1 EXPRESSÃO CLÍTICA DE POSSE NO PB Capítulo I I - Dativos de posse: histórico e caracterização 1.1 - Introdução (Vou colocar gráficos (linhas) com o percurso dos quatro séculos e discutir brevemente o que houve) Constituem objeto de estudo desta pesquisa os dativos de posse, representados sob forma clítica, em adiantado processo de desaparecimento no Português Brasileiro (PB) atual, o que é compatível com a constatação de que houve uma mudança de gramática no PB a partir da segunda metade do século XIX, com decréscimo sistemático do uso de pronomes clíticos1 . Trata-se de uma construção limítrofe na relação verbo (predicador) e nome (NP 2 - sintagma nominal - acusativo ou nominativo que expressa o elemento possuído), na qual o possuidor não recebe papel semântico nem definição de seu estatuto sintático a partir de sua relação com o verbo (isto é, não pode ser considerado complemento verbal), embora possa realizar-se como clítico. Vejam-se, abaixo, algumas das características básicas dos dativos clíticos explicitadas em Berlinck (1996:135), partindo da estrutura básica de transitividade N0 [sujeito ] + V + N 1 [acusativo] + a, para, em N 2 [dativo]: “Esta construção expressa um sentido geral de posse, derivado da relação especial que existe entre N² e N¹: N¹ pode ser concebido como incluído em um domínio do referente de N². O que diferencia esta construção do possessivo comum é o fato de que a relação de inclusão está estruturalmente fora do nível do SN. Esta é estabelecida no nível da sentença devido ao efeito de se associarem dois argumentos sintaticamente independentes – N¹ e N². Como o domínio no qual N¹ deve ser incluído é sintaticamente independente de N¹, considera-se a interpretação semântica como não dada imediatamente. Esta deve ser obtida em dois passos: 1 2 A esse respeito, ver Tarallo (1983, 1985), Nunes (1990,1991). As notações da teoria gerativa serão mantidas neste trabalho, após indicação do seu significado, dado o seu elevado grau de abrangência na literatura: NP (noun phrase), IP (inflexional phrase), PP (prepositional phrase), DP (determiner phrase). Isso se justifica por estar esta pesquisa sendo construída com o instrumental teórico gerativista. 1 2 há uma predicação que inclui Nº e N¹; e há a inclusão do complemento afetado N¹ no domínio de N². A inclusão resulta no fato de N² ser um recipiente indireto”. Diferentemente do exposto por Berlinck, será demonstrado que N2 não é argumento de V, nem pode vir precedido das preposições a e para, no estágio atual do PB. Note-se, pela definição acima, a necessidade de que N1 e N2 sejam argumentos sintaticamente independentes (realmente, é possível extrapor ou clivar o PP que indica posse: De João Maria cortou os cabelos. / Foi de João que Maria cortou os cabelos.), o que excluiria a posse expressa sob a forma de genitivo, na qual o vínculo N-PP constitui uma relação interna de posse, portanto bem mais ‘fechada’. Na verdade, nem todo PP que expresse posse é passível de cliticização, o que nos autoriza a manter a distinção entre genitivo e dativo de posse, ainda que estrutural e semanticamente sejam similares (PP): (1) a - Achei lindo o jardim da casa. / (?) Achei-lhe lindo o jardim. b – Achei linda a casa de Maria. / (?) Achei-lhe linda a casa. c - Agradou ao professor o trabalho de João. / * Agradou-lhe ao professor o trabalho. d - Ele cortou os seus cabelos. Ele lhe cortou os cabelos (ou “Ele cortou-lhe os cabelos.) e - [ Ele cortou [ os cabelos [ lhe]]] – sentença com clítico dativo de posse, relação de inclusão fora do SN - o clítico identifica o recipiente ou possuidor. A sentença (1 d ) equivale, semanticamente, a “Ele cortou os seus cabelos.” (ou “Ele cortou os cabelos de X”), interpretação que não é dada imediatamente e que, por vezes, não é reconhecida por falantes mais jovens do PB. Note-se que o clítico, que identifica a relação de posse, está fora da posição em que foi gerado, ou seja, foi alçado de sua posição básica (ver análise mais aprofundada na seção XXX). Seguindo Vergnaud e Zubizarreta (1992:601), assumiremos que em construções desse tipo há uma relação sintática de ligação (nos moldes da teoria gerativa) entre o SN possuído e o clítico (dêitico) que remete ao possuidor: “Especificamente (...) a relação de predicação, construída como uma relação de ligação, estabelece-se entre o argumento inalienável e o possuidor”. 2 3 Por predicação entende-se aqui uma relação sintática, de ligação indireta entre uma categoria nominal e um complemento que lhe é externo, codificado sob a forma clítica, sem adjacência estrita entre o possuído e o possuidor (o que não se verifica quando a expressão de posse é feita através de um PP, que deve estar contíguo ao possuído) - a esse caso, da expressão da posse por um PP encabeçado via de regra pela preposição ‘de’, dá-se o nome de genitivo. Ainda que seja licenciada, a construção clítica de posse vem diminuindo sua freqüência gradativamente, e no século XX tornou-se uma estrutura bastante marcada, típica de um estilo cuidado e formal (da mídia e da literatura). Existem estruturas cristalizadas de cunho popular (como “Vê se não me enche o saco”; “Não posso falhar, senão Fulano me come o fígado”; “Não me aluga os ouvidos” , “Ele adora me chamar a atenção”, “Isso vai lhe custar os olhos da cara” e outras do mesmo tipo), em músicas (“Quero beijar-te as mãos, minha querida...”), em provérbios (“Crie corvos e eles lhe arrancarão os olhos”.), o que mostra ter sido produtiva em estágios anteriores. Atualmente, não se vêem os falantes 3, espontaneamente, utilizando tal estratégia de expressão de posse. Estudos diacrônicos atestam que o PB passou, no século XIX, por um processo, já bastante documentado, de reestruturação no quadro de pronominalização. Novas formas, tônicas, passaram a ser mais freqüentes, em detrimento dos clíticos, átonos. Tudo isso pode ter incrementado as evidências em favor dos genitivos, uma vez que a posição à direita de N é a básica de geração de [de NP]. 3 Testes informais com estudantes do ensino médio (2ª e 3ª séries) mostraram que a maioria não relaciona, inicialmente, o clítico à idéia de posse. Depois de “treinados” (constam exercícios desse tipo em seu material de ‘análise sintática’), passam a fazer analogia entre o clítico e o pronome possessivo ou PP, inclusive em textos. Assim como o uso dos clíticos acusativos, a percepção destes é aprendizagem escolar, não espontânea. 3 4 É possível atestar a ocorrência de estruturas clíticas de posse em textos veiculados pela mídia, atualmente. Vejamos alguns exemplos da construção clítica no PB moderno: ( ) “Espremida pela concorrência dos vizinhos e tendo de carregar uma planilha de custos entre as menos competitivas, a anglo-holandesa, formada em 1999 a partir da fusão da British Steel e da Koninklijke Hoogovens, precisava achar uma saída que lhe garantisse a sobrevivência.” (Época nº218, 22 de julho de 2002, p.78) ( ) “Descobrir o potencial de cada indivíduo, desenvolvendo-lhe as habilidades ao máximo limite, formando assim pessoas responsáveis e mentalmente sãs que contribuam para a comunidade global.” (material publicitário sobre a missão do Método Kumon) ( ) “A pessoa se sente outra. E realmente é outra. Muito mais atlético e disposto, aquele cidadão se sente de novo imerso no mundo de Apolo e Vênus. A auto-estima sobe, a sensação de poder invade-lhe a mente e ele começa a perder o foco de sua necessidade maior: manter-se em forma.” (“Cortando gorduras.” – Estado de Minas, Economia, p.18 dezembro / 2001 – revista encartada no jornal) ( ) “Pensa no que deveria ter feito e deixou de fazer, e esses pensamentos não lhe saem da cabeça. “ (Veja, 31/07/02, p.80) A questão central a ser respondida nesta pesquisa, de orientação diacrônica, é desvelar, a partir dos condicionantes sintático-semânticos da referida estrutura, de que constituinte é argumento o dativo de posse clítico, bem como definir seu estatuto (argumento, adjunto ou “semi-argumento”?), o qual ainda não está consensualmente estabelecido. Além disso, busca-se estabelecer as causas do decréscimo de ocorrências 4 5 dessa estrutura específica, encaixando tal mudança em relação a outras por que vem passando o PB. Dada a proximidade semântica entre os dois casos - dativo e genitivo – na expressão de posse, torna-se necessário salientar que aspectos os distinguem, o que nem sempre fica evidenciado nas abordagens descritivas do PB. É necessário enfatizar que essas ocorrências a que nos dedicamos aqui não são consensualmente tratadas, na literatura, como pertencentes ao caso dativo: muitos autores (como Miguel, 1996) as consideram como realizações de genitivo, motivo pelo qual se buscará, na próxima seção, delimitar o percurso da estrutura enfocada e refletir sobre a nomenclatura escolhida. Embora não se esteja dedicando, nesta pesquisa, a uma análise dos dativos em geral, é preciso considerar as diversas nuances da expressão de posse: a mudança em foco acarretou a opção por determinada preposição, em detrimento de marcações casuais (de que os clíticos átonos são residuais), e toda uma reestruturação argumental ocorreu (como veremos, as preposições são capazes de licenciar argumentos, nos termos da Teoria Gerativa). Se inicialmente [a NP] era efetivamente um argumento do verbo, ou seja, um dativo típico, houve mudanças no PB, relativas à pronominalização, que nos permitem prever o desaparecimento (dada a escassez de ocorrências no estágio atual) do clítico de posse em favor do genitivo preposicionado. 1.2 – Manifestações morfossintáticas da noção de posse: A emergência de sintagmas preposicionados para indicação de funções gramaticais foi uma decorrência natural do processo evolutivo do latim, cujos reflexos ainda hoje se fazem sentir no PB, como a maior fixidez da ordem vocabular. E a utilização de preposições para estabelecer vínculos sintáticos antes codificados 5 6 morfologicamente (como a relação de posse) encaixa-se num processo maior de mudança de gramática (no sentido de alteração paramétrica, da Teoria de Princípios e Parâmetros, Chomsky, 19XXX, Tarallo, 19XX, entre outros). Para entender tal mudança, é preciso compreender como e por que se deu o declínio das marcações casuais latinas. Segundo Van Hoecke (1996:20, apud Berlinck, 2000), o caso dativo era empregado, no latim, não só com as acepções de interessado num processo – beneficiário ou maleficiário, mas também com as noções de remoção, de interesse, de aproximação e de finalidade. Além dessa vasta gama semântica, observava-se a expressão de um mesmo conteúdo através de marcação morfológica (sobretudo quando se referia a pessoas - Ex: Hominem alicui adducere = Pessoa-acus. alguém-dat conduzir) ao lado de estruturas com preposição (especificamente para NPs que não denotassem pessoa - Ex: Adduccere exercitum ad urbem = conduzir o exército-acus. à cidade- dat.). Posteriormente o uso da preposição “ad” expandiu-se e atingiu NPs que indicavam pessoas, tanto no acusativo quanto no dativo. Gradualmente, as marcações casuais no latim foram se perdendo, devido a um processo fonológico de apagamento das terminações (como supressão de schwas, de “r” e “n” final, entre outros) 4, o que acabou por desfazer as diferenças paradigmáticas nominais e fez com que a ordem vocabular se tornasse mais fixa. O fato de as preposições serem, evolutivamente, um forte substituto para marcas casuais, fadadas a uma erosão lingüística, na codificação de determinadas relações, é crucial para a compreensão da mudança aqui enfocada, uma vez que houve uma competição, constatada desde o século XVII, entre diferentes estratégias de expressão de posse 4 A esse respeito, ver Weernan & de Wit (1999), em que tratam do declínio do genitivo no holandês. 6 7 (clítico, sintagma introduzido pela preposição ‘a’, posteriormente pela preposição ‘de’, além de uma estrutura de minioração com o adjetivo ‘pertencente’). Berlinck (2000:4) constata que “a partir dos processos de variação na expressão do valor dativo em latim (...) houve desde cedo uma interferência entre os campos nocionais de dativo e de espaço”, o que se justificaria pelo sentido geral do dativo como “pólo de orientação do processo descrito”. Há autores que atribuem uma maior saliência dos dativos ao fato de funcionarem como “locativos humanos”, uma vez que, em sua maioria, os NPs dativos apresentam o traço [ + humano]: dada sua maior relevância, o dativo precisa de uma codificação transparente – por meio do emprego de preposições, ou por outro meio formal. Assim, dativo e genitivo passaram a ser realizados, nas diversas línguas neolatinas, sob a forma de clítico e/ou de um PP. Quanto ao PB, da forma dativa do pronome demonstrativo latino ille – illi – originou-se o nosso lhe, e o português passou a se caracterizar por um sistema misto, em que temos tanto o beneficiário (normalmente denominado OI, pela GT) clítico quanto o preposicionado, embora não com a mesma extensão de uso (os sintagmas preposicionados têm uso mais freqüente). Para Bourciez (apud Leal, 1992: 24-25), os dativos exprimem o objeto imediato da ação, mas se restringem a verbos que “indicam notadamente a solicitude (faveo, obedio, servio, parco, auxilior) ou hostilidade (noceo, invideo, minor)” - tais verbos, “que para os latinos não implicavam a idéia de uma ação imediata são ditos de ordinário “intransitivos”. Como o autor alude aos dativos em geral, é preciso salientar que não são todos os tipos de verbos que admitem um dativo de posse cliticizável. Na verdade, verbos dandi (dar, oferecer, dedicar, etc), rogandi (pedir, suplicar, rogar,etc) e dicendi (dizer, narrar, explicar,etc) ou não permitem a construção com clítico de posse ou, no mínimo, 7 8 provocam uma leitura ambígua5. Em comum, todos eles apresentam, na grade temática, o fato de serem dotados de três argumentos – a ocorrência de um dativo comum (que poderia, inclusive ser cliticizado) impede a codificação externa de posse: (06) a - Ele ofereceu o seu livro ao filho (Ofereceu o livro dele ao filho.) b - * Ele lhe ofereceu o livro ao filho. com o movimento do clítico para a esquerda do elemento possuído, surge uma estrutura agramatical, com redobro de clítico e perda da relação de predicação lhe/livro. c - Ele rogou o meu apoio. / Ele me rogou o apoio. perda de leitura possessiva (me = a mim); o clítico deixa de representar o possessivo e passa a representar o destinatário da ação. d - Ele narrou a minha história a todos. e - * Ele narrou-me a história a todos. comportamento idêntico a (06 a). Sem o redobro, “Ele narrou-me a história”, apesar de gramatical, comporta-se identicamente a (06 b). Não se trata apenas de uma restrição à ocorrência de estruturas de posse com redobro de clítico, uma vez que foram encontradas estruturas como essas nos dados de séculos anteriores (ver capítulo XXX). Vejamos, a seguir, os traços peculiares aos casos dativo e genitivo, a fim de verificarmos se se justifica a opção metodológica pela manutenção do termo ‘dativo de posse’, assumindo tratar-se de uma construção diferente dos genitivos, embora com estes mantenha proximidade semântica. Saliente-se o fato de que, no PB, os clíticos de 5 Veja-se a análise estatística parcial dos corpora no capítulo XXXX 8 9 posse, atualmente, são uma opção marcada, residual, gradualmente substituída pelo genitivo preposicionado. 1.3 - Caracterização semântico-sintática dos dativos e genitivos: Guimarães (1985:21) apresenta uma definição semântica de dativo, estabelecida em termos de papel temático: “O dativo, na verdade, é um caso semântico-sintático que indica o ser interessado em um processo verbal qualquer, na forma de beneficiado ou prejudicado. Emprega-se, pois, em duas situações bem características: a) serve de endereço do objeto direto, isto é, indica o destinatário do objeto expresso em acusativo quando o verbo é transitivo, estrutura a que os gramáticos chamam datiuus casus; b) serve para indicar o ser em benefício ou em prejuízo do qual é praticada uma ação qualquer, construção a que os gramáticos costumam chamar datiuus commodi et incommodi.” A autora apresenta (op.cit, p.21) outras quatro subclasses deste Caso: o dativo de fim (“expressando a finalidade ou o objetivo da ação verbal”), o dativo de posse (“quando se tem em vista um possuidor”), o dativo de referência ou de ponto de vista (“que se refere a todo o enunciado”), o dativo ético (“indicando uma tomada de posição”) e o dativo complemento do gerundivo na passiva perifrástica (“que indica uma obrigação moral”). Em comum, apenas o fato de serem “complementos” (com toda a imprecisão contida neste termo) de nomes e verbos. Podem ocorrer dativos de posse com verbos transitivos e intransitivos, mas com sensível predominância dos primeiros, notando-se uma degradação da estrutura (impossibilidade do movimento do clítico) em presença de um dativo comum. Visto que não são apenas traços sintáticos os definidores da ocorrência dos clíticos de posse, seguindo Berlinck (1996) e Ramos (2000), os traços semânticos dos dativos de posse são sintetizados abaixo: (07) a – Maria limpou – me o casaco. 9 10 b - Descasquei-lhe a laranja. c- Maria me cortou as unhas. d- O ruído estridente interrompeu-lhe o sono. Traços: (sujeito: [+ / - animado] ) + V + (clítico + animado) + ( [NP acusativo + / - animado, + definido = PSO alienável ou inalienável ] (08) a - Doem – me as costas. b - Tremem – lhe as mãos. c – Descobriram-lhe a conta na Suíça. Traços: (NP sujeito = PSO / alienável ou inalienável) + V + (clítico + animado) Pode-se perceber que não é definitório o estatuto de alienabilidade ou inalienabilidade do NP possuído: os próprios exemplos (XX a), (XX b) e (XX c) acima mostram não ser a inalienabilidade um traço imprescindível. Numa estrutura como “Maria limpou-lhe o casaco.” não se verificam os atributos prototípicos de uma relação de inalienabilidade: relação inerente, indissolúvel e permanente 6 . O mesmo tipo de ligação proposta por Vergnaud & Zubizarreta para posse inalienável no francês verifica-se com relação às construções em que há posse alienável no PB atual: comparem-se as sentenças: Ela me tingiu o cabelo. / A criança lhe sujou o vestido. Em sua análise do estatuto dos determinantes definidos do francês e do inglês, Vergnaud & Zubizarreta (op.cit, p.615) afirmam que nomes inalienáveis, normalmente, exigem argumentos (nos termos dos autores, são ‘subject-taking nouns’); no entanto, 6 Para uma análise aprofundada de (in)alienabilidade, ver Velazquez-Castillo (1996). Para Milner (1982:111-114, apud Miguel, 1996: 123) essa não é uma distinção importante – importa mais a natureza categorial dos complementos (o fato de serem introduzidos por preposições que funcionem como ‘marcadoras de caso’ ou como ’verdadeiras preposições’). 10 11 nomes como ‘computador’, ‘camisa’, etc podem funcionar, por extensão, como inalienáveis e exigir um argumento externo. Tal estratégia, de extensão da inalienabilidade, acarretaria, no final das contas, uma indistinção (ou esvaziamento) do que seja (in)alienabilidade, visto que objetos pessoais (computador, roupas, etc), animais de estimação, imóveis, entre outros, ainda que estejam em vínculo estrito com o possuidor, não possam ser considerados inalienáveis segundo os critérios de Velazquez-Castillo, os quais endossamos aqui. 1.3.1 - Os diversos tipos de dativos e os clíticos de posse – um contraponto Encontram-se, na literatura, também rotulados sob o nome de dativos, diferentes tipos de constituintes, que apresentam comportamentos morfossintáticos peculiares: dativos éticos e afetados (Authier & Reed: 1992); dativos “commodi et incommodi” e dativos de posse (Berlinck, 1996, 1999), Van Hoecke (1996), entre outros. Vejam-se as diferenças entre tais constituintes e a estrutura clítica aqui enfocada. O dativo afetado é externo ao VP, e refere-se a um indivíduo interessado pelo evento expresso na sentença como um todo; por não ser selecionado por nenhum argumento da sentença, ou seja, por não entrar na grade temática do verbo), não interfere na atribuição de papéis θ (Ex: Le gosse lui a démoli son pull . / ?