XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 1 A 5 DE SETEMBRO DE 2003, UNICAMP, CAMPINAS, SP GRUPO DE TRABALHO: PENSAMENTO SOCIAL NO BRASIL MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DE FLORES TAN FERNANDES NOS AN OS 50. 2 Tatiana Gomes Martins 3 Este trabalho tem como objetivo destacar a absorção de algumas questões politicamente relevantes do cenário histórico-social por Florestan Fernandes num momento específico de sua obra, o final dos anos 50. O enfoque é colocado no texto “Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento” enquanto produção elucidativa do caráter que a temática do desenvolvimento nacional adquire frente à configuração do capitalismo nacional e dos projetos de desenvolvimento que se apresentam na esfera política no período (FERNANDES, 1979). Esse texto de Florestan Fernandes corresponde a uma comunicação redigida para o Seminário sobre resistências à mudança: fatores que dificultam ou impedem o desenvolvimento, organizado pelo Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, da UNESCO, em 1959. Isso define, em certa medida, os contornos de um trabalho que, ao mesmo tempo em que procura responder às exigências da temática central do seminário, pretende estabelecer o alcance e os limites da mesma. É inegável a importância que Florestan Fernandes atribui à problemática da mudança social. Ela está presente desde os trabalhos sobre o folclore paulistano e sobre a marginalidade social, produzidos na década de 40, permanecendo nos escritos realizados durante as décadas de 50 e 60, considerando as devidas nuanças. Trata-se justamente de um período em que a sociedade brasileira passa por diversas transformações decorrentes do estabelecimento do capitalismo no Brasil, o que justifica o interesse das ciências sociais, de uma maneira geral, por temas diretamente relacionados às tensões que cercam, por exemplo, o campo da política econômica, os processos de urbanização e industrialização e a integração econômica e social do Brasil. Se este trabalho começa com a afirmação da constante presença do tema da mudança social na obra de Florestan Fernandes é porque, conforme a própria afirmação do autor, essa concepção está na base de sua definição de desenvolvimento, permitindo caracterizar as perspectivas teóricas que dão sentido a tais categorias na construção analítica do autor. Desse modo, no texto “Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, afirma que: ...os conceitos de desenvolvimento social e de evolução social descrevem os mesmos fenômenos em níveis diferentes da realidade 4 social. O primeiro apanha os processos de mudança social progressiva no nível histórico, tal como eles transcorrem em dado sistema social em certo período de tempo. O segundo apreende os processos de mudança social progressiva no nível supra-histórico, no qual se pode abstrair e analisar os fenômenos de formação, duração, e sucessão dos tipos sociais. (FERNANDES, 1979, p.317) É aqui que a interpretação do autor marca sua posição no que se refere a uma das mais importantes tensões colocadas pela sociedade brasileira no momento: a questão do desenvolvimento nacional. Frente às inquietações acerca da definição dos moldes do desenvolvimento nacional, Florestan Fernandes chama a atenção para a especificidade histórica da realidade social considerada para a compreensão do sentido tomado por esse processo no Brasil. Para Florestan Fernandes, isso corresponde à análise da “qualidade da mudança e seus influxos na reintegração do sistema social em dada direção” (FERNANDES, 1979, p.319). Coloca-se, então uma questão fundamental, saber de que se trata tal qualidade. Nesse mesmo texto, Florestan Fernandes insinua um tipo de desenvolvimento que acompanha o desenvolvimento cultural1. A partir de tal afirmação, pode-se aproximar a sua concepção de desenvolvimento com as acepções de mudança cultural espontânea e mudança cultural provocada presentes de maneira explícita, por exemplo, no texto “A ciência aplicada e a educação como fatores de mudança cultural provocada” de 1958, no qual o autor procura definir a importância da ciência e da educação na passagem do primeiro ao segundo tipo de mudança social (FERNANDES, 1960). No primeiro caso, o desenvolvimento cultural aparece na medida em que se formam, na sociedade brasileira, as condições de emergência de uma nova forma de conceber a realidade, um novo “estilo de pensamento”, na acepção mannheimiana, que permite aos indivíduos a capacidade de escolha racional dos fins imediatos de suas ações (MANNHEIM, 1981). A mudança cultura provocada, por sua vez coloca 1 Para essa definição, Florestan Fernandes faz a seguinte referência: E. Willems, Dicionário de Sociologia, Porto Alegre, Editora Globo, 1950, p.42. 