MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DE

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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
1 A 5 DE SETEMBRO DE 2003, UNICAMP,
CAMPINAS, SP
GRUPO DE TRABALHO: PENSAMENTO SOCIAL
NO BRASIL
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO
PENSAMENTO DE FLORES TAN FERNANDES NOS AN OS
50.
2
Tatiana Gomes Martins
3
Este trabalho tem como objetivo destacar a absorção de algumas questões
politicamente relevantes do cenário histórico-social por Florestan Fernandes
num momento específico de sua obra, o final dos anos 50. O enfoque é colocado
no texto “Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento” enquanto
produção elucidativa do caráter que a temática do desenvolvimento nacional
adquire frente à configuração do capitalismo nacional e dos projetos de
desenvolvimento que se apresentam na esfera política no período (FERNANDES,
1979). Esse texto de Florestan Fernandes corresponde a uma comunicação
redigida para o Seminário sobre resistências à mudança: fatores que dificultam ou
impedem o desenvolvimento, organizado pelo Centro Latino-Americano de
Pesquisas em Ciências Sociais, da UNESCO, em 1959. Isso define, em certa
medida, os contornos de um trabalho que, ao mesmo tempo em que procura
responder às exigências da temática central do seminário, pretende estabelecer o
alcance e os limites da mesma.
É inegável a importância que Florestan Fernandes atribui à problemática
da mudança social. Ela está presente desde os trabalhos sobre o folclore
paulistano e sobre a marginalidade social, produzidos na década de 40,
permanecendo nos escritos realizados durante as décadas de 50 e 60,
considerando as devidas nuanças. Trata-se justamente de um período em que a
sociedade
brasileira
passa
por
diversas
transformações
decorrentes
do
estabelecimento do capitalismo no Brasil, o que justifica o interesse das ciências
sociais, de uma maneira geral, por temas diretamente relacionados às tensões
que cercam, por exemplo, o campo da política econômica, os processos de
urbanização e industrialização e a integração econômica e social do Brasil.
Se este trabalho começa com a afirmação da constante presença do tema
da mudança social na obra de Florestan Fernandes é porque, conforme a própria
afirmação do autor, essa concepção está na base de sua definição de
desenvolvimento, permitindo caracterizar as perspectivas teóricas que dão
sentido a tais categorias na construção analítica do autor. Desse modo, no texto
“Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, afirma que:
...os conceitos de desenvolvimento social e de evolução social
descrevem os mesmos fenômenos em níveis diferentes da realidade
4
social.
O
primeiro
apanha
os
processos
de
mudança social
progressiva no nível histórico, tal como eles transcorrem em dado
sistema social em certo período de tempo. O segundo apreende os
processos de mudança social progressiva no nível supra-histórico, no
qual se pode abstrair e analisar os fenômenos de formação, duração,
e sucessão dos tipos sociais. (FERNANDES, 1979, p.317)
É aqui que a interpretação do autor marca sua posição no que se refere a
uma das mais importantes tensões colocadas pela sociedade brasileira no
momento: a questão do desenvolvimento nacional. Frente às inquietações acerca
da definição dos moldes do desenvolvimento nacional, Florestan Fernandes
chama a atenção para a especificidade histórica da realidade social considerada
para a compreensão do sentido tomado por esse processo no Brasil. Para
Florestan Fernandes, isso corresponde à análise da “qualidade da mudança e
seus influxos na reintegração do sistema social em dada direção” (FERNANDES,
1979, p.319). Coloca-se, então uma questão fundamental, saber de que se trata
tal qualidade.
Nesse
mesmo
texto,
Florestan
Fernandes
insinua
um
tipo
de
desenvolvimento que acompanha o desenvolvimento cultural1. A partir de tal
afirmação, pode-se aproximar a sua concepção de desenvolvimento com as
acepções de mudança cultural espontânea e mudança cultural provocada
presentes de maneira explícita, por exemplo, no texto “A ciência aplicada e a
educação como fatores de mudança cultural provocada” de 1958, no qual o autor
procura definir a importância da ciência e da educação na passagem do primeiro
ao segundo tipo de mudança social (FERNANDES, 1960). No primeiro caso, o
desenvolvimento cultural aparece na medida em que se formam, na sociedade
brasileira, as condições de emergência de uma nova forma de conceber a
realidade, um novo “estilo de pensamento”, na acepção mannheimiana, que
permite aos indivíduos a capacidade de escolha racional dos fins imediatos de
suas ações (MANNHEIM, 1981). A mudança cultura provocada, por sua vez coloca
1
Para essa definição, Florestan Fernandes faz a seguinte referência: E. Willems, Dicionário de Sociologia,
Porto Alegre, Editora Globo, 1950, p.42.
