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Vol. 3, agosto-dezembro - 2013 – ISSN 2317-4838
A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA BIOLÓGICO NA FILOSOFIA ENTRE O FINAL
DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX
Jéssica da Silva Galvão1
Marco Antonio Barroso2
Fabrício Oliveira Ramos3
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos, diversas indagações surgiram acerca da visão imutável
da Natureza. Com o advento do século XVIII, os questionamentos e críticas ao fixismo
se tornaram cada vez mais fortes, principalmente na Europa. No campo filosófico, o
ideal de progresso ganhava cada vez mais importância nas sociedades sob rápidas
transformações. No campo observacional, os estudos mais aprofundados traziam
novas evidências de um planeta em constante transformação.No campo da Botânica,
da Zoologia e da Geologia, novas descobertas traziam consigo muitas questões. Os
fósseis analisados, por exemplo, que apresentavam diferenças significativas de um
lugar para outro e os exames das rochas, que mostravam que a idade geológica era
superior à biológica.Georges Cuvier (1769 – 1832), entre outros, tentou responder de
forma fixista essas questões. Segundo ele as diversas catástrofes ocorridas na Terra
extinguiram a maioria dos seres vivos, e as espécies que sobravam se multiplicavam
a partir daquele ponto. Os filósofos naturais poderiam, então, acreditar que todas as
espécies foram criadas no início dos tempos e que as catástrofes separaram os seres
extintos dos que viviam naquele momento.
No final do século XVIII, o primeiro a se mostrar contra a visão fixista foi o
médico Erasmus Darwin (1731 – 1802), que propôs, em seu livro Zoonomia (1794),
que
a
transformação
das
espécies
se
deu
em
função
de
suas
necessidades.Influenciado pela ousadia de seu avô e também pela falta de provas em
relação à obra do mesmo, Charles Darwin (1809 – 1882)se dedicou a buscar
respostas que comprovassem sua teoria.Durante cinco anos viajou pelo mundo a
bordo do Beaglee, ao longo da viagem, coletou diversos espécimes de animais,
plantas e rochas que foram a chave para suas descobertas.
Mesmo tendo apresentado em seu livro uma grande quantidade de evidências
que comprovavam suas teses, o evolucionismo de Darwin não foi prontamente aceito.
1
Acadêmica do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da UEMG Ubá, [email protected]
Doutor em Ciência da Religião, professor da UEMG Ubá, [email protected].
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Mestrado em Genética e Melhoramento, professor da UEMG Ubá, [email protected]
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As primeiras críticas vinham do conservadorismodas igrejas,que defendiam o modelo
fixista e criacionista. Nos campos filosófico e científico, as críticas baseavam-se em
dois aspectos. O primeiro referia-se à disposição do homem no mundo, uma vez que
Darwin apresentou o homem como apenas mais um ser vivo na Terra, sem nenhuma
superioridade, sendo produto do acaso. O segundo relacionava-se ao processo de
transformação das espécies e, para discuti-lo, um intenso debate foi travado entre
duas correntes de pensamento: neolamarckista e neodarwinista. O debate não se
resolveu no século XIX, visto que foi somente no século seguinte que novas
informações começaram a mudar o rumo das discussões em favor de Darwin.
As contribuições de Darwin para a ciência influenciaram também a forma como
o homem vê o mundo, ultrapassando, assim, o campo biológico e se espalhando por
diversas áreas do conhecimento. O filósofo Herbert Spencer (1820 – 1903), por
exemplo, propôs a aplicação das ideias de Darwin à sociedade, o chamado
Darwinismo social, que consistia em abandonar os indivíduos à própria sorte, sem a
ajuda do Estado. A luta pela vida selecionaria os mais aptos e estes desenvolveriam
a sociedade. Na sociologia, a aplicação das ideias de Darwin está em meio de uma
discussão que envolve outros significados assumidos pelo darwinismo como: Visão
de mundo e ideologia.