5 essa capacidade de maneira ampliada na qual os indivíduos adquirem o controle racional da própria mudança social. O que caracteriza a mudança cultural provocada, em relação ao elemento racional, é a extensão dos limites da ação intencional. Além da escolha deliberada dos alvos, ela envolve o conhecimento objetivo dos meios, das condições e dos mecanismos através dos quais aqueles precisam ser atingidos. Em outras palavras, o elemento racional penetra em todos os níveis do comportamento inteligente dos homens, de modo a ordenar as atividades por eles desenvolvidas no plano relativamente abstrato, em que se definem suas intenções de intervir na realidade, seja em função dos fins, seja em função dos meios e das condições das própria intervenção. (FERNANDES, 1960, p.188) A “qualidade” da mudança se constrói, portanto, na possibilidade de concretização da mudança cultural provocada, sobretudo no que ela diz respeito ao aproveitamento das tendências de racionalização do estilo de vida por todas as esferas da vida social. O sentido que Florestan Fernandes confere ao processo de mudança social está assentado, portanto, na dimensão cultural através da qual se pode garantir a alteração da ordem social como um todo. Nesse sentido a ampliação da mudança cultural traz consigo um elemento democrático que molda, dentro da argumentação, a qualidade da mudança desejada. No texto “Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, ela aparece com as seguintes palavras: ...as alterações em processo, na sociedade de classes, tendem a oferecer maior relevo à utilização da mudança cultural provocada ou dirigida. Doutro lado, fica claro que essa tendência insere a qualidade da mudança no âmbito da consciência social e das técnicas sociais de controle racional. (FERNANDES, 1979, p.342) É através desse tipo de argumentação que se pode identificar a marca da influência do sociólogo Karl Mannheim (1893-1947) na interpretação de 6 Florestan Fernandes sobre a realidade brasileira. Para os objetivos deste trabalho, a importância dessa influência aparece de duas maneiras. Em primeiro lugar, pode-se destacar a argumentação de Florestan Fernandes segundo a qual a situação em que vivia o Brasil nos anos 50 correspondia às características de uma mudança cultural espontânea. Ou seja, tratava-se de uma situação na qual havia indícios do surgimento de técnicas de controle social que poderiam, ou melhor, deveriam, ser canalizadas para a consolidação de uma sociedade controlada democraticamente. Nesse sentido, a passagem do estado de mudança cultural espontânea para o de mudança social provocada corresponderia ao estabelecimento do Planejamento Democrático, sistematizado e defendido por Mannheim quando da análise da crise da sociedade de classes na Alemanha: O planejamento para a liberdade não significa a imposição de uma forma definida de individualidade, mas tendo o conhecimento e a experiência de decidir que tipo de educação, que tipo de grupos sociais e que tipo de situações proporcionam a melhor oportunidade de fomentar a iniciativa, o desejo de formar o próprio caráter e de decidir o próprio destino. (MANNHEIM, 1962, p.274) Nas palavras de Florestan Fernandes, isso corresponde, efetivamente, a um projeto nacional pautado em uma determinada concepção de desenvolvimento. No conjunto, porém, a mudança produzida pela capacidade do agente humano de lidar com as forças domesticadas do meio social é posta a serviço de ideais coletivos que valorizam o progresso material, social e moral do homem. A mudança converte-se em verdadeira técnica social, inserida no pensamento inventivo como um recurso destinado a introduzir aperfeiçoamentos progressivos em todos os campos em que a atividade humana se desenrola de forma socialmente organizada. (FERNANDES, 1979, p.330-331, grifos do próprio autor) O segundo ponto importante da influência de Mannheim está diretamente relacionado ao primeiro e consiste na definição do papel da sociologia na 7 determinação do sentido das técnicas sociais na nova ordem social. Isso porque é a disciplina capaz de fazer o