indivíduos. Todos os vestígios serão georeferenciados com uso de aparelho GPS, para posterior mapeamento da distribuição espacial da espécie na área. As ariranhas encontradas serão filmadas em vídeo digital a fim de se registrar sua marca individual na região do pescoço e, quando possível, identificar o sexo e a hierarquia social, de acordo com o comportamento do indivíduo. 3.2. Avaliação da disponibilidade de habitats Durante os levantamentos, serão medidas variáveis ambientais que possam ser importantes na seleção de habitat por ariranhas, consideraremos o tipo de corpo d'água (rio, corixo, lago, lagoa), presença de margens com barranco, altura, inclinação e cobertura da vegetação dos barrancos, profundidade, transparência, temperatura, condutividade e velocidade da água, largura do corpo d’água, disponibilidade de peixes, composição do solo, largura da mata ripária e distância de ações antrópicas (Tabela 1). Antes da cada campanha selecionaremos os trechos de rio a serem percorridos e a partir de imagens de satélite. Escolheremos aleatoriamente os pontos em que serão medidas as variáveis ambientais, que nos fornecerão aproximadamente um ponto para cada dois quilômetros de rio percorrido. Além dos pontos escolhidos previamente, mediremos também variáveis ambientais de lugares que durante a inspeção in situ sejam reconhecidos como propícios à confecção de tocas e uso como “campsites”. Todos os pontos que forem visualizados quaisqueres sinais da presença da espécie também terão suas medidas registradas. Os resultados encontrados na bacia do alto Paraná serão comparados aos encontrados na literatura e em banco de dados para habitats que se tenha registro da espécie. Assim poderemos verificar quais áreas da bacia possuem características ambientais que influenciam na seleção de habitat. Tabela 1: Variáveis ambientais e seus respectivos métodos de coleta. Variável Tipo de corpo Tipo Descrição Método Descritiva Rio, corixo, lago, lagoa. Observação e descrição Binária Presença ou Ausência de Observação e descrição. d’água Margem barranco na margem do corpo d’água. 0= ausência, 1= presença. Altura Contínua Distância em que se encontra o Trena ou estimativa. terraço do barranco em relação ao nível da água. Inclinação Contínua Triangulação entre a altura do Inclinômetro. barranco e a declividade do terreno. Cobertura de vegetação Binária Presença ou ausência de vegetação nos barrancos. 0= ausência, 1= presença. Observação e descrição. Profundidade Contínua Distância da lâmina d’água até o Corda graduada. fundo. Transparência Contínua Distância da lâmina d’água até a Disco de Secchi. profundidade em que se perde a visibilidade de um objeto. Largura Contínua Velocidade Contínua Distância de uma margem do Trena ou estimativa a partir corpo d’água até a outra margem. de imagem de satélite. Quantidade de água que Fluxômetro. atravessa um trecho em um determinado tempo. Condutividade Contínua Capacidade da água em conduzir Condutivímetro. uma corrente elétrica. Valor diretamente proporcional à quantidade de íons dissolvidos. Oxigênio Contínua disponível Quantidade de oxigênio de Oxímetro. encontrasse dissolvido da água em uma determinada pressão e temperatura. Temperatura Contínua Medida em ºC da temperatura da Termômetro. lâmina d’água. Composição do Contínua Porcentagem de areia no solo. solo Porções coletadas serão submetidas á um processo de diluição, separação e decantação. Largura da mata Contínua Distância entre o ponto em que a Estimativa a partir de mata riparia está em contato com imagem de satélite. o corpo d’água ao ponto de transição oposto. Disponibilidade de Ranqueada peixes Relação entre a quantidade e Fixação de redes em pontos massa de peixes amostrados em sorteados. Comparação por um determinado ponto. 0= esforço amostral. nenhum, 1= pouco, 2= médio, 3= muito. Distância de Contínua Distância do ponto á qualquer Métricas de paisagem. perturbações sinal de modificação antrópica da Utilização do programa antrópicas paisagem, como agricultura, ArcGIS. pastagens e cidades. 