Mayra Oliveira Cavalcante Rocha

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
O DIREITO NA SOCIEDADE GOLBALIZADA E A
CONSTITUIÇÃO DE NOVOS PADRÕES NORMATIVOS: AS
NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS
Autor: Mayra Oliveira Cavalcante Rocha
Orientador: Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida
Brasília - DF
2014
MAYRA OLIVEIRA CAVALCANTE ROCHA
O DIREITO NA SOCIEDADE GOLBALIZADA E A CONSTITUIÇÃO DE NOVOS
PADRÕES NORMATIVOS: AS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Universidade Católica de
Brasília como requisito parcial para a
obtenção de título de Mestre no Programa de
Mestrado em Direito Internacional Econômico
Orientador: Prof. Dr. Wilson de Jesus
Beserra de Almeida
Brasília
2014
R672d
Rocha, Mayra Oliveira Cavalcante.
O direito na sociedade globalizada e a constituição de novos padrões
normativos: as negociações coletivas transnacionais. I Mayra Oliveira
Cavalcante Rocha- 2014.
82 f.; il.: 30 em
Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Brasília, 2014.
Orientação: Pro f. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida
1. Direito. 2. Globalização. 3. Estado. 4. Normas privadas. 5. Acordos
globais. L Almeida, Wilson de Jesus Beserra de, orient. IL Título.
CDU340
Aos meus filhos, Luna e Dante, pelo amor
incondicional, e por fazerem de mim uma
pessoa melhor, mais alegre e mais feliz.
AGRADECIMENTO
Meus agradecimentos se dirigem aos meus pais, Valdeci e Rosângela, pelo
apoio constante, e confiança inabalável, fundamentais para minha evolução pessoal e
profissional.
Ao meu esposo, Delano, pela compreensão, incentivo e admiração, sem os quais
tudo seria mais difícil e menos prazeroso, e pelo amor e companhia que tornam meus
dias mais felizes.
Ao Denis, meu irmão e meu amigo, que esteve comigo durante toda a
elaboração deste trabalho, com quem dividi os receios e conquistas dessa jornada.
Aos colegas de trabalho do escritório Valdeci Cavalcante Advocacia e
Assessoria, que com o trabalho e dedicação às nossas causas e clientes, permitiram
minhas ausências quando necessárias para o desenvolvimento desta dissertação.
Ao Prof. Dr. Antônio Moura Borges, a quem devo o convite para acesso ao
programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de
Brasília, e com quem tive o prazer de desfrutar da enriquecedora convivência
acadêmica e familiar.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida, pelas lições,
orientações e confiança, essenciais para a elaboração e conclusão desta pesquisa.
A minha querida tia Cibele, que tão bem me acolheu nos exaustivos dias de aula
em Brasília, com disponibilidade e carinho pelos quais sempre serei grata.
Aos mestres, e amigos, da Universidade Católica de Brasília, pelos
ensinamentos transmitidos e pelo agradável convívio durante todo o programa de
mestrado.
A Deus, por todas as bênçãos que me são concedidas, e por permitir esta
conquista ao lado destas pessoas especiais
“Não se pode manter a paz pela força, mas
sim pela concórdia”
Albert Einstein
RESUMO
ROCHA, MAYA OLIVEIRA CAVALCANTE. O direito na sociedade globalizada e a
constituição de novos padrões normativos: As negociações coletivas transnacionais.
2014. 92 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.
A globalização, com a respectiva transnacionalização das relações econômicas e
sociais, gerou um forte impacto no sistema jurídico internacional, provocando uma crise
no Direito Positivo que levou o Estado a redefinir seu papel na regulação da sociedade
globalizada. Diante desta realidade, verificada a incapacidade do Estado de disciplinar
as relações sociais de forma exclusiva, constatou-se a emergência de regimes
regulatórios privados e de uma diversidade de fontes de direito, que caracterizam o
atual pluralismo jurídico. Como relevante norma privada de regulação social, de âmbito
global, constitui objeto desta pesquisa a negociação coletiva transnacional, com
destaque para seu conceito, fundamentos, marcos jurídicos, e principais dificuldades
para sua aplicação e efetividade. Com a mesma ênfase são discutidos os acordos
globais, instrumentos concretos da negociação coletiva transnacional, celebrados no
âmbito das corporações transnacionais, por força da sua atual relevância na promoção
dos direitos sociais no campo internacional.
Palavras-chave: Globalização.Estado. Normas privadas. Acordos globais.
ABSTRACT
Economic and social relations concerning transnacional movements within the greater
globalization sphere, generated strong impact on positive law in the international legal
system and thus triggered a crisis surrounding law in a globalized society;leading the
State to redine its role within it.. The afore mentioned, and the demonstrated State‟s
proven inability to discipline, solely, social relations, allowed the emergence of private
regulatory regimes and a diversity of law sources that describe the current legal
pluralism. As a relevant standard private rule of social regulation in a global scope, the
object of this study is transnational collective bargaining, highlighting the definition,
reasoning, legal frameworks, and main difficulties for implementation and effectiveness.
With the same emphasis, global agreements and concrete instruments of transnational
collective bargaining are discussed and contextualized in the structure of transnational
corporations and in accordance with its current significance in the promotion of social
rights in the international area.
Keywords: Globalization.State.Private Standard Rules.Global Agreements.
LISTA DE SIGLAS
AMI
Acordos Marco Internacionais
CCSCS
Coordenadoria das Centrais Sindicais do Cone Sul
CEEP
Centro Europeu de Empresas Públicas
CES
Confederação Europeia de Sindicatos
CIOSL
Confederação Internacional de Organizações Sindicais
ECSA
Associação dos Proprietários de Embarcação da Comunidade Europeia
EMN
Empresas Multinacionais
ETN
Empresas Transnaionais
FMI
Fundo Monetário Internacional
FSI
Federações Sindicais Internacionais
IUF
International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering,
Tobacco and Allied Workers' Association
OIT
Organização Internacional do Trabalho
OMC
Organização Mundial do Comércio
ONG
Organização não Governamental
ONU
Organização das Nações Unidas
RSC
Responsabilidade Social Corporativa
UITA
União Internacional dos Trabalhadores
UNICE
União das Confederações das Indústria dos Empregados da Europa
ZPE
Zona de Processamento de Exportação
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1
2. A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO ..................................................................................................................... 5
2.1 A GLOBALIZAÇÃO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO ........................ 5
2.2 O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL. 13
2.3 A EMERGÊNCIA DOS REGIMES REGULATÓRIOS PRIVADOS ........................ 17
2.4 O PLURALISMO JURÍDICO ................................................................................. 21
2.5 REFLEXOS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO ............................................................................ 25
3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL ......................................................... 31
3.1. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA .................................................................... 33
3.2 BREVE ESCORÇO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ............................................. 36
3.3. MARCOS NORMATIVOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA .................................. 39
3.4. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL: NORMAS PRIVADAS PARA
EFETIVIDADE DA JUSTIÇA SOCIAL NO PLANO INTERNACIONAL ....................... 43
3.5. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL NA UNIÃO EUROPEIA ............. 48
3.6. NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS NO MERCOSUL ................. 50
4. ACORDOS GLOBAIS: INSTRUMENTOS CONCRETOS DE NEGOCIAÇÃO
COLETIVA TRANSNACIONAL ..................................................................................... 54
4.1 ACEPÇÃO E ASPECTOS GERAIS DOS ACORDOS GLOBAIS .......................... 55
4.2 EVOLUÇÃO QUANTITATIVA E ANÁLISE QUALITATIVA ................................... 62
4.3. DIMENSÃO LEGAL E AVALIAÇÃO DO IMPACTO DOS ACORDOS GLOBAIS . 68
5. CONCLUSÃO ............................................................................................................ 75
6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 78
1
1. INTRODUÇÃO
A globalização, embora não seja um fenômeno novo, alcançou uma grande
dimensão desde o final do século XX, transformando o conceito de fronteiras e as
relações sociais. Integrou o mercado e a economia em nível supranacional, difundiu
conhecimento, tecnologia, comportamentos, projetos e ideias, e gerou um forte impacto
nas instituições já consolidadas na sociedade.
Na economia globalizada, o processo de produção deixa de ser em massa,
tornando-se um processo unificado, organizado em escala planetária com o objetivo de
aproveitar as vantagens comparativas de cada mercado local, regional ou nacional.
Essa mudança, associada a uma subsequente ampliação das redes empresariais,
comerciais e financeiras em escala mundial, que começam a atuar com certa
independência dos controles políticos e jurídicos nacionais, deflagraram uma integração
sistêmica da economia em nível supranacional (FARIA, 2004: 52).
Este contínuo e acelerado processo de transformações tem resultado na perda
de centralidade e de exclusividade das instituições políticas e jurídicas estatais no
controle social. Os mecanismos públicos do Estado nacional já não são suficientes para
resolver conflitos de natureza transnacional, envolvendo sujeitos submetidos a
diferentes jurisdições. O Estado passa a ter sua soberania e autonomia decisória
limitadas, e os atores estatais são obrigados a partilhar o cenário e o poder global com
corporações transnacionais e organismos internacionais, que buscam alternativas à
gestão econômica e social supranacional, além de movimentos políticos e sociais
transnacionais (BECK, 1999, p. 71).
Nesse contexto, o Direito, que no Estado moderno é reduzido à lei imposta pelos
atores estatais, e, assim, aceita como superior a todas as demais fontes de
normatividade, passa a ter seus conceitos, códigos e fundamentos questionados, em
razão da falta de operacionalidade e funcionalidade diante dos desafios surgidos com a
transnacionalização e desregulação dos mercados, com a privatização de empresas
públicas, com o surgimento de novas estruturas de poder e novos padrões normativos,
e com as mudanças na divisão social do trabalho decorrentes da globalização.
2
Nas relações de trabalho ocorreram profundas mudanças, como bem retrata o
exemplo dos contratos de trabalho firmados por uma mesma corporação transnacional
em diferentes lugares do mundo, com sistemas jurídicos diversos. Esta nova conjuntura
trabalhista gera reflexos no ordenamento jurídico, na atuação sindical e na
responsabilidade social corporativa, principalmente após o surgimento das corporações
transnacionais, e a conseqüente transnacionalização das relações de trabalho. Estas
transformações lançaram novos desafios ao Direito Internacional do Trabalho, tais quais
a necessidade de internacionalização de normas do trabalho e a construção de uma
governança social global das relações trabalhistas, considerando os novos atores
sociais e as novas fontes de direito surgidas com o fenômeno da globalização
(CRIVELLI, 2010, p. 9).
Com o seu poder de intervenção reduzido, uma vez que não possui capacidade
para regular situações que vão além das fronteiras nacionais, e as consequentes
limitações políticas e jurídicas para disciplinar uma sociedade globalizada, o Estado foi
constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa normativa com diferentes
atores, públicos e privados, cujas atuações transcendem o nível nacional, como os
organismos internacionais, os blocos regionais, e as corporações transnacionais.
Na seara do Direito Internacional do Trabalho, os instrumentos privados
elaborados pelas corporações transnacionais, de forma unilateral ou com a participação
de outros atores sociais, em uma espécie de autorregulação de suas atividades, têm
merecido grande destaque, pela sua crescente utilização e aplicabilidade. Dentre estas
normas privadas de regulação das relações de trabalho, os acordos globais decorrentes
de negociações coletivas transnacionais têm se mostrado um importante instrumento no
âmbito da regulamentação trabalhista.
A negociação coletiva transnacional pode ser compreendida como uma espécie
de regulação privada das relações de trabalho, decorrente da colaboração entre
organizações de empregadores e de trabalhadores, que firmam regras a serem
observadas no âmbito da empresa, ou de determinada categoria de trabalhadores,
baseadas fundamentalmente nas normas das Convenções e Recomendações da
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
3
Como instrumentos concretos da negociação coletiva transnacional, são
celebrados os acordos globais, também chamados de acordos marco internacionais, de
acordos quadros internacionais, ou, ainda, contratos coletivos globais, que, segundo
definição da OIT, são instrumentos de negociação entre uma empresa transnacional e
uma Federação de Sindicatos Internacionais, a fim de estabelecer uma relação
contínua entre as partes e garantir que a empresa respeite os mesmos padrões sociais
em todos os países onde atua (OIT, 2007).
Diante da ausência de um regime legal trabalhista internacional, a negociação
coletiva transnacional pode ser considerada um relevante instrumento de regulação e
de pacificação social nos ambientes de trabalho.
Entretanto, a utilização cada vez mais frequente e abrangente dessa norma
privada trabalhista de caráter transnacional, tem suscitado questionamentos acerca de
sua legitimidade e efetividade. Questiona-se ainda se essas normas asseguram, de
fato, os direitos fundamentais dos trabalhadores, e se reforçam as políticas públicas
nacionais, as enfraquece, ou, ainda, se podem ser conciliadas com as normas estatais.
Neste irreversível processo de transnacionalização e desregulação dos
mercados, e diante da crescente utilização de regulações privadas para disciplinar as
relações de trabalho, mostra-se de grande relevância a análise da negociação coletiva
transnacional e sua efetividade.
Neste cenário, também se revela de extrema importância, a discussão acerca da
crise paradigmática do Direito, e, especificamente, do Direito Internacional do Trabalho,
fazendo-se mister também o estudo sobre a redefinição do papel regulador do Estado
na sociedade globalizada, e, por conseguinte, no sistema jurídico internacional.
Com esses propósitos, será feita, inicialmente, uma pesquisa acerca do impacto
da globalização no sistema jurídico internacional, abordando a redefinição do papel do
Estado na regulação social e a crise do Direito do Trabalho, decorrente, principalmente,
da transnacionalização da produção e dos mercados, assim como das relações de
trabalho, que pode ser apontada como a principal causa da crise do Direito
Internacional do Trabalho. Nesse capítulo inicial, além de serem discutidas as causas e
principais consequências da crise do Direito, e, de forma específica, do Direito
Internacional do Trabalho, analisar-se-á também a emergência dos regimes regulatórios
4
privados e, ainda, o pluralismo jurídico, caracterizado pela diversidade de fontes de
direito, diante da incapacidade do Estado de regular e disciplinar a sociedade em todos
os seus variados aspectos e setores de forma exclusiva.
Em seguida será analisada a negociação coletiva transnacional, a partir do
conceito e principais fundamentos da negociação coletiva, até seu estudo no âmbito
internacional, analisando o marco jurídico do instituto, assim como as principais
dificuldades para sua aplicação e efetividade. Nesse capítulo também será feita uma
breve análise do alcance das normas trabalhistas coletivamente negociadas nos blocos
regionais Mercosul e União Europeia.
O capítulo final destina-se ao estudo dos acordos globais, instrumentos
concretos das negociações coletivas transnacionais, onde se pretende discorrer sobre o
surgimento e desenvolvimento da negociação coletiva internacional dentro das
corporações transnacionais, que deram origem aos mencionados acordos. Serão
discutidos os temas abordados nesses acordos e seus parâmetros legais, a sua
importância para empresas e trabalhadores, e, ao final, far-se-á uma análise
quantitativa e qualitativa desses instrumentos de negociação e uma breve avaliação do
seu impacto nas relações laborais transnacionais.
5
2. A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE
TRABALHO
2.1 A GLOBALIZAÇÃO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO
A história jurídica moderna foi moldada pela política, e caracteriza-se,
primordialmente, pela estatalidade do direito. A classe burguesa, tendo conquistado o
poder no século XIX, concentrou o monopólio da lei nas mãos do Estado, fazendo dele
o legítimo e único criador das normas jurídicas. A lei pública, sujeita à manifestação da
vontade suprema do Estado, tornou-se superior às demais fontes de normatividade,
constituindo-se em manifestação da autoridade e da soberania estatal. Dessa forma, a
ordem jurídica moldada exclusivamente pelo Estado foi, aos poucos, dissociando-se
dos fatos sociais e econômicos que se mantiveram em contínua transformação
(GROSSI, 2009, p. 158).
Ainda no início do século XX começou a aflorar a insatisfação de diferentes
grupos sociais (como sindicatos e grupos industriais)com o aparelho estatal e suas
limitações. A soberania interna do Estado passou a ser questionada, discutindo-se, a
partir de então, uma crise do Estado. Mais recentemente, com a criação de poderes
públicos internacionais que, ainda que instituídos pelos Estados, passaram a lhes impor
limitações – como os decorrentes da constituição da União Europeia – mais uma vez
passou-se a discutir a questão. (Cassese, 2010, p. 13-14)
Atualmente continua-se a debater a crise estatal, mas sob um novo prisma, o da
inadequação dos serviços estatais em relação às expectativas dos cidadãos e da
sociedade. A atual situação tem ensejado um número cada vez maior de privatizações
e concessões de atividades estatais a sujeitos privados, reduzindo, assim, o papel do
Estado. (Cassese, 2010, p. 13-14)
Partindo da análise desses fatos, Sabino Cassese define a crise do Estado como
uma “perda de unidade do maior poder público no contexto interno e perda de
soberania em relação ao exterior” (Cassese, 2010, p. 14). Internamente tem se
percebido que os grupos civis, muitos de natureza privada, têm conquistado importante
espaço na regulação das atividades que desenvolvem, atendendo de forma mais
6
adequada e eficiente aos anseios das categorias representadas. No âmbito externo, as
contínuas transformações ocorridas na sociedade levaram à expansão de transações
sociais e econômicas, que ultrapassaram as fronteiras nacionais, surgindo, a partir de
então, a necessidade de ordenamentos públicos globais, que se mostrassem capazes
de disciplinar as novas relações transfronteiriças.
Assim, os Estados passam a ter que lidar com uma nova realidade, remodelada
a partir do momento que suas relações econômicas e sociais começam a transcender
suas fronteiras físicas e suas imposições internas, tendo que conviver com novos
sujeitos reguladores, que surgiram durante o processo de globalização. Tais fatos vêm
afetando profundamente o papel do Estado, especialmente na sua função regulatória.
Para uma melhor compreensão desse processo de globalização, destaca-se a
definição do fenômeno por José Eduardo Faria:
Integração sistêmica da economia em nível supranacional, deflagrada pela
crescente diferenciação estrutural e funcional dos sistemas produtivos e pela
subsequente ampliação das redes empresariais, comerciais e financeiras em
escala (FARIA, 2004: 52).
Trata-se de um processo de integração econômica, comercial e financeira com
alcance supranacional, que ultrapassa os limites de atuação do Estado, e que conta
com a participação de corpos e movimentos públicos e privados, no qual o poder estatal
de controle e gestão é reduzido e compartilhado com os novos atores privados que
ganharam maior espaço e relevância na economia globalizada.
Sabino Cassese traz a mesma ideia, em termos mais específicos:
A globalização consiste em desenvolvimento de redes de produção
internacionais, dispersão de unidades produtivas em diferentes países,
fragmentação e flexibilidade do processo de produção, interpenetração de
mercados, instantaneidade dos fluxos financeiros e informativos, modificação
dos tipos de riqueza e trabalho e padronização universal dos meios de
negociação (CASSESE, 2010: 25).
Diante
desta
nova
realidade,
caracterizada
principalmente
pela
desterritorialização das atividades econômicas, o Estado passou por um processo de
redefinição da sua soberania e do seu papel.
7
A soberania, um dos pilares da moderna concepção do Estado-Nação, sofreu
mudanças no seu conceito desde o século XV até o momento atual. No final do século
XV, quando surgiu o atual conceito de Estado, mesma época em que ocorria a luta pela
autonomia política do Estado moderno contra a ingerência da igreja nos assuntos de
interesse público, a soberania se caracterizava pela unicidade e exclusividade do poder
estatal na política, sem submissão a nenhum outro poder (Miranda, 2004: 87).
Ainda nesse período, Jean Bodin e Thomas Hobbes, os primeiros autores a
estudarem os contornos da soberania, enfatizaram no seu conceito o monopólio do
poder legislativo do Estado: poder de criar e revogar as leis; e o monopólio do uso da
força ou coerção física: poder de impor comportamentos específicos aos membros da
sociedade; na tentativa de conceber novos mecanismos para criar e manter a coesão
política e social. (Miranda, 2004: 87).
Nesse mesmo sentido foi firmado o conceito de Hermann Heller, segundo o qual:
A soberania consiste na capacidade, tanto jurídica, quanto real, de decidir de
maneira definitiva e eficaz todo conflito que altere a unidade da cooperação
social territorial, inclusive contra o direito positivo, se necessário, além da
capacidade de impor a decisão a todos, não só aos membros do Estado, mas,
em princípio, a todos os habitantes do território. (HELLER, 1995 apud
MIRANDA, 2004, p. 87).