diagnóstico da situação e de apontar as tendências concretas para o planejamento democrático. A Sociologia, como um levantamento meticuloso, como uma descrição de fatos, ainda será necessária numa era de mudanças assim, porém a essência de sua contribuição consistirá em uma busca na nova direção dos acontecimentos e nas exigências destes. (MANNHEIM, 1973, p.84) Tal argumentação sustenta teoricamente os propósitos da Sociologia Aplicada que, como já foi dito, é sistematizada no decorrer da década de 50, correspondendo, assim, à Análise dos efeitos disnômicos da vida social e das condições previsíveis de intervenção racional no controle das situações em que eles emergem socialmente. (FERNANDES, 1960, p.151) Como se pode notar, na argumentação de Florestan Fernandes, a realização do projeto de controle racional, planejado, da realidade social tem como pressupostos a intervenção do conhecimento científico no processo social e a superação dos descompassos entre o desenvolvimento material e o desenvolvimento moral da sociedade. Esse ponto de partida leva o autor a enfrentar os dilemas nacionais que envolvem diretamente tais pressupostos uma vez que eles estão ausentes em setores primordiais para o que considera como desenvolvimento nacional. Em primeiro lugar, pode-se destacar o final da década de 50 como um momento de revisão da política nacional desenvolvimentista que se expressa em tensões identificáveis em vários setores da sociedade. No plano econômico, ela ganha força na medida em que se coloca a centralidade da intervenção do Estado na economia, o que fomenta e divide as diversas formulações teóricas que procuravam um caminho para a crise econômica que já começava a mostrar alguns sinais (LESSA, 1981). O tema aparece no trabalho considerado, na medida em que dialoga com os critérios de definição do estado, ou do projeto, de desenvolvimento, como já foi dito. Nesse sentido, considerando os requisitos para a implantação do 8 planejamento democrático ao fazer referência às “atitudes e motivações favoráveis ao desenvolvimento”, o autor argumenta que mesmo os países considerados “adiantados”, do ponto de vista econômico, não realizam as potencialidades construtivas da ordem social capitalista. No caso dos países considerados “subdesenvolvidos”, a questão se coloca justamente na especificidade histórica em que tais potencialidades são coibidas. Por isso, o enfoque deve ser dado nas condições que definem o comportamento social. Nos “países adiantados”, as atitudes e motivações tendem a ser dinamicamente inadequadas em virtude de não se ajustarem, de modo orgânico, às exigências da situação histórico-social. Imobilizadas por interesses profundos das camadas dominantes ou por valores conspícuos mas obsoletos, restringem a capacidade de atuação racional dos homens, limitam o rendimento ou refreiam a renovação das instituições e impedem os avanços necessários na direção da ordem social planificada. Nos “países subdesenvolvidos”, as atitudes e motivações tendem a ser inadequadas, quando respondem às transcenderem exigências da a capacidade situação de atuação histórico-social, racional por socialmente organizada do homem, de funcionamento normal das instituições e às vezes até, de crescimento equilibrado das bases ecológicas, demográficas e econômicas da vida social. Assimiladas por via da “imitação” de “povos adiantados”, produzem, simultaneamente, progresso social e desorganização social, o qual as coloca entre fatores dinâmicos do subaproveitamento crônico das vantagens asseguradas pelas mudanças sócio-culturais bem sucedidas. (FERNANDES, 1979, p.345-346) No plano político-social, as tensões se apresentam tanto na emergência dos movimentos sociais que buscam uma resposta aos problemas desencadeados pelo período anterior, quanto na disputa entre os setores que defendiam e os que rejeitavam as medidas de internacionalização da economia (IANNI, 1975). Nesse sentido, o esgotamento da política nacional-desenvolvimentista, já no final dos 9 anos 50, evidencia o jogo de interesses dominante que passa a configurar o tema de muitas pesquisas no período. Com efeito, nesse momento de revisão das teses desenvolvimentistas, pode se identificar uma ampliação do discurso marxista que define muitas das categorias e interpretações sobre a realidade nacional (LAHUERTA, 1999, PÉCAULT, 1990). Além disso, vale lembrar também a influência que o projeto de aliança de