5
essa capacidade de maneira ampliada na qual os indivíduos adquirem o controle
racional da própria mudança social.
O que caracteriza a mudança cultural provocada, em relação ao
elemento racional, é a extensão dos limites da ação intencional. Além
da escolha deliberada dos alvos, ela envolve o conhecimento objetivo
dos meios, das condições e dos mecanismos através dos quais
aqueles precisam ser atingidos. Em outras palavras, o elemento
racional penetra em todos os níveis do comportamento inteligente dos
homens, de modo a ordenar as atividades por eles desenvolvidas no
plano relativamente abstrato, em que se definem suas intenções de
intervir na realidade, seja em função dos fins, seja em função dos
meios e das condições das própria intervenção. (FERNANDES, 1960,
p.188)
A “qualidade” da mudança se constrói, portanto, na possibilidade de
concretização da mudança cultural provocada, sobretudo no que ela diz respeito
ao aproveitamento das tendências de racionalização do estilo de vida por todas as
esferas da vida social. O sentido que Florestan Fernandes confere ao processo de
mudança social está assentado, portanto, na dimensão cultural através da qual
se pode garantir a alteração da ordem social como um todo. Nesse sentido a
ampliação da mudança cultural traz consigo um elemento democrático que
molda, dentro da argumentação, a qualidade da mudança desejada. No texto
“Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, ela aparece com as
seguintes palavras:
...as alterações em processo, na sociedade de classes, tendem a
oferecer maior relevo à utilização da mudança cultural provocada ou
dirigida. Doutro lado, fica claro que essa tendência insere a qualidade
da mudança no âmbito da consciência social e das técnicas sociais de
controle racional. (FERNANDES, 1979, p.342)
É através desse tipo de argumentação que se pode identificar a marca da
influência do sociólogo Karl Mannheim (1893-1947) na interpretação de
6
Florestan Fernandes sobre a realidade brasileira. Para os objetivos deste
trabalho, a importância dessa influência aparece de duas maneiras. Em primeiro
lugar, pode-se destacar a argumentação de Florestan Fernandes segundo a qual
a situação em que vivia o Brasil nos anos 50 correspondia às características de
uma mudança cultural espontânea. Ou seja, tratava-se de uma situação na qual
havia indícios do surgimento de técnicas de controle social que poderiam, ou
melhor, deveriam, ser canalizadas para a consolidação de uma sociedade
controlada democraticamente. Nesse sentido, a passagem do estado de mudança
cultural espontânea para o de mudança social provocada corresponderia ao
estabelecimento do Planejamento Democrático, sistematizado e defendido por
Mannheim quando da análise da crise da sociedade de classes na Alemanha:
O planejamento para a liberdade não significa a imposição de uma
forma definida de individualidade, mas tendo o conhecimento e a
experiência de decidir que tipo de educação, que tipo de grupos
sociais e que tipo de situações proporcionam a melhor oportunidade
de fomentar a iniciativa, o desejo de formar o próprio caráter e de
decidir o próprio destino. (MANNHEIM, 1962, p.274)
Nas palavras de Florestan Fernandes, isso corresponde, efetivamente, a
um
projeto
nacional
pautado
em
uma
determinada
concepção
de
desenvolvimento.
No conjunto, porém, a mudança produzida pela capacidade do agente
humano de lidar com as forças domesticadas do meio social é posta a
serviço de ideais coletivos que valorizam o progresso material, social e
moral do homem. A mudança converte-se em verdadeira técnica
social, inserida no pensamento inventivo como um recurso destinado a
introduzir aperfeiçoamentos progressivos em todos os campos em que
a atividade humana se desenrola de forma socialmente organizada.