O conceito de Hobbes, de uma soberania absoluta, sem limitações, foi
profundamente transformado durante os séculos seguintes, especialmente no século
XVIII, quando Rousseau definiu soberania como a “expressão da vontade geral do
povo, e não mais como atributo exclusivo do Estado ou do soberano” (Rousseau, 1953
apud Miranda, 2004: 88), e quando, também, eram discutidas as propostas de
constituição de um balanço no Poder Republicano - até então único e exclusivo - em
torno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Tendo prevalecido esta
perspectiva, o Poder Legislativo tornou-se o mais importantes dos poderes políticos, por
expressar a vontade geral do povo por meio da eleição de seus representantes no
Parlamento, consolidando um novo conceito de soberania, com grande alcance na
ordem interna (Miranda, 2004: 88).
A partir dessa perspectiva, Jurgen Habermas analisou a questão da soberania
dos Estados-Nação, destacando três processos que, no seu entendimento, poderiam
8
comprometer a capacidade de ação soberana do Estado. O primeiro seria a perda de
capacidade de controle estatal, que, nas palavras do autor, significa:
“que o Estado isolado não é mais suficientemente capaz, com suas próprias
forças, de defender seus cidadãos contra efeitos externos de decisões de
outros atores ou contra os efeitos em cadeia de tais processos, que têm origem
fora de suas fronteiras” (HABERMAS, 1999).
Os outros dois processos apontados pelo autor como possível ameaça à
soberania do Estado são “os crescentes déficits de legitimação no processo decisório”,
uma vez que, com a interdependência e alianças interestatais, não mais há
coincidência entre o círculo daqueles que tomam parte na decisão democrática com o
círculo daqueles que são afetados por essas decisões; e, ainda, “a progressiva
incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações de comando e de
organização”, decorrente da restrição da capacidade interventiva do Estado,
principalmente por força da desnecessidade da presença nacional do capital, que está
sempre em busca de possibilidades de investimento e ganhos especulativos, e pode
utilizar suas opções de retirada como uma ameaça ao Estado que priorize padrões
sociais que possam onerar a manutenção dos recursos no território nacional, de forma
que, nos termos utilizados pelo filósofo, “os governos nacionais perdem, assim, a
capacidade de esgotar os recursos tributários da economia interna, de estimular o
crescimento e, com isso, de assegurar bases fundamentais de sua legitimação”
(HABERMAS, 1999).
Os reflexos destes processos afetaram significativamente a relação entre
economia e Estado, principalmente nos últimos vinte e cinco anos. O Estado, que antes
detinha o controle da economia (cunhando moedas, controlando as importações, etc.)
passa a submeter-se às imposições econômicas, às regras do mercado, adaptando-se
à economia-mundo1, onde uma mesma empresa multinacional possui sede,
estabelecimentos produtivos e clientes em diferentes nações. Se antes o Estado guiava
a economia, agora ele deve adaptar-se a ela, corrigindo as tendências do mercado,
1
Caracterizada pela produção em escala planetária, fragmentada e geograficamente dispersa, na qual
são aproveitadas as vantagens comparativas de cada mercado (FARIA, 1999, p.86-87).
9
exercendo apenas um poder relativo em relação à economia. (CASSESE, 2010, p. 4547)
A velocidade com que ocorre a integração dos mercados na chamada economiamundo também reduziu a capacidade de coordenação macroeconômica dos Estadosnação. Com a maior interconexão das estruturas empresariais e dos sistemas
financeiros, e a formação dos grandes blocos comerciais regionais, que se converte em
efetivos centros de poder, o sistema político perde sua exclusividade na organização da
sociedade, e passa a absorver as limitações impostas pelos agentes econômicos, e a
conviver com uma ordem cada vez mais auto-organizada e autorregulada (FARIA,
2004: 35).
Forjaz analisa o declínio do Estado nacional, enumerando as instituições
transnacionais (ou supranacionais) e infranacionais (ou subnacionais) que passaram a
competir com o Estado, enfraquecendo-o em suas funções públicas primordiais de
regulação social.
Primeiramente são citadas as instituições externas, que atuam em âmbito mais
amplo que o do Estado nacional, e passam a exercer funções governamentais e
produzir normas que se impõem aos Estados, passando a constituir uma nova
soberania externa, um poder novo que constrange, e limita, o poder do Estado. Trata-se
das organizações multilaterais, tais quais a Organização das Nações Unidas (ONU),
Organização Mundial do Comércio (OMC), e Fundo Monetário Internacional (FMI); dos
blocos regionais, entidades supranacionais que destacam grupos de nações que
estabelecem normas próprias; das empresas transnacionais, que transcendem as
fronteiras dos Estados nacionais e operam em busca de mercados atraentes, não
condicionados por razões de Estado; e do fluxo contínuo do capital financeiro e da rede
global das comunicações, que não observam as fronteiras nacionais, não tendo o
Estado condições de controla-los. (FORJAZ, 2000: 42)
Entidades subnacionais e forças centrífugas também corroem a autoridade do
Estado internamente, como o tribalismo e o fortalecimento dos níveis de poder
infranacional como municípios ou províncias, cada vez mais autônomos. O tribalismo
caracteriza-se pelo surgimento de novos grupos sociais definidos por etnia, religião,
gênero, cultura e até mesmo idioma, cuja identidade tem uma abrangência menor que o
10
Estado nacional, pressionando-o para conseguir maior autonomia. Esses movimentos
fazem com que o Estado nacional perca relevância e nitidez como definidor de
identidade social, cultural e política. Concomitantemente, o Estado vem sofrendo
processos de descentralização política decorrentes do fortalecimento dos níveis
subnacionais de poder dos municípios, cujas políticas públicas afetam diretamente a
vida dos cidadãos, de forma mais evidente e significativa que as políticas de âmbito
nacional. (FORJAZ, 2000: 45)
Verifica-se ainda a criação de novos grupos a partir da rede de contatos e
organização dos indivíduos com interesses comuns na seara econômica, política, social
ou profissional (com ou sem interferência do Estado) que começam a buscar soluções
mais eficientes para atender a seus interesses, agindo como novos núcleos de
regulação. O mesmo acontece com grupos de países com identidade de interesses que
se organizam para atender às suas demandas de forma conjunta. As regras estatais
passam a concorrer com disciplinas bilaterais, multilaterais e supranacionais,
decorrentes de contratos, convenções e integrações regionais.
Percebe-se, portanto, que o Estado não mais determina, de forma isolada, os
rumos da economia. Na economia globalizada, vários outros corpos públicos
autônomos passam a afetar conjuntamente as decisões econômicas, como os
organismos internacionais, os blocos regionais e as instituições supranacionais e
infranacionais. Até mesmo outros países passam a ter influência sobre a economia
interna dos demais países. Há um enfraquecimento do papel dirigista do Estado e uma
fragmentação interna do controle público da economia privada, que produz um
desequilíbrio entre o Estado e a economia (CASSESE, 2010: 50-52).
Nesse novo contexto sócio-econômico, embora o Estado continue a exercer sua
autoridade nos limites do seu território, percebe-se materialmente limitado em sua
autonomia decisória, não conseguindo mais estabelecer e realizar seus objetivos por
sua exclusiva vontade (FARIA, 2004, p. 23).
Ao tornar-se vulnerável à disciplina estabelecida por decisões econômicas
realizadas em outros lugares, por pessoas, grupos empresariais e instituições sobre as
quais não exerce poder de controle, o Estado-Nação reformou e redimensionou suas
estruturas
administrativas,
políticas
e
jurídicas
por
meio
de
processos
de
11
deslegalização2 e privatização. Esses foram formulados e justificados em nome da
governabilidade e da inserção da economia nacional na economia transnacionalizada,
dentre outros motivos de mesma natureza. Com esse redimensionamento, as estruturas
administrativas, políticas e jurídicas do Estado-Nação passam a exercer novas funções.
Deixam de atuar como centros privilegiados de direção, deliberação e imposição de
comportamentos obrigatórios, passando a atuar como mecanismos de coordenação, de
adequação de interesses e de ajustes pragmáticos. (FARIA, 2004: 37)
E não só na economia se verifica o arrefecimento da autoridade do Estado e
impacto na sua soberania. A tecnologia, imprensa e telecomunicações, que já foram
instrumentos do Estado, atualmente transcendem a seus controles e lhes impõe
limitações. Os indivíduos podem comunicar-se por meio das redes eletrônicas, relações
diretas entre si, instituição de redes, associações e grupos internacionais, sem a
interferência dos poderes públicos, como bem demonstram as organizações não
governamentais de âmbito internacional.
As organizações não governamentais atualmente exercem papel efetivo na
produção de norma legal. Muitas delas têm status de órgão consultivo oficial. Muitas
são formalmente convidadas a assistirem sessões plenárias de várias assembleias,
para troca de informações, e até mesmo para colaborar na elaboração de relatórios de
certas comissões e comitês governamentais de especialistas (ARNAUD, 1997: 33-34).
Como exemplo pode ser destacada a organização não governamental Transparência
Internacional, que desenvolve ferramentas para combater a corrupção e trabalha com
outras organizações, empresas e governos para implantá-las3.
Outras associações, locais e internacionais, também estão surgindo, com a
intenção de intervir na produção normativa para atingir seus objetivos específicos. É o
caso dos sindicatos laborais internacionais, que buscam a melhoria das condições de
trabalho de determinada categoria profissional na esfera regional ou no âmbito de uma
empresa multinacional por meio de negociações coletivas transnacionais, objeto do
presente estudo, ou participando da elaboração de códigos de conduta de âmbito
internacional.
2
Fenômeno que tira determinadas matérias do controle regulatório legislativo (por meio de leis) e as
entrega ao controle regulamentar do poder executivo (por meio de decreto ou portaria).
3
http://www.transparency.org/
12
Sob o prisma Arnaud, mais que uma questão de fragilidade da soberania estatal,
verifica-se uma erosão da autoridade dos governos, devido, entre outras coisas, à
porosidade das fronteiras, à dificuldade de controlar os fluxos transfronteiriços
monetários, de bens e informações, e aos avanços tecnológicos. Os governos
passaram a sofrer pressão tanto externa, resultado do processo de globalização, como
interna, por força dos movimentos sociais localmente enraizados (ARNAUD, 1997: 1314).
Ainda assim, Arnaud aponta um paradoxo entre o processo de globalização e a
redução do papel do Estado. O jurista ressalta que o Estado ainda é a ferramenta mais
eficaz para garantir a melhor regulamentação possível no atual contexto social e
econômico resultante da globalização, principalmente por meio da adoção e execução
de políticas públicas que, por exemplo, podem melhorar o funcionamento do mercado e
proteger as classes sociais mais vulneráveis (ARNAUD, 1997: 26).
Para uma melhor visualização desse paradoxo, o autor destaca que, embora a
globalização permita que os sindicatos possam negociar coletivamente, e diretamente,
com as empresas os salários e condições de trabalho da categoria, é o Estado que
limita as prerrogativas e afirma os direitos de cada um, bem como estabelece normas
de higiene e segurança cuja aplicação os sindicatos vão controlar. Desta forma, o
Estado garante a participação da sociedade civil, de forma equânime, na produção de
normas reguladoras, embora se revele, em princípio, enfraquecido pelo surgimento de
vários centros de controle de decisão de regulação. (ARNAUD, 1997: 26)
Deste modo, a primeira alternativa continua sendo a busca pela proteção do
Estado. Uma vez que esse não mais se mostra capaz de prover todas as demandas da
sociedade, buscam-se novas soluções, que não dependam da atuação estatal. Nesse
contexto, percebe-se a emergência de movimentos civis, que surgem como novos
sujeitos na tomada de decisões políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais
com os quais já não se pode deixar de contar (ARNAUD, 1997: 32).
13
2.2 O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL
Para os juristas, globalização significa a ruptura do monopólio e do rígido
controle estatal do direito (Grossi, 2009: 160). O direito deixa de advir tão somente do
Estado, e passa a contar com uma pluralidade de fontes.
A globalização, na perspectiva jurídica, enfraqueceu a capacidade de
regulamentação dos governos; transformou as estruturas hierarquizadas das atividades
empresariais em organizações sob a forma de redes, baseadas em parcerias,
cooperação e relações contratuais flexíveis; e gerou novas situações sociais originais e
diferenciadas, exigindo novos padrões de responsabilidade, controle e segurança. O
fenômeno mudou também o perfil e a escala dos conflitos, tornando ineficazes as
normas e mecanismos processuais tradicionalmente utilizados pelo direito positivo para
dirimi-los. A globalização redefiniu o tamanho, o peso e o alcance das funções e papeis
do Estado, ensejando novas formas de ação política e novos modelos de legalidade.
(FARIA, 2004: 8-9)
Na atual e complexa ordem socioeconômica, continuamente transformada pela
globalização,
o
direito
positivo
tem
se
revelado
ineficaz,
surgindo
regras
espontaneamente geradas nos diferentes ramos e setores da economia para atender
às suas necessidades especificas. A crescente interdependência mundial provocou a
desterritorialização das relações sociais, o que intensifica as reivindicações por direitos
de natureza supranacional que provocam uma relativização do papel do Estado-nação,
que tem como um de seus traços característicos a territorialidade como unidade
privilegiada de interação (FARIA, 2004: 15).
Desta forma, as instituições jurídicas do Estado-nação são progressivamente
reduzidas no tocante ao número de normas e diplomas legais, tornando-se, entretanto,
mais ágeis e flexíveis em termos processuais. O Estado manteve sua produção
legislativa nas mais diversas matérias mas, diminuído em seu poder de intervenção e,
muitas vezes, constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa legislativa com
diferentes forças que transcendem o nível nacional, tem que restringir-se, em muitas
situações, ao papel de articulador e controlador da “autorregulação”, das normas
produzidas pelos próprios interessados para atender às suas demandas, ou ainda, das
normas elaboradas no seio das organizações financeiras e empresariais transnacionais,
14
no âmbito da economia-mundo, sob a forma de manuais de produção, regulamentos
disciplinares, códigos de conduta e contratos padronizados com alcance mundial
(FARIA, 2004: 141).
Surgem ainda os poderes públicos internacionais, a exemplo dos Correios, e
revela-se o poder regulador de organismos idealizados como fórum de debate,
negociação e acordos, tal qual a Organização Mundial do Comércio, que passam a
questionar o modelo estadocêntrico. (CASSESE, 2010: 65).
Os atores privados, que exercem o poder econômico, passam a ser produtores
de direito, em um processo que ocorre fora dos contornos estatais, além do Estado,
sem que haja a necessidade de desconstituição das estruturas jurídicas tradicionais,
que passam a ser consideradas conjuntamente com o auto ordenamento da sociedade.
O forte vínculo entre o direito e a vontade política que prevaleceu no Estado
moderno, mostra-se enfraquecido diante do domínio das forças econômicas, que
impõem outras fontes de produção legal. O Direito estatal já não se mostra mais
compatível com a rapidez e flexibilidade da construção da economia capitalista, já
global. (GROSSI, 2009: 160)
A estrutura social busca se auto-ordenar. O ordenamento jurídico passa a ser
uma escolha, na busca da melhor tutela, do direito menos severo ou mais conveniente.
Há uma substituição do monismo estatal, e sua organização compacta, por um
conglomerado de direitos, que se mostram, por vezes, incompatíveis, mas providos de
normas de conflito, que indicam que normas devem ser aplicadas ao caso concreto.
Nota-se um modo diferente de estabelecer as relações entre o público e o privado.
Estas relações deixam de ser bipolares e tornam-se multipolares. Uma empresa
nacional pode desenvolver parcerias com uma administração supranacional, com o
apoio, ou até mesmo em oposição, à administração nacional, conjuntamente com
outros agentes econômicos do mesmo país ou de outros países. Não há superioridade
do público sobre o privado. O Estado e o mercado, antes considerados mundos
separados e em oposição, apresentam-se como entidades que se interpenetram
(CASSESE, 2010: 143-144).
A efetividade passa a prevalecer sobre a validade. O modelo centralizado e
autoritário perde espaço para novos modelos jurídicos que, em sua informalidade e
15
flexibilidade, expressam as exigências concretas da vida cotidiana, nos diversos tempos
e lugares (GROSSI, 2009: 162). Segundo Teubner, “na via da globalização, a política
foi claramente ultrapassada pelos outros sistemas sociais” (TEUBNER, 2003: 12).
Verifica-se que a nova racionalidade jurídica, que surge com o fenômeno da
globalização
econômica,
resulta
da
constante
tensão
entre
o
processo
de
harmonização e padronização global de importantes áreas e ramos do direito positivo
nacional e a proliferação de regras elaboradas por grandes conglomerados
empresariais e financeiros transnacionais e por organismos que criam normas técnicas
para atender a exigências mínimas de segurança e qualidade dos bens e serviços em
circulação, dentre outras regulações privadas. (FARIA, 2004: 148-149)
Essa
racionalidade
jurídica
exige
do
Estado-nação
novos
papéis
de
intermediação para regular as relações sociais decorrentes das interconexões entre as
instituições financeiras internacionais e as corporações empresariais transnacionais, em
que a colaboração dos novos sujeitos políticos e agentes econômicos é impreterível.
Dessa
nova
realidade
descentralizadas,
vão
resultar
procedimentais
e
instituições
facilitadoras,
em
jurídicas
essencialmente
oposição
às
instituições
centralizadoras do Estado intervencionista. Instituições concebidas para evitar a
eclosão de conflitos, e que se limitam a neutralizar eventuais disfunções do mercado,
voltadas à coordenação dos particularismos jurídicos, dos microssistemas normativos
com ritmos próprios de desenvolvimento e das diferentes formas de legalidade
desenvolvidas no interior das inúmeras cadeias produtivas que constituem a economia
globalizada (FARIA, 2004: 148-149).
No cenário internacional passa a haver uma prevalência da soft law, que nas
didáticas palavras de Marcos Valadão, pode ser entendida nos seguintes termos:
Normas editadas pelas associações e organizações internacionais, de caráter
público ou privado, para as quais se reconheça força normativa e que possam
ter efeito na formação de atos jurídicos com efeitos internacionais, de caráter
pessoal, real ou comercial entre as partes ou particular (VALADÃO, 2003: 16).
As referidas normas destacaram-se com o surgimento das organizações
multilaterais e organizações internacionais, públicas e privadas, ganhando força no
início do século XX, quando adotadas pelas instituições de Bretton Woods, passando a
16
exercer forte influência nas relações internacionais, produzindo efeitos jurídicos, ainda
que com grau de cogência relativo. Ainda que não gerem formalmente sanções
clássicas do Direito Internacional, geram outras modalidades de sanção, excluindo do
mercado ou da comunidade internacional aqueles que não adotam seus preceitos
(VALADÃO, 2003: 08).
A forte influência da soft law, principalmente nos assuntos de comércio e
economia internacional, se deu em razão do vazio normativo no tocante à disciplina e
regulamentação destas matérias. O mercado passou a prescindir de uma padronização
em diversos temas, uniformização de procedimentos e formatação de dados para troca
de informações, encontrando na soft law uma forma de viabilizar as transações
econômicas e comerciais em nível global (VALADÃO, 2003: 11).
A globalização econômica fez surgir a necessidade de novos instrumentos
jurídicos capazes de disciplinar as atuais questões econômicas e sociais que
ultrapassam os limites territoriais de um Estado. Trata-se de uma economia global, que
requer um direito novo, no qual as prerrogativas dos atores econômicos transnacionais
possam ser tuteladas, ainda que por contratos ou convenções, e no qual as
controvérsias transfronteiriças possam ser dirimidas, não por juízes do Estado e por
sentenças judiciais de competência limitada, mas por meio de decisões arbitrais
emitidas por julgadores privados escolhidos ou aceitos pelas partes.
Com a crescente importância das normas supra e infranacionais, o Estado
Nacional perde o monopólio de promulgar regras, o que resulta em uma crescente
privatização da regulação jurídica em um direito primordialmente procedente de
negociação privada.
adaptar
à
evolução
Nesse contexto, o Estado não tem se mostrado capaz de se
da
sociedade
contemporânea,
cabendo-lhe,
no
âmbito
internacional, o papel de controle da conformidade dos procedimentos de negociação
(RUDIGER, 2006: 78).
Diante da ineficiência do Estado na regulação e disciplina da sociedade, nos
seus mais diversos setores e atividades, proliferam novas e diferentes fontes de direito
com o escopo de regular as diversas relações sociais, políticas, econômicas,
ambientais e culturais surgidas principalmente em decorrência do processo de
globalização, emergindo um cenário internacional caracterizado pelo pluralismo jurídico.