classes defendido pelo Partido Comunista exerce sobre vários setores da intelectualidade nacional (BRANDÃO, 1997). Assim, tendo em vista o projeto de planejamento democrático e a influência das questões levantadas por esse discurso, Florestan Fernandes chega à crítica às classes dominantes, no que se refere à defesa de interesses particularistas, e à incapacidade de intervenção do Estado no desenvolvimento social. Por motivos diferentes, os alvos de desenvolvimento social, valorizados tanto nos “países adiantados” (como a Inglaterra, a Alemanha, a França, os Estados Unidos etc.), quanto nos “países subdesenvolvidos” (da América, da Ásia, da Oceania ou da África), incentivam mudanças direta ou indiretamente subordinadas aos interesses e aos valores sociais das camadas dominantes na estrutura de poder. (FERNANDES, 1979, p.321) E tratando diretamente da campanha de divulgação da política nacionaldesenvolvimentistas completa: Medidas formuladas em nome dos “interesses da Nação” raramente correspondem, de fato, às necessidades vitais da comunidade como um todo. No entanto, tais medidas contam em média, com pressões abertas ou dissimuladas da propaganda organizada. Além disso, quase sempre se beneficiam de alguma popularidade, em virtude das vantagens inegáveis que podem assegurar a nações que lutam contra os problemas do após-guerra ou do subdesenvolvimento econômico, político e social. (FERNANDES, 1979, p.321) Conseqüentemente, como a própria definição de planejamento democrático pressupõe uma específica intervenção da sociologia, a questão do 10 papel do sociólogo entra na ordem do dia, principalmente levando em consideração o fato de ela fazer parte de um contexto de valorização do conhecimento científico como sinônimo de urbanização e progresso – tal como se pode observar na cidade de São Paulo nos anos 50 (ARRUDA, 2001). Disso resulta, por exemplo, o apoio que o governo Carvalho Pinto (1959-1963) garante ao projeto Economia e Sociedade no Brasil e à criação da FAPESP no início dos anos 60. Além disso, no decorrer da década de 50 e início dos anos 60, o tema do papel do sociólogo permeia, com esse sentido, o debate entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, o que demonstra sua importância no contexto intelectual. Desse modo, no corpo da obra de Florestan Fernandes, além da sistematização já citada no livro Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960) ele aparece com uma nova roupagem no livro A Sociologia Numa Era de Revolução Social (1962), no qual também se dá a incorporação das problemáticas colocadas pelo contexto histórico-social. No texto que constitui o tema deste artigo, por sua vez, o problema da relação entre o sociólogo e o desenvolvimento nacional expressa uma tensão constantemente presente nos trabalhos de Florestan Fernandes , a tensão universalismo X particularismo. Nesse caso, ela diz respeito á definição das medidas cabíveis ao desenvolvimento nacional. Mas resta a pergunta, que nos parece crucial: o sociólogo deve aceitar, passivamente, a condição de apologista das “tendências de desenvolvimento” que, no fundo, asseguram vantagens certas apenas às camadas que se beneficiam diretamente da ordem social existente? O que interessa a tais camadas, em regra, não é tanto o “progresso social” como a continuidade de sua posição na estrutura de poder em transformação. (...) Sem identificar-se com semelhantes ideologias, o sociólogo não pode admitir que seja pacífico e universalmente defensável o ideal de reproduzir, nas nações subdesenvolvidas do presente, o passado mais ou menos longínquo dos países adiantadas da atualidade. A sociedade, ao contrário do que se supunha em relação à natureza, pode “dar saltos”(...). 11 Segundo pensamos, a saída do impasse pode ser obtida pela análise das próprias tendências de desenvolvimento social, constatáveis objetivamente. O sociólogo não pode impedir que certas camadas sociais capitalizem, durante certo tempo, os benefícios do desenvolvimento social – nem essa é sua função, propriamente entendida. Ele deve, somente, tomar cuidados especiais para não se tornar um ingênuo porta-voz ou um agente dócil das ideologias das referidas camadas. (FERNANDES, 1979, p.322) Florestan Fernandes problematiza, dessa forma, o caráter da interpretação que permite ao sociólogo desempenhar sua função. Segundo as definições presentes no trabalho “A Sociologia: objeto e principais