(FERNANDES, 1979, p.330-331, grifos do próprio autor)
O segundo ponto importante da influência de Mannheim está diretamente
relacionado ao primeiro e consiste na definição do papel da sociologia na
7
determinação do sentido das técnicas sociais na nova ordem social. Isso porque é
a disciplina capaz de fazer o diagnóstico da situação e de apontar as tendências
concretas para o planejamento democrático.
A Sociologia, como um levantamento meticuloso, como uma descrição
de fatos, ainda será necessária numa era de mudanças assim, porém
a essência de sua contribuição consistirá em uma busca na nova
direção dos acontecimentos e nas exigências destes. (MANNHEIM,
1973, p.84)
Tal argumentação sustenta teoricamente os propósitos da Sociologia
Aplicada que, como já foi dito, é sistematizada no decorrer da década de 50,
correspondendo, assim, à
Análise dos efeitos disnômicos da vida social e das condições
previsíveis de intervenção racional no controle das situações em que
eles emergem socialmente. (FERNANDES, 1960, p.151)
Como se pode notar, na argumentação de Florestan Fernandes, a
realização do projeto de controle racional, planejado, da realidade social tem
como pressupostos a intervenção do conhecimento científico no processo social e
a
superação
dos
descompassos
entre
o
desenvolvimento
material
e
o
desenvolvimento moral da sociedade. Esse ponto de partida leva o autor a
enfrentar os dilemas nacionais que envolvem diretamente tais pressupostos uma
vez que eles estão ausentes em setores primordiais para o que considera como
desenvolvimento nacional. Em primeiro lugar, pode-se destacar o final da década
de 50 como um momento de revisão da política nacional desenvolvimentista que
se expressa em tensões identificáveis em vários setores da sociedade. No plano
econômico, ela ganha força na medida em que se coloca a centralidade da
intervenção do Estado na economia, o que fomenta e divide as diversas
formulações teóricas que procuravam um caminho para a crise econômica que já
começava a mostrar alguns sinais (LESSA, 1981).
O tema aparece no trabalho considerado, na medida em que dialoga com
os critérios de definição do estado, ou do projeto, de desenvolvimento, como já foi
dito. Nesse sentido, considerando os requisitos para a implantação do
8
planejamento democrático ao fazer referência às “atitudes e motivações
favoráveis ao desenvolvimento”, o autor argumenta que mesmo os países
considerados “adiantados”, do ponto de vista econômico, não realizam as
potencialidades construtivas da ordem social capitalista. No caso dos países
considerados
“subdesenvolvidos”,
a
questão
se
coloca
justamente
na
especificidade histórica em que tais potencialidades são coibidas. Por isso, o
enfoque deve ser dado nas condições que definem o comportamento social.
Nos “países adiantados”, as atitudes e motivações tendem a ser
dinamicamente inadequadas em virtude de não se ajustarem, de
modo
orgânico,
às
exigências
da
situação
histórico-social.
Imobilizadas por interesses profundos das camadas dominantes ou
por valores conspícuos mas obsoletos, restringem a capacidade de
atuação racional dos homens, limitam o rendimento ou refreiam a
renovação das instituições e impedem os avanços necessários na
direção da ordem social planificada. Nos “países subdesenvolvidos”,
as atitudes e motivações tendem a ser inadequadas, quando
respondem
às
transcenderem
exigências
da
a capacidade
situação
de
atuação
histórico-social,
racional
por
socialmente
organizada do homem, de funcionamento normal das instituições e às
vezes
até,
de
crescimento
equilibrado
das
bases
ecológicas,
demográficas e econômicas da vida social. Assimiladas por via da
“imitação” de “povos adiantados”, produzem, simultaneamente,
progresso social e desorganização social, o qual as coloca entre
fatores dinâmicos do subaproveitamento crônico das vantagens
asseguradas
pelas
mudanças
sócio-culturais
bem
sucedidas.
(FERNANDES, 1979, p.345-346)
No plano político-social, as tensões se apresentam tanto na emergência
dos movimentos sociais que buscam uma resposta aos problemas desencadeados
pelo período anterior, quanto na disputa entre os setores que defendiam e os que
rejeitavam as medidas de internacionalização da economia (IANNI, 1975). Nesse
sentido, o esgotamento da política nacional-desenvolvimentista, já no final dos
9
anos 50, evidencia o jogo de interesses dominante que passa a configurar o tema
de muitas pesquisas no período. Com efeito, nesse momento de revisão das teses
desenvolvimentistas, pode se identificar uma ampliação do discurso marxista que
define muitas das categorias e interpretações sobre a realidade nacional
(LAHUERTA, 1999, PÉCAULT, 1990). Além disso, vale lembrar também a
influência que o projeto de aliança de classes defendido pelo Partido Comunista
exerce sobre vários setores da intelectualidade nacional (BRANDÃO, 1997).