Levando em conta o darwinismo, mas sem afastá-lo de seu significado, a
filosofia de Friedrich W. Nietzsche tentou produzir uma explicação do Universo. Suas
teorias sobre o nascimento da moral integram cultura e biologia através de
investigações darwinistas sobre a evolução da moral. Para exemplificar, pode-se citar
a disputa pela dominação no mundo orgânico, que implica em uma nova interpretação
quando uma nova hierarquia surge, indicada por Nietzsche, é comparada com a visão
de Darwin sobre a morfologia de um órgão e sua função.
Para Henri Bergson a teoria das mutações modifica profundamente o
darwinismo, já que acredita que, em um determinado momento, passado um longo
período, a espécie inteira é tomada de uma tendência a se modificar. Portanto, a
tendência a se modificar não é acidental. Bergson acreditava que a vida era a
continuação de um único elã - o elã vital, que seria um impulso original de criação de
onde vem a vida - que se dividiu entre linhas de evolução diferentes.
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Para tratar melhor o assunto, serão abordados os seguintes tópicos: a teoria
de Darwin; darwinismo: impacto das ideias de Darwin; darwinismo segundo Nietzsche
e Bergson.
2 A TEORIA DE DARWIN
Em 1831, aos 22 anos, Charles Robert Darwin recebeu um convite para
participar de uma expedição a bordo do H. M. S. Beagle, da armada inglesa, como
naturalista. Durante os cinco anos de viagem no Beagle, coletou inúmeros espécimes
de animais e plantas; estudou a floresta tropical brasileira, os desertos australianos,
as formações geológicas da Terra, entre tantas outras coisas. Mas foram as
observações feitas nas Ilhas Galápagos que mais o surpreenderam. Lá encontrou e
estudou animais e depois pode compará-los com os que existiam no continente
americano. Também observou que esses animais, mesmo sendo semelhantes,
apresentavam características próprias que, possivelmente, haviam desenvolvido nas
ilhas como processo de adaptação aos alimentos disponíveis e ao isolamento
geográfico, entre outros fatores.
Ao retornar da viagem, Darwin se aprofundou na leitura de várias publicações,
à procura de bases teóricas para desenvolver sua teoria. Princípios de Geologia,
publicado em 1830, pelo geólogo Charles Lyell, e Ensaio sobre o princípio da
população, publicado em1798, por Thomas Robert Malthus, foram as principais obras
que contribuíram para as suas conclusões. A obra de Lyell reunia estudos sobre
processos naturais da alteração da superfície terrestre. Em Malthus, Darwin viu que a
taxa de aumento da humanidade era reduzida por meio de doenças, acidentes e
guerras e propôs que fatores semelhantes poderiam controlar a população animal e
vegetal.
Baseando-se na teoria de Malthus, Darwin considerou que os animais e as
plantas se multiplicam em número maior que as possibilidades de alimentação e
sobrevivência num meio determinado, estabelecendo, assim, uma competição pelos
poucos recursos disponíveis. Como a natureza produz “variações” em cada geração,
aquelas formas que terão maiores perspectivas de sobrevivência e reprodução são as
mais aptas, mais capazes para a luta e mais adaptadas ao meio. Assim, surgiu a teoria
da “seleção natural” ou “sobrevivência dos mais aptos”, onde pode-se destacar pontos
importantes: a relação sexual, pois machos mais fortes e bonitos deixarão maior
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descendência; o clima e a natureza, pois são decisivos na manutenção do ambiente.
Acreditando também que todas as formas complexas de vida, incluindo o homem,
tiveram origem a partir de uma forma primordial de vida, publicou “A origem das
espécies”, baseado na grande quantidade de dados que acumulou durante sua
viagem.O livro impressionou fortemente a sociedade, principalmente o conceito de
“luta pela vida”, pois as pessoas entenderam que a vida é uma batalha campal, na
qual somente os bons, os fortes e os virtuosos seriam salvos; e os maus, os fracos e
os pobres estariam condenados.
