Artigo Especial Câncer de tireoide Laura Sterian Ward1 Introdução O número de casos de câncer de tireoide vem aumentando assustadoramente no mundo todo. Dados recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) projetam esse tumor como o quarto mais frequente entre mulheres no ano de 2012 (Figura 1). Esperam-se 10.590 casos novos de câncer de tireoide em 2012, com um risco estimado de 11 casos a cada 100 mil mulheres. Estimativa de incidência dos principais tumores mais frequentes em ambos os sexos para o ano de 2012, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma Homens Localização primária Casos novos Percentual Próstata 60.180 30,8% Traqueia, brônquio e pulmão 17.210 8,8% Cólon e reto 14.180 7,3% Estômago 12.670 6,5% Cavidade oral 9.990 5,1% Esôfago 7.770 4,0% Bexiga 6.210 3,2% Laringe 6.110 3,1% Linfoma não Hodgkin 5.190 2,7% Sistema nervoso central 4.820 2,5% Mulheres Localização primária Esse aumento se deve, em parte, ao fato de que nossa população está envelhecendo. Embora a curva de crescimento da população brasileira como um todo esteja se aplainando, a estimativa de crescimento da população de idosos sugere que vamos ter cerca de 2,5 milhões de idosas com mais de 80 anos de idade em 2020 (Figura 2). À medida que envelhecemos, nos tornamos mais suscetíveis a todo tipo de doença maligna. O fato de que existem métodos muito sensíveis capazes de diagnosticar precocemente tumores bem pequenos, também explica parte do aumento do número de casos de câncer de tireoide. De fato, o exame ultrassonográfico (US) cervical é capaz de detectar tumores na tireoide com sensibilidade muito elevada, de modo que cerca de 80% dos idosos de sexo masculino com mais de 80 anos de idade e 90% das mulheres com mais de 70 anos de idade apresentam um nódulo detectável por US. Outros métodos de imagem, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e angiografias, também são cada vez mais acessíveis e podem estar contribuindo para o aumento do número de casos de cânceres de tireoide que vêm sendo observados. Estimativa de incidência de indivíduos de ambos os sexos com mais de 80 anos de idade por décadas Casos novos Percentual Mama feminina 52.680 27,9% Colo do útero 17.540 9,3% Cólon e reto 15.960 8,4% Glândula tireoide 10.590 5,6% Traqueia, brônquio e pulmão 10.110 5,3% Estômago 7.420 3,9% Ovário 6.190 3,3% Corpo do útero 4.520 2,4% 1990 Sistema nervoso central 4.450 2,4% 1980 Linfoma não Hodgkin 4.450 2,4% Instituto Nacional de Câncer – INCA [homepage na Internet]. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 1996-2012. [acesso em 2012 Jan 9]. Estimativa de Câncer 2012. Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/ Figura 1. Homens Mulheres 2050 2040 2030 2020 2010 2005 2000 9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1.000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000 Oliveira JC, et al. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 – Revisão 2004: metodologias e resultados. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil a das unidades da federação: 1980-2020: metodologia. Estimativas das populações minicipais: metodologia [monografia na Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2004 [acesso em 2012 Mar 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/metodologia.pdf Figura 2. 1)CRM SP: 37194-0 - Presidente do Departamento de Tireoide da SBEM *Informe comercial Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 103 Câncer de tireoide. A importância da detecção cada vez mais fácil, mais acessível a um número maior de indivíduos e mais precoce explica o fato de, apesar do grande aumento do número de casos, a sobrevida por esses tumores se manter estável. Também explica o grande aumento do número de casos de microcarcinomas, tumores menores de 1 cm de diâmetro, que eventualmente nunca progrediriam para tumores clínicos. Esses tumores existem em cerca de 8% dos indivíduos submetidos à necropsia ou à cirurgia de tireoide por outros motivos que não um tumor. Se considerarmos que a incidência do câncer de tireoide clinicamente detectado não passa de 20 casos para cada 100.000 habitantes, isto é, 0,0002% da população, é óbvio que a maioria dos tumores encontrados em autópsia