* Le gosse a démoli son pull a sá mère. = The kid has ruined her sweater on her. (her = his mother)) 7. Segundo Authier & Reed (op.cit, pp.300-301), o dativo afetado não é selecionado por nenhum elemento da sentença: “...dativos afetados não são elementos subcategorizados nem mesmo são adjuntos. Assim, podemos concluir que o clítico dativo afetado não é coindexado com uma categoria vazia em 7 Os exemplos dados são dos autores (sem reprodução da numeração do artigo original). Ver Authier e Reed (1992:295-298). 11 12 posição argumental. (...) A inaceitabilidade de extração QU- também pode seu um indicador de que dativos afetados não são vinculados a alguma posição sintática (i.é, eles são afixos obrigatórios), fato que é consistente com a assunção de que eles não são argumentos nem adjuntos da sentença em que aparecem. Podemos concluir que a segunda característica dessa classe de dativos é que estes não são selecionados por nenhum elemento na sentença”. Defende-se aqui a tese de que, diferentemente deste tipo de dativo do francês, os dativos de posse do PB não são argumento do verbo, mas mantêm uma relação de coindexação com uma categoria vazia interna ao NP possuído. Além disso, enquanto o dativo afetado não aparece com verbos intransitivos (ou apenas marginalmente: “Há casos em que um clítico dativo afetado pode aparecer com um verbo intransitivo, desde que um sintagma adjungido esteja pesente dentro do VP” - Authier & Reed, p.302), tal restrição não se sustenta para o PB: clíticos dativos de posse aparecem tanto com verbos transitivos quanto com intransitivos (inacusativos), numa demonstração de que os rótulos não se recobrem. O dativo ético denota indivíduos não necessariamente envolvidos no processo: são como “testemunhas potenciais” (Ex: Au mont St Michel, la mer te monte à une de ses vitesses! = At the Mont St Michel, you can see the tide corne in at such a speed!). Berlinck fala dos dativos commodi et incommodi, uma construção especial em que um complemento dativo está disponível para verbos transitivos, com uma interpretação claramente de beneficiário: a ação é feita em benefício de alguém (Ex: Ele abre a porta aos convidados. / O rapaz lhe pôs o livro na estante.). Embora sejam cliticizáveis e não participem da grade temática do verbo (antes, este tipo de dativo é governado pelo complexo verbal como um todo), diferem daqueles que delimitamos para análise, os quais apresentam uma expressão específica de posse, a qual não pode mais vir codificada como NP pleno. Esta não se prende a uma relação estrita de inalienabilidade, mas à presença de um argumento do verbo principal (o PSO). 12 13 Berlinck (1996:135-136), a partir do exemplo “Eu descasquei-lhe a laranja”, afirma que interpretação possessiva deve ser relativizada, já que “fora de contexto, é impossível distinguir entre uma leitura possessiva e uma ‘commodi’ do complemento dativo. É interessante notar que, quando N¹ é expresso por um NP indefinido (que não seja ‘parte do corpo’), apenas a interpretação como beneficiário é disponível: Eu descasquei-lhe uma laranja”. No entanto, parece haver outros fatores a comandar a interpretação, uma vez que se pode pensar em pares mínimos (como: Fugiu-lhe o / um cachorro; Beijou-lhe a / uma mão.) em que se mantém a leitura possessiva. Aparentemente, não se trata de indefinitude, mas de quantificação (uma laranja = SQ) 8. No entanto, é imprescindível – como atestam os dados (ver capítulo XXX) que o NP esteja acompanhado de algum determinante (ou, em outros termos, o clítico alça a partir de um DP) para que possa haver cliticização, como mostram os exemplos abaixo: (09) a - Maria cortou (as) unhas de seu filho. b - Maria cortou-lhe as unhas. c - ? Maria cortou-lhe unhas. Comparando-se os dativos de posse aos demais tipos apresentados, pode-se perceber que, embora semelhantes aos dativos afetados no aspecto estrutural (não fazem parte da grade temática do verbo; no PB atual não podem ser substituídos por [a NP]) e aos dativos “commodi et incommodi” no aspecto semântico (há um beneficiário da ação, a ponto de, por vezes obterem-se estruturas ambíguas: cf. “Resolvi-lhe o problema”), os dativos de posse apresentam peculiaridades. Nestes, como se apontou anteriormente, a relação de inclusão é estabelecida fora do nível do SN possuído, além de o possuidor (representado pelo clítico) passar a ocupar posição diferente daquela em 8 De acordo com Chomsky (1981:278, apud Miguel, op.cit, p.122), um NP indefinido (nome regente acompanhado de um determinante indefinido) constitui, na verdade, uma expressão quantificada, ou seja, um QP [quantifier phrase]. 13 14 que foi gerado. Salientado o aspecto ambíguo das estruturas clíticas que nos interessam, vejamos o status da expressão genitiva de posse. Com referência ao genitivo, Guimarães (op.cit., p.19-21), após realçar que é a “idéia de posse, pela sua predominância que passa a caracterizar o caso”, define-o em termos sintáticos: “O genitivo constitui um dos casos mais complexos pela multiplicidade de seus empregos.(...) De um modo geral os gramáticos procuram sistematizar os diversos empregos do genitivo relacionando-o com o termo ao qual ele se prende.(...) De qualquer forma, o genitivo é um caso adnominal por excelência, transferindo o substantivo para a classe do adjetivo.” 9 Segundo Miguel (1996:112), existem os genitivos “partitivos” (que limitam os NPs a que se referem) e os os genitivos “resultativos” (“que selecionam complementos identificados pelas funções temáticas de possuidor, agente e objecto”). A autora restringe-se à análise de NPs com determinantes definidos (ex: “o jardim da casa), uma vez que as descrições indeterminadas ( ex: “um jardim da casa’; “este jardim da casa”) trazem uma leitura partitiva. Além da relação de posse (in)alienável (ex: “o pai do Carlos” / “a casa do Carlos”), como complemento genitivo podem-se incluir as relações parte / todo ( “as folhas do jornal”) ou causa / efeito (“as conseqüências da guerra”). Como “objeto interno” genitivo, o nome pode ter um agente (“a sinfonia de Berlioz”) ou um possuidor (“a casa de Carlos”) ou um objeto (“a fotografia do lago”) – os papéis temáticos de agente ou possuidor são excludentes, o que estaria de acordo com o Critério θ. Miguel aponta casos em que não se verificam restrições quanto aos determinantes do nome (“O / este / um quadro de Van Gogh comoveu-nos muito”) e ressalta que nem sempre a idéia de posse pode ser codificada sob a forma de um PP 9 A ‘transferência’ mencionada pela autora ocorre porque, num PP interno a um NP, aquele assume o valor de modificador do nome (as chamadas “locuções adjetivas”), como em [ NP amor [ PP de filho ]] , em que o PP equivale ao modificador filial. 14 15 (“*O livro de ti está estragado”; “* O trabalho de mim não está acabado” – nestes casos, um pronome possessivo seria a melhor opção). Isso contraria a expectativa de que todos os complementos genitivos que são precedidos pela preposição de tenham “uma forma pronominal correspondente”: de + pronome.10 Segundo Miguel (op.cit, p. 111-112), poder-se-ia dizer que “...enquanto predicados bitransitivos selecionam dois argumentos internos (OD e OI), os predicados transitivos de dois lugares, do tipo de conhecer, subcategorizam apenas um argumento (OD). Mas, por razões que tentaremos explicitar, esse SN OD, quando contém um complemento adnominal, assume uma realização sintáctica particular. O complemento desse SN OD pode ser introduzido ora pela preposição de, ora pela preposição a . Nos casos em que o complemento SN OD aparece precedido pela segunda preposição, o SN OD complexo adquire uma forma semelhante à dos dois argumentos subcategorizados por verbos bitransitivos. Contudo, a preposição a que surge associada aos verbos bitransitivos não tem o mesmo valor que aquela que surge com verbos que subcategorizam apenas um OD. Nos primeiros contextos, essa preposição está associada a um argumento verbal (o OI), nos segundos contextos, a está associada a um argumento do próprio SN OD e não do predicado verbal. Quando associada ao OI, marca um SN dativo. Quando associada ao SN OD, a alterna com de e, como esta, marca um SN genitivo.” Note-se que, para Miguel, o SN OD no qual apareça [a NP] é um caso de genitivo, o que se contrapõe à visão defendida aqui, visto que [a NP] constituía um dativo de posse no PB, em estágios anteriores. O fato é que, diferentemente do PB atual, no qual esse PP não mais é licenciado com indicação de posse, o PE (português europeu) continua a aceitar tal construção, podendo-se dizer tanto ‘Cortei o cabelo do Carlos’ quanto ‘Cortei o cabelo ao Carlos’. No PB atual, o clítico dativo de posse evidencia uma relação externa de posse (o possuidor não é licenciado como um argumento do verbo em si mesmo; ao contrário, vincula-se a um NP argumento do verbo). Diferentemente, o genitivo típico caracterizase como uma relação interna de posse (na qual o possuidor é interno ao constituinte que contém o elemento possuído: como em “casa de Maria”). Se, num estágio inicial, os 10 Segundo Cunha e Cintra (1984:329, apud Miguel, p.114), tais evidências permitem distinguir o comportamento da preposição de: no primeiro caso, quando é possível a substituição (como em ‘o jardim dela’, ‘o pai dele’ etc), de seria um marcador de caso genitivo; com relação ao segundo caso, em que fica agramatical a substituição (ex: “* o livro de ti “), de seria verdadeira preposição e o NP que lhe segue estaria encaixado em um PP. 15 16 dativos de posse caracterizavam-se como uma relação interna - V a NP NP exemplificada em (XX) ( ) “Fugio em 24 de Dezembro de 1828 a João José de Oliveira de Mogy merim nesta Cidade, um escravo de nome João nação Congo...”(1829) nas quais o possuidor era codificado como argumento verbal, no estágio atual do PB apenas os sintagmas completos têm essa característica; no caso do genitivo (marcado pela preposição de), os sintagmas são compostos por um nome regente e por ‘adjuntos adnominais’ (internos a N). Vincent (1999:1111-53), sob a abordagem teórica da gramaticalização, afirma que, inicialmente, não havia preposições governando o caso dativo, o qual não apresentava “valores locais”; e se, modernamente, encontram-se línguas com dativo preposicional (como, inicialmente, o latim, e atualmente, o alemão e o grego), isso se deve a um sincretismo posterior entre dativo e outros “casos locais”. Segundo ele, “A clear property that distinguishes, cross-linguistically, adpositions from particles is that the former have their own argument structure, both in the semantic sense of selecting particular theta roles and the syntactic sense of determining the case form of that argument. The development from Indo-European into the daughter languages is no exception and the former particles come to take a dependent argument in a fixed case. The source of this change lies in the use of the original particles as specifiers of the local cases (instrumental, ablative, and locative). (...) It is only at a later stage that the particle and the case form are inseparable, and that we have the situation in which the preposition may be said to “take” or govern a particular case form. Thus what was in origin a specifier comes to be a head.” (p.1121) Como afirmam Weerman & de Wit (1999: 1162-1163), qualquer complemento de uma categoria lexical só é interpretável como argumento se contiver informação funcional, portanto as marcações dativas (inerentes) ou acusativas (estruturais) devem ser “reconhecidas” pelo verbo, que é um regente apropriado (“proper head governor”). No caso dos nomes, que não “licenciam” o próprio argumento, é preciso haver um licenciador, papel atribuído à preposição: 16 17 “De qualquer forma, se o genitivo (como complemento dos nomes) desaparece, deve ser substituído um elemento funcional diferente (...) Como foi dito, uma substituição similar de um tipo funcional por outro não ocorre com complementos – seja dativo ou acusativo – dos verbos, pois verbos podem identificar material funcional vazio. (...) Propomos que preposições podem ocupar posição nuclear de FP [functional phrase] e tomar como seu complemento um DP. Apenas preposições funcionais podem diretamente preencher uma lacuna desse tipo”. Isso significa dizer que, no estágio atual do PB, a preposição ‘de’ é um marcador funcional do caso genitivo, porém não mais a preposição ‘a’ exerce esse papel. Assim como no PB, outras línguas que perderam a marcação casual substituíram-na pela preposição equivalente (van, no holandês; von, no alemão, que se encontra em fase de erosão das marcas casuais, aparecendo sintagmas duplamente marcados: caso + preposição, entre outras). Weerman & Wit (1999:1161-2), a respeito do declínio do genitivo no holandês, afirmam que a presença da preposição “van” (de) pode ser explicada sob duas perspectivas, tanto semântica (expressa relação de posse), quanto sintática (expressa relações temáticas verbo/argumentos, nome / complementos): “This possessive semantic relation needs to be reflected syntactically, and hence either the morphological genitive or an equivalent preposition is used. However, it is not true that the preposition van has a unique lexical meaning denoting possession. The preposition van is a functional preposition that is not only used in possessive relations, but also occurs with agents, and patients. (...) Visible marking is thus a prerequisite of all types of complements to N, not just of possessors. A second clue that the obligatory presence of a preposition is purely syntactic in nature is that with verbs, case morphology such as dative and accusative case on complements to V can be absent, though the same thematic relations between V and its arguments remain after nominalization. The presence of van thus seems to be related to the syntactic nature of nouns versus verbs.(...) A similar difference can be observed when we compare the decline of the genitive to the decline 0of the accusative and dative. Here – in contrast with the genitive – accusative and dative markers on the complements of verbs gradually disappeared and were not replaced by a different lexical item”. Embora codifiquem função semelhante, do ponto de vista semântico, os dativos e genitivos diferem por estarem, respectivamente, em relação indireta de predicação (com o, verbo, no caso dos dativos de posse, uma vez que não são argumentos destes), 17 18 ou em relação direta (já que nas construções genitivas tem-se o possuidor como um dos integrantes do NP que representa o possuído). No exemplo abaixo, apresentado por Miguel (1996:109), pode-se perceber que a relação de posse estabelecida entre o NP “as folhas” e “a árvore” é mantida, porém cliticizada de formas distintas: (11) a- Cortar (as folhas) acus. a (a árvore ) dat. a’ - Cortar-lhe as folhas. b- Cortar (as folhas da árvore) acus. Cortá- las. Note-se a impossibilidade de cliticização parcial de (11 b) mantendo-se a leitura possessiva, uma vez que o PP (da árvore) é um constituinte interno ao constituinte substituído pelo clítico, o que também se verifica com relação a (11 c), caso o PP ‘das árvores’ seja interpretado como genitivo (será possível a cliticização caso o PP seja considerado locativo ou fonte, por exemplo): (11) c - * As folhas, corte-as das árvores. Landau (1999: 3) afirma que “um sintagma dativo, que se comporta como um argumento dativo normal do verbo (através do diagnóstico de movimento ocorrido) 11 , em fato é associado com outro argumento da sentença, interpretado como o possuidor daquele argumento. No entanto, estas sentenças não são semanticamente equivalentes às suas contrapartes genitivas” (e.g., J’ai coupés les cheveux à Pierre. - I cut the hair to-Pierre.= Pierre’s hair. / J’ai coupé les cheveux de Pierre – ‘I cut the hair of Pierre’)”. 11 O diagnóstico do movimento ocorrido equivale à recuperação do ponto em que foi gerado o constituinte e a posição final, formando este movimento uma cadeia de posições coindexadas, conforme exemplo abaixo, no qual o clítico (lui) liga-se a uma posição vazia pós-nominal: (i) [V’ [ coupé [DP [ les N’[ cheveux] [PP à / de N’ [ Pierre]]]]] (ii) [VP lui i V’ [coupé] [DP les N’ [cheveux t i ]]]] Na teoria gerativa, considera-se que todo movimento deixa um traço (representado por t ou e ), sempre coindexado com o antecedente, como se viu acima. 18 19 Como se pode ver, Landau distingue dativos e genitivos com base nas preposições “à” (dativo) e “de” (genitivo). Também no PB podemos utilizar tal estratégia, uma vez que a preposição ‘a’ continua produtiva para indicar o dativo complemento verbal, mas não mais constitui opção para expressão de posse: (12) a - João deu o livro [acusativo] a Pedro [dativo]. b - João deu o livro a / para ele. [dativo] c - * Sumiu um livro a João. [dativo de posse: a João = de João] Pode-se salientar, ainda, a natureza do sintagma construído com dativo de posse ou genitivo: no primeiro caso, trata-se de uma expressão referencial aberta, isto é, com um elemento insaturado, o núcleo do sintagma que representa o possuído, que pode licenciar correferência com um elemento que o precedeu (“backward reference”, nos termos de Vergnaud & Zubizarreta, 1992:632), o que significa um escopo mais amplo, sobre toda a sentença. No caso do genitivo, porém, trata-se de uma expressão fechada, saturada pelo PP em posição pós-nominal: (13) a - A mãe lhes lavou as mãos. o núcleo ‘mãos’ é saturado pelo clítico ‘lhes’, que o antecedeu. b - A mãe lavou as mãos das crianças. a saturação do núcleo ocorre à direita dele, com o PP genitivo. Note-se que a ausência do PP significaria dizer que a mãe lavou as próprias mãos. No PB há, ainda, uma diferença adicional entre dativo e genitivo: apenas o primeiro apresenta a possibilidade de cliticização, isto é, não há clíticos genitivos 19 20 morfologicamente distintos. Em tal aspecto, o PB distingue-se do francês, que apresenta os clíticos lui (dativo) e en (genitivo) para expressão de relações de posse. Segundo Miguel (op.cit, p.118-121), caso o complemento introduzido pela preposição “à” tenha traço [ + humano], só é possível cliticizar por lui (clítico dativo); caso tenha o traço [ - humano], pode-se cliticizá-lo por lui ou en (clítico genitivo): “Assim, parece que a alternância entre lui e en se prende mais com o tipo de relação existente entre os membros do SN OD complexo do que propriamente como o facto de, nos diferentes casos considerados, o constituinte introduzido por “à” ser um OI, enquanto que aquele que é introduzido por “de”, e só esse, é um complemento adnominal genitivo. (...) Se o SN OD for [+ definido], recorre-se ao possessivo, gramatical tanto com complementos [ + hum.] como com complementos [ - hum.]. Por sua vez, en, que é admitido em todos os dialetos com complemento [- hum.], não está excluído com [+ hum., + def.], nos contextos considerados”. (p.121) Vejam-se os exemplos abaixo (com os verbos couper (cortar) e casser (partir)12: (14) a – Marie a coupé les cheveux / à Jean / de Jean. b - Marie a cassé le brás / à Jean / de Jean. c – Marie lui a coupé les cheveux. d – Marie lui a cassé le brás. e - * Marie en a coupé les cheveux. f - * Marie en a cassé le bras. Note-se que, com complemento marcado pelo traço [ + humano], a cliticização por en e lui é impossível, o que não ocorre, caso o complemento seja portador do traço [ - humano], seja o mesmo definido ou indefinido, como se vê em: ( 15) a - Marie a coupé / cassé les branches / à l’arbre / de l’arbre b – Marie lui a coupé / cassé les branches. c - Marie en a coupé / cassé les branches. 12 Exemplos de Miguel, p.119 (números 48 e 49), aqui com nova numeração. 20 21 No entanto, mais que fatores semânticos, Miguel conclui que o que distingue o emprego dos clíticos lui e en seria um fator de ordem sintática: “ lui cliticiza o sujeito de uma oração pequena [small-clause] gerado em estrutura-P, em posição de (SpecSdet) 13; en cliticiza um complemento adnominal gerado, em estrutura-P, numa posição interna ao N regente. A extração dos complementos adnominais, quer no Português, onde apenas intervém lhe, quer no francês, onde intervêm en e lui, obedece aos mesmos requisitos sintáticos; só é permitida se se efetuar a partir das posições que têm sido apontadas para o clítico en, i.