Mesmo Darwin tendo evitado falar da condição humana em seu livro, para a
Igreja sua tese era considerada perigosa, pois, se fosse aceita, muitos deixariam de
crer na tese criacionista. Por esse motivo, a Igreja optou por censurar a sua difusão.
Contudo, essa não foi a única barreira imposta à sua obra, visto que seus estudos
influenciaram não somente a biologia e a religião, mas também vários outros campos
de estudo, sendo reconhecido, elogiado e duramente criticado em cada um deles.
2.1 Darwinismo
Com a publicação de A Origem das espécies, muitos filósofos utilizaram alguns
conceitos de Darwin para escrever sobre as relações sociais. O filósofo Herbert
Spencer (1820-1903) propôs a aplicação das ideias de Darwin à sociedade, tornandose seu maior difusor. Ele queria que os indivíduos fossem abandonados à própria
sorte, sem ajuda do Estado, proporcionando assim a luta pela vida e o
desenvolvimento da sociedade pelos mais aptos. Em consequência disso, Spencer
substituiu a expressão “seleção natural” por “sobrevivência do mais apto” e passou a
utilizar o termo “evolução” para nomear o processo de transformação das espécies.
Assim, a palavra evolução não foi concebida por Darwin e sim adotada de Spencer.
O termo evoluçãonão aparece nas primeiras edições de A origem das espécies,
por não possuir lugar certo nos estudos científicos de Darwin. No entanto, à medida
que perde a fé religiosa, Darwin o adota, o que faz com que esse conceito de evolução
seja associado ao seu nome nos dias atuais. Em seu livro, se refere à evolução como
um “grande princípio”, que seria uma nova compreensão do mundo destinada a
substituir a cosmologia bíblica. Assim, o evolucionismo estava se tornando uma
ideologia, traduzindo as ideias de um grupo.
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Evolucionismo e Darwinismo são frequentemente relacionados, admitindo um
mesmo significado: processo de transformação dos organismos. Contudo, o
“darwinismo” não se limitou a apenas esse sentido. Visto que assumiu vários outros
significados, dependendo de onde e por quem era utilizado por exemplo: como
método de entender e agir sobre o mundo; como visão de mundo; como teoria social,
segundo Frezatti Júnior (2001),. Na sociologia, o Darwinismo assume dois
significados: visão de mundo e ideologia.
Segundo Frezatti Júnior (2001) as ideias de Darwin são consideradas como
cosmovisão, “pois muitos de seus pressupostos, tais como a ausência de agentes
sobrenaturais, a questão do acaso e da necessidade, a posição do homem na
natureza, etc, são conceitos filosóficos que caracterizam determinada concepção de
mundo.” Já o darwinismo como ideologia, como conjunto de ideias de um grupo, tem
um sentido mais forte, uma vez que defendia ideias liberais naquele período em que
a Inglaterra vivia o auge dos debates teológicos.
A tese de Darwin rejeitava o criacionismo e colocava o homem como apenas
uma espécie no contexto da diversidade, produzida com o passar do tempo. Mesmo
temeroso e apreensivo sobre a dimensão que sua obra poderia tomar em relação à
doutrina religiosa, Darwin não deixou de argumentar contra os criacionistas, afirmando
que todos os seres vivos se modificavam através da seleção natural causada pela luta
pela sobrevivência e não por cuidados divinos. O darwinismo assume, assim, uma
característica de negação ao criacionismo.
A aplicação da seleção natural por meio da luta pela vida, “a exterminação das
formas menos aptas, significa também a exterminação dos mansos, dos fracos, dos
famintos, dos humildes, dos inferiores, dos puros e dos pobres – significa, em suma,
o extermínio do amor de Deus!” (PENNA, 2006, p. 93). Penna ainda ressalta a
satisfação de Darwin ao arruinar a teoria criacionista na área biológica, transformandose no principal símbolo do século XIX, sendo associado ao mito do progresso.