17
2.3 A EMERGÊNCIA DOS REGIMES REGULATÓRIOS PRIVADOS
Evidenciada a incapacidade do Estado para disciplinar as relações cada vez
mais complexas que ultrapassam as fronteiras físicas de seus territórios, percebe-se um
movimento das organizações privadas e sociedade civil na busca de novas formas de
regulamentação de suas condutas e transações, a fim de tornar possível a manutenção
da ordem social em vários setores no âmbito supranacional.
O papel que, até então, parecia ser função exclusiva do direito produzido pelos
Estados (ordenar a sociedade, por meio de regras, de forma a garantir a paz
social)passa a ser exercido por diferentes campos sociais no âmbito privado, de forma
coerente e específica, que revelam, muitas vezes, grau de eficácia superior ao
experimentado pelas normas públicas, produzidas pelos entes estatais, regulando
situações para as quais até então não havia solução jurídica possível e eficaz.
O fenômeno é mais facilmente compreendido quando se traz à baila o mais
clássico
dos
exemplos
de
regulamentação
privada
bem-sucedida:
a
Lex
Mercatoria4.Esse novo conceito representa uma parte do direito econômico global que
opera na periferia do sistema jurídico atrelado estruturalmente às empresas e
transações econômicas globais, concebido como um ordenamento jurídico paralegal,
criado à margem do direito, a partir dos processos econômicos e sociais (Teubner,
2003: 18).
Inobstante a natureza econômica do exemplo citado, o processo de globalização,
embora normalmente seja discutido sob o prisma da política e da economia, engloba
outros espaços sociais, como a educação, sistema de saúde e cultura, que percorrendo
seus caminhos específicos no processo de globalização, começaram a demandar
normas específicas de âmbito global, que passaram a ser constituídas no seio de
organizações intergovernamentais ou não governamentais. Esse fenômeno ensejou
uma crescente produção de direito substantivo sem a participação do Estado, sem
necessárias interações com a legislação nacional ou tratados internacionais,
4
Lex Mercatoria pode ser definida como “um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas
soluções para as expectativas do comércio internacional, sem conexões necessárias com os sistemas
nacionais e de forma juridicamente eficaz” (Strenger, Irineu, Direito do comércio internacional e lex
mercatoria. São Paulo: LTR, 1997)
18
decorrentes de necessidades originais de segurança jurídica e regulação para solução
de conflitos que ultrapassem as fronteiras estatais (TEUBNER, 2004: 2).
Percebe-se, então, um nítido deslocamento do foco do processo legislativo
estatal (por meio dos Poderes Legislativo e Judiciário), para um processo de produção
normativa privado, manejados por meio de contratos entre os atores sociais globais, da
regulação do mercado privado por meio de empresas multinacionais, e da
regulamentação interna de organizações internacionais, que passam a constituir,
segundo Gunther Teubner, as atuais fontes dominantes de lei. Estas fontes normativas,
por estarem mais próximas de outros setores sociais, fazem surgir uma legislação
periférica, espontânea e social. Nesse contexto, as fontes centrais de direito, no âmbito
internacional, passam a ser a regulação privada, uma vez que o Estado nação não
possui condições de estender o alcance das normas públicas à regulamentação legal
das atividades sociais de atores privados em escala mundial (TEUBNER, 2004: 03-04).
Flávia Donadelli, fazendo referência a David Levi-Faur, também destaca a
importância do papel exercido pelos atores da iniciativa privada. Levi-Faur define esse
fenômeno como “capitalismo regulatório”, apontando as particularidades que o
caracterizam: nova divisão de tarefas regulamentadoras entre Estado e sociedade;
aumento da delegação de questões à comunidade científica; e a proliferação de novas
tecnologias de regulamentação, com a formalização de mecanismos auto regulatórios
sem a interferência estatal. Segundo o mesmo autor, a regulamentação exercida pelos
atores privados legitima o sistema econômico capitalista neoliberal e torna as relações
econômicas mais confiáveis em um ambiente que necessariamente envolve mais
riscos. (LEVI-FAUR, 2005: 2 apud DONADELLI, 2011: 6)
Deste modo, ante a inexistência de um organismo político global capaz de
institucionalizar
uma
esfera
organizada
de
“decisão
legal
política”,
surgem
crescentemente, ainda que de forma descentralizada, novos corpos de normas privadas
para setores sociais específicos, de forma não hierarquizada, mas espontaneamente
coordenados (TEUBNER, 2003).
A esse fenômeno de produção de ordenamentos jurídicos globais sui generis por
setores distintos da sociedade mundial com autonomia relativa diante do Estado-nação,
Teubner deu o nome de “Bukowina global”, transmitindo a ideia de um “direito mundial
19
sem Estado” (TEUBNER, 2003: 10), como resta caracterizado nos corpos normativos
elaborados por grupos empresariais multinacionais, e em torno dos direitos humanos e
do direito ambiental, que requerem normas específicas de alcance mundial, assim como
na área da padronização técnica e do autocontrole profissional, onde há forte tendência
à coordenação em escala mundial (TEUBNER, 2003: 10).
No entanto, esses ordenamentos jurídicos não estatais são constantemente
questionados. Suas atividades não têm necessariamente como base legislação
nacional, supranacional ou internacional; não há um locus central de autoridade; muitas
vezes não existem estruturas claras como tribunais, comissões legislativas, auditores
ou ouvidores; não possuem limites jurisdicionais claros; e não requerem um conjunto
facilmente identificável de potenciais participantes democráticos em seus processos
(BLACK, 2008: 138-139).
A proposição ou criação de um novo regime regulatório ou outra estrutura
organizacional, especialmente quando isso se dá à margem do Estado, vem sempre
acompanhada do enorme desafio concernente à aceitação pelos destinatários e
adequação da atividade para sua validade no ordenamento social.
Parte daí a necessidade de legitimidade das regulamentações não estatais
transnacionais, para fortalecer seus mecanismos, e motivar seus destinatários. Ainda
que essa pretensão esteja dissociada de qualquer intervenção dos Estados, que mais
facilmente poderiam conferir-lhes um viés de legitimidade, Suchman (1995) defende
que esta legitimidade pode ser conquistada por meio das seguintes estratégias de
construção de legitimidade: a) conformação da regulação privada ao ambiente e
ditames preexistentes, mantendo-se de acordo com os ideais e princípios do ambiente
em que é instituído, quando se busca atender as necessidades substanciais de vários
setores da população e oferecer a esses, acesso à tomada de decisões; b) a seleção
do ambiente por meio do qual o regime ou organização escolhe o ambiente que lhe seja
mais adequado e possa conceder-lhe legitimidade sem exigir muitas mudanças em
troca; e por fim, c) a manipulação do ambiente, reservada aos regimes mais inovadores,
para os quais as estratégias conformistas ou de seleção de ambiente não são
suficientes, sendo necessário intervir preventivamente no ambiente cultural para
desenvolver bases de apoio especificamente adaptados às suas necessidades
20
específicas, manipulando assim o ambiente no qual pretende estar inserida. Essa
hipótese exige a promoção ativa de novas explicações da realidade social por parte
daqueles que buscam a legitimidade (SUCHMAN, 1995: 587-592).
Discute-se ainda a questão de um possível “déficit democrático” dos regimes
privados. O nível de democracia de um regime varia de acordo, dentre outras coisas,
com as relações que tem com os governos nacionais; com os fundamentos utilizados
para elaboração das regras estabelecidas – se são elaboradas a partir de princípios
consagrados na lei ou se são elaborados sem qualquer relação com normas legais ou
princípios já consagrados; e com a possibilidade de participação dos destinatários das
normas em seu processo de elaboração (BLACK, 1995: 13). Para contrabalancear um
possível “déficit democrático”, normalmente os regimes ou organizações privadas
buscam aprofundar sua eficácia e a capacidade resolutiva dos seus mecanismos
regulatórios.
Percebe-se, portanto, que a legitimidade não é característica exclusiva dos
regimes regulatórios estatais. Pode ser construída pelos regimes privados, e, em
algumas circunstâncias, delegadas ou concedidas a esses pelos próprios Estados, que
se vêem impossibilitados de atuar em determinadas esferas de poder.
Não obstante a possibilidade de aquisição de legitimidade, e a reconhecida
importância dos regimes regulatórios privados na disciplina de questões supranacionais
(em face da mencionada incapacidade dos Estados na regulamentação da economia e
de outros importantes setores em uma sociedade globalizada) ainda são muitas as
críticas que vêm sendo feitas aos mecanismos de regulação privada.
As principais críticas giram em torno da benevolência atribuída aos autores de
tais regulamentações, quando é ressaltado o fato de que tais mecanismos estão
extremamente expostos à possibilidade de captura por interesses especiais, contrários
ao interesse público, o que enseja uma análise mais cautelosa destes mecanismos
privados. Outra crítica comum diz respeito ao caráter voluntário de adesão às regras
privadas, sem que possuam força coercitiva, e ao já citado deficit democrático que
possa tornar questionáveis alguns regimes regulatórios privados (DONADELLI, 2011:
8).
21
A despeito das críticas apontadas, a incapacidade regulatória do Estado, na
seara internacional, associada à conduta das organizações privadas na construção da
legitimidade de seus regimes regulatórios, tem feito com que diversas iniciativas
privadas de regulação sejam aceitas, praticadas e consideradas legítimas por seus
destinatários, o que se constata nas empresas de certificação técnica e socioambiental,
internacionalmente reconhecidas, bem como na crescente adoção de acordos globais
de trabalho, decorrentes de negociações coletivas transnacionais, que passam a
regular relações de trabalho de âmbito internacional, no seio das corporações
transnacionais.
Constata-se, portanto, que a sociedade globalizada passa por um momento de
transição social, com o surgimento de novos regimes regulatórios de iniciativa privada,
que, embora pacificamente aceitos e incorporados pelos vários setores sociais a que se
destinam, suscitam dúvidas e questionamentos quanto à legitimidade, ainda que em
grau cada vez menor.
2.4 O PLURALISMO JURÍDICO
Na atual conjuntura social percebe-se que o Estado tem renunciado algumas
prerrogativas do seu poder soberano, diminuindo o controle exercido sobre assuntos
econômicos, políticos e legais, sujeitando-se a uma autoridade superior, como ocorre
na União Europeia. Além disso, por uma forte pressão dos competitivos mercados
globais, os Estados têm perdido sua capacidade de guiar e proteger sua economia.
Percebem-se ainda, na sociedade contemporânea, evidentes sinais de diminuição das
funções legais tradicionais do Estado (TAMANAHA, 2007: 386-387).
Nos termos já expostos, para suprir a falta de regulamentação legal estatal,
muitas organizações e instituições privadas elaboram regras que se aplicam às suas
próprias atividades. Em situações de conflitos, muitas vezes as partes conflitantes
recorrem a arbitragens, temendo a ineficiência, falta de credibilidade e altos custos dos
Tribunais do Estado. Favelas, comuns em grandes cidades ao redor do mundo, têm se
organizado com pouca ou nenhuma presença legal oficial, e mantém a “ordem”
utilizando-se de outras normas e mecanismos sociais criados por seus moradores.
22
Essas situações caracterizam a atual face do pluralismo jurídico (TAMANAHA, 2007:
386-387).
Pluralismo jurídico existe sempre que os atores sociais identificam mais de uma
fonte de direito dentro de uma mesma arena social (TAMANAHA, 2007: 396). Ainda que
haja intenso debate entre pesquisadores sobre o conceito de direito para fins de definir
o alcance do pluralismo jurídico, a ideia que prevalece é a do direito como algo mais
abrangente que a lei produzida pelas instituições estatais. Ehrlich entende que o direito
é fundamentalmente uma questão de ordem social, que pode ser encontrado em todos
os lugares (EHRLICH, 2007: 24 apud DUPRET, 2007: 5). Woodman afirma que o direito
abrange um contínuo que vai da forma mais clara da lei estadual até as mais vagas
formas de controle social (WOODMAN, 1998 apud DUPRET, 2007: 5). Griffiths conclui
ser o direito a autorregulação de cada área social (GRIFFITHS, 1986 apud DUPRET,
2007: 5). Dupret aduz que a lei é determinada pelas pessoas na área social em que
vivem através de seus próprios usos comuns (DUPRET, 2007: 5). Teubner, em
referência a Griffiths, compartilhando do mesmo entendimento, assinala que o atual
pluralismo jurídico tende a substituir o fator propriamente jurídico pelo controle social
(GRIFFITHS, 1986, p. 50, nota 41 apud TEUBNER, 2003: 19).
O fato é que o pluralismo jurídico está em toda parte, sempre que se reconhece
mais de uma fonte normativa por meio de práticas sociais em uma determinada área
social. É o que se verifica em todos os campos sociais, uma aparente multiplicidade de
ordens jurídicas, desde o nível local, dentro de um município, até o nível mundial.
Somados às leis municipais, estaduais, distritais, nacionais, internacionais e
transnacionais, convive-se atualmente com regras advindas da religião, e normas de
cunho cultural ou étnico, como as regras observadas nas aldeias indígenas. Há também
uma forte influência privada na produção normativa, que tem como exemplo mais
notável a já citada lex mercatoria, que dita as normas do comércio transnacional
(TAMANAHA, 2007: 375).
José Eduardo Faria (2004: 155-156), ao analisar o pensamento jurídico
contemporâneo, descreve o pluralismo jurídico:
“Na medida em que sob essa generalidade e flexibilidade do novo perfil do
direito positivo do Estado-nação as organizações financeiras internacionais e as
23
corporações transnacionais formam complexas redes de acordos formais e
informais em escala mundial, estabelecendo suas próprias regras, seus
procedimentos de auto-resolução de conflitos, sua cultura normativa e até
mesmo seus critérios de legitimação, bem como definindo suas próprias
identidades e regulando suas próprias operações, o que se tem na prática é
uma inequívoca situação de pluralismo jurídico; pluralismo esse aqui encarado
na perspectiva da sobreposição, articulação, interseção e interpenetração de
vários espaços jurídicos misturados. Tendo como característica básica a
“porosidade” dessas múltiplas redes normativas, esse tipo de pluralismo é que
confere tanto a especificidade quanto a originalidade das instituições de direito
emergentes com o fenômeno da globalização econômica.”
Discorrendo sobre o tema, Teubner (2003), em suas pesquisas, destaca a
produção de “ordenamentos jurídicos globais sui generis”, apontando os ordenamentos
jurídicos de grupos empresariais multinacionais, o direito produzido por empresas e
sindicatos para regular relações de trabalho, coordenação em escala mundial na área
da padronização técnica, e o discurso dos direitos humanos, conduzido, a princípio, em
esfera global (TEUBNER, 2003: 10).
Como atores sociais do pluralismo jurídico, além das corporações transnacionais,
Organizações Não Governamentais (ONG) internacionais e entidades sindicais globais,
destacam-se também as redes transgovernamentais, com poderes de regulamentação,
a exemplo do Financial Stability Forum (Fórum de Estabilidade Financeira), composto
por três organizações transgovernamentais;o Comitê de Basiléia de Supervisão
Bancária, Organização Internacional da Comissão de Valores e Associação
Internacional de Supervisores de Seguros; juntamente com outras autoridades,
nacionais e internacionais, responsável pela estabilidade financeira em todo o mundo.
Redes ativas também têm sido criadas por juízes e outros organismos internacionais
(TAMANAHA, 2007).
Na atual sociedade capitalista, o direito não é mais monopólio de uma entidade
política, social, institucional ou jurídica específica, mas resultante de suas diferentes
possibilidades de articulação e interação, que fazem com que estes espaços se
relacionem de forma complexa e dinâmica, resultando em uma combinação de várias
concepções de legalidade e distintas gerações de normas, antigas e recentes; numa
mescla desigual de ordenamentos jurídicos com diferentes regras, procedimentos,
linguagens, escalas, áreas de competência e mecanismos adjudicatórios (FARIA, 2004:
163).
24
A visão de uma lei uniforme e monopolista que governa a comunidade é
claramente obsoleta. A expansão do capitalismo e o movimento de pessoas e ideias
entre os países está cada vez mais célere, trazendo muitas consequências
transformadoras para a lei, sociedade, política e cultura. E a globalização traz uma
quantidade expressiva de regimes jurídicos supranacionais e internacionais, com
potencial para afetar diretamente as pessoas, não importando onde elas vivem
(TAMANAHA, 2007: 410).
Os sistemas tornam-se autônomos, voltando-se para seus próprios interesses e
resolução dos problemas e conflitos criados internamente, não deixando espaço para o
Estado e seu sistema jurídico exercerem sua capacidade de gestão, subordinação,
controle, direção e planejamento sobre todos eles. O Estado dispõe de menos
condições para fazer prevalecer os interesses públicos sobre os interesses específicos
dos agentes produtivos, para disciplinar os comportamentos individuais e exigir
observância às regras de seu ordenamento (FARIA, 2004: 195).
Partindo da premissa de que é a própria sociedade civil que impulsiona a
globalização dos seus diferentes discursos, e não a política, Teubner (2003: 14)
defende a tese de que “o direito mundial desenvolve-se a partir das periferias sociais, a
partir das zonas de contato com outros sistemas sociais, e não no centro de instituições
de Estados-nações ou de instituições internacionais”, motivo pelo qual nem as teorias
políticas, nem as teorias institucionais do direito podem fornecer explicações
adequadas da globalização do direito. A teoria pluralista do direito desempenharia
melhor este escopo.
Teubner (2003) aborda a teoria do pluralismo jurídico como sendo o único meio
adequado para interpretar o direito global, que se distingue do direito tradicional dos
Estados-nação, e já está amplamente configurado nos dias atuais, ainda que com
pouco respaldo político e institucional no plano mundial, mas estreitamente atrelado a
processos sociais e econômicos dos quais, segundo o autor, recebe seus impulsos
mais essenciais.
A fragmentação característica do direito global, com suas múltiplas cadeias e
ordenamentos legais constituídos a partir das interações dos espaços político, social e
jurídico, não implica em uma ordem caótica. Ainda que autônomos, esses espaços, ao
25
se relacionarem, influenciam-se reciprocamente, embora não necessariamente com o
mesmo peso ou poder de influência. Desta forma, cada um deles poderá, por
determinado período, atuar como sinalizador, balizador, delimitador ou polarizador dos
demais (FARIA, 2004: 163).
Apesar da fragmentação expressa pelos múltiplos microssistemas normativos, e
ainda que a lei do Estado atue com diferentes intensidades nos variados espaços
sociais, Tamanaha alerta que muito dificilmente ela será completamente irrelevante. A
lei pública está em uma posição exclusiva, simbólica e institucional, que deriva da
posição única do Estado, no plano nacional e internacional, na ordem política
contemporânea. Além disso, os sistemas jurídicos oficiais do Estado, pelo menos os
que funcionam de forma eficaz, tem uma distinta capacidade instrumental que lhes
permite se envolver em uma ampla gama de atividades possíveis, e de exercer uma
ampla quantidade de possíveis metas ou projetos, que se estendem muito além da
regulação normativa (TAMANAHA, 2007: 411).
2.5 REFLEXOS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO
O Direito do Trabalho foi uma das áreas jurídicas que mais sofreu o impacto da
globalização, sobretudo em decorrência da transnacionalização dos mercados e das
relações de trabalho. Diante das mudanças nos modos de produção e no processo de
trabalho, e ainda, com o surgimento de novas fontes do Direito Internacional do
Trabalho, públicas e privadas, a internacionalização de normas do trabalho e a
construção de uma governança social global emergem como principais desafios nos
dias atuais (CRIVELLI, 2010: 9).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) - uma das mais representativas
organizações do sistema da Organização das Nações Unidas, criada com os objetivos
principais de normatizar as relações de trabalho e alcançar a justiça social - apesar da
larga produção normativa realizada ao longo de mais de oito décadas de existência,
tem sofrido um duro e constante questionamento na última década que tem colocado
em crise o papel do seu modelo normativo (CRIVELLI, 2010: 24). Como fatores
determinantes da crise por que passa a OIT, destacam-se a substituição do modelo
26
fordista de produção para o modo de organização toyotista; a expansão das
corporações transnacionais, que passaram a desenvolver atividades econômicas em
escala
global,
e
consequente
desterritorialização
das
cadeias
produtivas;
a
diversificação das fontes de direito formal; a dimensão mundial adquirida por ONG‟s
internacionais, que desafiam o direito internacional e os atores sociais tradicionalmente
reconhecidos e aceitos na OIT; os processos de integração regional, como a União
Europeia e suas normas comunitárias, e a perda parcial da soberania dos Estadosnação, que enfraqueceu o principal instrumento de coercibilidade das normas
internacionais do trabalho (CRIVELLI, 2010: 24).