Assim, tendo em vista o projeto de planejamento democrático e a influência das
questões levantadas por esse discurso, Florestan Fernandes chega à crítica às
classes dominantes, no que se refere à defesa de interesses particularistas, e à
incapacidade de intervenção do Estado no desenvolvimento social.
Por
motivos
diferentes,
os
alvos
de
desenvolvimento
social,
valorizados tanto nos “países adiantados” (como a Inglaterra, a
Alemanha, a França, os Estados Unidos etc.), quanto nos “países
subdesenvolvidos” (da América, da Ásia, da Oceania ou da África),
incentivam mudanças direta ou indiretamente subordinadas aos
interesses e aos valores sociais das camadas dominantes na
estrutura de poder. (FERNANDES, 1979, p.321)
E tratando diretamente da campanha de divulgação da política nacionaldesenvolvimentistas completa:
Medidas formuladas em nome dos “interesses da Nação” raramente
correspondem, de fato, às necessidades vitais da comunidade como
um todo. No entanto, tais medidas contam em média, com pressões
abertas ou dissimuladas da propaganda organizada. Além disso,
quase sempre se beneficiam de alguma popularidade, em virtude das
vantagens inegáveis que podem assegurar a nações que lutam contra
os problemas do após-guerra ou do subdesenvolvimento econômico,
político e social. (FERNANDES, 1979, p.321)
Conseqüentemente,
como
a
própria
definição
de
planejamento
democrático pressupõe uma específica intervenção da sociologia, a questão do
10
papel do sociólogo entra na ordem do dia, principalmente levando em
consideração o fato de ela fazer parte de um contexto de valorização do
conhecimento científico como sinônimo de urbanização e progresso – tal como se
pode observar na cidade de São Paulo nos anos 50 (ARRUDA, 2001). Disso
resulta, por exemplo, o apoio que o governo Carvalho Pinto (1959-1963) garante
ao projeto Economia e Sociedade no Brasil e à criação da FAPESP no início dos
anos 60. Além disso, no decorrer da década de 50 e início dos anos 60, o tema do
papel do sociólogo permeia, com esse sentido, o debate entre Guerreiro Ramos e
Florestan Fernandes, o que demonstra sua importância no contexto intelectual.
Desse modo, no corpo da obra de Florestan Fernandes, além da sistematização já
citada no livro Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960) ele aparece com uma
nova roupagem no livro A Sociologia Numa Era de Revolução Social (1962), no
qual também se dá a incorporação das problemáticas colocadas pelo contexto
histórico-social. No texto que constitui o tema deste artigo, por sua vez, o
problema da relação entre o sociólogo e o desenvolvimento nacional expressa
uma tensão constantemente presente nos trabalhos de Florestan Fernandes , a
tensão universalismo X particularismo. Nesse caso, ela diz respeito á definição das
medidas cabíveis ao desenvolvimento nacional.
Mas resta a pergunta, que nos parece crucial: o sociólogo deve aceitar,
passivamente,
a
condição
de
apologista
das
“tendências
de
desenvolvimento” que, no fundo, asseguram vantagens certas apenas
às camadas que se beneficiam diretamente da ordem social existente?
O que interessa a tais camadas, em regra, não é tanto o “progresso
social” como a continuidade de sua posição na estrutura de poder em
transformação. (...) Sem identificar-se com semelhantes ideologias, o
sociólogo não pode admitir que seja pacífico e universalmente
defensável o ideal de reproduzir, nas nações subdesenvolvidas do
presente, o passado mais ou menos longínquo dos países adiantadas
da atualidade. A sociedade, ao contrário do que se supunha em
relação à natureza, pode “dar saltos”(...).