2.2 Darwinismo social
Com toda a especulação gerada acerca das teorias de Darwin, um grupo
crescente de cientistas e jovens estudiosos de várias áreas do conhecimento
utilizavam seus textos como base para fundamentação de outras teorias. Muitos
pensadores sociais,como Herbert Spencer,começaram a aplicar os conceitos de
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evolução e adaptação no estudo das civilizações e das práticas sociais.Dessa forma,
então,
nasceu o “darwinismo social”, com a ideia de que algumas civilizações
possuíam valores que as colocavam acima de outras.
A ideia de superioridade e inferioridade deu ao darwinismo social um caráter
preconceituoso, pois julgava cada sociedade e sua cultura de modo equivocado,
criando uma separação entre povos de origens distintas baseada nos costumes e na
tecnologia que possuíam, colocando assim, a Europa no topo da evolução humana e
os povos africanos e asiáticos como os mais primitivos, o que contraria os preceitos
de Darwin, que, aliás, era um antiescravocrata declarado. Esse caráter do darwinismo
social foi apenas uma das inúmeras interpretações que ele recebeu. Como mostra
Frezatti Júnior (2001), o darwinismo social foi usado para sustentar diversas teorias
sociais, por exemplo: Roosevelt e os imperialistas britânicos utilizaram como
argumento a “sobrevivência do mais adaptado”; para os militares alemães, a guerra
era entendida como “necessidade biológica”.
A aplicação das ideias de Darwin ao contexto social do homem influenciou o
pensamento sociológico, o planejamento e a organização da sociedade e o sistema
educacional, uma vez que suas obras repercutiram mundialmente no âmbito escolar.
Educação intelectual, moral e física, publicada em 1861, por Spencer, influenciou
fortemente a educação mundial no século XX. Na obra o autor defendia a preparação
dos indivíduos para se tornarem úteis à sociedade, desenvolvendo seus
conhecimentos, o patriotismo e a formação da moral. A partir daí surgiram as
disciplinas Educação Moral e Cívica e Educação Física.
No Brasil, ao final do século XIX, muitos pensadores começaram a adotar a
tese da existência de uma raça superior, entre eles o médico legista Nina Rodrigues
e o jurista Silvio Romero. Isso culminou na intensa migração de europeus que era
incentivada com a finalidade de “branquear” a população brasileira e evitar a mistura
de cores. Euclides da Cunha incorporou as ideias de Spencer em Os Sertões, sua
obra mais famosa. Durante a Guerra de Canudos, da qual era correspondente
jornalístico, afirmou que os nordestinos eram fortes devido à miscigenação, à mistura
de raças, adotando assim uma visão oposta à de Rodrigues e Romero. Para Euclides
da Cunha a miscigenação levaria o Brasil a alcançar a ordem e o progresso. Já Nina
Rodrigues, por exemplo, acreditava que a mistura de raças e a presença de negros
causavam o “atraso”do Brasil, pois somente os brancos de origem ariana constituíam
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a elite. Esse tipo de pensamento influenciou a mentalidade da sociedade brasileira
daquela época e ainda influenciam algumas pessoas atualmente, o que é um enorme
erro de interpretação das ideias de Spencer, uma vez que a coesão da qual falava
não envolvia aspectos raciais e sim culturais.Com o advento do século XX, essa ideia
de superioridade foi perdendo força e a mistura de raças passou a ser vista, por
muitos, como forma de agregar valores à cultura brasileira.
Assim como Herbert Spencer, Nina Rodrigues, Euclides da Cunhae tantos
outros, Henri Bergson e Friedrich Nietzsche também perceberam que os conceitos
utilizados por Darwin influenciaram na compreensão pessoal da moral e da sociedade,
tendo cada um deles desenvolvido um pensamento filosófico próprio dentro de suas
respectivas concepções pessoais.