é., se o SN a partir do qual se opera a extração ocupa a posição de argumento interno (OD) de predicados transitivos de dois lugares, de predicados transitivos predicativos, de predicados inacusativos ou ainda a partir do sujeito superficial de uma construção passiva.” (pp.145-6). Interessante para a pesquisa em pauta (excetuando-se o fato de Miguel denominar estrutura genitiva o que aqui tratamos como clítico dativo de posse) é a percepção da autora de que são fatores sintáticos, ligados à estrutura argumental do verbo que vão determinar a possibilidade de cliticização do PP, bem como a constatação de que a extratabilidade do clítico se prende ao fato de ser gerado internamente ao DP argumento de verbos de “dois lugares”. Os dados analisados endossarão tais afirmações de Miguel. Outro aspecto relevante, demonstrado pelo trabalho de Miguel, refere-se ao fato de, no PE, a preposição ‘a’ estar em declínio - ainda é aceitável, coocorre com ‘de’, porém esta última é mais livre: “Nos casos em que o complemento do SN OD aparece precedido pela segunda preposição [a], o SN OD complexo adquire uma forma semelhante à dos dois argumentos subcategorizados por verbos ditransitivos. Contudo, a preposição a que surge associada aos verbos ditransitivos não 13 Note-se, nos exemplos, a relação de predicação entre o DP e o AP, o que configuraria, nos moldes da teoria gerativa, uma small-clause: a) Considero-lhe [bonita a filha.] / b) Marie trouve [Sdet beaucoup de charme à David.] Marie lui trouve [beaucoup de charme.] 21 22 tem o mesmo valor que aquela que surge com verbos que subcategorizam apenas um OD. Nos primeiros contextos, a está associada a um argumento próprio do SN OD e não do predicado verbal. Quando associada a um OI, a marca um SN dativo. Quando associada ao SN OD, a alterna com de e, como este, marca um SN genitivo.” (p.112) Tanto a preposição a quanto de podem marcar o papel temático de possuidor (no PE, mas não no PB), mas a ocorrência da primeira já se encontra limitada por uma série de restrições: “a só se realiza em estrutura S se o SN OD no qual o complemento genitivo está encaixado se encontrar uma posição regida e θ marcada; (...) a só se realiza se o Complemento adnominal estiver associado ao SN OD desse predicado. Por fim, (...) mesmo quando estão reunidas estas condições, a ocorrência de a obedece a um requisito suplementar; só se realiza se o complemento adnominal for um SN.” (p.117) Embora o PB apresente a tendência à conservação de vários traços do PE arcaico, nesse aspecto particular (perda do papel da preposição a como marcadora de caso) aqui tal mudança operou-se com bastante anterioridade. Essa divergência entre o emprego de tais preposições é mostrada por Miguel (op.cit., p.116) com os seguintes contrastes, nos quais o uso da preposição de desfaz a degradação da estrutura: (16) a - Cresceu muito o cabelo do Manuel./ O cabelo do Manuel cresceu muito. b - Cresceu o cabelo ao Manuel. / * O cabelo ao Manuel cresceu muito. c - Foi analisado o sangue ao doente. / * O sangue ao doente foi analisado. d - A beleza da actriz impressionou os críticos. / * A beleza à actriz impressionou os críticos. Observando os contrastes entre a e de como marcadores superficiais de caso, pode-se constatar que, quanto à marcação de Caso, tanto o dativo quanto o genitivo têm Caso inerente (isto é, explicitado por itens como a preposição “a” ou “de”- cf. análise 22 23 de Weerman & de Wit, op.cit.), diferentemente do acusativo, por exemplo, que é marcado sob regência (caso estrutural). Jones (1993:45), ao lidar com o acusativo preposicional em uma língua românica, o Sardo, afirma que a presença de preposições com verbos que pedem acusativo fica mais adequadamente esclarecida se se considerar a diferença entre caso inerente / caso estrutural. Nesta língua, a preposição só aparece com NPs acusativos portadores do traço [ + humano], traço que é característico dos dativos 14 . O autor cita Chomsky (1981), para quem “Casos inerentes são aqueles que são atribuídos como uma propriedade lexical do predicador regente e geralmente correlacionam-se, embora bastante vagamente, com papéis semânticos (ex: em muitas línguas, o caso dativo tende a correlacionar-se com o papel de ‘possuidor’ ou ‘experienciador’), enquanto Casos Estruturais são atribuídos por SNs devido ao fato de serem regidos por um item apropriado, a despeito da relação semântica envolvida (ex: nominativo é atribuído ao sujeito de uma cláusula finita, qualquer que seja o seu papel semântico)” Como mostrado anteriormente, o PB e o PE diferem nas estratégias de especificação de caso inerente: no PB atual, o dativo apresenta caso inerente, que pode ser superficialmente indicado por um marcador clítico, diferentemente do acusativo e do nominativo, que são marcados sob regência (caso estrutural). Dadas as características do dativo de posse e genitivo, assumirei que estes constituem um contínuo, e não uma categorização disjuntiva, visto que ambos apresentam mais similaridades do que discrepâncias, o que permite explicar (se observada a saliência, nos termos de Lightfoot, 1991) a prevalência do PP genitivo sobre o clítico de posse, atualmente. No entanto, seguindo a literatura concernente ao tema, as estruturas em questão continuarão sendo consideradas sob o rótulo de dativos 14 Mesmo no PB, quando ocorre o chamado ‘objeto direto preposicionado’, a preposição só se faz necessária quando o NP acusativo apresenta o traço [ + humano], a fim de evitar ambigüidade, em estruturas com ordem marcada - SOV: O pai o filho ama. O pai ao filho ama. De qualquer forma, o acusativo não será cliticizado por lhe (a não ser em determinados dialetos brasileiros), mas como: ‘O pai o ama’, ou o mais provável, ‘O pai ama ele’. 23 24 de posse e, a seguir, explicitar-se-á o quadro teórico no qual se alinharam os fatores que justificam a atribuição de um valor possessivo a esse item. CAPÍTULO II II - Abordagem teórica 2.1 – O instrumental gerativista: Nesta pesquisa, adotou-se como instrumental teórico de análise a Gramática Gerativa para descrever e explicar as propriedades exibidas pelos dativos de posse. As recentes alterações introduzidas nesta teoria culminaram no Programa Minimalista (Chomsky, 1995), que oferece operações mais simples e estritamente necessárias, restringidas pelo Princípio de Interpretação Plena, num sistema com um mínimo de construtos gramaticais. Para o Programa Minimalista, movimentos sintáticos são sempre motivados pela necessidade de checagem de algum traço formal dos núcleos funcionais e itens lexicais. Crucialmente, as diferenças apresentadas pelas diversas línguas residiria numa divergência entre o momento de ocorrência de tais operações de checagem (visto que algumas línguas têm determinados traços ‘fortes’ – checados na sintaxe visível – e traços ‘fracos’, cuja checagem se daria na sintaxe invisível ou LF). 24 25 Como afirma Cyrino (1997:13), “A teoria gerativa atual propõe uma Gramática Universal, como um sistema de princípios universais e parâmetros em aberto, os quais são fixados através da experiência lingüística. Dentro dessa perspectiva, em que as diferenças entre as línguas são consideradas como diferenças paramétricas, a mudança lingüística é vista como uma alteração na fixação de parâmetros, e a pesquisa diacrônica pretende estabelecer como essa alteração se torna possível”. Partindo do pressuposto de que todas as línguas sofrem variações, o MP (Minimalist Program) oferece um aparato formal para a compreensão da implementação de certas mudanças lingüísticas. Como se viu acima, a força de um traço categorial determina em que ponto do sistema computacional (antes ou depois de ‘Spell-out’) será feita a checagem e a existência de um valor distinto de algum parâmetro pode ser o responsável, por exemplo, pelas diferentes formas de representação entre as línguas germânicas e as românicas, além de variações internas ao grupo destas últimas (haja vista às diferenças entre o PB e o PE, o francês, o italiano ou o espanhol, que serão apontadas quando se mostrarem relevantes). Tais variações, decorrentes de parâmetros específicos, criam uma rede intrincada de relações que afetam não só a forma de projeção das categorias lexicais (N, V, P e A), mas também os arranjos sintáticos possíveis (extração de QU, clivagem, etc), produzindo uma série de aspectos diretamente visíveis ( por exemplo, presença de um determinante – Do - nulo ou lexicalmente preenchido, entre outros). Considerando-se que todo ser humano é dotado de uma predisposição natural para a aprendizagem da gramática subjacente à língua materna, através do domínio de determinados princípios gerais, a teoria gerativa focaliza as diferenças interlingüísticas nos valores atribuídos a parâmetros específicos, acionados de forma diferente pelos falantes. Sabe-se que toda mudança sintática resulta, normalmente, de uma interação de fatores formais, semânticos e discursivos, que atuam de forma complementar, mas 25 26 funcionam como motivações em competição (Dubois: 1975, apud Company, 1998:555). Portanto, uma análise acurada nos permitirá perceber quando se alterou o valor paramétrico do qual decorre o fato de o PB apresentar estruturas de posse na seqüência esboçada em Ramos (2000): [ a NP] > [lhe] > [pertencente a] > [e NP]. No presente trabalho, adota-se a visão de reanálise conforme proposta de Lightfoot (1991) e Roberts (1993). Segundo esses autores, a “soma” de pequenas mudanças estruturais acabariam por desencadear a mudança de um certo parâmetro da gramática. Roberts (1993, apud Lightfoot, 1999:216-217) propõe três noções distintas dentro da teoria da mudança: passos (pequenas mudanças visíveis, estruturas que vão se tornando infreqüentes, mas que ainda aparecem no sistema); reanálise diacrônica ( seria uma espécie de análise inadequada de alguma estrutura, à qual a criança atribui uma estrutura, um valor incompatível); mudança paramétrica (a coocorrência de várias reanálises diacrônicas acaba por gerar um novo valor para determinado parâmetro da língua). A investigação da mudança relativa aos dativos de posse, no recorte específico de tempo, prevê as seguintes etapas: quantificação da inserção da inovação (isto é, o decréscimo em estruturas de posse sob a forma [a NP] em favor do uso do clítico), a coexistência das estruturas e o desaparecimento (reanálise ou suplantação da estrutura anacrônica) deste tipo específico de constituinte. 26 27 Segundo Cyrino (op.cit., p.38), “uma única reanálise não implicaria a mudança de um parâmetro, mas poderia contribuir para tal, pois ocasiona a ocorrência de novas construções, removendo evidências que levariam à fixação de um parâmetro de um certo modo. A reanálise diacrônica, portanto, reduz a freqüência de certos tipos de construções nos dados, o que muda a experiência detonadora para a criança (“triggering experience”, Lightfoot, 1991)”. Esta proposta (alteração de valor de parâmetros) é compatível com o quadro teórico (referido acima) da Teoria Gerativa. 2.2 – Análises formais do dativo de posse: Esta pesquisa teve como ponto inicial o trabalho de Ramos (2000), na qual a autora parte de alguns exemplos de expressão da relação de posse, encontrados em anúncios de diferentes quartéis do século XIX (Ramos: 2000), como os apontados abaixo: (17) “A Rodrigo Joze Ferreira Bretas fugiu em dias do mez próximo passado um escravo de nome João, cujos signaes são os seguintes...” (MG, 1851) (18) “Ao Tenente Coronel fugiu – lhe um escravo creoulo chamado Silverio...” (1829) (19) “Do Alferes José Fernandes d’esta Cidade, fugio- lhe a 5 mezes uma mulata de nome Joaquina edade 24 annos altura ordinária...”(SP, 1829) (20) “Fugirão dous escravos pertencentes ao Alferes Antonio Pinto Mascarenhas com os signaes seguintes...” (1870) Curiosamente, como já se apontou previamente, para o PE (português europeu) ainda são aceitáveis estruturas como (16 a) “Cresceu o cabelo ao Manuel” ou (16 c) 27 28 “Foi analisado o sangue ao doente”, aspecto em que se comporta diferentemente do PB. Observem-se os pares abaixo 15: (21) a - “O Manuel elogiou o bom gosto ao Carlos.” b- “A Ana viu o trabalho ao Carlos e avaliou-o.” c- * “O Manuel rasgou a fotografia ao lago.” (22) a – O Manuel elogiou o bom gosto do Carlos ...elogiou-lhe o bom gosto. b – A Ana viu o trabalho do Carlos e avaliou - o ...viu-lhe o trabalho... c - O Manuel rasgou a fotografia do lago. / (?) ...rasgou-lhe a fotografia. A autora afirma que a inserção da preposição “de” elimina o contraste entre (21a, b) e (21 c) – aparentemente, há a necessidade de o possuidor ou agente interno ao NP ter o traço [+ animado]. Para o PB, as três estruturas são inaceitáveis (embora tenham sido estrutura disponível até o século XIX). Já as estruturas de (22) são gramaticais tanto no PB quanto no PE, e, o que interessa aqui, podem ser cliticizadas, expressando relação de posse. Após realizar alguns testes, visando a definir o estatuto do constituinte [a NP], Ramos concluiu tratar-se de um DP, e não um argumento de V. Abaixo, para melhor compreensão do exposto, uma amostragem dos testes realizados : (23) a - Fugiu- lhe um cão de guarda. b - *Fugiu a ele um cão de guarda. c - *A quem fugiu-lhe um cão de guarda? não aceita extração de QU(não recebe marcação de caso). 15 Exemplos dados sob número (21) são de Miguel, op.cit., p 116. 28 29 d - *Foi ao João que fugiu um escravo. não pode ser clivado, logo não é argumento de V. e - * Ao φ fugiu um cão de guarda. (não pode ser apagado) / Da fazenda (à fazenda - ?) fugiu um cão de guarda . locativo ( não é dativo de posse) f - Ao filho, deu-lhe um livro. [lhe = a ele ] - boa, com redobro de clítico dativo (OI); *Ao filho i machucou-lhe i o dedo. impossível o redobro de clítico dativo + [A NP] correferentes. Esta formulação orienta a hipótese inicial que aqui se busca fundamentar: a de que os dativos de posse, acima caracterizados, não constituem argumentos verbais, mas antes fazem parte de um DP. Duas hipóteses são formuladas para descrever a estrutura em pauta: para Landau (op.cit, p.9) “o possuidor é gerado em uma posição que não recebe caso – posição de Spec [especificador] interna ao possuído; é gerado com traços de caso dativo; então, alça para checar seus traços com V”. Para Ramos, no entanto, NP1 e NP2 estabelecem uma relação de c-comando mútuo, após a operação ‘merge’ 16 . Em seguida, NP2 se move para Spec da categoria Agr / D. 17 Para o inglês, Landau apresenta duas possibilidades de análise dos dativos de posse: trata-se de a) argumento do verbo (com papel temático explicado pela teoria θ ex: beneficiário); ou b) argumento do possuidor (com alçamento do possuidor, o que se explica por teorias de movimento e projeção). O autor opta pela segunda hipótese e 16 No Programa Minimalista, Merge é um dos procedimentos centrais para a combinação de ‘objetos’ sintáticos no sistema computacional. Segundo Chomsky, 1995:243, “...one such operation is necessary on conceptual grounds alone: an operation that forms larger units out of those already constructed. Applied to two objects α and β, Merge forms the new object K, eliminating α and β.What is K? K must be constituted somehow from the two items α and β; so we take K to involve at least this set, where α and β are the constituents of K”. 17 Sobre a categoria Agr/D interior a DP, ver Gavruseva (2000), cuja análise parte do trabalho de Szabolcsi (1983, 1984). 29 30 fornece um rol de propriedades dos dativos de posse: devem ser interpretados, obrigatoriamente, como possuidor ou criador (não como objeto ou tema); o DP que indica o elemento possuído não pode ser um argumento externo (a interpretação possessiva é restringida pela condição de localidade), segundo a qual um dativo de posse não pode ser separado do DP possuído por um nódulo IP [inflexional phrase], isto é, por algum sintagma verbal, ou por outro nódulo equivalente (outro DP); o dativo de posse deve c-comandar 18 o DP que representa o possuidor (ou um traço deste). Atentese para os exemplos abaixo: (24) a - Manuel deu um livro da Ana à Maria. / Manuel deu-lhe um livro da Ana. / * Manuel deu-lhe i um livro i à Maria. b - Manuel conhece os defeitos do Carlos. / Manuel conhece-lhe os c- Manuel conhece bem os defeitos que detesta do Carlos. / * Manuel defeitos. conhece-lhe bem os defeitos que detesta. Em (24 a), a presença de um argumento do verbo, cliticizado, impede a extração do clítico de posse; em (24 c), a interpolação de uma relativa entre o nome e o PP indicador de posse bloqueia (ou no mínimo, degrada bastante) a estrutura. Portanto, a análise dos corpora nos permite considerar válida a segunda hipótese acima, assumindo, com Ramos (2000) e Landau (1999), que o dativo de posse não é subcategorizado pelo verbo (visão que é respaldada pela análise dessa estrutura com base na proposta de Larson quanto à estruturação do VP – ver 2.2.3). 18 A noção de c-comando (ou m-comando) é crucial para definir as relações estruturais dentro da teoria gerativa. Trata-se de um esquema abstrato, no qual relações instanciam-se entre α e β sempre que α não domina β e o nódulo mínimo de um certo tipo domina ambos. A noção de c-comando foi expandida para m(aximal)-command (Aoun & Sportiche, 1982, a partir da proposição de Chomsky, 1986): “α mcommands β if and only if the minimal maximal projection dominating α dominates β.” ( apud Giorgi & Longobardi, 1991, p.13) 30 31 Corroborando a afirmação de que há uma sensível degradação da estrutura caso haja interpolação de outros constituintes, sobretudo se forem “pesados” (o que mostra a adequação da restrição de localidade) ou ainda se já tiver havido movimento de algum argumento do verbo para a posição de Spec, observem-se os exemplos abaixo, extraídos dos corpora ou construídos com base nestes, para contraste. Neles há degradação da estrutura devido à interpolação entre o verbo e o acusativo do qual o PSR seria alçado e outra na qual o movimento do sujeito bloqueia a cliticização: (25) a – Os governantes honestos não temem as suas miseráveis bajulações. ...não lhes temem as miseráveis bajulações. [ cliticizável] b - Não temem os governantes honestos as suas miseráveis bajulações. *Não lhes temem os governantes honestos as miseráveis bajulações. [não há contigüidade entre V e NP possuído] (26) a – “Se fosse possível despachar todos os navios que aqui aportam do estrangeiro dentro de 40 dias, o nosso comércio se fortaleceria muito mais e muitas vidas se poupariam.” (XXXXXXXXXX) b - * ...o comércio se nos fortaleceria muito mais... No entanto, caso o NP “o nosso comércio” estivesse na posição em que foi gerado, teríamos: c - Se fosse possível despachar todos os navios que aqui aportam dentro de 40 dias, fortalecer-nos-ia ( ou ‘ nos fortaleceria’) o comércio e muitas vidas seriam poupadas. Há ainda alguns testes pertinentes, em se tratando da natureza dos dativos de posse. Quando analisam os dativos afetados no francês, Authier & Reed afirmam que este tipo de dativo não é argumento do verbo: como vimos anteriormente, não pode aparecer com verbos intransitivos, por não servir de argumento por si mesmo. Para ser 31 32 licenciado, o dativo afetado deverá receber Caso atribuído dentro do segmento mais alto do VP. Para provarem essa tese, lançam mão de dois “testes” (adaptados de Borer & Grodzinsky, 1986). Inicialmente, mostram que o papel θ atribuído externamente ao sujeito muda ao se considerar a composição do VP como um todo 19 (27) a - Jean a acheté un livre. = Jean has bought a book. b - Jean a acheté a livre pour Marie. = Jean has bought a book for Marie. no primeiro caso, Jean é o agente, comprador do livro; no segundo, há uma informação semântica adicional: a ação de Jean é em benefício de alguém (novo papel semântico de beneficiário). Alterações semânticas não ocorrem quando há um dativo afetado: (28) a - Le gosse a gribouillé sur tous les murs. The kid scribbled all over the walls on her. b - Le gosse lui a gribouillé sur tous les murs. The kid scribbled all over the walls on her. Note-se que, em ambas as sentenças, o sujeito (le gosse) tem um mesmo papel θ. Se o dativo afetado fosse um argumento verbal, fatalmente o papel temático do sujeito seria alterado. Um outro aspecto que aponta para a natureza não-argumental dos dativos afetados reside no fato de estes não alterarem expressões idiomáticas 20 (Ex: Les gosses (leur ) ont rendu la bonne chèvre. = The kids drove the maid crazy (on them). / Paul (lui) a décroché le gros lot. = Paul hit the jackpot (on him)). Seguindo Marantz (1984), Authier & Reed (1992:298), mostram que “a presença versus a ausência de um argumento interno ao VP pode afetar o tipo de papel θ atribuído ao sujeito”. 