As modificações ocorridas no seio das cadeias produtivas foram um dos fatores
que trouxe profundas alterações nas relações de trabalho. No modelo fordista,
caracterizado pela produção em larga escala para o mercado em expansão, os
produtos são fabricados por meio de uma linha de montagem dentro do
estabelecimento industrial. Há uma produção fragmentada, mas coletiva, na qual todos
os trabalhadores tem uma função definida dentro da linha de montagem para a
consecução do produto final. Para a empresa fordista, é importante manter sua mão-deobra a médio e longo prazo, garantindo condições de trabalho estáveis, por meio de
normas rígidas, que aumentem sua capacidade de planejamento (RUDIGER, 2006:
477).
A empresa toyotista, que se firmou com a abertura das fronteiras pelo processo
de globalização, não produz para abastecer o mercado, esse modelo de organização
submete sua produção à demanda do mercado, o que exige flexibilidade da empresa
para ampliar ou reduzir o quadro de seus trabalhadores num curto prazo de tempo. A
mão-de-obra utilizada deve ser polivalente e organizada para que possa planejar e
executar diferentes tarefas nos momentos em que se façam necessárias. Também é
comum a contratação de trabalhadores de empresas prestadoras de serviços conforme
seja necessário para atender a demanda do mercado, havendo uma descentralização
produtiva (RUDIGER, 2006: 480).
Nesse contexto, a necessidade de flexibilização das relações de trabalho
ocasionaram perdas significativas para os trabalhadores, em termos de qualificação, e
por já não mais usufruírem da mesma estabilidade no emprego.
27
As corporações transnacionais, que cresceram vertiginosamente ao longo do
século XX, agindo em diferentes países e continentes, tornaram-se atores relevantes
nas relações internacionais contemporâneas e passaram a atuar como os principais
agentes da globalização, trazendo novas transformações nas relações laborais. Ao
negociarem acordos coletivos, criarem regulamentos internos, normas técnicas e
códigos de conduta que disciplinam os comportamentos individuais dos trabalhadores,
vêm exercendo forte influência no Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).
A prática do dumping social, por meio do qual as empresas multinacionais
(EMN‟s) reduzem salários para tornar seus produtos mais competitivos no mercado
internacional é também uma das consequências sociais negativas do processo de
globalização.
Embora não exista uma definição legal para o termo, o dumping social pode ser
caracterizado por “preços internacionais de produtos distorcidos pelo fato de os custos
de produção basearem-se em normas e condições trabalhistas inferiores ao que seria
considerado razoável ou adequado em nível internacional” (GONÇALVES, 2000: 50) 5.
Para tornarem-se competitivas, e exportar produtos com preços inferiores aos do
concorrente, algumas empresas utilizam meios desleais, como contratação de mão-deobra infantil, e até escrava, em grave violação aos direitos fundamentais do trabalho.
Outro mecanismo utilizado pelas corporações transnacionais, questionável em
termos de justiça social, é a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), instalada
nos países em desenvolvimento para o crescimento econômico estratégico da região
onde são estabelecidas.
A Organização Internacional do Trabalho, em 2003, definiu as ZPE‟s como
“zonas industriais com incentivos especiais criadas para atrair investidores estrangeiros,
onde materiais importados passam por algum grau de processamento antes de serem
(re)exportados (...)” (ILO, 2003, p. 1). Alguns anos depois, estudo elaborado sob a
coordenação da mesma organização alargou o conceito de ZPE apontando-as como
“espaços regulatórios em um país destinados a atrair companhias exportadoras
5
GONÇALVES, Reinaldo. O Brasil e o Comércio Internacional: transformações e perspectivas. São
Paulo: Contexto, 2000: 50
28
mediante a oferta, a estas, de concessões especiais em impostos, tarifas e
regulamentos” (MILBERG, 2008: 02).
Embora abra novas oportunidades de empregos, havendo mais de 50 milhões de
trabalhadores empregados nessas zonas em todo o mundo, e mesmo que os órgãos
públicos oficiais afirmem que o mecanismo contribui para o desenvolvimento e trabalho
decentes, as autoridades públicas ainda apresentam alguma preocupação com
eventuais isenções de leis trabalhistas às ZPE‟s nacionais, ou o fato de representarem
obstáculos ao exercício de direitos (MTE, 2005).
Segundo Dupas, o trabalho exercido nas ZPE‟s normalmente apresentam baixa
ou nenhuma qualificação, além de relações sindicais frágeis. A mão-de-obra seria
constituída, em sua maior parte, por mulheres jovens, que se submetem a longas
jornadas, baixa remuneração, trabalho noturno, alta rotatividade e pouca estabilidade,
em decorrência, principalmente, da falta de outras opções locais de trabalho (DUPAS,
1998: 131).
Diante dessas transformações no cenário internacional, a OIT vem esboçando
reações por meio de várias iniciativas. Na sua 86° Conferência, a OIT adotou, com base
em oito Convenções fundamentais6, a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais do Trabalho, que estabelece como princípios fundamentais a liberdade
sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação de
todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho
infantil; e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. 7 Embora
não se trate de uma obrigação jurídica, constitui uma orientação de comportamento,
tendo como objetivo maior impulsionar a ratificação das oito Convenções fundamentais
por todos os Estados-membros (CRIVELLI, 2010: 69).
Em 1994 foi instituído um Grupo de Trabalho sobre a Liberalização do Comércio
Internacional, que, em 1999, passou a ser chamado Grupo de Trabalho para a
Dimensão Social da Mundialização, com o objetivo principal de formular proposta de
consenso tripartite, consenso entre trabalhadores, empregadores e Estado, de políticas
normativas para enfrentar as consequências sociais da globalização. Por sugestão do
6
Convenções 87, 98, 29, 105, 100, 111, 138 e 182 da OIT
OIT. Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Disponível em
http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/oit/doc/declaracao_oit_547.pdf
7
29
grupo foi criada a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização,
composta por personalidades de todo o mundo para elaboração de um relatório global
com o objetivo de propor ao sistema multilateral internacional um enfoque integrado
sobre o impacto social da globalização (CRIVELLI, 2010: 69 e 181).
Outra iniciativa importante foi a Declaração Tripartite de Princípios sobre as
Empresas Multinacionais e a Política Social que, embora aprovada ainda em 1977,
ganhou maior importância no ano de 2000, quando novamente foi discutido o tema,
acrescentando-lhe conteúdo e um sistema de acompanhamento. Trata-se de
documento com conteúdo normativo, de aplicação voluntária, dirigido aos governos dos
Estados-membros e às respectivas organizações mais representativas de trabalhadores
e empregadores, sendo a necessidade de adesão voluntária dos atores sociais um dos
maiores problemas que se apresentam à sua implementação na prática (CRIVELLI,
2010: 69 e 168).
Concomitantemente às iniciativas oficiais da OIT durante o processo de
globalização, proliferaram várias propostas e experiências de regulação do trabalho no
âmbito internacional que variavam quanto à natureza jurídica, abrangência territorial de
sua aplicação e o número de Estados ou atores internacionais envolvidos. Nesse
ambiente caracterizado pela pluralidade jurídica, a OIT já não mais constitui a única
fonte formal de Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).
Dentre as experiências concretas de regulação internacional do trabalho
destacam-se os instrumentos jurídicos de direito privado, como os códigos de conduta e
etiquetas ou selos sociais, estabelecidos por corporações transnacionais, organizações
sindicais de trabalhadores ou ainda por Organizações-Não Governamentais (ONG‟s)
(CRIVELLI, 2010: 124-125).
Há ainda, os acordos globais, ou acordos marco internacionais, celebrados entre
corporações transnacionais e organizações sindicais de trabalhadores internacionais,
nos quais são estabelecidas condições mínimas de trabalho aos empregados da
corporação transnacional que atuam em diferentes países, criando importantes padrões
laborais normativos de âmbito internacional. Esses acordos retratam relevantes
avanços no diálogo social e relacionamento mais paritário entre empresas e
trabalhadores.
30
Os próximos capítulos aprofundam o tema, a partir da análise da negociação
coletiva internacional, de seu conceito e fundamentos, e dos acordos globais,
instrumentos de concretização das negociações coletivas internacionais, que tem
representado tão importante colaboração na minoração dos efeitos negativos da
globalização na esfera social.
31
3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL
Na segunda metade do século XX o processo de globalização tornou-se mais
abrangente. Com a consolidação da economia de mercado, a discussão sobre o novo
papel e tamanho do Estado no contexto da sociedade globalizada, as constantes
inovações tecnológicas, a criação de conglomerados industriais, a desterritorialização
da produção e os importantes processos de integração regional em andamento, as
relações sociais foram afetadas de diferentes maneiras, com significativos reflexos nos
processos de negociação coletiva, e diversas implicações para os níveis de justiça
social no mundo (GERNIGON, 2000).
Todos os fatores mencionados ensejaram o surgimento de diferentes tipos de
relações de trabalho e novas situações jurídicas não abrangidas pelas legislações
nacionais e que, aos poucos, passaram a ser discutidas nas diretrizes de organizações
internacionais, mais notadamente na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Não obstante, o contínuo debate e a formulação de propostas por parte das
organizações internacionais, com o fim de minorar o impacto negativo da globalização
nas relações de trabalho, ainda não existe um quadro legal regulatório das relações
laborais em nível global, nem mesmo uma política normativa, de âmbito internacional,
capaz de assegurar aos trabalhadores, padrões mínimos de saúde, segurança e
dignidade.
As mudanças no cenário global resultaram em concorrências mais abrangentes,
e mais acirradas, aumento do trabalho informal, surgimento de novos tipos de relações
de trabalho que afetam a estabilidade do trabalhador, com a proliferação de contratos
de curto prazo e a expansão de zonas de processamento de exportação, que muitas
vezes desestimulam o sindicalismo (GERNIGON, 2000:3).
Concomitantemente, verificou-se maior autonomia dos sindicatos em relação às
autoridades públicas e à política, e maior consciência dos direitos fundamentais, da
dignidade humana e princípios básicos da democracia, sendo integradas às
reivindicações sindicais considerações concernentes às minorias desfavorecidas, à
política ambiental e a questões macroeconômicas (GERNIGON, 2000: 3).
Nesse contexto, a negociação coletiva firmada entre empregadores e
trabalhadores ganhou maior importância, e sofreu significativos impactos. Tornou-se
32
mais dinâmica e conseguiu abranger um conteúdo mais extenso, cujo alcance passou a
ir além das condições físicas e salariais concernentes a um setor específico da
empresa, sendo estendido para aspectos da política social e econômica que
influenciam as condições de vida e de trabalho, discutindo temas como inflação,
formação profissional e segurança social (GERNIGON, 2000: 3).
No mesmo período, com a expansão do processo de globalização e o
crescimento das corporações multinacionais, as negociações coletivas em nível de
empresa abrangendo trabalhadores de diversos países8 - ganharam maior destaque, e
passaram a ser adotados com maior frequência que os acordos firmados entre
entidades sindicais representativas de empregadores e de trabalhadores. Tais acordos
consideraram, principalmente, os critérios de produtividade das empresas, com menor
ênfase nos interesses gerais das categorias profissionais envolvidas na negociação
(GERNIGON, 2000:4).
Ainda que mais frequente no âmbito das corporações multinacionais, no qual as
empresas gozam de maior poder de barganha, o papel das negociações coletivas
transnacionais têm sido de grande importância para pacificação de conflitos juslaborais
decorrentes das transformações econômicas e sociais no cenário global. Do mesmo
modo, as negociações têm sido relevantes para a instituição de importantes marcos
regulatórios trabalhistas de âmbito internacional, considerando o relativo êxito em
estabelecer padrões mínimos de trabalho, semelhantes, em diferentes países, ou
regiões, no âmbito da empresa na qual são firmadas.
Apesar da importância deste instrumento jurídico para aperfeiçoar, e tornar mais
justas e equilibradas, as relações de trabalho, o instituto ainda é pouco estudado, e tem
sido aplicado de forma tímida, principalmente nas regiões menos desenvolvidas ou em
desenvolvimento, verificando-se sua maior incidência nos países europeus, onde há
maior espaço - e é conferido maior prestígio - ao diálogo social.
Nas próximas linhas discutir-se-á a questão da autonomia privada coletiva, que
atribui a grupos sociais particulares, o poder de elaboração de normas para
regulamentar seus interesses, sendo as negociações coletivas expressão de sua
8
os chamados acordos globais, contratos coletivos, acordos marco internacionais, ou ainda, acordos
quadro internacionais.
33
ocorrência. Em seguida será feita uma breve explanação acerca do conceito e
fundamentos das negociações coletivas para melhor compreensão do instituto, para,
então, serem analisados os marcos jurídicos da negociação coletiva, seguindo-se de
uma abordagem ampla sobre o tema, sendo apresentado ao final do capítulo, de forma
sucinta, a importância do instrumento negocial nos processos de integração regional,
na União Europeia e no MERCOSUL.
3.1. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
Atualmente, difunde-se o entendimento de que o Direito do Trabalho está
inserido, bem como outros ramos do Direito, no contexto do pluralismo jurídico,
admitindo-se que tanto o Estado como os particulares elaboram normas jurídicas
trabalhistas (SILVA, 2008: 48).
Na autonomia privada coletiva, há a coexistência entre normas estatais e normas
não estatais. Os tratados internacionais, as declarações de direitos e outras normas
internacionais são fontes internacionais de produção do direito do trabalho; o contrato
de trabalho, o regulamento de empresa (quando bilateral), as convenções e os acordos
coletivos constituem fontes negociais (MARTINS, 2001: 69). Têm-se ainda as
legislações nacionais que disciplinam as relações trabalhistas nos limites do Estado.
Necessário, portanto, fazer uma análise da atuação normativa dos particulares
no âmbito das relações coletivas de trabalho, por meio de suas organizações
representativas, no contexto de um ordenamento jurídico que inclui uma pluralidade de
fontes, estatais e não estatais, revelando-se imprescindível um estudo acerca da
autonomia privada coletiva.
A noção de autonomia privada surgiu no século XX, primeiramente na esfera
individual, estendida, em seguida, à esfera coletiva pelos juslaboralistas, “como
manifestação do poder de criar normas jurídicas atribuído aos particulares” (SILVA,
2008: 54).
Sérgio Pinto Martins traça um breve conceito de autonomia privada, definindo-a
da seguinte forma:
34
“poder de criar normas jurídicas pelos próprios interessados. É a manifestação
de um poder de criar normas jurídicas, diversas das previstas pelo Estado e, em
certos casos, complementando as normas editadas por aquele. É o poder de
regular os próprios interesses.” (MARTINS, 2001: 118)
A autonomia privada coletiva visa, portanto, realizar interesse coletivo,
concernente a um grupo específico, sem constituir interesse de toda a comunidade ou
sociedade. Distingue-se da autonomia individual, que tem por fim a satisfação de
interesse individual, pertinente a um indivíduo (SILVA, 2008).
A clássica definição de interesse coletivo de Francisco Santoro Passarelli permite
uma melhor compreensão do alcance da autonomia privada coletiva:
o de uma pluralidade de pessoas por um bem idôneo apto a satisfazer uma
necessidade comum. Este não é a soma dos interesses individuais, mas a sua
combinação, e é indivisível, no sentido de que se satisfaz, não por muitos bens,
aptos a satisfazerem necessidades individuais, mas por um único bem apto a
satisfazer a necessidade da coletividade (SANTORO-PASSARELLI, 1960: 21
apud SILVA, 2008, P. 55).
Importante ainda diferenciar a autonomia privada coletiva da autonomia pública,
que tem por fim a satisfação de interesses púbicos, constituindo poder atribuído aos
entes públicos e aos próprios órgãos do Estado para emanar normas válidas nos seus
respectivos âmbitos de competência. A autonomia privada normalmente se expressa
por meio de negócios jurídicos bilaterais, enquanto a pública se concretiza em atos
unilaterais da administração pública; inobstante os limites legais impostos igualmente
pela lei aos dois casos, a autonomia privada pressupõe plena liberdade, no que a lei
não a privar, a autonomia pública goza apenas da discricionariedade, cabendo-lhe
perseguir somente os fins que lhe são impostos por lei, que não podem ser escolhidos
livremente, somente entre as opções oferecidas pela lei, dispondo de uma autonomia
limitada (SILVA, 2008: 56).
Amauri Mascaro Nascimento (1998: 125-126), embora entenda que ainda não foi
desenvolvido um conceito exato para autonomia privada coletiva, apresenta uma
concepção restrita para o termo, definindo-o como:
o poder conferido aos representantes institucionais dos grupos sociais e de
trabalhadores e de empregadores de criar vínculos jurídicos regulamentadores
das relações de trabalho. A negociação coletiva é seu instrumento de
35
concretização. Os contratos coletivos de trabalho, expressão aqui tomada no
sentido genérico, são o resultado da sua elaboração, o instrumento jurídico pelo
qual se expressa e corporifica-se (NASCIMENTO, 1998: 125-126).
A negociação coletiva apresenta-se como um meio rápido e eficiente para a
melhoria das condições de trabalho, permitindo que os próprios interlocutores sociais,
estando à frente os sindicatos, solucionem eventuais conflitos como verdadeiros entes
coletivos, na busca de equilíbrio nas relações entre trabalhadores e empresários
(GUNTHER, 2008: 100).
Embora o Estado adote uma posição intervencionista, por meio de leis que
garantem proteção aos direitos dos trabalhadores, resta evidente que não dispõe de
meios para regular minuciosamente as condições de trabalho em cada caso concreto.
Ademais, o processo de elaboração das leis é mais lento e rígido que o processo
negocial. Desta forma, coexistem no mesmo ordenamento jurídico normas estatais e
negociais (GUNTHER, 2008: 58).
Neste tocante Dorothee Rudiger (2006), com base nos estudos de Gino Giugni e
de Norberto Bobbio (1977: 24-25), ensina:
A autonomia privada coletiva é conseqüência de uma concepção política
pluralista que vê na própria organização social a „noção chave da experiência
jurídica‟. Mas, a existência de outros centros de produção normativa ao lado do
Estado não significa que estes tenham em mãos um „[...] título de validade que
possam fazer valer contra a vontade do Estado‟ (GIUGNI, 1977: 53). Pois, uma
vez reconhecidas pelo Estado, as fontes “sociais”, “reais” ou “primárias” de
direito tornam-se “secundárias”, isto é, remontam à matriz estatal. Sancionando,
pela concessão de autonomia privada coletiva, as normas espontaneamente
criadas pelos grupos, o Estado as (e)leva a uma nova condição. Embora haja
autosuficiência dos diversos ordenamentos, formal e materialmente distintos, os
ordenamentos jurídicos não-estatais, autorizados pela norma estatal,
movimentam-se dentro dos limites do poder do Estado. (GIUGNI, 1977: 62)
No contexto da globalização, e com a crescente importância das normas supra e
infranacionais, o Estado Nacional perde o monopólio de promulgar normas reguladoras,
ensejando uma crescente privatização da regulação jurídica, passando a exercer um
papel de guia, e não mais de planificador das relações sociais. O Estado torna-se mais
um ator social, representando os interesses generalizáveis, e controlando a
conformidade dos procedimentos de negociação (RUDIGER, 2006: 479).
36
A existência de liberdade sindical, tal qual preconizada na Convenção n.° 87 da
OIT, é fundamental para o desenvolvimento da autonomia privada coletiva. Quando o
Estado efetivamente reconhece a autonomia privada coletiva, há uma redução do
intervencionismo estatal ao mínimo indispensável, competindo-lhe a fixação de
garantias mínimas ao trabalhador, permitindo, assim, que as regras e condições de
trabalho sejam estabelecidas diretamente pelos próprios interessados da forma que
lhes for mais conveniente e adequado (Martins, 2001: 125).
Segundo Walkure Lopes da Silva, deve-se combinar a ação do Estado e a
atuação dos particulares, contrabalanceando o intervencionismo estatal com a
autonomia coletiva para corrigir as distorções do mercado (SILVA, 2008: 65).
A autonomia privada coletiva, conferida a trabalhadores e empregadores para
que regulem seus interesses e relações por meio da negociação coletiva constitui
instrumento fundamental para regular as relações laborais, propiciar melhorias nas
condições de trabalho, e, por consequência, na qualidade de vida dos trabalhadores,
contribuindo para a paz e estabilidade social (OIT, 2000: 67).