ou tireoidectomias por doenças benignas simplesmente nunca progrediriam. Mais ainda, microcarcinomas acometem igualmente os dois sexos em material de autópsia, embora o câncer clínico apareça com frequência de três a cinco vezes maior entre as mulheres do que entre os homens. Seguindo 340 portadores de microcarcinoma sem intervir cirurgicamente, apenas com acompanhamento por US, Ito e col. mostraram que menos de 16% das lesões aumentavam mais de 3 mm em um período de 10 anos de seguimento. Porém, o fator escrutínio não consegue explicar totalmente o aumento de incidência de câncer de tireoide. Tumores grandes, incluindo casos de 4, 5 ou mesmo 6 cm de diâmetro também vêm sendo detectados com maior frequência, tanto entre os indivíduos mais jovens como nos de mais de 45 anos de idade, tanto nos Estados Unidos como também no Brasil, e no restante do mundo. Além disso, evidências a favor de uma influência importante do meio ambiente vêm se acumulando. Caso Clínico Paciente do sexo feminino, de 35 anos de idade, procurou o consultório para pedir uma segunda opinião sobre seu caso e porque estava muito preocupada. Relatou que há cerca de três meses havia realizado exame ultrassonográfico pélvico a pedido de sua ginecologista. O ultrassonografista lhe disse que não havia qualquer anormalidade ginecológica ou abdominal no exame, mas, aproveitando a ocasião, também realizou US cervical, tendo detectado nódulo de tireoide de 1,5 cm x 1,9 cm x 0,89 cm, hipoecoico, de contornos irregulares e com microcalcificações, como mostra a Figura 3. O profissional comentou que esse nódulo parecia suspeito de malignidade e recomendou à paciente que procurasse um endocrinologista. A paciente procurou, então, um colega que realizou exame físico e pediu exames laboratoriais nos quais constatou níveis séricos de TSH um pouco elevados: TSH=5,2 mUI/L, embora todos os demais exames estivessem normais. Por causa da suspeita ultrassonográfica com nódulo maior do que 1 cm de diâmetro e desse valor de TSH, recomendou punção-biópsia do nódulo. Ward LS. Exame ultrassonográfico mostrando nódulo de tireoide de 1,5 cm x 1,9 cm x 0,89 cm, hipoecoico, de contornos irregulares e com microcalcificações 3 d3 1,53 cm 1 d1 1,91 cm 2 d2 0,89 cm Vol. 0,79 mL Figura 3. A paciente trouxe à consulta o laudo da biópsia realizado com agulha fina e que mostra células foliculares com pouca celularidade, alguns agrupamentos celulares em arranjos microfoliculares e raras células com nucléolos proeminentes. O laudo do citologista foi: atipia de significado indeterminado (AUS - classe III de Bethesda). Foi feita, então, uma nova ultrassonografia cervical pré-cirúrgica que não mostrou evidência de nenhum linfonodo acometido, comprovando que o nódulo era central, longe da periferia da glândula. A paciente foi submetida, a seguir, a uma tireoidectomia total. O exame anatomopatológico mostrou que a lesão possuía 1,8 cm de diâmetro e era um carcinoma papilífero de características clássicas. A paciente foi orientada a prosseguir tratamento com pesquisa de corpo inteiro, dosagem de tireoglobulina e, a seguir, doses supressivas de levotiroxina. No entanto, estava muito preocupada porque tem dois filhos e gostaria de saber qual o risco que eles correm de ter a mesma doença. A questão levantada pela paciente é o que ela pode fazer, particularmente em relação à dieta, para evitar um novo caso de câncer de tireoide na família. Comentário A paciente em questão faz parte de um grupo crescente de mulheres que tem um pequeno carcinoma de tireoide detectado por exame de imagem realizado sem indicação clínica. Embora o US seja um excelente método de diagnóstico, ele não deve ser utilizado para rastreamento de tumores cervicais porque sua grande sensibilidade faz com que ele detecte nódulo em praticamente a metade da população. Por outro lado, o risco de um nódulo ser um câncer é igual em casos diagnosticados incidentalmente ou não, de modo que todo nódulo maior do que 1 cm de diâmetro merece investigação. Essa paciente não parece fazer parte do grupo de incidentalomas que, como acima explicado, poderiam nunca evoluir clinicamente, embora seu tumor seja pequeno e ela tenha menos de 45 anos 104 