11
Segundo pensamos, a saída do impasse pode ser obtida pela análise
das próprias tendências de desenvolvimento social, constatáveis
objetivamente. O sociólogo não pode impedir que certas camadas
sociais
capitalizem,
durante
certo
tempo,
os
benefícios
do
desenvolvimento social – nem essa é sua função, propriamente
entendida. Ele deve, somente, tomar cuidados especiais para não se
tornar um ingênuo porta-voz ou um agente dócil das ideologias das
referidas camadas. (FERNANDES, 1979, p.322)
Florestan Fernandes problematiza, dessa forma, o caráter da interpretação
que permite ao sociólogo desempenhar sua função. Segundo as definições
presentes no trabalho “A Sociologia: objeto e principais problemas”, transcrito da
Enciclopédia Delta em 1857 e publicado posteriormente em Ensaios de Sociologia
Geral e Aplicada (1960), a sociologia é dividida em seis disciplinas, a saber:
Sociologia Sistemática, Sociologia Descritiva, Sociologia Comparada, Sociologia
Diferencial, Sociologia Aplicada e Sociologia Geral ou Teórica. Cada uma delas são
definidas tendo em vista, também, a compreensão do autor acerca dos métodos
em sociologia, presente de uma maneira geral nos ensaios que compõem o livro
Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica (1967) escritos no mesmo
período.
Assim, para a análise das “atitudes e motivações desfavoráveis ao
desenvolvimento”, Florestan Fernandes destaca a importância das sociologias
Aplicada, Sistemática e Diferencial. No primeiro caso, como já foi dito, a
relevância reside no encaminhamento do sentido do desenvolvimento nacional,
rumo ao Planejamento Democrático. É a partir dessa perspectiva que se adquire
conhecimento sobre os “problemas sociais” e sobre as medidas necessárias para
o aproveitamento das tendências de desenvolvimento em benefício da sociedade
como um todo.
No que diz respeito à temática do trabalho, as outras duas divisões da
sociologia promovem resultados específicos. A Sociologia Sistemática tem como
objetivo a explicação dos fenômenos sociais através das conexões entre
condições, fatores e efeitos em que se manifestam. Essas conexões são
estabelecidas segundo a metodologia weberiana buscando conjugar as condições
12
e os motivos das ações sociais para a análise de seu sentido (FERNANDES,
1972). Desse modo, Florestan Fernandes busca na Sociologia Sistemática as
contribuições acerca das atitudes e motivações que relacionadas com condições
específicas compõem os “diferentes estados da moderna sociedade de classes”.
Desse ponto de vista metodológico, o quadro de emergência da sociedade classes
pressupõe as manifestações de uma revolução cultural que se configuram em três
dimensões:
a
política,
explicitada
na
capacidade
de
racionalização
da
administração e no desvendamento dos interesses em jogo na esfera social; a
científica, com possibilidade de aplicação do conhecimento científico na análise
dos problemas sociais; e a social, caracterizada pelo desenvolvimento de técnicas
de controle social. A importância da Sociologia Sistemática está fundamentada,
portanto na análise sincrônica dos fenômenos sociais que operam nesse sentido,
considerando sua importância manutenção ou alteração da estrutura social.
A análise sincrônica revela qual é a natureza, a variedade e as
funções dos mecanismos de consciência social e das técnicas de
controle na sociedade de classes. Cabe à análise diacrônica
evidenciar quais são as influências dinâmicas mais profundas e
persistentes dos referidos elementos na preservação e na alteração
do padrão de equilíbrio dessa sociedade. (FERNANDES, 1979, p.332,
não grifado no original)
Por isso, Florestan Fernandes destaca que o fator explicativo na Sociologia
Diferencial consiste, justamente, na dimensão particular, histórica, em que
ocorrem os processos sociais nas sociedades consideradas. Em se tratando
precisamente das atitudes e motivações relacionadas ao desenvolvimento social,
para o autor, ela permite apreender o desenvolvimento da sociedade de classes
através
do
“padrão
de
equilíbrio
social
instável”
que
lhe
é
inerente,
correspondendo, assim, à utilização da teoria do conflito de Marx na análise do
processo de desenvolvimento. Como resultado pode-se analisar a forma pela qual
as atitudes e motivações favoráveis ou desfavoráveis ao processo variam de
acordo com o contexto histórico-social em que se desenvolvem e operam,
definindo o seu sentido histórico.