3.2 BREVE ESCORÇO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
A negociação coletiva pressupõe a liberdade dos trabalhadores e empregadores
de associarem-se de forma organizada e negociarem as condições de trabalho a serem
observadas numa determinada empresa ou região, visando uma decisão conjunta, na
qual sejam acomodados os interesses de todas as partes envolvidas.
Os primórdios da negociação coletiva remetem ao final do século XVIII, em um
período de profundas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas decorrentes da
Revolução Industrial que começou na Inglaterra e espalhou-se, a princípio, pela Europa
Ocidental e América do Norte. Esta época foi marcada por um grande fluxo de pessoas
saindo dos campos para trabalhar nas fábricas, sem que estas novas relações de
trabalho tivessem uma regulamentação mínima que garantisse proteção aos
trabalhadores, que enfrentavam longas horas de trabalho, recebiam baixos salários e
trabalhavam em ambientes inseguros (HAYTER, 2011: 01).
As precárias condições de trabalho, aliadas à notória fragilidade da atuação
isolada dos trabalhadores, levou-os a perceber a necessidade de formar associações
37
organizadas para atuarem na defesa de seus interesses, quando passaram a exigir, de
forma pacífica, melhores condições de trabalho, surgindo, assim, as primeiras
organizações sindicais (HAYTER, 2011: 01).
Pressionados pelas novas associações de trabalhadores, e buscando evitar os
movimentos grevistas e perdas na produção, as empresas aceitaram negociar com os
representantes dos trabalhadores, a fim de alcançarems soluções pacíficas para os
conflitos coletivos de trabalho, desenvolvendo-se, a partir de então, a negociação
coletiva. Pretendia-se estabelecer condições mínimas de trabalho a serem observadas
nas empresas, ou em determinadas regiões, criar condições de trabalho mais justas e
relações laborais mais equilibradas (HAYTER, 2011: 02).
Em 1936, a negociação coletiva passou a ter sua importância internacionalmente
reconhecida em relatório da OIT, que dava destaque à "crescente importância do
acordo coletivo, como um elemento na estrutura social e econômica da comunidade
industrial moderna. [...] Em muitos países, o acordo coletivo é agora um reconhecido
método de determinar as condições de trabalho "(OIT, 1936: 265).
Não obstante as organizações internacionais endossassem e ressaltassem o
importante papel das negociações coletivas nas relações de trabalho, houve bastante
resistência às novas organizações de trabalhadores, seguidas das, ainda freqüentes,
tentativas de enfraquecimento dos sindicatos.
Ainda assim o movimento social para criação de associações organizadas de
trabalhadores foi expandindo-se, e, aos poucos, alguns países passaram a legitimar o
direito à associação, promovendo alterações nas legislações nacionais para eliminar as
restrições à criação de sindicatos e obstáculos legais ao direito à greve, admitindo o
uso das negociações coletivas como instrumentos de regulação de salários e condições
de trabalho.
Atualmente o direito à negociação coletiva constitui direito fundamental, aceito
pelos membros da OIT ao incorporar-se à Organização, quando assumem o
compromisso de respeitar, promover e viabilizar as negociações voluntárias entre
empregadores e suas organizações, por um lado, e organizações de trabalhadores, por
outro, para disciplinar as condições de trabalho entre essas partes.
38
A forma da negociação coletiva, como sistema de regulação das relações
trabalhistas, pode se dar em diferentes modelos. Por um lado há o modelo de
negociação estática, no qual as partes entram em negociação apenas de maneira
circunstancial ou periódica, estabelecendo padrões de trabalho coletivos determinados
e imediatamente configuráveis. Uma vez firmadas as normas ajustadas, não voltam a
entrar em negociação até o cumprimento do prazo previsto, ou até que surjam
acontecimentos que motivem uma nova negociação. Por outro lado há o modelo de
negociação dinâmica, na qual as partes negociantes estabelecem uma série de
instituições e procedimentos de caráter permanente (conselho de empresa,
procedimentos de informação e consulta, mecanismos de exame de reclamações e de
soluções de conflitos, etc.) que cumprem a função de adaptar as relações de trabalho
às novas exigências e circunstâncias. Nesse modelo a questão do prazo ou duração
dos instrumentos da negociação não é tão importante, uma vez que as instituições
constituídas e os procedimentos estabelecidos permitem a atualização constante das
cláusulas convencionadas, resolvendo e superando os conflitos que vão surgindo em
uma negociação direta e contínua (OIT, 2000).
Os temas abordados nas negociações coletivas têm sido cada vez mais amplos
e diversos. O objeto das negociações coletivas não mais se restringe à matéria
remuneratória e às condições de trabalho, e não abrange apenas os direitos e
benefícios diretos dos trabalhadores que são parte nos acordos, podendo vir a
compreender os interesses dos trabalhadores considerados em sentido amplo (OIT,
2000: 72).
Além dos temas mais comuns, concernentes à remuneração e duração do
trabalho, organização do trabalho, segurança e saúde, e formação e educação, temas
como igualdade entre a mulher e o homem, e a não discriminação, tem ganhado
espaço. Os instrumentos das negociações coletivas são utilizados ainda para
institucionalizar modos de resolução de conflitos e de prevenção de greves, e tratar de
temas como o assédio, a representatividade dos sindicatos e a reestruturação da
empresa, embora os principais objetos das negociações coletivas ainda sejam os
salários e a duração das jornadas de trabalho (OIT, 2008).
39
Outro tema que passou a ser discutido com maior frequência nas negociações
coletivas é o compromisso dos sindicatos de fazerem concessões em termos de
aumentos salariais, duração do trabalho ou de outras regalias em troca da segurança
no emprego, com contrapartida dos empregadores de que não ocorra deslocalização da
produção e do emprego. Tratam-se dos chamados acordos de flexibilidade, que têm o
escopo de evitar demissões, e podem incluir matérias concernentes à contenção de
custos, duração e organização do trabalho (OIT, 2008).
Esses conteúdos têm sido ampliados em função das novas realidades que
enfrentam as empresas e as relações entre empregadores e trabalhadores,
principalmente no tocante à internacionalização dos mercados, da globalização
econômica, das transformações tecnológicas, do estabelecimento de novos padrões de
produtividade, eficiência e qualidade, dos padrões referentes ao trabalho seguro, da
valorização do trabalho na melhoria da competitividade da empresa, das novas
estratégias e formas de organização e gestão empresarial e do trabalho, entre outros
(OIT, 2000: 72).
Quanto aos propósitos da negociação coletiva trabalhista, Luiz Eduardo Gunther
destaca a realização de pacificação social, quando a negociação contribui para o fim do
conflito; e a capacidade de criar normas jurídicas para regular as relações de trabalho,
com regras aptas a estabilizar a atividade produtiva (GUNTHER, 2008: 99).
A OIT, em Relatório da Conferência Internacional do Trabalho em 2008, enfatiza
ainda o reforço da liberdade sindical e da negociação coletiva como fator capaz de
contribuir para uma maior estabilidade econômica e social, ao atrair maior investimento
direto estrangeiro (IDE) e contribuir para o aumento das exportações, melhorando a
competitividade global e o desempenho econômico dos países que adotam essas
práticas (OIT, 2008).
3.3. MARCOS NORMATIVOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
A negociação coletiva, associada à liberdade de associação, pode ser uma
ferramenta útil e poderosa para o engajamento entre empregadores e trabalhadores em
todo o mundo. É particularmente útil para trazer equilíbrio às relações de trabalho,
40
promover a igualdade de oportunidades no trabalho, e garantir bens coletivos e maior
produtividade na empresa.
A Organização Internacional do Trabalho reconhece a importância da
negociação coletiva, fixando importantes parâmetros legais para assegurar o livre
exercício desse direito e promover sua maior aplicação e efetividade em todas as
nações do mundo.
Em 1944, a Declaração de Filadélfia, referente aos fins e objetivos da
Organização Internacional do Trabalho, parte integrante da Constituição da OIT,
reconheceu a obrigação solene da Organização Internacional do Trabalho de fomentar,
entre todas as nações do mundo, programas que permitam alcançar o reconhecimento
efetivo do direito de negociação coletiva, considerando este, princípio plenamente
aplicável aos povos de todo o mundo (GERNIGON, 2000: 21).
Em 1949 foi aprovada a Convenção n. 98, trazendo proposições sobre o direito
de sindicalização e negociação coletiva. Embora não tenha apresentado uma definição
de negociação coletiva, ou de contratos coletivos, delimitou aspectos fundamentais do
instituto, estabelecendo como objeto da negociação, a regulamentação das condições
de emprego e pregou o estímulo e fomento do pleno desenvolvimento e uso de
procedimentos de negociação voluntária entre, por um lado, os empregadores e suas
organizações e, por outro, as organizações de trabalhadores (GERNIGON, 2000: 23).
A Recomendação 91 da OIT, de 1951, trouxe a primeira definição de acordos
coletivos, decorrentes da negociação coletiva:
Todo acordo escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado
entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou várias
organizações de empregadores, por um lado, e, por outro, uma ou várias
organizações representativas de trabalhadores ou, em sua falta, representantes
dos trabalhadores interessados, devidamente eleitos e autorizados por este
último, de acordo com a legislação nacional (OIT, 1951).
A mesma Recomendação estabeleceu ainda o caráter vinculativo da negociação
coletiva e sua precedência sobre os contratos de trabalho, ainda que reconhecesse
como legítimas as estipulações inscritas nos contratos individuais que fossem mais
favoráveis ao trabalhador (Recomendação 91 de 1951 da OIT.).
41
Em novembro de 1977, em sua 204ª reunião o Conselho de Administração da
OIT aprovou a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a
Política Social, que, ainda que sem força vinculante, representa um elenco de princípios
que norteiam o comportamento da sociedade, e, de forma mais específica, das
empresas multinacionais (GUNTHER, 2008: 109).
No que concerne às negociações coletivas, destacam-se na Declaração
Tripartite as seguintes recomendações: a) observância ao direito dos trabalhadores de
que a organizações representativas que considerem convenientes sejam reconhecidas
para fins de negociação coletiva (n. 49); b) garantia, por parte das empresas, dos meios
necessários para dar assistência aos representantes dos trabalhadores na conclusão
de efetivas convenções coletivas (n. 51); c) que as empresas multinacionais devem
facultar aos representantes dos trabalhadores nela empregados a condução de
negociações com os representantes da direção da empresa autorizados a decidir sobre
as questões objeto da negociação (n. 52); d) reconhecimento à garantia dos
trabalhadores de não sofrerem ameaças no decorrer das negociações coletivas e
enquanto estiverem exercendo seu direito de sindicalização (n. 53); fornecimento pelas
empresas de dados efetivos e concretos e informações necessárias aos trabalhadores
e entidades que os representem para a celebração de negociações coletivas eficazes
(n. 55) (OIT, 1977).
Em 1980, importantes consensos foram firmados pela Comissão de Negociação
Coletiva durante os trabalhos preparatórios para a Convenção n. 154. Um deles foi o
reconhecimento da possibilidade de fixar, por meio de negociação coletiva, condições
mais favoráveis para os trabalhadores do que as previstas em lei. Outro ponto
considerado fundamental para a eficácia das negociações coletivas foi a previsão de
que deveria ser observada a boa-fé, como resultado dos esforços voluntários e
persistentes de ambas as partes, evitando, assim, atrasos injustificados na negociação
e sendo respeitados mutuamente os compromissos assumidos (GUIDO e GERNIGON,
2000: 13).
A Convenção n. 154, aprovada em 1981, trouxe o atual conceito de negociação
coletiva firmado pela OIT:
42
Artigo 2 – (...) a expressão"negociação coletiva" compreende todas as
negociações que se realizam entre um empregador, um grupo de
empregadores ou uma ou mais organizações de empregadores, de um lado, e
uma ou mais organizações de trabalhadores, de outro, para: a) definir
condições de trabalho e termos de emprego; e/ou b) regular as relações entre
empregadores e trabalhadores; e/ou c) regular as relações entre empregadores
ou suas organizações e uma organização.
Para uma correta e eficaz utilização dos instrumentos de negociação coletiva, a
Comissão Coletiva de Trabalho, confirmando a interpretação inicialmente feita na
Conferência Internacional do Trabalho de 1951, estabeleceu o alcance dos termos
previstos nas convenções e recomendações da OIT, ratificando o entendimento
segundo o qual:
As partes são inteiramente livres para determinar, dentro dos limites da lei e da
ordem pública, o conteúdo de seu acordos e, consequentemente, também a
concordar com cláusulas que tratam de todas as condições de trabalho e de
vida, incluindo as medidas sociais de qualquer tipo (OIT, 2000: 23).
Complementando a Convenção n. 154, outra importante Recomendação (n. 163)
sobre a promoção da negociação coletiva foi aprovada em 1981, visando assegurar aos
trabalhadores acesso às “informações necessárias para poder negociar com
conhecimento de causa” (OIT, 1981).
A natureza voluntária da negociação coletiva, expressamente prevista no art. 4°
da Convenção n. 98, é outro aspecto relevante, considerado fundamental para sua
eficácia, segundo o Comitê de Liberdade Sindical da OIT. Por sua natureza voluntária,
a negociação coletiva não pode ser imposta às partes. Da mesma forma o exercício
eficaz do direito de negociação coletiva requer que as organizações de trabalhadores
sejam independentes, e que as negociações prossigam sem interferências indevidas
por parte das autoridades (GUIDO & GERNIGON, 2000: 13).
Um pouco mais recente é a Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos
fundamentais do trabalho, aprovada em junho de 1998, na 86ª Reunião da Conferência
Geral, em Genebra.
A Declaração constitui importante instrumento legal de fomento à negociação
coletiva, por meio da qual os Estados-membros reafirmam o seguinte compromisso,
como membros da OIT:
43
Respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e em conformidade com a
Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto
dessas convenções, isto é: a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do
direito à negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho
forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho infantil; e a eliminação da
discriminação em matéria de emprego e ocupação (OIT, 1998).
Percebe-se, portanto, que a OIT, por meio de suas normas, princípios e
atividades de cooperação técnica, vem desempenhando um papel de grande
importância na promoção da negociação coletiva, especialmente na consolidação das
diretrizes da negociação coletiva em caráter global, com o fim de torná-la viável e
eficaz, assim como para que possa ser adaptada aos diferentes meios em que sejam
realizadas, e às mudanças de caráter econômico, político e social. Desta forma
possibilita a existência de maior equilíbrio entre empregadores e trabalhadores, abrindo
possibilidades para novos avanços sociais.
3.4. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL: NORMAS PRIVADAS PARA
EFETIVIDADE DA JUSTIÇA SOCIAL NO PLANO INTERNACIONAL
A globalização da economia, com a expansão das empresas transnacionais e
multiplicação dos tratados de integração econômica, ocasionou profundas mudanças
nas
relações
sociais
internacionalização
das
no
âmbito
relações
global,
de
sobretudo
trabalho,
que
com
deu
o
fenômeno
ensejo
a
da
diversos
questionamentos, e também a um novo rol de normas jurídicas, inicialmente impostas
pelos Estados, que, aos poucos, cederam espaço para normas negociadas entre os
parceiros sociais (FRANCO FILHO, 1995: 60-67).
A fim de harmonizar este novo elenco de normas sociais, é que tem sido
admitida a negociação coletiva transnacional.
A negociação coletiva transnacional, ou internacional, anteriormente vista como
uma hipótese pouco provável, de difícil desenvolvimento, tem ganhado maior
credibilidade nas últimas décadas. Apesar das dificuldades ainda existentes, o
panorama atual apresenta uma diversidade de fatores que tem contribuído para que
esta forma de negociação coletiva alcance progressivamente maior relevância,
44
tornando-se
um
instituto
capaz
de
traduzir,
na
prática,
a
tendência
de
internacionalização do Direito do Trabalho (RACCIATTI e ROSENBAUM, 2006: 91-92).
Octavio Racciatti e Jorge Rosenbaum (2006, p. 93) aduzem que, do ponto de
vista teórico, o desenvolvimento da negociação coletiva transnacional deveria constituir
uma consequência necessária de, pelo menos, três importantes fenômenos que
emergem do contexto econômico internacional.
O primeiro destes fenômenos estaria relacionado aos processos de integração
econômica regional, que, segundo os autores, deveriam abrir caminho para a expansão
da autonomia coletiva. Todos os processos de integração econômica acarretam
múltiplos efeitos sociais, e, dentre estes, as implicações trabalhistas. Assim, enquanto
existe uma expectativa de efeitos trabalhistas positivos a longo prazo, em consequência
do crescimento político e econômico do bloco, no curto prazo são inevitáveis os efeitos
sociais negativos, como o desemprego setorial, e o risco da ocorrência de “dumping
social” entre os próprios países membros do grupo na competição pelo mercado
interno, e também com outros países. Paralelamente, a médio prazo, verificam-se
influências recíprocas entre os sistemas de relações trabalhistas dos países que se
integram,
o
que
proporciona,
e
facilita,
o
surgimento
de
um
novo
nível
internacional/regional de relações de trabalho (RACCIATTI e ROSENBAUM, 2006: 93).
A integração regional não acontece somente na esfera econômica. Prescinde
também de uma dimensão social, que contribui para precaver e administrar os efeitos
sociais. Nesse contexto a autonomia coletiva assume um papel prático e eficaz para
facilitar a instrumentalização das políticas macroeconômicas e administração das
principais consequências e transformações que estas políticas projetam sobre as
estruturas produtivas e comerciais dos países, das categorias setoriais e das empresas,
assim como sobre o mercado de trabalho, as condições de trabalho, a produtividade, os
custos trabalhistas e a competitividade internacional. O desenvolvimento de instâncias
de auto regulação por parte dos atores sociais cumpre, nesse contexto, a tripla função –
normativa, conciliadora e participativa – que estas grandes transformações requerem
para sua viabilização (ROSENBAUM, 2006: 93-94).
O segundo fenômeno apontado como facilitador do desenvolvimento da
negociação coletiva internacional, são as transformações decorrentes da globalização e
45
integração regional econômica, que representam mudanças no sistema social,
provocando um redimensionamento da dinâmica das relações trabalhistas ao
apresentar um novo contexto para o desenvolvimento dessas relações. Há uma
tendência à internacionalização dos atores e de suas relações, o que também se revela
como
incentivo
ao
desenvolvimento
de
negociações
coletivas
internacionais
(ROSENBAUM, 2006: 94).
Por fim, a expansão das empresas multinacionais e a formação de grupos
econômicos constituem mais uma peça, dentre as diversas configurações, processos,
estruturas e relações que transcendem o Estado-nação e compõem a economiamundo, reforçando a transnacionalização das relações laborais, abrindo espaço para o
desenvolvimento das negociações coletivas transnacionais.
Quanto ao objetivo principal das negociações coletivas transnacionais, o mesmo
consiste na redução da diferença de direitos entre os trabalhadores no âmbito global,
com o fim de superar os limites inerentes à territorialidade dos sistemas jurídicos, e
prolongar o alcance do direito internacional do trabalho para onde não há controle direto
do Estado, sobretudo nas empresas (DAUGAREIILH, 2005).
Segundo Geraldo Cedrola Spremolla (1995: 65):
La negociación colectiva que, en mérito de los actores que participen y de los
asuntos que pretende regular, es capaz de trasponer las fronteras de un
Estado, buscando imponer sus efectos en distintos sistemas nacionales de
relaciones laborales. Esta modalidade de negociación colectiva, se distingue de
la modalidade nacional, por cuanto busca trascender el marco de un sistema de
relaciones laborales, dirigiéndose a una pluralidad de sistemas.
Assim partindo do conceito de negociação coletiva firmado pela OIT (Convenção
154), e analisando-o juntamente com as lições de Geraldo Spremolla, a negociação
coletiva internacional pode ser entendida como uma negociação realizada entre
empregadores ou organização de empregadores e uma ou mais organização de
trabalhadores que tem por fim disciplinar relações de trabalho que, em razão das partes
negociantes, ou ainda dos assuntos que pretendem regular, produzem efeitos em
distintos sistemas trabalhistas nacionais, transpondo as fronteiras de um Estado para
dirigir-se a uma pluralidade de sistemas.
46
Os ensinamentos de Adrián O. Goldin e Silvio Feldman (2008: 68) ampliam o
entendimento do instituto, ao definirem a negociação coletiva internacional nos
seguintes termos:
processo com certos traços convergentes, a partir de realidades
significativamente diferentes que, por sua vez, abre novas perspectivas a
respeito da representação potencial que pode jogar a negociação coletiva como
fonte normativa no processo de integração e, mais em geral, a participação dos
protagonistas sociais em seus avanços e estilo de desenvolvimento.