problemas”, transcrito da Enciclopédia Delta em 1857 e publicado posteriormente em Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960), a sociologia é dividida em seis disciplinas, a saber: Sociologia Sistemática, Sociologia Descritiva, Sociologia Comparada, Sociologia Diferencial, Sociologia Aplicada e Sociologia Geral ou Teórica. Cada uma delas são definidas tendo em vista, também, a compreensão do autor acerca dos métodos em sociologia, presente de uma maneira geral nos ensaios que compõem o livro Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica (1967) escritos no mesmo período. Assim, para a análise das “atitudes e motivações desfavoráveis ao desenvolvimento”, Florestan Fernandes destaca a importância das sociologias Aplicada, Sistemática e Diferencial. No primeiro caso, como já foi dito, a relevância reside no encaminhamento do sentido do desenvolvimento nacional, rumo ao Planejamento Democrático. É a partir dessa perspectiva que se adquire conhecimento sobre os “problemas sociais” e sobre as medidas necessárias para o aproveitamento das tendências de desenvolvimento em benefício da sociedade como um todo. No que diz respeito à temática do trabalho, as outras duas divisões da sociologia promovem resultados específicos. A Sociologia Sistemática tem como objetivo a explicação dos fenômenos sociais através das conexões entre condições, fatores e efeitos em que se manifestam. Essas conexões são estabelecidas segundo a metodologia weberiana buscando conjugar as condições 12 e os motivos das ações sociais para a análise de seu sentido (FERNANDES, 1972). Desse modo, Florestan Fernandes busca na Sociologia Sistemática as contribuições acerca das atitudes e motivações que relacionadas com condições específicas compõem os “diferentes estados da moderna sociedade de classes”. Desse ponto de vista metodológico, o quadro de emergência da sociedade classes pressupõe as manifestações de uma revolução cultural que se configuram em três dimensões: a política, explicitada na capacidade de racionalização da administração e no desvendamento dos interesses em jogo na esfera social; a científica, com possibilidade de aplicação do conhecimento científico na análise dos problemas sociais; e a social, caracterizada pelo desenvolvimento de técnicas de controle social. A importância da Sociologia Sistemática está fundamentada, portanto na análise sincrônica dos fenômenos sociais que operam nesse sentido, considerando sua importância manutenção ou alteração da estrutura social. A análise sincrônica revela qual é a natureza, a variedade e as funções dos mecanismos de consciência social e das técnicas de controle na sociedade de classes. Cabe à análise diacrônica evidenciar quais são as influências dinâmicas mais profundas e persistentes dos referidos elementos na preservação e na alteração do padrão de equilíbrio dessa sociedade. (FERNANDES, 1979, p.332, não grifado no original) Por isso, Florestan Fernandes destaca que o fator explicativo na Sociologia Diferencial consiste, justamente, na dimensão particular, histórica, em que ocorrem os processos sociais nas sociedades consideradas. Em se tratando precisamente das atitudes e motivações relacionadas ao desenvolvimento social, para o autor, ela permite apreender o desenvolvimento da sociedade de classes através do “padrão de equilíbrio social instável” que lhe é inerente, correspondendo, assim, à utilização da teoria do conflito de Marx na análise do processo de desenvolvimento. Como resultado pode-se analisar a forma pela qual as atitudes e motivações favoráveis ou desfavoráveis ao processo variam de acordo com o contexto histórico-social em que se desenvolvem e operam, definindo o seu sentido histórico. 13 Dessas interpretações desenvolvimento literalmente, a decorre, social como forma claramente, “categoria histórica pela um conceito histórica”. qual os Ele de traduz, homens lutam, socialmente, pelo destino do mundo em que vivem, com os ideais correspondentes de organização da vida humana e de domínio ativo crescente sobre os fatores de desequilíbrio da sociedade de classes. Daí resulta o sentido objetivo peculiar desse processo, que se apresenta, de modo variável mas universal, como um valor social, tanto no comportamento dos indivíduos, quanto nos movimentos sociais. (FERNANDES, 1979, p.337-338, grifos do próprio autor) Ocorre que, para Florestan Fernandes, as possibilidades construtivas do conflito, do