19 Os exemplos são de Authier & Reed, op.cit, pp 298-300. O argumento externo de um verbo nunca é envolvido em formações idiomáticas, a não ser que esta inclua também o argumento interno. O fato de o dativo não alterar a estrutura cristalizada que é a expressão idiomática indica que não se trata de argumento do verbo. 20 32 33 Similarmente, a construção com dativo de posse preserva o papel temático do sujeito. Essa propriedade é exibida pelas sentenças do PB: (29) a- João cortou as unhas / as suas unhas / as unhas da criança. b- João lhe cortou as unhas. ( = João cortou as unhas dela. possuidor) (30) a- João comprou um livro. b- João comprou um livro para Maria. c- João lhe comprou um livro. (= João comprou um livro para ela. beneficiária) Note-se em (29), com dativo de posse, a manutenção do papel θ do sujeito, a saber, de agente. Em (30), o que constituiria um dativo “commodi et incommodi”, há informações semânticas adicionais para o sujeito (João = agente + fonte), como no caso do dativo afetado. Tais indícios apontam para a natureza não-argumental do clítico de posse no PB, o que se evidencia abaixo com alguns dados do corpus (31) “O povo senhor Constantino, as vezes dorme por muito tempo, parecendo que, terrível insomnia lhe fecha as pálpebras; n’este estado elle assemelha-se menos a uma sociedade e mais a uma vil manada.” (Bahia, XXXXX, 18??) [ Possuído = tema] (32) “E ahi está o motivo que teve o antigo morador da Fazenda Genebra para pretender deprimir os créditos e conceito de quem o olha de soslaio e vae andando seu caminho, como faz o transeunte quando o cão investe-lhe o calcanhar. - (Bahia, -------------------------------------) [PSO = experienciador] 33 34 (33) “A perversão moral, quando não é sentimento ingênito, é incutida pela preocupação constante na realização de um objetivo inconfessável, que lhe desvaira a razão, e lhe perverte os sentimentos.” (Bahia, ---------------------) [ Possuído = alvo] Note-se que os papéis temáticos não se alteram pelo fato de a posse ser codificada sob forma clítica ou pronominal ou genitiva (posse interna): fecha as suas pálpebras / as pálpebras [de NP], investe [sobre] o seu calcanhar / o calcanhar de NP; o mesmo se aplica às demais estruturas com clítico. Tudo isso solidifica a crença de que este não é argumento verbal. Restrições à cliticização serão também abordadas no capítulo III, no qual se avaliará se essa hipótese de análise do clítico de posse como argumento do nome é a mais adequada ao PB, aplicando à análise do DP do qual o clítico alça o instrumental teórico oferecido pela versão atual da Teoria Gerativa, o Programa Minimalista21 2.2.2 - O dativo de posse como construção de posse externa A construção clítica de posse é, na literatura, tratada como subparte de um fenômeno mais amplo denominado “possessor raising” ou “ascension”. Segundo Velazquez-Castillo (1996), esta é uma construção não usual porque, ao se tratar de uma posse inalienável, o possuidor não é obrigatoriamente explicitado (no caso do PB, não o é sob forma plena). A expressão plena do possuidor é praxe em se tratando de expressão de inalienabilidade, no entanto tem-se, no PB, estruturas como as vistas acima: Beijou as mãos de Maria.> Beijou as suas mãos / as mãos dela (relação interna: genitivo) > 21 A respeito do Programa Minimalista, vejam-se Chomsky (1995), Kayne (1994), Raposo (1999), Radford (1997), Nunes (1995), entre outros. 34 35 Beijou-lhe as mãos. (relação de posse externa, com o PSR “apontado” pelo clítico: dativo de posse). Conforme asseguram Cunha e Cintra (1984: 305, apud Miguel, p.101), “os pronomes que funcionam como objecto indireto (...) podem ser usados com sentido possessivo, principalmente quando se aplicam a partes do corpo de uma pessoa ou a objectos de seu uso particular (...) Escutaste-lhe a voz? Viste-lhe o rosto?” Embora Cunha e Cintra realcem a posse inalienável como critério relevante, a (in)alienabilidade do objeto possuído não atuou como fator relevante nas ocorrências que constituem os corpora deste trabalho. Uriagereka (1996) ressalta que este é um traço relativo, uma vez que a existência de transplantes derruba a “inalienabilidade” de partes do corpo; o fato de haver divórcios cada vez mais freqüentes (o autor cita o “divórcio” do menino americano com relação a seus pais, que o agrediam) opõe-se à inalienabilidade dos vínculos de parentesco. Como afirma Castillo (1996:32), inalienabilidade é uma proximidade conceptual estreita e constante entre PSR (possessor) e PSM (possessum): “The concept of inalienable possession is viewed as a complex category comprising the following set of interrelated notions, all clustering around a prototype: i) conceptual dependence of the PSM on the PSR ii) inherency of the relation iii) inseparability between the PSR and the PSM, and iv) permanency of the relation.” Dados os traços prototípicos de uma relação de posse inalienável, pode-se concluir não ser este um atributo determinante, uma vez que, nos corpora analisados, alguns dos freqüentes elementos codificados sob a forma dativa (escravos, animais, entre outros) não apresentam as características básicas necessárias (serem herdados, inseparáveis e permanentes). Embora pudessem ser herdados, tais “objetos” eram negociáveis, distintos do possuidor. Vejam-se, no capítulo III, dados quantitativos sobre os NPs (in)alienáveis encontrados. 35 36 Castillo fala das construções dativas aqui enfocadas como sendo expressões de relações de posse em que há um “alçamento” do possuidor: “Constructions generally involving some sort of possessor “raising”, where the PSR is expressed outside the NP containing the PSM, started to emerge as further manifestations of the alienable / inalienable distinction. The construction known as “possessive dative” in Romance, as in Spanish Marta me cortó el pelo ‘Marta gave me a hair-cut’ (lit. Marta cut me the hair) is a good example of such constructions” ( p.24) Segundo Payne & Barshi (1999:1-5), em relações externas de posse, embora codificados como o seriam argumentos normais do verbo, o possuidor não é licenciado pela grade temática do verbo; assim, o possuidor é tratado como uma espécie de “argumento adicional” da sentença, o que se confirma pela constatação de que verbos de três argumentos, cuja grade temática prevê um dativo normal, são refratárias a construções com clíticos dativos de posse. Ao tratar das diferenças na expressão de posse com nomes relacionais (partes do corpo, parentesco, aspectos não-físicos relacionados aos seres humanos – como nome, alma, etc) ou não-relacionais, Velazquez-Castillo (1996:62-63) compara o guarani a outras línguas: “Com relação à necessidade de especificar os PSRs de nomes inerentemete relacionais, é interessante notar que o guarani é diferente do espanhol, no qual partes do corpo são usados sem um PSR especificado em vários tipos de sentenças; i.e., El hombre levantó los ojos; Acabo de lavarme las manos; Me apreté el brazo herido. Ao contrário do espanhol, guarani tende a especificar o PSR com nomes inalienáveis em sentenças equivalentes”. Diferentemente do guarani, o PB admite relação de posse sem especificação adicional que não o próprio artigo, inclusive em posse inalienável (como no espanhol): “Cortei o dedo”; “Ele machucou o braço”; “Ele elogiou o filho” – apenas se o possuidor for outro (distinto do NP sujeito), rompendo a expectativa inicial, haverá codificação (Cortei o dedo dele; Ele me machucou o braço; Ele lhe elogiou o filho), seja através de pronome possessivo, de clítico ou genitivo [de + pronome]. 36 37 A constatação acima evidencia que há diferentes enfoques sobre as relações de posse, para diferentes línguas, cujos resultados não se aplicam totalmente para o PB, ou, nos termos gerativistas, há entre o PB e tais línguas diferente atribuição do valor paramétrico relacionado à expressão de posse. 2.2.3 – Salles e a sintaxe de complementação no PB Salles (1997) examina a sintaxe das preposições que introduzem complementos de verbos bitransitivos, bem como as relações internas entre preposições e seus complementos. Trata-se de assunto relevante à compreensão do intrigante caráter dos dativos de posse, visto que sua abordagem centra-se na estrutura temática dos verbos e a função de certas preposições, no PB moderno, que são cruciais para o aparecimento de uma estrutura específica. A partir da análise de construções do inglês, a que denomina DOC (double object constructions), Salles busca depreender variações interlingüísticas relacionadas à função das preposições e conclui que a ocorrência desse tipo de construção prende-se à ausência de distinção morfológica entre acusativo e dativo no sistema de pronomes oblíquos da língua em questão. Partindo do pressuposto de que um verbo que exige dupla complementação teria dois tipos de projeção (VP e PP), advoga a existência de uma preposição nula que licenciaria22 o segundo complemento de verbos como give (dar) no exemplo23 abaixo: (34) i - Mary gave a book to John. ii – Mary gave John a book. 22 Assume-se, no quadro da Teoria Gerativa, que argumentos são licenciados apenas em posições nas quais se possa atribuir Caso. 23 Os exemplos são da autora, mas com nova numeração. 37 38 Similarmente, a autora aponta a seguinte construção do dialeto mineiro, em que ocorreria DOC: (35) i – Maria deu (o) João o livro. ii – Maria deu o livro o João. Uma restrição que se aplica seria o fato de tal possibilidade na língua valer apenas para situações nas quais haja a idéia de posse - o que implicaria a existência de uma preposição with subjacente (36) Mary gave a book + John is with the book be with = have equivalendo a uma estrutura bi-oracional, na qual um dos verbos foi apagado – veja-se o esquema proposto pela autora à página 24: (37) ... [ VP give [ VP NP ¹ t give [ PP to NP ² ]]]... O aspecto (semântica) seria relevante, então, para compreender por que DOC não ocorre em construções com locativo: (38) i – Mary put the book on the shelf. ii – *Mary put the shelf the book. Como fundamentação para sua análise, Salles apresenta as abordagens de Kayne (1984), Larson (1988), Emonds (1993) e Hale & Keyser (1994). Vejamos certos aspectos em que algumas dessas análises poderiam ser-nos úteis para a compreensão da posse externa ora enfocada. Para Kayne, a ocorrência de DOC relaciona-se ao fato de as preposições em inglês serem regentes apropriadas (diferentemente das preposições nas línguas românicas): V e P, ambos regentes de mesma natureza, passariam por uma espécie de reanálise, necessária para que haja a interpretação de estruturas como: (39) i – [ V NP ] to John. Mary gave a book to John. 38 39 ii – V [ XP NP ] – (XP = NP) Mary gave John a book. iii – V [ XP NP ] – John believed Mary a genius. Iv - NPi ...P ∅ [NPi e ] NP. Mary was given a book. Então, na ocorrência de DOC (ii), tem-se reanálise V + P, o que garante a atribuição de caso ao NP ‘John’. Além disso, ele propõe que tal estrutura assume uma configuração de mini-oração (comparem-se (ii) e (iii) acima): se forem contíguos os dois NPs, prevalece uma leitura possessiva, o que não ocorre em (iii), em que haveria um verbo de cópula apagado: John believes Mary to be a genius. A ausência de distinção entre acusativo e dativo (P ∅ - preposição nula) seria responsável pela ocorrência de (pseudo)passivas indiretas, com sujeito nominativo (como em (iv)). Salles adota parcialmente a proposta de Kayne: embora admita a existência da preposição nula, assinala que há línguas (como o holandês) que apresentam DOC, as mesmas características para as preposições, no entanto não têm passivas indiretas. Além disso, constata que a maior fragilidade da análise de Kayne é a falta de generalidade. Se V e P efetivamente sofrem reanálise, a ocorrência de estruturas nas quais se verifica uma separação entre a preposição e o NP (‘preposition stranding’) deveria ser obrigatória, o que não se verifica, já que a reanálise coocorre com P-pied-piping (vejase (ii)), além de ser condicionado por outros fatores. (40) i – Who did Mary talk to? ii - To whom did Mary talk? iii - *Which break did you leave during? iv - *What inning did the Yankees lose the ball game in?24 24 Exemplo de Hornstein & Weinberg (1981:56, apud Salles, 1997:90) 39 40 Por outro lado, Larson defende a tese de que DOC origina-se de um movimento interno ao VP (similar ao que ocorre em IP quando do processo de passivização), decorrente de um vínculo estrito entre V e o PP. Seguindo Chomsky (1955,1977), assume que o verbo e seu objeto indireto formam um constituinte que exclui o objeto direto. O caso básico seria o dativo (representado pela configuração [ V [to NP]], que seleciona um NP na posição Spec, tendo por núcleo um verbo nulo (‘light v’), posição para a qual o V mais baixo alça: (41) .... [ VP give [ VP NP ¹ t give [PP to NP ² ]]]... Quanto a DOC, Larson propõe um processo abstrato de passivização, responsável pela absorção da capacidade de atribuição de Caso pelo verbo (a preposição to, apenas marcadora de Caso, é absorvida também); com a perda de caso dativo, o argumento passa à posição de sujeito, não temática. O verbo, que alça para a posição do verbo nulo, atribui caso ao sujeito e o OD adquire Caso em posição adjunta a V’: (42) .... [VP give [[ VP Mary t give [NP t Mary ]] [ NP a book]] ... Como um indício de que é o composto [V + PP] que atribui papel temático, ou seja, o papel exato atribuído ao OD depende da natureza do recipiente, Larson (apud Salles op.cit., p.24) contrasta o par: em (i), a posse é metafórica, diferentemente de (ii), na qual há uma transferência física do objeto: (43) i – Beethoven gave the Fifth Symphony to the world. ii – Beethoven gave the Fifth Symphony to his patron. 40 41 No entanto, o autor não demonstra a correlação entre DOC, a construção com preposição visível e a interpretação possessiva. Além disso, diferentemente do que Larson propõe, na estrutura clítica de posse o vínculo que se observa é entre o verbo e o NP acusativo que representa o possuído (ou o NP nominativo argumento do verbo inacusativo). Na verdade, o NP dativo (correspondente ao objeto indireto) nem pode ser codificado, o que geraria uma estrutura agramatical. Todavia, vale salientar, em consonância com o que Larson propõe, que a preposição em [de NP] é apenas marcadora de Caso. O clítico alça para uma posição na qual não recebe Caso, por não ser um dativo comum, argumento de V (como o é em (44 a), o que se evidencia abaixo: (44) a - João deu um livro ao Carlinhos. / João deu-lhe um livro. João deu um livro. João deu ao Carlinhos. ...[ V deu [ DP um livro] [ v’ t deu [ PP a [ DP o Carlinhos]]]] b - João cortou o dedo do Carlinhos. / João cortou-lhe o dedo. João cortou o dedo. * João cortou do Carlinhos. Hale & Keyser propõem uma configuração da estrutura argumental na qual assumem que cada núcleo lexical projeta sua categoria num nível frasal e determina relações estruturais com seus argumentos (especificador e/ou complemento) – denominam tal configuração como ‘sintaxe de nível lexical’ - LRS (lexical relational structure). Afirmam que os papéis temáticos são propriedades das configurações projetadas pelas categorias lexicais: ao analisarem verbos denominais do inglês, chegaram à conclusão de que tal processo de derivação envolve não apenas aspectos lexicais, mas também sintáticos. Segundo eles, a projeção lexical de um verbo denominal seria idêntica à projetada por um transitivo, havendo, sintaticamente, uma incorporação do núcleo 41 42 nominal - N - a um V abstrato, o que se aplica igualmente aos verbos inergativos, cuja estrutura lexical seria idêntica à de um verbo transitivo simples. Propõem, ainda, que estruturas com locativos (como: ‘John put the book on the shelf’.) ou com verbos ‘location / locatum’ (como em: ‘John shelved the book’.) apresentam mesma configuração, com um V abstrato que incorpora o nome ( hipótese semelhante à de Larson, quando fala de ‘light verb’): a posição Spec do VP subordinado é saturada pelo argumento afetado – a essa relação causativa denominam ‘predicado de mudança’. Os autores afirmam que nas construções com preposição explícita ou DOC existe uma relação semelhante: um dos argumentos é inserido na posição Spec do VP mais baixo e o outro sob PP (seja a preposição nula ou explícita) – e tanto V quanto P seriam núcleos lexicais, cujas projeções estabelecem relações lexicais (LRS). Aparentemente, para Hale & Keyser, a relação de localização – ‘location’ – é subjacente à de posse: a primeira seria gerada a partir da segunda através de algum processo metafórico: a proximidade espacial é normalmente (mas não necessariamente) associada com posse. As construções DOC mostram que a distinção entre tais conceitos é capturada pela sintaxe (dada a restrição a estrutura como: John put the book on the shelf. / * John put the shelf the book.). Há autores para os quais o dativo é um ‘locativo humano’, e no exemplo de DOC com verbos como ‘put’ seria possível a construção clítica de posse (desde que o possuído seja inalienável). Na verdade, o que é uma restrição a DOC, já que em “John put the book on the shelf” não há idéia de posse, pode não o ser para a construção clítica. É possível pensar em uma estrutura como (45) a - Mary pôs o livro de John na estante. 42 43 b - Mary lhe pôs o livro na estante. [ambígua: permite leitura possessiva ou como beneficiário, visto que o PSO é [ - animado]] c- João lhe pôs o filho no colo. [leitura possessiva inequívoca] Quanto aos locativos, só são degradadores da estrutura se houver a interpolação de um constituinte pesado; * João lhe i pôs na cama velha herdada dos patrões o filho i ( aqui, o clítico não poderia ser coindexado a ‘filho’). Salles endossa o ponto de vista dos autores quanto à configuração das construções com verbos bitransitivos (projeções de V e P) e à correspondência freqüente (mas não incondicional) entre tais projeções e papéis temáticos. Por outro lado, atribui a distinção entre as relações de localização e posse a uma interpretação aspectual do predicado (estativo ou não estativo). O fator responsável pelas diferentes construções sintáticas seria o tipo aspectual25 envolvido na configuração verbo / complemento, observando-se a distinção entre eventos que tenham finais definidos e eventos que não os tenham. Na relação verbo / complemento, o tema prototípico (= objeto direto) desempenha papel fundamental, visto que é o argumento que pode mensurar o término do evento (expresso pelo verbo, mas determinado composicionalmente pelo verbo + objeto). De acordo com os papéis aspectuais, a autora separa os verbos em grupos, observando: (i) a ausência destes aspectos (verbos com ‘argumentos não-mensuráveis’: 25 São três os papéis aspectuais: measure (permite mensurar o evento denotado por temas “incrementais” que prevêem a duração do processo - e verbos de mudança de estado); path (espécie de medida que provê uma escala ao longo da qual o evento é medido, mas não o seu ponto final; path-objects não sofrem mudança interna, como os temas ‘incrementais’); (iii) terminus (marca o ponto final na escala proporcionada pelo ‘path’). Segundo classificação de Tenny (1994, apud Salles, 1997:38), existem três tipos de mensuração de um processo: com verbos de temas incrementais (evento em progresso – ex: comer uma fruta), com verbos de mudança de estado (o estágio final representa a soma das mudanças por que passa o objeto – ex: descascar uma fruta) e com verbos cujo objeto delimita um percurso, sem alterar seu estado inicial (os ‘path objects’, como tocar uma música). 