13
Dessas
interpretações
desenvolvimento
literalmente,
a
decorre,
social
como
forma
claramente,
“categoria
histórica
pela
um
conceito
histórica”.
qual
os
Ele
de
traduz,
homens
lutam,
socialmente, pelo destino do mundo em que vivem, com os ideais
correspondentes de organização da vida humana e de domínio ativo
crescente sobre os fatores de desequilíbrio da sociedade de classes.
Daí resulta o sentido objetivo peculiar desse processo, que se
apresenta, de modo variável mas universal, como um valor social,
tanto no comportamento dos indivíduos, quanto nos movimentos
sociais. (FERNANDES, 1979, p.337-338, grifos do próprio autor)
Ocorre que, para Florestan Fernandes, as possibilidades construtivas do
conflito, do desenvolvimento social, numa sociedade cujas tendências de controle
social não são orientadas, ou estão concentradas nas mãos das classes
privilegiadas, são limitadas por sua própria natureza, o que define, do ponto de
vista histórico, a forma como se manifestam e são tratados os movimentos sociais
no
Brasil.
Nesse
sentido,
as
“atitudes
e
motivações
favoráveis
ao
desenvolvimento” seriam aquelas capazes de garantir o funcionamento da
sociedade de classes dentro de seu “padrão de equilíbrio instável”, no qual são
potencializadas as possibilidades de desenvolvimento social nos moldes do
planejamento
democrático.
Em
contrapartida, as
“atitudes
e
motivações
desfavoráveis ao desenvolvimento” consistiriam nas forças sociais que operam
em sentido oposto. É por esse caminho que Florestan Fernandes chega na
segunda metade da década de 50, procurando destacar a questão da
especificidade histórica. Essa dimensão direciona a interpretação do autor para
a explicação do caráter das tendências de desenvolvimento na sociedade
brasileira expresso no grau da função desempenhada pelas atitudes e motivações
“desfavoráveis” ao desenvolvimento. Por outro lado, estando ainda fortemente
influenciadas pela perspectiva estrutural-funcionalista que compõe o projeto seu
de Planejamento Democrático, a perspectiva histórica permite o reconhecimento
dos
descompassos
moral
e
material
na
sociedade
brasileira
enquanto
manifestações características do estabelecimento da sociedade de classes no
Brasil. Assim, ela fundamenta a crítica ao Estado e às classes dominantes dentro
14
dos limites de sua função na ampliação das tendências democráticas da ordem
social capitalista. Isso revela, de certa maneira, a forma com que Florestan
Fernandes absorve as teses da esquerda brasileira, no período. De um lado,
pode-se associar aquele projeto com ao projeto de aliança de classes e de
desenvolvimento do capitalismo nacional promovidas pelo Partido Comunista. De
outro, pode-se perceber a presença de temas característicos do discurso marxista
tais como, ideologia, classes sociais, revolução, mas esses são inseridos, em
última instância, na argumentação sobre os requisitos estruturais e funcionais
da ordem social capitalista. Como conseqüência, são tomados enquanto
tendências e obstáculos a um processo de desenvolvimento latente que depende
apenas de medidas operacionais de consecução. Por outro lado, vale dizer que os
contornos do projeto político defendido por Florestan Fernandes envolvem uma
dimensão
democrática
que
se
abstêm
de
alguns
projetos
de
caráter
eminentemente econômico, o que possibilita a interpretação do sentido
emancipatório que está por traz do mesmo.
Por isso, identificando a forma de abordagem da problemática do
desenvolvimento,
pode-se
compreender
a
fundamentação
teórica
do
Planejamento Democrático como um projeto de desenvolvimento nacional e, ao
mesmo tempo, como enfrentamento da “questão nacional” que compõe o discurso
político do momento (FRANCO, 1985; PÉCAUT, 1990). Evidentemente, dar conta
do caráter desse projeto demandaria abarcar os diversos projetos em disputa no
cenário político extrapolando os limites deste trabalho, mas vale dimensionar o
teor político que permeia um texto de Florestan Fernandes elaborado e
legitimado segundo os critérios do pensamento científico. Não é à toa que se trata
de um momento de defesa da intervenção do intelectual na organização da
sociedade e de produção de trabalhos que procuram delimitar os contornos dessa
intervenção. Identificar a presença dessas questões na obra de Florestan
Fernandes é um passo na análise do alcance e dos limites de sua dimensão
política.
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