desenvolvimento social, numa sociedade cujas tendências de controle social não são orientadas, ou estão concentradas nas mãos das classes privilegiadas, são limitadas por sua própria natureza, o que define, do ponto de vista histórico, a forma como se manifestam e são tratados os movimentos sociais no Brasil. Nesse sentido, as “atitudes e motivações favoráveis ao desenvolvimento” seriam aquelas capazes de garantir o funcionamento da sociedade de classes dentro de seu “padrão de equilíbrio instável”, no qual são potencializadas as possibilidades de desenvolvimento social nos moldes do planejamento democrático. Em contrapartida, as “atitudes e motivações desfavoráveis ao desenvolvimento” consistiriam nas forças sociais que operam em sentido oposto. É por esse caminho que Florestan Fernandes chega na segunda metade da década de 50, procurando destacar a questão da especificidade histórica. Essa dimensão direciona a interpretação do autor para a explicação do caráter das tendências de desenvolvimento na sociedade brasileira expresso no grau da função desempenhada pelas atitudes e motivações “desfavoráveis” ao desenvolvimento. Por outro lado, estando ainda fortemente influenciadas pela perspectiva estrutural-funcionalista que compõe o projeto seu de Planejamento Democrático, a perspectiva histórica permite o reconhecimento dos descompassos moral e material na sociedade brasileira enquanto manifestações características do estabelecimento da sociedade de classes no Brasil. Assim, ela fundamenta a crítica ao Estado e às classes dominantes dentro 14 dos limites de sua função na ampliação das tendências democráticas da ordem social capitalista. Isso revela, de certa maneira, a forma com que Florestan Fernandes absorve as teses da esquerda brasileira, no período. De um lado, pode-se associar aquele projeto com ao projeto de aliança de classes e de desenvolvimento do capitalismo nacional promovidas pelo Partido Comunista. De outro, pode-se perceber a presença de temas característicos do discurso marxista tais como, ideologia, classes sociais, revolução, mas esses são inseridos, em última instância, na argumentação sobre os requisitos estruturais e funcionais da ordem social capitalista. Como conseqüência, são tomados enquanto tendências e obstáculos a um processo de desenvolvimento latente que depende apenas de medidas operacionais de consecução. Por outro lado, vale dizer que os contornos do projeto político defendido por Florestan Fernandes envolvem uma dimensão democrática que se abstêm de alguns projetos de caráter eminentemente econômico, o que possibilita a interpretação do sentido emancipatório que está por traz do mesmo. Por isso, identificando a forma de abordagem da problemática do desenvolvimento, pode-se compreender a fundamentação teórica do Planejamento Democrático como um projeto de desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, como enfrentamento da “questão nacional” que compõe o discurso político do momento (FRANCO, 1985; PÉCAUT, 1990). Evidentemente, dar conta do caráter desse projeto demandaria abarcar os diversos projetos em disputa no cenário político extrapolando os limites deste trabalho, mas vale dimensionar o teor político que permeia um texto de Florestan Fernandes elaborado e legitimado segundo os critérios do pensamento científico. Não é à toa que se trata de um momento de defesa da intervenção do intelectual na organização da sociedade e de produção de trabalhos que procuram delimitar os contornos dessa intervenção. Identificar a presença dessas questões na obra de Florestan Fernandes é um passo na análise do alcance e dos limites de sua dimensão política. BIBLIOGRAFIA ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. (2001) Metrópole e Cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru, SP, EDUSC. 15 BRANDÃO, Gildo Marçal. (1997) A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista – 1920/1964. São Paulo, Hucitec. FERNANDES, Florestan. (1960) Ensaios de sociologia geral e aplicada. São Paulo, Pioneira. _________. (1972 a) Fundamentos empíricos da explicação sociológica. (2a. edição), Rio de Janeiro, Zahar. _________. (1976) A sociologia numa era de revolução social. (2a edição), Rio de Janeiro, Zahar. _________. (1979) Mudanças sociais no Brasil. (3a. edição), São Paulo, DIFEL. FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. 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