43 44 inergativos, certos verbos transitivos e estativos); (ii) verbos com um papel aspectual (measure); (iii) verbos com uma grade aspectual ‘path-terminus’. Para Borer (1994 e 1996, apud Salles 1997:42-3), propriedades aspectuais do predicado são representadas como legítimas projeções, cujos especificadores (Spec) acomodam argumentos relevantes. Assim, a representação sintática da distinção entre inergativos e inacusativos relaciona-se à localização da projeção: o sujeito inacusativo é projetado mais baixo do que o inergativo. Tem-se uma interpretação tipicamente inergativa em (i) João correu, ao passo que se tem leitura processual (com aspecto terminativo), ou inacusativa, em (ii) João correu à casa de Maria. Isso a faz afirmar que “..the aspectual properties of these predicates derive from the position and the properties of the relevant arguments within these predicates: the lower argument position is associated with a terminative interpretation, whereas the higher one with a process interpretation. The relation thus created defines the participation of the argument in the event structure of the lexical V.” Salientando que a cada posição sintática corresponde um papel aspectual, Borer afirma que a representação hierarquizada dos argumentos, imprescindível para o estabelecimento das funções sintáticas (ou atribuição de Caso), é obtida através de movimento para uma posição Spec de um nódulo funcional acima de VP – em (ii) João correu à casa de Maria, este nódulo seria Asp (term) P, ou aspecto terminativo. A consideração da estruturação semântica (tipos composicionais projetados pelos verbos) mostrou-se relevante na análise da ocorrência dos clíticos de posse, mas sem recorrer à postulação de projeções aspectuais (ver capítulo III). Na verdade, o problema decorrente destas análises seria exatamente a postulação de projeções, como se fossem nódulos funcionais, de propriedades aspectuais de verbos lexicais. Salles propõe, ao invés disso, que tais propriedades sejam representadas na projeção lexical de V (o originador (OR), o mensurador (EM) e o delimitador (DEL) 44 45 seriam licenciados numa configuração projetada por V e P, sob DP Merger na posição de Spec do núcleo lexical relevante) - desta forma, traços aspectuais fariam parte do inventário de traços interpretáveis do núcleo lexical projetado. Atenta principalmente às construções bitransitivas não-estativas (tipo DOC), ela afirma: “..the basic property of alternating nonstative ditransitives is that the predicate is associated with a change-of-state interpretation. Accordingly, the interrelation implicated by the causal relation expressed within the projection of V and P is such that one of the arguments of the embedded predicate is interpreted as undergoing (internal) change, whereby (transfer of) possession is obtained, and the relevant argument is associated with the possessor role. This interpretation arises under two patterns determining the aspectual interpretation of the predicate: the overt-P construction is associated with the path-terminus pattern; in DOC, the path-terminus is not at stake, but rather a pattern in which a single argument, namely the possessor provides both the scale path along which the event transpires over time and the endpoint terminus on that scale.” (p.49) Note-se a relação entre o tipo verbal e a idéia de posse, numa demonstração de que são aspectos sintático-semânticos que determinam tanto a ocorrência de DOC quanto de construções clíticas de posse. Sabemos que verbos triargumentais não licenciam a construção clítica de posse. No entanto, a maior saliência dos PP, em detrimento do clítico ou pronome possessivo (há, no PB moderno, uma nítida preferência pela substituição por PPs: [ a + pronome oblíquo ele (s) / ela (s)], bem como pelo dativo nulo anafórico, como constatou Berlinck (1999)), paralelamente à omissão da preposição - em casos de deslocamento do PP, de relativização, entre outros - parecem ser faces complementares de um mesmo fenômeno em curso. Tudo isso faz prever um aumento da freqüência de DOC, sobretudo se o OI (objeto indireto) vier topicalizado, o que é compreensível se considerarmos o PB sob a ótica de língua de “objeto nulo”, na qual a tendência seria o desaparecimento do clítico em favor do PP (sobretudo in situ), o “enxugamento” do PP em favor do NP, e, finalmente, a erosão fônica deste (funcionaria, aparentemente, sob uma hierarquização clítico > PP > NP > φ ). ???????????????? 45 46 No exemplo abaixo, pode-se constatar essa tendência à “erosão” das marcas, tanto dativas comuns (preposição) quanto de posse: (46) a – Eu dei o livro ao João ontem. b – Eu dei (a) ele o livro ontem. c – (A/Para) O João eu dei o livro ontem. d – (A/Para) O João, eu dei o livro para ele ontem. (47) a - A φ mãe cortou-lhe as unhas. (A sua mãe: traria ambigïdade) b - A φ mãe cortou as unhas dele. (A mãe dele: traria redundância) c – A φ mãe cortou as φ unhas. (novo sentido: a ausência do indicador de posse provoca a leitura correferencial entre o NP sujeito e o NP objeto) Como já vimos, a emergência de DOC no dialeto mineiro seria, segundo Salles, diretamente relacionada à ausência de marcação dativo/acusativo no PB: o sincretismo de formas dos clíticos, bem como uma fusão das referências de 2ª e 3ª pessoas gera situações como: (48) a – Ele me viu. (me acusativo) / Ele me deu o livro. (me dativo) b- Maria deu o recado para ele. (referência: 3ª pessoa) c- Maria lhe deu o recado. (referência: 2ª ou 3ª pessoa) Verifica-se, também aqui, uma questão pertinente quanto à referência do clítico, o que condicionará a ocorrência da construção externa de posse: a necessidade da disjunção entre a referência do DP / NP sujeito e do DP do qual alçará o clítico: 46 47 (48) a – “Tenho por diviza a franquesa, e alguns amigos mais particulares sabem que não costumo negar os meus feitos, ainda mesmo que eles me custem o sacrifício da própria vida.” (XXXX) b - * ...sabem que não costumo negar-me os feitos, ainda que eles me custem o sacrifício da própria vida. cliticização impossível visto que há correferência entre o sujeito de negar e o clítico de posse. [referência de 1ª pessoa] Não se trata de uma restrição lexical (ou aspectual) do verbo, uma vez que há uma estrutura clítica de posse adequada em (49) a – “Declararam os senhores Morales e Franca que eram os actuaes concessionários da estrada de Água Comprida á Feira. Eu neguei-lhes essa qualidade, affirmando em meu escripto de 13 que o actual concessionário era o senhor Leopoldo José da Silva”. (Bahia, --------------------, ---------) Vejam-se ainda os pares abaixo, em estruturas com verbos encontrados nos corpora, que parecem confirmar a necessidade de disjunção da referência do sujeito e do sintagma do qual o clítico é extraído: (50) a - Não posso conspurcar a imagem de meu pai. b – “Não lhe posso conspurcar a imagem” (sujeito e clítico de referências distintas) c - Não occultarei o meu nome. d - * Não me ocultarei o nome. e - Não me ocultarão o nome. / Não lhe ocultarei o nome. Sabe-se que da perda de distinção morfológica entre acusativo e dativo decorreu o comportamento da preposição como atribuidor de caso estrutural. No caso do PB, 47 48 destaque-se ainda o fato de a preposição aparecer num ‘amálgama’ com D, evidenciando traços de concordância ( ex: livro das meninas). Analisando-se estruturas de estágios diferentes do PB, pode-se constatar uma espécie de reanálise da função da preposição ‘a’, em consonância com a análise de Kayne: (51) a – “...espressões [...] que ordinariamente escutamos a essas vendedeiras de fructas...” b – [escutamos espressões ] [ escutamos V light a essas vendedeiras ] preposição ‘a’ funcionando como regente apropriada – V e P projetam. c - [ escutamos [ expressões das vendedoras de frutas ] [de NP] No PB atual, a relação de posse aparece como [ de NP] - aqui, contrariamente ao proposto por Larson, não é V e PP que aparecem em ligação tão estreita que exclua o OD – na verdade, a relação de posse ocorre internamente ao NP pós-verbal (seja OD ou sujeito). O mesmo se evidencia em [ escutamos-lhes as expressões ]. Nessa nova estruturação, a grade temática do verbo satura-se com o NP OD, no qual o clítico está inserido. Isso aponta para uma reanálise do vínculo V – PP. Se, por um lado, não são as projeções aspectuais as responsáveis pela ocorrência ou não da estrutura clítica de posse, por outro, já é possível antecipar que o tipo semântico do verbo será importante fator condicionante. 48 49 Capítulo III Construções clíticas de posse: análise dos dados 3.1 - A expressão semântico-sintática das relações de posse: Como já se salientou, no PB, no período enfocado (séculos XVII a XX) apareceram estratégias distintas de expressão das relações de posse: PPs (prepositional phrases): [a NP], posteriormente, [de NP]; com ou sem reduplicação através de clítico ; através do adjetivo “pertencente” (estrutura de mini-oração); emprego de pronomes (tanto de possessivos quanto de relativos – cujo e flexões) – estruturas cujo mapeamento e quantificação são a base empírica para compreensão do processo diacrônico de mudança dos dativos de posse. Entre outros fatores, percebeu-se que a ocorrência do dativo de posse com certos tipos de verbos intransitivos relaciona-se ao caráter inergativo ou inacusativo deste. Segundo Miguel (op.cit,p.117), “Os verbos intransitivos distribuem-se em duas classes: (i) os verbos inergativos, que selecionam um único argumento, não subcategorizado, realizado, em estrutura P, na posição de sujeito; (ii) os verbos inacusativos, que selecionam um único argumento, subcategorizado, realizado, em estrutura P, em posição de objeto.” Com estes últimos, inacusativos, Miguel afirma a preposição “a” só se realiza nos casos em que este argumento aparece “em estrutura P, i.e., na sua posição regida e θ marcada (...) em contrapartida, a preposição “de” não obedece a nenhuma restrição” (p.117). Observadas as diferenças entre o emprego de tais preposições no PB e no PE 49 50 (no qual [a NP] continua sendo opção válida), foram registradas todas as ocorrências de expressão (clítica ou por outro expediente morfológico) de posse. Ramos (2000:03) afirma que “Em estruturas mono-oracionais os dois argumentos estão no mesmo domínio mínimo, sendo ambos argumentos de V. Por isso, o NP dativo não bloqueia o movimento do NP nominativo, apesar de c-comandá-lo. Daí a boa formação das construções com inacusativos. Na contagem inicial de Ramos (2000), foram investigados apenas verbos inacusativos ( num total de ____ ocorrências), o que tornava necessário investigar a existência de restrições entre o arranjo estrutural verbo / argumento e a possibilidade de cliticização do dativo de posse. Observou-se que as estruturas transitivas são mais comuns, desde que sejam verbos de apenas dois argumentos (conforme apontado na seção XXX), e as intransitivas ocorrem com um grupo muito restrito de verbos com dativos de posse: em termos numérico, XXXX foram realizadas com verbos monoargumentais, enquanto ( xxxx %) com verbos biargumentais licenciaram a presença do clítico dativo. Computadas as ocorrências dos séculos XVII a XIX, nota-se que verbos intransitivos desfavorecem sensivelmente a cliticização: apenas 12 ocorrências (verbos ir e correr), assim mesmo algumas delas parecendo tratar-se de estruturas cristalizadas, como se vê abaixo: (52) a - “Como entendo que todas / quantas cartas tenho a V mce escrito / nenhûa lhe terá hido a mam lhe quero significar mizeravel estado emque me acho para que V mce se compadesa de mim.” (Minas Gerais, 1758, cartas pessoais / Acervo Barão de Camargos) b - “Por não poder hir aos seus pes vai o portador pª V mce me / fazer amce 50 51 mandar dizer se jaseapurou aluta no Sumidouro e se não seapurou Fazerme a mce mandar dizer qdo poderei hir aos seus pes pª poder arrumar os meus credores....” (Minas Gerais, 1778, cartas pessoais / Acervo Barão de Camargos) c - “N’essa informação verificamos que a / verdade está algum tanto alterada em cer- / tos factos que nos dizem respeito, correndo-nos , portanto, o dever de os vir rectificar.” (Bahia, 18XXXX) Por outro lado, foram encontradas 130 ocorrências com verbos inergativos ou inacusativos (verbos entrar, cair, sair, fugir, chegar, nascer, faltar, desaparecer, morrer, falecer, evadir-se, adoecer, apodrecer, existir, entre outros). Vejam-se algumas dessas ocorrências abaixo: (53) a - “E posto se disfarce com a assignatura de Zumba nelle / (...) parecendo –nos que por isso quis escrever - Zurra // nelle – mas não lhe chegou a tanto a língua – com tudo não deixa de ser desengraçada peça do author...” (Bahia, 18xxx) b - “Então para que talha carapuças que tão ajustadas lhe cahem sobre a cabeça...” (Rio de Janeiro, 18____) c – “S. ex. não contava, de certo, com o rapido andamento, nem com o desfecho que teve esse ne-/gocio, que aqui para nós, que ninguem nos ouça, foi para s.ex. / o caso de dizer-se que cahiu-lhe a sôpa no mel!” ( ??????, 18____) d – “Oito dias depois fui eu com minha família á / rua do Ouvidor comprar fazendas de luto (pois / que morreo-me um parente, de febre amarella)/ seriao 9 horas da noute, quando muito, e já por /aquella rua tão freqüentada, transitavão os im-/mundos tigres derramando por todo a parte hum / cheiro tão nauseante...” ( ???????, _____) 51 52 e – “Laurindo de tal, morador nos Olhos d’agua, suburbio d’esta , Villa espancou seu velhos pai Marcos de tal: e, vindo este para queixar-se as authoridades, sahiu-lhe ao encontro o filho desnaturado e esbofeteou-o atrozmente defronte da casa de Saturnino Nunes de Abreu, ...” (Bahia, anúncios, ______) Recorde-se que, para obtenção dos dados acima, foi utilizado o critério inerente aos dativos de posse cliticizáveis, ou seja, a estabilização de uma relação do DP argumento verbal (acusativo ou nominativo) como objeto possuído em relação ao NP preposicionado. Selecionaram-se estruturas nas quais a relação de posse (caso viesse codificada por pronome ou PP) permitisse a paráfrase com “de” (ex: (i) Machucou-lhe os dedos = Machucou os dedos dele; (ii) Ele lhe deu um vestido. = Deu um vestido a ela. / *Deu um vestido dela.), o fragmento foi devidamente coletado e codificado. Portanto, ao lado de estruturas que continham já o clítico de posse alçado, foram coletadas as ocorrências dos mesmos verbos em outras construções com indicação de posse, conforme se verifica nos exemplos abaixo: (54) a – “Ninguem ouvio, nem ousara affir-/ marl-o que Luiz Fernandes requeresse protesto algum, que para tanto não chegaria o seo discernimento, e apenas seo / mentor insulso.....” (encontrada imediatamente antes, no mesmo parágrafo do texto, da estrutura (53 a), o que indica serem coexistentes tais formas de expressão da posse). b - “As Augustas Pessoas, e as da Segun- / da Ordem que cahirão ao seu Lado tam- / bem estão salvas. Quebrou-se a faca da / morte que tinhamos diante dos nossos olhos terrorizados.” (Bahia, _______) c- 52 53 Já foi mencionada a existência de fatores internos à construção do sintagma de origem do clítico que permitirão ou bloquearão o alçamento. Curiosamente, ainda que não possam aparecer estruturas com verbos dandi (triargumental), caso se forme um constituinte V-NP acusativo (estrutura cristalizada), o clítico é licenciado: (55) a - O pai deu um livro seu ao filho. b - * O pai lhe deu um livro ao filho. [ o clítico não indica posse] c - Ele costuma dar ouvidos às queixas dos filhos. d - Ele costuma lhes dar ouvidos às queixas. [ dar ouvidos = ouvir] Se, por um lado, a grade temática dos verbos já se revelou um fator relevante (visto que não ocorreram, nas XXXX estruturas codificadas e quantificadas, casos de dativo clítico – ou NP possessivo cliticizável – com verbos de três argumentos), por outro surge a necessidade de buscar os demais fatores condicionantes dessa estrutura. Berlinck (op.cit.) apresenta uma classificação semântico-sintática dos verbos do PB, tanto em estruturas transitivas quanto em estruturas intransitivas. No primeiro grupo, estariam os verbos de transferência material (ex: “dar”), de transferência verbal ou perceptual (ex: “dizer”), de movimento físico (ex: “dizer”) e de movimento abstrato (ex: submeter). Destes, a autora acredita só ser possível codificar posse com os verbos do terceiro subgrupo, assim mesmo com NP definido: (56) a- dar-lhe o livro ( Nº dá N¹ a N²) N¹ passa a ser de N² b- dizer-lhe a verdade (Nº “dá” abstratamente N¹ a N²) N¹ não pertence a N² c- levar-lhe um livro N¹ não pertence, inicialmente, a N² 53 54 d- levar-lhe o livro N¹ pode pertencer a N² (= dativo de posse), ou o clítico pode estar referindo-se ao beneficiário (ambíguo). e- submeter-lhe o livro (para apreciação) N¹ não pertence a N² No segundo grupo, das estruturas intransitivas, haveria os verbos de interesse (ex: “obedecer”), de movimento (ex: “acontecer”) e de movimento psicológico (ex: “satisfazer”). Com estes, seria possível encontrar dativos de posse com dois subgrupos: (57) a- obedeceu-lhe a ordem (= obedeceu à sua ordem) clítico licenciado. b- aconteceram-lhe fatos Nº não pertence a N² c- satisfez-lhe a curiosidade ( = satisfez a sua curiosidade) clítico dativo de posse licenciado. Dentre os verbos do primeiro grupo das “estruturas intransitivas”, a autora distingue os de interesse e os de sensação física ou emocional, levando em consideração o tipo de envolvimento voluntário ou involuntário, respectivamente, do referente do NP1 (o sujeito) no processo descrito, como se vê abaixo: (58) a - João aderiu ao movimento. NP1 ativa e voluntariamente envolvido no processo. b- Dói a minha cabeça e tremem-me as mãos. Em ambos os casos, os NP1 expressam sensação física involuntária do seu referente. Para Berlinck, apenas no segundo tipo seria possível a construção possessiva clítica; no entanto, mantida a divisão semântica proposta pela autora, já foram 54 55 encontradas estruturas com verbos típicos do primeiro grupo ( como assistir e obedecer ): (59) a - “Porque tendo assistido a sua fabricação, sei o que prescrevo aos meus doentes e os seus efeitos não se fazem esperar.” [ ...tendo lhe assistido a fabricação ..] b – “Quando a nova província do Paraná por considerações estranhas estivesse isempta da lei geral da politica dominante, “a conciliação” ainda assim força era obedecer suas conveniências peculiares, porque apenas largando das fachas da infância naturalmente merecia contemplação a seus hábitos.” [ ...obedecer-lhe as conveniências...] c - “Faltava-lhes a última arma – a intriga: não a intriga para com o povo, porque dessa já estamos fartos..” (xxxx) ???????? Ainda considerando a expressão de relação de posse, pode-se constatar um problema na análise de Berlinck (1996: 123-4): para ela, uma sentença como “Joana aproximou sua cadeira de Pedro” (Joan brought her chair closer to Peter) seria substituível por “Joana aproximou – lhe sua cadeira” ( Joan brought her hair closer to him) e teria, para os constituintes destacados, o mesmo sentido e mesmo valor dativo. No entanto, a sentença substituta não parece ser aceitável no dialeto padrão (ou mesmo em algum dialeto não-padrão). O natural seria “Joana aproximou dele a cadeira”, com um PP (de + ele) e a omissão do pronome possessivo que, por vezes, acarreta uma leitura ambígua. Construções como esta não foram analisadas, uma vez que a cliticização não evidencia uma leitura possessiva como a abordada nesta pesquisa. Há, também, a codificação de posse em “construções se lhe”, como em “Apontem-se-lhe os seguintes caracteres típicos”. Berlinck analisa-as como passiva, 55 56 com sentido benefactivo, inicialmente, e afirma que perderam uma leitura possessiva que tinham anteriormente. São estes os estágios de interpretação de tais estruturas, propostos pela autora: (60) a – Passaram-se lhe todas as informações. ativa: X transferiu-lhe as informações. b - Passaram-lhe todas as informações. a presença do pronome “se” acrescenta caráter de envolvimento involuntário. (61) a - Secaram-se lhe as flores. X secou as flores dele/dela ou X secou as flores para ele / ela. b - Quebrou-lhe o vaso. X quebrou seu vaso ou X quebrou o vaso para ele/ela. Para tais estruturas, a autora apresenta as seguintes equivalências: (62) c – As flores secaram – lhe. [ lhe = dativo] “The flowers dried on him”. d - O vaso quebrou-lhe. [ lhe = dativo] “The vase broke on him”. No entanto, ao eliminar-se a “leitura possessiva” inicial, foram obtidas estruturas que não correspondem a sentenças boas no PB, seja no dialeto padrão ou em alguma variedade não-padrão, ainda que se atribua ao clítico um caráter expletivo: ao sofrerem as alterações mostradas, perdeu-se a possibilidade de codificação como dativo . Nos corpora analisados, apareceram estruturas de posse com [ se lhe], em maior número, ao lado de [se me] e [se te], as quais foram devidamente codificadas e quantificadas: 56 57 (63) a - “Não he com escriptos revolucionários, nem com venenosas lições, para a mais ruinos anarchia que se promove a felicidade do Brasil!” [que se lhe promove a felicidade ] b - “... mas qual foi a minha admiração, quando encontrei a mais revoltante calumnia que se podia estampar no espírito do publico!” [ ..que se lhe podia estampar no espírito ..] c - “.....e é tal a dureza de coração de uma destas mães, que acaba consigo expor ao mesmo risco o filho de suas entranhas, e não se lhe enternece, e não se lhe enternece o coração, e entranhas e não se lhe arrasem os olhos de lágrimas...” Vejamos, a partir dos quadros abaixo, os fatores semânticos dos verbos que, seguindo análise de Berlinck, poderiam ser condicionantes da ocorrência da estrutura em pauta. Análise de tipo semântico do verbo - estágio ( a ) Período: 1601 a 1700 57 58 Ocorrên Posse Inalienável Posse Alienável Verbo prototípicos Ocorrências cias Tipo Semântico Transferência 00 Clít Pron PP a NP Red Clít Pron PP a NP Red Dar (pagar, transferir) Material Transferência 12 05 00 01 03 01 01 00 01 00 00 Tirar (tomar, arrancar) 27 02 07 07 01 03 02 00 02 03 00 Dizer Material Reversa Transferência Verbal (anunciar, e contar) Perceptual Movimento 66 24 08 09 05 05 05 02 05 02 01 Levar Físico (acrescentar) (Physical motion) Movimento 85 22 25 25 03 07 01 01 01 00 00 Acrescentar Abstrato (submeter, associar) Intransitivos: 42 24 07 06 02 02 00 00 00 00 Faltar 01 (obedecer Aparecer) ou 03 01 02 00 00 00 00 00 00 00 Doer 00 (tremer, arder, repugnar) Intransitivos de 13 08 01 03 00 00 01 00 00 00 00 52 08 24 00 01 00 01 - de interesse - de sensação física emocional Chegar (bastar, cair) movimento Movimento 15 03 psicológico Totais 300 Inalienáveis: 267 00 00 Sentir (admirar, temer) Alienáveis: 33 Obs: não encontradas estruturas com pertencente. 