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 Câncer de tireoide. de idade. O colega conduziu bem o caso, avaliando adequadamente os níveis elevados de TSH como fatores independentes de risco de malignidade. O exame anatomopatológico provou que sua conduta foi muito adequada, pois a paciente realmente tinha um carcinoma papilífero da tireoide. Sua preocupação com fatores de risco para câncer de tireoide é muito pertinente. Seu tumor foi causado por alterações genéticas somáticas e, embora ela possa ter um perfil genético de risco para tal malignidade, não se trata de tumor hereditário. Mas existem várias evidências de que fatores ambientais possam estar relacionados ao seu desenvolvimento. Por exemplo, o número de mutações genéticas, incluindo as mutações características do carcinoma papilífero, mutações no gene BRAF, mas também mutações somáticas, é mais frequente nos tumores que vêm sendo diagnosticados nos últimos anos do que era em tumores diagnosticados décadas atrás. Também são mais frequentes as mutações do gene BRAF em indivíduos que têm maior ingestão de iodo. Os fatores relacionados ao risco para câncer de tireoide podem ser classificados como endógenos e exógenos. 1. Fatores endógenos incluem os fatores relacionados ao aumento de peso, resistência insulínica e metabolismo de lipídeos; e também fatores relacionados ao estrógeno e ao seu metabolismo. 2. Fatores exógenos incluem agentes físicos, como a radiação ionizante; agentes biológicos, como vírus e bactérias; e os agentes químicos, que são os mais conhecidos disruptores ou desreguladores. 1. Fatores endógenos: Sabemos que existe uma relação direta entre o excesso de peso e o risco para carcinoma diferenciado de tireoide. A obesidade se associa ao risco de câncer de vários órgãos, incluindo o câncer de tireoide, mas o mecanismo através do qual aumenta tal risco ainda não é totalmente compreendido (Figura 4 ). Sabemos que pacientes com câncer de tireoide têm, mais frequentemente, resistência à insulina, e que mulheres diabéticas têm 46% maior chance de desenvolver esse tipo de tumor, mas também é possível que adipocinas, como a adiponectina, tenham papel etiopatogênico. Também deve haver fatores relacionados ao sexo na etiopatogenia do câncer diferenciado da tireoide, ou não conseguiríamos explicar a predominância de casos clínicos em mulheres. São as mulheres as responsáveis pelo grande aumento de número de casos, principalmente as mulheres de mais de 45 anos de idade, sugerindo que algo se acumula no organismo feminino e aumenta a predisposição ao câncer de tireoide. Além disso, pacientes do sexo feminino, geralmente, têm uma evolução clínica melhor do que a dos homens. No entanto, ainda não se sabe qual seria o fator relacionado ao sexo responsável pela importância do gênero no risco de câncer de tireoide. Ward LS. Relação entre obesidade e câncer Obesidade adiponectina TNF-α IL-6 insulina IGF leptina PI 3K /Akt NF-kB Bc12 p53 Fas p27 Sobrevivência GSK3 Ciclo celular mTOR Crescimento Câncer Adaptado de: Osório-Costa F, et al. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2009 Mar;53(2):213-26. Figura 4. 2. Fatores exógenos: 2a. Fatores físicos. A radiação ionizante está para o câncer diferenciado de tireoide assim como a radiação ultravioleta está para o câncer de pele. A explosão do reator nuclear na usina de Chernobyl, na Bielorrússia, em 1986, expôs quase dois terços da população europeia ao iodo radiativo expelido na atmosfera. Logo nos anos seguintes, documentou-se um nítido aumento do número de casos de câncer de tireoide, com uma relação dose-dependente da exposição à radiação, comprovando o que já se havia observado após o bombardeio atômico das cidades de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945. É importante ressaltar a contribuição da exposição à radiação ionizante por indicação médica, não apenas no tratamento de lesões neoplásicas como o linfoma, mas também em exames de imagem. De fato, o número de exames que utilizam radiação ionizante vem aumentando (pois aí também se incluem exames solicitados por dentistas) e a comunidade médica e da área de saúde precisa saber que solicitar tais exames implica em um maior risco de indução de câncer de tireoide, de modo que deve-se pesar cuidadosamente o custo-benefício de cada solicitação. 