3 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA BIOLÓGICO NA FILOSOFIA
3.1 Bergson e a evolução criadora
Henri Bergson, filho de pais judeus,nasceu em Paris, em 1859.Tinha muita
habilidade com as ciências, mas optou pela filosofia.Em 1900 se tornou professor no
Collège de France e em 1927 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Escreveu vários
livros, entre eles “A evolução criadora”, que fizeram dele um “divisor de águas” do
pensamento moderno, visto que edificou sua filosofia sobre quatro conceitos
fundamentais: a “intuição", a "durée", a "memória" e o "élan vital". A intuição seria o
conhecimento interior, aquilo que Bergson chamou de “simpatia espiritual”, um
conhecimento imediato da realidade; a durée(duração) seria um intervalo de tempo
vivido entre um início e um fim, ou seja, uma percepção subjetiva do tempo; a memória
entendia-se como a própria consciência capaz de se dilatar ou contrair em função da
necessidade do momento (VIEILLARD-BARON, 2007), também sendo entendida
como percepção pessoal da durée; e o élan vital,compreendia o movimento da vida
que se iguala à durée, sendo objeto de estudo da intuição. Com esses conceitos,
Bergson explica sua teoria de evolução comoum ato pelo qual a vida se divide, sendo
produzida por uma diferenciação.
Como mostra VIEILLARD-BARON, para Bergson a vida não pode ser explicada
através dos conceitos de adaptação desenvolvidos por Darwin, se estes forem tidos
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como único sentido da evolução, pois seria como explicar a evolução do élan vital
apenas por meio das condições exteriores do ambiente que corresponderia à
plasticidade da vida. Para ele a adaptação deve ser entendida como uma força que
deve ser levada em conta pela evolução. Bergson acreditava que a evolução se dá,
em parte, pela individualidade que diferencia cada organismo e não apenas pelas
condições do ambiente. Ainda segundo ele, a vida tende a estabelecer sistemas
isolados, uma vez que busca a individualidade.Contudo,a individualidade não é
perfeita, como demonstrado em” A Evolução Criadora,” quando revela que a
individualidade em parte alguma, nem mesmo no homem, se realiza plenamente.
Bergson acentua que a “vida é tendência”, já que se desenvolve criando,
através de seu crescimento, direções diferentes aonde seu élan irá se repartir. É
preciso supor um único élan originalque lança a vida em direções evolutivas
diferentes, mas que também é responsável pelas semelhanças de alguns pontos,
como a relação do olho com a luz. As divergências nas linhas de evolução, ou seja, a
bifurcação do élan ocorre devido à superação dos obstáculos encontrados. Sendo
assim, a evolução é uma criação constantemente renovada, criando gradativamente
as formas de vida e também desenvolvendo as ideiasque possibilitariam compreender
a vida.
Para Bergson a evolução ocorreu em três direções: Torpor Vegetativo, Instinto
e Inteligência. A vida animal tem função ativa, sendo então instinto. A inteligência
caracteriza o homem, pois possibilita sua atuação racional na natureza. Inteligência e
instinto conservam uma origem comum, ambos se opõem e se completam como nos
mostra Bergson quando diz que “não há inteligência onde não se descobrem vestígios
de instinto, não há instinto que não esteja envolto por uma franja de inteligência”.Com
relação à inteligência humana, a invenção mecânica foi o exercíciofundamental, pois
o ato de moldar, de fabricar um instrumento, possibilitou o reconhecimento da
inteligência, que, em sua forma mais simples, anseia fazer a matéria agir sobre a
matéria.