58 59 Análise do tipo semântico do verbo - estágio XX Período: 1701 a 1800 Ocorrências Ocorrenc Tipo Semântico Transferência ias Posse Inalienável Clít Pron PP a NP Posse Alienável Red Clít Pron PP a NP Red Dar (pagar, transferir) 00 Material Transferência 02 Material Reversa Transferência 01 Verbal e Verbo prototípicos 02 Tirar (tomar, arrancar) Dizer (anunciar, Perceptual contar) Movimento Físico Levar (Physical motion) (acrescentar ) Acrescentar Movimento Abstrato , (submeter, associar) Intransitivos: - de interesse - de sensação física Doer (tremer, arder, repugnar) ou emocional Intransitivos Faltar (obedecer Aparecer) de Chegar (bastar, cair) movimento Movimento psicológico Sentir (admirar, temer) 59 60 Análise do tipo semântico do verbo - estágios (b) e (c) Período: 1801 a 1900 Ocorrências Ocorren Tipo Semântico Transferência cias Posse Inalienável Posse Alienável Verbo prototípicos Clít Pron PP a NP Red Clít Pron PP a NP Red 09 04 01 00 00 00 02 02 00 00 00 Dar (pagar, transferir) 45 09 05 06 01 01 08 08 04 02 01 Tirar (tomar, arrancar) 45 09 14 10 00 00 04 03 04 01 00 Dizer Material Transferência Material Reversa Transferência Verbal e (anunciar, Perceptual contar) Movimento Físico 93 18 13 17 03 01 07 17 15 01 (Physical motion) Movimento 01 Levar (acrescentar) 132 22 42 54 00 00 03 07 04 00 Abstrato 00 Acrescentar, (submeter, associar) Intransitivos: - de interesse Faltar 01 (obedecer Aparecer) 32 03 10 07 00 00 02 05 04 00 17 05 04 01 01 00 01 02 03 00 64 02 08 05 07 00 00 02 14 20 06 Chegar (bastar, cair) 101 19 32 31 01 00 01 10 07 00 00 Sentir (admirar, temer) - de sensação física ou emocional Intransitivos de Doer 00 (tremer, arder, repugnar) movimento Movimento psicológico Totais: 538 Inalienáveis: 366 Alienáveis: 172 60 61 Um aspecto, já mencionado, mas que foi verificado na análise dos dados tange à importância da inalienabilidade na construção dativa clítica. Sabe-se que a inalienabilidade não é determinada pela cultura, ainda que seja motivada por ela; assim, cada língua desenvolve mecanismos formais para refletir a diferente dependência conceptual entre, por exemplo, nomes relacionais e não-relacionais. Poder-se-ia vislumbrar uma interrelação entre a construção clítica de posse e a inalienabilidade, afinal dos XXXX dados, _____ ( a existência de XXX estruturas ( %) são inalienáveis. Contudo, há que se considerar %) com os quais a cliticização é possível, ainda que o DP possuidor seja alienável. Há vários autores (como Tellier, 1988, Vergnaud & Zubizarreta: 1992: XX) para os quais existe um certo grau de extensão que permite incluir outros nomes, que não os estritamente os nomes de parentesco ou partes do corpo entre os inalienáveis. Pode ser que efetivamente exista, em cada cultura, um continuum em termos de inalienabilidade, e não uma dicotomia restritiva; no entanto, falar em inalienabilidade estendida diluiria tal conceito que, conforme apontam os dados, funciona como agente facilitador, mas não é condição sine qua non para as construções aqui enfocadas. 3.2 – A estrutura dos DPs e as restrições à construção clítica de posse Partindo do pressuposto de Chomsky (1970, apud Giorgi & Longobardi, 1991:1) de que a estrutura relacionada a verbos é semelhante à do nome correspondente, o que permite pensar em propriedades estruturais até certo ponto similares, explicações para movimentos de elementos internos aos NPs podem ser relacionados aos de sujeitos de cláusulas (o mesmo tipo de raciocínio se aplica à análise de Kayne, para quem Spec, Dº 61 62 funciona analogamente a Spec, CP – veja-se em 3.3). Assim, Giorgi & Longobardi (op.cit, p.2) propõem uma Hipótese Configuracional que consiste de dois pontos: a) a possibilidade de encontrarmos vários subníveis hierárquicos dentro dos NPs: toda vez que houver um deslocamento de qualquer destes elementos, seguir-se-ão as condições gerais de correferência criadas por ‘Move α’, bem como as de ligação de anáforas e pronomes que valem para as sentenças; b) a estrutura θ dos NPs (condições de atribuição de papéis semânticos) são paralelas às dos verbos, podendo outros módulos da gramática ser os responsáveis por diferenças no nível superficial. Assim, parece-nos adequado buscar nas relações internas ao NP as causas de degradação de estruturas que não se devem a propriedades lexicais ou semânticas dos verbos. Uma das ocorrências diz respeito à impossibilidade de uma ‘subextração’ do clítico dativo de posse, o que se pode verificar em estruturas como: (63) a - Ela chamou a atenção de Maria e de Joana. b - Ela lhes chamou a atenção. c - (?) Chamou-lhe a atenção e de Joana. (64) a - Machucou o pé dele e de João. b – (?) Machucou-lhe o pé e de João. c - Machucou-lhe o pé e a mão. [só são coordenáveis elementos de mesma natureza] O que se observou acima para os clíticos de posse vale também para o dativo argumento verbal ( Deu o livro a Maria e a Teresa. / (?) Deu-lhe o livro e a Teresa.), e torna inaceitável (porque ambígua) a construção DOC analisada por Salles (Deu o livro João e Pedro./ * Deu João o livro e Pedro). Essa restrição parece ser uma característica 62 63 do PB, que não admite cliticizar parte de um NP pesado (uma espécie de subextração, possível em línguas como o inglês, que dispõe da estratégia de pied-pipping, visto que admite ‘preposition stranding’ como se vê em: “Which students i did you show to the committee pictures of t i ? ” 26). Um outro aspecto que emerge da análise é a necessidade de avaliar o tipo de modificador, relacionado ao núcleo do sintagma: (65) a - Temia a posição do povo brasileiro nas decisões sobre a guerra. b - Temia-lhe a posição nas decisões sobre a guerra. [ de NP permite a saturação do papel θ externamente] c - Temia a posição popular nas decisões sobre a guerra. d - * Temia-lhe a posição nas decisões sobre a guerra. o adjetivo que expressa apenas qualidade não apresenta papel θ externo, pois a atribuição é feita internamente). Somente adjetivos que representam argumentos do N (como em 67a: do povo brasileiro é agente) podem ser expressos em uma construção externa de posse, ainda que haja uma proximidade semântica tão grande da locução com o adjetivo popular. De acordo com Kayne (1984, apud Giorgi & Longobardi, op.cit, p.38), apenas adjetivos ‘referenciais’ (adjetivos que têm um papel θ na grade temática de N27 ) podem expressar um argumento externo do nome a que modificam, o que os compatibiliza com as construções externas clíticas. Com relação ao nome que constitui o sintagma do qual o clítico alça, os autores supracitados, analisando construções possessivas do italiano, afirmam que qualquer membro argumental ou adjunto de um núcleo lexical N só pode ser extraído (por 26 27 Exemplo de Jayaseelan, K.A . (2001, p.70, nota 38) Ver Giorgi & Longobardi (1991, capítulo II) para maiores detalhes sobre a estrutura interna dos NPs. 63 64 movimento QU- ou cliticização) se for “sujeito” do NP, o que significa dizer que apenas genitivos sob a forma di-NP podem ser extraídos. Vejam-se as estruturas a seguir: (66) a - Abbiamo ricordato il desiderio di Gianni. (Recordamos o desejo de João) [ambigüidade: João deseja algo. / João é desejado (por alguém)] b - Gianni, di cui abbiamo ricordato il desiderio.. (João, de quem recordamos o desejo...) extração de QUc - Ne abbiamo ricordato il desiderio.. ( Nós lhe recordamos o desejo...) cliticização d – Abbiamo ricordato il suo desiderio. pronominalização: apenas na leitura como experienciador ( ele deseja), não como tema (ele é desejado). Em acréscimo, oferecem inúmeros exemplos em que di-NP não pode ser extraído por ter natureza adverbial (como: “In quel museo si possono vedere loro opere (*di 300 anni fa). = Naquele museu é possível ver seus trabalhos de 300 anos atrás. / * Di quanti anni fa si possono vedere opere, in quel museo?). Da constatação de que apenas sintagmas que apareçam como possessivos em Spec (ou seja, posição pré-nucleo) podem ser extraídos, os autores atribuem à posição Spec o status de detentor dos traços relevantes que permitem acomodar os constituintes extraídos; para fundamentar essa hipótese, assumem que: existem princípios gerais que determinam quais os constituintes que podem aparecer em Spec, NP; cada traço deverá ser propriamente governado por um núcleo (e no caso de ser governado por N, deverá ter um antecedente dentro de Nmax); um traço em Spec, NP pode ser governado por um núcleo externo (p.64). A discussão pertinente é saber se N é um regente apropriado para o traço de um constituinte extraído. Para Giorgi & Longobardi, todos os argumentos 64 65 prenominais ligam um traço pós-nominal nas línguas românicas (diferentemente das germânicas), o que permite pensar em N como governante inadequado apenas para constituintes extraídos, mas não para argumentos prepostos, internos ao NP. Esta é uma conclusão crucial para nossa análise, pois se N não pode governar os traços de um possuidor cliticizado, há que se verificar qual o regente apropriado para o vestígio do clítico alçado. Diferentemente do alemão, que permite extração de possuidor apenas se for um PP pós-nominal, mas não um possessivo pré-nominal, o PB permite cliticizar tanto um quanto o outro, desde que haja um DP do qual o clítico alça, o que faz supor um papel relevante ao determinante, necessariamente lexicalizado. Continuando a investigação do status de Spec, NP , os autores propõem que a extração de [ di NP ] só é possível se este for interpretado como sujeito do NP. Apontam uma diferença entre as línguas românicas e germânicas, responsável pela aceitabilidade desse tipo de extração: somente as primeiras projetam um Spec à esquerda de N, do qual o constituinte [di cui] alçará, o que torna N um regente apropriado para o traço deixado na posição de base: (67) a – il soldato [di cui] i ho visto la t i cattura t o soldado de quem eu vi a captura b - e ho visto la t cattura t dele eu vi a captura Vi-lhe a captura. Como suporte para a postulação de um Spec, NP, eles mostram a impossibilidade de extração caso essa posição já esteja preenchida lexicalmente com um pronome: (67) c - * il soldato [di cui] i ho visto [la sua cattura ] t i Comparando tais estruturas ao fenômeno de P-stranding do holandês, eles assumem que 65 66 “For each class of head Nouns one of the genitive arguments, chosen according to independent principles of structural prominence (...), is allowed to occupy the Specifier position: there, it can be either superficially realized as a possessive (only if it is pronominal or anaphoric in Romance, any NP with ‘s in English) or moved away by cliticization or wh-extraction, leaving a trace properly governed from outside the NP.” (p.65) Essas considerações sobre a acessibilidade de Spec para um governo apropriado por uma categoria externa está em consonância com a Condição de Minimalidade (Chomsky, 1986, apud Giorgi & Longobardi), a qual permite, a certos núcleos lexicais, em alguns casos, admitir regência por categorias que lhe são externas. Voltando ao exemplo (67) acima, há um fenômeno já bastante estudado, de uma mudança em progresso no PB: trata-se da mudança nas estratégias de relativização 28 . Ao lado da estrutura preconizada pela GT (somente utilizada em textos escritos formais), existem duas opções amplamente utilizadas, a que Tarallo denominou “relativas copiadoras” e “relativas cortadoras”: (68) a - O soldado do qual nós vimos a captura ... [ ou: O soldado cuja captura vimos...] b - O soldado que i nós vimos a captura dele i ... relativa copiadora c – O soldado que nós vimos a captura φ .... relativa cortadora Assim como a estrutura do italiano, em (68 a) temos o fenômeno de Preposition Stranding, bastante freqüente nas línguas germânicas, porém marginal no PB. Embora a GT só admita tal construção seguindo os cânones do PE (português europeu), a maioria dos falantes escolarizados brasileiros optam por (68 c), e consideram (68 b) mais distante do padrão. Pode-se estabelecer uma analogia entre (69 b ), (70) e a estrutura abaixo: (69) O soldado que i nós lhe i vimos a captura t .... 28 Ver, a esse respeito, Tarallo (1985), Cohen (19XX) entre outros. 66 67 Assim como acontece com a rejeição dos falantes brasileiros, em sua maioria, pela estrutura (69 a) dada a ordem marcada (visto que P-Stranding não é fenômeno comum nas línguas românicas), com movimento do PP [ de + pronome] para a posição pré-verbal, ou, em menor grau, pela estrutura (69 b), a gradual diminuição de estruturas clíticas de posse pode estar encaixada num fenômeno maior por que passa o PB de enrijecimento da ordem dos constituintes (o que daria margem à ampliação de uso do genitivo para expressão de posse, já que [ de NP] ocupa posição pós-nominal, in situ). 3.3 - Extração do possuidor e implicações paramétricas Chomsky (1995) atribui as diferenças paramétricas entre línguas a divergências quanto ao momento de aplicação das operações de checagem de traços. Assim, diferenças estruturais encontradas nas diversas línguas devem ter suas causas investigadas em termos de traços fortes ou fracos que, subjacentemente, condicionariam os arranjos visíveis na computação final, ou seja, no que o MP chama de ‘Spell-out’ ou sintaxe visível. Delimitadas certas peculiaridades dos dativos de posse do PB, já considerando os dados iniciais, é preciso investigar os seus condicionantes. Uma delas diz respeito à necessidade de o constituinte de onde o clítico alça ter o status de DP: como vimos em ( ), um N sem determinante lexicalizado (Do) bloqueia a extração do possuidor 29. Gavruseva (2000) apresenta um estudo das restrições de extração de sintagmas QU- possessivos em várias línguas, buscando as diferenças paramétricas responsáveis 29 Seguindo Gavruseva (2000:744), a notação NP representa a categoria sintática nominal, mas a DP se atribui o status relevante para as operações sintáticas de extração, conforme Szabolcsi (1983, 1984), que atribui a DP e a CP as mesmas possibilidades sintáticas em termos de extração de constituintes. 67 68 por sintaxes tão diversas em relação a tal fenômeno. Inicialmente, mostra extração de possuidor pré-nominal, em húngaro, e preposicional, em italiano: (70) a - Mari-nak a vendég-e-∅ [ lit.: Mari-dativo o convidado = de Mari convidado] b - Ki - nek a vendég-e-∅ [ lit.: Quem-dativo o convidado = de quem o convidado? ] c – [Ki-nek] k ismer-té-tek [ Quem-dativo conheceram DP t k a vendég-é-∅ - t] ? o convidado de – Acusativo ? [ Lit: Quem vocês conheceram o convidado de ? ] (71) a - il bambino di Gianni b - il bambino di qui [ o filho de João ] [ o filho de quem ] c - [Di chi ] k há visto [ DP il bambino t k ] ? De quem (ele) viu o filho ? Contrariamente ao que se viu acima, as línguas germânicas não admitem extração de possuidores pré-nominais, conforme atestam os exemplos do inglês e do alemão, respectivamente: (72) a - * Who k did you meet [ DP t k ‘s brother ] ? [ lit: Quem você conheceu o irmão (de) ? ] b - * Wessen k hast du [ DP t [lit: De quem você k Buch ] gelesen ? o livro leu? ] O PB está mais próximo do italiano, sendo possível a extração tanto de possessivos pré como pós-nominais, via cliticização. A única restrição se refere à presença de cujo [ +QU ] e flexões, o que aparentemente torna o possuído mais interno ao DP e lhe impede a extração, como se pode ver abaixo: 68 69 (73) a - Conhece o seu namorado. / ...o namorado dela b - Conhece-lhe o namorado. c - De quem conhece o namorado? / Conhece o namorado de quem? d - Conhece a moça cujo namorado é italiano. e - * De quem conhece o namorado é italiano? É possível que a presença do cujo bloqueie a extração pela mesma razão que, no inglês, exista tal restrição (como vimos em 72 a), dada sua semelhança com o comportamento do ‘s genitivo. Sua ocorrência gera uma ordem marcada no PB: (74) a - John ‘ s car lit: John de carro = ‘carro de John’ b - João cujo carro... lit: João de carro, interpretado reversamente como ‘carro de João’. Com base nas possibilidades de ocorrência de extração QU, é proposta uma classificação das línguas em três tipos: A (extração obrigatória – ex: chamorro), B (extração opcional – ex: húngaro) e C (extração impossível – ex: inglês, holandês; o alemão seria um tipo misto, uma vez que admite extração apenas de PPs, isto é, possuidor pós-nominais). O PB pertenceria ao tipo B, uma vez que a extração de possuidor via cliticização é facultativa. Diferentemente do alemão, tanto possuidores pré como pós-nominais podem ser extraídos, como mostra (72). Kayne (1994) oferece uma análise relevante para a compreensão dos dativos de posse por explicitar, dentro do quadro teórico que baseia esta pesquisa, como se dá a atribuição de caso ao constituinte (o clítico) movido para Spec CP (complementizador, posição preenchida por operadores): este constituinte acaba recebendo um nicho adequado, uma vez que os NPs podem alçar para a posição de Spec de uma preposição (“available landing site”), que passa a funcionar como complementizador. 