2b. Fatores biológicos. Vírus, parasitas e bactérias estão associados a várias neoplasias humanas, podendo-se mencionar a relação entre o Vírus T-linfotrópico humano tipo I (HTLV-I) e o linfoma de células T do adulto; o Schistosoma haematobium e o carcinoma de bexiga; ou o Helicobacter pylori (HP) e o carcinoma gástrico. O câncer diferenciado de tireoide vem sendo associado com a infecção por um herpes-vírus, o HHV-2, que se aloja na glândula e afeta o sistema de reparo de DNA celular. Ainda não existem, no entanto, evidências mais sólidas da participação desse vírus, ou de quaisquer outros fatores biológicos, na etiopatogenia dos tumores de tireoide. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 105 Câncer de tireoide. 2c. Fatores químicos. São os mais conhecidos disruptores endócrinos existentes e se associam com vários tipos de câncer. Talvez o disruptor mais conhecido seja o cigarro, cujo fumo contém mais de 4 mil componentes tóxicos, incluindo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, nitrosaminas aromáticas específicas do tabaco e outras aminas aromáticas, nicotina etc. De forma peculiar, o fumo não se associa ao aumento de risco de câncer diferenciado de tireoide. Ao contrário, indivíduos que fumam têm menor incidência desse tipo de câncer e isso se deve, ao menos em parte, ao fato de que o perfil genético herdado, isto é, germinativo, de suscetibilidade ao câncer de tireoide inclui a herança de polimorfismos dos genes CYP1A1, que são capazes de maior detoxificação dos compostos tóxicos do cigarro. Mas inúmeros outros carcinógenos vêm aparecendo em associação com o aumento de risco de câncer de tireoide, como mostra a Tabela 1. A maneira como esses agentes disruptores agem nem sempre é conhecida e muitos agentes podem se sobrepor em ações complexas, que podem ser aditivas, subtrativas ou multiplicativas. Não é raro estarmos simultaneamente expostos a compostos como os percloratos, que existem em fogos de artifício e fósforos, mas também em alimentos (alface, trigo, leite, vinho, cerveja etc.) e até em multivitamínicos; ou a tiocianatos, como os que existem no cigarro, metabólitos da mandioca, brócolis, repolho, couve-de-bruxelas, couve-flor etc; ou a nitratos que podem ocorrer naturalmente no solo e nas reservas de água, ou em derivados de materiais orgânicos contaminando vegetais como beterraba, salsão e espinafre. Compostos disruptores são largamente ingeridos em alimentos, particularmente os industrializados, na forma de corantes, conservantes, estabilizantes e outros aditivos, mas também podemos entrar em contato com esses compostos por inalação ou por contato dérmico, como em produtos de limpeza ou mesmo cosméticos. Por outro lado, existem disruptores com diferentes atuações em diferentes pontos estratégicos do metabolismo dos hormônios tireoidianos, seja no próprio eixo hipotálamo-hipófise-tireoide como na periferia, no nível hepático, em circulação ou mesmo no nível tissular como exemplifica a Figura 5. Alguns compostos tóxicos são considerados inocentes, ou ainda chamados de naturais. Um bom exemplo são os fitoestrógenos, compostos frequentemente usados no alívio dos sintomas da menopausa. Derivados da soja contêm isoflavonas, que são importantes inibidores da tireoperoxidase, podendo causar bócio ou diminuir a eficácia do tratamento com iodo radioativo no paciente portador de câncer de tireoide. Mulheres em hipotireoidismo subclínico tratadas com esses compostos aumentam em três vezes a chance de evoluir para hipotireoidismo clínico. Outros compostos estão incorporados em nossa vida rotineira e sequer são suspeitos, por exemplo, os bisfenóis, substâncias utilizadas em plásticos como os recipientes que mais frequentemente usamos para guardar, aquecer e congelar alimentos; os copinhos descartáveis e as mamadeiras onde se aquece o leite de lactentes. Ward LS. Tabela 1. Figura 5. 