Para que houvesse o desenvolvimento da inteligência Bergson acreditava que
apenas o ato de fazer seria capaz de valorizar seu aprendizado, uma vez que para ele
a inteligência seria mecânica. Devido a isso, o autor sustentava que a sociedade se
desenvolveu como um organismo que foi submetido às leis necessárias, que se
assemelhavam às leis da natureza em muitos pontos. O fato de desenvolver a
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inteligência era crucial aos indivíduos, pois era uma forma de grande importância para
conseguir sobreviver naquela sociedade primitiva, onde a vida social seria “um
sistema de hábitos mais ou menos fortemente enraizados, que correspondem às
exigências da comunidade” (BERGSON, 1932, p.8). A maioria desses hábitos visão a
obediência e a minora são de mandar. Sendo assim, obedecer, seja a uma pessoa
que manda ou à própria sociedade,é tido como obrigação. As pessoas se sentem
pressionadas a cumprir com tal hábito, realizando a vontade de um indivíduo ou da
sociedade, que se reflete de modo particular para cada membro. Devido a isso, o
desenvolvimento da inteligência seria vital para que o indivíduo compreendesse essas
exigências feitas pela sociedade a qual pertencia, uma vez que uma ordem geral era
originada pela sociedade, mas entendida de forma pessoal, podendo se diferenciar
de acordo com a concepção de cada um. Assim, aqueles que não entendessem seu
verdadeiro significado, não conseguiriam viver dentro daquela sociedade. Contudo,
na concepção de Bergson, todos esses hábitos se mostram relacionados, desde um
círculo próximo de amizades até o seu limite máximo, que seria a sociedade; sendo
cada círculo considerado, direta ou indiretamente, uma obrigação social, o que não
aconteceria se esses hábitos se mostrassem de forma isolada. O autor afirma que “o
coletivo sempre reforça o singular, e a fórmula ‘é o dever,’ triunfa sobre as hesitações
que pudéssemos ter frente a uma dever isolado.” (BERGSON, 1932, p.9).
Bergson nos mostra ainda que o que entendemos por obrigação, na maioria
das vezes, nada mais é que o nosso próprio sentimento de necessidade, pois a
obrigação não vem precisamente de fora, mas também é produzida por nossa
consciência, revelando a personalidade e nos unindo às outras pessoas cujo aspecto
superficial se mostra semelhante, estabelecendo uma disciplina que cria uma
interdependência entre elas. Assim, forma-se todo um conjunto de ideias e leis
subjetivas que unem indivíduos a partir de sua interpretação pessoal, “agarrando-se”
uns aos outros pela superfície, estando assim, socializados. Dessa forma, “a
obrigação que liga os homens, liga primeiro cada um de nós a si mesmo” (BERGSON,
1932, p.12)., uma vez que é nossa própria consciência que nos reflete nossas
verdadeiras decisões. Sendo assim, não há uma moral social se os deveres
individuais forem abandonados. Referida afirmação é acentuada quando Bergson
revela que:
Mesmo que fôssemos obrigados, teoricamente, apenas para com outros
homens, sê-lo-íamos, de fato, para com nós mesmos, dado que a
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solidariedade social só existe a partir do momento em que um eu social se
acrescenta em cada um de nós ao eu individual. (BERGSON, 1932, p.12).
Segundo o autor esse “eu social” é parte indispensável da nossa obrigação com
a sociedade, afinal, essa obrigação é o que nos liga à sociedade, pois sem uma parte
de nós, ela não exerceria poder algum sobre nós.
3.2 Nietzsche e o darwinismo
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 1844, em Röcken, na Alemanha. Veio
de uma família culta, na qual seus dois avós eram pastores protestantes. Ainda
criança, fundou uma sociedade artística e literária, onde começou a escrever seus
versos. Quando jovem, entrou para a Escolade Pforta, por onde passaram grandes
nomes da poesia e da filosofia. Assim começou a se afastar do cristianismo.