69 70 Para o inglês, Kayne postula a existência de um Dº, que deve, necessariamente, estar vazio. Com base na análise de Szabolcsi (1983) para o húngaro, língua na qual há um possessivo pré-nominal (não necessariamente um pronome), afirma que, no inglês, Dº deve estar vazio: compare-se o italiano- “il mio libro” (= *the my books) a [DP... Dº [John [‘s book]]] : aqui há duas posições Spec (especificador) – uma associada com o núcleo ‘s (na qual John se encontra) e outra associada com Dº, indicada pelas reticências. Assumindo que Dº é posição de operador, Kayne conclui que um sintagma pode c-comandar fora de DP se alcançar o mais alto Spec dentro de DP. Em húngaro, conforme Szabolcsi (1983, 1984, apud Kayne, op.cit), os possessivos podem estar no caso nominativo (sempre precedidos por artigo definido – o que não se verifica no inglês: *the John’s two pictures). Por isso, haveria um Dº não foneticamente realizado nestas construções: (75) I have two pictures of John’s”. Dº [John [ ‘s [ two pictures]]]. Segundo Szabolcsi (apud Kayne, op.cit.), no húngaro há um Dº indefinido que pode preceder o sintagma possessivo: nesse caso, o possessivo deverá mover-se para Spec de Dº, receber Caso dativo, depois sair de DP inteiramente. No inglês, como Dº não pode licenciar caso, ( ‘s não é suficiente), usa-se uma outra estratégia: movimento do NP (ou QP ?) “two pictures” para Spec de DP e inserção da preposição of em Dº: (a) [two pictures ]i [[ D of ] [ John [ ‘s [ e ]i ]]] A análise das sentenças abaixo evidencia que o artigo the é um Dº, que não pode ser gerado sob ‘s , a não ser que inicie um CP: (b) * I found the (two) pictures of John’s / his. The não pode ter um complemento DP. 70 71 (c) I found the (two) pictures of John’s / his that you lent me. o artigo tem, como complemento, uma relativa cuja “cabeça” é o complementizador (that). Desta forma, CP contém “two pictures of John’s como seu Spec: (d) [(two) pictures of John’s] i [that [ ...me[ e] i ]] (e) “ the [[NP picture] [that [ Bill saw [ e ]]]] Essa análise (de oração relativa como complemento de D (=the) : [DP Dº CP]) é compatível com LCA (Linear Correspondence Axiom), uma vez que adjunção à direita (a N ou a D) é proibida. Embora o determinante e a relativa formem um constituinte, as relativas não têm nenhum possível núcleo fora de CP (a não ser Dº - mas the não é núcleo), como se vê em (e), acima. No PB, a definitude ou não do NP (o fato de este ser interno a um DP ou a um QP) a que se vincula o clítico, não interfere na realização da expressão de posse (cf. Desapareceu-lhe o / um escravo; Beijou-lhe a / uma mão.), bem como o caráter concreto ou abstrato do núcleo deste NP (cf. Elogiou-lhe o / um comportamento). Dada a impossibilidade de cliticização em caso de um Do , é inevitável atribuir a Spec, DP um papel crucial: endossando a posição de Szabolcsi (1983/84), retomada em Gavruseva (2000), essa categoria funcional é o primeira posição a acomodar o clítico em caso de extração. Note-se que o clítico não alça obrigatoriamente para Spec, VP, embora possa fazê-lo ( por questões de focalização, como evidenciarei posteriormente): (76) a - João machucou-lhe o pé. [ Spec, DP] b – João lhe machucou o pé. [ Spec, VP] 71 72 Assumir que o clítico alce para Spec, DP coloca-nos em consonância com a hipótese de que, funcionalmente, DP = CP , defendida por Szabolcsi: nesta posição existiriam traços não interpretáveis [ Q- features], cuja ‘força’, no PB, reside no fato de haver concordância entre determinante / possuído e entre possuído / possuidor – assim, o nódulo Agr/DP (flexões nominais internas ao DP) é que seria o responsável pela possibilidade de extração do clítico: (77) a - os i filhos i da k minha k irmã k (gênero e número) b - os meus filhos / a sua filha (gênero, número e pessoa) Note-se que no inglês, em que D é necessariamente nulo (cf. Kayne, 1994), não há possibilidade de extração: * the my books; além disso, D não apresenta traços de concordância: the boy / the girl. No italiano, em que há comportamento similar ao PB, D pode ser preenchido lexicalmente: il mio libro, il bambino di Maria. Diante desses fatos, Gavruseva associa a possibilidade de extração à riqueza de traços Agr/DP, que serão checados em Spec, DP: “In the Minimalist framework, inflections are not taken to project separate funcional heads, rather inflectional morphemes correspond to abstract grammatical features that are checked by lexical items with ‘matching’ features via syntactic movement. The lexical items themselves are inserted fully inflected into the syntax. On this approach, it is not difficult to see how featurechecking works in [ + extraction ] languages.” (p.756) Segundo Uriagereka (1988, apud Gavruseva, op.cit. p.748), quanto mais rico for o status morfológico de D em uma língua, maiores as barreiras a serem transpostas para extração do PSR – suas predições valem para o russo, o chamorro e as línguas germânicas, mas não dão conta do fenômeno no húngaro e no português. Diferentemente de Uriagereka, para quem um D morfologicamente rico seria um empecilho à extração, Gavruseva atribui à riqueza de D’ (o fato de haver processos de concordância internos ao DP), isso é, à existência de Agr/DP, a possibilidade de D 72 73 tornar-se um regente apropriado para traço deixado pelo possuidor extraído (no nosso caso, sob a forma clítica): assim, a correlação estabelecida por ela, e que se aplica ao PB, seria entre a especificação de traços de concordância (+ pessoa, + gênero, + número, + caso) e a extratabilidade. Quanto à assimetria entre a extração do clítico da posição pré ou pós-verbal, o que ocorre no PB (veja-se (81)), Gavruseva retoma a análise de Cinque (1990) para o italiano, no qual o autor considera uma posição não diretamente selecionada pelo V regente como uma barreira à extração. Assim, possuidores inseridos em NPs sujeitos pré-verbais funcionam como ilhas à extração, já que o DP não poderia ser governado propriamente, contrariamente ao DP em posição de objeto. Note-se que no PB as estruturas monoargumentais (verbos intransitivos, inergativos e inacusativos) corresponderam a XXX %, ao passo que as transitivas cliticizáveis ( %) favoreceram a cliticização, o que confirma a assimetria apontada para o italiano. Resta, ainda, investigar por que, ainda que disponível, a cliticização (extração do possuidor) ocorre, atualmente, em menor proporção do que em séculos anteriores. Isso equivale a indagar qual seria a natureza do clítico, ou seja, o que lhe permite (após ser extraído via Spec,DP) ocupar a posição imediatamente anterior ao verbo – VP ou FP? – embora não sendo argumento verbal, mas num relacionamento tão estreito que não pode haver interpolação: (78) a - * Eles lhe não machucaram os pés. b - * Ninguém lhe ontem machucou os pés. 73 74 Esse é o comportamento normal dos clíticos argumentos verbais, mas o curioso é haver o movimento para tal posição, ainda que o clítico de posse seja argumento do nome. Jayaseelan (2001) afirma ser esta, em malayalam, a posição típica de FP (focus phrase), imediatamente dominando VP, posição para a qual alçam as palavras QU e elementos de clivagem (cleft words), além de objetos deslocados (shift objects). O movimento de algum elemento para [Spec, FP] é opcional, atendendo a alguma intenção comunicativa do falante e, por vezes, gerando uma ordem marcada. Vejam-se os exemplos abaixo: (79) a – ninn-e aare aTiccu? You-acc who beat-past Who beat you? b - * aare ninn-e aTiccu? (80) a – nii aa pustakam aar-kka You that book koDuttu? who-dat gave To whom did you give that book? b - * nii aar- kka aa pustakam koDuttu? (81) a – nii enta aaNa tinn-ata ? You what is ate-nominalizer Lit: What is that you eat? (clivado) Segundo o autor, em malayalam, partindo-se de uma ordem básica subjacente SOV (tipo tradicional nas línguas sul-asiáticas), fica difícil compreender como se gerou uma posição similar a COMP dentro do VP (uma vez que movimentos descendentes são impossíveis), o que permitiria explicar o alçamento do sujeito para Spec,IP e de argumentos internos para Spec de alguma categoria funcional intermediária entre IP e VP. Ele afirma que: “...all we need to do, in order to generate the question word’s position next to V, is to postulate a Focus Phrase (FP) immediately dominating vP, and to say that the Q-word moves into Spec of 74 75 this FP. All other arguments, and such adjuncts as are generated within vP, e.g. manner, location, time adverbials, would now ‘past’ this position into SPECs of higher functional projections by the normal movements that derive SOV word order. In the case of (1a ( = 79 a)), for example, the subject is a Q-word and moves into Spec, FP and the direct object moves ‘past’ it.” (pp40-1) O autor (p.40, nota 2) afirma que muitas outras línguas dravídicas e indianas subcontinentais também tendem a colocar as palavras-Q imediatamente à esquerda de V – mas não se trata de algo tão restritivo quanto em malayalam. A questão residiria, então, numa diferença paramétrica em termos de traços forte/fraco: os operadores interrogativos, em malayalam, têm um traço forte de Foco, enquanto nas outras línguas apresentaria um traço de Foco opcionalmente forte. Analisando as ocorrências de clítico de posse no PB, constata-se que o alçamento do clítico é opção dispqonível, mas não utilizada em larga escala atualmente, o fato de, eventualmente, o falante ainda expressar posse dessa maneira pode ter sua explicação em necessidades outras que não estritamente sintáticas: a hipótese aventada por Jayaseelan, em termos de diferença paramétrica quanto ao traço funcional Foco oferece-nos uma explicação plausível para a explicação do fenômeno (cf. 3.4, abaixo). No Programa Minimalista, todo traço deve ser checado e, para que um traço (t) o seja, a fim de LF ( a forma lógica da sentença) e PF (forma fonológica) satisfazerem o princípio de Interpretação Plena, isto é, para que a estrutura possa convergir ( o que equivale a ser gramatical), uma operação – Move α - “transporta” estritamente o material necessário (os traços do constituinte) para tal checagem. Nos dizeres de Zubizarreta (1998, p.29), “There are empirical reasons for assuming that, when the operation Move f [Move α] applies to f belonging to the lexical item LI [ f ], it automatically carries along FF (LI [ f ]), the set of formal features of LI [ f ]. On minimalist assumptions, Move f is a last resort operation in the following sense: Move f raises f to the target K only if f enters into a checking relation with a feature of the head of K or with a feature of some element adjoined to the head of K or with a feature of some element adjoinde sto the head of head of K. 75 76 The application fo Move f is governed by the Minimal Link Condition: Minimal Link Condition (MLC) α can raise to target K only if there is no legitimate operation Move β targeting K, where β c-commands α.” No entanto, nem todo movimento é feito exclusivamente por razões sintáticas (checagem de traços). E essa constatação, ao lado da diferença paramétrica sugerida por Jayaseelan, embasarão a proposta de análise da estrutura clítica aqui focalizada. Vejamos, a seguir, as motivações responsáveis pelo alçamento do clítico possessivo. 3.4 - Clíticos de posse e estratégias de focalização no PB atual: Foco de uma sentença é uma noção discursiva. Pode ser definido como a parte não pressuposta, considerando-se as informações compartilhadas pelos interlocutores em determinada situação de enunciação. Endossando Zubizarreta (1998, que, por sua vez, segue a Chomsky, 1972,1976 e Jackendoff, 1972), pode-se afirmar que há casos nos quais o foco é “um evento ou parte de um evento” sem que, necessariamente, corresponda a um constituinte sintático. Vejamos os exemplos abaixo, nos quais o foco foi instanciado a partir da questão correlata, em que se evidencia a parte pressuposta e o foco – constituinte marcado [ + F ]: (82) Maria partiu o bolo. a - O que Maria partiu? [ + F ] = o bolo b - Quem partiu o bolo? [ + F ] = Maria c - O que aconteceu? [ + F] Maria partiu o bolo. d - O que aconteceu ao bolo? [ + F] Maria partiu (- o). Note-se que há situações em que o foco equivale a um constituinte, a uma parte do constituinte (verbo + objeto, sujeito + verbo), ou mesmo à sentença toda. Existe, 76 77 portanto, uma relação entre a focalização e a prosódia (atribuição de acento), no PB, para evidenciar o constituinte marcado com o traço [ + F ]. Há dois tipos de focos: o contrastivo e o não-contrastivo. O primeiro tem o efeito de negar algum valor atribuído a determinada variável que se infere do contexto comunicativo (context statement, nos termos de Zubizarreta) e, além disso, introduzir um valor alternativo para tal variável. Se no foco não-contrastivo há um centramento na informação nova, o foco contrastivo permite, diferentemente, jogar luzes sobre um elemento já dado da estrutura. Atente-se para o fragmento abaixo, de Zubizarreta (op.cit., p.7): “Although the semantic nature of the focus is the same in cases of contrastive and noncontrastive foci in that they both introduce a value for a variable, contrastive focus has another dimension that makes it comparable to emphasis as well. Like emphasis, contrastive focus makes a statement about the truth or correctness of the assertion introduced by its context statement.” A autora exemplifica o foco contrastivo com a seguinte sentença: (83) John is wearing a RED shirt today (not a blue shirt). [context statement: John is wearing a blue shirt today.] Sentença com foco contrastivo = conjunção de duas ‘proposições ordenadas’: a) John is not wearing a blue shirt today. + b) John is wearing a red shirt today. Sabe-se que as línguas naturais usam diferentes expedientes para focalizar determinados constituintes da sentença: a prosódia (como no PB, exemplo acima), a presença de marca morfológica (como a partícula wa, no japonês) ou posição sintática específica (pode-se citar o malayalam e o basco), havendo casos em que mais de um desses recursos pode ser utilizado. 77 78 No basco, por exemplo, a posição pré-verbal é típica de focalização – [Spec, CP], podendo, nesse caso haver um foco distribuído entre o verbo e o constituinte imediatamente à esquerda (seja sujeito ou objeto), conforme atesta Arregi (2001) 30: (84) Q: Jon señek ikusi rau? [lit: Jon acusativo quem ergativo viu Quem viu Jon?] A: Jon Mirenek ikusi rau. [ lit: Jon acusativo Miren ergativo viu MIREN viu Jon. Na ordem básica (SOV), tem-se uma sentença neutra ( por exemplo em resposta à questão “o que aconteceu?”, na qual se pode focalizar o constituinte imediatamente à esquerda do verbo (o objeto), mas não o sujeito. (85) Jonek ergativo Miren acusativo ikusi rau. - Jon viu MIREN. - Jon viu Miren. - * JON viu Miren. Sob abordagem teórica Minimalista, Zubizarreta propõe uma análise na qual proeminência frasal (determinada por uma regra de atribuição de acento na sentença, NSR – Nuclear Stress Rule, de Chomsky (1968,1971)), baseia-se no princípio de boa formação que estabelece que “o constituinte focalizado (ou F-marcado) de uma sentença deve conter o núcleo entonacional [ = a palavra ritmicamente mais proeminente ] daquela sentença” 31. A regra acima é sensível apenas aos constituintes marcados [ + F ], isto é, se os constituintes são ‘desfocalizados’, tornam-se ‘invisíveis’ a NSR. Ressaltese que o acento (NS) pode incidir sobre a sentença inteira, o VP, o objeto ou o 30 Os exemplos citados são do autor, com nova numeração. Ressalte-se, porém, que não apenas itens lexicais completos podem ser focalizados. Itens gramaticais ou mesmo pedaços de palavras podem ter prominência, recebendo o traço [ + F ]. Ex: Eu pedi meu café COM açúcar (não SEM). / Eu disse que CONcordo com seu pedido ( e não DIScordo). Como são marcados [ + F ], são constituintes visíveis à NSR, assim como itens completos o são. 31 78 79 complemento PP. Curiosamente, caso o NS recaia sobre um pronome, este assume um sentido contrastivo, como se percebe em “John kissed her (and not Mary)”- no PB, isso se evidenciaria em casos como “Maria beijou ele. – com o uso do pronome tônico, o que é bastante freqüente. Analisando as diferenças inter e intralingüísticas concernentes à focalização, Zubizarreta agrupa línguas germânicas (inglês e alemão) e românicas (espanhol e italiano), salientando que existem particularidades em cada língua. Segundo a autora, esses dois grupos não se diferem com respeito à atribuição de NS por uma restrição prosódica: diferenças paramétricas estabeleceriam se a língua em questão pode ou não “analisar certos elementos fonologicamente explícitos como metricamente invisíveis” (p.84) - ou seja, como desfocalizados. Para as românicas, ela postula que a palavra mais proeminente deve estar mais à direita, adjacente à fronteira da sentença, ainda que se obtenha tal posicionamento por diferentes tipos de movimento (prosódica ou sintaticamente motivado). Note-se que tal restrição não se aplica ao PB que, embora língua românica, assemelha-se ao inglês quanto à possibilidade de focalização de qualquer constituinte sem necessidade de um movimento para essa finalidade, isto é, não existe uma posição específica para a focalização de constituintes. Zubizarreta (1998) retoma, com intuito de ampliar generalizações importantes, trabalho prévio de Cinque (1993), no qual o autor buscou formular NSR puramente em termos de estruturação dos constituintes, e postulou que o elemento privilegiado para receber NS é o mais encaixado na estrutura (o nódulo mais ‘baixo’). Se Cinque peca por não explicar satisfatoriamente a ambigüidade de posições de NS em caso de intransitivos do inglês e de inacusativos do alemão, uma vez que se restringe à análise de constituência estrutural (seu sistema é insuficiente para lidar com casos em que NS 79 80 recai em sujeitos pré-verbais), além de ater-se a estruturas neutras quanto a foco (as não neutras seriam atribuídas a alguma regra discursiva não explicitada), Zubizarreta propõe que haja uma semelhança entre estruturas neutras ou não neutras em termos de atribuição de foco; além disso, afirma que posições ambíguas na atribuição de NS em estruturas transitivas com objetos desfocalizados são similares à ambigüidade encontrada em estruturas intransitivas quanto à atribuição de NS. Para melhor lidar com os dados ‘recalcitrantes’ do alemão e do inglês, a autora postula uma NSR modular sensível não só à constituência estrutural (isto é, à noção de c-comando assimétrico, já que o elemento mais ‘baixo’ na estrutura tem status privilegiado), mas também às relações selecionais; esta se aplicaria na sintaxe, antes de Spell-out e após a checagem de traços sintáticos. A partir da análise do espanhol moderno (MS), língua na qual o constituinte mais à direita, ao final da cláusula, é o que recebe focalização, Zubizarreta dedica-se a um tipo específico de ‘scrambling’ (movimento de constituinte por sobre outro), cuja peculiaridade é gerar estruturas prosodicamente não ambíguas, associadas com uma interpretação estrita de foco: trata-se do “p-movement” ou “movimento prosodicamente motivado”. A partir de um movimento estritamente local, um constituinte desfocalizado alça sobre outro - no caso do MS, o objeto desloca-se para a esquerda, deixando o sujeito no final da sentença, a fim de que este receba maior proeminência, com a adequada aplicação de NSR. A obtenção da ordem VOS, no espanhol (derivada de VSO, com adjunção à esquerda do objeto ao VP1 ) seria um caso de movimento cujo propósito não é a checagem formal de traços (motivação sintática), mas o cumprimento de uma exigência prosódica. Vejamos um exemplo da autora, para maior clareza: (86) a – Maria me regalló la botella de vino. (neutra, NS no último constituinte) b - MARIA me regalló la botella de vino. (no Juan). 80 81 Me regalló MARIA la botella de vino. [ foco contrastivo 32, núcleo entonacional no sujeito, não no objeto] c - Q: Quién te regaló la botella de vino? R: Me regaló la botella de vino Maria. (incompatível com interpretação neutra; NS no sujeito pós-verbal, por aplicação de NSR ao constituinte mais à direita). R: * Me regaló la BOTELLA de vino Maria. * Me regaló la botella de VINO Maria. Impossível a interpretação com maior proeminência ao objeto na ordem VOS; havendo o deslocamento do sujeito, este é o termo focalizado (recebe NS). O ‘p-movement’ postulado por Zubizarreta não afeta simplesmente relações lineares, mas também relações de c-comando entre os constituintes reordenados. Ainda que haja algum PP (ordem VPPS), o mesmo move-se por sobre o sujeito, a fim de que o sujeito fique em posição adequada para receber maior proeminência via NSR: em termos minimalistas, “p-movement adjunge à esquerda VP1 e VP2”. O mesmo acontece se se pretende focalizar um objeto (ordem SVPPO – ex: “Ana escondió debajo de la cama la muñeca.”). Assim como afeta relações interconstituintes, Zubizarreta (op.cit., p.133) afirma que p-movement pode incidir sobre relações intra-sentenciais: “So far I have examined cases where p-movement affects the relative ordering of major argument constituents of the sentence (i.e, where it affects the subject, the object, or the PP 32 Casos de ênfase ou foco contrastivo seriam gerados por uma outra regra prosódica (Emphatic / Contrastive Rule), segundo a qual cria-se uma interpretação em que a pressuposição (perceptível pelo contexto comunicativo) é parcial ou totalmente confirmada ou negada pelo falante. Normalmente, os falantes não aceitam tal tipo de sentença como resposta a uma questão, como ocorre no processo de focalização. 