106 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 Câncer de tireoide. Essas substâncias vêm sendo associadas não apenas ao aparecimento de puberdade precoce, esterilidade e câncer de mama, devido à sua semelhança com compostos estrogênicos, mas também a distúrbios tireoidianos. Embora estudos de causa-efeito em humanos sejam extremamente difíceis de ser realizados, e grandes estudos epidemiológicos não haverem comprovado uma relação direta entre a exposição a bisfenol e distúrbios tireoidianos, o “princípio da precaução”, incluído em nossa Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), protegeu a população mais vulnerável, os lactentes, proibindo a comercialização de mamadeiras contendo bisfenol a partir de 1o de janeiro de 2012 em todo o território nacional (Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa RDC 41/2011). Um importante disruptor, no caso do câncer diferenciado de tireoide, é o iodo. Em todos os países onde se introduziu a iodação do sal de cozinha, medida que diminuiu drasticamente o número de casos de bócio endêmico e de cretinismo neonatal, houve um paralelo aumento do número de casos de carcinomas papilíferos de tireoide, enquanto que se observou uma importante queda no número de casos de carcinomas foliculares. O iodo é, juntamente com outros compostos minerais como o selênio, o cádmio, o tiocianato de enxofre, o zinco e o vanádio, imputado como causador da grande incidência de casos de câncer de tireoide que caracteriza todo o chamado “círculo de fogo” ou regiões vulcânicas do planeta (Figura 6). O iodo está associado à maior frequência de mutações de BRAF, e se acredita que ele possa, assim como a radiação ionizante, ativar vias de transformação e diferenciação que culminariam no processo oncogenético da célula folicular. Os mecanismos envolvidos ainda permanecem desconhecidos, mas é possível que durante o processo de hiperplasia e hipertrofia adaptativo da célula tireoidiana à falta de iodo sejam produzidos peróxidos, substâncias óxido reativas, radicais livres e compostos tóxicos que causam lesões ao material genético da célula folicular. Quando as células danificadas recebem outro estímulo externo, que poderia ser a exposição à radiação ionizante causando a quebra da dupla hélice do DNA ou a ação de outro disruptor, esses danos genéticos podem representar uma vantagem de crescimento para a célula afetada, que se prolifera descontroladamente (Figura 7). Conclusão É difícil responder à pergunta da paciente. O risco de seus filhos terem o mesmo câncer de tireoide que ela tem existe, sua preocupação procede. Embora não se trate de câncer familiar ou hereditário, o câncer diferenciado de tireoide possui um perfil genético de suscetibilidade herdado, o qual deve ajudar a explicar a ocorrência mais frequente de casos similares entre familiares do portador de câncer de tireoide assim como de outras doenças de tireoide nessas famílias. Por outro lado, componentes tóxicos aos quais a paciente se expõe podem também estar afetando seus fa- Ward LS. Figura 6. Figura 7. miliares, de modo que nós também devemos empregar o “princípio da precaução” ao aconselhá-la. É importante recomendar um estilo de vida saudável, com alimentação o mais balanceada possível para evitar o ganho de peso. Alimentos industrializados, em particular aqueles que sabemos conter mais aditivos e conservantes, devem ser preteridos em favor dos alimentos frescos. Todos os alimentos que contêm excesso de sal, em particular embutidos, devem ser evitados. Não há por que temer o iodo dos alimentos, mas não devemos ingerir mais sal do que o necessário. Recomenda-se que nos limitemos a cerca de 1,5 g de sódio ao dia, tolerando-se até 2,3 g para um indivíduo adulto normal, o que corresponde à ingestão de 3.750mg a 5.750mg de sal ao dia para um adulto saudável, mas valores diferentes existem para cada faixa etária. Também podemos recomendar a nossos pacientes Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 107 Câncer de tireoide. que empreguem utensílios domésticos livres de bisfenol e que questionem sempre o seu médico ou o seu dentista sobre a necessidade e o custo-benefício de exames de imagem envolvendo exposição à radiação ionizante. Referências • National Cancer Institute. Surveillance Epidemiology and End Results [homepage na Internet]. Bethesda: National Cancer Institute; 2011 [atualizado em 2011 Nov 10; acesso em 2012 Mar 19]. 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