Os autores, ao enfatizaemr o importante papel dos sujeitos sociais neste
processo de integração, destacam que, apesar de se tratar de um processo que incide
em diferentes realidades sociais e econômicas, a negociação coletiva internacional
contribui para o processo de integração social global.
Este entendimento é compartilhado também por Ermida Uriarte (1996: 214):
Así mismo, tanto el marco de los procesos de integración como en el de la
denominada globalización de la economia, la acción sindical internacional
podría o debería ser un importante factor extra nacional de convergencia, que
en el plano teórico debería llegar a plasmar una negociación colectiva
transnacional que incorporara una fuente autónoma supranacional al Derecho
laboral. Sin embargo son casi inexistentes los avances alcanzado sin esta
materia en Latinoamérica... Parecería que las dificultades técnicas y políticas
que se oponen a una unificación sindical extra nacional y la concreción de
convenios colectivos de ese nivel, se ven potenciadas por la debilidad sindical
que en algunos países latinoamericanos ha sido crónica, y en otros se ha
verificado o acentuado recientemente, de conformidad con una tendencia
mundial.
Ainda que reconhecida a importância da negociação coletiva para maior
equilíbrio nas relações de trabalho e para a garantia de direitos trabalhistas básicos aos
trabalhadores em nível global, muitas são ainda as dificuldades enfrentadas para sua
aplicação e efetividade.
Jorge Rosenbaum e Octavio Racciatti (2006: 96-99) apontam os principais
obstáculos impostos à negociações coletivas transnacionais, que podem ser
sintetizados da seguinte forma: 1) inadequação das estruturas das organizações
sindicais e das organizações de empregadores para realização de negociações
coletivas transnacionais; 2) ausência de uma vontade negociadora efetiva e
convincente dos interlocutores sociais para concluir acordos coletivos, o que verifica-se,
47
de forma mais acentuada, entre os empregadores e suas organizações; 3) as atuais
carências do sindicalismo, que revelam, salvo algumas exceções, que as organizações
de trabalhadores não possuem poder suficiente para levar as organizações de
empregadores e os grupos multinacionais às mesas de negociações; 4) a debilidade
sindical no mercado, no qual a empresa tem assumido um papel de protagonista e as
organizações sindicais tem perdido espaço, possuindo um papel cada vez menos
decisivo; 5) acúmulo de dificuldades de ordem prática, muitos dos quais se acentuam
ou decorrem quase que exclusivamente da realidade regional à qual pertencem os
países negociantes, tal qual a falta de amadurecimento do processo de integração do
Mercosul, resultantes também das políticas e programas econômicos implementados
pelos Governos, que constituem sérios óbices para o desenvolvimento das negociações
coletivas transnacionais, na medida em que muitas vezes limitam os conteúdos
suscetíveis à negociação, e, ainda, a imprecisão do conteúdo de algumas expressões
concretas deste fenômeno, que transformam os termos discutidos em meras
declarações programáticas ou expressão do desejos das partes negociantes; 6)
problemas técnicos (jurídicos), concernentes à existência de uma diversidade de
legislações nacionais sobre negociação coletiva e a ausência paralela de um
ordenamento internacional unitário sobre a matéria, o que constitui uma barreira de
difícil transposição para uma negociação coletiva internacional.
Georgenor de Sousa Franco Filho (1995: 60-67) destaca o papel do sindicato na
superação das dificuldades à efetivação das negociações coletivas transnacionais,
propondo o estímulo à criação de organizações internacionais de sindicatos para a
negociação de contratos coletivos internacionais, mantendo-se o respeito às diferenças
locais de cada país e atendendo às características de cada região.
Luiz Eduardo Gunther (2008: 117), ao compreender o direito não só como aquilo
que é posto, mas também como o que pode ser conquistado e recriado, sugere uma
reelaboração da negociação coletiva, “para que a sua efetividade ultrapasse as
barreiras nacionais, seja um ímã agregador das reivindicações do proletariado
internacional, estabelecendo, ainda, certa previsibilidade na atividade mundializada das
empresas.” Assim, a negociação coletiva transnacional obteria a agilidade e eficiência
necessárias para o aprimoramento das relações de trabalho no âmbito mundial.
48
3.5. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL NA UNIÃO EUROPEIA
A União Europeia adota como um de seus princípios basilares o princípio do
diálogo social, que prestigia o diálogo entre trabalhadores e empregadores, como
parceiros sociais, e destes com as instituições da União Europeia, a fim de equilibrar a
relação entre trabalhadores e empregadores e impulsionar reformas sociais. Essa
tradição social permitiu a disseminação das negociações coletivas internacionais nesta
região, onde foram assinados a maioria dos acordos globais vigentes. Deste modo,
possui grande relevância a análise das negociações coletivas transnacionais na União
Europeia para melhor compreensão do desenvolvimento desse importante instrumento
de negociação trabalhista.
Desde 1957, com a criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE), por
meio do Tratado de Roma, já era clara a preocupação social dos países europeus,
figurando, entre os objetivos da CEE, no referido tratado, além do progresso econômico
e social dos países membros, a busca por melhores condições de trabalho para seus
povos. O novo mercado comum europeu favoreceu a internacionalização das relações
de trabalho, e, por conseguinte, da negociação coletiva. Esse contexto possibilitou a
prática da negociação coletiva transnacional ainda em meados do século XX, quando
ocorreu a convenção coletiva sobre condições de trabalho no setor de transporte fluvial
do Reno de 1958 (STEVIS, 2010).
Antes mesmo do Tratado de Roma, já existia uma incipiente representação
sindical em nível comunitário europeu, iniciada com a criação da Confederação
Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL), em 1950, e ampliada com a
posterior Confederação Européia de Sindicatos (CES), fundada em 1973, composta
pelas Centrais Sindicais Nacionais e pelas quatorze federações europeias, por ramos
de produção, estabelecendo o diálogo social com os empregadores e representando os
sindicatos junto ao Comitê Econômico Social (LIMA, 2006).
Os empregadores também possuem uma organização sindical que representa os
interesses das empresas no diálogo com os parceiros sociais e com o Governo. Criada
como União das Confederações das Indústrias dos Empregadores da Europa (UNICE),
49
atualmente é denominada Business Europe9. Possui como membros quarenta e uma
federações de empregadores industriais, em trinta e cinco países diferentes,
representando pequenas, médias e grandes indústrias europeias, atuando na defesa
dos interesses das empresas filiadas, e contribuindo para a promoção de políticas
concernentes às atividades empresariais e políticas sociais.
Como interlocutor social que representa os organismos e empresas com
participação pública, há o Centro Europeu de Empresas Públicas (CEEP), que assim
como a Business Europe e o CES, é uma instituição interprofissional, organizada em
nível europeu, com representantes em todos os Estados Membros, representando os
interlocutores sociais que atuam na prestação de serviços de interesse público, para
realizarem negociações coletivas e atuarem efetivamente na aplicação do Acordo sobre
Política Social10.
Dentre os documentos que representaram certo avanço na atuação dos
sindicatos em nível comunitário, beneficiando as negociações coletivas na União
Europeia, está a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos
Trabalhadores, de 1989, que previu que os direitos sociais fundamentais não poderiam
ser questionados pela busca econômica da competitividade, prevendo ainda a liberdade
de associação e negociação coletiva11.
Um dos mais importantes marcos para a negociação coletiva comunitária no
âmbito da União Europeia, no entanto, foi o Tratado de Maastricht, celebrado em 1992,
que teve como um de seus princípios basilares desenvolver a vertente social da
Comunidade Europeia. Houve um alargamento das competências comunitárias por
meio do protocolo social, anexo ao Tratado, que teve como objetivos principais a
promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, o diálogo social
e a adequada proteção social aos trabalhadores, sem, contudo, contar com a
participação do Reino Unido. O Tratado de Maastricht reconheceu o direito dos
interlocutores sociais europeus realizarem negociações coletivas, e passou a aprovar
9
BUSINESS EUROPE, disponível em http://www.businesseurope.eu/content/default.asp?PageID=600
CEEP. Informações disponíveis no sítio eletrônico http://www.ceep.eu/
11
EUROPEAN UNION. Carta comunitaria de los derechos sociales fundamentales de los
trabajadores.
Disponível
em
http://europa.eu/legislation_summaries/human_rights/fundamental_rights_within_european_union/c10107
_es.htm.
10
50
regulamentos na forma de diretrizes, que assegurava direitos mínimos aos
trabalhadores europeus12.
No âmbito da União Europeia destacam-se ainda os acordos marcos
internacionais realizados pelas representações profissionais internacionais com o
objetivo de assegurar, por meio de negociação, normas mínimas de trabalho a serem
observadas pelos empregadores nas diferentes unidades das empresas. São
exemplos, os acordos celebrados entre a empresa BSN (Danone) e a União
Internacional dos Trabalhadores em Alimentação, Agricultura, Hotelaria, Restaurantes,
tabaco e afins – UITA, e entre o grupo empresarial do setor de hotelaria ACCOR e a
mencionada UITA. Na mesma esteira se destacam os acordos coletivos realizados
entre organizações sindicais de empregadores e de trabalhadores, tal qual o acordo
firmado entre a Associação dos Proprietários de Embarcação da Comunidade Europeia
(ECSA) e a Federação dos Sindicatos de Transporte da União Europeia, que
estabelece limite de jornada, intervalos legais e férias dos trabalhadores do setor (LIMA,
2006).
Observa-se, portanto, que a prática da negociação coletiva transnacional na
União Europeia tem se tornado constante, apesar das dificuldades que ainda enfrentam
as negociações coletivas transnacionais, o que contribui na consolidação deste
importante instrumento legal.
3.6. NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS NO MERCOSUL
O Mercosul começa a dar seus primeiros passos para instituir uma dimensão
social no seu processo de integração regional. Tendo como um dos países membros o
Brasil, faz-se relevante a análise do desenvolvimento das negociações coletivas
transnacionais neste bloco econômico para entender como o país está incorporando
este mecanismo de negociação internacional no contexto regional.
No início da década de 1990 as organizações sindicais dos países que hoje
integram o Mercosul passaram a reconhecer a integração regional como importante
proposição a ser discutida, adotando uma posição crítica acerca dos rumos da
12
Tratado de Maastricht. Disponível em http://eur-ex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html
51
integração, considerada, então, sinônimo de liberalização comercial e econômica, e
temendo as possíveis consequências que sofreriam os trabalhadores dos países
envolvidos no processo de integração, sendo a redução do nível de emprego, o
estímulo ao dumping social e o aumento do desemprego as maiores preocupações dos
dirigentes sindicais (VIGEVANI, 1997).
Essa preocupação levou os sindicatos a participarem mais ativamente do
processo de integração, buscando evitar prejuízos sociais aos trabalhadores em prol da
competitividade econômica, que motivara o processo de integração, tendo como
principais bandeiras a luta pela ratificação das convenções da OIT e a elaboração de
uma Carta Social ou de Direitos Fundamentais do Mercosul.
Assim foi que, ainda no início da integração regional, as entidades sindicais
nacionais, por suas centrais, se uniram para conjuntamente influírem na formação do
Mercado Comum de modo que nesse fossem levados em conta os legítimos interesses
das categorias econômicas e profissionais afetados pelo processo de integração. Para
isso foi criada a Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que reúne
as centrais sindicais dos países componentes do Mercosul e de seus associados
(Bolívia e Chile), constituindo, a partir de então, a estrutura organizacional laboral em
nível regional para negociação coletiva supranacional (SOARES FILHO, 2007: 2/2).
Em dezembro de 1998 foi assinada a Declaração sócio-laboral do Mercosul, com
o fim de aprofundar a dimensão social do processo de integração regional,
considerando as principais convenções da OIT, os direitos fundamentais dos
trabalhadores, e outros instrumentos legais concernentes aos direitos trabalhistas
(GUNTHER, 2008: 110).
A Declaração Sociolaboral prevê como direito dos trabalhadores no âmbito do
Mercosul a plena liberdade de associação e de ser representado por sindicatos em
observâncias às legislações nacionais, destacando que “empregadores ou suas
organizações e as organizações ou representações de trabalhadores têm direito de
negociar e celebrar convenções e acordos coletivos para regular as condições de
trabalho, em conformidade com as legislações e práticas nacionais”13.
13
Artigo 10 da Declaração Sociolaboral do Mercosul
52
As Convenções da OIT que versam sobre a negociação coletiva têm sido bem
aceitas pelos países do MERCOSUL, tendo todos os países membros ratificado a
Convenção n. 98, que prevê o direito de sindicalização e negociação coletiva. A
Convenção 154, sobre o incentivo à negociação coletiva foi ratificada por Brasil
Argentina e Uruguai, e a Convenção n. 87, que trata da liberdade sindical, também foi
ratificada pelos países membros, à exceção do Brasil (GUNTHER, 2008: 113).
As principais entidades sindicais com competência para representar os
trabalhadores e defender seus interesses no âmbito regional são a Coordenação de
Centrais Sindicais do Cone Sul, que reúne as Centrais Sindicais dos países membros,
representando seus sindicatos laborais e seus trabalhadores; e o Conselho Industrial do
Mercosul, que representa os empregadores nas questões sociolaborais no âmbito do
Mercado Comum, podendo ainda os sindicatos de determinado setor, ou trabalhadores
de uma empresa especifica, firmar acordos e convenções coletivas diretamente com as
empresas e sindicatos patronais, assistidos pela Coordenação de Centrais Sindicais do
Cone Sul (SOARES FILHO, 2007).
Percebe-se, portanto, que a negociação coletiva pode ser utilizada como um
importante instrumento de coesão dos países do Mercosul, tornando o bloco mais
homogêneo a partir da sua dimensão social, da uniformidade de condições e
procedimentos
no ambiente de trabalho; podendo, inclusive, concorrer para a
instituição de marcos regulatórios no direito internacional do trabalho, e permitir a
efetiva participação dos atores sociais no processo de integração regional, dando
ênfase à observância dos direitos sociais no processo de integração.
Neste aspecto, merece destaque a primeira negociação coletiva firmada no
âmbito do Mercosul, que resultou no acordo global assinado pela empresa Volkswagen
da Argentina e do Brasil, e pelo Sindicato de Mecânicos de Automotores da Argentina,
que destacava a “necessidade de estender acordos das relações entre capital e
trabalho no âmbito do Mercosul” , e previa entre suas disposições: o intercâmbio de
informações, reunião anual entre empresas e sindicatos, a prevenção de conflitos por
meio do diálogo permanente, formação profissional homogênea, reconhecidos os
cursos de capacitação em qualquer estabelecimento das empresas no Mercosul, entre
outras (LIMA, 2006).
53
Segundo Jorge Rosenbaum e Octavio Racciatti (2006:119), esse acordo coletivo
diferencia-se dos demais por não se tratar de negociação coletiva firmada entre um
grupo multinacional e um sindicato ou federação internacional ou regional. Esse é um
acordo celebrado, pelo lado do empregador, pelas respectivas subsidiárias da
Argentina e do Brasil, e pelo lado dos trabalhadores, pelas correspondentes
organizações ou comitês que os representam. Em certo sentido, é uma manifestação
de um maior grau de descentralização da tomada de decisões e gestão local da
empresa multinacional. Mas, ao mesmo tempo, é evidente que o acordo é parte da
tendência internacional, já descrita, em direção ao estabelecimento de acordos
regulatórios que constituem uma referência para as futuras relações entre as partes.
54
4. ACORDOS GLOBAIS: INSTRUMENTOS CONCRETOS DE NEGOCIAÇÃO
COLETIVA TRANSNACIONAL
Os acordos globais, ou acordos marco internacionais, são instrumentos
idealizados a partir da década de 1960, e que tem gerado um impacto crescente,
especialmente a partir do início deste século, no estabelecimento de normas
transnacionais, no âmbito das empresas, constituindo padrões no campo social e
laboral a serem observados e aplicados nas relações trabalhistas estabelecidas nas
corporações transnacionais. (Platzer e Rub, 2014: 03)
Trata-se de uma abordagem desenvolvida pelas Federações Sindicais
Internacionais (FSI), que operam em setores específicos, com o objetivo de utilizar
negociações e acordos com a administração central das empresas transnacionais
(ETN) para implementar componentes específicos de relações trabalhistas em nível
transfronteiriço. (Platzer e Rub, 2014: 03).
Os acordos globais tem origem essencialmente europeia, continente com forte
tradição de diálogo social, onde ainda são realizados a grande maioria dos
mencionados acordos. Mas, ainda que enfrente certa resistência, já existem acordos
dessa natureza assinados por empresas britânicas, canadenses, japonesas, sulafricanas, e, também, empresas brasileiras, dentre os mais de cem acordos marco
internacionais já assinados por empresas transnacionais, indicando uma animadora
tendência de expansão desses importantes instrumentos de negociação.
Por meio dos referidos acordos, as empresas transnacionais se comprometem
ao cumprimento e implementação (descentralizada) dos padrões sociais firmados, com
base no corpo de direitos humanos sociais internacionalmente codificados tais quais as
normas fundamentais do trabalho estabelecidas pela OIT, presentes na grande maioria
dos acordos assinados. Esse compromisso também se aplica às sucursais das EMN‟s,
e também, ainda que de forma um pouco diluída, a fornecedores e parceiros. (Platzer e
Rub, 2014: 03).
Esses acordos têm se mostrado especialmente úteis para superar a assimetria
gerada pela globalização, residente no fato de que enquanto o objetivo da ação das
empresas multinacionais é crescentemente global, as condições e termos de trabalho
55
dos empregados continuam a ser determinado primariamente no âmbito nacional,
variando muito de um país para outro. (Papadakis et al., 2008: 67)
Ao
possibilitar
a
regulação
e
organização
das
relações
de
trabalho
transfronteiriças pelos próprios interessados, os acordos globais podem ser encarados
como uma plataforma de testes práticos de governança privada, que podem fornecer
pistas importantes para determinar se, e em que medida, um sistema de normas e
regras pode ser eficaz na aplicação dos direitos humanos sociais quando desenvolvido
e aplicado através de uma abordagem política baseada na autorregulação por parte de
atores sociais. (Platzer e Rub, 2014: 03)
4.1 ACEPÇÃO E ASPECTOS GERAIS DOS ACORDOS GLOBAIS
Segundo definição da OIT14, o acordo global, ou acordo marco internacional, “é
um instrumento de negociação entre uma empresa multinacional e uma Federação de
Sindicatos Internacionais, a fim de estabelecer uma relação contínua entre as partes e
garantir que a empresa respeite os mesmos padrões em todos os países onde atua.”
Embora ainda haja divergência entre os estudiosos acerca da natureza dos
acordos globais15, o conceito apresentado pela OIT nos permite concebê-lo como um
instrumento concreto de negociações coletivas transnacionais.
Trata-se de acordos de âmbito mundial, realizados diretamente entre capital e
trabalho16, entre empresas multinacionais e organizações sindicais internacionais que
representam os trabalhadores em nível global, nos quais estas entidades são
reconhecidas pelas empresas multinacionais como partes legítimas para, por meio de
negociações e do diálogo, resolver conflitos e estabelecer condições de trabalho.
A principal característica que os diferencia de demais acordos firmados a partir
do diálogo social é o fato das empresas multinacionais reconhecerem a entidade que
representa os trabalhadores como um ator global, seja uma federação sindical mundial
ou uma organização global de funcionários, rompendo com uma posição historicamente
13
OIT, Imprensa, 2007. Disponível em http://www.ilo.org/global/about-the
ilo/newsroom/features/WCMS_080723/lang--en/index.htm (traduçao livre)
15
STEVIS, Dimitris. International framework agreements and global social dialogue: Parameters and
prospects. International Labour Organization. Employment Working Paper No. 47, ILO.
16
Idem
56
adotada pelas empresas, que se recusavam a ter qualquer tipo de interações, ainda
que informais, com os sindicatos de âmbito global, para não lhes conferir legitimidade.
(Stevis, 2010: 5)
Originariamente os acordos globais surgiram em decorrência do enfraquecimento
do Estado-nação (Hammer, 2008: 89) e como resposta dos trabalhadores ao
crescimento da influência das corporações transnacionais nas relações industriais na
década de 1960, por meio das três secretarias internacionais do comércio (atualmente
renomeadas federações sindicais internacionais), que pretendiam evitar a existência de
fragmentação
do
movimento
laboral
nas
negociações
com
as
corporações
transnacionais. (Gallin, 2008: 16)
Nessa conjuntura também se destaca o papel dominante da OMC, juntamente
com o Banco Mundial e o FMI na formação da arquitetura internacional de comércio e
finanças, que facilitou o processo de globalização da economia, sem que, no nível
internacional,
nenhum
contrapeso
que
pudesse
desafiar
esses
elementos
arquitetônicos dominantes tenha sido capaz de estabelecer-se institucionalmente nas
áreas relevantes para a política social ou laboral, apesar das normas sociais previstas
nos acordos comerciais mundiais, ou mesmo da OIT, que não cumpriu inteiramente seu
objetivo de trazer uma dimensão social para a globalização, apesar das várias
tentativas que empreendeu desde os anos 1990. (Platzer e Rub, 2014: 4).