Segundo FREZZATTI JÚNIOR (2001), ao entrar em contato com a obra de
Charles Darwin, Nietzsche teria tentado criar uma nova explicação sobre o Universo
e sobre o desenvolvimento da moral, pois se mostrava darwinista no que se referia à
evolução da moral, mas seria lamarckista ao se tratar da evolução biológica. Embora
Nietzsche não se assumisse Darwinista em seu sentido geral, aceitou a ideia de que
o ser humano era apenas parte de um processo evolutivo e não se sobressaía à
Natureza, visto que não havia uma finalidade na Natureza. Segundo Nietzsche, depois
de Darwin tudo era obra do acaso. Assim, passou a pensar sobre tudo o que envolve
o ser humano, suas atividades, seus conceitos, seus costumes, sendo pioneiro nesse
estudo. O objeto central da crítica nietzscheniana a Darwin são suas definições de
luta pela existência e seleção natural, uma vez que suas interpretações divergiam das
do naturalista inglês. Nietzsche tenta, então, esclarecer suas concepções sobre a
transformação dos seres vivos, principalmente a do ser humano, sobre a vida e a
moral, a partir de suas próprias definições sobre o assunto. Mesmo assim, suas teorias
sobre o desenvolvimento da moral unem cultura e biologia, levando em conta
argumentos empregados por Darwin.
Como abordado por Frezzatti Júnior, a luta é uma ideia central no pensamento
de Darwin e de Nietzsche. Para Darwin a seleção natural é o mecanismo da evolução
das espécies e a luta é o motor da seleção. O conceito de luta, ainda desenvolvido
pelo mesmo autor, leva em conta a relação predador/presa e a disputa pelo alimento,
mas também a necessidade de luz, água, calor, entre outros fatores ambientais, e o
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sucesso reprodutivo, o qual considera muito importante, pois “é através dele que uma
característica selecionada na luta pela existência pode aumentar sua frequência em
uma população e, com o tempo, originar uma nova espécie” (FREZZATTI JÚNIOR,
2001, p. 64). Assim, percebe-se que a luta pela existência está relacionada com a
preservação da vida e produção de descendentes. No entanto, para Nietzsche o
conceito de luta afasta a ideia de conservação da vida, visto que luta ocorre para
afirmação e ampliação da força daqueles que combatem. A conservação seria apenas
uma consequênciada busca por maior poder pelas forças do organismo, sendo que o
vencedor do conflito persistia. (FREZZATTI JÚNIOR, 2001, p. 65).
Segundo Nietzsche, quando um indivíduo é dominado, ele passa a viver em
função do que comanda e, por isso, a luta não tem a finalidade de abater o oponente.
Desse modo, se os organismos querem dominar outros organismos, não podem
manter-se constantes, têm que se superar para aumentar a capacidade de dominar.
A conservação seria apenas uma consequência da superação e restrita à vontade de
viver. Já, para Darwin, a espécie que sobrevive é a que possui caracteres adaptados
às condições externas. Entretanto, considera que a superação é mais radical porque
o organismo tem que elevar sua potência ao máximo. Sendo assim, Darwin, ao
contrário de Nietzsche, se nega a ver a luta como a própria vida, pois, para ele, é
apenas um mecanismo obrigatório presente no curso vital de um organismo.Por outro
lado, Nietzsche considera que a luta é por dominação e não por alimento, como
acredita Darwin. Assim, o que induz o indivíduo a obedecer ou comandar é a
necessidade de dominação dos mais fracos.
CONCLUSÃO
O século XIX foi responsável por inúmeras mudanças e transformações no
pensamento social. Mudanças essas que foram motivadas pelas grandes descobertas
ocorridas nesse período, as quais envolveram praticamente todas as áreas científicas.
O século das Ciências, como é chamado, testemunhou vários acontecimentos, desde
a Literatura, com o Romantismo e o Realismo, à Arquitetura, com o advento da
Revolução Industrial. Na Física, os estudos sobre termodinâmica e eletricidade, o
telefone e a telegrafia; na Medicina, a descoberta de vacinas contra a raiva e varíola;
nas Ciências Naturais, os estudos sobre as células, a hereditariedade e a evolução
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das espécies, entre tantos acontecimentos que revolucionaram a mentalidade da
época.