81 82 complement of a verbal predicate), but there is no reason why p-movement cannot affect the relative ordering of constituents contained within theses major constituents.33” Essa possibilidade de interferência de um movimento de natureza prosódica nas relações intra-constituintes será bastante relevante para a compreensão das estruturas clíticas de posse do PB. 3.4.1 – P- movement e as construções clíticas de posse: Como defendem Zubizarreta (1998) e Arregi (2001), entre outros, existe um traço funcional (discursivo) de foco, que marca a posição sintática de constituintes marcados [ + F] em certas construções, sem que isso tenha conseqüências semânticas. Atente-se para o seguinte fragmento: “The “focus” feature that heads a functional projection and participates in the feature-checking algorithm is not to be confused with the [F] feature used to mark the phrases that are part of the assertion of a sentence. “Focus” is a morphosyntactic feature with no semantic import. Its presence is optional, at least in the languages under discussion, and its function is to characterize the syntactic position of a fronted F-marked constituent in certain structures. In effect, when present in the structure, the functional “focus” attracts an F-marked constituent to its specifier position.” (Zubizarreta, op. cit, p.182, nota 3) Considerando que a estrutura sintática, na abordagem gerativista, consiste na existência de um núcleo portador de determinados traços a serem devidamente checados (em relação com outros núcleos) – caso isso não ocorra, a estrutura não converge, ou seja, é agramatical - , Zubizarreta propõe que o espanhol, assim como outras línguas, tem um TP generalizado, ou seja, a categoria funcional que contém o verbo flexionado apresenta a capacidade de acomodar outros sintagmas que não apenas o sujeito, além de permitir um sincretismo entre traços sintáticos e discursivos: T (tense) pode aparecer combinado com traços discursivos como foco, tópico e ênfase. Assim, um constituinte 33 Grifo meu. 82 83 topicalizado, enfatizado ou focalizado deve mover-se para [ Spec, T] para checagem de traços. No espanhol, sentenças com advérbios (locativos ou temporais) ou argumentos (outros que não o sujeito) topicalizados preenchem a posição [Spec, T], desde que esta se encontre disponível. Há apenas um constituinte enfático por sentença (associado a T); o tópico pode preceder o constituinte enfatizado, mas não o oposto. Pode-se encontrar mais de um sintagma topicalizado por sentença, mas no máximo um constituinte (ainda que descontínuo) marcado [ + F], em associação com [T] 34: (87) a – Todos los dias compra Juan el diário. (adjunto temporal em [ Spec, T] b – En este bar escribió Max su primera novela. (locativo em [Spec,T] c – Me devolvió Maria el libro que le presté. (clitico dativo em [Spec,T] d – Todos los dias, Juan compra el diário. ( temporal + sujeito, ambos topicalizados). e - Su secreto, con NADIE lo compartió Maria. (objeto topicalizado, precedendo sintagma enfático) f - * Con NADIE, Maria compartió su secreto. (constituinte enfático precedendo topicalizado) Em síntese, a autora propõe, para o espanhol, a possibilidade de outros constituintes (não exclusivamente o sujeito) ocuparem a posição de [Spec, T]; além disso, as categorias funcionais-discursivas ênfase, tópico e foco devem constituir uma categoria sincrética com T (exceto se houver necessidade de que tais categorias projetem independentemente, acima de TP, caso [Spec,T] já esteja preenchido lexicalmente: por exemplo, há um sintagma topicalizado, mas [Spec,T] já comporta um sintagma não topicalizado). 34 Exemplos selecionados dentre vários apresentados em Zubizarreta (pp.100-106), com nova numeração. 83 84 A fim de que o sujeito, no limiar da sentença, possa receber Caso (nominativo) a ser checado fora da relação especificador-núcleo, Zubizarreta afirma que o traço D do sujeito deva ser checado via adjunção de D a T 35 . Segundo ela, A phrase may not check more than one type of feature in a given specifier-head configuration. In other words, a phrase may not simultaneously check an intrinsically grammatical feature such as Case and discourse-based feature such as “topic”, “emphasis” or “focus”. (...) In MS nominative Case must be checked either overtly in [Spec, T] or via covert adjunction of D to T. (p117) Para aplicação do que se analisou acima, quanto ao espanhol, às estruturas clíticas de posse, alguns aspectos são cruciais: a) a de que se pode focalizar um constituinte de forma descontínua; assim, pode-se ter um complexo verbo/sujeito ou verbo/objeto recebendo o traço [ + F], ainda que haja, interpolado, algum constituinte marcado [ - F]; b) pode haver “p-movement” internamente a um constituinte, não apenas entre constituintes; no espanhol, pode haver focalização estrita no complemento genitivo de um objeto direto ou o traço [+F] pode interferir na ordem de um advérbio e um argumento do verbo (Zubizarreta, op.cit., p.133-4). 3.4.1.1 - A aplicação de NS às sentenças do PB Diferentemente do alemão, língua para a qual Zubizarreta propõe uma versão modularizada de aplicação de NS – a aplicação de acento seria sensível tanto às restrições selecionais (variando conforme o verbo seja transitivo, inacusativo ou inergativo, ou a sentença seja matriz ou encaixada) quanto às relações de c-comando (acento no constituinte que representa o nódulo mais baixo), o português aproxima-se, quanto à focalização, de línguas como o francês e o espanhol (guardadas certas 35 Recorde-se que, na teoria de checagem de traços, são os traços de D, e não o DP, que entram em relação com T; /o caso nominativo pode, então ser checado de duas formas: os traços de D movem-se (juntamente com o DP inteiro, de forma explícita) para [Spec, T] ou os traços de D adjungem a T implicitamente (“covertly”), deixando a posição Spec livre para ser ocupada por outros materiais fonológicos que não o DP sujeito. 84 85 peculiaridades), em que apenas C-NSR (regra de aplicação de acento sensível às relações de c-comando) é válida. No PB, a aplicação de acento seria no último constituinte em estruturas transitivas ( foco no objeto, informação nova, na ordem básica SVO): (88) a – O que ela cortou? - Ela cortou [ o meu cabelo ] . b - O que ela fez? - Ela [ cortou o meu cabelo ]. c - A quem ela emprestou o livro? - Ela emprestou o livro [ao colega ]. d - Ela emprestou O LIVRO ao colega. ( não a revista). – foco contrastivo e – Ao colega ela emprestou [ o livro ]. PP topicalizado / objeto focalizado. O mesmo se observa em relação a estruturas inacusativas, nas quais o sujeito, pós-verbal, traz uma informação nova: (89) a - Chegou um novo livro deste escritor. b - Fugiu meu cachorrinho pequinês. Note-se que tais dados são compatíveis com C-NSR (acento no constituinte mais à direita); movimentos de constituinte(s) para a esquerda trazem efeito de topicalização, como foi mostrado acima. Parafraseando a sentença (88 - b) acima (repetida para maior clareza), o falante poderia optar por uma estrutura como a dada abaixo: (90) - O que ela fez? - Ela [ cortou o meu cabelo ]. - O que ela fez? - Ela [me cortou o cabelo]. Como resposta à pergunta “O que ela fez?”, inúmeras são as possibilidades com alçamento do clítico, utilizando estruturas cristalizadas (“Ela me encheu o saco”, “me torrou a paciência”, “me furou os olhos”, entre tantas) ou respostas não cristalizadas, 85 86 em que haja a extração de dentro de um PP (“Ela me acabou com a paciência”, “me levou ao conhecimento um fato terrível”, etc) – o que não é uma inovação, já que os dados (diacrônicos) atestaram esse tipo de ocorrência. O que estaria em jogo, então? Embora disponível, o movimento do clítico para [Spec,T] não é movimento exigido por razões sintáticas, mas apresenta uma conseqüência discursiva sensível: ao movê-lo, o falante obtém uma estrutura mais efetiva do ponto de vista informacional, ainda que utilizando sentenças já ‘cristalizadas’. Considerando que é exatamente esse o papel da marcação de foco, ou seja, tornar mais efetiva a estrutura informacional da sentença, na estrutura clítica de posse se obtém esse acréscimo semântico-discursivo pela marcação de todo o VP, o que é compatível com a constatação de que certas línguas apresentam como estratégia a focalização descontínua. A representação seria como se segue: (91) a – Ela [ +F / T me i [ + F / VP cortou [ + F / DP o e i cabelo ] ] ] No PB, como já se evidenciou anteriormente, nota-se uma restrição quanto à necessidade de o possuidor estar inserido em um DP (isto é, o clítico não alça de um “bare NP”) gerado em posição de argumento verbal (pós-verbal): preenchida a posição [Spec, T ], a extração é bloqueada: (92) a - O nosso comércio se fortaleceu bastante. b - * O comércio se nos fortaleceu bastante. c - Fortaleceu-se o nosso comércio. d - Fortaleceu-se nos o comércio. 86 87 Considere-se o par abaixo: trata-se de sentenças gramaticais no PB - em ( a), o DP de onde alça o clítico foi topicalizado, e em ( b), há interpolação de um adjunto entre V e DP: (93) a - O t cabelo, ele me cortou t muito bem. b - Ele me cortou muito bem o cabelo. Note-se que há possibilidade de interpolação de algum elemento (representado por XP) no constituinte descontínuo focalizado [ clítico – verbo - XP - SN], mas não entre clítico e verbo, o que vale para os demais clíticos do PB. Apesar disso, a interpolação obedece a restrições bem delimitadas, isto é, o movimento do clítico segue a determinadas condições de localidade (cf. 2.2), como se pode constatar, a partir da análise de dados diacrônicos e sincrônicos. Vejamos exemplo abaixo, no qual a interpolação inicialmente impede a cliticização, já que o constituinte de onde alçaria o clítico encontra-se muito distante de V (‘chegar’, verbo inacusativo, apareceu com freqüência com clítico de posse nos dados) : (94) a – “Vossa Excelencia [..] digne mandar que os Engenheiros procedão o referido exame, a fim de que chegando pela Imprensa ao conhecimento do Publico o seu resultado....” ( Bahia, ____________ ) [ V – XP - PP - DP] Há dois DPs de que o clítico poderia alçar, o nominativo (pós-verbal) e o PP; no entanto, a interpolação do PP ‘pela imprensa’ quebra tal possibilidade. Notem-se as reestruturações abaixo: b - ... a fim de que chegando ao conhecimento do público o seu resultado... ... a fim de que lhe chegando ao conhecimento o seu resultado... c - ... a fim de que chegando o seu resultado ao conhecimento do público .... .... a fim de que lhe chegando o resultado ao conhecimento ... 87 88 Isso ocorre, como vimos, graças à restrição de localidade para alçamento de constituintes, ou seja, dependendo de sua natureza, XP se constituirá ou não em barreira à extração. Verifique-se a possibilidade de cliticização nas sentenças que seguem: (95) a - “Abre também, aos que quizerem, sem a minima dor, os abcessos e tumores e cura tambem estes sem emprego do bistouri.” b - Abre-lhes também, sem a mínima dor, os abscessos e tumores. ( lhes = [a NP] - com interpolação de PP). (96) a - “... todavia elle não meteo totalmente o dedo sobre a ferida estava reservado para ontros (sic) Medicos distintos o accrescentar mais alguma coisa ás suas observaçoens.” b - ...o acrescentar-lhe t mais alguma coisa às c - (?) acrescentar-lhe t mais alguma t t observações. coisa ( = sua coisa) às observações . d - acrescentar-lhe t mais comentários às e - (?) acrescentar-lhe t mais t t observações... comentários às obervações... Note-se que itens como alguns e mais, quando integrantes de um XP interpolado entre V e o clítico – ordem: [ V clítico XP DP ] não impedem o alçamento do mesmo, mas a interpretação do vestígio do clítico passa, automaticamente, a ser o DP seguinte – isto é, havendo um QP interpolado, o quantificador (um operador) funciona como um empecilho ao alçamento do clítico de dentro do QP 36. No entanto, 36 Um NP pode ser determinado do ponto de vista semântico apenas uma vez; é plausível que elementos que funcionam como determinantes sejam licenciados exatamente pelo fato de cada um introduzir um NP distinto: isso evita a existência de dois operadores ligando a mesma variável. No caso em pauta, o artigo (determinante) e o quantificador se repelem por exercerem mesma função. (???????????????????) 88 89 fosse a ordem [ V clítico DP DP ] , poder-se-ia criar uma ambigüidade quanto ao ponto inicial de onde alçou o clítico, como se vê em: (97) a - “O testemunho de que hum Deos Omnipotente mete a mão debaixo da cabeça dos Grandes Príncipes no momento em que Elles cahem...” b - mete-lhes a mão debaixo da cabeça a concordância no clítico mostra o ponto de alçamento ( = dos príncipes) c - mete-lhe a mão debaixo da cabeça: dupla possibilidade de interpretação: [ mete a sua mão debaixo da cabeça ] ou [ mete a mão debaixo da sua cabeça ]. (98) a - “Tenho por diviza a franquesa, e alguns amigos mais particulares sabem que não costumo negar os meus feitos, ainda mesmo que elles me custem o sacrifício da própria vida.” b - (?) custem o meu sacrifício da própria vida c - ...custem [ DP o sacrifício [ PP de [ DP a minha própria vida ]]] A melhor estruturação (clareza de interpretação) seria (98 c) acima, com o clítico alçando de um DP interno a um PP, ainda que haja um outro DP contíguo ao verbo. Tais fatos, aparentemente contraditórios (como o fato de o clítico alçar de um DP pós-verbal, mas em certos casos haver mais de um DP e o clítico alçar do que está mais à direita, “saltando” um constituinte) nos remetem à busca da explicação das restrições ao movimento do clítico. 89 90 3.4.1.2 - O movimento do clítico e a noção de especificidade. Constatou-se (como já se antecipou – cf. exemplo 67, seção 3.2) que a extração (movimento) do clítico para [Spec, T ] caso o sintagma argumento do verbo seja um DP ou um QP - NPs mínimos ou nucleares (‘bare NPs’) bloqueiam a extração: (99) a - Viu sua filha. b - * Viu-lhe filha. c - Viu a filha dele. / Viu-lhe uma filha. d - Viu-lhe a / uma filha. (100) a - Seu filho / filho seu não anda com más companhias. b - Teme filho seu / seu filho desde que o conheço. c - * Teme-lhe filho desde que o conheço. d - Teme-lhe o filho desde que o conheço. e - Não gosta de eleições e sempre lhes teme os resultados. Se, por um lado, não há restrições em termos de (in)alienabilidade, resta verificar se outro aspecto semântico – a especificidade – seria um fator relevante. Para Uriagereka (1992, 1993, apud Cyrino 1997), a compreensão do movimento do clítico tem relação direta com a noção de especificidade. Basicamente, todo constituinte movido para fora do escopo do VP é interpretado como específico na LF (a essa postulação ele denomina RMS, isto é, Restrictive Mapping Slogan). Assim, o clítico deve ser sempre movido para F (foco, categoria funcional fora de IP) por ser específico. 90 91 Freqüentemente, associa-se a noção de especificidade à de indeterminação de NPs (definidos equivaleriam a específicos). No entanto, o Uriagereka mostra que DPs definidos podem ser usados inespecificamente, como se vê em: (101) - Espero a relação perfeita e tu também a esperas. Note-se que a relação é diferente para ambos, isto é, o clítico retoma um NP, mas que não é usado referencialmente. Raposo & Uriagereka (1993, apud Cyrino, 1997:150), apóiam sua análise na diferença entre uso referencial e uso atributivo de um DP, noção que se sobrepõe à de especificidade. Partindo do contraste entre sintagmas como “o carro que tu tens” e “o carro que tu tenhas”, evidenciam que o primeiro é um uso real, referencial, ao passo que o segundo é hipotético, provável – o que se relaciona a outros fatores, que não à definitude do DP (no caso enfocado, prende-se ao modo do verbo da oração adjetiva). Para Uriagereka, então, não é todo o DP que se move para fora do escopo do VP, mas somente o D – o movimento de clítico é movimento de núcleo. Diferentemente de sua análise, assume-se aqui que, no PB, o movimento de clítico tem natureza distinta – o clítico, núcleo de DP, seria uma expressão fonológica de concordância existente no sintagma de onde o mesmo alça – D seria para o NP o que Agr é para a sentença, visão defendida por Cyrino (p.284), Ramos (1992, 2000), entre outros autores. Assim, assume-se aqui que o clítico, um afixo (não acentuado, portanto) do verbo, alça a [Spec, T] de onde recebe o traço [ + F ]. Verificado o ponto de geração do possessivo, alçado sob forma clítica, é possív el afirmar que xxx% ( ----- ocorrências) correspondem a material interpretado com o traço [ + específico ] na LF. (Colocar quadro???????) 91 92 Partindo da análise comparativa de corpora dos séculos XVIII e XIX (peças teatrais, cartas, relatos de viagem, etc) e do século XX (gravações de entrevistas semiinformais), Berlinck afirma que houve um processo de mudança, culminando na restrição do uso do clítico ativo, paralelamente à opção pelo chamado ‘nulo anafórico’. Tal processo se inseriria num quadro mais amplo de mudanças no sistema pronominal do PB, em que se observa gradual desaparecimento do clítico acusativo e crescente utilização do pronome tônico ele. Citando Tarallo (1985), ela afirma que 92 93 “...a rejeição aos pronomes clíticos atinge sistematicamente todo o sistema pronominal, num processo observado a partir do fim do século XIX. (...) essa tendência se diferencia segundo as categorias sintáticas, sendo mais acentuada quando em função de “objeto direto” e “oblíquo”, do que quando se trata de um “objeto indireto” ou de um “genitivo””. BIBLIOGRAFIA ANAGNOSTOUPOULOS, Elena. (1999). On Double Object Alternations and Clitics. Doctoral Dissertation. ARREGI, Karlos (2001). Focus and Word Order in Basque. 32nd Annual Meeting of the North Eastern Linguistic Society, New York University, NY. (mimeo) AUTHIER,J.Marc & REED,Lisa.(1992). On the syntactic status of French affected Datives. TheLinguisticReview. BERLINCK, Rosane A. (1996) The Portuguese Dative. In: W.Van Belle & W. Van Langendonck. The Dative. Amsterdan/ Philadelphia, John Benjamins . __________________ (1997). O Objeto Indireto no Português Brasileiro do Século XIX. Comunicação apresentada no X Encontro do CELLIP, Londrina, Paraná. ________________(2000) Dativo ou locativo? Sobre sentidos e formas do ‘dativo’no português. CHOMSKY, Noam. 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(em fase de disponibilização) – Cartas Pessoais. - Acervo do Projeto PHPB - Cartas de Leitores e de Redatores de Jornais Brasileiros do Século XIX. - Anúncios do Século XIX pertencentes ao Projeto PHPB (professora Jânia Ramos) – em anexo. - Cartas de Leitores de Jornais e Revistas Veja, Istoé, Época – período 2000 a 2002. - Livro: A arte de bem educar ..... 96 97 “Procurando satisfazer o pedido de V.S em data de 8 de março, sinto não acharme sufficientemente habilitado para dar cabal informação...” (XXXXXXX) [satisfazer o seu pedido / satisfazer-lhe o pedido – cliticizável] b - “Para podermos satisfazer-lhe o seu pedido é a razão que exigimos aquelas contas...” ( XXXXXX) [ estrutura possessiva com redobro] c - Ele só pensa em satisfazer as vontades dela. [ em lhe satisfazer as vontades – cliticizável] d – Ele só pensa em satisfazer os desejos dela a que está obrigado pela posição que ocupa na família. e - * ...só pensa em lhe i satisfazer as vontades a que está obrigado pela i posição social que ocupa. impossível extrair o clítico de um PP ...só cuida em satisfazer os seus deveres de posição social Há línguas em que o genitivo é atribuído estruturalmente, sob diversas formas – por um sintagma preposicional ( ex: blusa de Maria), por um sintagma genitivo (ex: Peter’s book), por um pronome possessivo ( ex: seu livro) ou por um sistema misto de pronome + marcação casual (ex: Peter seine drei Hunde / dem Peter seine drei Hunde – ‘os três cachorros de Peter’). 97 98 98