Os acordos globais são acordos voluntários, não sujeitos a qualquer requisito
legal ou regulamentar (Bourque, 2005: 13). Em razão disso, no início, poucas empresas
aceitaram receber as delegações das secretarias internacionais do comércio para
discutir os problemas que afetavam as relações industriais e suas operações, e, ainda
assim, recuavam quando percebiam que as entidades laborais envolvidas esperavam
alguma forma de compromisso vinculativo e sérias mudanças nas práticas corporativas
da empresa. Assim, não obstante a persistência dos sindicatos, e ampliação de sua
organização e atuação, não existiram acordos quadros internacionais nas décadas de
1960-1970. (Gallin, 2008: 25).
O primeiro acordo marco internacional foi assinado somente em 23 de agosto de
1988, pela International Union of Food and Allied Workers’Association (IUF) e a
companhia transnacional de alimentação BSN (atual Danone, desde 1994), sob o título
57
de “Ponto de Vista Comum IUF/BSN”, em um ambiente amigável de mútuo respeito e
confiança, fora de qualquer contexto de conflito, prevendo, por acordo comum entre as
partes, a promoção de iniciativas coordenadas em todo o grupo BSN, em quatro
questões: a) uma política para formação de competências a fim de antecipar as
consequências da introdução de novas tecnologias ou reestruturação industrial; b) uma
política visando alcançar o mesmo nível e a mesma qualidade de informação, nos
campos econômicos e sociais em todos os locais de subsidiárias da BSN; c)
desenvolvimento de condições para assegurar efetiva igualdade entre homens e
mulheres no trabalho; d) a implementação dos direitos sindicais, conforme definido em
convenções da OIT 87, 98 e 135. (Gallin, 2008: 26)
O mencionado acordo global, firmado pela Danone, incluindo os acordos
subsidiários, definiu os padrões para novos acordos marco internacionais com
empresas transnacionais, e se destaca, ainda nos dias atuais, por sua abrangência e
efetividade (Gallin, 2008: 29).
A negociação dos acordos globais normalmente ocorre por iniciativa de uma
federação nacional filiada a uma FSI (Federação Sindical Internacional) no país onde a
multinacional tem sua sede, por meio de contatos informais com o departamento de
recursos humanos da empresa. As trocas de informações preliminares entre as FSI e
orientações direcionadas às empresas multinacionais também são informais, e, em
muitos casos, não são mantidas devido à relutância da direção das empresas em iniciar
negociações formais com organizações sindicais internacionais, sem que exista a
obrigação legal de firmar tais acordos. (Bourque, 2005: 14).
Após os primeiros contatos, os secretários das FSI preparam uma minuta de
acordo, que é enviado às federações ou sindicatos nacionais, sendo feitas as
modificações necessárias para que sejam abordados os problemas específicos que os
sindicatos enfrentam junto à empresa multinacional. Discussões e trocas de propostas
são feitas principalmente por meio da internet, por correio ou por telefone, se
necessário, sendo preparados pela FSI à qual é ligada a entidade sindical novos
projetos de acordo resultantes das alterações introduzidas na negociação. A duração
média das negociações é de seis meses, havendo registro de casos que já duraram até
quatro anos. (Bourque, 2005: 14)
58
Esses acordos globais preveem princípios e direitos fundamentais do trabalho,
que incluem a abolição do trabalho infantil, a proibição do trabalho forçado, a
eliminação de todas as formas de discriminação, a liberdade de associação e a
previsão de negociação coletiva, fazendo referências às principais Convenções da
OIT.17 As demais disposições variam de um acordo para outro, podendo referir-se a
outras questões abrangidas por normas da OIT, relacionadas à saúde e segurança no
trabalho, salários, treinamentos, entre outros temas, dentre os quais tem ganhado
destaque crescente nos acordos a referência à cadeia de fornecimento, mesmo que as
empresas fornecedoras não sejam parte do acordo. As empresas multinacionais firmam
o compromisso de informar a todas as subsidiárias e fornecedores acerca das
condições firmadas no acordo, recomendando a adoção das medidas pactuadas, e
acompanhando a adoção dessas medidas, por meio de mecanismos de controle de
cumprimento dos acordos, ou impondo-as como obrigações do contrato (Muller et al.,
2008: 5).
O conteúdo dos acordos marco internacionais mais recentes tem abrangido
ainda questões que ultrapassam o campo do direito do trabalho, incluindo novas
questões relacionadas às condições de vida dos trabalhadores, suas famílias e de
outros cidadãos influenciados pelas atividades da empresa. Um número crescente de
acordos globais têm incluído políticas de combate à AIDS. Como passam a integrar as
estratégias
de
responsabilidade
social
corporativa
da
empresa,
os
acordos
frequentemente tem abordado também questões socioambientais, como a proteção ao
meio ambiente, que permite, inclusive, uma atuação mais ampla dos sindicatos na
condução destas questões. (Sobczak, 2007: 123)
Para garantir a validade e eficácia das normas acordadas, os mecanismos de
implementação e procedimentos de monitoramento são elementos decisivos, que
merecem especial atenção.
Com a conclusão de um acordo global, as empresas comprometem-se a
observar certas condições mínimas de trabalho. Sob o ponto de vista das FSI, é da
empresa, portanto, a maior responsabilidade pela aplicação sistemática e observância
17
SOBCZAC, André. Legal Dimensions of International Framework Agreements in the Field of
Corporate Social Responsibility. Industrial Relations, vol. 62, n° 3, 2007, p. 466-491
59
do acordo, porque elas tornam-se responsáveis pela integração do conteúdo dos
acordos na política corporativa e por assegurar sua execução por meio dos sistemas de
gestão existentes. Para as FSI, duas condições prévias são fundamentais para o
sucesso da implementação de um acordo global: em primeiro lugar a tradução dos
acordos para todas as línguas que sejam relevantes para cada estabelecimento
empresarial; em segundo lugar, a garantia de que todos os trabalhadores da empresa
serão informados sobre o conteúdo do acordo – incluindo os empregados das filiais,
fornecedores e subempreiteiros. (Platzer e Rub 2014: 11)
Os procedimentos de publicação, notificação e distribuição dos conteúdos do
acordo em todos os locais onde atua a empresa incluem: publicação do acordo no site
da empresa e em relatórios sociais e de sustentabilidade, a distribuição de panfletos,
bem como a publicação de anúncios em todos os estabelecimentos da empresa. Em
alguns casos, procedimentos mais complexos são empregados, como reunião regulares
com a gestão de todas as filiais. Ao lado dessas medidas tomadas pelas empresas, as
FSI também contribuem para a distribuição e publicação do conteúdo dos acordos,
organizando seminários e oficinas regulares para implementação dos acordos com
representantes sindicais e trabalhadores de diferentes regiões do mundo e incentivando
as entidades sindicais filiadas a informar os representantes dos trabalhadores acerca
do conteúdo dos acordos globais em todas as reuniões locais e nacionais. (Platzer e
Rub, 2014: 11)
Outro ponto crucial, sob o ponto de vista das FSI, é a criação de mecanismos
eficazes de acompanhamento do acordo, desafio central na implementação de um
acordo global, e que pode ser feito por meio de diferentes abordagens. Um dos
procedimentos utilizados é o acompanhamento por meio de certificação externa,
auditoria, ou órgãos similares, o que não é bem aceito pelos empregados e sindicatos
laborais. Em primeiro lugar, devido à complexidade da cadeia de produção, que dificulta
o monitoramento de todos os fornecedores por parte dos agentes externos.
Outro
motivo é a falta de experiência e know-how das agências externas para acompanhar o
cumprimento de direitos sociais e trabalhistas. Por fim, existe o perigo de que os
representantes sindicais e dos trabalhadores sejam excluídos do processo de
supervisão dos acordos internacionais, e que as empresas que contrataram as
60
agências externas retenham o controle exclusivo sobre o processo de monitoramento.
Assim, as FSI só tendem a aceitar a supervisão externa como instrumento
complementar para monitorar rede de fornecedores complexos e extensos, e apenas
nos casos em que existem acordos claros sobre o processo de acompanhamento
concreto e utilização dos resultados gerados por essas agências. (Platzer e Rub, 2014:
11)
Para as FSI, o único sistema eficaz para garantir uma “supervisão independente”
é o monitoramento no local por empregados e seus sindicatos, embora faltem os
recursos necessários para tanto, uma vez que o monitoramento nestes moldes exigiria
a presença de sindicatos independentes em cada uma das sedes da empresa e de
seus fornecedores. Diante deste cenário, a maioria das FSI concentram seus esforços
em fazer parte do desenvolvimento de procedimentos de monitoramento elaborados
pelas empresas, sendo continuamente informados e consultados durante este
processo. (Platzer e Rub, 2014: 12)
A criação de mecanismos eficazes de resolução de conflitos para resolver
violações às estipulações de um acordo quadro internacional representa mais um passo
importante na implementação prática destes acordos. A resolução de conflitos entre as
empresas e os trabalhadores tornam-se mais fáceis quando os sindicatos e empresas
desenvolvem antes, e independentemente, de quaisquer disputas concretas,
um
processo específico e eficiente para lidar com possíveis violações dos acordos, com a
respectiva previsão de sanções na hipótese de não serem sanadas as infrações.
(Platzer e Rub, 2014: 12)
Vários AMI‟s definem procedimentos especiais que permitem aos trabalhadores
registrarem reclamações quando os direitos previstos nos acordos não são respeitados.
Normalmente o representante local dos trabalhadores se reúne com a gestão local. Não
havendo resolução do problema, os trabalhadores ou sindicatos podem entrar em
contato com o sindicato nacional da empresa. Se ainda assim o problema não for
resolvido, a questão terá que ser discutida diretamente pelos signatários do AMI.
(Sobczak, 2007: 124)
Na sua grande maioria, os AMI‟s estabelecem um acompanhamento regular, seja
pela CER, ou por um comitê especial de signatários. Normalmente é realizada uma
61
reunião anual entre a gestão da empresa e a parte que representa os trabalhadores
para discutir acerca das ações adotadas e das dificuldades enfrentadas na
implementação do acordo, como também para realizar alteração no texto inicial e
avaliar o impacto do AMI. (Sobczak, 2007: 124)
Dentre os objetivos almejados pelas Federações Internacionais por meio da
celebração de acordos marcos internacionais destacam-se a garantia de padrões
mínimos de trabalho em todos os locais onde atua a empresa transnacional pactuante,
seus fornecedores e subsidiárias, com o fim de melhorar as condições gerais de
trabalho; estabelecer um relacionamento contínuo de diálogo e negociação com a
empresa transnacional e suas diretorias e gerências regionais e nacionais, uma vez que
essas empresas reconhecem estas entidades sindicais como legítimas representante
dos trabalhadores na assinatura de um acordo global; usar os acordos marco
internacionais para colaborar com a organização de estruturas sindicais nos locais
operados pelas empresas multinacionais e seus fornecedores; bem como utilizá-los
para
criação
de
uma
rede
sindical
internacional
relacionada
às
empresas
transnacionais, a fim de melhorar a cooperação entre as organizações sindicais, uma
vez que uma eficaz estrutura de representação sindical dos trabalhadores no âmbito
local, e a cooperação sindical em esfera global, são essenciais para um processo
duradouro de melhoria contínua das condições de trabalho no domínio internacional.
Por outro lado, percebe-se, por parte das ETN‟s, que uma boa parte das que
firmaram acordos globais demonstravam abertura para o diálogo social com os
sindicatos anteriormente, no âmbito local, nacional, ou internacional. Em outros casos,
porém, as empresas multinacionais têm negociado um acordo desse tipo com o nítido
fim de restaurar sua imagem corporativa manchada por denúncias públicas de práticas
de negócios ou de trabalho irregulares (Bourque, 2005: 13).
Entretanto, percebe-se que, ainda que desenvolvidos em um ambiente de
conflito, não abrangendo todo o conteúdo possível, e, mesmo que haja dificuldades de
divulgação e implementação, os acordos globais, dos mais simples aos mais amplos,
sempre terão o importante papel de promover o diálogo social entre empresa e
trabalhadores, o que constitui o primeiro passo para relações sociais mais equitativas e
justas.
62
4.2 EVOLUÇÃO QUANTITATIVA E ANÁLISE QUALITATIVA
A crescente vulnerabilidade social decorrente do processo de globalização
econômica tem provocado uma tendência à cidadania corporativa responsável, abrindose uma janela de oportunidade que vem sendo utilizada pelos sindicatos transnacionais
para impor sua nova política baseada em acordos bilaterais com empresas, que, por
sua vez, têm dado importância cada vez maior às práticas de responsabilidade social
corporativa (RSC). (Platzer e Rub, 2014: 6)
Na atual arquitetura da governança global, os acordos marco internacionais
constituem instrumento útil, e até mesmo indispensável, para o estabelecimento de
normas sociais mínimas globalmente aplicáveis em empresas que operam em âmbito
internacional. (Platzer e Rub, 2014: 6)
Desde 2000, um crescente número de AMI‟s tem sido negociados no campo da
RSC entre companhias multinacionais, principalmente as europeias, e as Federações
de Sindicatos Internacionais do Comercio (FSI). O desenvolvimento dessa forma de
regulação, visando definir padrões de trabalho para empresas, suas sucursais e às
vezes seus subcontratados, é facilitada por dois elementos convergentes. Por um lado,
as empresas pretendem aumentar a legitimidade e credibilidade das suas estratégias
no campo da RSC pela transformação de seus compromissos unilaterais por
estratégias e termos negociados. Por outro lado, os sindicatos reconhecem que tais
estratégias negociadas podem complementar a existência dos instrumentos de
regulação social nacional e internacional já existentes, instrumentos que são
inadequados para superar os desafios da globalização (Sobczak, 2007: 115).
O quadro abaixo mostra a evolução quantitativa dos Acordos Globais de 1994
até 2012:
63
Fonte: Hessler, 2012: 326
Destacam-se entre os principais fatores que contribuíram para a multiplicidade
de acordos globais nos últimos anos, os seguintes: a) a resposta do movimento sindical
para os desafios da globalização através de uma serie de fusões em 1990-2006, de
modo a conduzir a transformação das secretarias internacionais de comercio (ITS) em
federações sindicais internacionais do comércio (FSI); b) o fortalecimento dos esforços
de integração regional, especialmente na Europa, favorecendo a criação de um nível
supranacional de representação social; c) um movimento paralelo de negociações de
grupos de empregadores para negociações com empregador único. Deve ser
sublinhado que embora os AMI‟s sejam instrumentos transnacionais, dizem respeito a
um único empregador e não a todo um setor de atividades. d) a emergência de uma
nova geração de representantes das empresas e dos trabalhadores, acostumados a um
amplo quadro de práticas inovadoras sob a influência da globalização. Em particular,
como a estrutura das EMN‟s modernas se tornaram cada vez mais organizadas em
torno de unidades nacionais de produção globalmente integradas, tem havido uma
consequente necessidade de harmonização entre os níveis nacional e global do ponto
de vista tanto da empresa como dos sindicatos dos trabalhadores. (Papadakis, 2008: 6)
64
Importante destacar que as estratégias desenvolvidas individualmente pelas
Federações Sindicais Internacionais dependem em grande medida de fatores sindicais
internos. AS FSI são entidades que organizam sindicatos nacionais, que, de acordo
com suas tradições e estruturas nacionais de relações laborais, têm diferentes
abordagens para os acordos globais. Os sindicatos de países com relações de trabalho
caracterizadas pela voluntariedade, assinaladas por conflitos (como os EUA e GrãBretanha) tendem a ver os acordos globais como um instrumento de organização
sindical, enquanto os sindicatos de países que possuem maior tradição de diálogo
social (como na Europa e, sobretudo, na Alemanha, Suécia e países baixos) vêem os
acordos globais como um primeiro passo pragmático para o desenvolvimento de um
relacionamento contínuo com base no diálogo com as empresas e como solução de
problemas concretos no nível internacional. (Platzer e Rub, 2014: 9).
Essa posição adotada pelas entidades sindicais também reflete na distribuição
territorial dos acordos globais assinados no mundo.
Distribuição territorial dos AQI: FIGURA 2
Fonte: Hessler 2012: 326
65
Não obstante se perceba o crescente aumento do número de acordos globais
assinados no mundo, deve-se frisar que a estratégia quantitativa, inicialmente adotada
pelas FSI a o fim de concluir o maior número possível de acordos globais, tem sido
substituída no decorrer dos últimos anos por uma estratégia qualitativa, com maior
ênfase no estabelecimento de mecanismos de aplicação eficazes. Enquanto na década
de 1990 e na primeira década do novo século, o foco era atingir um número significativo
de acordos, a fim de aumentar a pressão sobre as empresas relutantes e as instituições
políticas, com o passar do tempo os aspectos qualitativos tornaram-se cada vez mais
importantes. O aumento do teor de regulamentação dos acordos globais, conforme será
demonstrado, é uma expressão dessa mudança de estratégia ocorrida nos últimos
anos, ao preço de um futuro decréscimo no número de acordos celebrados. (Platzer e
Rub, 2014: 10).
O conteúdo regulatório dos acordos globais foi analisado por Platzer e Rub
(Platzer e Rub, 2014: 10), a partir de vários outros estudos e coleta de dados, dando
forma a um panorama acerca dos principais temas abordados nos acordos já firmados:
o A grande maioria dos acordos globais compreendem as quatro
normas fundamentais do trabalho da OIT. Geralmente, referem-se
também a um ou mais conjuntos de regulamentos internacionais,
incluindo, por exemplo, o Pacto Global, a Declaração de Direitos
Humanos da ONU, ou as Diretrizes da OCDE para Empresas
Multinacionais;
o Muitos acordos vão além das normas fundamentais do trabalho e
também incluem temas como a proteção da saúde no local de
trabalho, salários justos e formação profissional contínua;
o Quase a metade dos acordos firmados incluem cláusulas sobre as
horas de trabalho e horas extras;
o A maioria dos acordos firmados incluem disposições relativas a
procedimentos institucionalizados para acompanhamento do acordo
e a arbitragem como meio de resolução de conflito
66
o Grande
parte
dos
acordos,
mas
não
todos,
estabelecem
procedimentos para comunicar o conteúdo dos acordos a
fornecedores
e
parceiros
comerciais,
havendo
diferenças
consideráveis quanto à força vinculativa dos compromissos
assumidos.
Nesse último ponto, pode ser feita uma distinção entre três diferentes
abordagens. Uma abordagem consiste em o fornecedor ter sido apenas informado da
existência do acordo e demonstrar a intenção de apoiar a execução dos compromissos
assumidos. A segunda abordagem coloca o cumprimento do acordo como um critério
para estabelecer relações de negócio. E a última consiste em impor o cumprimento dos
acordos como requisito fundamental para o estabelecimento de relações comerciais,
podendo ocorrer a interrupção das relações comerciais no caso de violação continuada
dos compromissos assumidos. (Platzer e Rub, 2014: 10)
Hammer destaca ainda que acordos firmados em um nível mais avançado de
diálogo social referem-se também a normas privadas, tais como o ISO 8000, ISSO
14001 da International Organization for Standardization ou a Declaração Conjunta
sobre Responsabilidade Social Corporativa entre Euro Commerce e UNI-Europa
Commerce. (HAMMER, 2008: 98)
A implementação local destes acordos é elemento fundamental para sua
eficácia, e depende, por uma lado, das atividades de implementação oriundas da
gestão da empresa e atuação das FSI, como a publicação do conteúdo e auditorias, e,
por outro, do comportamento dos atores locais. (Platzer e Rub, 2014: 13)
Estudos realizados no Brasil, Índia, México, Turquia e EUA (Fichter et al. 2012
apud PLATZER, 2014: 13) acerca da implementação dos AMI‟s mostram o seguinte:
o Fatores setoriais específicos de cada país são importantes na
implementação do quadro de termos internacionais ajustados. O
trabalho infantil, por exemplo, só desempenha papel significativo na
implementação de um acordo quadro internacional em setores
específicos (como as indústrias têxtil e de alimentos) de certos
países (como a China, Índia e Bangladesh.