Todos esses estudos contribuíram para o desenvolvimento da sociedade, uma
vez que possibilitaram maior comunicação entre as pessoas, maiores chances de cura
em casos de doenças. Também possibilitaram uma maior compreensão da vida e de
sua origem, a partir dos estudos feitos por Darwin, os quais proporcionaram uma
variada gama de desdobramentos no que diz respeito tanto ao campo da biologia
como da sociedade humana.
Como foi visto, ao contrário do que muitos acreditam, Darwin não influenciou
apenas estudos relacionados à Biologia, mas também foi o ponto de partida para
estudos filosóficos e sociais. Com relação à Biologia, seu trabalho se tornou um divisor
de águas, pois solucionou todos os questionamentos acerca da visão imutável da
natureza que existiam até aquele momento. No entanto, como mencionado, seus
conceitos também se espalharam por diversas áreas do conhecimento, influenciando
principalmente os estudos sociais com a aplicação dos conceitos de evolução e
adaptação no estudo das civilizações. Assim, surgiu o Darwinismo Social, com um
caráter preconceituoso atribuído devido à ideia de superioridade e inferioridade que
distinguiam os povos de acordo com sua cultura, seus costumes e seu grau
tecnológico. Essa distinção equivocada gerou o preconceito sobre os povos africanos
e asiáticos, o qual perdura até os dias de hoje. Além desse caráter, muitos outros
foram atribuídos ao darwinismo social para sustentar teorias de todos os tipos, desde
Roosevelt até os militares nazistas.
As ideias de Spencer, também influenciadas por Darwin, favoreceram o
surgimento
de
disciplinas
que
pretendiam
preparar
o
indivíduo
física
e
psicologicamente para viverem sociedade. Influenciados por erros de interpretação da
obra de Spencer, os brasileiros também se viram no meio dessas discussões sobre a
existência de uma raça superior, o que influenciou a mentalidade brasileira da época,
mas que foi perdendo força com o advento do século XX.
Henri Bergson e Friedrich Nietzsche desenvolveram seus respectivos
pensamentos filosóficos baseados em suas interpretações pessoais dos postulados
evolucionistas. Bergson, representante do espiritualismo, acreditava que a vida era a
continuação de um único élan vital que seria um impulso original de vida que se dividiu
em diferentes formas, sendo produzida pela diferenciação. Bergson não concordava
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com o conceito de adaptação ao ambiente como forma de evolução proposto por
Darwin, pois, para ele, a evolução não pode ser entendida apenas como resultado da
adaptação às condições exteriores, mas pela individualidade que diferencia cada
organismo. Acreditava que a constante renovação da evolução cria as formas de vida
e desenvolve as ideias que proporcionam a compreensão da vida, sendo a inteligência
obtida apenas através do ato de se fazer algo.Em contrapartida, Nietzsche criticava
os conceitos de luta pela sobrevivência e seleção natural, pois compreendia que a luta
era apenas uma forma de ampliar e afirmar a força dos que combatem e não o “motor
da seleção”, como afirmava Darwin.Ainda para Nietzsche, a luta era por dominação
do outro, pelo fato de mandar no outro; e a conservação da espécie era apenas uma
consequência desse fato.
Por um lado, Darwin se tornou um ícone nos estudos evolucionistas das
espécies, mas, por outro, foi o ponto de partida para muitas especulações e para
formulações de novas teorias, que eram a favor ou contra suas ideias. O que não se
pode negar é que Darwin foi um homem que soube compreender seu tempo,
desenvolvendo suas teorias com base em um número espantoso de provas que reuniu
ao longo de anos de pesquisa. Seus conceitos favoreceram o surgimento de vários
outros estudos em um vasto campo científico, influenciando as diferentes concepções
de vida em sociedade e desenvolvimento moral, ultrapassando os limites previstos
por ele próprio, com suas revelações.
Referências
ABBAGNANO, Nícola.
História da filosofia.
Tradução Antonio Ramos Rosa e
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