3.3. Seleção de habitat Para inferir a seleção de habitat pela espécie utilizaremos as metodologias propostas por Muanis & Oliveira 2011 e Palmeirim et al. 2014. A partir das medidas ambientais tomadas avaliaremos as semelhanças estruturais do habitat de cada amostra, levando-se em conta a presença ou ausência da espécie. Para isso utilizaremos o UPGMA como método de agrupamento. Delimitaremos o espaço multidimensional utilizado pela espécie a partir de um escalonamento multidimensional não métrico (NMS) utilizando a matriz de distâncias euclidiana. As variáveis originais serão transformadas em escores para o ajuste dos dados em uma distribuição normal (média 0, variância 1). Para a determinação de como as variáveis escolhidas influenciam na seleção de habitat utilizaremos a regressão logística em um modelo linear geral misto (MLGM). O modelo será ajustado utilizando os locais amostrados como um termo aleatório. As analises serão realizadas no programa R (versão 3.1.2, R Development Core Team, 2014). 3.4. Modelo de distribuição geográfica potencial Para construir um modelo de distribuição geográfica potencial de Pteronura brasiliensis, utilizaremos dados ambientais de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) (ArcGIS 10.1, ESRI 2014) que serão combinados a registros de ocorrência da espécie, disponíveis na literatura e encontrados em nosso estudo. Utilizaremos imagens de satélite (Landsat TM 5), onde atribuiremos classes aos diferentes componentes da paisagem e armazenaremos os dados em diferentes camadas. Teremos uma camada para a distribuição da espécie, uma para a cobertura do solo, uma para a hidrografia, uma para informações meteorológicas e outra para ocupação humana, que serão posteriormente sobrepostas e armazenadas em uma imagem raster. As variáveis ambientais consideradas serão aquelas que possivelmente influenciam a distribuição de acordo com o conhecimento que temos a respeito do comportamento e fisiologia da espécie. As escolhas das variáveis também serão baseadas em outros estudos de distribuição geográfica potencial para a ordem mustelidae (Gough & Rushton 2000; Barbosa et al. 2003; Otaviani et al. 2009) Adotaremos em nosso modelo dados de umidade, evapotranspiração, radiação solar, temperatura media anual, temperatura média no mês mais frio, temperatura média do mês mais quente, precipitação, altitude, latitude, longitude, distancia da estrada mais próxima e distância da cidade mais próxima. Tais variáveis foram escolhidas na tentativa de contemplar fatores ambientais determinantes no sucesso populacional que são difíceis de serem medidas diretamente, mas podem ser alcançadas indiretamente, como por exemplo, a associação a estradas e cidades que influenciam a qualidade de água e do ar, além de impactarem diretamente na destruição e fragmentação de habitats, ou ainda dados de evapotranspiração, precipitação e radiação solar que funcionam como bons preditores da energia disponível e da produtividade. 4. REFERÊNCIAS Barbosa, A. M., Real, R., Olivero, J. & Vargas, J. M. (2003). Otter (Lutra lutra) distribution modeling at two resolution scales suited to conservation planning in the Iberian Peninsula. Biological Conservation, 114(3), 377-387. Braga, F. G. & Costa, L. C. M. (1998). Ocorrência da ariranha (Pteronura brasiliensis) no Parque Nacional de Ilha Grande, Brasil (Carnivora: Mustelidae). VI Jornadas Zoología del Uruguay, Montevideo. Campos, J. B. & Souza, M. C. (1997). 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Ao utilizarmos dados do Sistema de Informação Geográfica combinados a pontos de presença da espécie criaremos um modelo de distribuição geográfica potencial que além de nos informar quais áreas são propicias a sua presença, informarão quais as camadas que influenciam a redução da distribuição histórica da espécie. A partir de todos os dados obtidos teremos possibilidade de traçar um plano de manejo para o adensamento ou reintrodução de ariranhas na bacia do alto rio Paraná. Como produto final teremos a publicação de pelo menos três artigos em revistas indexadas, um referente à distribuição da espécie na bacia do alto rio Paraná, outro referente à seleção preferencial de habitat e outro referente á distribuição potencial.