67
o Problemas substanciais estão envolvidos na implementação de
AMI‟s, dentre os quais se destaca a publicação e comunicação
inadequada dos termos do acordo que impede que a informação
chegue a todos os trabalhadores, entidades sindicais e gestão das
filiais das empresas; (b) mesmo havendo satisfatória divulgação
do AMI, muitas vezes os atores locais não estão conscientes das
possibilidades que existem para a aplicação do acordo; (c) a
execução dos AMI‟s pode ser dificultada pelos sindicatos laborais
ou gestão local das empresas, como ocorreu na Turquia e México,
onde os sindicatos laborais obstaram a implementação do acordo,
a fim de garantir o seu estatuto privilegiado sindical nas fábricas.
Em outros casos, a administração local ou nacional das empresas
tem impedido a implementação de um AMI, simplesmente
ignorando as disposições que ele contém; (d) a implementação de
um AMI na cadeia de fornecedores pode ser particularmente
difícil,
esbarrando,
intransponíveis,
em
quando
algumas
estas
situações,
cadeias
em
barreiras
tornam-se
muito
complexas, envolvendo empresas terceirizadas que muitas vezes
não possuem qualquer canal de comunicação com a empresa
signatária do AMI.
o Os acordos quadro internacionais tem gerado impacto na relações
trabalhistas no âmbito das empresas transnacionais. Mesmo que
sua implementação, muitas vezes, ainda ocorra de forma
inconsistente ou seletiva, limitada a providências específicas.
Um caso que merece destaque, como exemplo de implementação de AMI, é o
firmado pela Faber Castell. Neste caso, o cumprimento das disposições do acordo é
monitorado por meio de um sistema de três fases. Na primeira fase, checklists sociais
são usados para que a gestão local em todos os estabelecimentos da empresa possam
informar regularmente a gestão central da empresa quanto à implementação e
observação dos AMI‟s. Na segunda fase os representantes da gestão central e os
68
responsáveis pelo controle de qualidade da empresa cooperam com a realização de
auditorias internas nos diversos estabelecimentos da Faber Castell espalhados pelo
mundo. Na terceira fase, todos os estabelecimentos da Faber Castell são
inspecionados a cada dois anos por uma comissão de acompanhamento composta por
dois representantes da gestão local e da gestão central da empresa e representantes
da força laboral e sindical. O objetivo é verificar o resultado das auditorias internas e a
aplicação do acordo global. (Fichter et ai 2012; Hessler 2012 apud PLATZER, 2014:
13)
Há,
portanto,
desenvolvimento
dos
um
crescente
acordos
aumento
globais.
Ainda
quantitativo
e
qualitativo
existem
muitas
no
dificuldades,
principalmente em sua implementação e acompanhamento. No entanto, novos e
eficientes
mecanismos
têm
sido
desenvolvidos
por
empresas
transnacionais
socialmente responsáveis para garantir o cumprimento destes acordos e lhes conferir
maior efetividade, promovendo, assim, uma contribuição para a melhoria das relações
laborais no âmbito mundial.
4.3. DIMENSÃO LEGAL E AVALIAÇÃO DO IMPACTO DOS ACORDOS GLOBAIS
Os acordos marco internacionais vêm se revelando efetivos instrumentos de
harmonização de interesses e regulação social privada, embora não exista um quadro
legal internacional que os ampare juridicamente e lhes confira a necessária segurança
jurídica para sua plena eficácia e disseminação.
Ainda que, emergindo do diálogo social, estejam em conformidade com o modelo
social europeu, os AMI‟s não encontram sustentação legal nos níveis nacional e
internacional, não obstante sofram o impacto do ambiente jurídico nacional e
internacional aos quais se destinam. Correspondem, assim, a uma nova forma de
regulação social, criada pelos atores sociais, sem um quadro legal preciso. Desta forma
sua análise legal interessa não só aos parceiros sociais signatários destes
instrumentos, como também às organizações internacionais que podem desempenhar
um importante papel no desenvolvimento de um quadro legal para os AMI‟s, e de forma
geral, paras as negociações coletivas transnacionais. (Sobczak, 2007: 116)
69
Não possuindo os AMI‟s qualquer apoio ou ligação institucional a uma ordem
jurídica particular, passam a confrontar-se com a dificuldade de ter sua natureza legal
definida sob uma perspectiva jurídica clássica.
Entretanto, uma perspectiva sociológica do direito internacional, conhecida como
“objetivismo sociológico”, permite uma compreensão da dimensão jurídica do AMI a
partir da teoria de que a lei não se restringe a uma forma de regulação estatal de cima
para baixo, mas que deve ser compreendida como um meio para resolver uma
necessidade de organização social no contexto da crescente atividade transfronteiriça
gerada pela globalização. (Papadakis et al., 2008: 82)
Segundo George Scelle, principal proponente desta abordagem, o objetivo das
normas, incluindo os acordos privados, é satisfazer a necessidade social dos indivíduos
e dos seus grupos e organizar as relações sociais, incluindo as relações de trabalho, no
contexto de uma sociedade global resultante da interpenetração dos povos por meio do
comércio internacional, em que os indivíduos estão no centro da ordem jurídica
internacional. (Scelle, 1932;1934 apud Papadakis et al., 2008: 82)
A função inovadora dos AMI‟s como instrumentos de criação de espaços de
diálogo e interação entre atores sociais (sindicatos globais e EMNs) dentro desta
perspectiva sociológica do direito, faz com que estes acordos sejam vistos como um
fenômeno supra estatal decorrente de uma necessidade social para organizar as
interações globais entre a gestão da EMN e sua força de trabalho na era da
globalização. Os AMI‟s refletiriam o resultado da interação entre estes atores sociais
que necessitam disciplinar suas relações e, de fato, construir o seu próprio quadro legal
em âmbito transnacional, acompanhando a dinâmica criada pelo comércio e
investimentos internacionais. O quadro jurídico surgido a partir dessa interação poderia
coexistir com outras ordens jurídicas, incluindo as negociações coletivas firmadas pelos
parceiros sociais no âmbito local, nacional ou regional, que podem incluir os AMIs como
parte das iniciativas que se reforçam mutuamente para a institucionalização de um
quadro de relações laborais globais. (Papadakis et al., 2008: 82)
Contudo, até que seja construído este quadro legal pelos parceiros sociais, os
AMIs continuam sendo firmados sem sustentação jurídica no plano internacional,
70
fazendo com que aqueles que querem adotá-los como forma de regular suas relações
sociais sugiram novas soluções para sua efetiva implementação.
Um dos problemas a ser enfrentado é a legitimidade dos signatários dos AMIs no
que diz respeito à representação de todos os trabalhadores da cadeia produtiva, por
parte dos sindicatos laborais, e de todas as subsidiárias, e até fornecedores e
subcontratados, aos quais são imputados obrigações por meio destes acordos globais.
Por parte das empresas, um ou mais representantes assinam o AMI, cabendolhe a responsabilidade pelo cumprimento dos acordos. Quando estes acordos preveem
compromissos a serem cumpridos também pelas subsidiárias, surge um problema de
representação.
Embora o procedimento adotado reflita a realidade dos poderes
econômicos dentro do grupo, cada uma das empresas subsidiárias tem sua própria
personalidade jurídica, o que independe da integração do grupo econômico. Essa
fragilidade de representação torna-se mais evidente quando o AMI define regras para
subempreiteiros e fornecedores, que não participam das negociações, e cuja
personalidade jurídica própria constitui impedimento para que a gestão da empresa
signatária do acordo negocie por eles. (Sobczak, 2007: 117)
Para tornar possível a negociação e assinatura dos AMIs pelas gestão da ETN
em nome também de suas filiais e subcontratadas, far-se-ia necessário que essas lhe
conferissem um mandato com poderes para negociar compromissos
juridicamente
vinculativos. Um mandato dessa natureza, com fulcro na legislação competente,
consolidaria o valor legal do AMI e conferiria à empresa controladora certa
responsabilidade para garantir o cumprimento dos acordos. (Sobczak, 2007: 117)
Por parte dos trabalhadores, também deve ser analisada a questão da
legitimidade da parte signatária para representar todos os trabalhadores da cadeia de
produção, em todo o mundo, que mantém vínculo de trabalho com a empresa com a
qual é firmado o AMI. Para sanar essa debilidade, já existem AMI negociados de forma
inovadora, incluindo representantes de sindicatos nacionais de todos os países onde a
empresa atua. Essa abordagem facilita a aplicação efetiva do AMI alicerçado no diálogo
social local, e reflete o princípio da subsidiariedade, mantendo os direitos sociais
fundamentais que se aplicam a todo o grupo definidos pelo AMI, e estimulando as
71
negociações descentralizadas em outros níveis, considerando os diferentes contextos
nacionais. (Sobczak, 2007: 121)
Ainda considerando os diferentes contextos nacionais em que se encontram as
subsidiárias e contratadas afetadas pelo AMI, é necessário que estes acordos façam
referência às leis nacionais e convenções coletivas que devem ser observadas
localmente. Em muitos Estados, o poder público não possui meios suficientes para
controlar a observância do direito do trabalho, e mesmo havendo normas sociais
juridicamente vinculativas, estas, muitas vezes, não são eficazes. Assim, quando o AMI
prevê o cumprimento da legislação nacional, a eficácia destas normas podem ser
ampliadas, inclusive por meio dos mecanismos de implementação e monitoramento do
acordo. (Sobczak, 2007: 123)
Sendo os acordos globais compreendidos como “soft law”, por não constituírem
instrumento legalmente previsto no Direito Positivo, uma forma de conferir-lhes efeito
legal é integrá-los a outras normas juridicamente vinculativas. Muitas empresas incluem
seu AMI em contratos com os subcontratantes. As empresas também podem referir-se
aos AMI nas convenções coletivas realizadas em cada país, ou acordos coletivos
celebrados por cada filial, o que reforça a participação dos atores locais na
implementação dos acordos firmados. Essas medidas conferem ao AMI os efeitos
jurídicos de uma convenção coletiva nos termos da legislação trabalhista nacional,
aumentando a segurança jurídica dos acordos globais. (Sobczak, 2007: 125-126)
Os tribunais também podem reconhecer os efeitos jurídicos de um AMI, mesmo
que não estejam incorporados a outras normas legais, se o contrato tiver sido aplicado
ao longo de um determinado período de tempo. Em muitas leis trabalhistas nacionais,
regras consuetudinárias garantem aos trabalhadores que os benefícios sociais não
podem ser retirados, salvo a observância de procedimentos específicos previstos para
tanto. (Sobczak, 2007: 126)
A falta de previsão legal específica acerca dos AMI, ainda que seja possível ver
neles algum valor legal, causa certa insegurança jurídica às entidades sindicais
representantes dos trabalhadores e às empresas. É importante que os sindicatos
demonstrem que sua participação nas negociações e nos acordos contribuem para a
criação de vantagens concretas para os seus trabalhadores no âmbito local, e que o
72
não cumprimento do AMI pode levar a penalidades. Caso contrário, os sindicatos
podem ser utilizados neste processo como meras estratégias de marketing social das
empresas. Por outro lado, a falta de segurança jurídica também é um problema para as
empresas. Uma empresa que assinou um AMI pode temer decisões judiciais adversas
se uma ação for intentada contra ela porque uma (ou mais) de suas filiais ou
subcontratadas não conseguiu cumprir o AMI, mesmo que a própria empresa tenha
usado seus poderes econômicos para tentar forçá-lo a atuar em conformidade com os
termos do acordo. É importante para as empresas avaliar o risco legal de assinar um
AMI. Também é essencial que as empresas que assinam um AMI e não consigam
cumpri-lo sejam penalizadas, para evitar o descrédito de todos os acordos globais
dessa natureza. (Sobczak, 2007: 127)
Para garantir maior segurança jurídica aos acordos globais, é necessária a
constituição de um quadro jurídico para a negociação coletiva transnacional. Este
quadro legal deve nomear os negociadores legítimos de ambas as partes
representadas, empregadores e empregados, podendo impor aos parceiros sociais um
determinado conteúdo mínimo, bem como disposições relativas ao alcance das normas
negociadas e ao processo de monitoramento, deixando às partes uma ampla margem
de liberdade quanto à definição dos procedimentos e demais conteúdos a serem
negociados. Finalmente o quadro deve definir o valor legal e o impacto dos acordos
globais, apresentando-se como solução mais adequada a previsão da obrigatoriedade
do AMI ser adotado em cada país de acordo com as legislações nacionais dos países
em que a empresa possui filiais, seja por meio de decisões de gestão unilaterais, ou por
meio de acordos coletivos. (Sobczak, 2007: 128)
A despeito da ausência da segurança jurídica necessária a sua plena e efetiva
implementação, os AMIs têm gerado significativo impacto na melhoria das relações
laborais e garantia de direitos sociais no nível transnacional. As pesquisas de Platzer e
Rub apontam que as evidências empíricas a respeito destas questões
ainda são
incompletas, mas permitem as seguintes conclusões (Platzer e Rub, 2014: 15-17):
o
Acordos globais são, em termos de crescimento e número
atual, o elemento mais dinâmico entre as ferramentas utilizadas
nas relações sociais no nível transnacional;
73
o
Trata-se de instrumento ideal para ser desenvolvido de forma
flexível, que pode se adaptar a uma ampla gama de condições em
diferentes empresas e setores, com enorme potencial para
assegurar padrões mínimos sociais a partir se sistematicamente
implementados, superadas as dificuldades de limitação dos
recursos sindicais disponíveis nas áreas de implementação e
monitorização;
o
A assinatura dos AMIs denotam o reconhecimento oficial das
FSI como parceiros de diálogo e negociações no âmbito
corporativo global, o que reforç o potencial organizativo das FSI,
que passam a ocupar um papel independente no campo de
definição
dos
padrões
sociais
globais,
aperfeiçoando
a
representação sindical no nível global;
o
Os AMI contribuem para a manutenção e renovação do
discurso em torno dos direitos humanos sociais, com o fim de
assegurar a aplicação destes direitos, destacando a legitimidade
destas normas, e reconhecendo os direitos sociais como uma
obrigação, também, de governança privada, e como um
compromisso fundamental da política social;
o
Os resultados empíricos disponíveis acerca da aplicação e
efeitos observáveis de AMIs mostram exemplos de impactos
positivos, mas específicos, limitados às zonas problemáticas de
determinados locais, e seletivos.
Platzer conclui sua análise, observando que, devido a seu caráter voluntarista, e
porque ainda existem em número limitado, AMIs devem ser visto, em escala global,
como instrumento complementar no fortalecimento dos direitos humanos sociais. Os
AMIs não podem substituir as soluções políticas e jurídicas, nem podem eles próprios
serem substituídos no papel de reforçar e exigir estas soluções políticas e jurídicas
voltadas aos direitos humanos sociais. Afinal, os acordos globais criam um canal
adicional para a comunicação, implementação e monitorização dos direitos humanos
74
sociais, ao tempo em que estabelecem condições prévias para esse impacto social,
promovendo a articulação internacional dos sindicatos e contribuindo para a regulação
das relações de trabalho transnacionais no nível corporativo. (Platzer e Rub, 2014: 17)
75
5. CONCLUSÃO
Com o fenômeno da globalização, o Estado passou a compartilhar sua
titularidade de iniciativa normativa com diferentes atores sociais, o que provocou uma
redução do seu poder regulatório, por força, principalmente, das instituições
supranacionais, como as organizações multilaterais, blocos regionais, corporações
transnacionais e organizações não governamentais, que passaram a produzir normas
de alcance global que competem com as normas estatais, até então soberanas e
incontestáveis.
Essa conjuntura propiciou o surgimento de uma nova realidade jurídica,
caracterizada pela proliferação, nos mais diversos campos da sociedade, de regulações
privadas, que embora sejam constantemente questionadas pela ausência de um quadro
jurídico que as ampare e lhes confira validade legal, já gozam de certa legitimidade
social, atribuída por seus destinatários, que passaram a adotá-las pela necessidade de
regular situações que transcendem as fronteiras do Estado, ou nas quais a entidade
estatal não se mostrou capaz de disciplinar com eficiência.
As relações laborais transfronteiriças caracterizam esta ineficiência do Estado na
regulação das relações sociais transnacionais, abrindo espaço para o desenvolvimento
de negociações com vistas à constituição de normas que garantam aos trabalhadores
de categorias econômicas específicas, ou de determinada empresa multinacional,
direitos sociais mínimos, independente do país em que exerçam seu trabalho, por meio
das negociações coletivas transnacionais.
Não
obstante
as
dificuldades
enfrentadas
para
o
regular
e
efetivo
desenvolvimento destas negociações internacionais, principalmente no que concerne à
inadequação das entidades sindicais, disponibilidade para negociações por parte dos
agentes econômicos, e dificuldades de ordem prática e legal, como a divulgação e
implementação das normas negociadas em toda a cadeia de produção e adequação
destas normas à legislação local, trata-se, indiscutivelmente, de um avanço no diálogo
social no domínio global. Tornou-se possível o debate entre os representantes do
capital e do trabalho, sendo, estes últimos, reconhecidos como sujeitos ativos na
elaboração e estabelecimento de um padrão sócio laboral a ser observado em esfera
mundial.
76
Na esteira das negociações transnacionais, surgiram os acordos globais, como
instrumentos concretos destas negociações coletivas, realizados no âmbito das
corporações transnacionais, entre a empresa e seus empregados, aplicáveis a todas as
sucursais, e muitas vezes alcançando empresas subcontratadas e fornecedores.
Ainda que se perceba, mesmo no curso das negociações coletivas, uma
constante tensão entre as classes empregadora e de trabalhadores, é possível se
alcançar, por meio dos acordos firmados, uma convergência de interesses, em que
todos sejam beneficiados. Com as negociações coletivas transnacionais, seja na esfera
setorial, ou no âmbito das corporações transnacionais, todos os atores sociais têm
muito a ganhar.
Adotando os acordos em nível transnacional, as corporações internacionais
podem se beneficiar com a flexibilidade das condições concernentes às relações de
trabalho, diretamente negociadas pelas partes interessadas, e com a possibilidade de
conduzir as negociações com vistas a uma maior produção e um melhor desempenho
nas suas atividades.
Os trabalhadores também são favorecidos, reconhecidos como sujeitos ativos na
elaboração das normas que regulam as relações trabalhistas, podem exigir e implantar
melhores condições de trabalho para a categoria que representam ou no âmbito da
corporação transnacional em que trabalham, e difundir as conquistas obtidas a outros
locais no mundo onde os trabalhadores não gozem de proteção social adequada, por
ineficiência do Estado, ou, até mesmo, pela inexistência de políticas públicas nacionais
que ampare as classes sociais mais frágeis.
As negociações coletivas transnacionais beneficiam também, ainda que de forma
transversa, o Estado. A despeito da redução no seu papel regulatório na sociedade
globalizada, o Estado possui uma posição exclusiva, simbólica e institucional no plano
nacional e internacional, desenvolvendo papel essencial na coordenação e adequação
de interesses e no desenvolvimento de políticas públicas que aperfeiçoam o
funcionamento do mercado e protegem as classes sociais mais vulneráveis. Ainda
assim, o ente estatal não se mostra capaz de atuar em todos os setores sociais - que já
não mais observam as fronteiras físicas dos territórios - de forma exclusiva e eficaz.
77
Dessa forma, incapaz de disciplinar as relações trabalhistas transfronteiriças, o
Estado pode beneficiar-se dos acordos globais firmados, permitindo e fiscalizando sua
implantação local e aplicação das suas normas, que interessam às empresas e
trabalhadores, para garantir maior eficiência e produtividade aos estabelecimentos
empresariais instalados no seu território, bem como para a melhoria na qualidade de
vida dos trabalhadores que se encontram sob sua jurisdição, o que permite resultados
benéficos para o bem estar social dos seus cidadãos e para a economia estatal.
Mesmo já existindo mais de uma centena de acordos desta natureza, assinados
desde o final do século passado, ainda trata-se de um instrumento novo, sem um
quadro jurídico que lhe dê amparo legal, e desprovido de mecanismos que assegurem
sua implementação efetiva em toda a cadeia produtiva. Contudo, constituem
instrumentos negociais com grande potencial de desenvolvimento, que já produzem
efeitos concretos no âmbito do espaço no qual foram firmados, e que vem contribuindo
para o gradativo aperfeiçoamento de uma relação mais equânime entre empresa e
trabalhadores, por meio do dialogo e fixação de normas que atendam aos reais
interesses das partes envolvidas e que, em conjunto com outros instrumentos políticos
e sociais, tem o poder de disseminar e ampliar a garantia dos direitos humanos sociais
no âmbito global.
78
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